LUZ ESPÍRITA
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GÉMEAS - Não se Separa o que a Vida Juntou - Leonel / Mónica de Castro

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GÉMEAS - Não se Separa o que a Vida Juntou - Leonel / Mónica de Castro - Página 6 Empty Re: GÉMEAS - Não se Separa o que a Vida Juntou - Leonel / Mónica de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Ago 28, 2015 12:39 pm

― Viu só?
― Leandro e eu já desconfiávamos de que Suzane e Beatriz podiam ser gémeas.
Suzane foi adoptada em Brasília, mas Beatriz tem família.
Essas coincidências são difíceis, mas acontecem.
O mais surpreendente é você ser a mãe delas.
Surgiu aqui no Rio praticamente na mesma época que Suzane e foi se tornar amiga justamente de Carminha.
É impressionante!
― Você acredita em mim?
― Quem sou eu para não acreditar?
O mundo é tão cheio de surpresas incríveis!
Considero tudo possível.
Graziela começou a apertar as mãos nervosamente e falou com ansiedade:
― Gostaria de falar com Suzane.
Se ela sabe que foi adoptada, talvez seja mais fácil me entender e me aceitar.
― Ela perdeu os pais num acidente de carro e gostaria de conhecer seus pais verdadeiros.
Se você estiver enganada, vai ser um choque ainda maior para ela.
― Não estou enganada.
Sinto que ela é minha filha.
― Mesmo assim, é arriscado.
Mexer nos sentimentos de uma menina fragilizada, dar-lhe esperanças e depois destruí-las pode causar um efeito daninho na sua estrutura.
Ela pode não aguentar e ficar transtornada.
― Vou falar com cuidado.
Contarei a minha história e falarei da minha desconfiança.
Por favor, não me impeça de falar com ela.
― Quem sou eu para impedi-la de fazer o que acha certo, não é mesmo?
Eu só me preocupo com Suzane.
― E acha que eu não me preocupo?
Ainda que ela não seja minha filha, não quero vê-la sofrer.
Mas só o facto de ela ter sido adoptada é o suficiente para aproximar-me dela.
Serei, no mínimo, sua amiga.
― Muito bem. Seja feito como você quer.
Irei chamá-la para você.
Graziela apanhou a mão de Amélia e tornou agradecida:
― Jamais vou esquecer o que está fazendo por mim.
Com um sorriso, Amélia saiu e foi encontrar Suzane e Leandro conversando na sala.
― E então, dona Amélia, como é que ela está? - quis saber Suzane.
― Está passando bem.
Pediu para falar com você.
― Comigo?! Por quê?
― Ela tem algo importante a lhe dizer.
O corpo todo de Suzane começou a tremer, e ela teve que se segurar no encosto do sofá para não cair.
Apesar de ter simpatizado com Graziela, seu chamado não a agradava e uma desconfiança atroz martelou a sua mente.
Seria possível que a ex-namorada de Leandro fosse Graziela, uma mulher mais velha, receosa dos comentários da sociedade e, por isso mesmo, extremamente desesperada e perigosa?
― O que uma desconhecida pode ter de importante a me dizer? - indagou Suzane, aterrorizada.
― É, mãe, o que ela pode querer com Suzane? - concordou Leandro.
A reacção de Leandro era ainda mais reveladora e Suzane agora tinha a certeza de que também ele temia um encontro entre as duas.
― Vá falar com ela e você vai descobrir - afirmou Amélia.
― Olhe, Dona Amélia, sinto muito, mas não vou, não - protestou Suzane.
Eu nem sequer conheço essa mulher.
O que ela pode querer comigo?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Ago 28, 2015 12:39 pm

― É um assunto do seu interesse.
― Que assunto?
― Não é nada com que você deva se preocupar.
― Por que a senhora não conta?
― Eu não posso. Não me diz respeito.
― Ela... por acaso foi alguém importante na sua vida, Leandro?
― Como? - replicou Leandro.
O que você quer dizer com isso?
― Pare de imaginar bobagens, menina - censurou Amélia —, e vá falar com Graziela.
Ela não é nenhum bicho de sete cabeças nem vai morder você.
Suzane olhou para Leandro em pânico.
Estava certa de que aquela mulher, com quem simpatizara a princípio, tinha alguma coisa a ver com o outro homem.
Ela também devia estar ali para atirar na sua cara que descobrira sobre seu relacionamento com René e oferecer-lhe dinheiro para que sumisse, sob ameaça de fazer um escândalo e humilhá-la na frente de todo mundo.
Instintivamente, ela se encolheu ao lado de Leandro e objectou:
― Não tenho nada a conversar em particular com essa desconhecida.
Acho melhor eu ir embora.
― Não faça isso! - protestou Amélia.
― Por que está agindo dessa forma, Suzane? - replicou Leandro, sem entender.
Até parece que está com medo dela.
A reacção aparentemente ingénua de Leandro a surpreendeu, e ela ficou em dúvida:
― Não estou com medo.
― Pois então, vá falar com ela - insistiu Amélia.
Garanto que não vai se arrepender.
Não havia outro remédio.
Amélia insistia, e Leandro também.
Era preciso engolir o medo e enfrentar a realidade.
Se Graziela estivesse ali para desmascará-la, não havia mais como fugir.
― Está bem - concordou ela temerosa.
Vou falar com ela.
Suzane deu um beijo rápido nos lábios de Leandro e subiu as escadas, rumo ao quarto de hóspedes onde Graziela a estava aguardando.
Bateu duas vezes na porta e inspirou fundo, olhando de relance para a escada, por onde subiam as vozes de Amélia e Leandro.
Girou a maçaneta e entrou.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Ago 28, 2015 12:39 pm

CAPÍTULO 27

A primavera trouxe sol e muitas flores que desabrochavam nos jardins do engenho de cana-de-açúcar do barão Valverde.
O barão, de nome Abelardo, se tornara um homem muito rico.
Casado com dona Ismália das Dores, tinha um filho, Euclides, o futuro promissor de todos os seus negócios.
Euclides era um rapaz inteligente e bonito, embora desligado do trabalho e dos assuntos da fazenda.
Gostava de farras e de bebida, mulheres e jogos de azar.
Não demorou muito para Euclides se encantar com uma das escravas da fazenda.
Era uma menina de seus dezasseis anos, a quem cabia o serviço doméstico de arrumar as camas e limpar os quartos.
Aparecida era filha de uma escrava e de um ex-capataz da fazenda, um português beberrão que perdeu o emprego quando o barão de Valverde descobriu o caso entre os dois.
Mas ficou com a menina, para ajudar as criadas de dentro nos cuidados com a casa.
Quando Euclides a viu, não pôde pensar em mais nada nem ninguém.
Apenas Aparecida ocupava seus pensamentos e seu coração.
Mandou que ela fosse ao seu quarto à noite e ordenou que se deitasse com ele.
Chorando e com medo, Aparecida obedeceu, mas logo se afeiçoou ao rapaz e ia aos seus aposentos praticamente todas as noites depois disso.
Um dia, porém, Aparecida engravidou e Euclides destruiu todos os seus sonhos.
Ao contrário do que ela esperava, ele se afastou horrorizado, com medo, principalmente, da reacção do pai.
Se o barão não aceitara a relação entre o capataz branco e a mãe de Aparecida, o que diria de um relacionamento entre seu próprio filho e uma escrava?
Quando o ventre de Aparecida começou a inchar, Euclides logo tratou de se desenvencilhar dela.
Mandou-a de volta para a cozinha e trancou a porta do quarto, de forma que ela não pudesse mais entrar à noite.
Em alguns meses, não foi mais possível ocultar a gravidez.
Ao perceber a gestação, Ismália e Abelardo pressionaram a menina para que lhes contasse a verdade.
Ela só chorava e não dizia nada, com medo da reacção do barão.
Mas a ameaça do chicote acabou convencendo-a e Aparecida terminou revelando:
― Foi o sinhozinho Euclides...
― O quê!? - disparou a baronesa, indignada.
Não minta, menina!
― Não estou mentindo.
Foi o sinhozinho Euclides, já disse.
― Mentirosa! - berrou Ismália.
Meu filho jamais se deitaria com uma negra!
― Ele se deitaria sim - falou o barão entre os dentes.
Euclides é jovem e não pode ver um rabo-de-saia.
― Não pode ser - protestou Ismália.
Euclides é um rapaz de princípios.
― Vá chamá-lo.
― Não. Recuso-me a crer numa barbaridade dessas.
― Vá chamá-lo, já disse!
Ismália obedeceu.
Euclides estava no quarto ressonando, às dez horas da manhã, porque havia voltado tarde de mais uma de suas noitadas.
Apareceu na sala esfregando os olhos, em mangas de camisa, no rosto o sinal da farra da noite anterior.
Olhou para Aparecida ali parada, segurando o ventre volumoso, a cabeça baixa, o peito arfante dos soluços reprimidos, e entendeu tudo.
― Sente-se - ordenou o pai secamente.
Euclides fez como ele mandou.
Queria fugir correndo dali, mas não podia.
O pai estava diante dele, aos berros, apontando o dedo acusador para ele e para a barriga de Aparecida.
A mãe, a um canto, chorava de mansinho, o nariz enfiado no lenço bordado de cambraia.
Depois de dado o sermão, Abelardo se acalmou. Mandou que Aparecida saísse e sentou-se ao lado do filho, que temia até encará-lo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Ago 28, 2015 12:39 pm

