LUZ ESPÍRITA
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GÉMEAS - Não se Separa o que a Vida Juntou - Leonel / Mónica de Castro

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GÉMEAS - Não se Separa o que a Vida Juntou - Leonel / Mónica de Castro - Página 3 Empty Re: GÉMEAS - Não se Separa o que a Vida Juntou - Leonel / Mónica de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Ago 23, 2015 8:42 pm

― Hum... Está bem. A que horas?
― A uma, está bom?
Viremos da faculdade directo para cá.
― Está óptimo. Aguardarei vocês.
Apesar de temer aquele momento, Gilson conseguiu manter o controle por todo o almoço.
Beatriz era simpática e inteligente, além de muito bonita.
Simpatizou com ela de imediato, apesar da revolta de Lorena e do perigo da situação.
Se Lorena estivesse viva, se teria aliado a Renato para impedir o namoro dos dois.
Ele, contudo, não tinha mais ânimo para aquilo.
No momento em que a mulher morrera, tinha enterrado o passado junto com ela.
Por ocasião de sua morte, a situação entre eles andava muito ruim.
Lorena vivia acusando-o de fraco e covarde porque ele dissera que chegara a hora de parar.
No fim de semana em que tudo acontecera, os dois haviam acabado de sair de uma festa e discutiam no carro.
― Já estamos ricos - dissera ele.
Não precisamos mais nos arriscar desse jeito.
― E daí? - rebateu ela, a voz pastosa da embriaguez.
Dinheiro nunca é demais.
― Você viu o que aconteceu.
Aquilo não estava nos planos.
― Não foi culpa de ninguém.
― Vai me dizer que o homem levou um tiro acidental?
― Ninguém o mandou se intrometer no caminho.
A culpa foi dele.
― Você está louca.
Onde já se viu culpar o homem por tentar defender as filhas?
Lorena soltou uma gargalhada estridente e retrucou com desdém:
― Você é um covarde, Gilson.
Aposto como inventou aquela doença só para não ter que ir a Mato Grosso comigo.
Mas você não fez falta.
Fui com um homem de verdade.
Gilson mordeu os lábios e tornou irritado.
― Está sendo tola, Lorena.
O homem é casado.
― Mas corajoso!
Muito mais do que você, covardão.
― Você está bêbada.
― E qual o problema?
Você também devia se embebedar, de vez em quando.
― Gosto de beber socialmente.
― O que o leva a pensar que é melhor do que eu?
― Não penso isso.
― Mas age como se fosse.
Como se não fosse um criminoso igualzinho a mim.
― Não precisamos mais nos envolver no crime - tornou ele com voz mais suave.
Já temos o bastante para levar a vida honestamente.
O jornal está dando um bom dinheiro agora.
― O jornal não tem nada a ver com os bebés.
Gosto do que faço.
― Como alguém pode gostar de viver na criminalidade?
― Gosto de crianças...
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Ago 23, 2015 8:43 pm

Era uma ironia tão grande que Gilson se irritou:
― Nós temos um filho, Lorena!
Será que não pensa nele?
― Que eu saiba, ele está muito bem.
Não lhe falta nada.
― Falta-lhe o amor de mãe.
Você está sempre ausente.
― Você não tem o direito de me cobrar isso.
Eu não queria ter filhos.
Engravidar foi um acidente, e você não me deixou fazer o aborto! - disse ela com raiva.
― Pelo amor de Deus, será que você não sente nada pelo seu filho?
― É claro que sinto.
Mas à minha maneira.
Não adianta você me cobrar mais do que posso dar.
― Não é o suficiente.
Vítor precisa de mais.
― Por que não me deixa em paz, Gilson?
Vive me atormentando com as suas lamúrias e o seu arrependimento.
Enquanto o dinheiro entrava, nunca o vi se queixar.
― Você sempre soube que entrei nessa por desespero.
Mas não me agradava.
Nunca me agradou, embora eu dissesse a mim mesmo que estava fazendo um bem a pessoas pobres e sem esperança.
― Que lindo! Tão magnânimo, tão bom que chega a comover.
Engane-se a si mesmo, não a mim.
Você entrou pela ganância, pela possibilidade de dinheiro fácil.
― Tudo bem, foi pelo dinheiro.
Mas eu não queria, você sabe que não queria.
― Fui eu que o convenci?
É isso que está tentando dizer? - ele não respondeu.
Pois não me vou sentir culpada por termos seguido esse rumo na vida.
Você entrou porque quis. Jamais o obriguei.
― Como é que eu ia deixá-la sozinha?
― Você não me deixou sozinha porque temia que uma mulher não conseguisse dar conta do recado.
Mas eu dei. Muito mais do que você.
― Eu nunca matei ninguém.
― Ora, mas nem eu.
― Você viu o homem atirar no sujeito e não fez nada.
E ainda largou a mulher lá para morrer também.
Não se sente responsável pela morte dessas duas pessoas?
― Não.
― Pois eu me sinto.
― Que pena para você, não é mesmo?
Um homem tão fraco, tão covarde...
Não devia mesmo se envolver com práticas que requerem determinação, astúcia e coragem.
― Quero o divórcio - o revelou subitamente, e Lorena levou um susto.
― O quê?
― Você ouviu. Quero o divórcio.
― Você só pode estar brincando.
― Não estou.
Não aguento mais essa pressão.
Ou largamos essa vida, ou eu largo você.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Ago 23, 2015 8:43 pm

― Idiota. Pensa que preciso de você?
Tenho um esquema tão bem montado que posso fazer tudo sozinha.
― Pois então, faça.
Mas deixe-nos em paz, a mim e a Vítor.
― Como assim, deixá-los em paz?
Vítor é meu filho.
― Você mesma disse que não tem muito a lhe dar.
― Jamais falei uma coisa dessas.
― Você não liga para ele, Lorena.
Por que o quer?
― Porque ele é meu filho!
E você é quem está dizendo que não ligo para ele.
― Foi o que você quis dizer.
― Não foi, não.
Disse que me importo à minha maneira, e a minha maneira é sem apegos, frescuras nem excesso de carícias.
Mas ele é meu filho.
Você não tem o direito de tirá-lo de mim.
― Você não o quer por amor. Quer por orgulho.
― Você não é ninguém para me julgar. Ninguém!
― Não precisamos passar por nada disso, Lorena.
Podemos deixar essa vida e recomeçar.
― E o divórcio?
― Se você concordar em parar, não precisamos nos divorciar.
Ainda a amo, mas não posso mais levar isso adiante.
― Não posso parar, já disse.
Gosto do que faço.
― Como alguém pode gostar de ser criminoso?
Ela deu de ombros e respondeu:
― Gosto da emoção, do perigo, da sensação de poder por estar burlando a lei e a Justiça.
E, sobretudo, gosto imensamente dos muitos dólares que ganhamos em cada operação.
― Os riscos não compensam.
Duas pessoas morreram.
― Lá vem você de novo com as mortes.
Agora me diga:
quem vai se importar com dois matutos mortos lá nos confins de Mato Grosso?
― Eles eram seres humanos.
Eu me importo.
― Você é muito sentimental mesmo, não é?
Mas eu não sou.
Eles estão mortos, e muito bem mortos.
Não vão fazer falta a ninguém.
― Vamos parar, Lorena, estou falando sério.
Ou você pára ou vou pedir o divórcio e lhe tomar a guarda do Vítor.
― Lá vem você com chantagem.
Não vejo como você possa tirar o menino de mim.
― Tenho advogados que podem cuidar disso.
Você é péssima mãe, bebe demais, vive na rua, xinga os criados, grita com Vítor e o assusta.
Até hoje, ele não fala mamãe, e a primeira palavra que aprendeu foi papai.
― Grande coisa...
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Ago 23, 2015 8:43 pm

