LUZ ESPÍRITA
Gostaria de reagir a esta mensagem? Crie uma conta em poucos cliques ou inicie sessão para continuar.

SÓ POR AMOR - Leonel / Mónica de Castro

Página 1 de 10 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10  Seguinte

Ir para baixo

SÓ POR AMOR - Leonel / Mónica de Castro Empty SÓ POR AMOR - Leonel / Mónica de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Ago 03, 2015 8:57 pm

SÓ POR AMOR
Mónica de Castro

Espírito Leonel

Leonel é um espírito muito querido do meu coração.
Já em nosso primeiro romance, ele me deu uma ideia do que teria sido em sua vida passada: escritor.
Sei que nasceu e viveu na Inglaterra em sua última encarnação, assim como nas anteriores.
Em Segredos da alma, ele narra um pouquinho da sua história, juntamente com a da mulher que foi o grande amor da sua vida.
Não foi um escritor dos mais famosos.
Era um boémio, mas alguém com tanta dignidade que logo despertou para os verdadeiros valores do espírito, e hoje está em condições de transmitir mensagens de optimismo e amorosidade.
Eu mesma percebi isso no contacto quase diário com ele e nas comunicações que transmite, sempre de forma mental.
Há algum tempo, ele me permitiu conhecer a sua aparência.
Leonel Fisicamente, é um rapaz bonito.
Cabelos negros, cheios, com feições delicadas e olhos azuis.
Estatura mediana, magro, veio vestido com calça e bata brancas, descalço e com ar tranquilo.
Tinha um rosto tão sereno que me contagiou.
Ali, ele me disse coisas que modificaram para sempre o meu modo de encarar certos aspectos da vida.
Sua proposta é a do crescimento e da disseminação do amor.
É para isso que trabalha, é nisso que acredita e me faz também acreditar.
Sem a esperança e a certeza na consolidação do amor, a vida não tem razão de ser.
E o instrumento que ele encontrou para a realização desse propósito, no momento, foi a psicografia.
Assim como eu, Leonel escreve por amor a si mesmo e ao próximo.
Considero Leonel mais um batalhador do invisível.
Um espírito com enorme sabedoria e inigualável capacidade de amar.
Um ser em evolução que conhece o caminho para o crescimento e sabe onde está a fonte do discernimento e da moral.
Uma alma que cresce por meio do esforço próprio, do reconhecimento de suas imperfeições e da busca incessante do domínio sobre si mesmo.
E é nisso, acima de tudo, que reside o seu valor.

Mónica de Castro
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122505
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

SÓ POR AMOR - Leonel / Mónica de Castro Empty Re: SÓ POR AMOR - Leonel / Mónica de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Ago 03, 2015 8:58 pm

PRÓLOGO

Um silêncio morno e inquietante pairava sobre a noite cálida do sertão.
Ao longe, por entre as árvores secas e os arbustos espinhentos, algumas corujas piavam baixinho, atingidas por aquela onda de calor nocturno.
Mais além, um riacho quase seco esbarrava nas pedras das margens, fazendo ressoar pela madrugada seu murmúrio de dor.
Fazia tempo que não chovia, e toda a natureza se ressentia daquela seca.
A noite, porém, era silenciosa.
De quando em vez, um gambá mais assustado corria em meio aos gravetos, fazendo-os estalar sob suas patas como fogo crepitando na madeira seca.
Entremeados com a fuga dos gambás, ouviam-se passos cautelosos e muito bem direccionados.
Devagar, Januário avançava pela escassez da mata.
Rosto duro e austero, apalpou a arma na cintura e enxugou o suor da testa.
Com a outra mão, apertou o galão de querosene que levava e prosseguiu com um suspiro.
Já estava ficando cansado daquela vida.
Ia fazer cinquenta anos, não era mais nenhuma criança.
Aquele seria seu último serviço.
Diria ao coronel Agostinho que já estava na hora de se aposentar.
O que juntara ao longo da vida era o suficiente para que ele e Antónia levassem uma vida tranquila e sem preocupações.
Coronel Agostinho sempre o recompensava bem pelos seus serviços e ainda permitia que saqueasse as casas e fazendas mais abastadas, antes de queimá-las.
Jóias e pratarias, tudo caía em suas mãos, objectos valiosos que Januário ia vendendo e guardando todo o dinheiro no cofre que mandara instalar por detrás da parede de seu quarto.
Apesar da estranheza, a mulher, Antónia, não fazia perguntas e se contentava com as desculpas que Januário lhe dava:
aqueles eram objectos que coronel Agostinho recebia em paga de algumas dívidas e lhe dava.
Mansamente, aproximou-se do casebre e espiou para dentro, pelas frestas da porta mal cerrada.
A sala estava vazia e escura, e ele experimentou a maçaneta.
Zé Mário havia descido a trava pelo lado de dentro, e ele não conseguiu entrar.
Maldito cabra, pensou.
Na certa, já desconfiava do que estava para acontecer.
Tentando não fazer barulho, Januário soltou o galão perto da porta e seguiu rodeando a casa, esforçando-se para não emitir nenhum som.
Testou a primeira janela, e nada.
Estava fechada e dificilmente conseguiria abri-la sem fazer barulho.
Passou à segunda.
Também estava fechada, mas a aldrava que corria por dentro era visível pelo lado de fora, porque a parte em que as duas bandas da janela se encontravam era muito irregular, produzindo uma folga que deixava abertos vários pedaços na madeira.
Tirou o facão da cinta e enfiou pela fresta, subindo com ele bem devagar, até que a lâmina tocou a aldrava.
Com a língua entre os dentes, fez força para cima o mais calmamente possível.
A tranca cedeu, subindo juntamente com a faca.
Rápida e silenciosamente, Januário empurrou a janela, guardando o facão de volta no cinto.
Enxugou novamente a testa e colocou as mãos no peitoril.
Corpo magro e ágil, não foi preciso muito esforço para saltar.
Em poucos segundos, viu-se do lado de dentro da pequenina e tosca sala de Zé Mário.
Espiou ao redor, fazendo um reconhecimento do ambiente, tentando acostumar os olhos à penumbra.
Assim que identificou o local, pôs-se a caminhar pela sala, evitando os poucos móveis quase amontoados no cubículo.
Avistou mais à frente a cozinha e, do outro lado, uma porta entreaberta.
Só podia ser ali.
Eram os únicos cómodos da casa, e não havia mais onde se enfiar.
Pé ante pé, encaminhou-se para lá.
No mais profundo silêncio, empurrou a porta, que se abriu sem qualquer ruído, e entrou no minúsculo quarto.
Sem pensar em nada, aproximou-se da cama.
Zé Mário e a mulher, Edilene, dormiam profundamente.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122505
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

SÓ POR AMOR - Leonel / Mónica de Castro Empty Re: SÓ POR AMOR - Leonel / Mónica de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Ago 03, 2015 8:58 pm

A seu lado, o rifle de dois tiros jazia em posição de ataque, bem ao alcance de sua mão.
O tolo ainda pensava que teria tempo de passar a mão na arma e se defender.
Januário não perdeu tempo.
Sacou a arma e fez pontaria, mirando bem na cabeça de Zé Mário.
Fez pressão no gatilho, mas a mão começou a tremer e o suor voltou a escorrer-lhe pela testa.
Enxugou o rosto novamente, respirou fundo e voltou a mirar.
Aquele seria seu último serviço, não tinha mais dúvidas.
A idade ia avançando, e ele já não tinha mais a mão segura e firme de outros tempos.
Resolveu acabar logo com aquilo.
Queria ir embora o mais rápido possível e voltar para os braços de sua Antónia.
O que diria Antónia se descobrisse o modo como ele ganhava a vida?
Será que ela era tão ingénua a ponto de pensar que ele trabalhava para coronel Agostinho apenas como seu capataz e guarda-costas?
Nunca lhe passara pela cabeça que ele já havia matado centenas?
Ao longo de seus quase trinta anos de profissão já matara muita gente; homens, mulheres e até crianças.
Não gostava de atirar em crianças, mas o que fazer?
Ordens eram ordens, e se coronel Agostinho mandava, ele obedecia.
Seria por isso que Deus o castigara e jamais lhe enviara filhos?
Por mais que Antónia fizesse, não conseguia engravidar.
O tempo foi passando e, com ele, a vontade de ser pai.
Januário queria muito encher a casa de crianças, mas não teve essa alegria e acabou se acostumando.
Antónia engolira a frustração e também se acostumara.
O que fazer? Deus era quem sabia, dizia ela.
Se não lhe mandava filhos, algum motivo havia de ter.
Afastou aqueles pensamentos e voltou a concentrar-se no trabalho que tinha que executar.
Eram três mortes encomendadas ali.
Coronel Agostinho estava de olho naquelas terras, mas o danado do Zé Mário não queria vender.
Com a morte do cabra e da família, as terras seriam herdadas pela irmã, que morria de medo do coronel e as venderia sem titubear.
Eram muitos acres de fazenda que Agostinho não podia desprezar.
Além do mais, era pelas terras de Zé Mário que passava grande parte da água que abastecia as duas fazendas, pois a nascente do regato ficava justamente em sua propriedade.
Sem pestanejar, Januário apertou o gatilho, e um estampido seco ecoou pela noite.
Em seguida, voltou a pistola para a mulher e atirou novamente, antes mesmo que ela pudesse gritar ou sequer compreender o que estava se passando.
Januário ainda teve tempo de ver a sombra de terror que lhe perpassou pelos olhos, mas não se comoveu.
Aquele era o seu trabalho, era para aquilo que era pago, e, depois de tanto tempo, o medo e as súplicas já não o impressionavam mais.
Com a frieza que lhe era peculiar, virou as costas para a cama onde o casal agora jazia fulminado, tingido pelo sangue um do outro, e dirigiu-se para o bercinho de madeira que ficava do outro lado da cama.
Assim que disparara o primeiro tiro, o bebé desatara a berrar e a chorar, bruscamente despertado de seu sono inocente.
Impassível, aproximou-se do berço e levantou novamente o trabuco, mirando bem entre os olhinhos da criança.
Mais uma vez, pressionou o gatilho e piscou um olho, tentando enquadrar bem o rostinho em sua mira.
Os dedos, mais uma vez, começaram a tremer, e Januário baixou a arma por uns instantes.
Mas que droga, pensou, estava ficando mesmo velho.
Resoluto, fez pontaria novamente, incomodado com aquela gritaria desenfreada.
Mirou de novo o rostinho do bebé e encostou o dedo no gatilho.
Por que será que não tinha filhos? - era a pergunta que, naquele momento, fizera novamente a si mesmo.
Intimamente, uma voz lhe respondeu:
porque assassinos não têm coração, e um coração é o de que as crianças mais necessitam.
Era um castigo, não podia deixar de pensar, porque já matara muitas crianças, sem dar ouvidos a seu choro e seus soluços inocentes.
Inocentes? Sim, eram inocentes.
Januário não gostava de matar os inocentinhos... mas coronel Agostinho mandava, ele fazia.
Subitamente, sentiu a vista turva e percebeu uma humidade morna descendo pelo seu rosto.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122505
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

