LUZ ESPÍRITA
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GRETA - Leonel / Mónica de Castro

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Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 24, 2015 10:09 am

GRETA
Mónica de Castro

Espírito Leonel

Sinopse:

Um momento de distracção da babá, um acidente, uma criança morre.
Os pais, inconformados, expulsam a babá.
Os factos se espalham, e ela, esmagada pela culpa, não consegue mais emprego.
Então a babá amorosa se transforma em GRETA, uma mulher sensual que tenta sobreviver como pode.
A mãe do menino não consegue lidar com a dor da perda, afunda na depressão afastando-se do marido, que procura conforto fora do lar.
Por que uma criança saudável, alegre, morre de repente?
Como vencer a dor da perda e continuar vivendo?
O que fazer quando a motivação vai embora e tudo parece perdido?
Só a sabedoria da Vida tem todas essas respostas.
Apesar das dificuldades das pessoas envolvidas pelo materialismo do mundo, ela vai conduzindo os factos, arrancando os véus do desconhecido, revelando o que acontece depois da morte.
Quem parecia morto continua vivo em outra dimensão.
O “Nunca mais” é abolido.
O que parecia injusto tem uma razão justa.
O que parecia ruim, diante das circunstâncias, foi o melhor que poderia ter acontecido.
Compreendendo a perfeição e a beleza da Vida, a motivação volta e fica mais fácil conquistar a paz.
Ave sem Ninho
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 24, 2015 10:09 am

CAPITULO 1

A madrugada corria alta quando Felícia despertou sentindo as gotas do suor frio que desciam pelo seu rosto.
Olhou ao redor apreensiva, como que temendo alguma visão aterradora, e virou o rosto para o outro lado.
O marido continuava adormecido, dando mostras de nada haver percebido sobre a agitação da esposa.
Com profundo suspiro, Felícia se levantou.
Tivera um pesadelo medonho, algo sobre uma criança despencando num poço.
Uma estranha sensação a sufocava, como se algo ou alguém a estivesse alertando de que o filho corria perigo.
Assustada, correu ao seu quarto e abriu a porta.
O menino dormia um sono profundo e tranquilo, e ela se aproximou.
Sentou-se a seu lado na cama de meia grade e permaneceu estudando o seu rosto.
Tiago era um menino muito bonito, com seus cabelos castanho-claros e seus olhinhos negros.
Pousou-lhe um beijo suave na testa e se levantou para sair.
Da porta, ainda deu uma última olhada para sua caminha, certificando-se de que ele estava bem.
Apesar do estranho pressentimento de há pouco, Felícia encostou a porta do quarto do filho e voltou para a cama, tentando se convencer de que tudo não passara de um sonho idiota.
Olhou para o relógio na mesinha: faltavam quinze minutos para as quatro, em breve, teria que se levantar e começar a trabalhar.
Era o dia do quinto aniversário de Tiago, e ela iria lhe preparar uma bonita festa.
Pensando na alegria do filho ao ver a festa, acabou adormecendo novamente, já esquecida do misterioso sonho.
Na manhã de sábado, Artur acordou assim que Felícia colocou os pés para fora da cama e cumprimentou-a com jovialidade:
- Bom dia, querida.
Dormiu bem?
- Muito bem - respondeu ela, beijando-o de leve nos lábios.
E você?
- Hum, hum...
- Preciso me apressar.
Ainda há muito que fazer.
Tenho que telefonar para a moça do bolo, ver se os salgadinhos e o cachorro-quente já estão prontos...
Ah! E também preciso enrolar os docinhos, encher as bolas...
Artur deu um sorriso maroto e puxou-a com ternura, dando-lhe um beijo suave na bochecha.
- Você é terrível, Felícia.
Não deixa escapar nenhum detalhe.
- É claro que não.
Ouviram passos apressados no corredor, e a porta se abriu rapidamente.
Tiago entrou lindo em sua jardineirinha azul, seguido da babá, que vinha se desculpando:
- Desculpe-me, dona Felícia, mas Tiago é impossível.
Antes que pudesse segurá-lo, saiu correndo e abriu a porta.
- Não se preocupe, Lurdinha - tranquilizou Felícia, segurando o menino no colo.
E você, hein, meu rapazinho? Parabéns!
Felícia abraçou o menino e beijou-o várias vezes e Tiago deixou-se ficar, embevecido com os carinhos maternos.
- Muitas felicidades, meu filho - acrescentou Artur, beijando-o também.
O menino atirou-se em seu colo, e Artur sentou-se com ele na cama.
- Pode deixá-lo connosco - falou Felícia para Lurdinha.
- Depois o levaremos.
Com um aceno de cabeça, a babá pediu licença e saiu.
Lurdinha trabalhava para os Fontes desde que Tiago nascera e se sentia feliz e segura com o emprego.
Eles eram patrões maravilhosos, e ela se afeiçoara muito ao menino.
Além disso, havia o Hélio.
Hélio era o motorista da família, e ela estava apaixonada.
Andando pelo corredor, resolveu ir ao seu encontro.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 24, 2015 10:10 am


Rapidamente, bateria à porta de seu quarto e dar-lhe-ia um beijo atravessado, para então retornar e aguardar que Felícia lhe levasse Tiago.
Era aniversário do menino, e havia muito que fazer.
Hélio, porém, não se encontrava, e Lurdinha não pôde esconder a decepção.
Aonde é que ter ia ido?
Voltou para casa rapidamente e foi sentar-se na cozinha.
- O que há com você, menina? - indagou Hermínia, empregada de muitos anos.
- Nada que lhe interesse - respondeu Lurdinha, de má vontade.
- Credo, que falta de educação é essa?
Que bicho foi que mordeu você, hein?
Já arrependida, Lurdinha levantou-se da cadeira e foi abraçar a outra.
- Perdoe-me, Hermínia.
É que estou um pouco nervosa.
- É por causa do Hélio, não é?
- Do Hélio? - disfarçou.
Não, não...
Ora, Hermínia, mas que bobagem...
- Será mesmo bobagem, menina?
É só o Hélio sair que você fica aí, chorosa pelos cantos.
- Não é nada disso.
- Quantas vezes vão ter que lhe dizer que o Hélio não serve para você?
- Pare com isso, Hermínia.
Não é o que está pensando.
- Não. É muito mais.
Então você não percebe que ele está usando você?
O Hélio é um sem-vergonha, isso sim.
- Hermínia! Não fale assim dele.
- Falo sim.
Conheço o Hélio melhor do que você.
Não pode ver um rabo-de-saia que fica logo caído.
- Não é verdade!
- Só não vê quem não quer.
- O Hélio gosta de mim.
- Gosta. Mas gosta da filha do açougueiro também, e da irmã do padeiro, e da empregada do vizinho...
- Pare, Hermínia!
Você está enganada.
O Hélio gosta é de mim. Ele disse...
- Disse?
Bem, acredita quem quer, não é mesmo?
A conversa foi interrompida pela chegada de Felícia, que mandou servir o café da manhã e Tiago nem esperou para se alimentar, ansioso que estava para abrir os presentes.
Hermínia estava terminando de colocar a mesa quando Artur perguntou:
- Você viu o Jonas?
- Está lá na piscina.
Jonas era o jardineiro e era quem cuidava da piscina e de toda a parte externa da casa.
A família Fontes era extremamente rica.
Artur era sócio maioritário de uma construtora e possuía vários imóveis espalhados pela cidade inteira.
Felícia também provinha de uma família de posses, e o casal levava uma vida tranquila e sem preocupações financeiras.
Ao perceber que Artur queria falar com Jonas e que Jonas estava lá fora, Lurdinha viu uma óptima oportunidade para sair novamente e tentar encontrar Hélio.
- Quer que vá chamá-lo, doutor Artur? - ofereceu-se.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 24, 2015 10:10 am

