LUZ ESPÍRITA
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GÉMEAS - Não se Separa o que a Vida Juntou - Leonel / Mónica de Castro

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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Ago 20, 2015 7:47 pm

GÉMEAS - Não se Separa o que a Vida Juntou
Mónica de Castro

Espírito Leonel

Prólogo

Aquela não seria uma noite convencional na pequena cidade de Barra do Bugres, em Mato Grosso, a 150 km de Cuiabá, onde apenas os uivos do vento acompanhavam a agonia de Severina, que se retorcia na cama com as dores do parto.
Fazia já sete horas que praticamente agonizava, sentindo as contracções aumentarem a cada minuto, a barriga estufando como se, a qualquer momento, fosse estourar.
A parteira enfiava, sem cerimónia, os dedos entre suas pernas, tentando localizar os gémeos que lutavam entre si por uma chance de vida.
― Será que não é melhor chamar um doutor? - sugeriu Roberval timidamente, apertando nas mãos o chapeuzinho roto de lavrador.
― Não, não, não - objectou a parteira severamente.
Médico, nem pensar.
― Mas ela está sofrendo...
― Isso não é nada. Passa logo.
Em breve os bebés nascem e tudo se acaba.
― Mas Dona Leocádia, a coisa parece feia.
Minha Severina não vai resistir.
― Saia daqui, homem! - gritou ela, enxotando Roberval para fora do quarto.
Roberval saiu cabisbaixo.
Não entendia o que dera em Severina para contratar os serviços daquela mulher esquisita, que aparecera na roça de repente, intitulando-se parteira, justo quando ela estava para ganhar criança.
Ainda se lembrava do dia em que conhecera Dona Leocádia.
Ela chegara com ares de figura importante, perambulando entre as ruas com olhos ávidos.
Andou para cima e para baixo, sempre observando tudo, até que bateu com os olhos em Severina e seu ventre ainda pouco intumescido de quase quatro meses de gravidez.
Com muito jeito, aproximou-se de Severina e fez amizade com ela, dizendo-se parteira interessada no seu bem-estar.
Roberval achou aquilo muito estranho, mas Leocádia começou a fazer-lhes visitas diárias e a dar-lhes conselhos sobre a saúde da mulher e do bebé.
Trazia coisas gostosas para Severina comer, dava-lhe remédios e vitaminas, tudo para garantir que a criança viesse ao mundo saudável e forte.
Em pouco tempo, virou amiga íntima, conselheira e confidente.
Não havia lugar a que Severina fosse que Leocádia não a acompanhasse.
Eles moravam num casebre afastado da cidade, de onde Roberval seguia a pé até a fazenda em que trabalhava, enquanto Severina cuidava da casa.
Leocádia encontrou uma casinha simples para alugar, bem na periferia, e ia visitá-los todos os dias, sempre interessada na gravidez da mulher.
Roberval achou aquilo tudo muito estranho, mas Severina dizia que Leocádia era uma boa pessoa e iria ajudá-los a mudar de vida.
Ele indagava como e por que, mas as respostas de Severina eram sempre lacónicas, e ele ficava sem entender.
Dona Leocádia, por sua vez, parecia ignorá-lo.
Cumprimentava-o polidamente, mas não lhe dava atenção, e sempre que ele perguntava alguma coisa, ela lhe endereçava um sorriso frio e mudava de assunto.
O tempo foi passando, e ele acabou se acostumando com a presença de Leocádia, desagradando-se, contudo, com os exames periódicos que ela fazia em Severina.
Roberval questionava aqueles procedimentos, aconselhando a mulher a procurar um médico da cidade, mas Severina era categórica:
Dona Leocádia era parteira competente e muito mais confiável do que os médicos do hospital municipal, que tinham outros doentes para atender e não teriam com ela o cuidado que o bebé merecia.
Longe do que ele e Severina imaginavam, ela estava grávida de gémeos.
Gémeos! A vida já era difícil sem filhos.
Com um seria penoso.
Com dois, praticamente impossível.
Mas, o que fazer?
Roberval era religioso e aceitava com passividade o que Deus lhe enviava.
Assim que ela engravidou, os dois até que se alegraram, apesar da miséria em que viviam e das dificuldades que encontrariam para sobreviver dali em diante.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Ago 20, 2015 7:47 pm

Quando Leocádia, após breve exame em Severina, constatou que eram gémeos, tudo pareceu desabar para ele.
Estranhamente, contudo, Severina abriu um sorriso e o tranquilizou.
Que não se apavorasse.
Que tivesse calma e confiança.
Tudo se resolveria de uma forma serena e segura para todos, e ela acreditava naqueles que a amparavam e que não os deixariam sós numa hora tão difícil.
Para Roberval, Severina se referia a Deus e aos santos da igreja, o que, de certa forma, deixava-o um pouco mais calmo e confiante.
E agora, sentado na sala da casinha simples de Leocádia, Roberval orava em silêncio, pedindo a Nossa Senhora do Bom Parto que amparasse sua Severina.
Os gritos da mulher retiniam em seus ouvidos, fazendo-o estremecer a cada vez que os ouvia.
Ela sofria e parecia que ia morrer.
Não era possível uma coisa daquelas.
Dona Leocádia lhe dissera que daria conta de tudo, mas ele começava a duvidar.
Não seria melhor levá-la ao hospital?
Foi quando as duas pessoas mais improváveis de se encontrar ali assomaram à porta.
Um homem e uma mulher, bem-vestidos e perfumados, entraram na saleta mal iluminada e poeirenta.
Deram uma olhada de viés para Roberval e se entreolharam com patente desconfiança e desagrado.
A mulher, contudo, se adiantou e forçou um sorriso artificial.
― Boa noite - a cumprimentou, com um sotaque diferente e carregado.
― Boa noite - respondeu Roberval, acanhado.
Os dois se sentaram no sofá ao lado de Roberval, que se encolheu todo, constrangido com a companhia daquela gente.
Suas roupas limpas e elegantes faziam-no sentir-se envergonhado e aflito, e ele tentou ocultar o imenso rasgão no joelho da calça.
Pensou em lhes perguntar o que faziam ali, mas os gritos de Severina fizeram calar a sua curiosidade.
Levantou-se agoniado e apurou os ouvidos, andando de um lado a outro no pequeno cómodo e olhando, de vez em quando, para o insólito casal.
Severina se calou por uns instantes, e ele encarou os dois com ar meio hostil.
Afinal de contas, o que aquela gente fora fazer ali, numa noite de tempestade feito aquela, bem na hora em que sua Severina se retorcia de dor e medo?
O casal, no entanto, não dizia nada, talvez por não ter o que dizer ou por temer se relacionar com a singular figura de Roberval.
O tempo foi passando, Severina continuava a gritar, e o casal silencioso apenas acompanhava o caminhar solitário e nervoso de Roberval.
Até que, em dado momento, os gritos cessaram por completo, e um choro de criança se fez ouvir, seguido por outro, vinte minutos depois.
Roberval se atirou ao chão de joelhos, agradecendo a Deus por ter salvado Severina e as crianças.
A porta do quarto se abriu e Leocádia apareceu, não demonstrando surpresa com a presença do casal ali.
Roberval se levantou e lançou um olhar súplice à parteira, que balançou a cabeça e chegou para o lado, permitindo que ele entrasse no quarto.
― Está tudo bem? - o indagou aterrado, e Leocádia ergueu as sobrancelhas, sem responder.
Minha Severina...!
Ele correu para dentro do quarto e aproximou-se da cama, agarrando a mão de Severina com cuidado.
A mulher permanecia de olhos fechados, o corpo desfalecido sobre a mancha vermelha do lençol.
Roberval olhou para toda aquela sangueira e sentiu um calafrio, balançando a cabeça para afastar o mau agouro.
Sangue não precisava ser sinal de morte.
Podia ser prenúncio de vida.
Afinal, sua Severina perdera tanto sangue para trazer ao mundo aqueles dois pequeninos seres que ajudariam a construir a sua vida dali em diante.
A um canto, deitados em dois bercinhos, os bebés pareciam adormecidos, e Roberval se aproximou, fitando-os com emoção e encanto.
Queria pegá-los, mas teve medo de deixá-los cair e limitou-se a passar um dedo sobre suas cabecinhas carecas e rosadas.
Gentilmente, procurou afastar as fraldas que os encobriam e espiou ansioso.
Eram duas meninas, e em seu coração passou um estremecimento de amor.
Depois desse breve momento de admiração, voltou para perto de Severina, que ainda jazia adormecida sobre a vermelhidão do lençol.
Ele apertou a sua mão com um pouco mais de força, e ela entreabriu os olhos, procurando fixá-los no marido.
― Eles nasceram - sussurrou ela.
Nossos filhos nasceram...
Ela se contorceu e começou a gemer. Roberval tentou falar com ela, mas a dor foi-se tornando insuportável, e ela pôs-se a chorar assustada.
― Eu vou morrer, Roberval, vou morrer!
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Ago 20, 2015 7:47 pm