― Uma grande coisa, sim.
Prova a péssima mãe que você é.
Tudo por causa da bebida, eu sei.
Mas você pode se curar, sei que pode. Basta querer.
― Não quero. Gosto de beber e não vou parar de fazer o que faço.
― Essa e a sua última palavra, então não tem jeito.
A solução é o divórcio, mesmo que eu ainda ame você.
― Cachorro! Não pode fazer isso comigo!
Com a mente tolhida pela bebida, Lorena começou a gritar e praguejar, dando socos nos ombros e na face de Gilson.
O carro deu uma guinada para a esquerda, mas Gilson conseguiu controlá-lo e esbracejou:
― Pare com isso, mulher!
Quer nos matar?
Mas Lorena não lhe dava ouvidos.
Furiosa com as palavras do marido, os pensamentos embotados de formas alimentadas pelo vinho, além de assediada por espíritos menos esclarecidos atraídos pela sua má atitude e que vibravam com o álcool e a briga, ela continuava a desferir-lhe golpes violentos e estabanados acertando-o em vários lugares do tórax e do rosto.
― Cafajeste! Covarde! Canalha!
Ela persistia em xingá-lo e dar-lhe unhadas e golpes, que Gilson tentava evitar, mas não conseguia.
Ao redor dela, igualmente embriagadas, algumas entidades davam gargalhadas de prazer e estimulavam a sua fúria, dizendo ao seu ouvido palavras do tipo:
Não seja idiota.
Ele quer descartar você.
Você pode tudo. Reaja!
Mostre-lhe a mulher determinada que você é.”
Com o discernimento ofuscado pelo efeito do álcool, Lorena ia cedendo cada vez mais a esses impulsos destrutivos, deixando envenenar-se por fortes pensamentos que se alimentavam do vício e do ódio.
As formas-pensamento, criadas pelas matérias mental e emocional de Lorena, permaneciam ao seu redor, levando-a a repetição de comportamentos perniciosos e, com isso, gerando vícios que ela ia alimentando com os próprios pensamentos assim potencializados. Além disso, como todas as pessoas possuem um poder magnético muito eficaz para atrair formas-pensamento afinizadas com a vibração que emanam, Lorena atraía ainda outras que, aliadas às que ela já criara, iam potencializando cada vez mais os seus vícios, levando-a a embriaguez, à persistência no crime e a explosões de cólera.
Como se isso não bastasse, havia ainda espíritos ignorantes, igualmente viciados em bebida, que se compraziam em estimulá-la a beber cada vez mais e incutiam-lhe pensamentos de discórdia para também poder se aproveitar da energia assim despendida.
E Lorena, ignorante das verdades divinas, ia cada vez mais se embrenhando por aquele caminho vicioso e alimentando, sem saber, as formas-pensamento do vício e do ódio, e os espíritos sem luz que dela se aproximavam.
Despreparada e invigilante, não oferecia a menor resistência e obedecia, tal qual um fantoche, às sugestões do invisível.
Com isso, seu ódio foi-se extravasando de tal maneira que se tornou difícil, até mesmo para ela, controlar os impulsos de uma cólera fremente e avassaladora.
A seu lado, Gilson gritava, tentando inutilmente chamá-la de volta à razão.
Mas ela não lhe dava ouvidos e continuava a agredi-lo fisicamente, até o ponto em que, envolvida por uma nuvem negra de pensamentos maléficos e espíritos das sombras, soltou o cinto de segurança e investiu contra o volante do carro.
Com rapidez e agilidade surpreendentes, puxou a chave da ignição, fazendo travar a direcção e impedindo que Gilson executasse a curva que surgia à sua frente.
O automóvel se chocou directamente contra uma árvore, e os dois foram atirados para frente com incrível velocidade.
Preso no cinto, Gilson sentiu um baque no peito e no pescoço, desmaiando na mesma hora.
Ao mesmo tempo, Lorena, que se havia desprendido do cinto minutos antes, foi arremessada contra o vidro, que se partiu com o impacto, lançando sua cabeça e parte de seu corpo para o lado de fora.
Sua morte foi instantânea.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Ago 23, 2015 8:43 pm

CAPÍTULO 12

Por mais que se esforçasse, Beatriz não conseguia simpatizar com Graziela.
Havia algo nela que não lhe agradava.
O jeito como dançara com o pai na festa a deixara intrigada.
Sentia uma ameaça velada e indefinível, algo fantasmagórico, sem forma e sem sombra.
Apenas uma vaga impressão que não encontrava razão no mundo dos vivos.
― Em que está pensando? - perguntou Vítor, enquanto acariciava sua mão por cima da mesa.
Você está distante.
― Na Graziela Martins. Não gosto dela.
― Por quê? Achei-a bem simpática.
― Pois eu a achei detestável.
Tem algo nela que não me agrada.
Sinto que ela não é confiável.
― Será que você não está com ciúmes?
Só porque seu pai dançou com ela?
― Não sou idiota, Vítor.
Não sinto ciúmes por besteira.
― Será que não?
Você não tem motivo nenhum para não gostar dela.
Graziela nunca lhe fez nada.
― Sei que não tenho motivo, e é justamente isso que me incomoda.
Por que não gosto dela se mal a conheço?
― Quem vai saber?
Seja o que for, deixe para lá.
Ela não pode fazer nada para atingir você.
Beatriz concordou com a cabeça, mas, no fundo, não sabia se acreditava naquilo.
Sentia o perigo no ar, contudo, achou melhor não insistir no assunto.
Concentrou a atenção no namorado, até que ele pagou a conta, e foram embora.
Quando chegou a casa, Carminha estava de saída e Beatriz indagou sem malícia:
― Aonde é que você vai, mãe?
― A um chá em casa de Amélia.
― Sozinha?
― Graziela vai comigo.
― Que Graziela?
― A única Graziela que conhecemos:
Graziela Martins.
― Por que ela não vai de táxi?
― Não sei, não perguntei.
Qual o problema, hein, Beatriz?
― Nenhum. Por que ela não arranja um emprego?
― Ela não precisa trabalhar.
― Você também não, mas tem o seu próprio negócio.
― Faço o que faço por prazer.
― E Graziela não tem prazer em trabalhar, não é mesmo?
Só gosta de ficar por aí à toa, gastando o dinheiro do marido.
Carminha olhou-a surpresa e considerou:
― Por que essa implicância com Graziela?
Ela lhe fez alguma coisa?
― Não me fez nada.
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GÉMEAS - Não se Separa o que a Vida Juntou - Leonel / Mónica de Castro - Página 3 Empty Re: GÉMEAS - Não se Separa o que a Vida Juntou - Leonel / Mónica de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Ago 23, 2015 8:43 pm

― Então pare com isso.
É muito feio ficar julgando e criticando os outros.
Ela perdeu o marido e está sozinha.
Precisa de amigos.
Beatriz não disse nada, e Carminha saiu.
Estava atrasada e ainda tinha que pegar Graziela.
Pontualmente às cinco horas, chegaram à casa de Amélia.
Estavam no horário de verão, e o dia claro e ensolarado permitiu que o chá fosse servido à beira da piscina.
― Fico muito feliz que tenham vindo! - exclamou Amélia, beijando as duas nas faces.
Da janela de seu quarto, Leandro as observava e declarou:
― Minha mãe adora uma fofoca.
― Deixe-a - falou Suzane.
Faz bem conversar com as amigas.
Amélia viu o filho na janela e acenou para ele, que acenou de volta.
― É o meu filho - esclareceu ela.
Depois que arranjou essa namoradinha, não quer mais saber de ninguém.
― São coisas da juventude - retrucou Carminha.
Minha filha mais velha também tem um namorado, e acho que pretendem se casar.
― Por enquanto, Leandro ainda não falou em casamento.
É muito cedo para isso.
Ele e Suzane estão namorando há pouquíssimo tempo.
Carminha notou uma pequena ponta de tristeza em Graziela e considerou:
― Você ainda pode ter filhos, Graziela.
A medicina hoje está muito avançada, e idade não é mais empecilho para a gravidez.
― Sou viúva - rebateu Graziela ― e não tenho interesse em me casar de novo.
― Não diga isso! - censurou Amélia.
Estou no segundo casamento, mas, se precisar, vou para um terceiro, e um quarto, e quantos mais aparecerem.
Enquanto a conversa prosseguia à beira da piscina, Leandro continuava observando-as, até que chamou Suzane.
― Vamos dar uma volta?
― Onde?
― Não sei. O que você acha de um cinema?
― Hoje é domingo.
Os cinemas estão cheios.
― Que tal um barzinho então?
― Está bem.
Desceram de mãos dadas, mas quando estavam saindo, Suzane se lembrou de que havia esquecido a bolsa em cima da cama do rapaz.
― Quer que eu vá buscá-la? - ofereceu-se Leandro.
― Não, pode deixar.
Vá falar com a sua mãe.
Ela deve estar procurando você.
Leandro foi cumprimentar a mãe e suas amigas.
Amélia apresentou-o a Carminha e Graziela, e ele respondeu ao cumprimento com simpatia.
Trocou algumas palavras com as senhoras e voltou para junto de Suzane.
Já de posse da bolsa, ela ia cruzando a porta da varanda dos fundos, rumo à piscina, quando Leandro a interceptou.
Deu-lhe um beijo no rosto e puxou-a pela mão, fazendo-a girar bruscamente.
― Vamos - ele quase suplicou, louco de vontade de se afastar dali.
De onde estavam, as mulheres não puderam ver Suzane. Graziela e Carminha notaram apenas que ela era morena, com cabelos curtos cortados à Chanel e corpo esguio.
― É uma linda moça, sem dúvida - elogiou Amélia.
Pena que não puderam conhecê-la.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Ago 23, 2015 8:44 pm

― Que idade ela tem? - perguntou Graziela.
― Uns vinte ou vinte e um anos.
― A idade da minha filha - observou Carminha.
E não está na faculdade?
― Não sei. Acho que não.
Chegou de Brasília há pouco tempo, depois que perdeu os pais num acidente de carro.
O assunto trazia lembranças remotas e dolorosas a Graziela, que, para não deixar transparecer ainda mais o desconforto, comentou:
― Quanta gente morre em acidentes de trânsito, não é mesmo?
A conversa centrou-se nos acidentes de trânsito e Graziela deu uma última olhada para a porta por onde Leandro havia sumido.
Por uns momentos, perdeu-se em seus próprios pensamentos, lembrando-se do quanto fora infeliz na juventude e na felicidade comedida que Aécio lhe proporcionara.
Não era como aqueles jovens, que tinham tudo desde cedo e que não conheciam o sabor da derrota e da desilusão.
De repente, desinteressou-se da companhia das amigas e seu rosto se entristeceu, nublado pelas recordações de um passado remoto, mas que ainda doía como uma ferida em carne viva.
Lágrimas lhe vieram aos olhos, o que foi percebido com preocupação pelas amigas.
― Está se sentindo bem?
Você parece não estar ouvindo nada do que dizemos ― constatou Amélia, fitando-a com certo desapontamento.
― Eu estou bem... - murmurou Graziela.
Na verdade, estou com um pouco de dor de cabeça.
― Gostaria de uma Novalgina ou qualquer outra coisa? - tornou Amélia.
Posso mandar buscar na farmácia.
― Não precisa, obrigada. Sinto muito...
Acho melhor ir embora.
― Mas o que é isso? - protestou Amélia.
Vocês acabaram de chegar.
― Não estou me sentindo bem...
― Se quiser ir embora, posso acompanhá-la - disse Carminha.
― Não precisa, obrigada.
É só chamar um táxi.
― Nada disso! - objectou Amélia novamente.
Vocês são minhas convidadas, e não vou deixá-las sair assim.
Se Graziela não está se sentindo bem, mando o motorista levá-la em casa.
― Não quero que se incomode nem pretendo estragar o seu chá.
Posso tomar um táxi, já disse.
Ela se levantou, impedindo que Carminha também o fizesse:
― Não me acompanhe, Carminha.
Não estou tão mal assim.
É só uma dor de cabeça.
Embora contrariadas, Carminha e Amélia tiveram que aceitar a decisão de Graziela.
Ela se despediu e tomou um táxi directo para sua casa.
Na verdade, não sentia dor de cabeça alguma.
Apenas uma tristeza profunda cavoucara seu coração, infiltrando-se em seu peito como um espinho pontiagudo.
Pensava em Aécio a todo instante, nas promessas que fizera de ajudá-la e que não conseguira cumprir.
Não era culpa dele.
Ele se esforçara ao máximo para manter a palavra, mas tudo se tornara impossível.
Não havia resquícios de seu passado perdido naquela terra de ninguém.
Por um momento, a imensa solidão ecoou no vazio ao seu redor.
Ela se deitou na cama e chorou, lembrando-se do marido que tanto amava e que se fora, vencido pela idade avançada.
E agora? O que seria dela?
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GÉMEAS - Não se Separa o que a Vida Juntou - Leonel / Mónica de Castro - Página 3 Empty Re: GÉMEAS - Não se Separa o que a Vida Juntou - Leonel / Mónica de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Ago 23, 2015 8:44 pm

Um enorme sentimento de culpa destruía seus sonhos, dizendo-lhe que a vida não lhe permitiria uma segunda chance, porque fora devido à sua ganância que tudo acontecera daquela forma.
O marido se fora... O outro também.
Todos os seus sonhos de mulher e de mãe restaram destruídos pela ambição e a inconsequência, que a atiraram no precipício sem volta da ilusão.
Graziela chorava baixinho, as mãos apertando a colcha de encontro aos lábios, até que as pálpebras se vestiram de chumbo e ela adormeceu.
Em seu sonho, tudo parecia real.
Aécio lhe dizia para ter paciência e calma, que tudo se resolveria.
― Mas quem é essa sombra ao seu lado? - perguntou ela, apontando para o espectro sombrio que o acompanhava à distância.
― Não é uma sombra.
É alguém que quer vê-la, mas de quem você tem medo.
― É uma sombra. Não tem rosto...
― É você que não o vê, porque os seus olhos se turvaram e a impedem de ver o que você mais teme.
E você que não quer reconhecê-lo.
Graziela acordou assustada, as lágrimas húmidas repuxando as maçãs de seu rosto.
Lembrava-se nitidamente do sonho, mas não queria pensar nele.
Aécio estava morto, e ela não conhecia ninguém que pudesse se apresentar feito uma sombra.
Ou será que conhecia? Era melhor não pensar.
Não queria mais pensar em nada daquilo.
Queria poder dormir e esquecer a sua vergonha, o seu medo e o seu arrependimento.
Mas não podia.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Ago 23, 2015 8:44 pm

CAPÍTULO 13

Beatriz terminou de se arrumar em frente ao espelho e sorriu para si mesma, satisfeita com a sua aparência.
Achava-se uma moça interessante:
não muito alta, tez morena e corpo bem-feito.
Os cabelos lustrosos e alourados, resultado de sucessivos reflexos, desciam até o meio das costas, encaracolando nas pontas levemente douradas de sol.
Era bonita, embora, por vezes, achasse seu corpo um tanto cheio de curvas, mas era contra a "ditadura da magreza" e procurava se manter em forma sem transformar o corpo numa tábua ossuda e esquálida.
E Vítor adorava.
Quando chegou à sala, encontrou Graziela sentada no sofá, bebericando um copo de Martini e conversando com Nícolas.
Beatriz franziu a testa involuntariamente, imaginando o que aquela mulher estaria fazendo ali.
Já ia dar meia-volta sem ser notada, mas o irmão foi mais rápido e a chamou:
― Venha cá, Beatriz.
Graziela está contando histórias engraçadas da Itália.
Beatriz parou onde estava e retrucou com antipatia:
― Obrigada, Nícolas, mas não estou interessada.
Se quiser saber da Itália, entro na internet e vejo tudo.
― Que mau humor, hein?
Está na TPM, é?
― Que coisa feia, Nícolas - censurou Beatriz.
Onde é que está aprendendo a ter esses modos?
― Deixe estar, Beatriz - interveio Graziela.
Ele não disse nada de mais.
― Pode ser que na Itália ninguém ligue para essas grosserias, mas aqui no Brasil costumamos ter mais educação.
Graziela sentiu o rosto arder e quase se levantou para ir embora.
Como passara muito tempo na Europa, não compreendia o real significado do gracejo de Nícolas, mas deduziu que deveria ser alguma coisa ofensiva ou de mau gosto.
― Acho que Beatriz não gosta de mim - comentou.
― Não é verdade! - objectou Nícolas, horrorizado ante a possibilidade de a irmã vir a dizer o que realmente sentia.
Os dois cravaram os olhares em Beatriz, mas ela não disse nada.
Estava furiosa porque o irmão, aparentemente, simpatizara com Graziela.
― Você não tem nada para estudar, não, Nícolas? - irritou-se.
Não tem trabalho de casa?
― Não. E se tivesse, não seria da sua conta.
― Malcriado.
― Vocês estão brigando? - era Carminha, que acabara de entrar na sala.
Não acredito. Meus filhos, brigando?
Mas vocês sempre foram tão amigos!
― Para você ver o que uma estranha faz na vida da gente - disparou Beatriz, passando directo pela mãe e abrindo a porta da rua.
― Perdão, Graziela - desculpou-se Carminha, envergonhada ante a atitude de Beatriz.
Não sei o que deu nessa menina ultimamente.
Ela deve estar com algum problema.
― Ela ficou toda stressadinha só porque eu falei que ela devia estar na TPM - contou Nícolas.
― Não devia ter dito isso, meu filho - repreendeu Carminha.
É feio.
Beatriz atravessou o condomínio furiosa.
Além de ter que aguentar a desagradável surpresa de encontrar Graziela sentada confortavelmente em sua sala, Nícolas estava todo animadinho conversando com ela.
Estava quase chegando à portaria quando o carro de Vítor surgiu.
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De tão furiosa, nem viu que era ele, até sentir os faróis cegando os seus olhos.
Ia levantar a cabeça e reclamar, mas ele parou a seu lado e abaixou o vidro.
― Aonde vai? - o indagou, notando o seu semblante fechado.
― Ia esperar você na portaria - respondeu ela irritada, abrindo a porta do carro e se jogando no banco ao lado dele.
― O que você tem? - perguntou Vítor, sentindo a exasperação nos lábios que o tocaram.
― Nada! - gritou ela.
― Então, por que está assim?
Eu fiz alguma coisa?
― É aquela mulher! - vociferou Beatriz.
Não suporto aquela mulher.
Resolveu aparecer lá em casa sem ser convidada.
E até meu irmão, conseguiu colocar contra mim.
Nesse momento, o espírito de Lorena, atraído pela raiva de Beatriz, aproximou-se dela e começou a instigar-lhe pensamentos de antipatia por Graziela.
O carro de Vítor ganhou a avenida e Lorena se acomodou no banco de trás, colocando as mãos na nuca de Beatriz .
― De quem está falando? - prosseguiu Vítor.
Da Graziela?
― E de quem mais poderia ser? - explodiu ela, provocando gargalhadas em Lorena.
― É muito fácil influenciar essa tonta - afirmou ela com ironia.
É boazinha, mas se deixa levar facilmente pelo ciúme e a irritação.
Gente irritadiça e ciumenta é óptima para a gente se fartar.
― Acho que você está exagerando na antipatia - rebateu Vítor, sem imaginar a presença da mãe.
Afinal, ela não lhe fez nada.
― Tem algo nela que não me agrada.
Ela não me engana.
Está de olho no meu pai, só pode ser.
De dinheiro, ela não precisa.
Então, só pode estar querendo sair com ele.
― Não acha que está imaginando coisas?
Sob a influência de Lorena, Beatriz prosseguia praguejando:
― Acho que ela é uma sem-vergonha e dá em cima de qualquer homem.
O marido morreu, e ela deve estar a perigo.
Aliás, devia trair o marido adoidado.
Uma mulher jovem feito ela, cheia de fogo, casada com um velho...
Não sei, não.
― Não acha que a está julgando muito mal?
Você nem a conhece, não sabe nada sobre sua vida.
― Sei o suficiente para afirmar que ela não presta - rebateu Beatriz, cada vez mais irritada, para satisfação de Lorena.
Minha mãe que se cuide, ou vai perder o marido.
Tentei avisá-la, mas ela não me dá ouvidos.
O sinal ficou vermelho, e Vítor freou o carro, puxando-a para junto de si:
― Deixe disso, Beatriz - falou ele mansamente, envolvendo-a numa aura de amor que afastou Lorena por instantes.
Por que não esquece Graziela e se concentra só em nós?
Podemos ir a um lugar especial.
Ele a beijou com ternura, e ela correspondeu, intensificando a energia de amor, que começou a se espalhar pelo carro.
Beatriz ainda estava enraivecida, mas a vibração de ódio, que a envolvera até ali, começava a se dissipar diante da atitude amorosa do namorado.
Foi Lorena quem se irritou e teria investido contra Vítor, não fosse ele o seu filho.
Incomodada com a aura de amor que ia se disseminando no pequeno ambiente, fez um muxoxo desanimado e desapareceu.
Livre da influência de Lorena, Beatriz esfregou as têmporas e respirou mais aliviada.
Virou o rosto para o lado e se distraiu vendo alguns rapazes que bebiam cerveja e riam alto, sentados à mesa de um quiosque no calçadão da praia.
Um deles olhou para ela e fez cara de assombro, erguendo a lata de cerveja e dizendo alguma coisa que ela não compreendeu.
O sinal abriu e Vítor acelerou o carro e, um segundo depois, Beatriz já não pensava mais no rapaz que lhe dirigira aquela suposta paquera.

(N.A) Na nuca existe um chacra subsidiário, bastante influenciável energeticamente, pó onde penetram as energias mais densas e de vampirização, causando dores de cabeça na pessoa assim atingida.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Ago 24, 2015 8:13 pm

CAPÍTULO14

Ainda era cedo quando Suzane deixou o apartamento para ir ao trabalho.
Leandro havia lhe arranjado um emprego em sua firma de publicidade, e ela até que estava gostando de ter o que fazer e só depender dela para ganhar dinheiro.
Mal havia saído de casa quando René começou a caminhar a seu lado.
― Vi você ontem na Barra, com seu namorado - disse ele, sem nem mesmo cumprimentá-la.
― Não estive na Barra ontem - a retrucou, de má vontade.
― Mentirosa.
Vi você no carro de luxo do playboy.
Só o que não entendi foi o porquê da peruca.
― Peruca? - ele assentiu.
Endoidou de vez.
― Eu vi você, Suzane.
Ela estacou abismada e retrucou com irritação:
― Como é que sabe o meu nome?
― Conheço todo mundo por aqui, inclusive o cara que alugou o apartamento para você.
― Muito esperto.
Mas isso não lhe dá o direito de vir me cantar inventando mentiras.
― Quem é que está mentindo? - ela o olhou com desdém e não respondeu.
Pelo menos eu não finjo ser outra pessoa.
― Nem eu.
― O riquinho é seu namorado?
― Para dizer a verdade, é sim.
E você não tem nada com isso.
― Não tenho e entendo por que você prefere o playboy a mim.
― Entende? Que bom.
Então, por que não me deixa em paz?
― Só porque estava no carro do bacana, não precisava fingir que não me conhecia.
― De novo com essa bobeira?
― Por que não assume que era você?
― Porque não era.
― E ainda por cima, de peruca...
― Já disse que não era eu.
Não estive na Barra ontem, muito menos usando uma peruca.
Gosto do meu cabelo do jeito que é.
― Mas eu a vi. Juro.
― Não era eu.
Você me confundiu com outra garota.
― Era você mesma.
Até olhou para mim...
― Virei à cara para você?
― Não.
― Então não era eu.
O sangue subiu à cabeça de René, que estacou no meio da rua e segurou-a pelo punho, com força.
― Não devia me tratar dessa maneira, Suzane.
Gosto de você.
― Mas eu não gosto de você.
E quer, por favor, largar o meu braço?
Está me machucando.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Ago 24, 2015 8:13 pm

Ele afrouxou os dedos, mas puxou-a para si o suficiente para que seus lábios quase se roçassem.
Instantaneamente, um calor subiu pelo corpo de Suzane, que se assustou com a sensação de amolecimento que foi dominando as suas pernas e o enorme desejo de colar a sua boca à de René.
Ele sentiu o mesmo, porque seu coração se precipitou para fora do peito, indo buscar as batidas arrítmicas do coração de Suzane.
Beijou-a. Calmamente a princípio, e depois com um ardor comedido de quem tem medo de revelar o que sente.
Quando ele terminou de beijá-la, Suzane permaneceu com os lábios próximos aos seus, o peito ondulante atirando fagulhas de desejo que René recolhia com o corpo se torcendo de uma febre animal e hostil.
― Não faça isso comigo - pediu ele num sussurro.
― Solte-me, René - ordenou ela, confusa com o que sentia.
Estou comprometida com outro.
Ele registou que ela guardara o seu nome e uma felicidade ímpar percorreu-lhe o sangue.
Atónito e ainda embriagado pelo calor do corpo de Suzane, René a soltou.
Ela não se afastou.
Permaneceu ali, olhando para ele, tentando decifrar o enigma dos sentimentos que se embaralhavam em seu coração.
― Não faça isso comigo - repetiu ele, como se implorasse a si mesmo para não sentir o que sentia.
― Foi você que me beijou - falou ela.
― Foi... Queria beijá-la de novo, e de novo, e de novo.
Queria beijá-la para sempre, até que não existisse nada no mundo além de nossos beijos.
Suzane sentiu a pele se arrepiar com as palavras de René.
Ninguém, em toda a sua vida, lhe dissera nada tão doce e meigo.
De repente, ela estava diante de um homem que em nada se parecia com o René debochado e malandro que conhecera outro dia.
Ele a encarava com ar afectuoso e cheio de expectativas, embora, lá no fundo, ela percebesse aquela hostilidade que lhe era tão característica.
Estavam ambos em silêncio, e o silêncio era o porta-voz de seus corações.
― Tenho que ir - anunciou Suzane após alguns minutos, despedaçando o silêncio com a voz da desilusão.
Estou atrasada para o trabalho.
― Não vá... - o suplicou, apertando a sua mão.
― Eu... Não posso ficar.
Tenho um emprego e... Um namorado...
― Você pode ter um emprego, mas seu namorado não é o homem da sua vida.
Você só está com ele por dinheiro.
― Não é verdade.
― É verdade, sim.
― Está enganado.
― Ele está apaixonado por você? - ela não disse nada.
Pois eu estou.
― René, por favor...
― Não vá me dizer que não sentiu nada, porque não vou acreditar.
Tenho certeza de que o pouco que vivemos agora mexeu muito com você.
― Você não entende... - balbuciou ela, confusa.
― Não entendo o que?
― Você é um estranho...
E estou namorando outro...
Um rapaz maravilhoso....
― E rico.
― Não é nada disso!
Não estou com ele pelo dinheiro.
― Você não o ama.
Senti isso na forma como me beijou.
De repente, foi como se um rasgo de lucidez perpassasse a mente de Suzane, que se recompôs e o fixou com os olhos indecifráveis.
― Você está se atribuindo uma importância que não tem - retrucou com uma frieza imposta.
Iluda-se o quanto quiser.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Ago 24, 2015 8:13 pm

― Tem coragem de dizer que não sentiu nada quando me beijou?
― Não tenho que lhe dizer nada.
Fez menção de virar-se, mas ele a segurou pelo pulso e revidou em tom mais ameno:
― Desculpe-me, Suzane.
Você tem razão.
Não tenho nada com a sua vida e não quero me intrometer.
Mas é que eu gosto tanto de você!
― Nós nos conhecemos há muito pouco tempo para você gostar tanto de mim assim.
― São coisas do coração.
Quem é que pode prever por quem ele vai bater mais forte?
― Você não é um mau rapaz, René.
E é por isso que vou lhe dar um conselho: esqueça-me.
Eu não sirvo para você.
― Você quer dizer que eu é que não sirvo para você, não é? - ela não respondeu.
Por quê? Porque sou pobre?
Sou pobre, mas não sou burro.
Posso crescer na vida, sabia?
― Como? Você não sabe fazer nada.
― Só porque não tive oportunidade de fazer faculdade e me formar não quer dizer que não sirvo para nada.
― Eu não disse isso...
― Disse sim, com o seu pensamento.
Posso parecer irresponsável, mas não sou.
Tenho o meu emprego também.
― O que você faz?
― Trabalho marcando apostas no jogo do bicho.
Ela deu uma gargalhada debochada e revidou em tom de gracejo:
― Isso lá é emprego?
Ainda se fosse o bicheiro...
― Pode desdenhar, se quiser.
Mas isso é só provisório.
Estou juntando dinheiro para me matricular num cursinho e fazer vestibular para direito.
Ainda vou ser juiz, você vai ver.
― Odeio advogados - a retrucou entre os dentes.
― Mas não vai odiar a mim.
Vou ser juiz um dia e vou lhe dar tudo o que você quiser.
― Seu sonho é muito bonito, mas não posso esperar tanto.
― Será que vale a pena se vender a um ricaço e perder um verdadeiro amor?
― Quem foi que disse que você é meu verdadeiro amor?
― Foi o que pareceu minutos atrás.
― As aparências enganam.
Como disse, você é apenas um estranho.
Jamais poderia ser meu verdadeiro amor.
Sem esperar para ver a reacção dele, Suzane rodou nos calcanhares e correu em direcção ao ponto de ónibus.
Nunca se sentira tão transtornada quanto naquele momento.
René lhe trouxera sentimentos contraditórios e nunca antes vividos.
Jamais poderia imaginar que ele fosse capaz de despertar a mulher apaixonada adormecida no desejo de vingança.
Mexera muito com ela, mas era preciso tirá-lo da cabeça.
René não era o homem da sua vida.
Ela não queria que fosse.
Ele ficou vendo-a correr pela rua e subir no ónibus, sem se mover.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Ago 24, 2015 8:13 pm

Queria ir atrás dela e dizer-lhe que estava enganada, mas seus pés se transformaram em pedra e se cravaram no chão.
O vendaval da dúvida e do medo despencou sobre ele, e René quedou estarrecido consigo mesmo.
Quando pensava em Suzane, sentia o corpo todo arder num desejo insano de levá-la para a cama.
Encontrara-a naquele dia de propósito, para mostrar que a vira com o namorado na noite anterior, mas não esperava tê-la em seus braços de forma tão apaixonada.
À medida que o ónibus em que ela estava ia-se afastando, as mandíbulas de René se contraíam, e ele fechou os olhos, tentando afugentar os pensamentos de desânimo que se embrenhavam em sua mente.
Depois que o colectivo sumiu de vista, suspirou e pôs-se a caminhar cabisbaixo.
Chutou com fúria uma latinha de refrigerante caída no chão e, entre a mágoa e a revolta, sussurrou para si mesmo:
― Estou perdido.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Ago 24, 2015 8:14 pm

CAPÍTULO 15

Ao entrar na firma em que trabalhava, Suzane fez um tremendo esforço para mudar a fisionomia extasiada e conflituante de há pouco.
Leandro não podia perceber que algo havia acontecido.
Estava atrasada, e ele, com certeza, iria perguntar, mas ela jamais poderia lhe dizer a verdade.
Precisava inventar uma desculpa convincente para lhe dar, embora não conseguisse pensar em nenhuma.
Não tinha família que a retivesse, e o trânsito era o de sempre.
Podia inventar um acidente, mas ele nada veria nos jornais e acabaria suspeitando.
De qualquer forma, não custava nada arriscar.
Leandro veio logo ao seu encontro, com seu sorriso encantador e sua usual gentileza.
Beijou-a discretamente no rosto e falou em voz baixa:
― Você demorou.
Já estava ficando preocupado.
― O ónibus em que eu estava entrou pela traseira de um carro.
Não foi nada grave, mas deu um rolo danado.
― É. Sei como são essas coisas.
Ela se sentia tremendamente mal por estar mentindo para Leandro, contudo, não via outra saída.
Ele era um rapaz maravilhoso e bastante compreensivo, mas nenhum homem apaixonado iria compreender os beijos que a namorada trocara com outro.
Muito menos aceitar, e ela não podia pôr em risco os seus planos de casamento.
― Preciso comprar um celular para mim - comentou.
O que eu tinha era de Brasília.
― Você está coberta de razão.
Vamos providenciar isso imediatamente.
― Quando receber meu primeiro salário...
― Nada disso - cortou ele.
Hoje mesmo vamos comprar um.
Prometi ao meu pai que jantaríamos com ele.
Podemos dar uma passada no Barra shopping e comprar o celular.
― Mas eu ainda não tenho dinheiro.
― Quem falou que é você que vai pagar?
Vai ser um presente meu.
Aliás, já devia ter feito isso há muito tempo.
Ela não discutiu mais, oscilando entre a alegria e o remorso.
A sensação de prazer que experimentara com o beijo de René ainda permanecia em seus lábios.
Seu coração começou a disparar, e lágrimas miúdas subiram aos seus olhos, mas ela conseguiu impedi-las de cair.
Não podia se dar ao luxo de escolher um namorado pobre.
Gostara do que vivera com René, mas ele jamais serviria a seus propósitos.
Casar-se com ele não a levaria de volta ao mundo dos ricos nem a ajudaria a vingar-se de Cosme.
Novamente o remorso a incomodou, e ela fitou Leandro, que se ocupava em verificar um projecto com seu sócio Jorge.
Ao vê-lo ali tão próximo e tão amoroso, seu coração abrandou, e uma onda de ternura a invadiu.
Estava com Leandro porque ele era rico, mas não era só isso.
Gostava dele também.
Durante o resto do dia, tentou concentrar-se no trabalho, até que, encerrado o expediente, Leandro e ela foram directo ao Barra shopping.
Um mal-estar insuportável a acometeu quando ele lhe comprou um celular último tipo, de alta tecnologia e preço exorbitante.
Teve vontade de recusá-lo, todavia, estava agora muito comprometida com aquilo tudo para voltar atrás.
Tentou convencê-lo, ao menos, a lhe dar um modelo mais simples e mais barato, mas ele recusou terminantemente.
Sem remédio, ela aceitou o presente a contragosto e lhe sorriu num agradecimento sem jeito.
― Não precisa ficar embaraçada - disse ele.
Isso não é nada de mais.
Estava conseguindo o que queria, mas não se sentia nada feliz.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Ago 24, 2015 8:14 pm

No entanto, precisava persistir se não quisesse abrir mão de seus objectivos.
― Não estou acostumada a que me dêem presentes caros - desculpou-se ela.
Apenas os meus pais me compravam coisas assim.
A lembrança dos pais lhe pareceu tão remota que ela voltou os seus insistentes pensamentos para eles.
― Seus pais tinham dinheiro? - indagou Leandro, surpreso com o fato de que os pais dela podiam lhe comprar presentes caros.
― Tinham... - a respondeu, temendo haver revelado demais sobre a sua vida.
― Você nunca me disse isso.
― Estou dizendo agora.
― Mas o que aconteceu?
Por que a deixaram sem nada?
Eles tinham muitas dívidas?
― Não ― disse ela hesitante, um nó na garganta embargando a sua voz.
Começou a chorar, e Leandro a abraçou com carinho:
― Deixe isso para lá.
Eu não devia ter perguntado nada.
Deixei você triste, mas quero que saiba que farei tudo o que estiver ao meu alcance para minimizar, um pouquinho que seja, toda dor que você sente.
― Você é um homem maravilhoso, Leandro - murmurou emocionada, apertando a sua mão com um sorriso trémulo de lágrimas.
Não me sinto digna de alguém feito você.
― Mas o que é isso?
Não diga uma bobagem dessas.
Você é uma garota muito especial.
― Você não me conhece.
O que sabe sobre mim?
― Não preciso saber mais do que já sei para ter certeza de que a amo.
― Perdi tudo o que tinha.
Meus pais me deixaram bem, mas meu tio Cosme me roubou tudo.
― Roubou? Como?
Lentamente, Suzane lhe contou tudo, desde quando o tio roubara a sua herança até descobrir que era adoptada.
― Como você reagiu à descoberta da adopção? - interessou-se Leandro, agora surpreso e comovido.
― No começo, senti certa revolta.
Depois veio o desespero.
Agora, só o que sinto é tristeza e uma profunda saudade.
Eu amava meus pais e tenho certeza de que fui muito amada por eles.
Perdê-los foi o mais doloroso.
― E os seus pais biológicos?
― Nem imagino quem sejam.
― Será que não podemos tentar descobrir?
― Como?
― Seu tio não sabe de nada?
Ele deve saber.
― Pretendo nunca mais dirigir a palavra a meu tio novamente - revidou ela com raiva.
E ele nem é meu tio de verdade.
Ao lado de Suzane, o espírito de Roberval acompanhava cada palavra daquela conversa, demonstrando satisfação com o rumo que as coisas começavam a tomar.
Nada no mundo acontece por acaso, e Suzane estava bem próxima de conhecer essa verdade.
Cada acontecimento é programado, todos os destinos estão entrelaçados, de forma que a sucessão de factos, acasos e coincidências nada mais é do que a sabedoria divina agindo nas vidas de todas as pessoas.
Naquele momento, porém, Suzane ainda estava um pouco distante dessa compreensão, e o seu sentimento era de mágoa e revolta.
Esquecera-se de René por alguns instantes.
Lembrar o passado aproximou-a de Leandro, que foi amoroso e compreensivo, tornando-se cúmplice e partícipe de seu segredo mais doloroso.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Ago 24, 2015 8:14 pm

Durante alguns instantes, permaneceu fitando-o, imaginando se ele não poderia vir a ser o homem da sua vida.
Sentia por ele uma irresistível confiança, como se fosse o único no mundo capaz de entender os seus problemas.
Estava confusa com seus sentimentos, mas queria muito que seu coração se voltasse para ele.
Depois de alguns minutos, o celular tocou.
Era o pai de Leandro, perguntando se eles se haviam esquecido do jantar.
― Não, pai, já estamos indo - disse ele.
E, olhando para Suzane, acrescentou:
― Você está bem?
Se não quiser, posso desmarcar.
― Não, estou bem.
Não quero me enterrar nessa história.
Preciso superar e continuar vivendo.
― Tudo bem. Estamos a caminho, pai.
Os dois se levantaram e entrelaçaram os dedos, e Suzane apoiou a cabeça no ombro de Leandro.
Em silêncio, pagaram o estacionamento, passando pela porta de vidro automática, e Suzane mal reparou no homem que vinha entrando e que a encarou com ar confuso.
... A lembrança dos pais lhe pareceu tão remota que ela voltou os seus insistentes pensamentos para eles.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Ago 24, 2015 8:14 pm

CAPÍTULO 16

Ao entrar no shopping, Gilson se voltou em dúvida, mirando as costas da moça bonita que havia cruzado com ele em companhia daquele rapaz.
Parecia-se tanto com Beatriz!
Só os cabelos eram diferentes, e o corpo era mais delgado do que o da namorada de seu filho.
Mas a semelhança era incrível.
Uma sombra de desconfiança atravessou a sua mente, e o coração deu um salto.
Seria possível?
Gilson balançou a cabeça de um lado a outro para afastar aquela ilusão.
O encontro com Beatriz e a conversa que tivera com Renato estavam fazendo com que visse coisas.
Seu filho namorar Beatriz já era coincidência demais.
Encontrar-se com aquela moça, ali, no Rio de Janeiro, em plena Barra da Tijuca, seria um acaso inimaginável, algo que estaria muito além das possibilidades de um mundo real.
Gilson balançou a cabeça e afastou aquele pensamento extraordinário.
Precisava comprar gravatas novas e tirara à tarde para fazê-lo, mas não conseguia parar de pensar naquela moça e na espantosa semelhança que possuía com Beatriz.
Vira a namorada do filho poucas vezes, porém, aqueles olhos castanhos raiados de verde eram inconfundíveis, e, com certeza, não haveria outra no mundo com o mesmo olhar.
A muito custo, Gilson conseguiu comprar as gravatas, acatando as sugestões do vendedor e levando as que ele lhe aconselhara.
Voltou correndo ao jornal e passou a tarde pensativo, hesitando entre ligar para o filho e não ligar.
Queria muito falar com ele, perguntar-lhe de Beatriz, mas foi impedido pela insegurança e o medo.
O jeito era esperar.
Até o final da noite, Vítor ainda não havia voltado e Gilson não conseguiu dormir.
A seu lado, o espírito de Lorena se deixava consumir pela raiva e a irritação.
Não estava junto do marido quando ele se deparou com a moça, mas seus insistentes pensamentos criavam formas-pensamento igualzinha a Suzane diante de seus olhos, devassando o teor de sua mente.
― Só faltava essa - reclamou Lorena.
É por isso que dizem que uma desgraça nunca vem sozinha.
Será possível que essa moça tinha que aparecer justo agora?
Quando Vítor entrou em casa, encontrou o pai sentado na poltrona da sala, bebendo uísque e consultando o relógio a todo instante.
― Oi, pai - cumprimentou o rapaz, virando a chave na porta.
O que faz acordado há essa hora?
Algum problema?
― Estou com insónia.
― Por quê? Em que anda pensando, hein?
Gilson derramou um gole da bebida pela garganta, estalou a língua e indagou sem rodeios:
― Você esteve com Beatriz à noite toda?
― Estive. Por quê?
― Por nada.
Curiosidade. Boa-noite.
― Boa-noite, pai.
Apesar de a pergunta ter parecido a Vítor despropositada, ele não disse nada e foi dormir.
O dia seguinte era sábado, e havia combinado de se encontrar com a namorada na praia.
Acordou cedo para aproveitar as ondas antes de os banhistas começarem a aparecer.
Quando achou que já havia surfado bastante, saiu da água e sentou-se na areia para esperar por Beatriz.
Ficou assim distraído, olhando o mar, e percebeu que algumas pessoas chegaram e preparavam a barraca um pouco mais atrás do lugar onde ele estava, o que não seria nada excepcional se ele não ouvisse a voz de uma moça muito parecida com a de Beatriz.
Virou-se rapidamente, achando que ela havia ido em companhia dos pais, e levou um susto ao perceber que não se tratava de Beatriz, mas de uma moça extremamente semelhante a ela, só que com cabelos pretos, cortados à Chanel, e o corpo um pouco mais magro. Estava acompanhada de um rapaz e de um senhor.
O rapaz ajudava o outro a armar a barraca e abrir uma cadeira na sombra, e eles nem perceberam o olhar de assombro com que Vítor fixava a moça.
Em dado momento, ela tirou a canga e falou algo para o rapaz, que meneou a cabeça e lhe deu um beijo rápido.
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Ela então partiu sozinha para a água, atraindo ainda mais os olhares de Vítor, que não conseguia desgrudá-los dela.
Olhava-a fixamente, fascinado com o que via.
É claro que não era Beatriz, mas a semelhança era incrível.
A diferença de cabelo e de corpo era mínima, se comparada com a fisionomia idêntica à de sua namorada.
Beatriz tinha um rosto muito bonito e marcante, e aquela garota parecia igualzinha a ela.
Quando ela saiu da água, Vítor desviou os olhos.
Afinal, ela estava em companhia do namorado, e não pegava bem ficar com os olhos pregados numa mulher acompanhada.
Teve vontade de se aproximar e falar com ela, mas o que iria lhe dizer?
Que ela era igualzinha à namorada dele?
Aquilo soaria como uma cantada vulgar.
Ela poderia se aborrecer, o namorado ficaria furioso e trataria de tomar satisfações com ele.
Não queria ser mal interpretado nem gostaria que Beatriz confundisse as coisas e acreditasse que ele estava flertando com outra.
Mas tinha que lhe mostrar aquela moça.
A todo o momento, verificava o relógio à prova d'água, mas nada de Beatriz aparecer.
Pouco depois, a moça e o namorado se levantaram, falaram alguma coisa com o senhor que estava com eles e saíram de mãos dadas, possivelmente, para uma caminhada.
Vítor fez um muxoxo, desanimado, e olhou em direcção à rua, mas Beatriz não aparecia.
Ela só chegou cerca de quinze minutos depois e encontrou Vítor em estado de patente agonia.
― O que foi que houve? - perguntou ela, entregando a cadeira para ele abrir.
― Você nem vai acreditar no que vi, Bia.
Uma garota igualzinha a você.
― Igualzinha a mim, é?
Como é que você sabe?
Ficou paquerando?
― É lógico que não.
Eu ouvi a voz dela e pensei que fosse você.
Quando me virei, dei de cara com ela.
É incrível, Beatriz, ela é idêntica a você.
Só o cabelo era diferente: mais preto e mais curto.
E era um pouco mais magra também.
― Está me chamando de gorda?
― É claro que não! Você é perfeita.
Só que ela tem o corpo bem magrinho.
― Sei. Mas você pôde reparar no corpinho da outra.
Isso porque ficou olhando.
― Não é nada disso!
É que a menina é idêntica a você.
― Mas não sou eu.
E não me agrada que o meu namorado fique olhando para outras garotas.
― Eu não estava olhando, está bem?
Ela só me chamou a atenção porque é muito parecida com você.
― Tem certeza?
― É claro que tenho - afirmou ele, dando-lhe um beijo prolongado.
Bobinha. Não vê que você é única na minha vida?
Beatriz se acalmou diante da sinceridade que fluía de Vítor.
Estava sendo ciumenta e sabia disso.
Era preciso controlar o ciúme ou acabaria perdendo o namorado.
Não queria ser possessiva nem cobrar nada dele, mas a verdade é que era ciumenta, e o facto de outra moça haver-lhe chamado a atenção deixava-a desconfiada e insegura.
― Deixe isso para lá, Vítor.
Vamos cuidar de nós.
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GÉMEAS - Não se Separa o que a Vida Juntou - Leonel / Mónica de Castro - Página 3 Empty Re: GÉMEAS - Não se Separa o que a Vida Juntou - Leonel / Mónica de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Ago 24, 2015 8:15 pm

― Mas eu queria que você a visse!
Ela estava com o namorado e aquele coroa ali.
Vítor apontou na direcção onde eles haviam armado a barraca, mas Beatriz não os viu.
― Só vejo o coroa.
― E que eles saíram faz pouco tempo.
Vamos esperar que voltem.
Aí você vai ver se tenho ou não razão.
Beatriz deu de ombros e se sentou com o rosto voltado para o sol, experimentando aquele calor gostoso antes de passar o protector.
O tempo foi passando, e nada de Suzane aparecer.
― Acho que ela não vem - falou Vítor frustrado.
Que pena.
― Quem? Você marcou com alguém?
― Não, Bia. É a garota que se parece com você.
― Ah! Esqueça isso.
Não vale a pena.
― Não, você precisa ver.
Ela é igualzinha a você.
― Será possível que agora vou ser ameaçada por um clone?
― Você está brincando, mas tem uma sósia.
Espere até eles voltarem para ver.
Enquanto isso, Suzane caminhava pela beira da praia, de mãos dadas com Leandro.
Notara o rapaz que a olhara fixamente, mas não dissera nada ao namorado para não despertar o seu ciúme.
Leandro, contudo, também havia percebido e comentou ao acaso:
― Vi aquele cara olhando para você lá atrás.
― Que cara?
― O surfista que estava sentado na areia.
Não acredito que você não o tenha visto.
― Eu vi - concordou ela, certa de que não adiantava fingir.
Mas você não ficou com ciúmes, ficou?
― Não. Fiquei.
― Ficou ou não ficou?
― Fiquei. Onde já se viu olhar para você daquele jeito bem na minha frente?
― Ele não sabia que você é meu namorado.
― Duvido que não nos tenha visto chegar juntos.
― E daí, Leandro?
E se ele estava mesmo olhando para mim?
Olhar não tira pedaço.
― Não gosto que paquerem a minha namorada na minha frente.
É falta de respeito.
― Bobagem. Ele não fez nada.
Ficou só olhando.
Ela o abraçou e o beijou, e ele a apertou contra si.
― Você não ficou olhando para ele, ficou?
― É claro que não!
Você sabe que só tenho olhos para você.
No momento em que disse aquilo, a imagem de René surgiu em seus pensamentos, e ela sentiu um leve tremor na espinha e um aperto na consciência.
Não era bem verdade o que dizia, porque René mexera com ela talvez mais do que Leandro mexia.
O surfista que vira olhando-a era bonitinho, mas ela não trocaria Leandro por ele.
Envaidecera-se ao notar que chamava a atenção de outros rapazes, mas não que estivesse interessada.
Com René, contudo, era diferente.
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GÉMEAS - Não se Separa o que a Vida Juntou - Leonel / Mónica de Castro - Página 3 Empty Re: GÉMEAS - Não se Separa o que a Vida Juntou - Leonel / Mónica de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Ago 24, 2015 8:15 pm

Ele tinha uma beleza selvagem que a deixava vidrada, e ela não tinha certeza se conseguiria evitá-lo por muito tempo.
Suzane e Leandro custaram tanto a voltar, que Valdo se cansou, juntou as suas coisas e foi embora.
― Acho que o pai da minha sósia cansou de esperar - observou Beatriz, apontando para Valdo com o queixo.
― Não sei se é pai dela.
― E isso tem alguma importância?
― Não.
― Vamos embora também.
Já está ficando tarde, e temos uma festa para ir à noite.
De mãos dadas, os dois saíram da praia, e a lembrança de Suzane esvaneceu-se na mente de Vítor.

(N.A) Todo pensamento produz uma forma, chamada forma-pensamento, que fica flutuando, mais ou menos, no nível dos olhos e permanece ali até que o pensamento se desfaça.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Ago 24, 2015 8:15 pm

CAPÍTULO 17

Graziela acordou assustada, suando frio e sentindo o coração acelerar.
Tivera um pesadelo horrível ligado ao seu passado, algo que ela não suportava mais ocultar.
Havia muitos gritos em seu sonho e tiros, e sangue por todo lado. E muita confusão.
No entanto, parecia que uma inexplicável certeza ficara de tudo aquilo, e uma voz conhecida ficou ressoando na sua cabeça, afirmando que ela estava próxima da verdade.
Aquele sonho era uma loucura, e acreditar nele, algo mais louco ainda.
Contudo, seu sexto sentido teimava em martelar que ela seguia as pistas certas, e de repente, todos os desencontros que se haviam sucedido até então pareciam lhe mostrar que estavam a serviço de seu destino.
Seria sorte demais. Ou azar.
― Não existe sorte nem azar - disse uma voz dentro dela.
O que existe é a vida trabalhando para o nosso melhor.
― Tenho cada pensamento doido - falou ela em voz alta, atribuindo a si mesma aquela voz interior.
― Não são pensamentos doidos.
São verdades que envolvem ligações do passado.
Nada na vida acontece por sorte ou acaso.
Não há elos presos aleatoriamente na corrente.
Cada um está unido àquele que tem que ser o seu próximo e sucede ao que, necessariamente, há de ser o seu antecessor.
Nada está fora de lugar ou foi colocado ali por acaso ou coincidência.
Graziela não sabia de onde vinham aquelas palavras, mas julgava estar falando consigo mesma, fazendo ponderações sobre o que estava vivendo.
― Não entendo de onde vêm essas ideias.
Tudo ficou tão distante no tempo e no espaço...
― Mas não ficou esquecido nem apagado.
Os efeitos ainda sobrevivem.
― Não. Seria sorte demais...
― A sorte vem do merecimento, mas com ausência dessa compreensão.
É um acontecimento inexplicável que, aparentemente, é obra do acaso, mas que, na realidade, é fruto de toda uma movimentação espiritual.
E por isso surpreende.
Porque o facto não é esperado, embora desejado e merecido.
― Mas é impossível...
― Para os vivos, só é impossível o que se extinguiu nessa vida.
Se há vida, e essa vida habita este mundo, há possibilidades.
E se quem procura acredita e merece, encontra o que está buscando.
― Será que eu mereço?
― Isso, só você é quem poderá dizer.
Desfez-se a conexão com o mensageiro daquelas palavras sábias, e Graziela pensou em Aécio.
Desde que passara por aquela provação, deixara de acreditar em Deus, anjos e espíritos.
Ou pelo menos assim pensava.
Só que agora, ouvindo em seu coração aqueles pensamentos que pareciam não lhe pertencer, não tinha mais certeza.
Sua mente racional teimava em não acreditar, contudo, lá no mais íntimo de sua alma, sabia que aqueles pensamentos não eram seus, mas de Aécio.
E se fosse o seu desejo irrefreável, desesperado e insano que a estivesse fazendo pensar daquele jeito?
De tanto desejar e sonhar, a esperança fora brotando dentro dela, fazendo-a acreditar em coisas que seriam impossíveis.
Sim, porque era impossível.
Por mais que aquele mensageiro invisível lhe dissesse que não, ainda tinha dúvidas.
E se não fosse Aécio?
Bem podia não ser Aécio.
Era mais provável que não fosse.
Mais provável que fosse mesmo a sua vontade desesperada que a estivesse fazendo imaginar e criar todas aquelas coisas, aquelas situações espantosas e coincidências mirabolantes.
Na luta entre a mente racional e a voz do coração, Graziela não sabia a quem dar ouvidos.
Parecia que um anjo e um diabinho a estavam tentando ao mesmo tempo, como acontecia nos desenhos animados que vira na televisão.
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GÉMEAS - Não se Separa o que a Vida Juntou - Leonel / Mónica de Castro - Página 3 Empty Re: GÉMEAS - Não se Separa o que a Vida Juntou - Leonel / Mónica de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Ago 24, 2015 8:16 pm

Só o que ela não sabia era que o anjo era Aécio, e não havia demónios exortando-a ao mal, apenas a sua própria mente, que procurava justificativas racionais para as inexplicáveis intervenções do invisível.
Com os pensamentos assim embaralhados, resolveu sair.
Não aguentava mais ficar remoendo aquele problema, lutando sozinha para vencer as adversidades do mundo.
Aécio, em vida, não conseguira ajudá-la, e talvez até estivesse tentando auxiliá-la depois de sua morte, mas isso era algo de que ela não podia se certificar.
Há muito tempo, guardava um segredo terrível que agora se tornava pesado demais para carregar sozinha.
Precisava dividi-lo com alguém.
Uma pessoa amiga talvez estivesse em condições de ajudar.
Ainda mais se fosse alguém influente e com muitos conhecimentos.
A pessoa mais indicada lhe pareceu Amélia.
O marido era um funcionário de prestígio e conhecia todo mundo ligado ao poder.
Sim, Amélia era, decididamente, a opção mais acertada.
Graziela ligou para ela na esperança de poderem se encontrar mais tarde.
Não foi, contudo, bem-sucedida, porque Laerte havia chegado de Brasília e Amélia não poderia se ausentar.
Falar com os dois juntos parecia uma boa ideia, mas Amélia queria desfrutar momentos a sós com o marido, e Graziela não se sentiu à vontade para se oferecer a ir a sua casa ou marcar um encontro com os dois.
O jeito era esperar.
Assim que desligou, o telefone começou a tocar, e ela ouviu a voz de Carminha do outro lado da linha:
― Como vai, Graziela? Tudo bem?
― Muito bem. E você?
― Bem, também.
Estive pensando se você não gostaria de jantar comigo hoje.
Renato vai chegar tarde, e pensei que talvez pudéssemos jantar e ir ao cinema depois.
O que você acha?
Como não tinha mesmo nenhum programa, Graziela resolveu aceitar.
Carminha era uma pessoa agradável, e talvez ela precisasse de uma boa distracção.
Às oito horas, encontraram-se no restaurante e pediram alguns drinques para esperar a comida.
Enquanto bebiam, iam conversando:
― Você já se familiarizou bem com o Rio? - começou Carminha.
― Creio que sim.
A violência ainda me assusta um pouco, mas estou me acostumando.
Há lugares piores, com certeza.
― Deve ser difícil ficar viúva tão jovem, não é?
Eu nem sei o que faria sem Renato, ainda mais com dois filhos.
Você, pelo menos, não tem filhos para criar.
Uma sombra de tristeza anuviou a mente de Graziela, que sentiu a garganta apertar, e lágrimas lhe vieram aos olhos.
― Sinto muito - desculpou-se Carminha, notando que havia falado o que não devia.
Graziela olhou-a com um estranho brilho no olhar.
Precisava muito se abrir com alguém, pedir ajuda para si mesma e para levar adiante o seu plano.
Subitamente, Carminha lhe pareceu uma óptima escolha para desabafar.
Talvez não tivesse a influência política do marido de Amélia, mas tinha bom coração e serviria, ao menos, para ouvi-la e aconselhá-la.
― Sabe, Carminha, cometi erros no passado que gostaria de esquecer, mas não posso.
― Todos nós temos as nossas faltas.
E próprio do ser humano.
― Antes de conhecer Aécio, eu era outra pessoa.
Foi ele quem me modificou.
― Quem é que não muda na vida, não é mesmo?
― Não falo em mudanças subjectivas nem de carácter ou temperamento.
Refiro-me à mudança real.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Ago 24, 2015 8:16 pm

― Como assim?
― Para começar, eu era pobre e me casei com um homem extremamente rico.
― Isso não é pecado.
― Não, não é. Mas a forma como tudo aconteceu...
Isso sim, foi um pecado muito grande, e é por causa dele que não encontro a paz.
Nesse ponto, Carminha se interessou sobremaneira e exortou:
― O que aconteceu?
Por que não me conta?
― Foi há muito tempo...
Vinte anos, exactamente...
Graziela fez uma pausa, respirou fundo e prosseguiu:
― Eu me chamava Severina Dias dos Santos, uma menina pobre e ignorante, perdida lá pelos sertões de Mato Grosso, numa cidadezinha minúscula chamada Barra do Bugres.
Ainda não conhecia Aécio, mas era casada...
― Casada?
― Meu casamento não durou nem um ano.
Logo engravidei, e essa foi a minha desgraça.
Nós éramos muito pobres e mal tínhamos o que comer.
Eu, de tão magra, mal conseguia sustentar a mim e a barriga e Roberval se matava na roça para nos garantir algum dinheiro.
Até que um dia, apareceu uma mulher, de nome Leocádia, vinda da cidade grande.
Procurou hospedagem, alugou uma casinha e começou a vasculhar a cidade, até que deu de cara comigo.
Rapidamente, se aproximou e se fez passar por minha amiga, dando-me conselhos e fazendo-me pequenos agrados.
A vida era difícil, e ela veio com uma solução que parecia milagrosa.
E se eu entregasse o meu bebé para adopção?
Eu ganharia muito dinheiro, a criança seria bem cuidada e teria um futuro melhor nas mãos de gente rica da cidade grande.
A princípio, recusei, indignada com aquela proposta infame.
Mas depois...
― Depois...
― A miséria me fez mudar de ideia.
Procurei dona Leocádia e disse que concordava em dar o bebé em troca de dinheiro.
Nós precisávamos comer, e a quantia que ela me oferecia me pareceu muito alta.
Eu era jovem e acreditava que poderia ter outros filhos.
Tudo começou a melhorar desde então.
Ela sempre aparecia com doces e punha comida dentro de casa.
Roberval desconfiou, mas também era ignorante e ingénuo, e acreditou no que eu disse.
― Você não contou a seu marido o que pretendia fazer?
Indagou Carminha, lutando para conter o pavor e a incredulidade diante do que ouvia.
― Não. Se contasse, ele não concordaria.
Roberval era muito religioso e honesto.
Jamais aceitaria uma proposta daquelas.
De toda sorte, aceitei.
Dona Leocádia era parteira e me fez um exame superficial.
Veio a notícia: eu ia ter gémeos.
Pensei que a sorte não estava assim tão ruim.
Eu podia vender um dos bebés, e ainda ficaria com o outro, mas Dona Leocádia me convenceu a vender os dois.
Eu ganharia muito mais dinheiro e não teria preocupações por um bom tempo.
Ambiciosa, concordei.
― Mas, quando os bebés nascessem, seu marido ia descobrir tudo - continuou Carminha, coberta de horror.
Você não pensou nisso?
― Pensei que a visão da dinheirama que ela me prometeu talvez o fizesse mudar de ideia.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Ago 24, 2015 8:16 pm

― E fez? - a indagou maquinalmente, movida por uma curiosidade mórbida e incontrolável.
― Não. Tudo corria bem, apesar das desconfianças de Roberval.
Até que os bebés nasceram.
Depois de longa agonia, Dona Leocádia conseguiu tirá-los com vida.
Eu havia perdido muito sangue, estava fraca demais para me levantar e ir olhar as crianças.
Eu nem queria vê-las, sentindo uma culpa cortante por vender meus bebés.
Mas ficava me confortando, dizendo a mim mesma que eles teriam uma vida melhor e que Roberval e eu, com uma vida mais folgada, poderíamos ter outros filhos no futuro.
― Mas não foi isso que aconteceu.
― Não. Roberval irrompeu no quarto de repente.
Nós não estávamos em nossa casa, mas na casa que dona Leocádia havia alugado e que servia de consultório.
Meu marido entrou nervoso, queria saber o que estava acontecendo.
Foi para o berço e viu as crianças.
Eram duas meninas lindas, igualzinhas.
Mas eu estava perdendo muito sangue, e Roberval ficou preocupado, sem entender por que Dona Leocádia não me socorria.
Foi quando entrou o casal... - ela parou de falar e engoliu um soluço, enxugando os olhos cheios de lágrimas.
Nesse ponto, já bastante interessada na história, Carminha estimulou:
― Continue, Graziela, por favor.
― Você deve estar me julgando uma criminosa por ter feito o que fiz, não é?
― Quem sou eu para julgar alguém?
― Você é muito compreensiva, Carminha, mas eu fui uma criminosa infame.
Vendi minhas filhas a um casal elegante de canalhas.
― Por favor, Graziela, conte o que aconteceu depois - pediu ela, agora mal conseguindo conter a excitação e o pânico.
Tomando fôlego, Graziela prosseguiu:
― Como eu disse, entrou aquele casal elegante e apanhou as meninas.
Seguiu-se uma confusão e uma gritaria, com Roberval tentando arrancar as meninas deles.
Foi naquele momento que compreendi que todo aquele dinheiro não valia nada sem as minhas filhas.
Disse a Dona Leocádia que me havia arrependido e que o trato estava desfeito, mas ela não me deu ouvidos.
Falou-me que era impossível desistir.
Roberval ficou feito louco.
Queria, a todo custo, tirar as crianças dos braços daquela gente.
Mas não conseguiu.
O homem e a mulher resistiam, e Roberval acabou dizendo que ia chamar a polícia.
Foi quando o homem sacou aquela arma e atirou...
Graziela escondeu o rosto nas mãos e soluçou, e Carminha, entre perplexa e apavorada, perguntou com voz trémula:
― Ele atirou em seu marido?
― Sim. Deu-lhe dois tiros pelas costas e Roberval tombou no chão, morto.
O que aconteceu depois, eu não consegui compreender muito bem.
Estava muito fraca, quase desfalecida no lençol empapado de sangue.
O homem ainda virou a arma para mim, mas parece que Dona Leocádia foi quem o impediu de atirar.
Eu estava mesmo para morrer...
― Mas você não morreu.
― Não, claro.
Lembro-me de ter desmaiado e só acordei muito tempo depois, no pequeno hospital da cidade.
― O que aconteceu?
Quem salvou você?
― Um menino.
Voltava correndo da caça aos tatus, surpreendido pela tempestade, quando ouviu os tiros.
Ao se aproximar, viu a porta da casa se abrir e se escondeu no mato.
Mais tarde, contou que os três entraram num carro carregando duas trouxinhas e sumiram pela estrada enlameada.
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