- Diga-lhe apenas que não se esqueça de trancar o portão da piscina.
Haverá muitas crianças na festa hoje, e não queremos acidentes.
- Sim, senhor.
Lurdinha foi correndo dar o recado.
Jonas estava limpando a piscina quando ela se aproximou, mas não havia nem sinal de Hélio.
Onde é que ele havia se metido?
- Bom dia, Lurdinha - cumprimentou ele.
- Bom dia, Jonas.
O doutor Artur disse para você não se esquecer de trancar o portão quando terminar.
Por causa das crianças.
- Diga a ele que vou ter que trocar esse cadeado.
Está enferrujado e não presta mais.
Ela balançou a cabeça e esticou o pescoço, na tentativa de ver se Hélio estava por ali.
Como não o viu, soltou um muxoxo e voltou para casa contrariada, a fim de dar o recado ao patrão.
- Artur - falou Felícia preocupada -, dê logo dinheiro ao Jonas para comprar o cadeado.
Sabe que não gosto daquela piscina aberta.
- Não se preocupe.
Farei isso logo após o café.
- Enquanto isso, Lurdinha, não desgrude os olhos de Tiago.
- Pode deixar, dona Felícia.
Não o deixarei sozinho um minuto sequer.
Terminado o desjejum, Artur foi buscar o dinheiro e saiu para falar pessoalmente com Jonas.
Havia ainda mais algumas coisas para que quisesse que ele comprasse, enquanto isso, Felícia e Hermínia punham mãos à obra para enrolar os docinhos e Lurdinha saiu com Tiago para o quintal.
Ele ganhara dos pais um enorme aeromodelo e queria experimentá-lo no jardim.
Com pulsão elástica, o avião se lançava no ar e planava durante vários minutos, o que deixou Tiago encantado.
Lurdinha ajudava-o a colocar o avião em movimento, e o menino corria para buscá-lo onde caísse.
Assim ia transcorrendo a manhã.
Tiago não se cansava de brincar com o aeromodelo, e Lurdinha o acompanhava, enquanto Felícia e Hermínia continuavam com os preparativos para a festa.
Jonas havia saído às pressas para fazer compras antes que as lojas fechassem, e ela e o menino permaneciam sozinhos no jardim.
O avião, por vezes, planava até perto da piscina, e era Lurdinha quem ia buscá-lo, alertando Tiago de que não deveria se aproximar.
Foi num desses momentos que viu Hélio.
Ele vinha trôpego e com ar cansado, e deu um sorriso irónico quando a avistou.
- Olá, Lurdinha.
Brincando de aviãozinho?
- Onde esteve? - tornou ela, com ar furioso.
- Doutor Artur me deu a noite de folga.
Fui visitar uns amigos.
- Dormiu lá?
- Dormi. Por quê?
- Você é um cínico, Hélio.
Aposto como esteve com alguma vagabunda.
Hélio soltou uma gargalhada debochada e olhou para ela com ar de cobiça.
Havia mesmo passado à noite em casa de um amigo, após uma longa rodada de póquer, e estava frustrado porque não conseguira conquistar a irmã do rapaz.
- Venha cá - disse ele, tentando segurá-la pela mão.
- Não...
- Lurdinha! - era a voz de Tiago.
Não vai mais brincar?
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 24, 2015 10:10 am

Desenvencilhando-se do rapaz, Lurdinha voltou para onde Tiago estava, parado com o aeromodelo nas mãos, sentindo às suas costas o olhar febril de Hélio.
Ajoelhou-se ao lado do menino e pôs-se a prender o elástico nas engrenagens do avião, preparando-o para novo voo.
Ajeitou o brinquedo na mão de Tiago e ajudou-o a soltá-lo, e o avião disparou no ar, voando em direcção ao portão da frente.
A um olhar da criança, Lurdinha aquiesceu, e ele saiu correndo para buscar o avião no local onde havia pousado.
Com os olhos pregados no menino, mas a atenção presa em Hélio, Lurdinha ficou vendo-o se afastar.
O motorista também observava.
Assim que Tiago chegou mais perto do portão da frente, acercou-se de Lurdinha e segurou-a pela cintura, aproximando bem a boca da sua.
- Sabia que você fica linda zangada? - gracejou.
Ela se soltou com brusquidão e encarou-o com olhar frio, disparando em tom irónico:
- Por que não vai elogiar seus amigos de póquer?
- Porque eles não têm o seu corpo...
Rapidamente, Hélio envolveu-a num abraço sedutor e deu-lhe um beijo apaixonado, que ela correspondeu contrariada.
Depois que ele a soltou, fitando-a com ar sensual, ela ajeitou o uniforme e correu ao encontro de Tiago, que vinha vindo com o aeromodelo na mão.
- Vamos jogar de novo? - indagou eufórico, sem prestar muita atenção ao motorista.
- É claro, querido.
Enquanto Lurdinha ajeitava novamente o elástico, notou os olhares lúbricos que Hélio lhe lançava.
Aos pouquinhos, foi sentindo que um rubor ia subindo pelas suas faces, e seu corpo todo se arrepiou ao pensar no beijo que ele lhe dera.
Terminou de ajeitar o elástico e levantou o avião, pronta para soltá-lo novamente.
Antes de soltar, alisou os cabelos de Tiago com uma das mãos e falou com voz doce:
- Olhe, querido, a Lurdinha vai ter que ir ali um instantinho, mas volta logo.
Por que não joga sozinho uma vez?
- Aonde você vai? - tornou com voz amuada, sem perceber a presença de Hélio, agora semi-oculto dentro da garagem.
- Vou ao banheiro da garagem - Tiago não respondeu.
Mas cuidado, não vá chegar perto da piscina.
- Está bem - respondeu contrariado.
- Promete que não vai chegar perto da piscina? Sua mãe vai ficar zangada.
- Prometo - finalizou de má vontade.
Ela ajudou o menino a disparar o aeromodelo e correu para a garagem, atirando-se nos braços de Hélio sem pensar dentro em mais nada.
Não tencionava se demorar.
Seriam apenas um beijo e algumas carícias, e ela logo voltaria para junto da criança.
Mas não foi isso o que aconteceu.
Hélio a foi dominando de tal maneira, que ela não conseguiu lhe opor nenhuma resistência.
Sentiu que ele a acariciava e a deitava no chão, entre os dois automóveis dos patrões, e ela acabou se esquecendo de todo o resto.
Com o corpo e os pensamentos voltados para ele, entregou-se ao amor, deixando de lado a preocupação com Tiago.
Sequer havia esperado para ver onde o aeromodelo iria cair.
O aviãozinho planou lindamente por alguns minutos, até que pousou de leve sobre a água azul e cristalina da piscina.
Tiago teve um sobressalto.
Lurdinha lhe dissera para não se aproximar da piscina, sua mãe podia não gostar, e ele não estava disposto a levar uma bronca.
Ficou parado onde estava torcendo para que Lurdinha chegasse logo, louco de vontade de retomar a brincadeira.
Só que Lurdinha estava demorando.
Sabia que tinha que esperar, mas, pensando bem, que mal faria em dar apenas uma olhadinha?
Assim, quando Lurdinha voltasse do banheiro, ele poderia lhe dizer com certeza onde é que o avião havia caído.
E depois, não entendia por que não podia se aproximar sozinho da piscina.
Pois quando o pai estava, os dois não caíam juntos na água, e ele se divertia a valer em seu colo?
Aquilo era coisa da mãe.
Sua mãe não gostava da piscina, tinha pavor de água.
Por isso, vivia implicando, ralhando com o pai todas as vezes que o levava para a água.
Na certa, não havia nenhum mal em chegar mais perto sozinho.
Tinha certeza de que nada aconteceria.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 24, 2015 10:11 am

A passos vagarosos, seguiu para a piscina, olhando de um lado a outro, para ver se alguém estava olhando.
Não havia ninguém por perto.
A mãe estava ocupada na cozinha, e o pai deveria estar lendo seu jornal.
Devagar, foi se aproximando, até que alcançou a cerca que isolava a piscina do resto do jardim.
Encostou o rosto na grade e espiou os olhinhos brilhando de ansiedade.
Flutuando na água translúcida, o aviãozinho se virava para um lado e para o outro, empurrado pela brisa suave da manhã.
A todo instante, Tiago voltava o rosto para a porta da garagem, na esperança de que Lurdinha viesse voltando do banheiro, mas nada.
Por que é que estava demorando tanto?
Será que tivera uma dor de barriga?
Enquanto isso, o avião ia rodopiando em todas as direcções, e Tiago, do lado de fora, ia seguindo o seu deslizar pela água.
Foi caminhando pela grama, acompanhando a grade que ladeava a piscina, olhos grudados no brinquedo.
Até que suas mãos alcançaram o portão, que cedeu alguns centímetros, com um rangido de ferrugem.
Tiago parou assustado.
O portão estava aberto!
Será que faria mal entrar e esperar Lurdinha do lado de dentro?
Não, não faria.
Ela já devia estar mesmo chegando, e ele só queria ficar mais perto de seu avião.
Sentou-se na borda da piscina e ficou acompanhando o bailado do aviãozinho na água, sempre empurrado pelo vento.
Ele ia de um lado a outro e, cada vez que se aproximava, Tiago sentia o coração disparar.
Será que dava para pegá-lo?
Mas o avião, como que escutando os seus pensamentos, mudava de direcção e seguia para o lado oposto, deixando o menino em crescente expectativa.
Por que é que Lurdinha demorava tanto?
Daquele jeito, o aviãozinho ia acabar se estragando.
E se afundasse?
Aí é que estaria tudo perdido.
A toda hora, olhava para a porta, ansioso por ver Lurdinha chegando, mas Lurdinha, longe de perceber o que estava acontecendo, esquecera-se de tudo nos braços de Hélio.
Até que o aviãozinho se aproximou novamente.
E chegou tão perto que Tiago sentiu que poderia tocá-lo com os dedos.
Num impulso, pôs-se de joelhos e esticou um dos bracinhos, tentando puxá-lo com as pontas dos dedinhos, que roçaram uma das asas.
O avião tombou para o lado, e a asa afundou na água, fazendo com que o menino, instintivamente, afundasse a mão em busca do brinquedo.
Tudo foi muito rápido.
Em fracções de segundos, o corpo todo de Tiago acompanhou sua mãozinha, e ele afundou na água com rapidez vertiginosa.
Dali a quinze minutos, Lurdinha e Hélio haviam acabado de se amar.
Ela alisou o uniforme e ajeitou o cabelo, pondo-se de pé rapidamente.
Deu uma olhada para fora, procurando por Tiago, mas o menino não estava em nenhum lugar visível.
Na certa, cansara-se de esperar e fora para dentro.
Dona Felícia ficaria furiosa, ela daria a desculpa de que passara mal e tivera que usar o banheiro da garagem.
Despediu-se de Hélio com um beijo e voltou para casa satisfeita.
Entrou na cozinha, onde Felícia e Hermínia enrolavam brigadeiros e cajuzinhos, e Felícia foi logo perguntando:
- Cadé o Tiago?
- Não está aqui? - revidou com espanto.
Não entrou?
Na mesma hora, o coração de mãe de Felícia se apertou e, em seu íntimo, sabia que o inevitável havia acontecido.
Largou a massa dos docinhos, esfregou as mãos no avental e correu para fora, gritando desvairada:
- Tiago! Tiago!
É a mamãe!
Responda, meu filho, onde está?
Coração aos pulos, correu para a piscina, com Lurdinha e Felícia mais atrás.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 24, 2015 10:11 am