Ele pensou em contestar, mas Leocádia entrou abruptamente, seguida pelo ansioso casal.
Embora não lhe agradasse a entrada inconveniente dos dois, não disse nada.
Estava muito mais preocupado com Severina do que com os estranhos e pensou que Leocádia estava ali para ajudar.
Ela, porém, aproximou-se dos berços e tomou um dos bebés nos braços, depositando-o no colo da mulher.
Em seguida, apanhou o outro e o entregou ao homem, que o segurou meio sem jeito.
Roberval ficou embasbacado.
Nem ele, que era o pai, ousara pegar as pequeninas.
Como é que aqueles dois, que nunca vira antes em sua vida, se atreviam a segurá-las?
E depois, o que fazia Leocádia que não socorria sua Severina?
― O que vocês estão fazendo? - o indagou atónito, interpondo-se entre o homem e a mulher, que já se preparavam para sair.
Larguem as minhas filhas.
O homem olhou para Leocádia como a pedir socorro, e ela afastou Roberval com as mãos.
― Saias, Roberval, depois conversaram - disse rispidamente.
― Depois, nada!
Esses dois estão querendo carregar minhas meninas.
Não vou permitir.
E o que faz você que não socorre Severina?
Não vê que ela está sentindo muita dor?
Leocádia olhou de Roberval para Severina e desta para o casal em uma fracção de segundos.
Balançou a cabeça e fez um muxoxo, acrescentando com crescente impaciência:
― Severina não tem mais jeito.
Perdeu muito sangue.
― Perdeu o que? - prosseguiu Roberval, no seu jeito simples.
Que história é essa, Dona Leocádia?
E quem são essas pessoas?
O que querem aqui?
O casal, ocultando o nervosismo, se desenvencilhou de Roberval e foi saindo pela porta, deixando-o confuso e sem saber se ia atrás deles ou se ficava para socorrer Severina.
Decidiu pelas crianças e agarrou o homem pela barra do paletó.
― Onde é que vocês pensam que vão com as minhas meninas?
― Solte-me - retrucou o homem, com uma voz tão fria e ameaçadora que Roberval sentiu medo.
― O que vocês querem?
Quem são vocês?
O que querem com as minhas filhas?
― Elas não são suas filhas - continuou o sujeito com agressividade.
Não mais.
Tamanho foi o susto que Roberval afrouxou a mão e tapou a boca, esforçando-se para compreender as palavras sem sentido daquele estranho.
― Não são...? - balbuciou.
Mas como?
Acabaram de nascer.
Minha Severina e eu...
Calou-se de repente e olhou para Severina, que acalmara a agonia e os fitava perplexa.
― Deixe de ser estúpido, homem! - berrou o moço de repente.
Não acha que eu ia me deitar com a sua mulherzinha molambenta, acha?
Roberval não respondeu.
Não entendia nada, muito menos o que aquele homem dizia.
De seu canto, Severina chorava em silêncio.
― Vamos embora daqui - exigiu a mulher, agora balançando a menina, que começava a chorar, despertando a outra, que chorava também.
O homem começou a se afastar, mas Roberval o segurou novamente.
― Ah! Isso é que não!
Ninguém sai daqui com as minhas filhas. Ninguém!
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Ago 20, 2015 7:48 pm

― Você é surdo? - falou a mulher, demonstrando certo receio.
Não o ouviu dizer que elas não são mais suas filhas?
― Isso é um disparate!
Pois se Severina acabou de dar à luz agora mesmo...
Buscou o apoio de Severina, que chorava de dor e arrependimento.
― Perdoe-me, Roberval - rumorejou ela.
Eu não devia...
Mas não sabia o que estava fazendo...
― Fazendo o quê?
O que você fez, mulher?
Severina não conseguia falar.
O ventre doía imensamente, e o coração estava estraçalhado.
Como dizer a Roberval que dera as meninas a Leocádia, em troca do dinheiro de gente rica da capital?
E como fazer agora para mostrar o seu arrependimento e contar a Leocádia que, vendo a indignação e o desespero de Roberval, e ouvindo o choro inocente de suas filhas, mudara de ideia?
― Oh! Meu Deus, o que foi que eu fiz? - lamentou-se ela.
Perdão, Dona Leocádia, perdão!
Mas não posso.
Não posso me desfazer assim dos meus rebentos.
― Não pode?! - rosnou Leocádia.
Nada disso, menina.
Você tem um trato comigo.
Vai receber o seu dinheiro conforme o combinado.
― Mas que dinheiro? - berrou Roberval inflamado.
Que história é essa de dinheiro?
E desde quando Severina pode pôr preço nas meninas?
― Ela pôs - prosseguiu Leocádia.
E trato é trato.
Não pode voltar atrás agora.
― Isso é que não! - exaltou-se Roberval.
Ninguém tira as minhas filhas daqui.
― Eu desisto do trato - contrapôs Severina, entre soluços e gemidos.
Pode ficar com o dinheiro, Dona Leocádia.
Não quero mais.
― Nada disso! - objectou à parteira, indignada.
Gastei muito com você, Severina.
Ou pensa que aqueles mimos todos saíram de graça?
― Eu devolvo tudo.
Vou arranjar trabalho...
― Viajamos de muito longe só para buscar esses bebés - cortou a mulher, com irritação.
Não sairemos daqui sem eles.
― Isso é que não! - grunhiu Roberval irado, agarrando outra vez o homem pelo paletó e tentando tirar-lhe a criança do colo.
― Pare, Roberval! - gritou Leocádia -, vai machucar sua filha.
― Larguem as meninas! - vociferava ele enlouquecido.
Devolvam minhas filhas!
Como não conseguisse resultado com o homem, Roberval o soltou e partiu para cima da mulher, tentando arrancar-lhe a outra menina dos braços.
Ela não afrouxou, e a gritaria foi geral.
Severina berrava de sua cama, dizendo-se arrependida e implorando que o casal lhes devolvesse as filhas.
Leocádia corria de um lado a outro, tentando amparar as meninas, no caso de caírem, e Roberval puxava o bebé ora da mulher, ora do homem, seguindo-se uma balbúrdia e um choro infernais.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Ago 20, 2015 7:48 pm

― Eu vou chamar a polícia! - berrou Roberval por fim, disparando em direcção à porta.
Nem teve tempo de cruzar o portal.
Um estampido seco ecoou pelo quarto, e uma bala veloz o atingiu por trás, na altura do pulmão.
Roberval estacou a meio, levou a mão às costas, tentando alcançar o foco da queimação, quando novo estampido se ouviu, e outra bala o atravessou impiedosamente, fazendo-o tombar de borco, a boca escancarada e os olhos abertos para a morte.
― Não! - berrou Severina do leito, tentando se levantar.
Não! Roberval, não!
O homem virou para ela o revólver, mas Leocádia o segurou pelo cano, evitando olhar a outra sangueira que empapava a camisa de Roberval.
― Não precisa.
Ela não vai sobreviver.
Ele a fitou em dúvida, mas a mulher fez um sinal afirmativo com a cabeça, e ele guardou a arma.
― Vamos embora daqui - ordenou assustada.
Saíram apressados, com Leocádia atrás deles.
Protegendo os bebés da chuva, entraram num carro e sumiram na estrada lamacenta, ao mesmo tempo em que Severina, sentindo o sangue entalado na garganta, tossiu várias vezes e vomitou, virando o corpo para o lado e despencando da cama de palha.
Silenciou.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Ago 20, 2015 7:48 pm