SÓ POR AMOR - Leonel / Mónica de Castro Empty Re: SÓ POR AMOR - Leonel / Mónica de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Ago 03, 2015 8:58 pm

Será que, além de velho, estava também amolecendo?
O que estaria acontecendo com ele?
Jamais tivera dramas de consciência.
Por que é que agora não conseguia executar um trabalho tão simples?
Lutou consigo mesmo e enquadrou novamente o bebé, dizendo para si que era questão de segundos para tudo estar terminado.
A criança nem sentiria nada.
E depois, era melhor morrer do que viver órfã.
E, o que era pior, transformar-se em uma possível arma contra coronel Agostinho no futuro.
Porque a criança iria crescer, e não faltariam bocas para sussurrar as desconfianças que pairavam sobre o coronel.
O homem era uma peste danada de rica.
Fora assim que conseguira sua fortuna: matando e roubando.
Quem se recusava a vender suas terras pelos preços irrisórios que ele oferecia levava chumbo do coronel.
Ou melhor, dele, Januário.
Era ele quem sempre executava seus servicinhos sujos.
Todos desconfiavam, mas ninguém nunca conseguiu provar nada.
Januário era cuidadoso e não deixava pistas.
As evidências apontavam sempre para o coronel, porque toda vez que alguém morria, sua fortuna e suas posses aumentavam, mas não havia meios de se provar nada.
Havia muitos cangaceiros por aquelas bandas, e Januário sempre fazia parecer que os assassinatos eram cometidos pelos bandos de insubordinados que vagueavam por ali.
Chegou mesmo a acusar o próprio Lampião de haver assassinado algumas pessoas para vingar ofensas aos membros de seu bando.
Era mentira?
Todo mundo sabia que era.
Mas quem é que se atreveria a contestar ou acusar um homem tão poderoso e temido feito coronel Agostinho?
Só o doutor delegado.
Conrado bem que tentava, mas não conseguia enquadrar o homem em crime nenhum.
Quem via alguma coisa não falava, e Conrado jamais pôde reunir provas contra o coronel ou contra ele, Januário.
Por isso ainda continuava vivo.
O delegado era uma ameaça, mas coronel Agostinho também sentia medo dele.
O homem era filho de um desembargador importante da capital, e matá-lo poderia custar-lhe muitas investigações.
Agostinho preferia não arriscar.
Enquanto Conrado não conseguisse incriminá-lo, nada faria contra ele.
Com isso, Januário também estava seguro, porque o delegado, por mais que se esforçasse, também não conseguia pôr as mãos nele.
Chegava sempre perto, mas a ausência de provas o impedia de prendê-lo.
Era, por isso, obrigado a engolir a frustração e via o jagunço circulando livre pela cidade, sem que pudesse fazer nada para detê-lo.
Januário deixou de lado esses pensamentos e fixou os olhos no bebé, que, agora mais cansado, parara de chorar e soluçava baixinho.
Que idade teria?
Pelo jeito e pelo corpinho magro, não devia ter mais do que três meses.
Que pena, pensou.
Um bebé tão bonitinho!
Mas ele também precisava morrer.
Foram as ordens de coronel Agostinho, e ele tinha que cumprir.
Decidiu não pensar em mais nada e dar por encerrada aquela questão.
Apontou novamente a arma para a criança, e sua mão, como das outras vezes, começou a tremer.
Segurou o braço com a outra mão e fez pontaria, sentindo o suor escorrer de novo, misturado às lágrimas que sabia escorrerem pelas faces.
- Não posso! - chorou amargurado, deixando os braços caírem ao longo do corpo.
Deus, por quê?
Por que não posso matar esta criança?
O nenés, assustado, recomeçou a chorar, e Januário, mais que depressa, guardou a arma de volta na cintura e estendeu os braços para o berço.
Com cuidado, retirou-o de sua caminha e estreitou-o contra o peito, batendo de leve em suas costinhas.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122505
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

SÓ POR AMOR - Leonel / Mónica de Castro Empty Re: SÓ POR AMOR - Leonel / Mónica de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Ago 03, 2015 8:58 pm

O bebé, reconfortado, aquietou o pranto e acabou adormecendo.
Vagarosamente, Januário saiu com ele.
A alguns metros da casa, deitou-o no chão e falou carinhosamente.
- Não se apoquente.
Tenho que terminar um trabalho, mas já volto para buscá-lo.
A passos largos, correu para onde deixara o galão e o abriu, espalhando o querosene por toda embebendo portas e janela, móveis e utensílios.
Esvaziado o galão, atirou-o para o meio da sala e voltou para a porta, dando uma espiada no bebé, que permanecia quieto, no mesmo lugar em que o deixara.
Maquinalmente, riscou o fósforo e atirou-o para dentro, correndo o mais que pôde.
Em fracções de segundos, as labaredas subiram aos céus, lambendo a casinha com fúria devastadora.
Januário apanhou a criança e ficou olhando o incêndio, sentindo que o calor da noite se intensificava sob as línguas de fogo.
Esperou até que toda a casa estivesse tomada pelas chamas e só então virou as costas, trilhando de volta o mesmo caminho que percorrera para chegar até ali.
Adiante, oculto entre as árvores e as sombras, seu cavalo o aguardava.
Segurando o bebé adormecido com uma das mãos, Januário montou e esporeou o animal, partindo para casa em disparada.
Quando chegou, a madrugada corria alta, e Antónia ressonava na cama, a luz do abajur acesa e um bordado inacabado pousado sobre o colo.
Januário aproximou-se dela rapidamente e a sacudiu, falando num quase desespero:
- Antónia!
Pelo amor de Deus, Antónia, acorde!
Antónia passou a língua nos lábios e pigarreou, abrindo os olhos lentamente.
Estreitou a vista por uns instantes, em busca de compreensão para o que estava vendo.
Parado diante dela, estava seu marido.
Isso não era nada de mais.
O estranho, porém, era que trazia um bebé no colo.
Será que estava sonhando?
Piscou várias vezes, na esperança de que o sonho se desvanecesse, mas ele continuava ali.
Foi só quando Januário pousou o bebé a seu lado e começou a andar pelo quarto, falando e gesticulando feito louco, que ela realmente compreendeu o que estava acontecendo.
- Januário! - exclamou atónita.
O que é isso? Posso saber o que está acontecendo?
- Então você não vê, mulher?
É uma criança. Um bebé...
- Isso eu sei.
Mas o que é que ele está fazendo aqui?
- Não há tempo... - respondeu balbuciante, abrindo a porta do armário e retirando as roupas lá de dentro, jogando-as todas em cima da cama.
Precisamos apressar-nos.
- Apressar-nos? Para quê?
- Vamos, Antónia, levante-se daí e arrume nossas coisas. Vamos embora.
- Embora? Como assim?
O que aconteceu?
- Não faça perguntas!
Precisamos sair daqui com urgência.
Fiz uma loucura... e quando o coronel Agostinho descobrir, vai ser o meu fim!
- Mas que loucura?
O que você fez? - vendo o bebé se mexendo a seu lado na cama, completou aterrada:
Não vá me dizer que você roubou essa criança!
Foi isso, Januário?
Você tirou a criança da mãe?
- Não...
- Mas então, como é que ela veio parar aqui?
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122505
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

SÓ POR AMOR - Leonel / Mónica de Castro Empty Re: SÓ POR AMOR - Leonel / Mónica de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Ago 03, 2015 8:59 pm

- Não faça perguntas agora.
Mais tarde, explicarei tudo. Agora, precisamos fugir.
Por Deus, Antónia, quer que essa criança morra?
- Não... mas por que morreria?
- Levante-se daí, mulher!
Será que você não pode calar-se um minuto e me obedecer?
Precisamos sair daqui o quanto antes ou, não só a criança vai morrer, como nós também!
Sentindo a gravidade na voz do marido, Antónia obedeceu.
Levantou-se rapidamente e correu a apanhar as malas.
- Para onde vamos? - indagou preocupada, enquanto enfiava nas malas as roupas que podia.
- Ainda não sei. Pegue o que puder.
O que não der para levar, deixe por aí.
- Deixar por aí?
Vamos abandonar nossa casa, nosso lar, tudo por que lutamos durante todos esses anos, com tanto sacrifício?
Januário fitou-a com desgosto e retrucou angustiado:
- Não foi com sacrifício.
Não com o nosso.
- Não entendo... o que quer dizer com isso?
Ele terminou de esvaziar o cofre por detrás de um quadro na parede e aproximou-se dela, segurando-lhe as mãos e olhando-a bem fundo nos olhos.
- Outro dia - começou, visivelmente transtornado -, um outro dia, Antónia, vou contar-lhe tudo.
Mas agora não. Agora, só no que consigo pensar é em salvar nossas vidas.
Uma estranha sensação arranhou o coração de Antónia, mas ela não disse nada.
Apenas meneou a cabeça e continuou a arrumar suas coisas.
- E o bebé? - tornou, olhando para a criança adormecida.
Trouxe as coisas dele?
- Comprar-lhe-emos algo no caminho.
Ele está dormindo, não dará problemas.
- Mas é muito pequenino.
Ainda deve mamar no peito.
Logo, logo, vai acordar, berrando de fome.
O que lhe daremos?
- Vou apanhar leite na geladeira e vamos levar.
- Mas ele não sabe beber na garrafa!
- Daremos um jeito!
Pelo amor de Deus, Antónia, vamos embora!
Antónia se calou e terminou de arrumar suas coisas, que Januário foi levando e ajeitando na carroça.
O automóvel moderno que comprara, achou melhor não levar.
Automóveis daquele tipo não eram comuns por ali, e o seu seria de fácil localização.
Não. Apesar do desconforto, a carroça ainda era mais segura.
Enquanto isso, Antónia foi sentar-se ao lado do bebé, admirando-lhe o rostinho adormecido.
Quando Januário entrou de volta no quarto, para apanhar outras malas, ela perguntou curiosa:
- É menino ou menina?
Januário estacou e olhou para a mulher.
Nem se preocupara com aquilo.
- Não sei - resmungou cabisbaixo.
Não tive tempo de olhar.
Ele saiu esbaforido, e ela, com cuidado, afastou as roupinhas do nenés.
Quase sem tocá-lo, abriu-lhe a fralda. Era uma menina.
- É menina! - falou entusiasmada, quando Januário chegou de volta.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122505
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