Mesmo de longe, podia avistar uma mancha azul flutuando na água translúcida e foi com assombro que percebeu tratar-se da jardineira que Tiago estava usando.
Não tinha mais dúvidas.
Era mesmo o seu filho que estava ali, boiando de bruços na água, o aviãozinho, parcialmente submerso, batendo de leve em seu corpo.
Felícia não conseguiu gritar.
Na mesma hora, sentiu uma vertigem e tudo ficou nublado à sua frente.
Sentiu o corpo tombar inerte e perdeu a noção da realidade.
Desmaiou.
Quando voltou a si, estava deitada em sua cama e notou que o marido se encontrava parado perto da janela, tendo ao lado um homem que, a princípio, não reconheceu.
Aos poucos, porém, foi conseguindo fixar a vista e percebeu que era um médico.
Seu pai.
Ergueu-se na cama e encarou os dois, balbuciando confusa:
- Pai...? Artur...?
Os dois se voltaram ao mesmo tempo e tinham lágrimas nos olhos.
Felícia ficou vendo-os se aproximar, tentando concatenar as ideias e se lembrar do que havia acontecido.
- Ah! Felícia! - chorou Artur desolado.
Que desgraça!
- Desgraça?! - repetiu ela atónita.
Mas o quê...?
Foi então que se lembrou.
Vendo o retrato do filho na mesinha-de-cabeceira, todo o horror da cena de há pouco voltou a sua mente, e ela pôs-se a gritar, tentando levantar-se da cama e sair.
- Meu filho! Quero meu filho!
Onde está Tiago!
Tragam-no! Quero meu filho!
Felícia parecia ter redobrado as forças e quase jogou Artur ao chão.
O pai, imediatamente, aplicou-lhe um sedativo no braço, e ela foi amolecendo aos pouquinhos, até que tornou a adormecer.
- É melhor que durma - aconselhou António.
O choque foi demais para ela.
Sem dizer nada, Artur tomou o braço do sogro e foi com ele para fora.
Precisava tomar as providências para o funeral.
A festa de aniversário havia sido cancelada e muitos convidados desavisados voltavam para casa petrificados pelo choque.
- Como está ela? - indagou Ondina, mãe de Felícia.
- Nada bem - respondeu António.
Acho melhor você ir ficar com ela.
Depois que Ondina foi para o quarto de Felícia, António puxou Artur para o quarto de Tiago, onde o corpo do menino fora colocado sobre a cama, coberto por um lençol.
- Sei que é difícil - falou António com compreensão.
Se quiser, posso fazer tudo sozinho.
Apesar de estar sofrendo muito com a perda do meu neto, já estou acostumado com a morte.
- Não, António - objectou Artur decidido.
Tiago é meu filho...
Desatou a chorar desconsolado, e António abraçou-o cheio de compreensão.
- Não tenha vergonha de chorar, Artur.
- Sou homem, deveria ser o primeiro a me manter forte para dar apoio a minha mulher.
- Todo homem é um ser humano e, no seu caso em especial, é também pai.
Não sinta vergonha de sentir dor.
Apenas sinta.
- Ah! António... - foi só o que conseguiu dizer.
António levou Artur de volta para a sala e deixou-o aos cuidados de Hermínia, voltando sozinho para o quarto do menino.
Examinou o seu corpo e trocou sua roupa, ajeitando-o novamente na cama, no exacto instante em que a polícia chegava para as investigações de praxe.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 24, 2015 10:12 am

A pedido de Artur, o promotor encarregado do caso mandou arquivar o inquérito, e a morte de Tiago foi tida como acidental.
Embora o corpo tivesse que ser levado à perícia, logo foi liberado, e o funeral transcorreu cingido por uma aura negra de tristeza e lamentação.
Havia muitas pessoas presentes, parentes e amigos, chocados com o ocorrido, além de vários repórteres.
Apenas Felícia não comparecera.
Por ordens médicas, fora obrigada a guardar o leito, proibida de sair enquanto não se recuperasse do choque.
Depois do funeral, Artur mandou chamar Lurdinha ao seu gabinete.
Ela entrou com os olhos inchados de tanto chorar e se aproximou timidamente.
- Mandou me chamar, doutor Artur? - indagou com voz sumida.
- Mandei sim.
Sente-se, Lurdinha, e vamos conversar - ela se sentou numa cadeira de frente para ele e ficou esperando, de olhos baixos, sem coragem para encará-lo.
Muito bem, Lurdinha.
Agora é entre nós.
Quero saber o que foi que aconteceu realmente.
- Eu fui ao banheiro...
- É mentira!
Sei o que você e o Hélio estavam fazendo.
- O senhor sabe?
- Ele me contou.
Estava apavorado e contou tudo.
Você estava tendo relações com ele enquanto meu filho se afogava!
- Oh! Doutor Artur.
Lurdinha ocultou o rosto entre as mãos e desatou a chorar convulsivamente, enquanto Artur prosseguia:
- Você poderia ser presa, Lurdinha.
Sabe disso, não sabe?
- Por favor, doutor Artur, foi um acidente.
Também estou sofrendo.
- Não tanto quanto eu.
Não tanto quanto Felícia ou qualquer outro da família.
Entre soluços, Lurdinha tentou protestar:
- O senhor está sendo injusto.
Eu gostava muito de Tiago.
- Gostava tanto que o deixou sozinho na beira da piscina para se deitar com seu amante!
- Por que está sendo tão cruel?
Não tive culpa...
- Culpa, você teve sim.
O próprio promotor público me disse que iria indiciá-la por crime culposo.
Sabe o que é isso? - ela meneou a cabeça.
Você poderia ser condenada à prisão por ter sido negligente em seus deveres e, com isso, haver causado a morte de meu filho.
- Prisão? - os olhos de Lurdinha se ofuscaram, e ela quase desfaleceu.
Não faça uma coisa dessas comigo, doutor Artur.
Por favor, eu lhe imploro.
Sei que fui irresponsável, mas eu jamais desejei isso.
- Sei que não.
Mas isso não altera o fato de que realmente aconteceu.
- Por favor, faço qualquer coisa.
O que o senhor quiser. Mas não deixe que me prendam.
- Na verdade, Lurdinha, não pretendo fazer isso.
A sua prisão não nos traria mesmo Tiago de volta, e os inconvenientes de um processo criminal seriam por demais dolorosos para minha mulher - ele fungou e prosseguiu:
- No entanto, não posso mais mantê-los ao meu serviço.
Nem a você, nem ao Hélio.
Já o despedi e, quanto a você, estou despedindo-a também.
E sem qualquer gratificação ou referência.
Será mesmo melhor que nunca mais volte a trabalhar como babá.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 24, 2015 10:12 am

CAPITULO 2

Vencida e humilhada, Lurdinha foi aprontar suas coisas para partir.
Hermínia estava compadecida, mas não podia fazer nada.
No fundo, sabia que Artur tinha razão.
Lurdinha fora negligente e irresponsável, e era querer muito que ela continuasse prestando serviços naquela casa.
- Sei que isso não adianta agora - comentou Hermínia, vendo-a fazer a mala - mas eu cansei de avisá-la sobre o Hélio, não foi?
Lurdinha lançou-lhe um olhar angustiado e não disse nada.
Aprontou sua trouxa, guardou o dinheiro dos dias trabalhados que Artur lhe dera e foi embora sem nenhuma gratificação ou referência.
O que tinha na bolsa era uma quantia irrisória e não daria para nada.
O que poderia fazer?
Pensou em voltar para Bom Jesus, no Piauí, sua cidade natal, mas não tinha dinheiro nem para a passagem.
Arranjar outro emprego, seria praticamente impossível.
Que outra família lhe confiaria à guarda do filho depois de uma infelicidade daquelas?
Que referências anteriores tinha para apresentar?
Aquele fora seu primeiro emprego no Rio de Janeiro e, provavelmente, o último.
Sem ter para onde ir, Lurdinha foi caminhando pelo Aterro do Flamengo, em direcção ao centro da cidade.
Lá, pensaria no que fazer.
Mas a distância era longa, e ela não conseguiu seguir até o fim.
Exausta, sentou-se na grama e pôs-se a chorar.
O que poderia fazer.
Nem Hélio a queria mais.
Ele fora despedido e sumira no mundo, nem queria saber o que iria acontecer a ela.
Desesperada, ficou imaginando o futuro que a aguardava.
Estava com vinte e um anos, não tinha marido, nem filhos, nem lar.
Sua família, distante no Piauí, dera graças a Deus quando ela, aos dezasseis anos, resolvera partir para o Rio de Janeiro, o que significava uma boca a menos para alimentar.
Lurdinha chorava desolada, apenas acompanhada pelo marulho das ondas que batiam fraquinhas na amurada do Aterro.
E se ela se matasse?
Pensando bem, até que seria uma boa ideia.
Não tinha mais ninguém mesmo, ninguém que pudesse sentir a sua falta.
Levantou-se hesitante e aproximou-se da amurada, fitando o mar com ansiedade.
Achou-o muito sereno para arrastar alguém para o fundo e pensou que não seria uma boa ideia.
Talvez fosse melhor pular de uma ponte ou viaduto.
Seria morte certa e ela não correria o risco de se salvar.
Mas onde é que acharia uma ponte?
No centro da cidade talvez tivesse algumas, mas ela estava tão cansada...
Desanimada, voltou para o lugar onde havia deixado sua pouca bagagem e deitou-se na grama, recostando a cabeça na mala.
Em segundos, adormeceu.
Quando acordou, o sol já estava se pondo, e ela ouviu vozes vindas de algum lugar mais além.
Olhou espantada.
Dois homens vinham caminhando em sua direcção, conversando animadamente.
Ao vê-la ali sentada, agarrada à mala, com medo de que a roubassem, os dois puseram-se a rir.
- O que há, garota? - perguntou um deles.
Está com medo de nós?
- Não somos ladrões não, moça - falou o outro.
- E você? - continuou o primeiro.
O que está fazendo aí?
Ela não respondia.
Estava tão apavorada que perdera a fala.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 24, 2015 10:12 am