CAPÍTULO 1

O tempo em Brasília continuava quente e seco, e Suzane chegou da rua esbaforida, correndo até o banheiro para enxugar o suor do rosto.
Tomou um banho demorado e preparou uma pequena mochila onde colocou algumas coisas básicas para passar a noite, além do vestido novo.
Era sexta-feira, e o pai havia prometido levá-la a casa de uma amiga, onde dormiria, após voltarem de uma festa de aniversário.
Suzane acabou de preparar-se e foi sentar-se na sala para esperar o pai, que prometera chegar por volta das seis e meia.
Ligou a televisão para passar o tempo e consultou o relógio.
Faltavam ainda dez minutos para as cinco, e ele deveria estar saindo do trabalho naquele momento.
Passaria antes para pegar a mãe no escritório de advocacia do qual era sócia, e só então os dois voltariam para casa.
Aquele fora um dia exaustivo.
Suzane se preparava para prestar o exame vestibular e passava grande parte de seu tempo estudando.
Acostumada a acordar muito cedo, a ladainha monótona da televisão logo lhe cutucou as pálpebras, e ela adormeceram.
Ao despertar, a noite já se fazia visível da janela, e ela consultou o relógio.
Passava das sete e meia, e os pais ainda não haviam aparecido.
Suzane esfregou os olhos e desligou a televisão, chamando a empregada, que acorreu da cozinha.
― Chamou, Suzane? - perguntou a velha senhora, criada da casa fazia mais de quinze anos.
― Meus pais telefonaram?
― Não.
― Falaram alguma coisa sobre se atrasar?
― Que eu saiba, não.
― Estranho.
Papai prometeu me levar à casa de Inês antes do jantar...
― Não se apoquente, não, que ele logo aparece.
Marilda, a criada, deu as costas a Suzane voltando para a cozinha, e a moça foi para a janela.
A todo instante, consultava o relógio.
As horas iam passando, e nada de os pais aparecerem.
Resolveu ligar para o trabalho do pai, e o rapaz que atendeu informou que todos já haviam ido embora, ficando apenas o pessoal da faxina.
No escritório da mãe, também não havia mais ninguém, e ela conferiu as horas: nove da noite.
O telefone tocou logo que ela desligou, e ela atendeu ansiosa.
Mas não era o pai nem a mãe.
Era Inês, preocupada com a sua demora.
― Como é que é, Suzane? Vamos nos atrasar para a festa.
― Eu sei, Inês, mas é que meus pais ainda não chegaram.
Papai ficou de me levar aí por volta das sete horas, mas ainda não apareceu.
― Será que ele se esqueceu?
― Não creio.
Liguei para o trabalho dele, mas todos já se foram, e minha mãe também não está no escritório.
― Por que não vem no seu carro?
― Meu pai não quer que ele durma na rua.
― Posso pedir ao meu irmão para dar uma passada aí e apanhar você.
― Não. Estou preocupada com meus pais.
Eles não são de se atrasar, e quando isso acontece, sempre telefonam.
― Quer que eu vá para aí ficar com você?
― Não precisa.
Vá para a festa e aproveite.
Quando meu pai chegar, peço a ele para me levar directo para lá.
― Está certo, então.
Vamos nos encontrar na festa.
Desligaram, e Suzane voltou à janela.
Em breve, Marilda foi-se juntar a ela.
Também estava preocupada.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Ago 20, 2015 7:48 pm

O jantar ficou pronto e esfriou, e ninguém apareceu para comer.
Aquilo não era comum.
― Ah! Marilda, será que aconteceu alguma coisa?
Meu coração está apertadinho.
― Vamos orar pelo melhor.
Suzane não conseguia rezar e deixou as orações a cargo de Marilda, enquanto roía as unhas de aflição.
Por fim, quando o relógio já se aproximava das onze horas, o telefone tocou, e Suzane atendeu aflita:
― Alô!
― É da residência de Marcos e Elza Brito Damon? - perguntou uma voz grave do outro lado.
― Sim - respondeu Suzane à beira das lágrimas, ouvindo as palavras não ditas naquele início de conversa.
― Com quem estou falando, por favor?
― Com Suzane, a filha deles. - Silêncio.
Alô? Quem fala?
― Aqui é o sargento Vieira, do 16º distrito.
Lamento informá-la que seus pais sofreram um acidente de carro faz algumas horas...
― Acidente? Eles estão bem?
― A senhorita vai ter que vir ao hospital.
Será possível?
― Que hospital?
Como eles estão?
― Conversaremos quando a senhorita chegar.
E, por favor, mantenha a calma.
Como poderia ela manter a calma depois de uma notícia daquelas?
Com a mão trémula, anotou o endereço do hospital em um caderninho.
Desligou e fitou Marilda, que a encarava em silêncio, a mão sobre o coração, tentando controlar o susto.
― Seus pais sofreram um acidente? - indagou mecanicamente.
― Sim. Estou indo para lá agora.
Não quer vir comigo?
As duas saíram na maior pressa.
Tomaram um táxi e em breve chegaram ao hospital.
Na recepção, o sargento Vieira as aguardava e foi ao seu encontro logo que elas se apresentaram.
― Venham comigo - disse ele, com um leve toque de nervosismo.
― Para onde? - questionou Suzane.
Onde eles estão?
― Por aqui - finalizou ele, apontando para uma sala vazia.
As duas entraram assustadas, e veio a notícia:
um motorista de caminhão, aparentemente bêbado, dormira na direcção e atravessara a pista para o outro lado, na contramão, atingindo em cheio o carro vermelho de Marcos que vinha em direcção oposta.
O pai morreu na hora, mas a mãe ainda chegara viva ao hospital, onde vieram a falecer dez minutos depois de haver dado entrada.
Diante de tão funesta notícia, Marilda ocultou o rosto entre as mãos e começou a chorar de mansinho, enquanto Suzane desabava no pequeno sofá, providencialmente colocado às suas costas.
― Não pode ser... - repetia ela, sentindo que entrava num mundo de pesadelos recém-descobertos ― não pode ser...
― Lamento, senhorita.
― Meus pais... - balbuciou ela, engolindo em seco.
Não pode ser verdade que perdi os meus pais!
― Calma, Suzane - tentou consolar a empregada, vendo que ela beirava o descontrole.
Deus há de nos dar forças.
― Por que Deus tirou os meus pais? Por quê?
― Não sei, menina, mas alguma razão há de ter.
Suzane lhe endereçou um olhar dolorido, sem nada dizer.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Ago 20, 2015 7:49 pm