― Vou mandá-lo estudar em Coimbra - anunciou ele incisivo.
Dentro de, no máximo, um mês, você parte para Portugal.
― Não! - protestou Ismália, toda chorosa.
Não pode me separar de meu único filho.
― Nós falhamos na educação desse menino.
Dezanove anos e não faz nada da vida.
Só quer saber de se deitar com as negras e ficar na cidade, farreando até tarde da noite.
Isso tem que acabar.
― Mas nós podemos dar um jeito nisso.
Não o mande para longe, Abelardo, ou morrerei de tristeza.
― Deixe de bobagens, mulher.
Ele pode vir nos visitar nas férias e no Natal.
E vai ser bom para ele.
Já é um homem, tem que tomar um rumo na vida.
Um mês depois, Euclides se foi, sob o pranto sentido da mãe e o desespero de Aparecida.
Seu futuro era incerto, e ela temia pelo bebé.
― O que faremos com a menina? - indagou Ismália, assim que se recuperou do choque da viagem de Euclides.
― Esperemos que ela tenha a criança - disse o barão.
Depois, vendemos a cria.
Não posso me dar ao luxo de sustentar um bastardinho mestiço aqui na fazenda.
― E quanto a ela?
― Vai embora também.
Só não a vendo agora porque ninguém vai querer comprá-la assim buchuda do jeito que está.
E de que me serve uma negrinha chorosa que não dá conta direito do serviço?
Ismália concordou.
Não queria um neto bastardo e negro circulando pela fazenda, seguindo-a com os olhos remelentos e aspirando, em segredo, a ser reconhecido como membro da família.
O parto de Aparecida correu sem maiores complicações e ela deu à luz duas meninas gémeas bivitelinas.
A primeira a despontar foi Sebastiana, mulata clara, e a segunda, Dalva, branca feito o pai, de feições delicadas e cabelos finos e alourados.
Ao bater com os olhos em Dalva, Ismália apaixonou-se por ela.
Era parecida com Euclides e bem poderia se fazer passar por filha de gente branca, e não de escravos.
Quis ficar com ela.
Abelardo recusou veementemente, mas Ismália tanto insistiu, que ele acabou cedendo, para compensá-la da perda do filho.
― Mas a outra, vamos vender - anunciou ele em tom bravo.
Não venderam. Sebastiana nascera com uma das perninhas mais curta do que a outra, o que a impossibilitaria para o trabalho na lavoura.
E, por mais que Abelardo tentasse convencer os compradores de que ela serviria para o serviço doméstico, ninguém quis gastar dinheiro com uma aleijada.
O barão pensou em atirá-la no rio, contudo, temendo a repreensão do vigário, Ismália não permitiu.
― Deixe-a viver na senzala com Aparecida - sugeriu-a.
Só a proíba de chegar perto da casa-grande.
Não a quero influenciando a pequena Dalva.
Assim foi feito.
O barão desistiu de vender Aparecida e Sebastiana, e as duas foram conduzidas à senzala.
À medida que as meninas cresciam, mais se acentuavam as diferenças entre elas.
Dalva tinha os cabelos lisos e castanho-claros, com grandes cachos nas pontas, o nariz afilado, lábios delicados e bochechas rosadas, ao passo que os cabelos de Sebastiana eram duros como os da mãe, seu nariz era largo e os lábios grossos, de cor bem morena, mais chegada para o jambo.
Nenhuma das duas sabia de sua real procedência.
Aparecida e os demais escravos foram proibidos de falar, sob pena de terem a língua cortada, e ninguém se atreveu a dizer nada.
Como os abusos contra as escravas eram comuns, Sebastiana achava que era filha de um ex-capataz da fazenda, assim como sua mãe.
A Dalva, disseram que o pai viajara para a Europa, após a morte da mulher, deixando a menina aos cuidados dos avós.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Ago 28, 2015 12:39 pm

De vez em quando, as duas avistavam-se à distância, e Sebastiana sentia uma inveja contida da sorte de sinhazinha, que tinha tudo o que queria, enquanto Dalva desprezava aquela menina escrava e defeituosa.
Euclides conseguiu se formar e voltou ao Brasil, casado com uma portuguesa de nome Mimosa, moça sem cultura e de reputação comprometida.
O barão fora informado daquele enlace e, apesar de contrariado, nada pôde fazer.
Recebeu a nora de forma comedida e fria, dispensando-lhe um tratamento formal e repleto de ressentimentos ocultos.
Abelardo queria que o filho tomasse por esposa alguma moça culta e fina da região, e não uma mulher deselegante e de pouca instrução.
Euclides e Dalva se entenderam muito bem, deixando Mimosa um pouco contrariada.
― Essa é minha mãe? - indagou a menina, fitando Mimosa com curiosidade.
― Não, meu bem - esclareceu Ismália.
Sua mãe morreu quando você nasceu.
Essa é sua madrasta, segunda esposa de seu pai.
Mas será como sua mãe.
Quando se viram a sós no quarto, Mimosa interrogou Euclides:
― Por que não me disse que tinha uma filha? - ele não respondeu.
Eu nem sabia que você já tinha sido casado.
― Não fui.
― Ah! Então a menina é bastarda? - ele não respondeu.
E quem é a mãe?
― Isso não vem ao caso.
― Aposto como é alguma prostituta. Ela morreu?
― A mãe dela não era prostituta.
― Uma parenta, então?
Uma prima, talvez?
― Não é nada disso, Mimosa.
Por que não esquece esse assunto?
Minha mãe e meu pai adoram essa menina, e ela é minha filha.
É o que basta.
― Estranho você nunca ter falado dela em sete anos.
― Não falei porque não interessava.
― Como um facto dessa natureza podia não interessar à sua noiva?
Você devia ter-me contado antes de nos casarmos.
― Por quê? Teria desistido?
― Não se trata disso.
― Não sei por que essa revolta.
Não se esqueça de que fui eu que salvei a sua reputação.
Até me conhecer, você era uma mulher sem prestígio e sem respeito.
Eu conquistei de volta a sua dignidade.
― Você sabia quem eu era antes de se casar comigo.
E o que estou lhe pedindo não é nada de mais.
Não acha que eu, como sua esposa, tenho o direito de conhecer o seu passado?
― Muito bem, Mimosa, vou contar-lhe tudo.
A verdade é que Dalva é filha de uma escrava da fazenda.
― Uma o quê?
― Escrava.
― Mas como, se ela é branca feito você?
Em breves palavras, Euclides narrou tudo sobre Dalva.
Contou de suas farras, de Aparecida, da gravidez e da ida para Portugal.
Contou até que Dalva tinha uma irmã gémea, mas diferente, que vivia na senzala em companhia da mãe, sem saber de sua procedência.
Mimosa ficou chocada.
Queria ter os seus próprios filhos, mas como permitir que eles brincassem e convivessem com a filha de uma escrava?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Ago 28, 2015 12:40 pm

Aquela ideia era repugnante.
Misturar seus filhos legítimos à filha de uma negra não era propriamente o seu sonho.
Se fosse para a menina cuidar deles, até que valeria a pena.
Ela era branca e limpinha, ao contrário das demais escravas, por quem sentia certa repulsa.
Mas tratá-la como irmã dos seus próprios filhos era pedir demais.
Ela, contudo, nada podia fazer para impedir aquela catástrofe.
Euclides fora bem claro, e o barão e a baronesa tinham muito apreço à menina.
E ela, o que é que tinha?
Nada. Não fosse por Euclides, ainda estaria em Portugal, trabalhando naquela quitanda de secos e molhados e saindo com um cliente ou outro, de vez em quando, em troca de uns tostões.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Ago 28, 2015 12:40 pm