Um dos rapazes se adiantou e estendeu a mão para ela, apresentando-se com um sorriso galante:
- Eu sou o Diniz. João Diniz.
E este aqui é o meu amigo Valente.
E você, como se chama?
- Lurdinha... - respondeu com uma vozinha fraca.
- O que faz aí, Lurdinha? - tornou Valente, olhando para a mala que ela abraçava.
Está perdida?
- Não...
- Chegou de viagem agora?
De onde é que veio?
- De Bom Jesus... Piauí...
- Ah! Veio de longe, hein? - falou Diniz.
Veio tentar a sorte?
Ela apenas assentiu, e Valente considerou:
- Talvez esteja procurando emprego.
A palavra emprego tirou Lurdinha de seu torpor, e ela indagou esperançosa:
- Vocês sabem de alguma coisa?
- Pode ser... - respondeu Diniz reticente.
- Por favor, faço qualquer coisa.
- Qualquer coisa? - retorquiu Diniz novamente.
- Qualquer coisa.
Posso cuidar de crianças, sei lavar, cozinhar.
- Não, esses serviços não nos interessam – gracejou Valente.
Já somos homens crescidos.
E não precisamos de empregada.
- Mas você talvez tenha algo que nos interesse - continuou Diniz.
- É? - atalhou desconfiada, com medo de que quisessem roubá-la ou violentá-la.
- Não se preocupe - prosseguiu Diniz, percebendo o seu temor.
Já disse que não somos ladrões e, muito menos, estupradores.
- O que querem de mim então?
Diniz e Valente se entreolharam, e o primeiro esclareceu:
- Bom, Lurdinha, vou ser muito franco com você.
Eu e o Valente aqui somos homens de negócios.
- Que tipo de negócio?
- Nós temos... Hum... Bem...
Um estabelecimento comercial, sabe?
Coisa fina, de primeira.
- O que é que vocês vendem?
Valente soltou uma risada e respondeu com ironia:
- Prazer. É isso. Nós vendemos prazer.
Temos um... Bem...
O que se costuma chamar por aí de...
- Inferninho - revelou Diniz com um risinho abafado.
Somos sócios numa casa de tolerância.
- Oh! - Lurdinha levou a mão à boca e pensou em fugir, mas, Valente a segurou pelo braço.
- Não precisa ter medo de nós - disse em tom sério.
Somos homens de bem.
Podemos ser cafetões - riu - mas não maltratamos nem prejudicamos ninguém.
- É verdade, Lurdinha - concordou Diniz.
Esse é apenas um negócio como outro qualquer.
Mas nossas garotas são muito felizes.
Até hoje, nenhuma delas reclamou de nada.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 24, 2015 10:13 am

- Pode perguntar a elas - acrescentou Valente.
Não batemos nem exploramos, ao contrário de muitos outros por aí.
Nós sabemos que há cafetões que espancam as meninas e não deixam nem um tostão para elas.
Mas nós não fazemos isso, não é Diniz?
- É claro que não. Somos justos.
Dividimos os lucros honestamente:
setenta por cento para nós, trinta para as moças.
Afinal, somos nós que temos as maiores despesas.
A casa funciona com um bar e uma pista de dança, e nós fornecemos ainda os quartos.
Tudo isso demanda dinheiro, não é mesmo?
Lurdinha estava assombrada.
Nunca antes conhecera gente daquela espécie.
Já ia protestar, dizendo que ela não era desse tipo, mas a voz de Valente a interrompeu:
- E nossos clientes são todos os gente fina.
Não admitimos homens violentos ou mal-educados.
- Ouçam - cortou ela, com profunda indignação.
Não sei o que estão pretendendo comigo, mas posso lhes adiantar que não sou desse tipo.
- Ah! Não? - objectou Diniz.
É o que todas dizem, sabia?
E até acreditam que não sejam.
Chegam aqui cheias de esperanças, crentes que vão arranjar um bom emprego ou um casamento rico e subir na vida.
Mas a realidade é bem outra e elas ficam largadas por aí, sem ter para onde ir.
Assim como você. E sabe o que acontece?
Mais cedo ou mais tarde, a fome as empurra para nós.
E elas não se arrependem.
São bem tratadas, recebem comida e um lugar para dormir, além de uma profissão razoavelmente lucrativa.
- Já disse que não sou assim - insistiu Lurdinha zangada.
- Deixe-a - replicou Valente.
Ela ainda vai acabar nos dando razão.
- Quando isso acontecer - prosseguiu Diniz, estendendo-lhe um cartãozinho.
Não se acanhe em nos procurar.
Você é bem bonitinha e será bem-vinda em nossa casa.
Lurdinha não respondeu.
Ainda assim, apanhou o cartão e Diniz lhe oferecia e guardou-o na bolsa.
Ergueu a maleta do chão e encarou os dois, que a fitavam como se a estivessem estudando.
- Vocês estão enganados - falou hesitante.
Arranjarei um emprego decente, vocês vão ver.
- Estaremos torcendo por você, Lurdinha – asseverou Valente.
Mas, se isso não acontecer, venha nos procurar.
Garanto que não irá se arrepender.
Ela sorriu meio sem jeito e foi passando por entre os dois, novamente caminhando em direcção ao centro da cidade.
- Para onde é que vai? - quis saber Diniz.
Ela deu de ombros e respondeu vacilante:
- Por aí.
Voltou-lhe as costas e retomou a caminhada.
Nem sabia o que iria fazer no centro da cidade.
Procurar uma ponte ou viaduto e se jogar.
Ainda era melhor do que virar prostituta.
Mas será que era mesmo?
A figura assustada e ingénua de Lurdinha não saía da cabeça de Diniz.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 24, 2015 10:13 am

Ela era uma moça muito bonita, mas havia algo nela que o impressionara.
Não saberia dizer se fora seu corpo ou seus olhos, mas o facto é que ela não saía de seus pensamentos.
- O que é que você tem? - perguntou Valente, vendo o amigo alheio e pensativo.
- Eu? - retrucou Diniz, tentando disfarçar.
Nada. Estava distraído.
- O que é isso, Diniz?
Vai querer me enganar?
Eu conheço você há muitos anos e sei quando algo o está preocupando.
O que foi que houve?
- Nada, já disse. Eu estou bem.
- Você está diferente.
É por causa daquela moça?
- Que moça?
- Não se faça de tonto.
Sabe muito bem de quem estou falando.
- Ah! Da Lurdinha, você quer dizer? - Valente assentiu.
Tu, hein? Por que é que estaria preocupado com ela?
- Não sei.
Mas depois que a encontramos, você ficou esquisito.
Voltou para casa silencioso, subiu sem dizer nada.
E agora está aí, com essa cara de apaixonado.
- Apaixonado, eu!?
Você ficou maluco?
- Quem ficou maluco foi você.
Está apaixonado por uma garota que nem conhece.
- Mas de onde foi que você tirou essa ideia?
Só vimos a tal de Lurdinha uma vez.
Provavelmente, nunca mais a veremos.
Por que é que eu iria me apaixonar por alguém assim?
- Não sei. Diga você.
- Ouça, Valente, agradeço a preocupação, mas já disse que não tenho nada.
Eu mal conheço Lurdinha, não posso estar apaixonado.
Em breve, ela vai arranjar um emprego e nunca mais ouviremos falar dela.
- Eu não teria tanta certeza.
- Por quê?
Como é que pode saber?
- Por causa disto.
Valente abriu um jornal diante de Diniz, onde se via na primeira página a fotografia do pequeno Tiago juntamente com seus pais.
Ao lado, um resumo de toda a tragédia.
- O que isso tem a ver com Lurdinha?
Valente desdobrou o jornal e estendeu-o bem diante dos olhos do outro, apontando para uma grande coluna.
- Leia.
Embora sem nada entender, Diniz começou a ler.
A matéria se referia a Tiago Fontes, filho de um construtor milionário, que havia se afogado no dia de seu quinto aniversário.
A babá encarregada de sua vigilância se divertia com o motorista na garagem e, quando voltou, encontrou o menino morto na piscina.
Ao lado, o nome da babá, Maria de Lurdes Pacheco, e uma foto de Lurdinha com o menino no colo.
Diniz abaixou o jornal e encarou Valente com uma indagação no olhar.
- Ainda não entendeu? - ele meneou a cabeça.
Nossa Lurdinha é a mesma Maria de Lurdes Pacheco.
Não reconhece a foto?
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 24, 2015 10:14 am

Diniz estudou bem a foto no jornal e concordou:
- Tem razão. É ela mesma.
Ela estava um pouco abatida quando a encontramos, mas é a mesma moça.
- Pois é. Imagino que ela deva ter sido despedida.
Que pai não despediria a mulher responsável pela morte de seu único filho?
- E daí?
- Será que você não pensa, Diniz?
E daí, que ela não vai mais arranjar emprego em lugar nenhum.
Ninguém vai querer contratar uma babá assassina.
- Nossa, Valente, que coisa dramática!
- É como os jornais a estão chamando.
Com essa tragédia nas costas, ninguém mais vai lhe dar emprego.
Nem de babá, nem de qualquer outra coisa.
- Você está querendo dizer que ela ainda vai acabar-nos procurando?
- É o que imagino.
Quando perceber que não vai mais arranjar emprego em lugar nenhum, vai nos procurar.
Os olhos de Diniz brilharam imperceptivelmente, e um sorriso aflorou em seus lábios.
- Por onde será que ela anda? - indagou com ar sonhador.
Lurdinha, a essa altura, já havia chegado ao centro da cidade e ficou perambulando pelas ruas, sem ter para onde ir.
Pensou em irem busca de um viaduto, mas estava exausta da caminhada e procurou um banco onde pudesse descansar.
Sentou-se num banco de praça e começou a chorar.
Estava desolada, sem rumo, sem esperanças.
A noite já ia fechada, e ela não tinha para onde ir.
Se ao menos pudesse arranjar um quarto de hotel ou uma pensão...
Abriu a bolsa e apanhou o dinheiro.
Era pouco, não daria para pagar o pernoite em nenhuma pensãozinha barata.
Resolveu ajeitar-se por ali mesmo.
Fez a mala de travesseiro, esticou o corpo no banco e adormeceu.
Acordou com os primeiros pios dos passarinhos e sentou-se no banco, imaginando o que deveria fazer.
Estava com fome, precisava comer.
Ajeitou-se da melhor forma possível e olhou ao redor.
Como ainda era muito cedo, todas as lojas estavam fechadas e ela teve que esperar até cerca de oito horas, quando o comércio começou a abrir as portas.
Escolheu um café com aparência singela e entrou.
Foi directo para o banheiro, lavou-se como pôde e trocou de roupa.
Em seguida, sentou-se ao balcão e pediu uma média de café com leite e pão com manteiga.
Enquanto ia comendo, ficou prestando atenção às pessoas que passavam apressadas pela rua.
Desde que chegara do Piauí, aquela era a segunda vez que ia ao centro da cidade e ela se sentiu perdida.
Do outro lado do balcão, o atendente ia arrumando uns salgadinhos na vitrina, à espera dos fregueses de sempre.
Lurdinha terminou de comer, pagou o homem e foi embora.
Do lado de fora, sentiu-se aturdida.
As ruas começavam a fervilhar com os trabalhadores, advogados, empresários e até alguns ambulantes.
As pessoas iam e vinham apressadas, os homens de terno, segurando na mão valises importantes.
Lurdinha sentiu-se pequenininha naquele universo de negócios.
Todos lhe pareciam muito formais e austeros, e ela começou a se sentir inquieta.
Precisava fazer alguma coisa.
Resolveu sair à procura de emprego.
Como babá, não poderia mais trabalhar.
Mas ela havia tirado sua carteira de trabalho assim que chegara ao Rio de Janeiro e pensou se não poderia arranjar alguma coisa numa loja.
Nunca trabalhara como vendedora, mas não deveria ser difícil.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 24, 2015 10:14 am

Foi caminhando e olhando as vitrinas, até que um cartaz prendeu sua atenção:
Vendedoras - admitem-se.
Era uma loja de sapatos, e ela resolveu entrar.
- Pois não? - indagou uma senhora, olhando-a com ar desconfiado.
- Bom dia, senhora. Vim pelo anúncio.
- Ah! Quer o emprego? - Lurdinha assentiu.
Venha comigo.
Lurdinha foi seguindo-a até o escritório da loja, onde um senhor gordo e de óculos analisava umas facturas.
- Seu Samuel - falou, chamando sua atenção.
Essa mocinha veio por causa do anúncio.
Samuel olhou Lurdinha por cima dos óculos e assentiu, e a senhora deixou-os a sós.
- Muito bem - falou Samuel.
Quer o emprego?
- Foi para isso que vim - respondeu Lurdinha timidamente.
- Sente-se, por favor - ela obedeceu, e ele prosseguiu.
Como é o seu nome?
- Maria de Lurdes.
- Já trabalhou em alguma loja antes?
Tem experiência?
- Bem, não.
Mas posso aprender.
- Hum... Sei.
E qual foi o seu último emprego?
Ela hesitou.
- Eu era babá.
- Entendo... Tem carteira de Trabalho? - ela assentiu.
Posso ver?
Lurdinha apanhou a carteira na bolsa e estendeu-a para Samuel, que a abriu e começou a ler.
- Hum... Vazia.
Sempre trabalhou de doméstica? – ela assentiu novamente.
Tem referências?
Onde trabalhou por último?
Lurdinha sentiu vontade de sair correndo dali e estendeu a mão para frente, pedindo que Samuel lhe devolvesse o documento.
- Pode deixar, seu Samuel.
Quero ir embora.
Ele já ia devolvendo a carteira quando se lembrou de onde conhecia o seu rosto.
Vira-o alguns dias antes, numa foto estampada no jornal, numa matéria sobre uma tragédia terrível.
Artur Fontes era um milionário, cujo filho se afogara na piscina de casa, largado ali pela babá, que fazia sexo com o motorista, escondidinha na garagem.
E aquela Maria de Lurdes não seria a tal babá?
- Espere um instante - retrucou-o.
Você não é a mesma Maria de Lurdes que assassinou aquele garotinho, é?
Ela corou e revidou magoada:
- Não assassinei ninguém!
- Então é você mesma!
Ora, mocinha, francamente.
Vir até aqui assim, como se fosse uma pessoa normal!
- Eu sou uma pessoa normal!
- Você é uma vagabunda.
É uma criminosa!
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 24, 2015 10:14 am

- Não sou. Não matei ninguém.
- Mas é como se tivesse matado.
Abandonou o pobre garotinho sozinho perto de uma piscina funda. O que esperava?
Ele atirou a carteira em sua direcção e repreendeu com zanga:
- Não devia andar solta por aí.
Onde já se viu, aparecer em minha loja para pedir emprego?
Uma assassina!
Ponha-se daqui para fora!
Lurdinha apanhou a carteira, agarrou a mala e saiu correndo a loja.
Nunca se sentira tão humilhada em toda a sua vida e pensou que morreria de vergonha.
Atravessou a porta feito uma bala e ganhou a rua, chorando desconsolada.
Procurou um banco e sentou-se, pensando no que fazer.
Não podia deixar que aquele episódio lhe tirasse o ânimo.
Aquele Samuel era um idiota, e ela não permitiria que ele a fizesse desistir.
Havia outras lojas, e alguém, fatalmente, acabaria por lhe dar emprego.
Da próxima vez, não falaria que fora babá nem apresentaria a carteira de trabalho.
Mas as coisas não correram tão bem como Lurdinha esperava.
Em todas as lojas em que entrava, a resposta era a mesma:
sem referências, não poderiam empregá-la.
Mesmo que nunca tivesse trabalhado, ela não tinha nenhum endereço fixo nem carteira de trabalho, e a desculpa de que a havia perdido e de que estava tirando uma nova não satisfez ninguém.
Em outras lojas, era reconhecida, e as pessoas a despachavam horrorizadas, acusando-a de babá assassina.
Essa situação perdurou por três dias, ao fim dos quais, Lurdinha já não tinha mais dinheiro para comer.
Dormia em bancos de praça e, pela manhã, entrava em um bar e se lavava, embora precariamente.
Mas ao final do terceiro dia, sem dinheiro e sem esperanças, deixou de se preocupar com a aparência ou a higiene e também desistiu de procurar emprego.
Não adiantava nada mesmo...
Passou então a esmolar.
Algumas pessoas atiravam-lhe moedas, outras a xingavam, outras, simplesmente, a ignoravam.
Sua mala, com o descuido e o desânimo, acabou sendo roubada, assim como a bolsa, onde ela guardara o cartão com o endereço da casa de Diniz e Valente.
Lurdinha acabou por se entregar completamente à mendicância e já não tinha mais esperanças de, um dia, recuperar a dignidade perdida.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 25, 2015 9:39 am

CAPITULO 3

O estado de Felícia piorava a cada dia.
Embora já conseguisse se levantar da cama, perdera o viço e a vontade de viver.
Não fora pelos cuidados da mãe, teria se matado.
Mas a mãe era incansável e vivia a lembrar-lhe as consequências do suicídio.
A casa tornou-se insuportável.
Olhar para aquela piscina causava imensa depressão em Felícia e Ondina acabou sugerindo que se mudassem.
Imediatamente, Artur concordou que seria uma boa ideia.
Mudar-se-iam para outra, sem piscina, bem distante da cidade e até do mar.
Já que Felícia não gostava de água, melhor seria levá-la para o meio do mato.
Mudaram-se para uma bonita mansão no Alto da Boa Vista, cercada de árvores e pela montanha, não sem que antes Artur desse ordens para que aterrassem a piscina.
Em seu lugar, Ondina plantou um bonito jardim, tentando fazer com que Felícia se interessasse em cuidar das flores.
Mas Felícia não se interessava por mais nada.
Nem por flores, nem pela casa nova, nem pelo mando, nem por ninguém.
Só o que lhe importava era a dor que sentia pela perda do filhinho amado.
- Felícia - chamou Ondina -, por que não vem me ajudar?
- Hum...? - fez a filha, olhos cerrados, recostada na espreguiçadeira do jardim.
O que foi que disse, mamãe?
- Por que não vem me ajudar com as flores?
Você sempre gostou de flores.
- Não tenho vontade.
- Ora, vamos, Felícia, procure se esforçar.
- Por quê?
- Você precisa sair desse abatimento.
Tem que reagir.
Tem que tentar superar a morte de Tiago.
- Não diga isso!
Nunca vou me esquecer do meu filho.
- Não disse para você se esquecer.
Disse para superar.
- É a mesma coisa.
Ondina suspirou desalentada.
Não adiantava discutir com Felícia.
Ela se mostrava irredutível e não queria cooperar.
- Artur já deve estar chegando - falou Ondina, para mudar de assunto.
Felícia não disse nada.
Desde a morte de Tiago, perdera todo o interesse em Artur.
Por mais que ele dissesse que poderiam ter outros filhos, ela não se alegrava.
Ter outros filhos, para ela, significava uma traição a seu Tiago e Artur era um ingrato em pensar que ela poderia dedicar a outro o amor que havia reservado apenas para ele.
Cerca de vinte minutos depois, Artur apareceu.
Desde a morte do filho, voltava mais cedo para casa, para fazer companhia a Felícia.
Entrou com ar abatido e foi directo para o jardim.
- Boa tarde - cumprimentou, beijando a esposa nos lábios.
- Ah! Artur, boa tarde - respondeu Ondina sorridente.
- Que bom que chegou.
Ela terminou de plantar umas sementes e se levantou, passando para o lado de dentro.
Era sempre assim.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 25, 2015 9:39 am

Ondina chegava cedo todas as manhãs, para fazer companhia à Felícia, enquanto Artur ia trabalhar.
Ficava o dia todo, até ele voltar, no final da tarde, quando então ia para casa.
Ela deu um beijo nas faces de Artur e foi tomar banho.
Ele esperou até que ela se afastasse e aproximou-se de Felícia.
Puxou outra espreguiçadeira e sentou-se a seu lado, segurando sua mão com ternura.
- Felícia... - balbuciou - ... Sinto tanto a sua falta...
Ela puxou a mão apressadamente e respondeu com voz fria:
- Pois não devia.
Você me vê todos os dias.
- Não é a isso que me refiro.
Carinhosamente, Artur tentou beijá-la, mas Felícia se levantou de um salto e exclamou indignada:
- Seu insensível!
Como pode pensar em sexo quando o sangue de nosso filho ainda está quente na sepultura?
Voltou-lhe as costas com fúria e partiu para o quarto, aos prantos.
Não sentia mais nada por Artur.
Fazer sexo com ele seria uma obrigação por demais penosa, e ela não estava disposta a se sacrificar ainda mais.
O filho não merecia aquilo.
Tiago morrera, e ela seria um monstro se pensasse em voltar a ser feliz novamente.
Já que ele estava morto, era sua obrigação cultuar a sua memória e sofrer até o fim de seus dias.
Era isso o que ele esperaria dela.
Quando Ondina voltou do banho, pronta para sair, estranhou a ausência de Felícia e o ar abatido de Artur.
- O que foi que houve? - perguntou preocupada.
- Nada que já não conheçamos - respondeu desanimado.
Felícia se recusa a levar uma vida normal.
- Isso vai passar, Artur. Não se preocupe.
Ela ainda está muito chocada, mas vai superar.
- Mas já faz seis meses!
- Seis meses é muito pouco tempo para o coração de mãe.
- E o meu coração de pai, não conta?
Acham que também não estou sofrendo?
Que também não o amava?
Só que me enterrar junto com Tiago não vai resolver nada.
Não vai trazê-lo de volta nem vai nos fazer felizes.
- Sei disso.
Sei que você também sofre muito, mas você é mais forte do que Felícia.
Você tem o seu emprego, as suas ocupações.
Ela não tem nada.
- Porque não quer.
Comprei-lhe uma casa nova, com um imenso jardim.
Mas ela não liga.
Não se interessa pelas flores, e se não fosse à senhora, não sei o que seria da casa ou dos jardins.
Estaria tudo jogado por aí.
- Acho que Felícia precisa de outro tipo de distracção.
- O quê, por exemplo?
- Ficar em casa não resolve nada.
Ela fica ociosa e só pensa bobagens.
Mas se tivesse uma ocupação útil...
- Quer dizer, trabalhar?
- E por que não?
Felícia é professora, podia dar aulas, se quisesse.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 25, 2015 9:40 am

- A senhora sabe que não me importo que Felícia trabalhe.
Mas ela não vai querer.
- Quem sabe não poderei convencê-la?
O centro espírita que frequento mantém uma escola que atende crianças carentes.
Felícia poderia dar aulas lá.
- A senhora acha que pode dar certo? - questionou em dúvida.
- Não sei. Mas podemos tentar.
Se não der certo, trago-a de volta para casa.
Mas se der, Felícia só terá a lucrar.
- Hum... Onde fica esse centro espírita?
- No Méier.
Posso passar aqui para buscá-la de carro todos os dias.
- Está bem, dona Ondina.
Acho que não teremos nada a perder.
Talvez Felícia se interesse pelas crianças e pare de se sentir a pessoa mais infeliz do mundo.
Vai ser bom para ela ver que não é a única que tem problemas e sofre.
- Óptimo, Artur.
Vou agora mesmo falar com ela.
Ao entrar no quarto, Ondina encontrou Felícia agarrada ao retrato do filho, olhos inchados de tanto chorar.
- Felícia - chamou baixinho.
Posso falar com você?
- O que é?
Embora Ondina não aprovasse que a filha vivesse agarrada ao retrato de Tiago, não fez nenhum comentário.
Sentou-se a seu lado na cama e perguntou com serenidade:
- Não gostaria de trabalhar no centro espírita comigo?
- Fazendo o quê?
- Dando aulas para as crianças carentes.
- Crianças?
Nem pensar.
- Por quê?
Você sempre gostou de crianças.
Ela abaixou os olhos, confusa, e retrucou com uma pontada de raiva na voz:
- Não posso suportar ver outras crianças saudáveis e felizes quando o meu filho se encontra sozinho naquela sepultura fria e húmida.
Não posso deixar de pensar por que teve que ser o meu filho a morrer, e não o filho da vizinha ou da empregada...
Calou-se, a voz embargada pelo pranto, ao mesmo tempo em que Ondina levava a mão à boca, surpresa e aflita com os pensamentos da filha.
- Felícia - censurou -, não devia falar assim.
Só porque seu filho morreu não é motivo para invejar aqueles que ainda continuam vivos.
- Sei que é horrível, mãe, mas não posso evitar.
Você não sabe como eu desejei que fosse o filho de outra naquela piscina, e não o meu.
Como eu queria que outra criança tivesse morrido no lugar de Tiago!
Qualquer uma, menos Tiago!
Desatou a chorar descontrolada e Ondina estreitou-a de encontro ao peito.
Felícia devia estar louca para pensar uma coisa daquelas, mas não lhe cabia reprimir ou julgar.
Enquanto ela se debulhava, Ondina ia alisando seus cabelos e ia orando, pedindo-lhe paz e serenidade.
Aos pouquinhos, ela foi se acalmando, e quando, finalmente, parou de chorar, Ondina tornou com voz amorosa:
- Não pense mais nisso, minha filha.
Pense somente no seu futuro.
Você e Artur ainda são jovens, e a vida se encarregará de lhes trazer o melhor.
- Gostaria de pensar assim...
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GRETA - Leonel / Mónica de Castro Empty Re: GRETA - Leonel / Mónica de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 25, 2015 9:40 am

- Por que não aceita a proposta que lhe fiz?
Por que não vai dar aulas para as criancinhas pobres?
Verá como pode ser gratificante o contacto com as crianças.
- Não acredito. Só se fosse Tiago.
- Minha filha, isso já está virando uma obsessão.
Você devia ir mais ao centro e se esclarecer.
- Centro... Boa ideia, mamãe.
Podemos ir ao centro e evocar a alma de Tiago.
Poderei falar com ele, saber como está passando...
- Pare com isso, Felícia!
Não aja feito louca.
- Ora, mãe, você mesma vive dizendo que nós somos espíritos eternos, que a alma não morre.
Então, por que não posso falar com a alma de Tiago?
- Você não sabe o que diz.
Talvez isso não seja permitido no momento.
- Então não quero ir.
Só aceito ir ao centro espírita se for para falar com Tiago.
Para qualquer outra coisa, muito obrigada.
Não quero.
- Por que não pensa mais um pouco?
Talvez mude de ideia.
- Não vou mudar de ideia.
- É sua última palavra?
- Sim.
- Que pena.
Você poderia se surpreender...
- Chega, mamãe!
Chega dessa tolice.
No dia em que você conseguir trazer Tiago para falar comigo, aí então irei ao centro.
Antes disso, nem pensar.
Não havia mais o que dizer.
Felícia estava decidida, e Ondina não conseguia convencê-la.
Nem Artur conseguiria.
Não podia obrigá-la a ir ao centro ou qualquer outro lugar, e Felícia se recusava a aceitar ajuda, não havia nada que pudesse fazer.
Só lhe restava respeitar a sua vontade e orar.
Artur chegou à empresa com ar cansado, cumprimentou a secretária e foi trancar-se em seu escritório.
Fazia já algum tempo que não conseguia se concentrar no trabalho e, não fosse pelo amigo Norberto, teria cometido erros gravíssimos, com sérios prejuízos para os negócios.
Ele estava sentado a sua mesa, rosto afundado nas mãos, pensando em Felícia, quando bateram de leve à porta, e Norberto entrou.
- Bom dia, Artur - cumprimentou em tom amistoso.
Como estamos hoje, hein?
- Ah! Norberto, você nem imagina o que estou passando.
Passados seis meses da morte de Tiago, Felícia não quer reagir.
Não sei mais o que fazer.
- Já experimentou procurar ajuda psiquiátrica?
- Felícia não vai concordar.
- Você já tentou?
- Ainda não.
Mas eu a conheço.
Vai soltar os cachorros em cima de mim e me chamar de egoísta, de insensível e sabe-se lá do que mais.
Dona Ondina sugeriu que ela arranjasse uma ocupação e ofereceu-lhe uma vaga de professora.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 25, 2015 9:41 am

- E...?
- Nada. Felícia simplesmente recusou - fez uma pausa e prosseguiu:
- Faria qualquer coisa para que Felícia voltasse a ser o que era antes.
- Por que não tira umas férias e faz uma viagem?
- Viagem?
Até que não seria má ideia.
- Leve-a a um lugar romântico. Paris, talvez.
- Paris é longe.
Não sei se poderei me ausentar tanto tempo assim.
- Pode sim. Deixe tudo aqui por minha conta.
Na volta para casa, Artur ia pensando.
Quem sabe Norberto não tivesse razão e uma viagem ajudasse Felícia a superar a morte do filho?
Ele não tinha certeza, mas precisava tentar.
Não aguentava aquela situação, e qualquer coisa era melhor do que o desprezo e a irritação de Felícia.
Estacionou o automóvel na garagem e entrou pelos fundos, saindo directo pelo jardim.
Nem Felícia, nem Ondina estavam ali e ele foi para a sala.
Ondina estava sentada numa cadeira de balanço, tricotando uma suéter, e não percebeu quando ele entrou.
- Dona Ondina - chamou.
Ela abaixou o tricô e fitou-o por cima dos óculos, dizendo com voz bondosa:
- Felícia está no quarto, descansando.
Ele se aproximou e sentou-se junto a ela, olhando-a como a pedir sua aprovação.
- Sabe, dona Ondina, estive pensando se não seria uma boa ideia levar Felícia a Paris...
- Paris? - a retrucou entusiasmada.
Ela sempre gostou de Paris.
Penso que seria uma óptima ideia.
- Acha que ela concordará?
- É claro que sim.
Que mulher não gosta de ir a Paris?
Se eu fosse você, ia lá em cima agora mesmo falar com ela.
Ele sorriu agradecido e levantou-se apressado, subindo as escadas em direcção ao quarto.
Felícia estava deitada na cama, olhos semicerrados, segurando de encontro ao peito o retrato do filho.
Artur franziu o cenho, mas procurou não prestar atenção àquele facto.
Várias vezes já dissera a Felícia que não fazia nada bem ficar agarrada ao retrato de Tiago, mas não tinha jeito.
Vira e mexe, lá estava ela abraçada à foto do menino.
- Felícia - chamou baixinho, acariciando seus cabelos.
Ela abriu os olhos e contraiu os lábios, virando-se para o outro lado.
- O que quer? - Indagou de má vontade.
Eu estava descansando.
- Quero falar com você.
- Não temos mais o que falar.
- Como pode dizer isso?
Somos marido e mulher.
Sempre teremos algo a dizer.
- Pois eu não tenho.
E se você tem, diga logo e deixe-me terminar o meu descanso.
Artur não conseguia esconder a contrariedade.
Felícia não tinha motivo nenhum para tratá-lo daquele jeito.
Parecia até que fora ele o responsável pela morte do filho.
Num impulso, externou sua indignação:
- Por que está falando comigo desse jeito?
Parece que me acusa de algo.
Não sou culpado pela morte de Tiago.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 25, 2015 9:41 am

Ela se virou para ele bruscamente e, olhos chispando de ódio, disparou:
- É sim. Você e todo mundo.
Se não tivesse mandado Jonas à rua com uma lista imensa de coisas para comprar, ele teria voltado logo com aquele maldito cadeado e trancado o portão da piscina e Tiago jamais teria entrado lá.
Ele abriu a boca, abismado.
Será que Felícia vinha alimentando aquele sentimento desde a morte do filho?
- Felícia - tornou ele com voz trémula - isso é um disparate e uma injustiça.
Como é que eu poderia prever que uma coisa daquela iria acontecer?
E depois, tinha a Lurdinha.
Pensei que ela estivesse tomando conta dele.
- Lurdinha é uma assassina!
Devia estar presa.
- Pare com isso, Felícia.
Prender Lurdinha não ia adiantar nada.
E depois, creio que sua consciência deve estar sendo o seu pior castigo.
- Ainda a defende!
- Não a estou defendendo.
Estou apenas tentando ser razoável.
- Dispenso a sua razoabilidade.
Você é um insensível e não amava Tiago tanto quanto eu.
Por isso não se importa.
Por pouco Artur não se levantou e saiu batendo a porta.
Felícia já estava indo longe demais.
Parecia mesmo estar ficando louca.
Ela estava sofrendo, mas o seu sofrimento não lhe dava o direito de agredi-lo daquela maneira.
Afinal, ele estava sofrendo também.
Mesmo assim, conseguiu se conter.
Se ele se descontrolasse feito ela, aí é que estaria tudo perdido mesmo.
Ela estava em total desequilíbrio, mas ele não podia entrar no seu jogo.
- Felícia - continuou, tentando imprimir à voz um tom mais pacífico - não vim aqui para brigar com você...
- Ainda bem.
- Vim aqui porque a amo...
Porque quero fazer-lhe um convite.
- Que convite?
Não me sinto com ânimo para ir a lugar nenhum.
- Pensei que talvez pudéssemos fazer uma viagem a Paris e...
Ela nem o deixou concluir.
Deu um salto da cama e pôs-se de pé diante dele, quase esfregando o retrato de Tiago em seu nariz.
- Como é que pode pensar em viajar numa situação dessas?
Esbracejou.
- Pensa que sou alguma egoísta feito você?
Que vou ficar por aí me divertindo sem o meu filho?
Nem pensar! Meu lugar é aqui, ao lado dele.
- Ele está morto!
- Não está.
Minha mãe não diz que a alma é eterna?
Pois então?
A alma de Tiago ainda está aqui, e eu não vou abandoná-la.
- Você enlouqueceu.
Mesmo que a alma sobreviva ao corpo, Tiago não iria permanecer preso a esse mundo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 25, 2015 9:41 am

Na certa, ia para um lugar melhor, onde não tivesse que ficar exposto às crises de loucura da mãe!
Felícia não suportou.
Num impulso, estalou-lhe uma bofetada no rosto, com tanta força, que o retrato de Tiago escapuliu de sua mão e se estatelou no chão.
Ao ver o porta-retratos partido, Felícia se ajoelhou e começou a recolher os cacos do vidro, choramingando desvairada:
- Ah! Tiago. Tiaguinho...
Perdoe-me. A culpa foi de seu pai.
Foi ele... Foi ele...
Cada vez mais estupefacto, Artur ficou vendo a mulher ajoelhada no chão, falando com o retrato partido do filho, como se ele estivesse realmente ali.
Aquilo já era demais.
Felícia estava ultrapassando todos os limites.
Precisava tomar uma decisão.
Não pensava em interná-la, mas chamaria um psiquiatra a sua casa para vê-la.
O sogro poderia arranjar alguém confiável.
Em silêncio, Artur foi saindo devagarzinho, deixando-a a sós com sua loucura.
Fechou a porta cuidadosamente e desceu para a sala, onde Ondina andava de um lado para o outro, esfregando as mãos nervosamente.
- Artur! - exclamou, logo que ele apareceu.
O que foi que houve?
Ouvi gritos, barulho de vidro se quebrando.
- Dona Ondina - respondeu ele desalentado - Felícia enlouqueceu.
Contou-lhe tudo o que havia acontecido, desde quando chegara e a vira dormindo abraçada à fotografia do filho, até a bofetada e o desespero ante o retrato partido.
- Meu Deus! - fez Ondina abismada.
Felícia está muito doente.
- É o que também acho.
Mas não posso ficar inerte vendo minha mulher enlouquecer.
Preciso fazer alguma coisa.
- O quê?
- Vou pedir a António que me indique um psiquiatra.
Alguém de sua inteira confiança.
- Acha que isso é necessário?
- Não sei, dona Ondina.
Não sei mais o que pensar.
Mas se Felícia não aceita trabalhar, não quer viajar e ainda me acusa de ser o responsável pela morte de Tiago, então algo de muito errado está acontecendo com ela.
Algo que talvez só um psiquiatra possa compreender e elucidar.
- Talvez você tenha razão.
Se ela se recusa a receber ajuda espiritual, não vejo outra saída - foi até a mesinha e retirou o fone do gancho, discando o número do consultório do marido.
Vou telefonar para o António.
Depois que Artur falou com António, anotando o nome e o número do psiquiatra, Ondina foi para casa.
Artur tomou coragem e subiu novamente para o quarto.
Felícia estava mesmo muito doente e ele não deveria deixá-la sozinha.
Quando abriu a porta, uma surpresa.
Felícia havia ingerido um vidro de pílulas para dormir e jazia de bruços na cama, a mão estendida para fora, na direcção do retrato partido do filho, caído no chão.
Mais que depressa, Artur a ergueu no colo e correu para fora, chamando por Hermínia, que veio correndo e o ajudou a acomodar Felícia no banco traseiro.
- Felícia - chorava Artur -, não faça isso comigo, Felícia.
Não vá embora.
Por favor, não me deixe você também.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 25, 2015 9:42 am

Mas Felícia não respondia.
A respiração fraca dava sinais de que ainda vivia, mas a vida parecia por demais frágil para sustentar-se naquele corpo sem ajuda.
Durante todo o trajecto até o hospital, Artur permaneceu chamando o seu nome, sem que ela desse mostras de que o estivesse ouvindo.
Na emergência, ela foi logo atendida, e os médicos de plantão conseguiram fazer-lhe uma lavagem estomacal e o remédio foi expelido a tempo.
Vendo-a pálida sobre a cama do hospital, Artur desatou num pranto sentido.
Não entendia por que é que aquelas coisas estavam acontecendo em sua vida.
Era um homem bom e honesto, não prejudicava nem enganava ninguém.
Apesar de rico, era humilde e generoso e gostava de ajudar quem precisasse.
Por que então aquelas coisas aconteciam com ele?
Por que perdera o filhinho querido e, pouco depois, quase ficara sem a esposa também?
Por mais que pensasse, Artur não conseguia compreender.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 25, 2015 9:42 am

CAPITULO 4

Felícia sentiu que mergulhava num túnel sem luz e sem fim, descendo cada vez mais para o fundo.
Tudo ao seu redor era escuro e abafado, e pareceu-lhe haver despencado dentro de uma espécie de poço.
Lá no fundo, avistou algo semelhante a um roda-moinho e pensou que fosse se afogar.
Já bem próxima, fechou os olhos e prendeu a respiração, certa de que afundaria naquela água escura e viscosa.
Teve a nítida sensação do corpo em queda livre e aguardou, temerosa, o choque com a água.
Mas o choque não veio.
Ao invés disso, sentiu como se mãos poderosas a puxassem para cima, afastando-a daquele roda-moinho medonho.
De olhos ainda cerrados, sentiu que fazia o caminho de volta e que o túnel, na medida em que subia, ia se tornando mais claro e menos abafado, até que percebeu que estava do lado de fora.
Sentiu uma contracção no estômago e tossiu diversas vezes, e um jacto quente jorrou de sua boca.
Inspirou profunda e desesperadamente, lutando para levar o ar para dentro de seus pulmões, até que sentiu um alívio e pôde respirar normalmente.
Abriu os olhos por alguns segundos e avistou várias pessoas de branco ao seu redor.
Fechou-os novamente e mergulhou em sono profundo.
Quando tornou a abri-los, estava em um lugar diferente, pisando a grama verde e húmida de majestoso jardim.
Várias pessoas andavam de um lado para outro, conversando animadamente, enquanto outras, sentadas no chão, entoavam canções doces e suaves.
Felícia sentiu-se extasiada.
Teria morrido e estaria no céu?
- Não, Felícia, você não morreu.
Ela levou um susto ao ouvir essa voz e só então reparou que havia alguém a seu lado.
Era uma mulher idosa, de aparência bondosa, que lhe estendeu a mão num gesto sereno e amistoso.
- Quem é você? - perguntou ela, confusa e receosa.
- Meu nome é Tereza.
Fui encarregada de recebê-la e acompanhá-la em sua breve visita.
- Visita? Mas onde estou?
- Você está em uma colónia espiritual dedicada aos
espíritos que desencarnaram ainda em tenra idade...
- Espíritos?
Mas você disse que eu não estou morta.
- E não está.
Seu corpo, neste exacto momento, repousa sobre uma cama de hospital lá embaixo, na cidade material do Rio de Janeiro.
Graças a Deus, conseguimos evitar que o suicídio se concretizasse.
Mas seu espírito foi trazido aqui para alguns esclarecimentos.
- Não estou entendendo nada.
- Em breve vai entender.
Por favor, acompanhe-me.
Ela apontou em uma direcção, e Felícia pôs-se a caminhar ao seu lado.
- Você disse que aqui há espíritos que desencarnaram em tenra idade - tornou ela, a mente em torvelinho.
- Sim.
- Será que meu filho, por acaso, não se encontra por aqui?
Tereza parou, impressionada com a rapidez de Felícia.
Haviam alcançado um prédio de apenas dois andares, todo pintado de branco, com janelas em suave tom de azul claro.
- Antes de lhe dar qualquer informação - respondeu
Tereza com ar bondoso - preciso esclarecê-la sobre alguns aspectos.
- Que aspectos?
- Desde que seu filho desencarnou, você vem apresentando uma reacção pouco saudável para você e para ele.
O seu desespero, o seu apego, a sua relutância em aceitar têm trazido vários transtornos a ambos.
- Como assim?
Pensei que meu filho gostasse de saber que a mãe não o abandonou.
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GRETA - Leonel / Mónica de Castro Empty Re: GRETA - Leonel / Mónica de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 25, 2015 9:42 am

- Não é bem assim.
Ninguém abandonou ninguém.
Tiago cumpriu o tempo dele na terra, mas você ainda tem muito a realizar.
Só que você se recusa a compreender e aceitar as suas próprias escolhas.
- Jamais teria escolhido perder um filho com apenas cinco anos.
- Tiago escolheu desencarnar desse jeito, e você se comprometeu a recebê-lo como filho e dar-lhe amor durante seus cinco anos de existência.
- E não foi o que fiz?
- Em parte, não.
Você se apegou a Tiago de tal forma que, ao invés de amá-lo, passou a sufocá-lo.
- Isso é um disparate!
- Será que é mesmo?
Que bem você pensa que faz a ele cultuando a sua imagem como se ele ainda estivesse encarnado?
Acha que ele se sente bem com o seu desespero?
Que gosta da forma como você trata o seu marido, o homem que aceitou recebê-lo como filho?
- Você não tem o direito de me repreender.
- Não tenho mesmo.
E nem foi minha intenção repreendê-la.
Trouxe-a até aqui porque você e Tiago merecem ajuda.
Estou apenas tentando esclarecê-la para que você e ele deixem de sofrer.
- Tiago sofre?
Mas como, se está morto?
- Ele não está morto.
Deixou a matéria, mas continua com todos os seus sentimentos.
- Ele sente a dor e a angústia do afogamento?
- Não é a esse tipo de sentimento que me refiro.
O afogamento foi necessário, e Tiago vai aos poucos se libertando daquela sensação desagradável.
Mas sofre vendo o seu sofrimento.
- Como isso é possível?
- Ele a ama imensamente e se sente preso a você por causa do seu desespero.
Quer crescer na espiritualidade, mas sente-se ligado a você e fica indeciso.
Por isso, seu corpo fluídico permanece exactamente como quando desencarnou.
Com a aparência de um menino de cinco anos.
Ao ouvir isso, o coração de Felícia se enterneceu.
Lembrou aos olhinhos negros do filho, de seu cabelinho castanho-claro, de seu corpinho macio e rechonchudo, e começou a chorar.
- Por favor, Tereza, se ele está aqui, deixe-me vê-lo.
- Ainda não.
- Mas por quê?
- Você foi trazida aqui para ajudá-lo, não para atormentá-lo.
- Eu jamais faria isso.
Sou a mãe dele.
Amo-o mais do que a minha própria vida.
- Aí é que está o erro.
Deve amá-lo como filho.
Sua vida, deve amar de outra forma.
- Não entendo o que quer dizer.
- Cada coisa no seu lugar, Felícia.
Se você recebe uma vida para viver, é de se presumir que a amará em primeiro lugar, porque, enquanto não aprender a amar a si mesma, jamais poderá amar mais alguém.
- Como pode dizer uma coisa dessas?
Duvida do meu amor por Tiago?
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