O sargento aguardou alguns momentos até que Suzane se acalmasse e saiu com ela para finalizar os procedimentos legais, deixando a Marilda a tarefa de avisar alguns parentes mais próximos.
Elza, a mãe, era filha única, e o parente mais próximo de Suzane era seu tio Cosme, um advogado esperto, porém, inescrupuloso, cujas falcatruas passavam despercebidas a Marcos, seu irmão.
Podia-se dizer que tanto Marcos quanto Cosme tinham sido bem-sucedidos na vida, cada um à sua maneira.
Marcos, com seu jeito honesto e perseverante, investira tudo o que tinha no ramo imobiliário e conseguiu se estabelecer como corretor e administrador de imóveis, montando uma cadeia de imobiliárias espalhadas por toda a capital.
Cosme, por sua vez, formara-se em advocacia com o único objectivo de defender os poderosos.
Era astuto e malicioso, e não se importava de lançar mão de meios pouco convencionais para conseguir uma vitória judicial.
Com isso, foi ganhando fama, e não havia um só figurão comprometido que não o chamasse para livrá-lo de alguma encrenca.
O sepultamento dos pais de Suzane transcorreu tenso e banhado em lágrimas.
A menina não parava de chorar, vendo serem enterradas as pessoas que representavam o esteio de sua vida.
Naquele dia, Cosme não disse nada e só a procurou na manhã seguinte, para dar início ao procedimento de sucessão.
Como Suzane estava muito transtornada, o tio assumiu a responsabilidade pelos negócios e fez com que ela assinasse uma procuração em cartório, conferindo-lhe amplos poderes de administração e representação.
Em pouco tempo, Suzane não tinha mais nada.
Com a procuração, dando-lhe plenos poderes, Cosme tratou de se desfazer de tudo o que fora dos pais de Suzane.
Vendeu as imobiliárias e a parte dela no escritório de advocacia.
O pequeno sítio onde a família passava as férias e até a casa em que ela vivia.
Esvaziou as contas bancárias, e mesmo algumas jóias, depositadas no cofre de um banco, foram vendidas.
De repente, Suzane viu-se sem nada.
Apavorada, procurou o ex-sócio e amigo de sua mãe, doutor Armando, que avaliou o caso e foi categórico:
a procuração era legal, feita em cartório e Cosme apenas exercera os plenos poderes que ela mesma lhe conferira.
― Como é que o senhor ainda está aqui? - questionou ela, entre furiosa e surpresa.
― Comprei a sua parte no escritório.
Como Cosme tinha a procuração, julguei que fosse a sua vontade.
― Minha vontade nada!
Eu não sabia que ele estava se desfazendo de todo o meu património.
E o senhor podia ter-me perguntado.
― Cosme é seu tio e mandatário, Suzane.
Que motivos teria eu para desconfiar dele?
― Mas isso é um absurdo! - contestou ela.
Tio Cosme me roubou.
Não pode ser que a lei lhe dê esse direito.
― Não foi à lei que deu os direitos, foi você.
― Mas não para ele me colocar na miséria.
Alguma coisa tem que ser feita!
― O que você acha que pode fazer?
Colocá-lo na Justiça?
― Por que não?
Eu confiei nele, e ele me traiu.
Será que a Justiça vai ficar do lado de um safado desses?
― Não se trata disso, Suzane.
É tudo uma questão de prova.
Foi você quem lhe conferiu amplos poderes.
― Mas ninguém, em sã consciência, autoriza outro a vender tudo o que lhe pertence.
E onde está o dinheiro?
― Você é quem deve saber.
― Como?
Não vi um tostão de tudo o que ele vendeu.
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E as minhas contas bancárias?
E as jóias de mamãe?
Sumiu tudo.
― Dinheiro é uma coisa muito fugaz, Suzane.
Numa hora se tem, noutra hora se perde.
Quem vai acreditar que você não torrou o dinheiro todo que ele lhe deu?
― Não é possível!
Eu nem vi a cor do dinheiro.
Ele vendeu todos os meus bens e ficou com tudo para ele.
― É possível, sim.
Você deu a ele uma procuração por instrumento público.
Não foi coagida nem enganada.
― Eu confiei nele!
― Confiou a ponto de lhe dar todos esses poderes.
E agora vai parecer que se arrependeu e quer voltar atrás.
― Não pode ser. Tem que ter um jeito.
― Se você quiser, posso ajuizar uma acção para você.
Mas suas chances serão mínimas, para não dizer nulas.
― O senhor faria isso por mim?
― É claro. Além de sócio, sempre fui amigo de sua mãe.
É o mínimo que posso fazer.
Só não posso lhe garantir a vitória.
― Não faz mal.
Mas ao menos iremos tentar alguma coisa.
― Deixe tudo comigo, então.
Basta você assinar a procuração, e eu ingresso com a acção ainda esta semana.
E não se preocupe. É apenas uma procuração judicial.
Suzane sorriu sem jeito e assinou a procuração, não sem antes lê-la atentamente.
Estava tudo correcto.
Mas havia muitas coisas sobre Armando que ela desconhecia, inclusive que ele se ressentia do sucesso de Elza e se deixava levar pela inveja todas as vezes que ela se sobressaía na defesa de alguma causa.
Por isso, quando Suzane foi procurá-lo, a primeira coisa que Armando fez foi ligar para Cosme e contar o ocorrido.
― Ela não pode ganhar essa causa - afirmou Cosme com irritação, logo que se encontraram.
Você tem que dar um jeito nisso.
― Você roubou o dinheiro dela.
― Não me venha com lições de moral!
Você bem sabia o que eu estava fazendo.
Comprou aquele escritório por uma bagatela para não contestar as minhas acções.
― Sei disso. Mas Suzane insistiu, e eu tive que ceder.
Estou pronto para ingressar em juízo.
― Ela não pode vencer!
― Isso depende do quanto você está disposto a pagar.
Cosme deu um sorriso malicioso e retrucou com ar irónico:
― Agora estamos falando a mesma língua, não é mesmo?
O sorriso que Armando devolveu foi tão malicioso quanto o de Cosme.
Não era preciso dizer mais nada.
Apenas pagar um preço justo pela derrota de Suzane nos tribunais.
Foi o que aconteceu.
A sentença foi desfavorável a Suzane, e Armando deixou escoar o prazo para recurso, embora tivesse afirmado à moça que haviam perdido em todas as instâncias.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Ago 20, 2015 7:49 pm

― E agora? - desesperou-se ela.
O que vou fazer?
― Só o que lhe resta é se conformar e acatar a decisão da Justiça.
― Mas tio Cosme vendeu a minha casa.
Para onde é que eu vou?
― Não tem ninguém que possa ficar com você?
― Não - ela começou a chorar.
Minha mãe tem umas primas distantes, com as quais não tenho nenhum contacto.
― Sei que a situação é dura, mas eu lhe avisei.
― Não o estou culpando, doutor Armando.
Mas não é fácil. Não sei o que fazer.
― Saia de casa antes que o oficial de justiça apareça para colocá-la para fora.
Vai ser muito mais doloroso.
Ela assentiu e retrucou em lágrimas:
― Não posso levar nada?
― Só os objectos de uso pessoal.
O resto, seu tio vendeu com a casa.
― Ainda tenho minhas jóias.
E o carro. Ele não vendeu o meu carro.
― Pois então, trate você de vendê-lo antes que ele o faça e fique com o seu dinheiro.
Era um conselho inútil e desnecessário, dado apenas para reforçar a confiança de Suzane em Armando.
Cosme já havia lhe avisado que o carro seria a única coisa que deixaria com ela.
― Farei isso, doutor Armando.
De toda sorte, obrigada.
Suzane saiu do escritório de Armando arrasada.
Por mais que ele tivesse dito que as chances de vencer aquela demanda eram mínimas, restava sempre uma esperança.
Mas ela não podia sair dali derrotada daquele jeito.
Perdera todos os seus bens, mas não deixaria sua vida para trás sem antes dizer umas poucas e boas a seu tio Cosme.
E era isso mesmo que faria.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Ago 20, 2015 7:49 pm

CAPÍTULO 2

Assim que chegou à casa de Cosme, Suzane entrou sem ser anunciada.
A criada que veio abrir a porta deixou-a passar como um furacão, e ela irrompeu pela sala bem na hora do jantar.
A família toda a olhou espantada, e Suzane começou a gritar:
― Seu miserável, cafajeste, ordinário!
Como pôde atraiçoar o seu próprio irmão?
Ladrão! Vai viver a vida toda com essa mancha.
Ladrão! Ladrão!
Suzane estava tão transtornada e fora de si que ninguém conseguiu dizer nada.
Os primos, alheios à realidade da situação, ainda tentaram acalmá-la, mas Cosme mandou que todos se retirassem e os deixassem a sós.
― Com que direito você vem a minha casa me ofender?
― Ofender?
Com que direito você se sente ofendido?
Você é um ladrão vagabundo e maquiavélico.
Velho nojento, safado, hipócrita!
Não sente vergonha de passar por cima da memória do seu próprio irmão e trair a sobrinha que confiou cegamente em você?
― Eu não traí você, Suzane.
Muito menos traí meu irmão.
― Como é que você chama isso então?
― Estava apenas defendendo os meus direitos.
― Essa é muito boa!
Que direitos você tem sobre o património de meus pais?
Como advogado, você sabe muito bem que não possui direito algum.
Tanto que armou aquele teatrinho para usurpar o que é meu.
― Não fale do que não sabe, menina!
Você mesma é que não tem direito algum.
― Você está sendo ridículo.
Sabe muito bem que eu, como filha única, herdo tudo sozinha.
E como você não podia colocar as mãos em nada da herança, inventou essa história de procuração, e eu, confiante, assinei sem ao menos questionar.
Como pôde fazer isso, tio Cosme?
Eu confiava em você.
Você é meu tio, irmão de meu pai.
Devia me proteger, não me roubar.
Ela estava à beira das lágrimas, e Cosme aproveitou o momento para espezinhá-la ainda mais:
― Teoricamente, Suzane, você até que teria direito a alguma coisa se fosse realmente filha de meu irmão.
Mas acontece que você não é.
Suzane não entendeu direito o que ele falou e franziu a testa, rebatendo com indignação:
― O que foi que disse?
― É isso mesmo que você ouviu.
Você não é filha de meu irmão.
― Está sugerindo que minha mãe transou com outro homem...
― Não é nada disso - cortou ele, abanando as mãos.
Marcos e Elza compraram você de uma pobre coitada e a criaram como sua filha.
Suzane quase caiu para trás.
Levou a mão ao coração e repetiu incrédula:
― Me compraram de uma pobre coitada?
Que brincadeira de mau gosto é essa?
― Não é brincadeira.
Você não é filha legítima de Marcos e Elza.
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GÉMEAS - Não se Separa o que a Vida Juntou - Leonel / Mónica de Castro Empty Re: GÉMEAS - Não se Separa o que a Vida Juntou - Leonel / Mónica de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Ago 20, 2015 7:50 pm

― Está querendo me dizer que eu fui adoptada?
― Pode-se dizer que sim, embora não pelos meios legais.
― Isso é um disparate, tio Cosme!
― Não é, não.
Você não tem o sangue de meu irmão nas veias e, por isso, não merece receber um tostão do dinheiro que pertence à minha família.
― Mentira! - esbracejou Suzane.
― Devia se envergonhar de tentar se defender com uma infâmia dessas!
― Se não acredita, faça um teste de DNA.
Deixe que a ciência lhe confirme a verdade.
― Não vou fazer teste de nada.
Sei de quem sou filha e não necessito de provas para confirmar a minha filiação.
― Você é quem sabe.
Mas eu conheço a verdade e posso lhe garantir que você não é filha de Marcos e Elza.
Você, sim, é que é a usurpadora.
Tentou ficar com bens que pertencem aos meus filhos.
Só que você perdeu.
Readquiri todo o património que merece ficar na nossa família e fiz isso pelos meios legais.
Você sabe disso tão bem quanto eu.
― Não é verdade... - balbuciou ela em lágrimas.
Meus pais teriam me contado.
― Não teriam, não.
Eles não queriam que você soubesse.
― Por quê? Se eles não queriam que eu soubesse, por que você está me contando isso agora?
― Porque tenho que defender os direitos dos meus filhos, já disse.
― Isso não é justo.
Meus pais sempre me amaram.
― Amor não tem nada a ver com património.
Fique com o amor deles e deixe os bens por minha conta.
É o que basta.
― Cafajeste!
Desesperada, Suzane partiu para cima dele, acertando-lhe vários tapas e arranhões no rosto.
Cosme era mais forte e facilmente a dominou, jogando-a no chão e imobilizando-lhe as mãos.
― Eu podia mandar prendê-la, sabia? - rosnou ele entre os dentes.
Você invadiu a minha casa e me agrediu.
― Solte-me, seu animal!
Pode mandar prender-me!
Não tenho medo de você.
Mas antes, vou matá-lo.
Com a gritaria, a família toda acorreu para a sala, e Cosme ordenou a um dos filhos:
― Ligue para a polícia.
Tem uma louca aqui em casa.
Os filhos ainda se olharam em dúvida, mas a mãe acenou com a cabeça, confirmando a ordem de Cosme.
Um dos rapazes telefonou, e a polícia rapidamente chegou à casa de Cosme.
Ele era amigo do delegado, que prontamente atendeu o seu chamado.
Os policiais chegaram e algemaram Suzane, levando-a para a delegacia.
― O que quer que façamos com ela, doutor? - indagou um dos guardas.
― Nada. Dêem-lhe apenas um susto.
― Não podemos mantê-la presa.
― Não precisa.
Basta conversarem com ela e fazerem uma ameaça velada.
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GÉMEAS - Não se Separa o que a Vida Juntou - Leonel / Mónica de Castro Empty Re: GÉMEAS - Não se Separa o que a Vida Juntou - Leonel / Mónica de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Ago 20, 2015 7:50 pm

Aconselhem-na a desocupar a casa e sumir do mapa.
Assim fizeram.
O delegado alertou Suzane sobre o carácter reprovável da sua conduta, invadindo a casa de um famoso e respeitável advogado para agredi-lo diante de toda a família.
Nem as explicações de Suzane o convenceram de que ela estava com a razão.
O facto de ser sobrinha da vítima ainda agravava a sua situação, e o melhor que tinha a fazer era cumprir a ordem judicial e entregar todos os bens ao seu real proprietário.
― Minha casa foi vendida... - choramingou Suzane.
― Pois então, mude-se.
O que está esperando?
― Não tenho para onde ir.
― Tenho certeza de que vai encontrar um jeito.
Você é jovem e saudável.
Pode trabalhar e alugar uma quitinete.
Ou tem medo do trabalho? - ela meneou a cabeça automaticamente, tentando digerir a nova realidade da sua vida.
― Óptimo. E agora, pode ir.
Estou muito ocupado e não tenho mais tempo para gastar com você.
Só não faça isso de novo ou serei obrigado a tomar medidas mais drásticas.
― Não estou presa?
― Não. Vou dar um jeito e evitar manchar a sua ficha policial.
Mas só desta vez.
Da próxima, terei que fichá-la. Entendeu?
Suzane nunca se sentira tão humilhada em toda a sua vida.
Com o rosto banhado em lágrimas e a voz embargada, apanhou suas coisas e saiu.
Quando chegou a casa, encontrou Marilda à espera, morrendo de preocupação com sua demora.
― Graças a Deus! - exclamou ela.
Depois do que aconteceu com seus pais, qualquer atraso me preocupa.
Suzane atirou-se em seus braços, chorando copiosamente.
― O que foi que aconteceu, Suzane? - alarmou-se a criada.
― Ah! Marilda, você nem imagina.
Não sou quem pensava que fosse...
Ante o olhar de espanto de Marilda, Suzane contou tudo o que acontecera nas últimas horas:
a perda da acção e a ida à casa de Cosme, onde descobrira que não era filha legítima de Marcos e Elza.
Marilda ficou bestificada.
Não sabia o que dizer.
― Vou ter que mandar você embora - prosseguiu Suzane.
E nem tenho dinheiro para lhe pagar.
Ela chorava descontrolada, e Marilda tentou confortá-la:
― Não fique assim, menina.
Vamos dar um jeito.
― Não tem mais jeito.
Até a polícia está contra mim.
― Se você tem que sair, então saia.
Não espere que venham humilhá-la novamente.
― Para onde é que eu vou?
Para onde é que nós vamos?
― Bom, eu vou morar com o meu filho.
E você pode ir comigo, se quiser.
― Obrigada, Marilda, mas não posso - rebateu Suzane emocionada.
Não posso ser um peso para o seu filho.
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GÉMEAS - Não se Separa o que a Vida Juntou - Leonel / Mónica de Castro Empty Re: GÉMEAS - Não se Separa o que a Vida Juntou - Leonel / Mónica de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Ago 20, 2015 7:50 pm

A casa dele é pequena e mal tem espaço para você.
Que dirá para mim.
― Mas eu me preocupo com você.
― Não precisa. Tenho algumas jóias e o carro, que vou vender.
Com o dinheiro, dá para ir me arranjando até arrumar um emprego.
― E onde é que você vai morar enquanto isso?
― Vou pensar em alguma coisa.
As duas se abraçaram chorando.
No dia seguinte, Suzane ligou para Inês, e os pais concordaram em acolhê-la em sua casa.
Vendeu o carro e as jóias.
Com o dinheiro, pagou uma indemnização a Marilda e se mudou para a casa de Inês.
Foi muito bem recebida, mas não podia ficar para sempre morando na casa da amiga; não era correcto viver à custa dos seus pais.
Era preciso arranjar um emprego.
Todavia, Suzane não sabia fazer nada.
Estava se preparando para prestar o exame vestibular, contudo, com a morte dos pais, os estudos ficaram de lado e, após o conflito com o tio, completamente esquecidos.
O ano passou, e o sonho de cursar uma universidade ruiu junto com o resto de sua vida.
Todos os dias, Suzane procurava alguma coisa nos jornais, mas não conseguia encontrar nada que lhe agradasse.
Os empregos lhe pareciam medíocres, e os salários, insignificantes.
― Não precisa se preocupar em procurar emprego - dizia Inês.
Meus pais não estão lhe cobrando nada.
― Sei disso.
Mas não é por eles. É por mim.
Preciso ganhar dinheiro para me vingar de tio Cosme.
― Isso é tolice.
Seu tio é muito rico e, por mais que você faça, nada poderá contra ele.
― É o que vamos ver.
― Esqueça isso, Suzane.
O mais importante é viver a sua vida.
― Que vida? Ele me tomou tudo.
Minha casa, meu dinheiro e, acima de tudo, meus próprios pais.
― Não é verdade.
Adoptiva ou não, seus pais sempre amaram você.
― Não é fácil, Inês.
Ainda mais do jeito como eu descobri.
― É, isso foi complicado.
Mas você não pode se deixar abater.
― Perdi meus pais duas vezes: quando nasci e agora.
Por que será que a vida insiste em me deixar órfã?
A pergunta ficou martelando na cabeça de Suzane.
Parecia até ironia do destino ou maldade de Deus, mas uma voz interior lhe dizia que o destino não costumava ser irónico, e que Deus jamais obraria maldades.
Então, por que aquilo tudo acontecia com ela?
E qual seria o melhor caminho a percorrer?
Naquela noite, ao dormir, Suzane sonhou com um homem que jamais havia visto antes.
Ele parecia um roceiro e se aproximou lentamente.
― Quem é você? - perguntou ela, sentindo estranha simpatia pelo desconhecido.
― Alguém que só quer o seu bem - respondeu ele em tom carinhoso.
― Será que isso é possível?
― Tudo é possível.
Sei que você está se sentindo desamparada, mas há muitos amigos aqui que se interessam por você.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Ago 20, 2015 7:50 pm

― Aqui onde?
― Aqui, no mundo astral, onde você está agora.
― Que mundo é esse?
― É o mundo do sono e dos mortos.
Ou melhor, desencarnados.
Quando alguém está fisicamente morto e outro alguém está sonhando, podem se encontrar no astral.
― Sei que estou sonhando.
E você? Está morto?
― Da forma como você compreende a morte, sim.
Todavia, na verdade, estou mais vivo do que nunca nesse plano que você agora vivência.
― Se estou entendendo bem, você é um espírito?
― Sim.
― E eu, o que sou?
― Também um espírito, só que encarnado.
Ambos estamos nos comunicando através de nossos corpos astrais.
O seu está ainda ligado ao corpo físico por esse ténue cordão de prata - ele apontou para o cordão que unia os corpos físico e astral de Suzane.
E eu, como não tenho mais cordão algum, estou desencarnado.
Não possuo mais um corpo físico.
― Por que está me dizendo tudo isso?
― Estou apenas esclarecendo as suas dúvidas.
― Quem é você?
― Pode me chamar de Roberval.
― Eu o conheço de algum lugar?
― Isso não importa agora.
O importante é que estou aqui para ajudá-la.
― Como? Sinto que posso confiar em você, mas que tipo de ajuda pode me oferecer?
― Você está perdida com tudo o que vem lhe acontecendo.
Entretanto, é necessário que saia de Brasília.
― E ir para onde?
― Para o Rio de Janeiro.
É o lugar do reencontro.
― Que reencontro?
― Aquele que foi traçado por você e pelos que têm as vidas entrelaçadas com a sua.
― Quem são essas pessoas?
― Não posso lhe dizer.
No entanto, é imperioso que você parta para o Rio de Janeiro.
É lá que a vida vai trabalhar pelo ajuste entre almas que precisam de união e amor.
― Não estou entendendo nada.
― No momento certo, vai entender.
O importante é que não se esqueça de que precisa se mudar para o Rio de Janeiro.
― Vou me lembrar disso quando acordar?
― Vai ter uma leve impressão de algo que sonhou e, posteriormente, irá intuir o que deve fazer.
― E se eu esquecer totalmente?
Na verdade, não consigo guardar quase nada do que sonho.
― É natural. Mas o essencial há de ficar.
― Por que não consigo me lembrar dessas coisas?
Você agora é tão nítido, e suas palavras, tão perfeitamente audíveis.
Mas sei que, no momento em que abrir os olhos, quase tudo o que vi e ouvi aqui terá sido esquecido. Por quê?
― Porque seu corpo astral ainda não está suficientemente desenvolvido, bem como certas qualidades dos chacras do seu duplo etérico.
― Hein? O que é isso?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Ago 21, 2015 9:21 pm

― É bom que você seja curiosa e esteja disposta a aprender.
Vou lhe dizer agora, mas você sabe que irá esquecer.
O duplo etérico é a parte mais fina do corpo físico, formada por matéria menos densa do que os sólidos, líquidos e gases.
― E para que serve?
― Ele é uma réplica exacta do corpo físico e serve para duas coisas, fundamentalmente: absorver e distribuir a energia de vitalidade que vem do sol pelo nosso corpo físico, e servir de intermediário entre o corpo físico e o astral, transmitindo a este as impressões captadas pelos nossos cinco sentidos físicos.
Isso só é possível porque, na superfície do duplo etérico, estão localizados os chacras, dos quais você já deve ter ouvido falar.
― Já ouvi falar, mas nada sei a respeito.
― Os chacras, também denominados centros de força, são pontos através dos quais a energia passa de um corpo a outro e existem em todos os corpos subtis do homem.
Sabe o que são os corpos subtis?
― Não.
― São roupagens que nos revestem, veículos através dos quais podemos nos manifestar na natureza.
São, ao todo, sete, sendo que os corpos inferiores, que formam o nosso Eu Inferior, são:
o corpo físico, o corpo astral e o corpo mental.
― E os outros quatro?
― Não vale à pena falarmos deles agora.
O importante é que você saiba que esses corpos inferiores são perecíveis e se renovam a cada encarnação.
Quando desencarnamos, deixamos na terra o corpo físico e nos manifestamos no mundo invisível através de nosso corpo astral.
― Mas e os chacras?
Qual a finalidade deles?
― São os chacras etéricos que conduzem as vibrações do plano físico para o astral. Entendeu?
― Sim. Mas isso ainda não explica o esquecimento.
― O corpo astral, que é o veículo ou corpo que estamos utilizando agora, também tem os seus chacras, cada um deles ligado ao correspondente chacra do duplo etérico.
Entre eles, e interpenetrando-os, há uma película muito fina, que funciona como uma espécie de barreira para impedir a comunicação entre os planos astral e físico.
As vibrações do plano astral, portanto, precisam atravessar essa película para chegar ao físico.
Como, na maioria das vezes, as vibrações são ali barradas, o que ocorre é uma interrupção da consciência entre a vida astral e a física, ou seja, a inconsciência momentânea entre o dormir e o acordar.
E por causa dessa barreira que as vivências de um plano não são levadas integralmente para o outro, o que causa o esquecimento do que se viveu no momento do sono.
― Qual a finalidade dessa barreira?
Não seria muito melhor se pudéssemos nos lembrar de tudo?
Assim, quando acordasse, eu me lembraria de você e dos seus conselhos.
Poderíamos até conversar com nossos entes queridos que já morreram.
É isso! Eu não poderia conversar com meus pais?
― Nem sempre os desencarnados têm permissão para se comunicar com os que habitam a matéria física.
E o esquecimento das experiências astrais tem por finalidade a protecção dos encarnados, que poderiam ficar à mercê de entidades menos esclarecidas.
― Como assim? Não compreendo.
― Isso poderia gerar um forte processo obsessivo, pois criaturas astrais de baixo teor vibratório estariam em condições, conforme o caso e a sintonia, de submeter o ser humano a energias poderosas, influenciando a sua vida e os seus pensamentos.
― Credo!
― A natureza é perfeita, Suzane, e Deus não cria nada que não tenha a sua utilidade na formação e desenvolvimento da vida em todos os seus planos.
― Certo. Mas veja bem: se eu vou esquecer tudo, por que você não pode me contar agora o que vai acontecer?
― Porque não tenho essa permissão.
― Tem alguma coisa a ver com o fato de eu ter sido adoptada?
― Tem tudo a ver.
E é só o que posso lhe contar.
Ele começou a desvanecer no ar, e suas últimas palavras permaneceram ecoando na mente de Suzane:
― Rio de Janeiro, não se esqueça.
Vá para o Rio de Janeiro.
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CAPÍTULO 3

Na manhã seguinte, quando Suzane acordou, guardava uma lembrança muito vaga do sonho que tivera com Roberval.
Ele estava a seu lado, invisível, e ela não percebeu sua presença, embora tivesse sentido um leve e súbito bem-estar.
Era domingo, e todos haviam saído para almoçar em casa da avó de Inês, mas Suzane não quis ir.
Sozinha em casa, ligou a televisão, mas, como não houvesse nenhum programa interessante, desligou em seguida.
Tentou ler um livro, porém, a história lhe pareceu maçante, e colocou-o de volta na prateleira da estante.
Finalmente, inspirada pelo espírito amigo, apanhou uma revista e pôs-se a folheá-la aleatoriamente.
Foi quando se deparou com o anúncio de uma agência de viagens, com fotografias lindas do Rio de Janeiro e suas praias.
A princípio, Suzane ficou admirando a foto do Corcovado e da praia de Ipanema, até que virou a página com um muxoxo.
Até parece que ela tinha dinheiro para viajar.
― Volte à página - sussurrou Roberval em seu ouvido.
É para lá que você deve ir.
Ela foi folheando a revista rapidamente, até que parou de súbito e foi voltando às páginas, procurando o anúncio da viagem ao Rio.
Encontrou-a e tornou a olhar as fotografias.
Havia ido ao Rio apenas uma vez, com os pais, quando ainda era criança.
Gostaria de voltar, e uma viagem seria óptimo para relaxar naquele momento.
Só que tinha pouco dinheiro e precisava economizar.
Não podia se dar o luxo de gastar suas poucas economias em viagens de turismo.
― Não - protestou Roberval. ― Turismo, não.
Você precisa se mudar para lá.
Pense bem: o que tem a perder?
O que sobrou para você aqui?
Pensando melhor, por que não se mudava para o Rio de Janeiro?
Sua vida em Brasília já não tinha mais a menor graça.
À excepção de Inês, os amigos haviam se afastado dela.
Perdera tudo o que tinha, estava sozinha no mundo.
Por que não experimentava algo novo? Podia dar certo.
― Vai dar certo - insistiu Roberval.
― É, pode dar certo - repetiu ela em voz alta.
E posso arranjar um marido rico.
― Marido rico é ilusão.
Você vai aprender isso.
― Está resolvido.
Vou tentar a sorte no Rio.
Pior do que aqui não pode ficar.
A ideia rapidamente ganhou corpo na mente de Suzane, e ela, duas semanas depois, embarcava para o Rio de Janeiro.
Conseguira economizar com a venda do carro e das jóias, e ainda arranjou mais um pouco vendendo algumas peças de roupa num brechó.
Assim que chegou ao Rio, saiu à procura de um lugar para ficar e acabou encontrando uma quitinete num prédio decadente do subúrbio, perto da linha do trem.
Com pouco dinheiro e sem fiador, não podia reclamar.
O que tinha em mente era arrumar um marido rico.
Embora não tivesse sido criada para se casar por interesse, não via outra solução.
Conseguir dinheiro por si mesma seria difícil, quase impossível.
Ainda que conseguisse um emprego, não ganharia o suficiente para ficar bem de vida.
Não sem uma profissão.
Bem casada, voltaria a estudar e seguiria uma carreira de sucesso.
E se vingaria de Cosme.
Nos primeiros dias, andou a esmo pela cidade, familiarizando-se com o bairro e os locais que pretendia frequentar.
Era preciso sair do subúrbio se tencionava mesmo arrumar um marido rico.
Ninguém importante e com dinheiro frequentava um lugar como aquele.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Ago 21, 2015 9:21 pm

Quando visitara o Rio antes, com os pais, ficara hospedada num hotel cinco estrelas em Copacabana, mas não podia nem pensar em se mudar para lá.
Restava-lhe apenas se vestir bem e transitar pelo bairro como se fosse uma turista em busca de aventura e emoção.
As roupas que levara eram todas de grife, o que lhe garantia uma boa impressão.
Mas as coisas não eram tão fáceis como ela pensou que fossem.
Não demorou muito para que os homens a tomassem por uma das muitas garotas de programa que transitam pela zona sul, o que a deixou deprimida e desanimada.
Não queria se tornar prostituta.
Estava voltando para casa uma noite, após frustradas tentativas de flertar com algum homem rico, quando percebeu que alguém a seguia.
Instintivamente, segurou a bolsa e apertou o passo, e os passos que ecoavam atrás dela soaram mais rápidos também.
Sim, definitivamente, alguém a seguia, e só podia ser um ladrão ou um tarado.
Sem se voltar, começou a andar ainda mais rápido, até que ouviu um psiu atrás de si.
Seu sangue gelou, e desatou a correr pela rua, com o desconhecido suspeito em seu encalço.
Suzane corria apavorada, e o prédio em que vivia nunca lhe pareceu tão distante.
Apressava-se o mais que podia, mas os passos atrás dela não desanimavam nem diminuíam.
A certa altura, ouviu uma gargalhada irónica e quase tropeçou nas próprias pernas, avançando trôpega em direcção à esquina.
Se conseguisse cruzá-la, chegaria ao edifício e entraria correndo, trancando a porta de ferro na cara do bandido.
Finalmente, alcançou a esquina e dobrou-a esbaforida, sem olhar por onde pisava, quase aos prantos.
De tão apressada e aflita, nem via por onde passava e acabou se chocando de frente com um homem corpulento que vinha em direcção oposta.
O choque foi tão violento que ela foi atirada uns dois passos atrás e teria caído ao chão, não fosse amparada pelo seu misterioso perseguidor.
O sujeito riu a valer, apertando o corpo de Suzane, que desatou a chorar e a debater-se, tentando soltar-se dos braços que a prendiam firmemente.
― Solte a moça, René - disse o rapaz com quem ela havia se chocado.
Não vê que ela está assustada?
O tal René não parava de rir, mas soltou o corpo de Suzane, segurando-a apenas pela mão, para que ela não fugisse.
― Desculpe-me, moça - falou ele, lacrimejando de tanto rir.
Mas é que foi tão engraçado!
― O que foi engraçado? - revidou Suzane, sentindo o sangue subir.
― Você. Ficou com tanto medo!
O que pensou? Que eu era um ladrão?
― Ora essa, o que você queria? - tornou ela, deveras indignada.
Perseguindo-me pelas sombras como um bandido.
Isso não se faz.
― É melhor parar com essas brincadeiras, René - censurou o rapaz, prosseguindo em seu caminho.
Ainda vai acabar matando alguém de susto ou levando um tiro.
René soltou uma gargalhada, e o rapaz sumiu de vista.
― Quer me soltar, por favor? - rosnou Suzane, puxando o punho para livrá-lo da mão de René.
― Ah! Desculpe, moça. - disse ele, soltando-a.
Você não vai fugir, vai?
― Não. Vou para casa.
Estou cansada demais para ficar perdendo tempo com um idiota feito você.
― Olhe lá como fala, hein!
Mas não faz mal.
Eu a aborreci e assumo a minha culpa.
― Deixe-me em paz - zangou-se ela, dando-lhe as costas e indo em direcção ao edifício.
― Como é que você se chama? - indagou René, andando atrás dela.
― Não interessa.
― Ah! Não seja tão mal-humorada.
Eu só estava brincando.
― Era para rir?
Pois não achei graça nenhuma.
― Você não tem senso de humor?
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GÉMEAS - Não se Separa o que a Vida Juntou - Leonel / Mónica de Castro Empty Re: GÉMEAS - Não se Separa o que a Vida Juntou - Leonel / Mónica de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Ago 21, 2015 9:22 pm

― Não para esse tipo de brincadeira.
― Está bem, desculpe.
Foi engraçado, mas talvez eu tenha exagerado.
― Será? - ironizou ela.
― Por favor, perdoe-me. Não fique brava.
Ela continuava de cara amarrada.
Ignorou-o e seguiu caminhando, com ele ao seu lado.
― Você mora aqui perto?
― Não é da sua conta.
Ele não disse nada, e Suzane estacou diante do edifício.
― É aqui que você mora - o constatou.
Sozinha?
― Você faz perguntas demais, e eu não tenho tempo para perder com interrogadores imbecis.
― Não precisa ofender.
― Foi você quem provocou.
― Tudo bem, eu aceito a reprimenda.
Pode me dar uma bofetada se quiser.
― Escute aqui.
Sei que você está tentando ser engraçado, mas não estou com a mínima paciência para esse tipo de piadinhas.
― E de que tipo de piadas você gosta?
― Do tipo: suma da minha frente!
Aborrecida com o atrevimento daquele estranho chamado René, Suzane voltou-lhe as costas e entrou no edifício, batendo a porta da entrada com fúria.
Não conhecia ninguém no Rio de Janeiro, e seu primeiro contacto tinha que ser com um idiota!
Subiu ao apartamento e foi espiar da janela.
Lá estava ele, parado do outro lado da rua, olhando para cima.
Suzane cerrou a cortina com irritação e virou-se para dentro, no exacto instante em que René, lá de baixo, encontrava a sua janela.
Por uma fracção de segundos, ela percebeu o seu olhar e intuiu o que ele estava pensando, sentindo um frio na espinha.
Foi até a geladeira e apanhou um copo de água, bebendo-o a goles largos.
Sentou-se à mesa da cozinha com o copo à frente, e a lembrança do susto voltou à sua mente.
Sorriu. Analisando melhor a situação, tinha sido uma besteira.
Apavorara-se à toa.
O rapaz, certamente, a estava paquerando e, ao perceber que ela se assustara, resolvera divertir-se com ela.
Conseguira.
Ela era uma tola, com medo da própria sombra, agindo feito uma roceira perdida na cidade grande.
E aquele René até que era engraçado.
Pensando bem, era atraente e cativante.
Bonito mesmo. O tipo de homem que a atraía:
moreno, másculo, meio rude e divertido.
Devia ser conhecido nas redondezas, ou o outro não o teria chamado pelo nome.
Com certeza, era boa companhia. Só que era pobre.
Estava óbvio que era pobre.
Se não fosse, não viveria num lugar como aquele.
A pobreza não fazia parte dos planos de Suzane, e ela balançou a cabeça firmemente, tentando afastar dos pensamentos a imagem de René.
Não podia se apaixonar por alguém feito ele.
Precisava de um homem que a tirasse daquela situação, não de alguém que a levasse a se enfurnar ainda mais nela.
Não. Decididamente, René não servia para ela.
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GÉMEAS - Não se Separa o que a Vida Juntou - Leonel / Mónica de Castro Empty Re: GÉMEAS - Não se Separa o que a Vida Juntou - Leonel / Mónica de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Ago 21, 2015 9:22 pm

CAPÍTULO 4

Fazia um bom tempo que Beatriz estava debruçada sobre os livros, estudando para as provas na faculdade, que em breve teriam início.
Ela e Vítor, o namorado, estudavam comunicação social na PUC, só que ele, dois anos mais velho, estava prestes a se graduar e tentar carreira como repórter desportivo.
Vítor era o carioca típico:
moreno, queimado de sol, porte atlético e muito simpático.
Praticava surf e adorava desportos.
O pai, Gilson Betuel, era dono do jornal Mundo Económico, especializado em bolsa de valores, negócios e tudo o mais que pudesse interessar ao mundo da economia e das empresas.
Com ar cansado, Beatriz esfregou as têmporas e consultou o relógio:
já passava das sete horas, e ela precisava se arrumar.
Colocou o livro de lado e foi tomar um banho demorado.
Levou cerca de vinte minutos embaixo do chuveiro, deixando que a água se derramasse intensamente sobre sua cabeça, para desanuviar um pouco a mente dos estudos.
Depois, desligou a torneira e saiu para o quarto.
Já estava praticamente vestida quando o irmão mais novo, Nícolas, de nove anos, bateu na porta e chamou sem abrir:
― Beatriz! Abra.
Ele já chegou.
Tornou a olhar o relógio e constatou que Vítor estava dez minutos adiantado.
― Diga a ele que já vou - pediu, enquanto corria para o armário em busca de algo apropriado para vestir.
Papai e mamãe já chegaram?
― Ainda não.
― Pois então, faça companhia a ele até eu terminar de me arrumar.
Ela ouviu os passos do irmão se afastando pelo corredor a galopes e foi terminar de se arrumar.
Estava tranquila com aquele encontro.
Os pais eram pessoas simpáticas e avançadas, e também estavam ansiosos para conhecer Vítor, de quem muito pouco sabiam.
Beatriz não era o tipo de pessoa de fazer comentários sobre a vida do namorado e detestava interrogatórios, principalmente aqueles relacionados à família, que era a preocupação de todos os pais.
Ainda tinha vívida na memória à lembrança do dia em que o conhecera.
Era uma sexta-feira chuvosa, e ela estava sem carro e sem guarda-chuva.
As amigas já tinham ido embora, e ela sentou-se a uma mesinha da cantina para esperar a chuva passar.
Pediu um refrigerante light e ficou mordiscando o canudinho, bebericando a goles curtos enquanto se distraía com o barulho dos pingos de chuva pipocando no chão.
― Acho que essa chuva não vai parar tão cedo - disse uma voz a seu lado.
Levantou os olhos e fixou-os no rapaz.
Ele estava vestido com uma capa de chuva engraçada, tinha uma corcova na altura das costas, provavelmente a mochila, e um capacete preso debaixo do braço.
― É... - divagou ela.
Faz algum tempo que estou aqui, e ela nem diminuiu.
― Posso sentar-me ao seu lado? - tornou ele, já puxando a cadeira e se sentando, colocando o capacete em outra.
― Você está de moto - a constatou.
Mas tem uma capa impermeável.
Está com medo de enfrentar a chuva?
― Não. Na verdade, eu já estava saindo quando a vi sozinha aqui e resolvi me aproximar.
― Por quê?
― Sabe, já faz algum tempo que venho reparando em você.
Você faz comunicação social também, não faz?
Ela assentiu e retrucou interessada:
― Como assim, também?
É o que você estuda?
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GÉMEAS - Não se Separa o que a Vida Juntou - Leonel / Mónica de Castro Empty Re: GÉMEAS - