LUZ ESPÍRITA
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DE TODO O MEU SER - Leonel / Mónica de Castro

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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Set 24, 2015 9:22 am

DE TODO O MEU SER
Mónica de Castro

Espírito Leonel

Meu amor pela literatura existe desde os meus tempos de menina.
Sempre gostei de ler e escrever, em verso e prosa, e foi nos poemas de Manoel Bandeira que lapidei ainda mais a sensibilidade da minha alma.
Gostava de escrever poemas, contos, textos diversos, e cheguei a ganhar um concurso de poesia aos treze anos, aqui na cidade do Rio de Janeiro, onde nasci, em 1962.
Ao mesmo tempo, minha mediunidade despertou, e adoptei o espiritismo como bálsamo do meu coração.
Meu desejo sempre foi o de ser escritora, mas a vida nos leva por caminhos diferentes, sempre em nosso benefício, e acabei me formando em direito e passando num concurso para o Ministério Público do Trabalho.
Anos depois, após o nascimento do meu filho, senti a primeira inspiração. Foi uma coisa estranha.
Uma voz ficava na minha cabeça, repetindo esse nome:
Rosali, e a ideia de fazer um romance brotou na mesma hora.
Rejeitei a ideia e pensei:
“Quem sou eu para escrever um romance?”.
Por outro lado, a mesma voz também me dizia:
“Não custa nada tentar.
O máximo que pode acontecer é não dar em nada.”
Aceitei a sugestão do invisível, acreditando ser o meu pensamento, e fui sentar-me ao computador.
Na mesma hora, a inspiração para Uma História de Ontem surgiu espontânea, e fui escrevendo, cada dia um pouquinho.
Até então, eu não sabia psicografando.
Foi só quando terminei o romance que recebi a psicografia do Leonel, que abre o meu primeiro livro, onde ele se apresenta e dá o seu nome.
Mas foi preciso uma boa dose de desprendimento para escrever, sem questionar e aceitar a interferência do Espírito.
Hoje, posso dizer, Leonel é parte fundamental da minha vida.
Não escrevo para viver.
Escrevo porque gosto e porque acredito estar levando algum bem para as pessoas.
E é esse sentimento que me faz querer escrever cada vez mais.
É pelas pessoas que vale a pena escrever.
Pelos leitores, que estão em busca de algo, além do aqui e agora, e que acreditam no poder da fé, do autoconhecimento e do amor, como caminhos seguros para a transformação do ser.
Acredito que nós todos podemos trabalhar pelo aperfeiçoamento moral da humanidade para construir um mundo melhor.
Leonel é um Espírito muito querido do meu coração.
Já em nosso primeiro romance, ele me deu uma ideia do que teria sido em sua vida passada: escritor.
Sei que nasceu e viveu na Inglaterra, em sua última encarnação, assim como nas anteriores.
Em Segredos da Alma, ele narra um pouquinho da sua história, juntamente com a da mulher que foi o grande amor da sua vida.
Foi um escritor dos mais famosos.
Era um boémio, mas alguém com tanta dignidade que despertou para os verdadeiros valores do Espírito, e hoje está em condições de transmitir mensagens de optimismo e amorosidade.
Eu mesmo percebi isso no contacto quase diário com ele e nas comunicações que transmite, sempre de forma mental.
Há algum tempo, ele me permitiu conhecer sua aparência.
Leonel mostrou-se para mim na casa Espírita, em um momento de profundo reconhecimento e reflexão.
Fisicamente, é um rapaz bonito.
Cabelos negros, cheios, com feições delicadas e olhos azuis.
Estatura mediana, magro, veio vestido com calça e bata brancas, descalço e com ar tranquilo.
Tinha um rosto tão sereno que me contagiou.
Ali, ele me disse coisas que modificaram para sempre o meu modo de encarar certos aspectos da vida.
Sua proposta é a do crescimento e da disseminação do amor.
É para isso que trabalha, e nisso que acredita e me faz também acreditar.
Sem a esperança e a certeza na consolidação do amor, a vida não tem razão de ser.
E o instrumento que ele encontrou para a realização desse propósito, no momento, foi a psicografia.
Assim como eu, Leonel escreve por amor a si mesmo e ao próximo.
Considero Leonel mais um batalhador do invisível.
Um espírito com enorme sabedoria e inigualável capacidade de amar.
Um ser em evolução que conhece o caminho para o crescimento e sabe onde está a fonte do discernimento e da moral.
Uma alma que cresce por meio do esforço próprio, do reconhecimento de suas imperfeições e da busca incessante do domínio sobre si mesmo.
E é nisso, acima de tudo, que reside o seu valor.

Mónica de Castro.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Set 24, 2015 9:22 am

PRÓLOGO

O sol mal acabara de nascer e Marianne já estava de pé, fitando com olhos marejados a imensa bola alaranjada que surgia no horizonte.
Pela janela aberta, entrava uma brisa suave, trazendo o doce aroma do jardim, que a menina inspirou com prazer.
Foi soltando o ar aos pouquinhos, sentindo imenso bem-estar.
Apanhou a túnica branca que passara a usar desde que chegara ali, vestiu-a com cuidado e penteou os cabelos, bem mais compridos.
Olhou-se no espelho e sorriu.
Nunca antes se julgara bonita.
Agora, contudo, seu semblante havia adquirido um brilho e uma suavidade que até então não existiam.
Quando acabou de se vestir, ouviu batidas leves na porta e virou-se, no exacto instante em que um rapaz alto e muito claro entrou.
- Bom dia, Marianne — cumprimentou, endereçando-lhe um sorriso jovial.
Como se sente hoje?
— Bem — respondeu ela, dando-lhe um beijo delicado nos lábios.
Graças a você, já consegui me reequilibrar.
- Graças a mim, não, graças a você mesma.
Percebendo o seu embaraço, ele prosseguiu com ternura.
— O que foi?
Ela apertou as mãos dele e confessou:
— Em minha confusão mental, não lhe disse coisas que gostaria de ter dito...
— O que, por exemplo?
— Eu o amo. Sabia disso?
Ele sorriu e respondeu com emoção:
— Sabia sim. Não precisava dizer.
Era verdade.
Pela primeira vez em muitos anos, Marianne dizia a Ross que o amava.
E como o amava!
Não fosse por ele, sua vida teria sido muito mais difícil.
Aliás, a última encarnação de Ross teve praticamente uma finalidade: seu amor por Marianne era tanto que ele pedira para reencarnar ao seu lado, só para ajudá-la a atravessar o tortuoso caminho que escolhera.
Fora o único.
— Estou muito feliz por ter você — tornou Marianne, também emocionada.
Hoje posso compreender muitas coisas.
Principalmente a importância do amor.
Ross não disse nada.
Sorriu e estendeu-lhe a mão, convidando-a para sair.
Fazia já algum tempo que haviam chegado àquele lugar e se preparavam para uma nova jornada na terra, dessa vez, no Brasil.
Estavam em uma cidade invisível, localizada no espaço astral situado bem acima de Londres, preparada para receber espíritos que, a exemplo de Ross e Marianne, haviam perdido suas vidas na guerra.
De mãos dadas, os dois saíram para o jardim.
Marianne andava descontraída, como nunca pudera caminhar na Terra, a toda hora inspirando aquele ar revigorante.
Sua aparência era a de uma menina de dezasseis anos, ao passo que Ross mantivera as feições do jovem maduro e muito seguro de si mesmo que já era aos vinte anos.
— O que será de mim agora? — questionou ela, ainda incomodada pela dor das muitas lembranças.
— Você sabe que vai reencarnar em breve.
— Não sei se terei coragem.
— Terá sim. Já passou pelo pior.
— Acho que não quero mais voltar.
Quero ficar aqui. É tão bom...
— Você não pode, não deve.
E os seus projectos de vida?
Quer adiá-los?
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Set 24, 2015 9:22 am

Marianne olhou-o indecisa.
Sua última encarnação, bastante difícil e dolorosa, fora uma escolha sua para acelerar a recomposição de seu corpo fluídico, tão comprometido pelos excessos do passado.
Aquela vida não era nem de longe a vida que sonhara para si mesma.
Era como uma encarnação intermediária, na qual fizera uma espécie de limpeza em seu corpo espiritual, preparando-o para uma outra jornada, dessa vez mais prazerosa e alegre.
 Com os olhos húmidos, respondeu convicta:
 — Não quero adiar nada.
Já perdi muito tempo.
Não vou mais desperdiçar a vida.
 — Ninguém perde tempo.
O tempo é o mestre dos nossos destinos, porque é através dele que vamos colectando experiências para o nosso crescimento.
Ninguém desperdiça tempo.
Nós o aproveitamos com maior ou menor intensidade, mas nunca de forma inútil.
 — Tem razão.
Só que, quando penso no que já fiz...
Fui tão ruim...
A vida toda, fui uma pessoa má.
 — Não diga uma barbaridade dessas!
Você sabe que não era má.
Era apenas descontrolada, em virtude de suas dificuldades mentais e espirituais.
Mas maldade... essa é uma palavra muito forte que, decididamente, não se aplica a você.
 — Que bem fiz nessa encarnação?
 — Transformou a si mesma e salvou a vida de seus irmãos.
Só isso já é o suficiente.
Ela não respondeu.
Sentaram-se na grama do jardim para trocar ideias com uns amigos, e Marianne pousou a cabeça no ombro de Ross, distanciando-se da conversa.
Não estava triste, mas seu olhar, de repente, começou a divagar pelo horizonte, evocando lembranças dos últimos tempos.
 Duas grossas lágrimas surgiram em seus olhos, e ela apertou o braço de Ross.
O rapaz afagou os seus cabelos, e ela questionou:
 — Como será a vida no Brasil?
 — Deve ser boa, não sei. Dizem que é um país muito bonito.
 — Vou deixar todo mundo aqui.
 — Ao contrário, todos já foram para lá.
— Menos minha mãe.
— Você sabe que ela pertence a outra realidade.
Vocês formaram elos poderosos e perpétuos, que a distância não poderá desfazer.
Marianne calou-se acabrunhada.
Partiria em breve para uma nova encarnação no Brasil, junto daqueles que a vinham acompanhando por muitas vidas. Kate, contudo, não fazia parte desse grupo.
Conhecera-a naquela vida quando ela se dispusera a recebê-la como filha, não fazia muito tempo.
Com o tempo, aprendera a gostar dela.
E quem poderia não gostar de Kate?

Primeira Parte
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Set 24, 2015 9:24 am

— 1 —

Tudo começou quando Marianne completou sete anos.
Corria o mês de janeiro, e fazia bastante frio naquela época do ano.
Ainda assim, seus pais haviam lhe preparado uma bonita festa.
Ela era a mais velha de quatro filhos, com olhos expressivos que variavam do verde para o azul e cabelos negros que lhe caíam fartamente sobre os ombros.
Não era feia, contudo, sua beleza não era algo que impressionasse ou detivesse a atenção de alguém por muito tempo.
Morava numa casa grande e confortável, em um bairro da periferia de Londres.
O pai era engenheiro e tinha um emprego razoável numa construtora local, e a mãe ocupava os dias cuidando da casa e das crianças.
Marianne não era muito sociável e quase não brincava com os irmãos, preferindo a companhia do primo, que morava na casa ao lado da sua.
Quatro anos mais velho, Ross era filho único do irmão de seu pai, que perdera a mulher alguns anos atrás, vítima da tuberculose.
Sozinho com uma criança, Nathan mudou-se para perto do irmão, onde a cunhada poderia ajudar na criação do menino.
Às três horas em ponto, os convidados começaram a chegar.
Não havia muitos; apenas algumas coleguinhas da escola, cujos pais haviam aceitado o convite após exaustiva insistência, e outros primos que moravam mais distante.
Marianne recebia os abraços e os presentes com indiferença e não disfarçava a irritação quando solicitavam a sua presença, privando-a da companhia do primo.
— Não sei o que se passa com essa menina — queixou-se a mãe.
Fazemos de tudo para agradá-la, mas parece que nada a satisfaz.
— Não ligue — contestou a irmã.
Criança é assim mesmo.
— Sei o que estou dizendo, Jane.
Marianne sempre foi esquisita, desde pequenina.
— Não devia falar assim da sua filha.
— Mas é verdade.
Ela nunca foi afectuosa nem sociável.
E receio que não seja muito inteligente também.
— Marianne é apenas uma menina. Só precisa de amor.
— Você pensa que David e eu não lhe damos amor?
— Sinceramente?
Acho que não o bastante.
— Como você pode dizer uma coisa dessas?
Fazemos tudo por nossos filhos. Por todos.
Veja só a festa que preparamos para Marianne!
— Acha mesmo que é disso que Marianne precisa?
— Toda criança gosta de festas, doces, brinquedos...
— Crianças precisam é de amor!
— Você está sendo injusta.
Nós amamos muito Marianne.
— Pois então, deviam demonstrar-lhe mais.
Só o que vejo são cobranças.
Vocês cobram de Marianne um comportamento que ela não sabe ou não pode ter.
Por que não a aceitam do jeito que é e param de exigir que ela seja do jeito como vocês gostariam que ela fosse?
- Por que está falando dessa maneira? — tornou Kate, ressentida.
Sabe que nos esforçamos para que nada falte a nossos filhos.
David tem trabalhado muito para lhes dar uma vida melhor.
As coisas não são fáceis.
Na mesma hora, Jane se arrependeu do que dissera.
Não tinha o direito de julgar a irmã.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Set 24, 2015 9:24 am

— Perdoe-me — falou.
Não queria magoá-la.
É que me preocupa o temperamento de Marianne.
— Todo mundo já notou, não é mesmo? — Jane titubeou.
Vamos, pode falar.
Todos já perceberam que Marianne não é uma garota normal.
— Não sei se normal é bem o termo.
Marianne é muito calada, quieta, triste.
Não é como as meninas da sua idade.
— David e eu também já percebemos isso.
— Por que não experimentam levá-la a um médico?
— Para que médico?
Marianne é uma menina saudável.
— Não me refiro a esse tipo de médico.
— A que tipo se refere então?
Não vá me dizer que acha que eu deveria levar Marianne a um psiquiatra.
— Qual o problema?
— Minha filha não é maluca.
— Não estou dizendo que é.
Mas talvez precise de ajuda.
Alguém que a entenda e fale com ela.
— Por que não eu?
Sou a mãe dela.
— Não é a mesma coisa.
E não era bem a psiquiatra que me referia, mas a um psicólogo.
Uma amiga minha foi e gostou muito.
— Mas que ideia, Jane!
Levar minha filha a um médico de loucos?
— Não é médico de loucos.
Os psicólogos ajudam as pessoas a compreenderem-se a si mesmas.
— O que é que uma menina de sete anos precisa compreender de si mesma?
Não entende nem o mundo ainda.
— Por isso mesmo. Talvez ela não esteja conseguindo uma boa compreensão do mundo, de si própria, de sua vida.
— Besteira! Marianne não precisa de nada disso.
Ela é esquisita porque tem um génio ruim e não é muito inteligente.
O que podemos fazer?
Foi Deus quem quis assim.
Era inútil discutir com Kate, e Jane silenciou.
A irmã não entendia ou preferia não entender.
Qualquer observador mais atento teria notado que Marianne possuía mesmo algo estranho.
Não o temperamento ou a estupidez, como pensava Kate, mas, provavelmente, algum problema psicológico.
Quem sabe alguma experiência traumática?
As crianças costumam ser muito impressionáveis, e talvez Marianne tivesse visto ou vivido alguma coisa difícil que não contara aos pais.
Estavam em 1931 e, naquela época, as coisas não eram assim tão fáceis.
O medo e a ignorância elevavam os problemas psicológicos ao patamar de verdadeiras desgraças, temidas e negadas por quase toda a sociedade.
Ninguém sabia lidar com os distúrbios da mente, e qualquer comportamento que fugisse aos padrões de normalidade corria o risco de ser taxado de loucura, e a pessoa, levada a tratamento em hospícios sombrios onde a doença tendia a piorar.
Jane pediu licença à irmã e foi ver os filhos.
As crianças brincavam no jardim em frente da casa, construindo um boneco grande e gordo e atirando bolas de neve umas nas outras.
Encostada numa árvore, Marianne espremia a neve com as mãos, fazendo pequenas bolas que ia jogando no chão.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Set 24, 2015 9:24 am