CAPÍTULO 28

A chegada de Mimosa não passou despercebida por Aparecida, que morria de ciúmes cada vez que ouvia falar no nome da nova sinhá.
Em segredo, pôs-se a observar a esposa de seu amado, tomando conta de seus passos e alimentando por ela um ressentimento cada vez maior, principalmente quando a via perto de Dalva.
Um dia, Aparecida foi postar-se na entrada da fazenda, e quando Euclides entrou a cavalo, ela se atravessou na frente do animal, que quase a atropelou.
O cavalo relinchou e deu um pinote, mas Euclides conseguiu controlá-lo.
― Ficou maluca, Aparecida? - ralhou ele.
Quer se matar?
― Ai de mim, sinhó Euclides, que vivo a dor da tristeza desde que você partiu - ele sentiu certo constrangimento, mas não disse nada.
Primeiro tiram minha filha, e agora tenho que conviver com aquela portuguesa snobe que você tomou por esposa.
― Olhe lá como fala, insolente! - esbracejou ele, ameaçando-a com o chicote do cavalo.
Mimosa é minha esposa, e você, uma escrava.
Apenas uma escrava. Ponha isso na sua cabeça.
Aparecida se encolheu aterrorizada e contrapôs entre soluços:
― Perdoe, sinhó, não falei por mal.
Mas a situação não é justa.
Dalva tem tudo o que quer, ao passo que Sebastiana...
― A menina nasceu defeituosa e puxou aos negros.
O que você queria?
― Sua mãe podia se interessar por ela também.
― Minha mãe? Não seja louca, menina.
Dalva é como nós, pode se passar por branca.
Mas Sebastiana é... é repulsiva.
Ele fez uma careta de nojo, e Aparecida objectou com tristeza:
― Mas ela também é sua filha.
― Não, não é. Sebastiana, assim como você, é propriedade do barão de Valverde.
Vocês são coisas, objectos, no máximo, animais.
Não podem querer mais do que recebem.
― Quando se deitou comigo, o sinhó não pensava assim.
― Isso é diferente.
Deitar-me com você não lhe dá o direito de se julgar igual.
O direito é meu de usá-la como bem quiser.
Só que agora sou um homem casado e não me interesso mais por negrinhas.
Euclides empurrou Aparecida com o pé, afastando-a do flanco do cavalo, e partiu em disparada na direcção da fazenda, deixando-a aos prantos no meio da estrada.
Queria se conformar, mas não conseguia.
Não era justo que suas duas meninas tivessem sorte tão distintas.
Sebastiana era muito ligada a ela, mas Dalva sequer sabia da sua existência.
Aquilo, porém, era tolerável, porque a filha estava sendo bem tratada pela sinhá Ismália.
Com Mimosa era diferente.
Ela era uma intrusa e, não fosse a sua presença ali, talvez o sinhó Euclides a procurasse de novo.
Mas não era apenas Aparecida quem se queixava da situação, que também não agradava a Ismália.
A mãe de Euclides ficava aborrecida com a intromissão de Aparecida, pois percebia os olhares da escrava para os donos da casa, como se estivesse a lhes cobrar alguma coisa.
― Aparecida está se tornando um problema - comentou Ismália com o marido.
Vive cercando a casa grande com aquela sua filha aleijada.
― Eu bem que avisei que essas duas ainda iam dar problema.
― Estou preocupada. E se Aparecida contar a verdade a Dalva?
Já imaginou o choque que a menina vai levar?
Criada feito uma princesa e descobre que tem sangue de negro?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Ago 28, 2015 12:40 pm

― Se ela fizer isso, corto-lhe a língua e depois a amarro no tronco.
― Mas o estrago já estará feito e será irreversível.
Dalva não pode, em hipótese alguma, descobrir a verdade.
― Não vai descobrir.
― Não as quero mais perto de nós.
Depois que Euclides voltou, Aparecida vive a persegui-lo.
Soube até que tentou fazer intrigas com Mimosa.
Abelardo suspirou fundo e coçou o queixo.
Olhou para a esposa e perguntou preocupado:
― O que você quer que eu faça, Ismália?
― Quero que se livre dela.
Que se livre das duas.
― Quando quis jogar a menina no rio, você não deixou.
E agora pede para livrar-me dela.
Quer que a castigue no tronco?
― Para que Dalva faça perguntas? Não.
― Então o que você sugere?
― Quero que venda Aparecida.
Ela é uma negra jovem e forte.
Pode trabalhar por muitos anos.
― E a menina? Já imaginou o trabalho que vai dar longe da mãe?
Quem é que vai cuidar dela?
― Ninguém precisa cuidar dela.
Simplesmente expulse-a da fazenda.
Sem comida e sem abrigo, ela logo pega uma doença e morre.
Ou, com um pouco de sorte, ela pode ser comida por uma onça ou picada por uma cobra.
O barão suspirou desanimado.
Não lhe agradava se desfazer de uma escrava vigorosa justo agora que as coisas não iam tão bem na fazenda e ele precisava de toda mão-de-obra disponível.
Mas enfim... Se for para agradar Ismália, então faria a sua vontade.
Como Aparecida era uma mulata muito engraçadinha, logo arranjou comprador.
Abelardo ainda tentou empurrar a menina para o novo dono, mas ele foi peremptório: não queria um aleijão para lhe dar trabalho.
A mãe serviria na cozinha e na cama.
Mas a menina não prestava para nada.
Aos nove anos, Sebastiana não compreendia o que estava acontecendo nem por que o barão estava fazendo tamanha maldade com elas.
Mãe e filha choraram muito na hora de se separar, mas a venda foi consumada.
O infortúnio de Sebastiana não acabou por aí.
Dois dias depois, apareceu o capataz e lhe mandou arrumar suas trouxas.
Ia levá-la até sua mãe.
Sebastiana só não pulou de contentamento porque a perna deficiente não permitia.
Fez uma trouxinha com os poucos trapos que tinha e saiu claudicante atrás do capataz.
Caminharam muito, até que, ao anoitecer, estavam embrenhados bem fundo na floresta.
Sebastiana não podia mais andar e se sentou numa pedra, arfando e chorando.
― Falta muito? Não aguento mais.
José, o capataz, olhou para ela e colocou a mão na cinta, onde o facão jazia preso, e ajeitou ainda a espingarda que levava às costas.
Sebastiana nada percebeu e continuou sentada, tomando fôlego, só pensando na hora em que estaria novamente nos braços de sua mãezinha.
Em dado momento, o capataz aproximou-se dela e segurou-a pelos ombros, falando dolorosamente:
― Você incomodou mesmo a baronesa, não foi? - ela não entendeu.
Ao ponto de ela mandar-me trazê-la para a floresta e deixá-la entregue à própria sorte.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Ago 28, 2015 12:40 pm

― Mas senhor, a floresta é perigosa.
Tem cobras... e onças!
― Por isso mesmo é que recebi ordens do barão para largá-la aqui.
As onças e as cobras podem cuidar de você.
― O que? - tornou ela abismada, sem saber se chorava ou se atirava no chão para implorar piedade.
Por uns instantes, ele fitou Sebastiana, penalizado, e a menina, sem entender, começou a chorar e soluçar:
― Você não veio me trazer para minha mãe?
― Não.
― Mas por quê?
Que mal eu fiz ao barão?
― Já que você não vai mesmo voltar, não importa saber a verdade.
O barão vendeu a sua mãe e mandou soltar você aqui porque Aparecida é também mãe de Dalva.
Conhece Dalva? ela assentiu, ainda sem compreender.
Pois é. Dalva é sua irmã gémea, e vocês são filhas do doutor Euclides.
Como nasceu branca e linda, os patrões ficaram com ela.
Mas você, feia e aleijada, ninguém quis.
― Senhor, deve haver algum engano - contestou ela abismada.
Dalva não pode ser minha irmã.
Ela é tão diferente de mim!
E o sinhó Euclides é filho do patrão.
Como pode ser o meu pai?
― Não há engano algum.
Você não entende porque ainda é muito jovem.
Mas também por que é que Aparecida tinha que ficar perturbando o doutor e amolando a esposa dele?
O que ela queria?
Só podia dar no que deu.
― Ai, moço, o senhor está fazendo uma maldade muito grande comigo.
Eu não quero ser filha do sinhó nem irmã da sinhazinha.
Eu só quero a minha mãe.
Sebastiana chorava sem parar, mas um estalo na mata fez cessar o seu pranto, e ela olhou assustada para José.
Compreendendo o seu temor, ele apontou a espingarda para o vazio e ficou à espera, mas nada aconteceu.
― É a onça! - gritou ela aterrada, agarrando-se às pernas do capataz.
Novo estalo se fez ouvir, e ele apontou a arma novamente.
Como da vez anterior, nada aconteceu, embora ele tivesse a certeza de que estavam sendo observados pelo faminto felino.
Agarrada a suas pernas, Sebastiana tremia, e uma piedade sem igual tomou conta do coração do capataz.
Ele iria embora e a onça daria conta do recado, devorando a menina viva e acabando com os problemas da baronesa.
Foi quando a ideia lhe surgiu.
Não era a mais humana, mas deveria ser a mais piedosa.
Servir de comida para onça seria uma morte muito mais dolorosa do que experimentar a lâmina afiada de seu facão.
Quando puxou Sebastiana pelos ombros foi que ela compreendeu.
O facão estava bem próximo de seus olhos, e uma humidade estranha no olhar do capataz indicou que ele estava ali para matá-la.
Tentou se libertar dele, mas em vão.
Além do cansaço, a perna deficiente lhe retirava a agilidade e a rapidez.
― Pelo amor de Deus, seu capataz, não me mate! - implorava ela aos prantos.
― Você não vê? - tornou ele, hesitante.
Se eu não o fizer, as onças o farão.
― Leve-me daqui com o senhor!
Prometo que não direi nada a ninguém, mas por favor, deixe-me viver.
As lágrimas e os soluços eram tantos que o capataz quase cedeu.
Morria de pena da menina, mas precisava do emprego.
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GÉMEAS - Não se Separa o que a Vida Juntou - Leonel / Mónica de Castro - Página 6 Empty Re: GÉMEAS - Não se Separa o que a Vida Juntou - Leonel / Mónica de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Ago 28, 2015 12:41 pm

Se a levasse de volta, o barão se enfureceria e o mandaria embora, e como faria ele para sobreviver naqueles tempos difíceis?
Talvez fosse melhor mesmo soltá-la ali e deixar o seu destino por conta das feras.
Já ia quase tomar essa decisão quando novo ruído ecoou no silêncio da floresta a sua frente.
A onça estava à espreita, e assim que ele soltasse a menina, daria um bote sobre ela.
A imagem de Sebastiana sendo devorada viva pela onça o encheu de terror, despertando nele uma piedade estranha.
Não pensou mais.
Repôs a espingarda no ombro, sacou o facão da cintura e, num gesto rápido, cortou a garganta de Sebastiana, que se debateu uns instantes, apertando o pescoço como se quisesse prender lá dentro o sangue que se esvaía.
― Sinto muito - suspirou ele, segurando-a até que a energia de vida se esgotou, e ela tombou inerte, os cabelos presos nas mãos do capataz.
Ao sentir o peso de seu corpo morto, ele a jogou no chão e pôs-se a caminhar para trás, a espingarda em punho apontando em todas as direcções.
Foi recuando devagar, girando o corpo para se proteger de um possível ataque, até que o cadáver de Sebastiana não fosse mais visível no meio da mata.
Logo ouviu outro barulho, e um rugido alto gelou seu coração.
A fera estava sobre o corpo de Sebastiana, e ele virou as costas, fazendo apressado o caminho de volta.
Não queria ter que presenciar aquilo.
Chegou à fazenda ainda abalado, mas nada deixou transparecer para o barão.
― Fez o serviço? - indagou Abelardo.
― Fiz, sim, senhor.
― Soltou-a bem longe?
― Tão longe que ela nunca mais vai encontrar o caminho de volta.
O barão e a baronesa deram-se por satisfeitos e puderam retomar a vida com normalidade.
Dalva estava segura e sequer deu pela falta de Aparecida ou Sebastiana.
Quando desencarnou, Sebastiana se viu dominada por um ódio imensurável do capataz, do barão e da baronesa, e passou a frequentar a fazenda em busca de vingança.
Seu espírito era visto vagando pela senzala e a Casa-grande, causando indescritível mal-estar, principalmente, em Ismália e no capataz.
Os escravos mais antigos percebiam a presença da menina e com os seus cultos, conseguiram esclarecê-la.
Ela não era má, apenas ignorante, e em pouco tempo, espíritos de luz a levaram para um local de tratamento no astral.
Anos mais tarde, todos se reuniram na mesma cidade no espaço.
Era preciso diluir tanto ódio e procurar transformá-lo em sementes de amor.
Os envolvidos estavam arrependidos e buscavam o perdão.
Sebastiana queria muito reencontrar a mãe, pois só a seu lado poderia haurir forças para enfrentar de novo a vida.
Foi-lhe dada à chance de reencarnar junto a ela e a Euclides, seu pai, para que ele tivesse também a oportunidade de criar a filha enjeitada e a quem poderia ter amado como amara Dalva.
Foi assim que reencarnaram e vieram a ficar na mesma família:
Aparecida como Carminha, Euclides como Renato e Sebastiana como Beatriz.
Quanto a Dalva, cresceu cada vez mais arrogante e orgulhosa, muito ligada à avó, que a tratava com todos os mimos.
No entanto, o arrependimento posterior de Ismália levou-a a buscar para si situação semelhante à que provocara, na tentativa de entender o valor e o respeito à maternidade e aos laços de família, reencarnando então como Graziela.
Dalva, por sua vez, pediu a oportunidade de se libertar do orgulho e voltou como Suzane.
O capataz sentiu imenso remorso pela sua distorcida piedade.
Tirara a vida de Sebastiana e queria devolver-lhe a oportunidade de viver.
Aceitou ser Roberval, o pai das gémeas, e assumiu o risco de ser assassinado na tentativa de sequestro dos bebés, o que, efectivamente, veio a ocorrer.
O barão de Valverde e Mimosa, por sua vez, custaram um pouco a abrir os olhos para as verdades divinas.
Passaram a vida nutrindo uma antipatia mútua.
Abelardo não aceitava a condição humilde e um tanto rude de Mimosa, e esta se ressentia da indiferença do barão.
Nunca se deram bem.
Tamanha antipatia gerou para ambos o desejo de uma reconciliação mais profunda.
Nem um, nem outro, logo ao desencarnar, reconheceu a impropriedade do que havia sido feito a Aparecida e Sebastiana.
Para Abelardo, a morte da menina não era responsabilidade sua, mas do capataz, que desobedecera suas ordens e lhe cortara a garganta.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Ago 29, 2015 8:40 pm

Para Mimosa, a atitude do barão estava condizente com suas necessidades na época, já que ela não poderia mesmo conviver com a filha bastarda e negra de seu marido.
Foi por isso que optaram por reencarnar como marido e mulher, nos corpos de Gilson e Lorena.
Todos esses factos e sentimentos levaram ao envolvimento de pessoas tão diferentes e, aparentemente, sem nenhum vínculo do passado.
Mas as afinidades iam-se formando e, no momento em que viu Graziela, Suzane sentiu reacender o antigo amor pela avó que a havia criado no passado.
E foi por isso que, mesmo sem saber, venceu o medo e entrou no quarto onde Graziela a aguardava.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Ago 29, 2015 8:41 pm

CAPÍTULO 29

Graziela estava de costas, distraída com o movimento dos convidados à beira da piscina.
Ao ouvir o barulho da porta, voltou-se para Suzane e deu um sorriso amistoso.
― Não tenha medo - disse.
Você não precisa ter medo de nada.
― Não estou com medo - mentiu Suzane.
Apenas não entendo o que você possa ter para me falar.
― Sente-se. O que tenho a lhe dizer é surpreendente e demorado.
Suzane se sentou e ficou olhando para Graziela, que pigarreou e se sentou ao seu lado, tentando encontrar as palavras certas para definir uma situação totalmente inusitada.
― O que você tem a dizer tem algo a ver com Leandro? - sondou Suzane.
Graziela a olhou surpresa, mas respondeu calmamente:
― Não. Eu nada sei sobre o seu namorado.
Suzane suspirou aliviada e continuou:
― Muito bem.
Seja lá o que for que tenha para me dizer, diga logo.
Já passei por muita coisa na vida e acho que nada mais me espanta.
― Uma moça tão jovem e com tantas desilusões.
Posso saber o que houve?
― Não creio que a história da minha vida vá lhe interessar.
― Ao contrário. Interessa-me, e muito.
― Por quê?
Graziela não respondeu e retrucou com outra pergunta:
― Você foi adoptada, não foi?
A pergunta a incomodou, e Suzane olhou fundo nos olhos de Graziela, como se estranho e indecifrável pressentimento se apoderasse dela.
― Como é que sabe disso?
― Eu sei de muitas coisas.
E há outras que estou tentando descobrir.
― Já sei. Foi dona Amélia.
― Quem me contou não vem ao caso.
O que importa realmente é que você foi adoptada e seus pais adoptivos morreram num acidente de carro.
Suzane não disse nada, e ela prosseguiu:
― Nunca lhe passou pela cabeça conhecer os seus verdadeiros pais?
― Já... - balbuciou ela, uma inquietação formigando a sua pele.
― E por que não fez isso?
― Sinceramente, não entendo por que está me fazendo essas perguntas - objectou Suzane, um tanto quanto contrariada.
O que você tem a ver com a minha vida?
Graziela se levantou e deu a volta no quarto, parando de frente para ela.
― Pode ser que não tenha nada - afirmou ela, estudando o rosto de Suzane.
Ou pode ser que tenha tudo.
― Não estou entendendo.
― Até eu estou tentando entender.
Assim como você, também passei por muitas coisas.
Você sabia que fui casada com um diplomata?
― Ouvi falar.
― Ele era um homem muito rico e influente.
Quando me casei com ele, eu era uma jovem viúva, pobre e desiludida da vida.
Suzane ergueu as sobrancelhas, mas não disse nada.
― E havia perdido duas filhas... gémeas.
― Elas morreram? - retrucou Suzane interessada.
― Não. Elas foram tiradas de mim.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Ago 29, 2015 8:41 pm

Nesse momento, Suzane sentiu uma estranha emoção e deu um salto da cama, afastando-se de Graziela como se a verdade que ela estava prestes a dizer pudesse feri-la.
― Como assim, tiradas de você?
Graziela não respondeu.
Colocou-se novamente defronte a Suzane e rebateu com ar enigmático:
― Você disse que já passou por muitas coisas.
― Passei...
― E que não há nada mais que a choque.
― Olhe, Graziela, não sei onde você está querendo chegar, mas essa conversa já está ficando monótona.
Se tiver alguma coisa a me dizer, diga logo.
― Muito bem. E se eu lhe dissesse que sei onde está sua verdadeira mãe?
― Você sabe? - espantou-se Suzane, entre incrédula e esperançosa.
Graziela não respondeu.
Segurou as mãos dela com delicadeza e encarou-a com lágrimas nos olhos.
Seus lábios entreabertos sustinham as palavras que temia dizer, mas Suzane, ligada a ela por um fio energético de amor conquistado e indissolúvel, ouviu as palavras não ditas e replicou com uma quase certeza:
― É você?
Graziela apenas assentiu levemente com a cabeça, deixando que as lágrimas caíssem livres pelo seu rosto.
― Isso é impossível... - contestou Suzane com visível descrença, retirando as mãos das de Graziela.
― Não é impossível.
Só Deus sabe há quanto tempo venho procurando vocês.
Suzane afastou-se dela momentaneamente e, segurando-a pelos ombros, perguntou aturdida:
― Vocês?
― Eu disse que tive duas filhas gémeas - Suzane assentiu maquinalmente, a boca aberta num assombro mudo.
Quer conhecer toda a verdade?
Durante o resto do dia e o começo da noite, Graziela contou a Suzane tudo o que havia acontecido desde o momento em que se casara com Roberval, na esquecida cidade de Barra do Bugres, no interior do Mato Grosso.
Suzane ouvia a tudo atentamente, sem perder uma palavra, oscilando entre a surpresa, a revolta e a alegria.
Quando Graziela terminou de contar sua história, as duas estavam chorando, e Suzane perguntou, ainda em dúvida:
― Como você pode ter certeza de que eu sou uma dessas crianças?
― Tudo se encaixa, principalmente o facto de que Carminha passou a me evitar depois que lhe contei a minha história.
Por quê? Porque combina com a história da menina que ela adoptou.
Você não vê?
― Por duas vezes fui confundida com outra pessoa.
Primeiro foi um amigo, que afirmou ter-me visto no carro num lugar onde eu não estava.
E depois, um garoto me confundiu com a irmã dele no zoológico.
E a mãe dele se chamava Carminha.
― Eu não lhe disse? - exultou Graziela.
Você é idêntica à Beatriz, filha dela.
E é por isso que ela está me evitando e negando a semelhança entre vocês.
― Mesmo assim, isso não é suficiente - protestou Suzane, andando nervosamente de um lado a outro do quarto.
Nós duas podemos ser gémeas e ter sido adoptadas, mas não há nenhuma certeza de que sejamos as suas filhas.
Podemos ser filhas de outra mulher.
― Quer fazer um teste de DNA?
Tenho certeza de que dará positivo.
― Não sei se terei coragem para enfrentar novas desilusões.
― Não acha que vale a pena correr o risco?
A não ser que você não me aceite como mãe.
― Não sei. Tudo é muito estranho.
Descobrir que fui adoptada foi um choque, e é claro que desejo conhecer a minha mãe verdadeira, ainda mais depois de tudo por que passei.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Ago 29, 2015 8:41 pm

Mas assim... tenho medo de me deixar convencer e estar alimentando nova ilusão.
Se eu não for sua filha, terei me enchido de esperança à toa e estarei mais só do que antes.
― Creio que há coisas na vida pelas quais vale a pena se arriscar.
Se você fizer o teste e der positivo, sua vida ganhará novo rumo.
Se não, você não terá tido mais desilusões do que já teve.
De toda sorte, repito, é um risco que vale a pena correr.
É melhor do que permanecer na dúvida, a vida toda sem saber se desperdiçou a chance de ter um novo lar e uma nova família.
A não ser, volto a dizer, que você não me aceite pelo que fiz.
― Confesso que achei a sua atitude estranha, mas depois de tudo por que passei, não sei se estou em condições de julgar.
As dificuldades da vida às vezes nos impulsionam por caminhos que, em outras circunstâncias, jamais pensaríamos em seguir.
Talvez, no seu lugar, eu tivesse feito a mesma coisa.
― Você não imagina como foi duro.
Ver meu marido morrer e perder minhas duas filhas de uma vez - ela chorou baixinho, e Suzane se emocionou.
Sei que agi mal, mas já dei à vida a minha parcela de sofrimento pelo que fiz.
Creio que está na hora de reencontrar a paz.
Durante alguns minutos, Suzane permaneceu de costas para ela, fazendo reflectir as lágrimas na luz do luar que começava a avançar pela janela.
A história de Graziela a chocara no início.
Como podia uma mãe, por mais dura que fosse a vida, desfazer-se de suas filhas por um punhado de dinheiro?
Aquilo parecia inadmissível, e uma mãe que agisse assim só merecia o desprezo das filhas e da sociedade.
Contudo, revendo sua própria vida, pensou se lhe caberia o direito de julgar.
Afinal, não estava, ela também, se desfazendo de sua dignidade e dos valores que aprendera na infância para se entregar a um homem por dinheiro?
Graziela vendera as filhas.
Ela vendia seu corpo toda vez que dormia com Leandro na esperança de um futuro melhor.
Não havia, portanto, muita diferença entre as duas.
― Você tem razão - concordou Suzane, após a conclusão desses pensamentos.
Não tenho nada a perder.
Pior do que está, não pode ficar.
― Garanto que você não vai se arrepender.
― Espero que não.
Mas há uma coisa que não posso lhe esconder.
― O que é?
― O amor que senti e ainda sinto por meus pais adoptivos.
Eles foram como anjos do céu na minha vida, e seria pedir demais que eu renegasse tudo o que senti e vivi ao lado deles.
― Eu jamais lhe pediria tal coisa!
Ao contrário, acho muito bonito o amor que unia vocês.
Apenas posso desejar que você, um dia, sinta algo semelhante por mim.
― Gosto de você - disse Suzane sorrindo.
Mesmo sem saber nada sobre você, senti uma simpatia espontânea ao vê-la.
― Perdoe-me pelo que fiz, Suzane - revidou Graziela em tom de súplica.
Prometo compensar você por todos os dissabores da sua vida.
As duas se abraçaram numa aura de emoção, deixando fluir por seus corpos toda aquela vibração nova de amor, amizade e compreensão.
E foi só muito tempo depois que Suzane tornou a falar:
― Se você for mesmo minha mãe, o que fará a respeito de minha irmã gémea?
― Espero poder me aproximar dela também.
O problema é que Beatriz não gosta de mim.
― Por que não?
― Não sei. Talvez, inconscientemente, ela saiba o que eu fiz.
Suzane ficou pensativa, e Graziela tornou interessada.
E quanto a você? Quero saber tudo a seu respeito.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Ago 29, 2015 8:42 pm

― Meus pais morreram num acidente de carro, você sabe.
E meu tio Cosme ficou com toda a herança.
Novamente, Suzane contou a história de como o ganancioso Cosme havia roubado sua fortuna, e Graziela ficou chocada.
― Será que não há meios de reavermos sua herança?
― Não sei. Mas uma coisa lhe digo: ainda vou me vingar de tio Cosme.
― A vingança não é boa companhia, Suzane.
Se houver meios legais de você reaver o que perdeu, óptimo.
Se não, deixe para lá.
Você não precisa mais disso.
As duas tornaram a se abraçar.
Realizava-se o primeiro reencontro bem-sucedido planeado pela espiritualidade.
Ismália e Dalva, avó e neta na outra existência, apesar de suas dificuldades e ilusões quanto às verdades da vida, eram almas afins e se amavam há muitos anos.
Ninguém podia negar que Ismália nutrisse pela neta um sentimento verdadeiro, que era correspondido pela menina em igual intensidade.
E foi isso que possibilitou a compreensão imediata e o reconhecimento mútuo de suas almas, pois o amor que um dia é conquistado, mesmo ferido, não deixa de subsistir, compreender e perdoar.
... Prometo compensar você por todos os dissabores da sua vida.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Ago 29, 2015 8:42 pm

CAPÍTULO 30

O coração de Graziela estava tão leve que parecia que ia se desprender do peito e flutuar até as alturas, levando para o céu a felicidade que inundava todo o seu ser.
Havia conseguido uma grande vitória naquele dia, e embora ainda faltasse aproximar-se de Beatriz, a compreensão e o perdão de Suzane haviam-lhe dado novo ânimo, e ela se sentia mais fortalecida para continuar.
Assim que saiu o resultado positivo do teste de DNA, Suzane foi morar com Graziela.
Parecia que o pesadelo em que se transformara a sua vida, de repente, virara um sonho cor-de-rosa e alegre.
Tinha algumas coisas a fazer, como arrumar seus pertences e entregar o apartamento alugado.
A única coisa que Suzane lamentava era ter que deixar René.
Todavia, era chegado o momento de pôr um basta naquela loucura e concentrar-se apenas em Leandro.
Era com ele que estava seu futuro.
Graziela a ajudava a arrumar as malas quando o interfone tocou.
Suzane já sabia quem era e pensou em não responder, mas a vontade de ver René ao menos uma última vez foi maior, e resolveu atender.
― Você vai viajar? - perguntou René, vendo a mala aberta em cima da cama e olhando para Graziela com curiosidade.
Suzane também se virou para Graziela, que compreendeu tudo rapidamente e falou com suavidade:
― Acho que vou esperar na sala.
Depois que ela saiu, René voltou a indagar:
― Quem é essa mulher?
É mãe do seu namoradinho?
― É claro que não.
― Então, quem ela é?
― Ninguém que lhe interesse.
― Por que o mistério, Suzane?
Por acaso, ela é alguma dona de bordel para quem você vai trabalhar?
― Não seja idiota, René.
Desde quando sou mulher de me prostituir?
― Desde que resolveu subir na vida.
A vontade de Suzane era contar toda a verdade a René, mas não tinha tempo nem paciência para as perguntas que ele lhe faria.
― Você não sabe do que está falando - retrucou-a de má vontade.
― Por que não me explica?
― Um dia, talvez, eu lhe conte tudo.
Mas agora não.
Graziela está me esperando para me levar embora daqui.
― Você vai se mudar? - ela assentiu.
Com essa tal Graziela? - ela assentiu novamente.
Mas quem é essa mulher que apareceu do nada e conseguiu levá-la embora daqui, quando nem o seu namoradinho conseguiu?
― Ela é... uma parenta distante... É isso.
― Sem essa, Suzane.
Acha que sou burro?
― Não acho nada.
― Mas você não pode me deixar assim!
― Não estou deixando você, porque nunca estivemos juntos.
― E o que aconteceu entre nós?
― Foi óptimo, mas preciso cuidar da vida.
― E para isso, tem que se mudar daqui com uma estranha?
― Ela pode ser estranha para você.
Para mim, é como se fosse... minha mãe.
― Como alguém de quem eu nunca ouvi falar, de repente, vira sua mãe?
― Eu não disse que ela é minha mãe.
É como se fosse.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Ago 29, 2015 8:42 pm

E o facto de você não a conhecer não significa que ela seja uma estranha para mim.
Você não conhece os meus amigos.
― Por favor, Suzane, não vá.
Eu posso fazê-la feliz.
Olhe, até já voltei a estudar.
Estou terminando o segundo grau, à noite, por sua causa.
― Por minha causa? Essa é boa!
― Não, é sério.
No final do ano, presto vestibular e vou estudar Direito.
― Não quero ser pessimista, René, mas como é que você pretende passar no vestibular?
Só um cursinho vagabundo não vai lhe dar base para passar para uma boa faculdade do governo.
E você não tem dinheiro para pagar uma particular.
― Não entendo por que está me agourando.
― Não estou - contestou ela arrependida.
Torço para que você consiga o que quer.
É só que eu acho muito difícil.
― Difícil não é impossível.
E tudo o que é possível pode ser conseguido.
Ela se lembrou de sua própria história, que muitos chamariam de impossível e, no entanto, lá estava ela, vivendo o inimaginável.
― Tem razão, René, me perdoe.
Ele se aproximou dela e a segurou nos braços, olhando fundo em seus olhos:
― Fique, Suzane, por favor.
― Não posso.
― Estou lhe pedindo.
Sei que você gosta de mim.
Não estrague a sua felicidade por causa de dinheiro.
Suzane hesitou por alguns instantes.
Realmente, agora que iria viver com Graziela, não precisava mais de dinheiro para empreender nenhuma vingança.
Podia muito bem romper com Leandro e assumir um romance com René.
Mas René era um contraventor ignorante e pobre, e ela ainda se sentia presa a velhos preconceitos que a impediam de aceitá-lo do jeito como era.
E depois, não tinha muita certeza sobre seus sentimentos para com Leandro.
Sempre que pensava em deixá-lo, uma pontada no coração lhe dizia que iria sofrer.
― Não dá, René - objectou-a, evitando encará-lo.
Gosto de Leandro e é com ele que vou me casar.
Terminou de fechar a mala e o encarou rapidamente, os olhos humedecidos pelas lágrimas que sustinha no olhar.
René não disse mais nada.
Ficou ali parado, fitando o chão sem verniz, sentindo os olhos arderem e a garganta entalar.
Também tinha o seu orgulho.
― Vamos - chamou ela, a voz embargada e a mala na mão.
Ele a seguiu ainda em silêncio.
Passou por Graziela na sala e endereçou-lhe um rápido olhar, saindo sem se virar.
Não queria chorar na frente de uma estranha.
Suzane não o chamou de volta nem lhe disse adeus.
Saiu com Graziela e trancou a porta, levando no peito milhões de esperanças e nenhuma saudade daquele lugar.
― Vamos passar na imobiliária e deixar a chave - comentou Graziela, ajeitando a bagagem de Suzane no porta-malas de seu carro.
Do outro lado da rua, René as fitava com as mãos no bolso, o pé apoiado no poste e muita tristeza no olhar.
Suzane não disse nada. Nem acenou.
Segurou as lágrimas e entrou no carro ao lado de Graziela, que finalmente perguntou:
― Alguém que você ama?
― Meu namorado é Leandro.
― Não foi isso o que eu perguntei.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Ago 29, 2015 8:42 pm

Suzane não respondeu, e Graziela prosseguiu:
― Sei que nos conhecemos há muito pouco tempo, mas você pode confiar em mim.
Não estou aqui para julgá-la nem para recriminar suas atitudes.
― René é só um amigo.
― Pareceu-me que ele a considera bem mais do que uma amiga.
― Não se importe com isso.
― Não me importo.
Mas será que você é capaz de não se importar também?
Suzane silenciou e não tocou mais no assunto.
Ao chegar ao apartamento de Graziela, porém, todo o peso dos últimos anos desabou sobre ela.
Apoiou a mala no chão do que, dali em diante, seria o seu quarto, de frente para o mar, e chorou.
Chorou muito. Graziela a abraçou carinhosamente, sem fazer perguntas nem procurar palavras de conforto.
Dar-lhe o seu amor, naquele momento, seria o melhor para aliviar sua dor.
Depois de algum tempo, ela se acalmou, mas permaneceu com a cabeça apoiada no peito de Graziela, sentindo como se estivesse nos braços da mãe que conhecera e que a criara.
― Graziela... - falou por fim, ainda emocionada.
― O que é?
― Sei que você me ofereceu uma vida nova, inclusive, com o reconhecimento judicial de que você é minha verdadeira mãe...
― Isso mesmo.
― Mas não posso aceitar uma coisa dessas.
Eu andei pensando...
Meus pais podem ter errado em comprar um bebé, mas será que eles sabiam o que havia acontecido?
Será que eles chegaram a conhecer as circunstâncias criminosas em que eu fui tirada de você?
― Não sei.
― Quero que você veja uma foto deles.
E quero que me diga se eram as mesmas pessoas que estiveram presentes para nos levar quando nascemos.
― Não posso fazer isso.
Não me lembro do rosto daquelas pessoas.
Eu estava fraca, e o lugar tinha pouca luz.
― Mas olhe, por favor!
― Está bem. Se isso vai acalmá-la...
Suzane apanhou uma pequena mochila e dela retirou alguns álbuns de fotografia.
Escolheu um em particular e o folheou, exibindo algumas fotos de seus pais.
Graziela tomou o álbum das mãos da menina e observou atentamente.
Ela não vira direito as pessoas que foram buscar as crianças e, à excepção de Leocádia, não poderia reconhecer ninguém.
Contudo, aquelas pessoas que a fitavam através das fotografias não pareciam circundadas pela aura de crueldade que ela percebera nos gestos do casal que lhe tomara as filhas.
― Não são eles - afirmou com uma convicção que a ela mesma surpreendeu.
― Tem certeza?
― Tenho. Embora não me lembre das fisionomias daquelas pessoas, há algo nos olhos de seus pais que não existia naquele casal.
― O que?
Ela reflectiu por mais alguns segundos e respondeu de forma incisiva:
― Bondade.
A resposta foi tão firme e convincente, que Suzane não teve mais nenhuma dúvida.
Apertou o álbum de fotografias contra o peito e chorou longamente.
― Eu os amava muito - desabafou.
E eles me amavam também.
― Eu sei. E sinto-me grata por isso.
Durante os anos em que procurei por vocês, eu rezava e pedia a Deus que, se não as pudesse encontrar, que ao menos vocês estivessem sendo criadas por pessoas que as amassem e as tratassem bem.
E acho que todas as duas conseguiram isso.
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GÉMEAS - Não se Separa o que a Vida Juntou - Leonel / Mónica de Castro - Página 6 Empty Re: GÉMEAS - Não se Separa o que a Vida Juntou - Leonel / Mónica de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Ago 29, 2015 8:42 pm

Carminha pode estar com medo e raiva de mim, mas eu estaria sendo injusta se não reconhecesse o carinho que ela dá àquelas crianças.
― Você nem imagina como é importante para mim saber que não foram meus pais que me tiraram dos seus braços.
― Posso imaginar.
Não quero que você pense que estou tentando anular tudo o que os seus pais fizeram e sentiram por você.
Como disse, sou-lhes grata pela forma como a trataram e acho muito bonito o sentimento que você tem por eles.
― Obrigada, Graziela.
E é por isso, por esse sentimento e por tudo o que vivemos no passado, que não quero perder o nome deles.
Quero que as coisas continuem como estão.
Reconheço-a como minha verdadeira mãe, mas não posso apagar tudo o que meus pais me deixaram.
E não falo só do meu nome e dos meus bens.
Refiro-me ao legado de moral que construiu parte do meu carácter.
Falo de sentimento, de amor, dos muitos momentos que vivemos juntos e que imprimiram em minha alma o verdadeiro sentido da vida.
Isso, jamais irei perder.
― Quer dizer que você não quer ser reconhecida legalmente como minha filha.
― Não fique triste.
Não quero que você pense que estou sendo ingrata ou coisa parecida.
Mas não posso, simplesmente, apagar a minha identidade.
Não dá para construir outra sobre aquela que deu base à minha personalidade.
Será que você consegue compreender isso?
― Compreendo e admiro muito a sua lealdade.
Não tem importância.
Durante muito tempo, queria encontrá-las e ouvi-las me chamar de mãe.
Mas isso agora não tem mais valor.
O que vale é o amor que sempre senti por vocês e que espero poder semear em seus corações.
Suzane a abraçou, e ela prosseguiu:
― Quanto à herança a que vocês têm direito, posso deixar-lhes tudo em testamento.
― Você é uma pessoa maravilhosa, Graziela.
Estou muito feliz por tê-la encontrado e por ser sua filha.
Abraçaram-se novamente, e Graziela ajudou Suzane a arrumar suas coisas no novo quarto.
Depois, deixou-a sozinha para que ela pudesse pensar e se ambientar na nova casa.
Queria que Suzane se sentisse à vontade e que se acostumasse com a vida que teria dali para frente.
Suzane pensou nos pais mortos e sentiu saudades.
Escolheu uma fotografia que fora tirada em seu último aniversário com eles, quando fizera dezoito anos, e colocou-a num porta-retratos vazio que havia sobre a mesinha-de-cabeceira, um dos muitos que Graziela havia espalhado por todo quarto.
Terminou de ajeitar o porta-retratos e seus pensamentos a levaram novamente até René.
Um leve aperto incomodou seu coração, e lágrimas lhe vieram aos olhos, retornando intactas.
Depois de tudo, não conseguia mais chorar por René.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Ago 29, 2015 8:43 pm

CAPÍTULO 31

Um trem parecia ter atropelado a cabeça de Beatriz, que segurava nas mãos o resultado do exame de sangue que fora buscar naquela manhã.
Achava praticamente impossível que aquilo tivesse acontecido, mas era verdade.
Com todas as suas precauções e cuidados, algo em seus métodos preservativos falharam, e ela estava grávida.
E uma gravidez, naquele momento, representava uma mudança brusca em seus objectivos.
A dor de cabeça era resultado da raiva contundente de Lorena, que via naquela gravidez todo o fracasso de seus planos.
Lorena a rodeava furiosa, praguejando contra ela e dando socos violentos na mesa.
A moça nada percebia, mas o mal-estar foi-se acentuando, até que viu Vítor se aproximar.
― Desculpe-me a demora, meu bem - falou ele, beijando-a com ternura e jogando ao seu redor folículos cor-de-rosa carregados de amor.
Percebendo que ela não ia bem, Vítor a abraçou com efusão, e uma chuva rósea se derramou sobre ambos, causando uma sensação de desconforto em Lorena.
O espírito se afastou contrariado.
Não podia suportar aquelas vibrações de amor puro e sincero, que não se casavam com os seus propósitos mesquinhos.
― Você pegou o resultado do exame? - perguntou ele ansioso.
― Peguei.
― Deu positivo, não foi? - ela assentiu.
Só podia ser, pela sua cara.
― E agora, Vítor, o que vamos fazer? - ele passou a mão pelos cabelos e não respondeu.
Precisamos contar aos nossos pais.
― Calma. Vamos pensar primeiro.
― Mas não tem outro jeito!
Já estou grávida de seis semanas, e a barriga logo vai crescer.
Ele coçou a testa e considerou:
― Como é que isso foi acontecer?
Nós sempre tomamos cuidado.
― O que vamos fazer?
Meu pai vai ficar furioso.
― Existem meios mais fáceis de se resolver isso - gritou Lorena à distância.
Faça-a abortar, Vítor! Eu estou mandando!
Beatriz captou a sugestão distante de Lorena, mas Vítor com ela não sintonizou:
― E se nós tirássemos o bebé? - perguntou ela em lágrimas.
― De jeito nenhum!
Você sabe que sou contra o aborto.
E você também nunca foi a favor.
― Tem razão, Vítor, perdoe-me - rebateu ela aos prantos.
― Pense bem, Bia.
Você não tem motivos para estar assim.
Tudo bem que não estava nos nossos planos.
Estou me formando, implantando a coluna desportiva no jornal do meu pai, e você ainda está na faculdade.
Mas aconteceu.
Sei que vai ser difícil, mas podemos lidar com isso.
Beatriz chorava, mais pela influência de Lorena do que pelo seu próprio desespero.
As palavras sensatas de Vítor, contudo, jogaram uma luz sobre a sua aflição, e ela pôde raciocinar com mais clareza.
― Acho que você tem razão - concordou, enxugando as lágrimas.
Na verdade, não sei bem o que me deu.
― Você é muito jovem e ficou apavorada.
É compreensível. Mas vai dar tudo certo.
Quando o bebé nascer, já estarei formado e poderei pagar uma babá e uma empregada.
E você vai continuar estudando.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Ago 29, 2015 8:44 pm

― Será que vai ser assim tão fácil?
― Vai depender de nós.
Afinal, um filho não é nenhum bicho de sete cabeças.
Somos jovens, mas não somos crianças.
Percebendo que perdia terreno, e sem poder se aproximar, Lorena os ficava rodeando, buscando uma brecha por onde pudesse se infiltrar e romper aquela aura de protecção com que o amor de Vítor encobria Beatriz.
De longe, esbracejou:
― Você vai ser péssima mãe, sua bruxa!
Enfraquecida, novamente Beatriz conectou sua mente à dela e repetiu quase com as mesmas palavras:
― Ah! Vítor! Tenho medo de não ser boa mãe.
― Que bobagem é essa, Beatriz?
Você vai ser excelente mãe.
Com certeza, muito melhor do que foi a minha.
Pela primeira vez em muitos anos, Lorena ouvia a opinião do filho a seu respeito.
Nunca, em toda a sua vida, se preocupara com a ideia que Vítor fazia dela nem se questionara sobre o seu desempenho como mãe.
Achava mesmo que não se importava com isso, mas ouvir dele, de forma tão fria e impessoal, que não fora boa mãe, causou-lhe surpreendente e doloroso choque.
Não quis mais se aproximar nem esbracejar contra Beatriz.
Ao contrário, calou-se e ficou olhando Vítor acariciar a barriga da moça, pensando se deveria, mais tarde, sondar a mente do filho para tentar descobrir mais a seu respeito.
Naquele momento, contudo, tinha que guardar distância e, mesmo que conseguisse alguma proximidade, preferiu não se acercar deles e deixou-os, acabrunhada.
Com Lorena fora de vista, Beatriz foi melhorando rapidamente da dor de cabeça, e as ideias surgiram mais nítidas em sua mente.
― Vamos contar logo aos nossos pais - sugeriu-a, agora mais segura de si.
― Quando?
― Hoje mesmo.
Você vai à minha casa, e nós contamos juntos.
Depois falaremos com o seu pai.
Ficou tudo acertado.
Naquele mesmo dia, Beatriz e Vítor contariam tudo aos pais.
Carminha chegou mais cedo do trabalho, e Beatriz a chamou logo que percebeu que ela havia entrado em casa.
Gostaria muito de falar com os dois ao mesmo tempo, mas não aguentava mais esperar.
E, se a mãe ficasse sabendo primeiro, talvez fosse mais compreensiva e a ajudasse a acalmar a explosão do pai.
― O que foi, minha filha? - indagou Carminha, preocupada com a seriedade no semblante da filha e do namorado.
Aconteceu alguma coisa?
― Aconteceu. Mais ou menos.
Ela podia notar a ansiedade no rosto da mãe e resolveu acabar logo com aquilo.
Na verdade, mãe, o que aconteceu é que eu estou grávida.
― Grávida?
― É, mãe, grávida.
― Quem é que está grávida? - perguntou Renato, que acabara de abrir a porta da sala e ouvira apenas o final da conversa.
As duas olharam para ele atónitas, até que Vítor tomou à dianteira e foi logo falando:
― É a Bia, Renato. Viemos aqui para lhes contar.
Aquilo era algo que Renato não poderia esperar.
Só ele sabia como lhe custava fingir que consentia no namoro de sua filha com aquele rapaz, mas pretender que ele aceitasse aquela gravidez era um absurdo ousado e inimaginável.
― Vocês não têm juízo? - censurou entre os dentes, segurando a mão para não acertar um soco no queixo de Vítor.
― Aconteceu, pai.
― Mas não se preocupe, Renato - esclareceu Vítor.
Nós vamos nos casar.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Ago 29, 2015 8:44 pm

― Casar! De jeito nenhum! Nem pensar!
Você vai é abortar esse filho, Beatriz, custe o que custar!
― Renato! - horrorizou-se Carminha, mal crendo no que acabara de ouvir.
― É isso mesmo.
Proíbo Beatriz de se casar com esse desvairado e ter um filho dele.
Só passando por cima do meu cadáver!
― Ficou louco, pai? - retrucou Beatriz, coberta de indignação e revolta.
Desde quando você é dono da minha vida?
― Desde que você vive na minha casa e sob o meu sustento.
― Não seja por isso! - gritou ela.
Posso me mudar agora mesmo.
― Deixe de ser tola, menina!
Você não tem para onde ir.
― Não me leve a mal, Renato - interveio Vítor, esforçando-se para manter a calma e o respeito.
Beatriz e eu não estamos pedindo a sua permissão nem precisamos dela.
Somos maiores e capazes de decidir a nossa própria vida.
Agora, se você prefere ameaçá-la com um aborto ou expulsá-la de casa, não se dê a esse trabalho.
Levo Beatriz para morar comigo em minha casa.
Dominado pela fúria, Renato postou-se diante dele e, encarando-o com os olhos flamejantes de ódio, disparou:
― Experimente. Mato-o antes que tente.
― Meu Deus, Renato! - falou Carminha.
Não o estou reconhecendo.
O que deu em você para destilar tanto ódio e usar de toda essa violência?
A intervenção de Carminha chamou-o de volta à razão.
Estava indo longe demais e precisava se conter antes que acabasse delatando os reais motivos para desejar impedir aquela desgraça.
― Beatriz não compreende - desculpou-se ele, mordendo os lábios para conter o ímpeto de cólera.
Ela é jovem, vai estragar sua vida.
Vai chutar a faculdade e passar o resto da juventude trocando fraldas.
Isso não é futuro para ninguém.
― Isso, quem decide somos nós - objectou Beatriz.
E você não tem nada com isso.
― Não queremos lhe faltar com o respeito, Renato - acrescentou Vítor ―, mas já nos decidimos.
Vamos nos casar e ter esse filho, quer você nos apoie ou não.
― Seu pai vai apoiar - tornou Carminha, olhando-o com ar de súplica.
Não vai?
Ele devolveu o olhar dela com um furor nunca antes visto.
― Não - disse ele secamente e rodou nos calcanhares, ganhando a porta da rua.
Carminha foi atrás dele e alcançou-o na garagem, pronto para entrar no carro e sair.
― O que foi que deu em você? - repreendeu-o, ainda sem entender.
Depois de tudo que nos aconteceu!
― É exactamente por causa do que nos aconteceu que estou tentando impedir essa sandice.
― Não, Renato. Você se esquece por que tivemos que adoptar nossos filhos?
― Isso é coisa do passado - rebateu ele indeciso.
Só porque aconteceu com você, não quer dizer que vai acontecer com Beatriz.
Os tempos são outros, e as circunstâncias, também.
― Não vou apoiá-lo nisso.
Você sabe que, depois do que me aconteceu, tornei-me radicalmente contra o aborto.
E passei isso para Beatriz.
― Nota-se. Mas nesse caso é diferente.
Gilson não pode entrar na nossa vida assim.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Ago 29, 2015 8:44 pm

― O pai de Vítor? - surpreendeu-se ela.
Por quê?
― Por nada.
― Você não tem o direito de me esconder às coisas.
Beatriz também é minha filha.
― Existem coisas sobre o Gilson que você não sabe.
― Que coisas?
― Segredos. Segredos terríveis do passado.
― Que tipo de segredos?
― Você não está entendendo, não é? - ela meneou a cabeça, aturdida.
Não está entendendo nada.
Eu não seria contra esse casamento se não tivesse um motivo muito forte para não querer uma ligação da nossa filha com o pai de Vítor.
― Mas então me conte, pelo amor de Deus!
Se você tem algo contra ele, eu preciso saber.
Renato a encarou com os lábios trémulos, apertando a mandíbula como se desejasse conter a onda de ódio que emanava dele.
― Gilson foi à pessoa que encontrou Beatriz para nós - disparou ele, de forma implacável e chocante.
Ele era o traficante de bebés.
À surpresa seguiu-se o choque, e Carminha não ouviu mais nada.
Levou a mão às têmporas e desfaleceu sem emitir um ruído.
Renato correu para ela e a amparou, sentando-a no banco do carro.
Foi até uma torneira próxima e apanhou um pouco de água com as mãos em concha, espargindo-a sobre seu rosto.
Ela voltou a si aos poucos e foi enquadrando o rosto de Renato com vagar.
― Como você pôde nunca me contar isso? - explodiu ela de repente.
― Não queria preocupá-la.
― Foi por isso que você tentou proibir o namoro... - divagou Carminha, subitamente compreendendo o significado de tudo.
Agora faz sentido...
Mas por que mudou de ideia?
― Gilson me convenceu de que era o melhor.
― Gilson!? Mas como?
Você tornou a se encontrar com aquele homem?
― Eu não tive escolha.
Estava pressionado e achei que caberia a ele encontrar uma solução.
Afinal, o filho é dele.
― E você ainda confia nele?
Esse Gilson deve ser perigoso.
― Você tem razão, ele é perigoso.
E é capaz de qualquer coisa para se ver livre da cadeia.
― Ele... ele matou o pai de Beatriz?
― Matou. E pode nos matar também.
― Jesus!
― Compreende agora por que não posso consentir nesse casamento?
Nem no nascimento dessa criança?
Carminha ocultou o rosto entre as mãos e chorou.
Jamais poderia supor que sua filha fosse se aliar ao filho de um homem tão perigoso.
Concordava que um casamento entre Beatriz e Vítor, naquelas circunstâncias, seria perigoso.
Mas um aborto...
Tudo acontecera quando ela era ainda muito jovem.
Renato fora seu primeiro e único namorado, e os dois se haviam conhecido na festa de quinze anos de uma prima.
Carminha contava então quatorze anos e Renato, dezassete.
Começaram a namorar e, no ano seguinte, ela engravidou.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Ago 29, 2015 8:44 pm

Estavam no início da década de 70, e a gravidez de adolescentes solteiras não era bem-vista pelos pais e a sociedade, de forma que a família de Carminha não poderia saber.
Apesar de ricos mineradores, os pais de ambos provinham de famílias mineiras tradicionais, e a gravidez da menina seria um escândalo no seio da sociedade conservadora.
Os jovens sentiram medo e resolveram tomar o caminho que julgavam mais fácil: o aborto.
Como dinheiro não era problema, Renato conseguiu a quantia necessária com bastante facilidade, e o aborto se realizou sem o conhecimento de ninguém.
Mas as coisas não correram da forma desejada.
Uma infecção não esperada roubou de Carminha, para sempre, as esperanças de se tornar mãe.
Ela chegou a ser internada no hospital, e os pais descobriram o ocorrido, mas conseguiram abafar o caso e ninguém mais ficou sabendo.
Daquele dia em diante, seus encontros com Renato passaram a ser vigiados, e o esperado era que se casassem logo que o rapaz concluísse os estudos.
Assim que Renato terminou a faculdade de geologia, o casamento se realizou, e eles se mudaram para o Rio de Janeiro, onde montaram toda a parte administrativa de seu negócio.
Começaram então as tentativas de Carminha engravidar.
Consultaram os maiores especialistas do Brasil e do exterior, mas os danos causados a seu útero pelo aborto eram irreversíveis, e ela perdia todos os bebés.
Jamais poderia se tornar mãe.
A solução era adoptar uma criança.
No princípio, Carminha e Renato resistiram à ideia, mas a impossibilidade real de gerar filhos, aliada ao imenso desejo dela de se tornar mãe, fizeram com que eles reformulassem seus conceitos e partissem para a adopção.
Beatriz foi aceita em suas vidas e em seus corações sem maiores problemas, assim como Nícolas veio a ser posteriormente.
Com o casal de filhos, a família parecia completa, e a vida, perfeita.
E agora Beatriz se via em situação semelhante à de Carminha, só que o pai da criança era alguém que poderia pôr em risco não somente a integridade Física mas também a integridade moral daquela família.
Como fazer, contudo, para impedir que o pior acontecesse?
Conta a verdade a Beatriz estava fora de cogitação.
A insegurança e o medo de perder os filhos fariam com que Carminha tudo tentasse para lhes oculta à verdade.
Ela podia enfrentar qualquer adversidade da vida.
Menos perder os seus filhos.
... Ele devolveu o olhar com um furor nunca antes visto.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Ago 29, 2015 8:45 pm

CAPÍTULO 32

À mesa do café da manhã, Carminha deu pela falta de Beatriz.
Nícolas devorava seu pão com manteiga como sempre fazia, alheio aos problemas da casa, e ela deu um sorriso amargo.
Perder os filhos seria o pior castigo que poderia merecer.
Olhou para Renato, que parecia ler os seus pensamentos, e ele afagou a sua mão, desalinhando, com a outra, os cabelos do filho.
― Onde está Beatriz? - perguntou ela à criada, que vinha trazer mais leite.
― Saiu cedo, sem tomar café.
― Disse aonde ia?
― Não, senhora.
― Deve ter ido à faculdade - comentou Nícolas, estalando a língua.
Carminha não respondeu.
Tornou a olhar para Renato, que permanecia com o semblante impenetrável, causando-lhe uma espécie de tremor.
― O que foi, querida? - o indagou, tentando modular a voz para não deixar transparecer ao filho o seu quase desespero.
― Nada... - foi à resposta evasiva.
Na verdade, nem ela sabia o que era.
Uma sensação de mau agouro arrepiou os seus pêlos, e ela se encolheu assustada.
― Está com frio, mãe? - era o menino, e ela balançou a cabeça.
Está ficando velha, hein?
― Trate de terminar logo esse café ou vai se atrasar para a escola - advertiu Renato, mas olhando para ela.
Quando o café terminou, Renato saiu com Nícolas para levá-lo à escola e Carminha correu para o celular.
Ligou para Beatriz, que atendeu prontamente:
― Oi, mãe.
― Onde você está?
― Na faculdade.
― Por que saiu tão cedo?
― Passei na casa do Vítor primeiro.
― Por quê?
― Essa pergunta me parece meio fora de propósito, mas tudo bem.
Talvez seja porque Vítor é meu namorado, meu futuro marido e pai do filho que espero.
Fez-se um silêncio nervoso, e Carminha retrucou:
― Está se sentindo bem?
― Estou?
― Nenhum enjoo?
― Nenhum.
― Por que não vem para casa descansar?
― Não estou doente, mãe.
Sinto-me óptima e não vejo motivo para faltar à aula.
― Eu acho que seria melhor...
― Depois a gente conversa.
Tenho que ir para a aula - mentiu.
― Um beijo.
Desligou antes que Carminha dissesse mais alguma coisa.
― Era sua mãe? - indagou Vítor.
Os dois estavam sentados em um banco do pátio, conversando enquanto as aulas não se iniciavam.
― Não estou com vontade de falar com ela agora.
― Sua mãe é legal, Bia.
Seu pai é que está criando problemas.
― Eu sei. Mas quero resolver as coisas sozinha com você.
Não quero mais contar com eles daqui por diante.
― Isso é muito chato.
Meu pai está nos dando apoio, não entendo o que houve com o seu.
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