SÓ POR AMOR - Leonel / Mónica de Castro Empty Re: SÓ POR AMOR - Leonel / Mónica de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Ago 03, 2015 8:59 pm

- Óptimo - respondeu ele, secamente.
É menina. Agora a apanhe e vamos embora.
Quero partir antes do amanhecer.
Sem dizer nada, Antónia ergueu a menina no colo e saiu apressada atrás do marido.
Januário trancou a casa toda.
Esperava que, quando o patrão desse pela sua falta, eles já estivessem longe.
Afinal, era seu costume sumir por uns tempos depois de serviços grandes feito aquele.
Ao colocar os cavalos em movimento, Januário nem imaginava ainda que rumo iria tomar.
Só o que sabia era que queria estar bem longe de Pedra Branca, aquela ridícula cidadezinha esquecida no interior do Ceará.
Achou melhor seguir para Senador Pompeu e, de lá, apanhar um trem para o sul.
Chegando à pequenina cidade, procuraram uma estalagem razoavelmente tranquila e se hospedaram com nomes falsos.
Logo em seguida, Januário saiu em busca de fraldas e uma mamadeira.
Voltou pouco depois, trazendo a mamadeira e uma garrafa de leite fresco.
- Enquanto você a alimenta, vou comprar passagens para o sul - disse para a mulher.
Não é seguro pegarmos a direcção de Fortaleza.
Antónia sorriu, enquanto oferecia a mamadeira ao bebé, que chorava esfomeado.
Imediatamente, a menina se acalmou, e Antónia ficou à espera de que Januário voltasse.
Quando ele retornou, trazendo nas mãos as passagens de trem, ela o fitou com uma interrogação no olhar.
Para Januário, não havia mais como fugir; era hora de lhe contar toda a verdade, e a verdade era que ele salvara a criança de um incêndio que ele mesmo provocara.
Antónia ficou chocada, mas Januário prosseguiu.
Se ela realmente o amasse como dizia amar, saberia compreendê-lo e aceitar.
À medida que Januário ia-lhe narrando os episódios funestos de sua vida de crimes, Antónia ia empalidecendo mais e mais, o horror estampado em seus olhos vivos.
Contou tudo, desde quando se iniciara naquela vida, até os momentos que antecederam a sua fuga, após ter matado Zé Mário e Edilene e fugido levando a menina, com medo da violenta reacção de coronel Agostinho.
Quando ele terminou a narrativa tenebrosa, ela estava chorando.
- Vai condenar-me e me abandonar? - perguntou Januário, temeroso.
- Não... - balbuciou ela, entre lágrimas.
- Entende que fiz isso por nós?
- Não, não entendo, embora, em meu íntimo, já desconfiasse de algo.
Só não queria enxergar.
Januário não conseguia desviar dela os seus olhos súplices e então indagou:
- O que pretende fazer?
Com um suspiro de dor, ela respondeu mansamente:
- Nada, não pretendo fazer nada.
Temos agora uma filha para criar.
Com imenso alívio, Januário correu e a abraçou, mal conseguindo conter a emoção.
- Antónia... minha querida Antónia...
Ela, porém, repeliu o seu abraço e completou com voz firme:
- Prometa-me antes, Januário, que nunca mais vai matar.
- Como posso prometer-lhe isso?
- Vamos iniciar vida nova.
Você, eu e a criança.
Quero que você se transforme num novo homem.
Do contrário, nem todo o amor que sinto vai prender-me junto a você.
Agora que sei, não posso conviver com a morte.
- Mas Antónia, entenda... sou um matador!
- Você vai ter de escolher.
Ou fica comigo, ou com a sua vida de jagunço.
As duas coisas, não pode ter.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122505
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

SÓ POR AMOR - Leonel / Mónica de Castro Empty Re: SÓ POR AMOR - Leonel / Mónica de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Ago 03, 2015 8:59 pm

- É isso o que você quer? - suspirou, entre a contrariedade e a resignação.
- Sim. Essa é a condição para que continuemos juntos.
- Então está certo, se é o que vai fazê-la feliz.
De qualquer forma, já estou ficando mesmo cansado dessa vida.
Agora sim, ela o abraçou comovida.
Como o amava!
Tanto que nem os seus horrendos crimes seriam capazes de destruir o seu amor.
A criança, talvez atingida pela carga de emoção do momento, despertou faminta e aos berros.
Antónia se soltou de Januário, indo preparar-lhe outra mamadeira.
Terminou de alimentá-la e deu-lhe um banho morninho, colocando-a para dormir em seguida.
Depois que ela pegou no sono, pediram comida no quarto.
Não queriam expor-se em lugares muito movimentados.
Na manhã seguinte, bem cedo, partiriam novamente.
- Para onde é que vamos? - quis saber Antónia.
Já decidiu?
Januário deu-lhe um sorriso amável e exibiu-lhe as passagens de trem.
- Para o Rio de Janeiro - respondeu com certa euforia.
Vamos de trem até Juazeiro e, de lá, tomaremos um ónibus para o Rio.
Eu, você e nossa pequena Marisa...
Voltou o rosto antes que a mulher pudesse contestar o nome que ele escolhera para a menina que, dali para a frente, seria a sua filhinha.
Antónia, porém, não demonstrou contrariedade.
Sabia que Marisa era o nome de uma irmãzinha de Januário que morrera ainda bebé, e aceitara a ideia de coração.
Era um nome bonito e gracioso, tal qual sua filha seria dali em diante.
Sua filha e de Januário. De mais ninguém...
Assim que o dia amanheceu, um plic, plic, plic constante começou a bater nos vidros da janela, e um vento frio e cortante irrompeu pelo quarto em penumbra.
As cortinas logo esvoaçaram, e alguns pingos de chuva se precipitaram no ambiente, indo pousar, insolentes, no rosto de Marisa.
A moça abriu os olhos de chofre, espantada com aquela invasão da intempérie, e se levantou apressada.
Correu a cerrar a janela, lutando contra a força do vento que empurrava os postigos em direcção contrária.
As cortinas, já húmidas, enrolavam-se ao redor de seu corpo, fazendo com que Marisa praticamente lutasse para conseguir dominar a ventania.
Quando, finalmente, conseguiu fechar a janela, sua camisola estava toda molhada, e um arrepio gelado percorreu-lhe a espinha.
Ela esfregou os braços com vigor e tirou a camisola às pressas, atirando-se na cama e cobrindo-se com o cobertor até o pescoço.
Estava fazendo muito frio naquele início de agosto, e o inverno seguia rigoroso.
Naqueles dias, Marisa não sentia vontade de sair da cama, mas sabia que, dali a pouco, a mãe viria acordá-la para ir ao colégio.
Aquele era o primeiro dia do último semestre lectivo na Escola Normal do Instituto de Educação, e Marisa iria formar-se professora no fim do ano.
Consultou o relógio na mesinha e ficou esperando.
Faltavam cinco minutos para as cinco, e a mãe não tardaria a chegar.
Ela entrava na escola às sete horas, e Antónia não gostava que se atrasasse.
Cinco minutos depois, a mãe entrou no quarto e se aproximou da cama da filha.
- Marisa - chamou baixinho.
Hora de levantar.
- Já estou acordada, mãe - respondeu a moça, virando-se para ela.
O vento não me deixou dormir.
Vendo a camisola de Marisa no chão, Antónia censurou:
- Mas onde é que já se viu dormir sem roupa com um frio desses?
Ainda vai acabar ficando resfriada.
- Foi o vento, mãe.
Escancarou a janela, e eu me molhei toda para fechá-la.
Antónia balançou a cabeça e notou a pequenina poça embaixo da janela.
- Devia verificar o trinco antes de dormir.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122505
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

SÓ POR AMOR - Leonel / Mónica de Castro Empty Re: SÓ POR AMOR - Leonel / Mónica de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Ago 03, 2015 8:59 pm

- Não acha esse lugar muito frio?
Por que não nos mudamos para a zona sul?
- Seu pai não gosta de lugares muito movimentados.
- E prefere morar nesse castelo de fantasmas...
- Não diga isso, Marisa.
Não moramos num castelo, muito menos de fantasmas.
- Mas essa casa é tão grande!
E fica tão afastada da cidade.
Por que não podemos morar mais perto?
- Não é tão afastada assim.
Daqui até a Tijuca é um pulinho.
- Mas eu queria mesmo era morar em Copacabana...
- Que nada. Isso é modismo.
Não vejo nada de errado em morar aqui no Alto da Boa Vista.
É tão silencioso!
- Por isso mesmo, mãe.
Gosto de ver gente, de andar por entre as pessoas.
Mas aqui não tem nada.
É tão deserto, parece outra cidade.
- Pensei que gostasse da nossa casa.
- Não é que não goste.
Mas é que às vezes me sinto tão só...
- Por que não convida algumas amigas para passarem uma tarde aqui connosco?
- Ora, mãe, esse lugar não é dos mais fáceis de se descobrir, não é mesmo?
Quem não conhece fica perdido.
- Isso não é desculpa.
Se elas tiverem vontade, vão encontrar facilmente.
Afinal de contas, aqui não é nenhum fim de mundo.
Marisa soltou um suspiro e se levantou da cama, caminhando em direcção ao banheiro.
Ao menos isso sua casa tinha de bom.
Não era muito comum ver casas com banheiros no quarto, mas seu pai mandara construir uma suíte especialmente para ela.
Além disso, os cómodos eram amplos e arejados, e tinham um bonito jardim.
O pai fazia todas as suas vontades.
Alguns anos atrás, mandara instalar uma piscina no quintal, porque Marisa queria convidar os amigos para se refrescarem com ela no verão.
Mas a distância impedia que suas amigas a visitassem com frequência.
Ficara decepcionada e, por esse motivo, pensava em se mudar.
Não que não gostasse dali ou que achasse o lugar ruim.
Tampouco era dada a modismos ou ostentações.
Só o que queria era estar próxima do rebuliço da cidade e levar uma vida igual a de toda garota de sua idade.
Apenas Sandra parecia gostar de visitá-la.
Marisa não se incomodava de apanhar o bonde e caminhar alguns minutos pela estradinha, até chegar ao casarão em que vivia, ladeado pela floresta da Tijuca.
O lugar era muito bonito e aprazível.
A única desvantagem era que a distância a estava isolando do resto do mundo.
Não entendia por que o pai teimava em viver ali.
A mãe dizia que era porque ele já estava velho e cansado, e o sossego do bairro o tranquilizava.
João se aposentara no norte e viera para o Rio de Janeiro porque dizia que o Maranhão não era um lugar muito bom para se criar uma filha.
O norte era quente e atrasado, e o que ele pretendia para sua Marisa era um futuro brilhante, ao lado de algum rapaz fino e formado, e não de mais um daqueles cabras, como costumava chamar os homens rudes de sua terra.
Marisa sentia-se agradecida pela preocupação do pai.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122505
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

SÓ POR AMOR - Leonel / Mónica de Castro Empty Re: SÓ POR AMOR - Leonel / Mónica de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Ago 03, 2015 9:00 pm

Realmente, morar no interior do Maranhão deveria ser bem pior do que viver naquela quase chácara que o pai comprara no Alto da Boa Vista, bem no coração da floresta da Tijuca, considerada uma das maiores florestas urbanas do mundo.
O pai era um homem meio bronco, mas Marisa o adorava.
A ele e à mãe.
Quando ela nascera, eles já eram meio idosos, e ela se tornara a alegria do lar.
Antónia lhe contara das dificuldades que tivera para ter filhos e como sua chegada iluminou o coração de ambos.
Fora por isso, explicara o pai, que resolveram partir.
Para que sua única filha pudesse ter uma vida decente e coberta de alegrias.
Essa foi a versão que Januário contou a Marisa quando ela atingiu idade suficiente para compreender as coisas.
Contara-lhe várias mentiras, apoiado por Antónia.
O nome completo de Januário era João Januário da Silva, e ele passara a apresentar-se apenas com o primeiro nome, evitando que alguém o reconhecesse pelo nome e o descobrisse ali.
Antónia, por sua vez, era um nome comum e não chamaria muita atenção.
João dissera a Marisa que nascera no Maranhão e que fora administrador de uma grande fazenda na região, o que lhe rendera alguns trocados para a aposentadoria.
Chegando ao Rio de Janeiro, João tratou logo de investir o dinheiro que juntara durante todos os anos em que trabalhara para coronel Agostinho, fruto de crimes e de saques.
O medo de chamar a atenção e de ser descoberto levou-o a procurar uma casa mais afastada da cidade, e ele comprou aquela mansão no Alto da Boa Vista.
Mandou reformá-la e ajeitou-a ao gosto de Antónia, providenciando todos os confortos que pudessem satisfazer a uma criança.
Comprou também uma loja de materiais de construção.
Embora não entendesse nada do ramo, queria ingressar num negócio que não possuísse nenhuma ligação com o tipo de trabalho que fazia no Ceará.
A oportunidade surgiu, e ele aproveitou.
Dedicou-se ao novo negócio e, em pouco tempo, já dominava tudo do assunto.
O mercado era bom, e a loja logo rendeu lucros, o que permitiu que João abrisse algumas filiais pela cidade.
Não apreciava, porém, a vida em sociedade, grandes passeios ou festas.
A excepção de São José dos Campos, não viajavam para lugar algum.
A pequena cidade paulista era o lugar que João escolhera para levar Antónia e Marisa nas férias escolares, por ser calmo e sossegado, onde dificilmente encontrariam conhecidos da época do jagunço.
Marisa adorava aquelas férias, porque eram a única oportunidade que tinha de viajar e conhecer gente nova.
Apesar de tudo o que descobrira sobre o marido, Antónia parecia satisfeita.
Dedicava-se integralmente à casa, à filha e ao marido, de quem era a única e verdadeira cúmplice.
Foi ela quem o aconselhou a deixar o Januário de lado e apresentar-se somente como João.
E era assim que ele era conhecido:
João da Silva, que se mudara do Maranhão com a esposa, Antónia, e a filha Marisa.
Nada mais. Marisa desconhecia esses pormenores.
Os pais pouco falavam de sua vida no norte, e ela também pouco perguntava.
Em seus dezoito anos, estava mais preocupada com a escola e os rapazes.
Como toda garota normal de sua época, Marisa queria casar-se de véu e grinalda e ter filhos, embora não pretendesse abrir mão de leccionar.
- Não se demore - disse Antónia, assim que Marisa entrou no banheiro.
O café já está servido.
Ela tomou um banho rápido e vestiu o uniforme azul e branco da escola normal, descendo para o desjejum.
Na sala de jantar, o pai e a mãe já se encontravam sentados, tomando seu café.
Ela se aproximou e beijou João no rosto.
- Bom dia, minha querida - cumprimentou ele em tom jovial.
Dormiu bem? Soube que sua janela se escancarou essa noite.
- Foi o vento, papai.
Fiquei toda molhada.
- Devia ter mais cuidado e conferir o trinco antes de dormir.
- Farei isso, papai.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122505
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

SÓ POR AMOR - Leonel / Mónica de Castro Empty Re: SÓ POR AMOR - Leonel / Mónica de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Ago 03, 2015 9:00 pm

- Coma logo, Marisa - ordenou Antónia, servindo-lhe uma xícara de leite -, ou vai atrasar-se.
- Hoje está fazendo muito frio - acrescentou João.
Não deixe de se agasalhar.
- Não, pai, não se preocupe.
Ela terminou de tomar o café, beijou os pais e saiu apressada.
A chuva havia dado uma trégua, mas o vento ainda era gelado e húmido.
Do lado de fora, Damião, o motorista, aguardava para levá-la à escola.
- Bom dia, Damião - falou ela, correndo até o carro.
- Bom dia, Marisa - respondeu ele de bom humor, abrindo-lhe a porta.
Fizeram o percurso em silêncio, até que chegaram à escola e Marisa saltou.
Havia voltado a chover, e ela abriu o guarda-chuva, acenando para ele do portão.
Chegou à sala de aula e foi sentar-se no lugar de sempre.
Sandra, sua melhor amiga, já havia chegado e estava lendo uma revista, marcando-a a lápis.
- Olá, Sandra.
Que tempo horrível, logo no primeiro dia de aula, não?
- Nem me fale, Marisa - respondeu a outra, sem desviar a atenção do que estava fazendo.
Quase não consegui sair da cama hoje.
Ainda tentei fingir que estava gripada, mas minha mãe não acreditou.
Dona Albertina é fogo.
- Mas você também tem cada uma!
E logo no primeiro dia?
- E daí? Acho uma chateação essa escola.
O que eu quero mesmo é arranjar um marido rico.
- E quem não quer?
- Você. Até parece que precisa disso.
Tem um pai cheio do dinheiro.
Pena que não tem nenhum irmão.
- Não devia falar assim, Sandra.
Dinheiro não é tudo na vida.
- Não, é quase tudo.
- O amor vem em primeiro lugar.
- Principalmente se vem acompanhado de uma polpuda conta bancária.
Marisa acabou rindo e apertou a bochecha de Sandra.
A amiga não se emendava.
O pai morrera quando ela era ainda bem pequena, e a mãe se vira obrigada a arranjar um emprego de doméstica na casa de uma senhora muito rica, em Copacabana, que fora quem conseguira uma vaga para Sandra no Instituto de Educação, uma das mais tradicionais escolas normais do Rio de Janeiro na década de 50.
Um pequeno rebuliço na porta deu a entender que a professora havia entrado, e as meninas pararam de conversar.
Antes, porém, Sandra cochichou no ouvido de Marisa:
- Quem é aquela de cabelos ondulados ali na frente?
Marisa seguiu a direcção do dedo de Sandra e reparou que havia uma moça nova na sala.
Pelas costas, via que era um pouco cheiinha de corpo e tinha longos cabelos castanhos e ondulados, extremamente brilhosos e bem cuidados.
- Não a conheço - retrucou Marisa, curiosa.
Deve ser aluna nova.
A professora já se havia sentado e começava a fazer a chamada, até que chamou um nome diferente:
- Lídia Aparecida de Moraes Bentes.
- Presente - respondeu a novata timidamente.
- Nossa, que nome mais comprido - sussurrou Sandra.
Aposto como é feia.
- Como é que você sabe?
Não dá para ver daqui. Ela está de costas.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122505
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

SÓ POR AMOR - Leonel / Mónica de Castro Empty Re: SÓ POR AMOR - Leonel / Mónica de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Ago 03, 2015 9:00 pm


- Mas parece. É gordinha, olhe só.
Melhor... menos uma concorrente.
- Marisa Louro da Silva - era a voz da professora.
- Presente - disse a menina, sufocando uma risada e completando bem baixinho:
Você é terrível.
- Sou apenas realista, meu bem.
- Sandra de Souza Neves - continuava a professora.
- Presente.
Depois disso, tiveram que se calar e prestar atenção à aula.
Nos intervalos e na hora do intervalo, Marisa observou Lídia discretamente.
A moça parecia deslocada e não se enturmava com ninguém.
Era mesmo difícil ingressar numa escola nova, no meio do último ano, e fazer amizades.
Marisa pensou em ir conversar com ela, mas Sandra parecia não ter simpatizado com a menina, e ela não queria que a amiga soltasse alguma piadinha que a embaraçasse ainda mais.
Preferiu não se aproximar, embora em seu coração sentisse uma vontade imensa de conhecer melhor a nova colega.
Na sexta-feira, só o que as meninas faziam era comentar o baile do dia seguinte, no Colégio Militar, o que já era uma tradição.
Sandra não parava de pensar nos rapazes com quem flertaria e falava sem parar no vestido cor-de-rosa que a mãe lhe fizera.
Na verdade, o vestido fora um presente de Marocas, patroa de Albertina, e havia pertencido a sua filha, que agora se casara e morava no exterior.
Albertina aceitara o presente de bom grado e o reformara, tornando-o praticamente novo e de acordo com os ditames da moda.
- E você, Marisa, com que vestido vai? - indagou entusiasmada.
- Ainda não sei.
- Se eu fosse você, ia com aquele verde-claro.
Fica muito bem em você.
- Ainda não pensei nisso, Sandra.
- Ou será que comprou algum vestido novo?
- Não, não comprei.
Marisa, na verdade, não tirava os olhos de Lídia.
Estavam no pátio da escola, e a moça se sentara em um banco para comer a sua merenda.
Outras meninas se juntaram ao grupo, e, aproveitando a distracção de Sandra, Marisa se afastou e caminhou em direcção a Lídia.
Ela havia aberto um guardanapo em seu colo e comia tranquilamente um sanduíche de presunto.
- Oi - cumprimentou Marisa, tentando ser o mais amável possível.
Posso sentar-me?
Lídia olhou-a espantada e puxou o copo de refresco mais para perto de si, respondendo com uma certa timidez:
- Fique à vontade.
Sentada a seu lado, Marisa iniciou uma conversa:
- Você é Lídia, não é?
É nova na escola?
- Sou sim. Cheguei ao Rio no mês passado.
- De onde você é?
- De Fortaleza.
Meu pai foi nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal e teve que se mudar para cá.
- Seu pai é juiz?
- É sim.
- Você tem irmãos?
- Tenho um.
Chama-se Vinício, é engenheiro, capitão-tenente da Marinha, e conseguiu uma transferência para nos acompanhar.
- Está gostando do Rio?
- Acho que chegamos em má hora.
O tempo anda ruim, e ainda não pudemos conhecer praticamente nada da cidade.
- É uma pena. Há lugares muito bonitos de se ver.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122505
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

SÓ POR AMOR - Leonel / Mónica de Castro Empty Re: SÓ POR AMOR - Leonel / Mónica de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Ago 03, 2015 9:00 pm

- Imagino... e você?
- Sou Marisa, e aquela é minha amiga Sandra.
Apontou para a moça, que ainda não dera pela sua falta.
Lídia lançou-lhe um olhar indefinível e retrucou com interesse:
- Você também tem irmãos?
- Não, sou filha única.
Meus pais também são lá do norte, só que vieram do Maranhão.
- Você nasceu aqui?
- Não, nasci lá.
Mas só fui registada aqui no Rio.
Sabe como são essas cidades do interior.
- Bom, Fortaleza não é uma cidade do interior.
- Eu sei.
- Você conhece? Já esteve lá?
- Não, mas vi em revistas.
- Também é muito bonita.
- Sente saudades de casa?
- Sinto sim. Deixei meus avós, amigos... foi difícil.
E aqui também não está sendo nada fácil.
- Posso imaginar.
Não deve ser fácil ingressar numa escola nova, no meio do último ano lectivo.
- É, é difícil. Os grupos já estão formados, e ninguém quer abrir espaço para uma estranha.
- Eu não sou assim.
Podemos ser amigas, se você quiser.
- Obrigada, gostaria muito.
Desde que a vi, simpatizei logo com você.
- Você também é muito simpática.
Espero que possamos ser amigas.
- Eu também...
- Ah! Então foi aí que você se escondeu! - era Sandra, que vinha chegando com seu andar rebolativo.
- Já conhece a Lídia, Sandra? - retrucou Marisa polidamente.
- De vista.
- Ela veio do Ceará.
- Migrou, fugindo da seca?
- Não, Sandra, o pai dela é ministro do Supremo Tribunal Federal.
A moça engoliu em seco e forçou um sorriso.
Decididamente, aquela seria uma boa amizade para se cultivar.
- Seja bem-vinda ao Rio! - exclamou com afectado fingimento.
Espero que não tenha ficado zangada com a brincadeira.
- Não fiquei - tornou Lídia, visivelmente avessa à presença da outra.
- Lídia tem um irmão - prosseguiu Marisa, com uma certa inocência.
Engenheiro da Marinha, não é?
- Isso mesmo.
- Engenheiro, é? - repetiu Sandra, interessada.
- Meu irmão é capitão-tenente e tem vinte e sete anos.
- Ele é casado?
- Sandra! - censurou Marisa.
Deixe de ser oferecida.
Você mal conhece Lídia e nunca viu o rapaz.
Que coisa feia!
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122505
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

SÓ POR AMOR - Leonel / Mónica de Castro Empty Re: SÓ POR AMOR - Leonel / Mónica de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Ago 03, 2015 9:01 pm

Sandra sorriu sem graça, e Lídia não respondeu.
Desde o primeiro dia, não simpatizara com Sandra.
Achava-a debochada e cínica e, pelo visto, também era desfrutável e interesseira.
- Não foi essa a minha intenção - balbuciou Sandra desconcertada.
E depois, não sou oferecida não, ouviu?
Perguntei por perguntar, por curiosidade.
Você é que está maldando as coisas.
- Sei... conheço-a muito bem, viu?
- Não precisam brigar - interveio Lídia.
Não me aborreci nem estou fazendo mau juízo de Sandra.
- Nós não estamos brigando - objectou Sandra.
Marisa e eu nunca brigamos.
Somos amigas desde o jardim-de-infância, não é Marisa?
- É, sim. Sandra e eu estudamos juntas desde pequeninas.
- Devem ter uma sólida amizade.
- Você nem imagina o quanto, meu bem! - gracejou Sandra.
Somos praticamente irmãs.
Ouviram a sirene tocar, indicando o término da hora do intervalo, e voltaram para a sala de aula.
No fim da tarde, Marisa deu a Lídia o número de seu telefone, e a moça também lhe entregou o seu.
- Não gostaria de vir visitar-nos amanhã? - indagou Lídia.
Mamãe faz uns bolos deliciosos, e você poderia conhecer o resto da família.
- Excelente ideia! - concordou Marisa.
A que horas?
- Que tal, lá pelas cinco?
- Não está se esquecendo de nada? - intercedeu Sandra.
Amanhã é o dia do baile no Colégio Militar.
Aliás, seu irmão não vai?
- Meu irmão já está muito velho para esses bailes.
E depois, ele não gosta.
- Mas você vai, não é, Marisa?
- Pensando bem, Sandra, não sei se estou com tanta vontade de ir.
- Como? Você estava até mais animada do que eu!
- Estava, mas agora não estou mais.
- Ora, essa é boa!
Vai me deixar ir sozinha?
- Ah! Sandra, você não vai ficar sozinha.
Todo mundo vai estar lá.
- Mas você é minha melhor amiga!
Não querendo entrar em confronto com Sandra, Lídia voltou atrás:
- Se é assim, Marisa, podemos deixar para outro dia.
- Ah! Mas eu gostaria tanto de ir...
- Podemos transferir para o domingo.
Então? O que me diz?
- Óptimo! Assim vai dar tudo certo.
Vou ao baile no sábado com Sandra e, no domingo, vou lanchar em sua casa.
- Então, fica combinado.
Espero-a lá em casa no domingo, às cinco horas. Não vá faltar.
- De jeito nenhum.
- Você não vai ao baile? - quis saber Sandra.
- Não gosto muito de dançar.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122505
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

SÓ POR AMOR - Leonel / Mónica de Castro Empty Re: SÓ POR AMOR - Leonel / Mónica de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Ago 03, 2015 9:01 pm

Sandra pensou:
é muito desajeitada para dançar, mas armou um sorriso nos lábios e contrapôs:
- Ora, mas que bobagem.
Toda moça gosta de dançar.
- É que não danço muito bem.
- Isso não é desculpa.
Por que não nos acompanha para ver como é?
- Não quero estragar a noite de vocês.
- De jeito nenhum! - contestou Marisa animada.
Seria um imenso prazer se você fosse connosco.
- Não sei...
- Ah! Vamos, Lídia, por favor!
Você vai gostar.
- Não sei. Tenho que falar com meus pais.
- Fale com eles e depois telefone para Marisa.
Você não tem o telefone dela?
- Está certo - concordou por fim.
Vou falar com meus pais e ligo para você hoje à noite, Marisa, inclusive para lhe dar meu endereço.
- Muito bem! - exclamou a outra, batendo palmas em sinal de genuína alegria.
- Não vai se arrepender - prometeu Sandra.
Há muitos rapazes bonitos no baile, você vai ver.
Despediram-se.
Damião já estava no portão, à espera de Marisa, que entrou e acenou para as amigas.
No caminho de volta para casa, ia pensando em sua mais nova amizade.
Gostara verdadeiramente de Lídia.
Achava-a simpática e muito agradável.
Não conseguia ver toda aquela feiura que Sandra apontava e pensava mesmo que ela era bonita.
Não que fosse de chamar a atenção.
Mas tinha um rosto expressivo, cabelos lindos e olhos de um negro cintilante e perscrutador.
Embora fosse cheiinha de corpo, não era propriamente gorda, e Marisa achava mesmo que as formas lhe caíam bem, visto que Lídia era uma moça relativamente alta e de larga estrutura óssea.
No conjunto, era uma moça interessante, de uma beleza exótica e cativante.
Além de tudo, era inteligente e simpática.
Marisa estava empolgada com a moça.
Sabia que Sandra ficara um tanto quanto enciumada.
Sandra sempre fora uma menina ciumenta e possessiva, mas acabaria se acostumando.
Marisa achava que ela era uma boa moça, embora um pouco perdida e deslumbrada com aquela história de marido rico.
Talvez, quem sabe, a amizade de Lídia lhe abrisse um pouco os olhos para as coisas da vida.
Tinha certeza de que Lídia era uma moça que tinha muito a oferecer.
Sim, pensou, estava mesmo disposta a estreitar amizade com ela.
Ao descer para o jantar naquela noite, Lídia parecia mais bem-humorada do que o normal, o que causou uma certa estranheza no resto da família.
A mãe, Malvina, surpresa com sua euforia, indagou curiosa:
- Pode-se saber o motivo de tanta alegria?
Vinício fitou-a com ar matreiro e perguntou, não sem uma certa malícia:
- Será que arranjou algum namorado?
Notando o olhar grave do pai, Lídia contestou veemente:
- Não é nada disso.
É que fiz amizade na escola hoje e Marisa me convidou para ir ao baile do Colégio Militar amanhã.
- É mesmo? - tornou a mãe animada.
- Mas que maravilha!
Já não era sem tempo, minha filha - acrescentou o pai.
Uma mocinha feito você não deveria ficar sozinha em casa.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122505
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

SÓ POR AMOR - Leonel / Mónica de Castro Empty Re: SÓ POR AMOR - Leonel / Mónica de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Ago 04, 2015 7:27 pm

- E quem é essa tal de Marisa? - prosseguiu a mãe.
É de boa família?
- Creio que sim.
Ninguém que estude no Instituto de Educação pode ser ruim, não é mesmo?
Afinal, é um dos colégios mais tradicionais da cidade.
- Isso é verdade, minha filha - concordou o pai.
Só eu sei o trabalho que tive para arranjar uma vaga para você no meio do último ano.
E olhe que só consegui porque conheço pessoalmente o governador, e ele deu um empurrãozinho.
Mas o facto de a escola ser tradicional não significa que só seja frequentada por pessoas de bem.
Há pessoas inteligentes que usam seus dons para o mal.
- Não acham que estão exagerando?
Marisa é uma moça assim como eu.
É bonita, alegre, educada e inteligente.
- O que o pai dela faz? - prosseguiu a mãe.
- Não sei, nem me ocorreu perguntar.
Conheci também uma outra moça, de nome Sandra, mas foi com Marisa que simpatizei.
- Que bom, minha filha - era o pai.
É muito bom fazer novos amigos.
- É verdade.
- E é com ela que você pretende ir ao baile?
- Posso, papai?
- É claro que pode. Eu mesmo a levarei.
- Você não quer ir, Vinício? - retrucou ela, dirigindo-se para o irmão.
O rapaz soltou a colher de sopa, enxugou os lábios e respondeu com um suspiro:
- Não acha que já estou um pouco velho para isso, Lídia?
- É claro que não!
Aposto como conhecerá uma moça bonita.
- Não sei. Suas amigas são muito novinhas para mim.
- Ora, Vinício, mas que bobagem.
Minhas amigas, como você diz, devem ter a minha idade.
E haverá outras moças, com certeza.
- Seria uma boa ideia você ir - concordou a mãe.
Também já é hora de se distrair.
Vinício deu um suspiro e retrucou meio sem jeito:
- A senhora sabe que não gosto de bailes, mãe.
Mas se for só para levar Lídia, pode deixar que eu mesmo levo.
Sou o irmão mais velho, é natural que acompanhe Lídia em seu primeiro baile na nova cidade.
Apertou a sua mão por cima da mesa e deu-lhe um sorriso amistoso, que Lídia correspondeu com sinceridade:
- Obrigada, Vinício.
Sabia que podia contar com você.
Ao entrar no salão de bailes do Colégio Militar, Lídia sentiu-se um pouco tímida e acanhada.
Nunca vira moças tão elegantes e bem-vestidas, e pensou se não estaria parecendo uma roceira desengonçada.
- Você está muito bonita - elogiou Vinício, lendo-lhe os pensamentos.
Lídia apenas sorriu e apertou o seu braço, orgulhosa com a sua presença.
Ele, sim, chamava a atenção.
Era um rapaz muito bonito, moreno, queimado de praia, muito elegante em sua farda branca.
Assim que entraram, Lídia percebeu os olhares das garotas sobre ele.
Houve até um certo burburinho, e várias meninas se aproximaram para saudá-la, meninas que jamais haviam trocado sequer uma palavra com ela na escola.
Lídia respondeu aos cumprimentos com educação e certa distância.
Não precisava de amizades interesseiras.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122505
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

SÓ POR AMOR - Leonel / Mónica de Castro Empty Re: SÓ POR AMOR - Leonel / Mónica de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Ago 04, 2015 7:27 pm

- Veja! - exclamou ela, apontando para um grupo de moças mais adiante.
Lá está Marisa. Ainda não nos viu.
Venha, vamos juntar-nos a ela.
Saiu arrastando o irmão pelo braço, que se deixou conduzir, feliz com a alegria de Lídia.
Sandra foi a primeira que os viu e soltou um grito de euforia:
- Lídia! Que bom que você veio.
Beijou a outra no rosto e fitou Vinício, que Lídia logo apresentou:
- Este é meu irmão, Vinício.
Vinício, esta é Sandra, uma das moças de quem lhe falei.
Vinício cumprimentou-a com um aceno de cabeça e não disse nada, apenas reparando no seu estado de excitação.
Quase que no mesmo instante, Marisa se virou para eles e Vinício conteve um suspiro de admiração.
Levantou as sobrancelhas, surpreso, e esqueceu o olhar sobre ela.
Marisa se aproximou e abraçou a amiga, num gesto de genuíno afecto.
- Finalmente, Lídia!
Pensei que não viesse mais.
Foi só quando Lídia apresentou o irmão que Marisa reparou nele.
Não tinha por hábito encarar os rapazes, principalmente se vinham acompanhados de alguma moça.
- Gostaria que conhecesse meu irmão - falou Lídia, percebendo o quanto Marisa o havia impressionado.
Vinício, esta é Marisa, a outra moça de quem lhe falei. Lembra-se?
- É claro - respondeu ele, após um breve minuto de contemplação.
Foi com ela que você mais simpatizou, não foi?
Posso entender.
Se Lídia ficou sem graça, Sandra ficou furiosa.
Pelo visto, Lídia havia comentado que as conhecera, mas estava claro que manifestara sua preferência por Marisa.
Marisa, que nada percebeu, convidou-os com animação:
- Venham sentar-se connosco - vendo que Sandra não se mexia, insistiu:
Eles vão sentar-se connosco, não é, Sandra?
Só então Sandra voltou de seu devaneio.
Estava remoendo o ódio em seu íntimo e nem escutara o que Marisa dissera.
- É claro, Marisa - retrucou entre dentes.
É claro que vão sentar-se connosco.
Sandra foi conduzindo-os até a mesa onde a mãe e a patroa, Marocas, estavam sentadas, conversando.
Marisa sempre ia aos bailes em companhia de Sandra.
Seu pai nunca a acompanhara a festa alguma.
Mesmo quando criança, ele não ia.
Quem a levava era sempre a mãe e, assim mesmo, havia festas a que elas não iam.
Os bailes do Colégio Militar, Marisa só frequentava porque Sandra ia com a mãe e com Marocas.
Como eram amigas desde crianças, o pai permitia que ela fosse.
Caso contrário, não iria a lugar nenhum.
Marisa não entendia por que os pais eram tão avessos à vida em sociedade.
João lhe dizia que era porque eles estavam velhos e cansados e já não tinham mais disposição para aquilo, o que ela não considerava motivo para isolamentos.
Bastava ver Marocas ali, muito mais velha do que eles e sempre tão animada e de bom humor.
Para Sandra, era diferente.
A mãe não tinha dinheiro para levá-la ao baile, e como Marocas era uma senhora viúva e solitária, cuja única filha morava no exterior, sempre acompanhava Sandra e Albertina aos bailes do Colégio Militar.
Era uma forma de se distrair e proporcionar prazer à menina, que praticamente ajudara a criar.
Meio de má vontade, Sandra apresentou:
- Mamãe, D. Marocas, esta é Lídia, nossa nova colega, de quem já lhes falei.
E este é o irmão dela... desculpe-me, esqueci o seu nome.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122505
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

SÓ POR AMOR - Leonel / Mónica de Castro Empty Re: SÓ POR AMOR - Leonel / Mónica de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Ago 04, 2015 7:27 pm

- É Vinício - completou Marisa, sem nem se dar conta de que Sandra fizera aquilo de propósito.
- Muito prazer, senhoras - falou ele de forma galante, beijando a mão de ambas.
- Não querem sentar-se? - convidou Marocas.
- É claro - disse Vinício, puxando uma cadeira para Lídia e as moças.
Todos se sentaram e começaram a conversar.
A mãe de Sandra queria saber de onde eles vinham, e Lídia contava-lhes sobre suas vidas em Fortaleza e a vinda para o Rio.
Marisa e as senhoras escutavam com atenção, mas Sandra mal podia esconder o descontentamento.
Soltava longos suspiros e encarava Vinício discretamente, mas o moço, ou não percebia, ou fingia nada perceber.
Depois de quase uma hora de conversa, não aguentando mais, disse de chofre:
- Por que não me convida para dançar, Vinício?
Pelo visto, essa conversa ainda vai demorar horas.
Mesmo contra a vontade, Vinício se levantou.
Fora acostumado a ser cortês e aprendera a jamais destratar uma moça.
Na mesma hora, Sandra aceitou a mão que ele lhe estendia e foi com ele para o meio do salão, fingindo não reparar no olhar de reprovação que a mãe lhe lançara.
Depois que eles se afastaram, Albertina comentou envergonhada:
- Não sei mais o que faço com essa menina.
Por mais que tente, não consigo dar-lhe uma boa educação.
- Ora, D. Albertina, deixe - apressou-se Lídia em dizer, para cortar seu constrangimento.
Sandra só quis ser simpática com meu irmão.
Ele já devia estar aborrecido.
Veio ao baile só para me trazer.
Albertina agradeceu sua bondade com um sorriso e Lídia retomou a conversa, desviando a atenção de Sandra.
No fundo, também não gostara da atitude da outra.
Fora muito oferecimento.
Ainda mais porque ela notara que Vinício se interessara por Marisa.
A amiga talvez nada tivesse percebido, mas o irmão não tirava os olhos dela desde que chegaram.
Ao contrário do que Lídia pensava, Marisa notara o interesse do rapaz, sim.
Como não poderia notar?
Vinício a fitava com certa insistência, embora se esforçasse ao máximo para disfarçar.
Também percebera o interesse de Sandra por ele, e ela conhecia muito bem a amiga para saber que faria de tudo para conseguir sua atenção exclusiva.
Sandra era uma moça atirada e atrevida, ao contrário dela, mais quieta e comedida.
Ficou olhando-os dançar, imaginando se Vinício estaria gostando de tê-la em seus braços.
Provavelmente sim, pensou.
Que homem não gostaria de estar junto de uma moça linda feito Sandra?
De onde estava, Marisa não podia ver os olhares de Vinício.
Apesar de Sandra dançar colada a ele, não era nela que ele estava interessado.
- Por que não vamos até lá fora? - sussurrou ela, quase encostando os lábios no ouvido de Vinício.
Podemos tomar um pouco de ar fresco.
Ele a afastou gentilmente, e ela pensou que fosse aceitar o seu convite.
Qual não foi o seu espanto, porém, quando ele a tomou pelo braço e voltou com ela para a mesa.
- Obrigado pela companhia, Sandra. - falou em tom formal.
Foi muito gentil de sua parte convidar-me para dançar.
Ela deu um sorriso sem graça e murmurou de forma quase inaudível:
- Não tem de quê.
- E agora - prosseguiu ele, voltando-se para as outras moças -, qual das senhoritas vai me dar o prazer?
- Vá dançar com Marisa - sugeriu Lídia rapidamente.
Ainda não terminei de contar minha história.
As senhoras riram, e Vinício foi com Marisa para o meio do salão.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122505
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

SÓ POR AMOR - Leonel / Mónica de Castro Empty Re: SÓ POR AMOR - Leonel / Mónica de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Ago 04, 2015 7:28 pm

Estava encantado com a moça, jamais sentira algo assim em sua vida.
Marisa sentia a mesma coisa.
Seu contacto lhe transmitia um calor aprazível e acolhedor, algo que nunca antes sentira.
Sabia que Sandra também se interessara por ele e não queria entrar em uma disputa com a amiga.
Mas o que estava sentindo naquele momento era algo indescritível, uma felicidade que não tinha igual, algo de que não poderia simplesmente abrir mão.
Ainda mais porque Vinício também estava interessado nela.
Ao entrar em seus braços para a dança, podia perceber a perturbação fluindo de seu corpo.
Estariam se apaixonando?
Vinício, mal contendo a emoção, começou a virar o rosto de Marisa para ele, e ela, percebendo o que estava para acontecer, entreabriu os lábios instintivamente, e os lábios de Vinício encontraram os dela.
Até que a orquestra, como que sentindo o perigo daquela atracção, desatou a tocar um twist frenético, e os dois se separaram, um tanto envergonhados.
- Marisa, eu... - balbuciou Vinício - ...perdoe-me... não sei o que me deu... não quis faltar-lhe com o respeito... mas é que...
- Sh...! - tornou ela, levando o dedo indicador aos lábios.
Não diga nada. Não é preciso.
Ela começou a balançar o corpo ao som do twist e logo foi acompanhada por Vinício.
Dali em diante, ficaram juntos a noite inteira.
Quando a orquestra parou para uma pausa, voltaram para a mesa e sentaram-se para uma bebida.
Lídia, percebendo o que se passava entre eles, sentiu imensa alegria, ao passo que Sandra mal podia conter a raiva e o ciúme.
No domingo, Marisa acordou um pouco mais tarde e tomou café sozinha.
Os pais sempre levantavam cedo e já haviam feito o desjejum.
Encontrou a mesa posta para ela, esquentou o leite e serviu-se.
Estava sentada, comendo calmamente, quando a mãe entrou:
- Bom dia - foi o cumprimento jovial.
E então? Como foi o baile ontem?
- Maravilhoso! - exclamou, dando mostras de uma alegria fora do comum.
Antónia fitou a filha com ar de malícia e retrucou interessada:
- Não me diga que conheceu um rapaz atraente!
Marisa engoliu uma torrada e aquiesceu, acrescentando com ar apaixonado:
- Ah! Mamãe, ele é um sonho!
É tão bonito... e elegante, educado, atencioso, inteligente...
- É de verdade?
- Ora, mamãe, pare com isso!
É claro que é de verdade.
- Não sei não, minha filha.
Rapazes com tantas qualidades assim, hoje em dia, só no cinema.
- Vinício é um rapaz e tanto!
- Vinício? É esse o nome dele? - ela assentiu.
Bonito nome. O que ele faz?
- É da Marinha.
Ela soltou um assobio e retrucou em tom de brincadeira:
- Está disponível?
- É claro que está.
- E o que um rapaz da Marinha estava fazendo num baile do Colégio Militar?
- Não lhe contei? - ela meneou a cabeça.
Ele é irmão de uma nova colega, a Lídia.
Não lhe falei sobre ela?
- Lídia? É, acho que comentou por alto.
Lembro-me de você ter dito algo sobre uma garota que entrou agora e que fica meio deslocada.
É essa?
- Essa mesma.
Na sexta-feira, comecei a conversar com ela e fizemos amizade.
É uma moça muito simpática.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122505
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

SÓ POR AMOR - Leonel / Mónica de Castro Empty Re: SÓ POR AMOR - Leonel / Mónica de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Ago 04, 2015 7:28 pm

- E o rapaz é irmão dela.
- É. E tem mais.
Ela me convidou para ir a sua casa hoje à tarde.
Posso ir, mamãe?
- Fale com seu pai.
Mas creio que não haverá problema.
Damião está de folga, mas acho que ele mesmo poderá levá-la.
Onde é que ela mora?
- No Jardim Botânico.
- Um pouco longe, mas acho que seu pai não vai se importar de ir até lá.
Só assim, damos uma volta.
Termine de tomar o seu café e vá falar com ele.
Marisa engoliu o resto do café e saiu atrás do pai.
Ele estava sentado na varanda, lendo o jornal, e levantou os olhos quando a ouviu chegar.
- Olá, minha filha.
Quer alguma coisa?
- Sabe, pai, é que conheci uma garota nova na escola, e ela me convidou para um lanche em sua casa, hoje à tarde.
Será que posso ir?
- Hoje à tarde?
Hum... não sei, é a folga do Damião.
- Você não pode me levar?
Oh! Por favor, papai, leve-me!
- Posso saber por que tanta euforia por causa de uma amiga nova?
Ela enrubesceu novamente e falou baixinho:
- É que ela também tem um irmão...
- Eu sabia! - exclamou o pai, sorrindo num gracejo.
Arranjou um namorado?
Cada vez mais enrubescida, ela retrucou:
- Ele não é meu namorado.
Mas é um rapaz muito simpático.
- E você está interessada nele?
- Bem, sim...
- E ele? Também se interessou por você?
- Creio que sim.
Marisa sempre teve uma relação muito aberta com os pais.
Se, por um lado, eles tentavam protegê-la e afastá-la de tudo o que pudesse revelar-lhe a verdade, por outro, faziam tudo o que ela queria.
Conversavam sobre todas as coisas e a alertavam sobre a vida.
Sabiam que ela precisava viver e não tinham intenção de ocultá-la do mundo.
No fundo, sentiam-se seguros ali, certos de que ninguém da velha vida os descobriria.
- Está certo, Marisa - concordou o pai rapidamente.
Levo você. A que horas é o lanche?
- Às cinco horas.
- E onde a moça mora?
- No Jardim Botânico.
- Jardim Botânico?
É um estirão até lá.
Levaremos mais de uma hora.
Esteja pronta às quatro.
Creio que ela não se importará se você se atrasar alguns minutos.
- Obrigada, papai - finalizou ela com um beijo, correndo pela porta aberta.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122505
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

SÓ POR AMOR - Leonel / Mónica de Castro Empty Re: SÓ POR AMOR - Leonel / Mónica de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Ago 04, 2015 7:28 pm

Foi difícil passar o resto do dia.
As horas pareciam arrastar-se, e ela consultava o relógio a todo instante.
Às três horas, já estava pronta.
Os pais riam de sua euforia, pois sabiam que ela se embelezara e perfumara toda, não para a amiga, mas para o irmão.
Efectivamente, Marisa estava louca para reencontrar Vinício.
Gostava muito de Lídia também e queria conversar com ela, mas o que sentia por Vinício era algo que não podia explicar nem para si mesma.
Esperava os pais se vestirem quando o telefone tocou, e ela correu a atender:
- Alô?
- Marisa? Sou eu, Sandra.
- Ah! Oi, Sandra, como vai?
- Bem. O que vai fazer hoje?
- Vou sair, por quê?
- Vai visitar Lídia?
- Vou. Ela me convidou...
- Eu sei.
Estava lá quando ela fez o convite.
- Olhe, Sandra, gostaria muito de conversar, mas agora não vou poder.
Já estou de saída.
Amanhã nos encontraremos na escola, está bem?
Desligou, deixando Sandra furiosa.
Não queria desgostar a amiga, mas aquele não era o momento de entrar em nenhuma discussão com ela.
Os pais já estavam prontos e a chamavam para ir.
No caminho, iam conversando:
- Você disse que essa menina é nova - afirmou o pai.
Como é que se chama?
- Lídia. E o irmão, Vinício.
- De onde foi que vieram?
- De Fortaleza.
O pai foi nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal.
Uma nuvem imperceptível de preocupação passou pelos olhos de João, nuvem que apenas Antónia notou.
Fazia dezoito anos que não tinha notícia nenhuma do Ceará.
Desde que saíra fugido de Pedra Branca, nunca mais ouvira falar em nada que se referisse a seu estado natal.
A não ser pelas notícias que lia nos jornais, pouco sabia do que acontecia por aquelas bandas.
Não sabia nem o fim que levara coronel Agostinho, mas imaginava-o morto.
Na época em que trabalhara para ele, o homem já havia ultrapassado a casa dos setenta anos.
A situação do nordeste se acalmara desde a morte de Lampião, um ano após sua chegada ao Rio de Janeiro.
João soube que os cangaceiros haviam sumido da região, embora ainda continuasse havendo mortes pela disputa de terras.
Mas os jagunços agora também eram em menor número, e a polícia tinha uma actuação mais eficaz.
Sem querer, João se viu pensando em Conrado.
Filho de um importante desembargador em Fortaleza, fora o delegado na época em que cometera seu último crime e estava louco para pôr as mãos nele.
Mas Conrado jamais conseguira reunir provas contra ele, e o seu desaparecimento repentino devia ter deixado o homem surpreso.
Ninguém sabia que fim levara o Januário de então, nem ele sabia o que havia acontecido depois de sua fuga.
Se Conrado ou o coronel Agostinho estavam atrás dele, não podia saber, mas imaginava que não.
O Rio de Janeiro era muito longe de Pedra Branca, e ninguém poderia suspeitar que fora para lá que ele desabalara, fugido da polícia e da morte.
João olhou pelo espelho retrovisor e viu que a filha olhava pela janela, distraída com a paisagem e o movimento.
Fitou a mulher a seu lado e notou o ar de gravidade que se estampara em seu rosto.
Ela também estava preocupada.
Provavelmente, era apenas uma coincidência o facto dos novos amigos de Marisa serem do Ceará e, na certa, jamais haviam ouvido falar em seu nome ou no de coronel Agostinho.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122505
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

SÓ POR AMOR - Leonel / Mónica de Castro Empty Re: SÓ POR AMOR - Leonel / Mónica de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Ago 04, 2015 7:28 pm

O tal ministro, provavelmente, sempre fora um figurão em Fortaleza, alheio aos problemas e dissabores do cangaço.
Mas como poderia um juiz estar alheio aos problemas que se desenrolavam em sua terra, bem debaixo do seu nariz?
Quantos processos envolvendo cangaceiros aquele homem já não deveria ter julgado?
Não. Decididamente, aquela amizade era algo perigoso, e João precisava descobrir mais a respeito daquela gente.
Pigarreou de leve e indagou com aparente naturalidade:
- Como é o nome do pai de sua amiga, minha filha?
- Não sei, pai, nem perguntei.
Mas hoje vou ficar sabendo.
Vou ser apresentada a eles.
- Você disse que o pai dela foi nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal.
Ele era juiz lá em Fortaleza?
- Não sei, mas devia ser.
Não entendo muito dessas coisas.
- A família dela é de Fortaleza mesmo ou é do interior?
- Não sei, pai.
Mas por que tantas perguntas assim, de repente?
- Curiosidade, minha filha.
- Você conhece alguém lá em Fortaleza?
- Eu? Não.
Só estive em Fortaleza de passagem.
Às cinco e quinze, João parou o carro em frente à bonita mansão em que Lídia vivia com a família.
Marisa beijou os pais e saltou.
Lídia a estava esperando em uma janela do segundo andar e acenou para ela, correndo para dentro.
Poucos minutos depois, ela mesma abria o portão e ia ao seu encontro.
Marisa deu adeus aos pais da porta e já ia entrando quando João falou:
- Às oito horas virei buscá-la.
Minutos depois, quando o carro de João rodava pela avenida, Antónia perguntou com visível preocupação:
- Acha que essa gente pode ter alguma ligação com o que houve há dezoito anos?
- Não sei, Antónia, só espero que não.
Mas amizade com a filha de um juiz lá da nossa terra não é bom.
Imagino que o homem deva conhecer alguma coisa dos jagunços.
- O que não significa que conheça você.
Afinal, Pedra Branca era apenas uma cidadela quando partimos de lá.
Não deve ter despertado muito a atenção de ninguém.
- Não sei não, Antónia.
Havia jagunços por todo o nordeste.
Não havia cidade que não vivesse assustada, com medo dos crimes pela posse de terras.
Em Pedra Branca, sabemos que houve muitos.
Não apenas por ordem de coronel Agostinho, mas de outros coronéis também.
Não acho nada impossível que esse sujeito já tenha ouvido falar de mim.
- Impossível não é, embora seja pouco provável.
E depois, isso foi há muitos anos.
Ninguém, na certa, lembra-se mais de você.
Ainda mais porque você não é mais o Januário de outrora, mas o João de hoje.
Quantos Joões você acha que o tal ministro deve conhecer?
- Mesmo assim, não acho que essa seja uma boa amizade para nossa filha.
E, pior, não creio que o tal Vinício seja o rapaz ideal para ela.
Estou com medo, Antónia, temo pelo que possa nos acontecer.
- Não vai nos acontecer nada.
Você está exagerando.
Ninguém se lembra mais daqueles dias, muito menos de você.
Pare de pensar nisso.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122505
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

SÓ POR AMOR - Leonel / Mónica de Castro Empty Re: SÓ POR AMOR - Leonel / Mónica de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Ago 04, 2015 7:29 pm

- Não a quero de namoricos com esse rapaz. É perigoso...
- O que pretende fazer, João?
Proibi-la de encontrar-se com ele?
- Se for preciso, sim.
- Você está louco.
Nós nunca proibimos Marisa de nada.
Sempre a incentivamos a encontrar um bom rapaz e se casar.
- Aí é que está.
Não creio que esse moço seja um bom rapaz.
- Você vai magoar os sentimentos de nossa filha.
Aposto como essa gente nada tem a ver com Pedra Branca.
- Preciso saber.
Preciso descobrir se estamos seguros.
- Quando ela voltar, pergunte-lhe como foi.
Você vai ver como tudo deve ser impressão.
- Tomara que você esteja certa, porque sou capaz de tudo para manter nossa família em segurança.
Antónia abriu a boca, abismada, e protestou com veemência:
- Nem se atreva a dizer o que imagino que esteja pensando!
Você prometeu, João.
Ao virmos para cá, você prometeu que jamais tornaria a matar.
Não faça isso novamente, por Deus!
Não sei se poderei suportar.
Vendo que ela começara a chorar, João segurou a sua mão e levou-a aos lábios, acrescentando em tom tranquilizador:
- Eu não disse isso, querida.
Sei que prometi que jamais tornaria a matar.
E cumpri minha promessa, não foi?
- Nós temos uma nova vida agora.
Não vá manchar o seu nome e estragar tudo o que construímos.
Deixe de pensar em bobagens e esqueça essa gente.
Deixe Marisa fazer amizade com a moça e o irmão, aja naturalmente.
Você vai ver que está se preocupando à toa.
João não disse mais nada.
Qualquer coisa que dissesse só serviria para aumentar ainda mais a preocupação e o medo de Antónia.
Precisava pensar feito ela.
Sua família estava segura ali, não havia o que temer.
O tal ministro, provavelmente, nunca ouvira falar dele ou de seus crimes.
Na certa, jamais se envolvera com jagunços ou coronéis.
Deve ter vivido sempre na cidade grande, cercado de papéis e de gente elegante.
Nunca deve ter experimentado as agruras do sertão, não conhecia a seca e estava longe de se familiarizar com bandidos.
Tinha que acreditar nisso.
Era sua esperança de continuar com sua vida em paz.
Antónia, a seu lado, buscou a sua mão por cima do volante e a apertou.
- Tire isso da sua cabeça.
Nada vai nos acontecer.
Vamos continuar vivendo nossa vida em paz, casaremos nossa Marisa com um bom rapaz e teremos muitos netos.
Continuaremos felizes, João, felizes até a nossa morte.
Ele lançou-lhe um sorriso de agradecimento e concentrou-se na direcção.
Queria pensar feito ela.
Queria ter certeza de que o passado não ressurgiria para exigir-lhe vingança.
O passado estava enterrado e não podia mais ressuscitar.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122505
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

SÓ POR AMOR - Leonel / Mónica de Castro Empty Re: SÓ POR AMOR - Leonel / Mónica de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Ago 04, 2015 7:29 pm

João era um homem atormentado.
Desde que deixara a vida no sertão e assumira uma nova identidade, vivia assombrado pela culpa por seus crimes.
Em seu íntimo, de forma inconsciente, desejava resgatar o passado, mas temia as consequências que teria que assumir.
Por tudo isso, optara por viver em locais isolados, tamanha a preocupação que tinha de ser descoberto e ter que, finalmente, prestar contas à vida pelas muitas vidas que roubara.
Os pais de Lídia não estavam em casa.
Tinham saído para ir ao cinema, em companhia de Vinício, e ainda não haviam voltado.
Lídia levou Marisa para seu quarto e encostou a porta, falando com alegria:
- Fique à vontade e sinta-se como se estivesse em sua casa.
- Obrigada - retrucou Marisa, sentando-se numa poltrona do outro lado da cama.
- Meus pais e Vinício foram ao cinema, mas já devem estar voltando.
Quero que os conheça.
Eles também estão loucos para conhecer a moça que conquistou o coração de meu irmão.
Marisa corou violentamente e abaixou a cabeça, murmurando pouco à vontade:
- Não sei do que você está falando.
- Ora, Marisa, não precisa ficar acanhada comigo.
Pensa que não percebi?
- Percebeu o quê?
- Você e Vinício.
Dançaram a noite toda no baile, e ele não desgrudou de você.
E, se não me engano, você também gostou dele.
Não estou certa?
Cada vez mais vermelha, Marisa tentou protestar:
- Não foi nada disso, Lídia.
Seu irmão só estava tentando ser gentil.
- Quanta gentileza!
E você? Apenas retribuía o seu gesto?
Sentindo o rosto em fogo, Marisa se levantou da poltrona e aproximou-se da janela.
- Não devia falar assim, Lídia.
Seu irmão é um excelente rapaz, mas não creio que esteja interessado em mim.
Deve ter alguma namorada mais velha.
- Nada disso, minha querida.
Vinício não tem ninguém.
- Tem certeza?
Marisa havia-se voltado para a amiga, e seus olhos brilhavam intensamente, o que deu a Lídia a certeza de seu interesse pelo irmão.
- Absoluta - respondeu ela, com um sorriso malicioso nos lábios.
Vinício não tem ninguém.
- Por quê? Um rapaz tão bonito...
- Ah! Já passou por uma decepção amorosa e, de lá para cá, nunca mais se interessou por ninguém a sério.
Bobagem! Para mim, o que lhe faltou foi encontrar a pessoa certa.
- Acha que ele encontrou?
- Tem dúvidas?
Marisa sorriu, intimamente envaidecida, lembrando-se do beijo apaixonado que haviam trocado.
Nesse instante, um ruído do lado de fora chamou a atenção das meninas.
Os pais de Lídia estavam chegando do cinema, e ela olhou significativamente para a amiga.
Esperaram uns poucos minutos, e Malvina apareceu na porta do quarto.
- Olá, meninas - saudou em tom jovial.
Está tudo bem por aqui?
Marisa se surpreendeu com a fisionomia da mãe de Lídia.
Era uma senhora já na casa dos cinquenta anos, mas muito bonita e simpática, bem diferente de sua mãe, que sempre fora uma mulher sem graça e nada comunicativa.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122505
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

SÓ POR AMOR - Leonel / Mónica de Castro Empty Re: SÓ POR AMOR - Leonel / Mónica de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Ago 04, 2015 7:29 pm

Lídia abraçou a mãe e falou satisfeita:
- Mamãe, esta é a Marisa.
Marisa, minha mãe, Malvina.
Malvina se aproximou de Marisa e deu-lhe dois beijos na face, acrescentando com naturalidade:
- É um imenso prazer conhecê-la, Marisa.
Lídia tem falado muito de você nos últimos dois dias.
- O prazer é todo meu, D. Malvina.
Sua filha é que é muito simpática e gentil.
Gosto muito dela.
Malvina sorriu, feliz porque Lídia havia encontrado uma amiga que, à primeira vista, parecia uma moça de boa família.
A filha também lhe havia falado do interesse de Vinício por ela e Malvina podia compreender.
Marisa era muito bonita e elegante, e o filho tinha razão de ficar impressionado.
- Bem - prosseguiu Malvina -, podem continuar conversando.
Vou providenciar o lanche e daqui a pouco virei chamá-las.
- E papai e Vinício, onde estão?
- Seu pai foi descansar um pouco, e Vinício foi tomar um banho.
Marisa notou a piscadela discreta que Malvina deu para Lídia e sorriu intimamente.
No fundo, as duas estavam tentando aproximá-la de Vinício, o que não era assim tão ruim.
- Quer escutar um pouco de música? - era Lídia, abrindo a porta de uma pequena estante e exibindo sua maravilhosa colecção de discos.
Marisa aquiesceu, e ela colocou um disco na vitrola.
Era uma música romântica de Elvis Presley, e as duas ficaram embalando o corpo ao som da melodia.
Cerca de meia hora depois, Malvina tornou a aparecer.
Viera chamá-las para o lanche, e as duas a seguiram apressadas, Marisa tentando conter dentro do peito a ansiedade que sentia para reencontrar Vinício.
Ao entrar na sala de jantar, uma decepção.
O pai de Lídia estava sentado sozinho à mesa e se levantou assim que as viu chegar.
Lídia o beijou na face, mas nem precisou apresentar Marisa, porque o pai foi logo falando:
- Então, essa é a mocinha de quem Lídia tem falado tanto?
- É ela mesma, papai.
Essa é a Marisa.
- Muito prazer, senhorita.
Conrado, às suas ordens.
Fico muito feliz que tenha feito amizade com minha filha.
Viemos de outra cidade, no meio do ano, e sabe como é difícil fazer novos amigos.
- Sua filha não tem com o que se preocupar.
Ela é uma pessoa muito agradável.
Simpatizei com ela desde o primeiro momento em que a vi.
- Venha sentar-se aqui junto de mim.
Quero saber tudo o que os jovens fazem nessa cidade tão maravilhosa.
- Onde está Vinício? - indagou Lídia, olhando de soslaio para a amiga.
- Não sei. Deve estar por aí.
Sentaram-se à mesa e Malvina começou a servir as meninas de leite, bolo e rosquinhas.
Lídia comia com satisfação, mas Marisa mal conseguia tocar no lanche.
Não que não estivesse gostoso.
Malvina caprichara e preparara os doces mais saborosos.
Mas é que ela estava triste.
Esperava encontrar Vinício e ficara profundamente decepcionada com a sua ausência.
Lídia notou a sua decepção, mas não falou nada.
Qualquer coisa que dissesse na frente dos pais só serviria para deixá-la embaraçada.
- Já esteve em Fortaleza? - perguntou Conrado.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122505
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

SÓ POR AMOR - Leonel / Mónica de Castro Empty Re: SÓ POR AMOR - Leonel / Mónica de Castro

Mensagem  Conteúdo patrocinado


Conteúdo patrocinado


Ir para o topo Ir para baixo

Página 1 de 10 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10  Seguinte

Ir para o topo

- Tópicos semelhantes

 
Permissões neste sub-fórum
Não podes responder a tópicos