Do outro lado, Ross corria com os demais meninos, parando de vez em quando para olhar para ela.
No meio da brincadeira, Paul, filho mais velho de Jane, aproximou-se por detrás dela.
Sem fazer barulho, deu um salto e agarrou a cintura da prima, dizendo com uma voz que, propositadamente, tornou rouca e fantasmagórica:
— Peguei você, Marianne.
Na mesma hora, Marianne pôs-se a gritar e chorar, enquanto ia andando para trás, tentando fugir para a rua.
— Não! Não! Saia daqui!
Afaste-se de mim!
Vá embora! Vá embora!
Assustado com a reacção da prima, em quem apenas pretendia dar um susto, Paul foi seguindo-a para desculpar-se.
Quanto mais perto ele chegava, mais ela se apavorava e gritava:
— Saia daqui, demónio!
Não o chamei! Mamãe! Mamãe!
Ouvindo aquela gritaria, Kate correu para ela e sacudiu-a pelo ombro, exclamando preocupada:
— Marianne! O que houve?
O que aconteceu?
— Mamãe! — continuava ela a berrar.
Quero minha mãe!
— Estou aqui, tenha calma.
Marianne olhou-a como se não a conhecesse, imaginando quem seria aquela mulher que lhe falava como se fosse sua mãe.
Debatia-se desesperadamente, na tentativa de desenvencilhar-se, ao mesmo tempo em que gritava aterrada:
— Não! Você não é minha mãe!
Não conheço você.
Onde está minha mãe? Onde está?
Alguns parentes tentaram acalmá-la com palavras doces e, ao mesmo tempo, carregadas de uma repreensão velada:
— Já passou.
Foi só um susto.
Foi brincadeira.
— Que brincadeira?
Quem são vocês?
Todos se entreolharam atónitos.
Ela parecia delirar.
Foi então que David veio lá de dentro, gritando com ela:
— Se isso é alguma piada, não tem a menor graça.
Está assustando sua mãe.
Pare já com isso!
— Onde está, mamãe?
Não posso vê-la. Mãe! Mãe!
— Quieta, Marianne! — esbracejou David, agora bastante enfurecido.
Onde já se viu estragar assim a sua própria festa?
Presa pelas mãos da mãe, Marianne se debatia e urrava feito louca, até que o pai, não aguentando mais aquela balbúrdia, desferiu-lhe uma bofetada no rosto, e ela desabou no chão, chorando convulsivamente.
— Não faça isso — queixou-se a cunhada.
Não vê que ela é apenas uma criança?
— Não se meta — rilhou entre os dentes, sentindo raiva da vergonha a que ela o expusera.
Marianne precisa é de umas boas palmadas,
Jane retrocedeu.
Não queria brigar e não tinha o direito de se intrometer.
Buscou com os olhos o marido, que lhe fez um sinal quase imperceptível, e foi para junto dele.
— O que David está fazendo não está certo — comentou baixinho.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Set 24, 2015 9:24 am

— Ele é o pai — tornou Bill.
É melhor não nos metermos.
Enquanto isso, David continuava a berrar:
— Levante-se, vamos!
Ou quer realmente apanhar diante de todos os seus convidados?
Encolhida no chão, Marianne não ousava levantar os olhos.
Chorava descontrolada, sem entender o que estava acontecendo.
Tinha medo daquelas pessoas e não queria ficar com elas.
Conhecendo-a como a conhecia, Ross resolveu agir.
Abrindo caminho entre os convidados, alcançou-a e pediu licença ao tio para se ajoelhar ao lado dela.
Percebendo-lhe a presença, Marianne, como que atingida por um raio de lucidez, retornou à consciência e recordou-se de onde estava e quem eram aquelas pessoas.
Envergonhada, esticou os braços e atirou-se no colo do primo, desabafando num lamento:
- Ross... ajude-me...
ão sei o que me deu...
- Está tudo bem.
Não foi nada. Já passou.
Agora vamos, levante-se ou vai ficar gripada.
Em silêncio, Marianne se levantou e deixou-se conduzir por Ross, que a levou para dentro, com Kate logo atrás.
- O que foi que deu em você? — indagou a mãe, totalmente aturdida.
Ficou maluca?
Marianne não respondeu.
Nem ela sabia por que tinha feito aquilo.
Só o que sabia era que, ao ouvir aquela voz, dentro dela despertara um medo inexplicável, como se um inimigo há muito perdido a tivesse, finalmente, reencontrado.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Set 24, 2015 9:25 am

— 2 —

Enquanto se desenrolava o drama de Marianne, um espírito sombrio comemorava sua vitória.
Aproveitando-se da mediunidade de Paul, aproximara-se dele e inspirara-lhe a ideia do susto, das palavras e do tom de voz que deveria usar.
Sem de nada desconfiar, Paul seguiu a sugestão do invisível, realizando exactamente o que o ser das trevas desejava.
Finalmente conseguira se aproximar.
Até então, Marianne estava guardada por defensores iluminados que o mantinham afastado.
Durante muito tempo, ele a seguia e a vigiava de longe, sempre acompanhado por aqueles seres que se faziam propositadamente visíveis, como se desejassem ostentar sua superioridade moral.
Como aquele era o dia do sétimo aniversário de Marianne, ele comparecera à festa, mesmo sem ser convidado, na esperança de que um descuido dos protectores lhe facilitasse, ao menos, uma pequena aparição.
Todavia, ao chegar à casa dela, notou, surpreso, que os espíritos de luz não estavam ali.
No começo, desconfiou e permaneceu afastado, acompanhando os passos da menina.
Mas as horas foram passando, e nada de os espíritos aparecerem.
Finalmente, reuniu coragem para agir.
Foi assim que se aproveitou de Paul.
Menino dado a travessuras maldosas, à primeira sugestão, acedeu à sua vontade, executando o plano que ele idealizara para assustá-la.
O resultado foi excelente, melhor do que o esperado.
E qual não fora a sua surpresa ao perceber que Marianne o vira através dos olhos do primo.
Não só o vira, como também, inconscientemente, o reconhecera!
Quase não conteve a euforia.
Ainda percorreu todos os cantos da casa, para se certificar de que nenhum ser iluminado o incomodaria.
Vendo-se sozinho, sentiu-se confiante.
Os anjos protectores de Marianne haviam ido embora1.
O espírito acompanhou-a até o quarto, para onde Ross e a mãe a haviam levado a fim de trocar as roupas molhadas.
Ao ver o seu corpinho nu, não pode deixar de fazer uma observação sarcástica:
— Ora, ora, Marianne.
Você está muito magrinha agora.
Nem parece aquela mulher exuberante que foi um dia.
Soltou estrondosa gargalhada, que Marianne ouviu nitidamente, embora não conseguisse ainda vê-lo.
— Quem é? — indagou temerosa.
Quem está aí?
— Não há ninguém aqui — respondeu a mãe de má vontade, enquanto enfiava uma blusa pela cabeça da filha.
— Mas eu ouvi alguém rindo.
— Devem ser seus amigos lá embaixo.
Ela se aproximou da porta do quarto, que estava fechada, e chamou:
- Rossi! É você?
Do outro lado, o primo respondeu:
— O que foi, Marianne?
— Foi você quem deu essa risada?
— Que risada?
A menina fitou a mãe, que a olhava com ar recriminador.
— Pare com essa besteira e venha terminar de se vestir.
Já não basta o que aprontou hoje?
Em silêncio, Marianne voltou para junto dela e terminou de se trocar.
Por prudência, não fez mais nenhuma pergunta, pois a mãe estava visivelmente aborrecida, e era melhor não a provocar.
Em seu íntimo, porém, continuava a indagar quem dera aquela risada.
Ouvira nitidamente.
Tinha certeza de que não haviam sido as outras crianças.
Era uma risada cínica, ruidosa, maléfica. Sim.
Aquela gargalhada tinha algo de maligno que a assustara, e ela se arrepiou toda.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Set 24, 2015 9:25 am

— Fui eu, Marianne — respondeu o espírito.
Seu amigo Luther, não se lembra?
Bonito nome, esse que escolheram para você. Marianne...
Ela deu um salto para trás.
Ouviu claramente o que ele dissera e se assustou.
Conhecia aquela voz e sentiu uma presença familiar.
Era de alguém que representava uma ameaça.
— O que foi? — tornou Kate.
Ainda ouvindo vozes?
Apavorada, Marianne abriu a porta do quarto e correu para fora, encontrando Ross no corredor, parado perto da escada.
— Puxa! — exclamou ele. —
Até que enfim...
Ela não lhe deu tempo de terminar.
Atirou-se em seus braços, toda trémula, e começou a chorar baixinho.
— Vamos embora logo — chamou a mãe.
Todos devem estar preocupados.
Também, onde já se viu fazer o escândalo que você fez só por causa de uma brincadeira?
Vamos, Ross, traga sua prima para baixo.
Ross percebeu que havia algo errado com a menina, mas preferiu silenciar.
Se dissesse alguma coisa, a tia ficaria ainda mais zangada.
Kate passou por eles e foi descendo as escadas, murmurando o que deveria ser uma recriminação.
— Não quero ir — protestou Marianne.
Tenho medo.
— Medo de quê? — retrucou Ross.
— Não sei. De Luther.
O nome brotou espontaneamente de seus lábios, como se ela já o tivesse ouvido muitas e muitas vezes, embora não se lembrasse onde nem quando.
— Luther? — tornou Ross, em dúvida.
Quem é Luther?
— É alguém que apareceu...
— Não diga isso — censurou ele, colocando os dedos sobre seus lábios.
Quer que sua mãe fique zangada?
— Como é que é? — era a voz de Kate, chamando do pé da escada.
Vocês dois vêm ou não vêm?
Ross lançou um olhar encorajador a Marianne, segurou-lhe a mão com firmeza e desceu com ela.
No andar de baixo, as crianças já estavam na sala, esperando para cantarem o Parabéns.
Havia começado a nevar, e algumas pessoas queriam ir embora, com medo de que a neve aumentasse e os retivesse ali.
A aniversariante tomou lugar atrás do bolo, sempre com Ross a seu lado, alguém acendeu as velas e todos começaram a cantar:
— Parabéns pra você...
De onde estava, Marianne via os rostos ao seu redor.
A mãe fingia que nada havia acontecido.
O pai estava carrancudo, tentando disfarçar o mau humor.
Os pais de suas colegas de escola estavam meio sem jeito, querendo arranjar uma boa desculpa para ir embora.
Enquanto as vozes prosseguiam cantando, ela passou os olhos pela sala.
Ao fundo, perto da porta, um homem estranho a olhava fixamente.
Era alto, magro e vestia roupas negras.
Batia palmas vagarosamente e sorria um sorriso irónico e debochado.
Uma sensação de familiaridade a invadiu, e ela o encarou, a pele se arrepiando toda quando ele lhe atirou um beijo.
— Quem é você? — pensou.
— Sou seu amigo Luther — respondeu o homem em voz alta e soltando nova gargalhada.
Aquilo foi o suficiente para descontrolá-la.
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DE TODO O MEU SER - Leonel / Mónica de Castro Empty Re: DE TODO O MEU SER - Leonel / Mónica de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Set 24, 2015 9:25 am

Completamente aterrada, Marianne fez menção de fugir, mas o olhar severo dos pais a impediu.
Parecia que uma multidão gritava sem parar, e ela foi se sentindo invadida por aquela gritaria, como se centenas de vozes clamassem ao mesmo tempo por vingança.
A seu lado, o primo percebeu que havia algo errado.
Seguiu o olhar apavorado da prima, mas não viu nada perto da porta.
Ficou olhando para ela, tentando entender a sua angústia, até que ela levou as mãos aos ouvidos, e o corpo todo amoleceu.
Segundos depois, desabou no chão, desmaiada, e as vozes silenciaram.
David ergueu a filha no colo e deitou-a no sofá.
Como ardia em febre, ele estacou alarmado.
Pediu ao irmão que fosse chamar o médico e mandou que a mulher servisse bolo aos convidados.
Kate, agora seriamente preocupada, ia cortando o bolo e distribuindo as fatias, enquanto se desculpava:
— Sinto muito, minha gente.
Marianne não está bem.
Deve ser gripe. Está fazendo muito frio.
Os convidados, mais por educação do que por desejo, aceitavam a fatia de bolo, comiam-na rapidamente e, pedindo licença, iam-se retirando, com a desculpa de que seria melhor deixar que Marianne descansasse.
Quando o médico chegou, examinou-a detidamente.
Ela estava com muita febre e a garganta parecia inflamada.
— Não se preocupem — disse ele, ao final do exame.
Ela está com uma gripe muito forte, mas vai ficar boa.
Dêem-lhe xarope e essas pílulas, façam-na ficar em repouso, e ela logo voltará ao normal.
— Doutor... — gaguejou Kate.
Será que é só isso mesmo?
Ela hoje falou coisas sem sentido, nem parecia nos reconhecer.
— Sintomas da febre alta, minha senhora.
A menina estava tendo alucinações.
Kate e David agradeceram e pareceram satisfeitos.
Levaram-na de volta para o quarto e a puseram na cama.
— Posso ficar aqui com ela, tia Kate? — pediu Ross.
— Isso é com seu pai — respondeu David.
Ross encarou o pai com ansiedade.
Nathan coçou o queixo e piscou para ele, acrescentando com bonomia:
— Está bem. Se sua tia não se importar...
— Não me importo — falou Kate.
Vai fazer bem a Marianne.
Nathan se foi, e Kate tratou de cuidar dos outros filhos.
Com aquela confusão, haviam ficado de lado, e eram ainda muito pequenos para se arranjar sozinhos.
Mais novos que Marianne, havia Roger, com cinco anos, em seguida Kevin, com três, e, por último, a pequena Suzie, de apenas um ano.
Kate apanhou Suzie no colo e chamou os outros dois, que saíram atrás dela.
Depois de acomodá-los na cama, foi ver como Marianne estava passando.
Abriu a porta do quarto vagarosamente, e Ross levantou a cabeça.
Estava ajoelhado ao lado dela, o rosto pousado sobre o colchão, quase adormecido.
. Puxando-o pela mão, Kate ajudou-o a se levantar.
Em silêncio, estendeu um cobertor no chão, colocou sobre ele um lençol e um travesseiro e mandou o menino se deitar, cobrindo-o com uma grossa manta de lã.
Já bastante sonolento, Ross tornou a se deitar e imediatamente adormeceu, somente despertando no dia seguinte, com Marianne sentada a seu lado.
— Bom dia, amiguinho — cumprimentou ela, dando-lhe um beijo na face.
— Como está? — retrucou o primo carinhosamente.
Melhor?
— Não sei. O que foi que tive?
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Set 24, 2015 9:26 am

— Não se lembra?
Ela estreitou a vista, puxando pela memória, e respondeu hesitante:
— Lembro...
Aos poucos foi recobrando a lembrança daquele ser maligno, e seu coração disparou.
— O que foi? — preocupou-se Ross.
— Aquele homem...
— Que homem?
— Não sei.
Era feio, esquisito. Falou comigo.
— Quem? Não vi ninguém.
— Eu vi. Disse que seu nome era Luther e que era meu amigo.
— Você está imaginando coisas.
— Não estou não. Eu o vi, tenho certeza.
Ela levou a mão à boca e acrescentou espantada:
— Será que era um fantasma?
— Credo, Marianne!
A porta do quarto se abriu, e Kate apareceu com um frasco de vidro e uma colherzinha.
Experimentou a testa da filha, entornou o xarope na colher e fez com que ela o bebesse.
— Vejo que está melhor, graças a Deus.
— Estou sim.
— Óptimo. Que susto nos deu, hein?
Falando aquelas coisas...
Marianne encarou o primo e disse, sem desviar os olhos dos dele:
— Mamãe, acho que vi um fantasma.
Kate pousou o vidro de xarope na mesinha, colocou a mão na cintura e repreendeu com uma certa impaciência:
— Deixe de bobagens.
O doutor Brown disse que foi tudo alucinação.
Você estava com muita febre.
E agora, chega dessa tolice — encerrou o assunto e virou-se para o sobrinho.
— Vamos, Ross, levante-se e vá se lavar. Já está na hora do café.
— Ah! titia, deixe-me ficar aqui.
— Nada disso. Você não está doente. Desça e tome seu café.
— E Marianne? Não vai comer nada?
— Não estou com fome... — protestou ela.
— Você também precisa se alimentar — objectou a mãe.
Depois que Ross terminar de tomar o seu café, poderá lhe trazer uma bandeja.
Está bem assim?
Não havia como contestá-la.
Em silêncio, Ross se levantou e fez como ela lhe ordenou.
Terminado o desjejum, pegou a bandeja e levou-a para a prima, com leite, pão, manteiga, queijo e uma fatia do bolo de aniversário.
Como gostava de Marianne!
Ela não era sua irmã, mas bem que poderia ter sido.
Ou, quem sabe, mais tarde poderia ser sua namorada?
Será que poderiam?
Eles eram primos, e ele não sabia se primos podiam namorar.
Mas ele a amava tanto!

1. É aos sete anos que a criança inicia o seu processo de individualização, passando a direccionar-se pelo caminho espiritual, de acordo com suas tendências e assumindo suas próprias responsabilidades.
Por isso, até essa idade, os espíritos superiores se mantiveram mais próximos de Marianne, a fim de evitar que inimigos astrais conseguissem abalar a formação de suas bases para a vida física e a espiritual, que se formam durante os primeiros sete anos de vida
(Nota da Autora).
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Set 24, 2015 9:26 am

— 3 —

Como Marianne era uma menina fisicamente saudável, logo se recuperou da gripe, e a vida retomou a normalidade.
Ou quase. Na escola, as crianças a olhavam com desconfiança.
Se antes já não simpatizavam muito com ela, agora então, passaram a achá-la deveras esquisita.
Ela entrou, cabisbaixa como sempre, e foi sentar-se em seu lugar habitual.
O professor ensinava as primeiras letras, mas Marianne não parecia muito interessada.
Ficava rabiscando o caderno, fazendo desenhos estranhos, linhas desconexas.
Em dado momento, o professor olhou para ela, bateu com a varinha na mesa e exclamou em tom severo:
Marianne! Onde é que está com a cabeça?
A menina olhou-o assustada.
Por que estava gritando com ela?
Permaneceu em silêncio, encarando-o com ar de espanto, enquanto ele a fuzilava com os olhos e continuava a lição.
Ao término da aula, Marianne arrumou o material e saiu sem dizer uma palavra.
Do lado de fora, Ross já a aguardava, como sempre.
Ele e Marianne estudavam em escolas diferentes:
uma para meninos, e outra só para meninas.
Como, porém, as duas escolas ficavam próximas, costumavam ir e voltar juntos todos os dias.
Assim que o viu, Marianne correu para ele e tomou-lhe a mão.
— Demorei muito? — indagou, visivelmente feliz.
— Não. Cheguei ainda agora.
Seguiram de mãos dadas e conversando.
Ross era a única pessoa com quem Marianne conversava.
Não tinha amigos.
À excepção do primo, todas as outras crianças lhe pareciam sem graça e aborrecidas.
Ross abriu a porta de casa, dando-lhe passagem.
Como de costume o pai dele saía bem cedo para trabalhar, e o menino ficava aos cuidados da tia, até que Nathan voltasse, no começo da noite.
— Olá, tia Kate - cumprimentou ele amistosamente.
— Boa tarde, crianças.
Como foram na escola?
— Bem...
Marianne passou por ela sem lhe prestar muita atenção e subiu para o quarto. Ia trocar-se e lavar as mãos, e só então desceria para o almoço.
Apanhou um vestido velho no armário, estendeu-o sobre a cama e começou a desabotoar a blusa do uniforme.
Ao se virar na direcção da janela, aquele homem lhe surgiu novamente.
Sentado no parapeito, balançava as pernas e sorriu para ela.
Marianne sufocou um grito de pavor e recuou dois passos.
Pensou em fugir correndo, mas algo nele a deteve.
Ergueu os olhos, assustada, e o encarou.
Enchendo-se de coragem, balbuciou:
— O... o que... quer, moço?
Quem o deixou entrar?
Ele saltou da janela, passou por ela e sentou-se na cama, que não afundou nem fez qualquer barulho.
— Quero ser seu amigo — respondeu com ironia.
Ela se afastou um pouco mais, aproximando-se da porta, e retrucou temerosa:
— Vá embora... Por favor...
— Por quê? Não gosta de mim?
— Você me assusta.
— Não quero assustá-la.
Sou seu amigo, e você devia confiar em mim.
— Como posso confiar em alguém que me dá medo?
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Set 24, 2015 9:26 am

Ele soltou nova gargalhada e acrescentou:
 — Sou o único que a entende.
Sei o quanto você sofre.
 — Sabe?
 — Sei sim. Ninguém a compreende, não é mesmo?
Todos a acham estranha, chamam-na de esquisita.
E as outras crianças não gostam de você.
Você não tem amigos, e sabe por quê? — ela fez que não.
Porque as outras crianças são todas umas idiotas.
 — São?
 — É claro. Não sabem de nada.
Não têm o seu dom especial.
 — O que é isso?
 — Um dom é um presente...
 — Presente? — repetiu desconfiada.
Quem me daria um presente?
 — Hum... deixe ver... no seu caso... bem, isso não importa.
O que importa é que você recebeu esse... presente e deve usá-lo.
 — Usá-lo como, se nem sei de que presente se trata?
 Ele soltou nova gargalhada, cruzou as pernas e fitou-a com profundidade, deixando-a incomodada com a insistência de seu olhar.
 — Você fala com os mortos, Marianne — revelou friamente.
 Ela abriu a boca, aterrada, e encostou-se na parede, pensando que ia desmaiar.
 — Você está morto?
 — Bem, sim e não.
Digamos que estou morto para o seu mundo.
Mas no meu, continuo bem vivo.
 — Não acredito em você.
 — Não acredita? Pois olhe.
 Luther levantou-se da cama, aproximou-se da parede em que ela estava encostada e atravessou para o outro lado, voltando em seguida e parando bem junto a ela.
Pelo seu ar apavorado, ele podia perceber que ela se convencera.
Quem não se convenceria?
 — Não se assuste nem fique triste — prosseguiu ele.
Esse seu dom é especial.
 — Mas... não o quero, tenho medo...
Minha mãe... quero minha mãe.
 Ela começou a choramingar e fez menção de sair, mas ele a deteve com um gesto.
 — Não precisa ter medo de mim.
Não estou aqui para lhe fazer mal.
 — Por que me escolheu?
 — Eu não escolhi você.
Foi você quem me escolheu.
 — Mas eu nem conheço você!
 — Conhece sim.
Só que não se lembra.
Vamos, não se assuste comigo.
Afinal, não sou tão feio assim, sou?
 Marianne começou a se acalmar.
Realmente, ele não era feio nem tentara lhe fazer nenhum mal.
Será que era mesmo seu amigo como lhe dizia?
Mas por que isso tinha que acontecer com ela?
Nunca havia ouvido falar que qualquer de suas colegas da escola conversasse com fantasmas.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Set 24, 2015 9:27 am

— Você é diferente — respondeu Luther, que mentalmente ouvira a sua pergunta.
Quantas pessoas você conhece que falam com os mortos?
Provavelmente, nenhuma.
E sabe por que você consegue?
Ela meneou a cabeça.
— Porque você também é uma menina especial.
Tem uma coisa aí dentro da sua cabecinha que funciona de maneira diferente e faz com que você veja coisas que ninguém mais vê.
Não é verdade?
— É... — respondeu hesitante.
— Pena que ninguém vai conseguir compreender...
E sabe o que vai acontecer?
Eles vão pensar que você é louca.
— Eu não sou louca!
- Não, não é... ou quase.
— Não quero que você se zangue, Luther, mas não preciso de você.
Eu tenho o Ross.
Não quero ser amiga de nenhum fantasma.
— Tem certeza?
— Tenho.
Luther a mirava fixamente e falou com voz sonora:
— Olhe, para provar que sou seu amigo, vou fazer um trato com você.
Não vou mais aparecer para você, a menos que me chame.
— Não vou chamar você.
— Vai sim. Quando as coisas ficarem ruins, vai ver que sou o único amigo capaz de entendê-la.
E aí então, vai me chamar.
Ela estava realmente confusa, sem entender por que aquele espírito fora ali para atormentá-la.
Talvez fosse melhor pedir ajuda à mãe, que já era grande e sabia resolver muitos problemas.
— Eu não faria isso se fosse você — prosseguiu ele.
— Fazer o quê?
— Contar à sua mãe.
— Como é que sabe que estou pensando em contar à minha mãe?
— Sei muitas coisas.
— Você não conhece minha mãe.
Ela vai mandar você embora.
— Ela vai chamá-la de louca ou mentirosa.
— Não vai, não!
— E vai precipitar as coisas.
— Que coisas?
Fazendo ar de mistério, ele não respondeu.
Marianne estava muito confusa e assustada.
Ficara tanto tempo no quarto, conversando com Luther, que nem percebeu a hora passar.
Demorou tanto que a mãe, da cozinha, pôs-se a gritar o seu nome, sem que ela ouvisse.
Kate teria mandado Ross ir buscá-la, mas o menino estava comendo, e ela resolveu ir pessoalmente chamá-la.
Já na porta do quarto, parou com a mão na maçaneta.
Ouviu a voz de Marianne do lado de dentro, conversando sabe-se lá com quem, e levou um susto.
Encostou o ouvido à porta e pôs-se a escutar.
Ela falava sozinha!
— Por que não me responde? — indagou Marianne, em seu aparente monólogo.
Pausa... Kate não escutou a resposta de Luther.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Set 24, 2015 9:28 am

Só o que ouviu foi a voz da filha:
— Não entendo você.
Fala de coisas estranhas.
Novamente a resposta silenciosa, e a voz de Marianne se fez ouvir outra vez:
— Amigo... Você quer é me enganar.
Pensa que não sei?
Silêncio. Depois de uma breve pausa, Marianne falou de novo:
— Se é meu amigo como diz, por que não para de me assustar?
Nova pausa, novo monólogo:
— Eu preferia que você fosse embora...
Kate não suportou mais.
Escancarou a porta e entrou feito um furacão, assustando ainda mais a menina.
— Muito bem, Marianne! — esbracejou.
Com quem está falando?
Aturdida, ela olhou para Luther, que lhe sorria com ar irónico.
Ele continuava ali sentado, mas a mãe, com certeza, não o via.
— Estou esperando uma resposta! — prosseguiu Kate.
Com quem estava falando?
Apesar do medo, Marianne resolveu contar a verdade.
Afinal, Luther estava mesmo ali, e não era culpa dela se ele resolvera assombrá-la.
— Com Luther... — respondeu ingenuamente.
Ele é um fantasma e quer ser meu amigo.
— Como? Fantasma?
Que história é essa?
— E... Ele está morto.
— Deixe de besteiras.
Não acha que já está ficando grandinha para inventar essas bobagens?
— Não estou inventando. Luther é de verdade.
Kate a fitou desconfiada, imaginando se ela não estaria com febre novamente.
Aproximou-se e experimentou-lhe a testa. Estava fria.
De onde estava, Luther soltava gargalhadas diabólicas, e Marianne contestou:
— Não sei qual é a graça...
— Com quem está falando? — indagou a mãe, bastante aborrecida.
Você não está com febre.
Não pode estar tendo alucinações.
— É o Luther, já disse.
Ele está rindo de mim.
— Ele está aqui? Onde?
— Bem ali, sentado na cama.
Marianne apontou para a cama, e Kate olhou abismada.
Não havia nada ali.
Apenas o vestido que Marianne retirara do armário e se esquecera de vestir.
Luther, invisível, dobrava o corpo de tanto rir.
— Deixe dessas bobagens.
Não tem ninguém ali.
— Tem sim. Eu o estou vendo.
Ele agora está rindo de você.
— Você não pode estar vendo o que não existe.
Não tem ninguém ali, não existe nada ali.
Pare de inventar essas coisas!
— Mas mãe...
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Set 25, 2015 9:41 am

— Basta, Marianne!
Não quero mais escutar essas sandices.
Trate logo de se trocar e desça para o almoço.
Fantasmas não existem, e se você está vendo um, é porque ou está louca, ou está mentindo!
Saiu batendo a porta, furiosa, e Marianne começou a chorar, ocultando o rosto no vestido.
Impassível, Luther levantou-se da cama e ajoelhou-se ao lado dela, cochichando bem baixinho ao seu ouvido:
— Eu não falei?
Desapareceu, sem que Marianne percebesse por onde.
Ela se espantou, procurando-o por todo o quarto.
Como não o viu, ficou cismada.
Será que a mãe tinha razão?
Será que fantasmas não existiam realmente, e ela...
Teve medo até de pensar.
Ela não era mentirosa, então, será que não estaria mesmo ficando louca?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Set 25, 2015 9:41 am

— 4 —

Daquele dia em diante, Luther desapareceu, e Marianne começou a desconfiar que ele não existia no mundo real.
O doutor Brown dizia que as crianças tinham uma imaginação muito fértil.
Ross lhe explicou que aquilo queria dizer que as crianças costumavam imaginar coisas estranhas e fantásticas, como, de certo, acontecia com ela.
Era uma menina normal, só que com uma mente fértil e muito criativa.
Mas a vida de Marianne estava longe de ser normal, e era na escola, principalmente, que seu comportamento estranho se revelava.
Naquele momento, o professor desenhava algumas consoantes no quadro-negro, e as crianças acompanhavam na cartilha.
Todas prestavam atenção, e muitas já conseguiam formar as primeiras sílabas.
Apenas Marianne parecia alheia.
Rabiscava o caderno com o lápis, desenhando formas desconexas, e só de vez em quando olhava para o professor.
O senhor O'Neill era um homem austero e não permitia desrespeitos em sua sala.
E uma aluna que não prestava atenção à aula, para ele, era uma falta imperdoável.
Ainda mais se a faltosa fosse reincidente.
Ante a distracção de Marianne, bateu com a varinha na mesa, como fazia sempre, e foi-se aproximando dela, enquanto falava com raiva:
— Divagando de novo, Marianne?
A aula está muito aborrecida para você?
Gostaria de algo mais divertido?
Que tal... aula de desenho?
Bruscamente, arrancou-lhe o caderno, e Marianne levou um susto.
Olhos baixos, sentiu que ia chorar.
Parado a seu lado, o senhor O'Neill parecia maior do que realmente era, e ela encolheu-se toda.
Cada vez mais empertigado, ele não parava de recriminá-la:
— Seu comportamento está ficando deveras impertinente.
Não vejo outro jeito.
Terei que lhe aplicar um correctivo — ergueu a varinha bem diante de seus olhos e ordenou:
— Vamos, estenda as mãos!
Apesar do medo e da revolta, Marianne fez como ordenado.
Estendeu as mãos para a frente, e o professor desferiu-lhe um golpe moderado com a varinha, fazendo surgir linhas vermelhas na alvura de suas palmas.
— Espero que tenha aprendido a lição — falou secamente.
Recolocou o caderno na frente da menina e voltou para o seu lugar.
As outras crianças nem respiravam.
Apesar do medo que todas sentiam dele, ninguém se condoeu de Marianne.
Acharam até bem feito.
Não gostavam mesmo dela.
Era esquisita, carrancuda, não se dava com ninguém.
Bem que merecera.
Marianne, por sua vez, sentia-se triste e humilhada.
Olhou para a vermelhidão em suas mãos e sentiu que lágrimas quentes deslizavam pelo seu rosto.
Engoliu o choro.
Se o senhor O'Neill escutasse o seu pranto, lhe daria outra bronca e poderia até bater-lhe de novo.
Quando a aula terminou, Marianne recolheu o material e saiu.
No corredor, algumas meninas conversavam e cochicharam algo quando ela passou.
Depois, começaram a rir, olhando-a com ar de sarcasmo.
Sentiu vergonha e raiva. Teve vontade de esganá-las, mas fingiu que nada percebeu e seguiu adiante.
Do lado de fora, Ross a aguardava, como sempre.
Ela chegou cabisbaixa, e ele logo percebeu que algo havia acontecido.
Tomou-a pela mão, que ela puxou com um ai quase inaudível, escondendo-a dentro do bolso do casaco.
— O que foi que houve? — indagou Ross, puxando a mão dela do bolso e espantando-se com o ténue vergão que ainda a manchava.
— Você apanhou?
— Não foi nada.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Set 25, 2015 9:42 am

— Como não foi nada?
Então não estou vendo?
O que foi que aconteceu?
Ela estacou debaixo de uma árvore, soltou os cadernos no chão e agarrou-se a ele, chorando copiosamente:
—Ah! Ross, não gosto da escola nem do senhor O'Neill!
Ele me bateu só porque eu estava desenhando...
Eu o odeio! E as outras meninas riram de mim...
Seu corpo frágil foi sacudido pelos soluços, e Ross a estreitou com ternura, alisando seus cabelos compridos.
— Não chore, Marianne.
Eu estou aqui. Gosto de você.
— Só tenho você no mundo... — balbuciou.
— Não diga isso.
Você tem os seus pais e seus irmãos. Eles a amam.
— Não é verdade.
E eu também não os amo.
Sinto como se eles fossem estranhos para mim.
— É impressão.
Eles são a sua família, assim como eu também sou.
— O que será que meus pais vão fazer quando souberem que o senhor O'Neill me bateu?
São capazes de me castigar de novo.
— Não diga nada. É melhor.
Se o senhor O'Neill contar, não tem jeito, mas você não precisa se antecipar.
E procure prestar mais atenção às aulas.
Assim, você satisfaz o senhor O'Neill, não volta a apanhar e seus pais não brigarão com você.
Não é melhor?
Marianne não sabia o que era melhor, todavia, seguiu os conselhos de Ross e não disse nada.
A partir daquele dia, passou a abrir o caderno e a cartilha, fixando os olhos no senhor O'Neill.
Enquanto ele falava e gesticulava, pensava na inutilidade de tudo aquilo.
Os olhos, aos poucos, iam adquirindo uma expressão de alheamento, e o professor imaginava se ela realmente entendia o que ele ensinava.
Não raras eram as vezes em que lhe fazia perguntas, porém, Marianne não respondia nenhuma.
Abaixava e balançava a cabeça, deixando o senhor O'Neill sem saber o que fazer para que ela aprendesse.
Faltavam três meses para o término do ano lectivo, e Ross estava sentado à mesa da sala, fazendo a lição de casa.
A seu lado, Marianne fingia estudar, mas o que fazia na verdade era olhar o rosto dele, seus cabelos, seu queixo, seus olhos.
Ross era um menino muito bonito, e ela iria se casar com ele.
Percebendo que ela o encarava, Ross levantou o rosto dos livros e sorriu para ela.
Em que estaria pensando?
Tinha vezes em que Marianne lhe parecia tão distante...
Por que será que era assim?
No final da tarde, Ross fechou os livros e os cadernos.
Já havia estudado demais.
Kate saíra e não dissera aonde ia, levando consigo os outros filhos.
Somente Ross e Marianne haviam ficado em casa.
— Sua mãe está demorando — observou, enquanto ela desenhava numa folha solta de papel.
— Já deve estar chegando - disse despreocupada.
Meia hora depois, Kate entrou em casa em companhia de David e das crianças.
Entrou carrancuda e foi ajeitar os filhos no quarto.
O pai veio vagarosamente, acomodou-se no sofá e cruzou as mãos sobre o colo, olhando fixamente para Marianne.
Pouco depois, Kate apareceu com uma carta na mão.
Parou diante da filha e estendeu-lhe o papel, que ela apanhou mecanicamente.
— Sabe o que é isso? — indagou zangada.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Set 25, 2015 9:42 am

— Não — respondeu ela com indiferença.
— Leia!
Marianne encarou-a aturdida, sem saber o que fazer.
— Tia Kate — interveio Ross -, Marianne ainda não sabe ler.
Está aprendendo...
— Aprendendo o quê?
— A ler... — respondeu o menino, certo de que o assunto dizia respeito ao senhor O'Neill.
— É verdade, Marianne não sabe ler, embora já devesse ter aprendido.
— Se quiser, posso ler para você... — ofereceu-se o menino.
— Não é preciso. Eu já li.
Mas vou ler para Marianne.
Ajeitou os óculos, pigarreou e prosseguiu:
— É uma carta da senhora Plumer, directora da escola:
Meu caro senhor Landor.
Sua presença está sendo solicitada na escola com urgência, para tratar de assuntos pertinentes à sua filha, Marianne, que está tendo problemas com as aulas.
O senhor O'Neill, nosso mais competente professor, já esgotou todos os recursos para fazer Marianne aprender a ler, sem sucesso, contudo, como último recurso, não vejo outra alternativa, senão chamá-los, ao senhor e à sua esposa, para uma reunião em particular, onde serão discutidas as medidas que devem ser tomadas com relação à sua filha.
Atenciosamente, Jessica Plumer.
Kate abaixou a carta e encarou Marianne, que não entendera muitas daquelas palavras difíceis e desconhecidas.
Em seu íntimo, contudo, sabia bem do que se tratava.
— Não estou entendendo bem — desculpou-se.
Não fiz nada.
O senhor O'Neill não gosta de mim...
— Cale a boca! — berrou o pai, subitamente.
Quando quiser que diga alguma coisa, eu perguntarei.
Marianne se encolheu toda e buscou Ross com os olhos.
Ele quis abraçá-la para protegê-la, mas o olhar reprovador do tio o paralisou.
Feito o silêncio, David prosseguiu em tom de furiosa cobrança:
— Eu trabalho o dia inteiro, dou duro para sustentar esta casa e pagar-lhe uma boa escola, porque mulheres instruídas têm mais chance de fazer um bom casamento.
E para quê? Para você ficar pensando em suas fantasias e fazendo rabiscos no papel!
— Papai...
— Silêncio! Não mandei você falar! — ela engoliu em seco e abaixou a cabeça.
Pois fique sabendo que isso não vai continuar assim.
Como pensa que nos sentimos, sua mãe e eu, quando lemos a carta da senhora Plumer?
Ficamos envergonhados.
Já não basta você ser a esquisita da escola?
Tem que ser também a mais estúpida?
Marianne desatou a chorar, magoada pelo jeito como o pai a recriminava.
Afinal, não tinha culpa se não se interessava pelas lições sem graça do senhor O'Neill.
— Tio David — intercedeu Ross -, Marianne é ainda muito pequena.
Vai aprender.
— Não se meta, Ross!
Isso não é problema seu.
Ross calou a boca e encarou Marianne, que chorava de olhos baixos.
Como gostaria de puxá-la pela mão e tirá-la dali, levá-la para outro lugar, onde ninguém a importunasse!
Era por isso que ele seria alguém na vida.
Se, por um lado, Marianne não aprendia a ler, por outro, ele tinha muita facilidade com os estudos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Set 25, 2015 9:42 am

Pois iria se formar, talvez como advogado, e ganhar muito dinheiro.
Casar-se-ia com ela, e Marianne jamais seria repreendida novamente.
Naquele momento, porém, era apenas uma criança e nada podia fazer.
— Isso não é coisa que se faça, Marianne — acrescentou a mãe.
Fui obrigada a perturbar seu pai no trabalho, ele pediu licença para sair mais cedo só para ir comigo à escola.
O chefe não gostou, mas consentiu.
Sem contar que tive que incomodar sua tia Jane e pedir a ela que cuidasse dos seus irmãos enquanto íamos conversar com a directora.
Se seu pai perder o emprego, a culpa será sua!
— Minha? Mas o que foi que eu fiz?
Sem prestar atenção ao que ela dizia, Kate continuava a falar:
— E tudo por quê?
Porque você não consegue aprender.
Todas as suas colegas já aprenderam.
A turma toda sabe ler. Menos você.
— Não tenho culpa...
— Tem sim! — esbracejou o pai.
O senhor O'Neill estava lá também e nos contou que você não presta atenção.
Disse até que já a castigou com a vara, mas você não toma jeito.
Parece alheada, fica com a cabeça no ar, não ouve o que ele diz, não se concentra.
Como espera aprender assim?
— Ela não aprende porque é burra! — disparou Kate.
— Marianne não é burra! — defendeu Ross.
— Se não fosse burra, aprenderia como as outras.
— Ah! meu Deus — queixou-se Kate —, o que foi que fiz para merecer uma filha assim?
Uma filha estúpida, que nem consegue aprender as primeiras letras!
— E como pensa que irá fazer um bom casamento? — tornou o pai.
Que tipo de marido acha que encontraremos para você?
Com certeza, algum operário bronco e pouco instruído.
Sim, porque os bons partidos querem moças cultas, que saibam conversar e não façam feio em sociedade.
Marianne não estava entendendo nada.
Agora já pensavam até em casamento.
Mas como, se ela ia se casar com Ross?
Em sua ingenuidade, tentou expor aos pais a situação:
— Papai, se o problema é esse, não precisa se preocupar.
Quando crescer, vou me casar com Ross...
— Sua tola! — vociferou David, completamente irado.
Ross é seu primo!
— É verdade — confirmou o menino.
Marianne e eu já combinamos tudo...
— Casar — desdenhou David.
Você não sabe o que diz, Ross.
Pensa que seu pai vai permitir que você se case com a prima estúpida?
Logo você, que é tão inteligente?
As crianças, com medo de David, se calaram, enquanto Kate continuava em seu ataque:
— Escute aqui, Marianne, você vai aprender a ler de qualquer jeito, ou o castigo vai ser severo.
— É isso mesmo — concordou David.
Não vou permitir que os outros digam por aí que David Landor possui uma filha analfabeta porque não consegue entender a cartilha.
De jeito nenhum!
Ou você aprende, ou mando você para um colégio interno em Newcastle, e você só vai nos ver nas férias.
Entendeu?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Set 25, 2015 9:42 am

Marianne nem de longe imaginava onde ficava Newcastle, mas desconfiava que deveria ser muito longe de Londres.
Vencida e humilhada, ela soluçou e, com o pranto a embargar-lhe a voz, respondeu sentida:
— Sim, papai...
A conversa estava encerrada.
Pouco depois, o pai de Ross chegou e ele foi para casa, deixando Marianne sozinha.
Subiu para seu quarto e fechou a porta, atirando-se na cama para chorar.
Sentia-se só e amedrontada.
Não queria sair dali.
Se os pais a separassem de Ross, seria melhor que estivesse morta.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Set 25, 2015 9:43 am

— 5 —

Ao entrar na escola naquele dia, Marianne sentiu algo diferente no ar.
As meninas todas olharam para ela ao mesmo tempo e cochicharam, algumas rindo, outras balançando a cabeça.
Em seus rostos, Marianne podia ler a reprovação e o sarcasmo.
Sentada em sua carteira, livro aberto à sua frente, esforçava-se para entender o que o professor dizia.
O senhor O'Neill a olhava como se ela fosse uma aberração.
Já não lhe dava mais muita importância.
Estava certo de que ela não era inteligente e não estava disposto a perder seu tempo com quem não tinha condições de aprender.
Durante os dias que se seguiram, Ross entregou-se à difícil tarefa de ensinar Marianne a ler.
Apanhou a cartilha, sentou-se com ela à mesa e tornou-se seu professor.
No começo, não foi fácil.
Ela não conseguia se concentrar, pois a mente não se fixava na lição.
— Escute, Marianne — disse—lhe Ross, certa vez —, você tem que se esforçar.
Ou quer se mudar para Newcastle e nunca mais me ver?
A ameaça fora propositada, para deixá-la chocada.
Ross dissera que Newcastle ficava perto da fronteira com a Escócia.
Ela também não sabia onde ficava a Escócia, mas ele lhe mostrou no mapa, e pela distância que seu dedo percorrera, indo de uma cidade a outra, percebeu que deveria ser mesmo muito longe.
Não queria ir. Morreria se fosse.
— Não quero ficar longe de você...
— Pois então, tem que se esforçar.
Se não, seus pais mandam você para lá e nós não nos veremos mais.
Não é isso o que quer, é? — ela balançou a cabeça.
Pois então vamos. Tente.
Sei que pode.
Marianne concentrou a atenção no papel e no que Ross dizia.
De repente, tudo lhe pareceu fácil.
O a ficou familiar, assim como as demais vogais.
Em poucas horas, já memorizara todas.
Nos dias seguintes, Ross lhe ensinou as consoantes e formou as primeiras sílabas, sempre acompanhando a cartilha.
Marianne ia aprendendo com facilidade, lendo as palavras simples que compunham as primeiras lições.
Em pouco tempo, já conseguia ler algumas frases, até que, finalmente, alcançou o nível da turma.
A pouco menos de uma semana dos exames finais, Marianne já estava pronta.
Fez a prova com capricho, esforçando-se para não errar.
O resultado foi brilhante, e até o professor se espantou.
Marianne aprendia.
Quando queria, era capaz de aprender qualquer coisa.
O que acontecia era que, na maioria das vezes, não tinha vontade.
Era difícil se concentrar, porque sua mente não se fixava em nada por muito tempo, já que nada prendia seu interesse.
Distraía-se com qualquer coisa, principalmente quando voltava os pensamentos para Ross.
O senhor O'Neill, apesar de rigoroso, era um homem justo à sua maneira e não pôde deixar de elogiar o resultado de Marianne.
Ao entregar-lhe a prova corrigida, a única nota dez da turma, fez grandes elogios, não só ao seu desempenho, como à sua enorme força de vontade, que acabara por contrariar todas as expectativas que tinha a respeito dela.
Quando saiu da escola, Ross a estava esperando e correu para ela assim que despontou no topo da escada.
—E então? — indagou ansioso.
Como foi?
—Tirei dez, Ross.
Dá para acreditar?
Duas meninas vinham descendo as escadas.
Ao passarem por eles, ouviram o comentário de Marianne, e uma disse bem baixinho à outra:
—Não dá para acreditar mesmo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Set 25, 2015 9:43 am

Apesar do cochicho, Ross escutou.
E Marianne também.
Ela ficou parada no meio da escada, vendo as meninas se afastarem.
Não sabia se chorava ou se corria para esbofeteá-las.
Ross, contudo, não lhes deu importância.
Puxou a prima pela mão e finalizou:
— Deixe-as para lá.
Estão com inveja.
Vamos correndo contar a novidade a tia Kate.
A felicidade que sentira havia poucos minutos súbito se esvaíra.
Parecia que aquelas meninas, com seu comentário maldoso, haviam despertado uma raiva desconhecida dentro dela.
Sentia raiva de tudo e de todos: dos pais, dos irmãos, do professor, das colegas.
Só não sentia raiva de Ross.
A seu lado, Luther caminhava com eles.
Mãos para trás, ia mentalmente falando para Marianne:
Droga, cansei de esperar!
Está certo que prometi não aparecer para você e não pretendo quebrar a minha promessa.
Afinal, sou um homem de palavra — riu debochadamente e continuou:
— Mas é que está demorando muito.
Pensei que você fosse logo chamar por mim.
Acontece que esse aí não deixa, não é mesmo?
Apontou para Ross, que não percebia a sua presença.
Só Marianne percebeu.
Não estava vendo o espírito, mas começou a sentir uma estranha sensação de torpor, e todos os seus pelos se eriçaram.
— Por isso — prosseguiu ele —, resolvi dar um empurrãozinho.
Sabe, Marianne, as pessoas não gostam de você, e você se irrita à toa.
Veja que óptima combinação!
Você nem imagina como podemos nos utilizar de pessoas que nem conhecemos, mas cujas vibrações de menor lucidez facilitam o nosso acesso — riu novamente.
E depois... tem a sua... dificuldade.
Bateu com a ponta do dedo na cabeça de Marianne que, sentindo o cutucão, gritou espantada:
— Ai!
— O que foi? — indagou Ross a seu lado.
A menina olhou ao redor, desconfiada.
Sentira nitidamente alguém bater em sua cabeça.
No entanto, como não via nenhum espírito, achou melhor repetir para si mesma que aquela voz e a sensação que a acompanhava eram fruto da sua imaginação.
E a cutucada... era impressão.
Luther soltou uma gargalhada e foi embora.
Tinha outras coisas a fazer e voltaria mais tarde, quando fosse a hora.
Finalmente, as férias de verão chegaram, e Marianne se viu livre das maçantes lições.
Podia passar os dias todos ao lado do primo querido, sem ter que se ocupar com coisas inúteis.
Sentada à mesa da varanda, construía um castelinho de cartas com Ross.
Os dois estavam distraídos, colocando as cartas umas sobre as outras, entusiasmados com a altura da construção.
O irmãozinho de Marianne, Kevin, de apenas três anos, puxou uma cadeira e, auxiliado por Ross, sentou-se à mesa para olhar.
Estava admirado.
O castelo ia subindo cada vez mais, e ele olhava, extasiado, as cartas que balançavam sem cair.
De tão admirado, estendeu a mãozinha para a frente, na esperança de apanhar alguma.
Como Marianne não permitia, fez um gesto mais brusco e acabou por esbarrar no castelo, que se desmanchou com leveza.
Ross riu e gentilmente puxou a mão do menino, falando com brandura:
- Seu danadinho.
Entregou o castelo do primo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Set 25, 2015 9:43 am

Kevin riu gostosamente e olhou para Marianne, que o fuzilava com o olhar:
- Seu garotinho intrometido! – gritou ela, apertando a mão dele.
Quem mandou?
Na mesma hora, Kevin desatou a chorar, tentando soltar a mão que Marianne apertava.
- Solte-o, Marianne – pediu Ross.
Ele não tem culpa. É pequenino.
- É um idiota, isso sim!
Por que não se mete com os seus brinquedos?
Kevin esperneava, tentando livrar-se das garras da irmã.
A mãe, ouvindo o choro do filho, veio correndo lá de dentro e parou estupefacta.
- O que está fazendo, Marianne? – censurou aborrecida.
Largue já o seu irmão!
- Não largo!
Ele é um intrometido!
Deu-lhe um beliscão no braço, e Kevin soltou um grito estridente, deixando Kate pálida de horror e indignação.
Não podia permitir que a filha machucasse os menores.
Sem nem pensar, desferiu uma bofetada no rosto de Marianne, que começou a chorar também.
- Isso se faz com seu irmão? – esbracejou Kate.
Uma menina desse tamanho!
Que covardia!
Marianne encarou-a com raiva.
Aquele tapa doía-lhe imensamente, e ela retrucou, com a mão no rosto:
- Você me bateu!
- Bati e bato de novo, se você não se comportar.
Não vou permitir que maltrate seu irmão, que é muito menor que você.
Com olhar ensandecido, Marianne começou a se levantar e teria avançado na mãe de Ross não a impedisse.
— Nem se atreva! — zangou ele.
— Mas Ross, ela me bateu! Você viu.
— Ela é sua mãe, e você não tem o direito de desafiá-la.
— Você também está contra mim?
— Ninguém está contra você.
— Está sim! Vai trocar de lado, é?
Vai defender essa mulher?
— Isso lá é jeito de se referir a sua mãe, menina? — objectou Kate indignada.
— Você não é minha mãe!
Kate perdeu a cabeça.
Colocou Kevin no chão e desferiu novo tapa no rosto de Marianne, dando-lhe violento puxão de orelha.
— Vá já para o quarto, de castigo!
E hoje, não tem jantar!
Saiu puxando Marianne pela orelha, com Ross atrás, tentando contornar a situação.
Kate, contudo, estava perplexa e furiosa.
Arrastou Marianne pelas escadas e trancou-a no quarto.
Do lado de fora, Ross ainda ponderava:
— Por favor, tia Kate, ela não fez por mal.
— Ela tem que me respeitar.
— Sei que ela errou, mas foi sem maldade.
Por favor, deixe-me ficar com ela.
— Não! Marianne precisa aprender.
E vou contar tudo ao seu pai, Marianne, está ouvindo? — berrou, com a boca encostada na porta.
Barulhos no corredor e na escada indicavam que a mãe havia ido embora, levando Ross com ela.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Set 25, 2015 9:43 am

Sozinha, veio o arrependimento.
Marianne não compreendia por que dissera aquelas coisas nem por que beliscara o irmão.
Não queria fazer nada daquilo, mas de repente, não conseguiu se controlar.
Uma fúria desmedida se apoderou dela, despertando o desejo de maltratar o menino.
Não faria mais aquilo.
Da próxima vez, conseguiria se controlar.
Se não por ela, ao menos por Ross, que era seu amigo e não merecia passar por aquela situação.
Marianne não sabia, mas, a partir daí, dificilmente conseguiria se controlar outra vez.
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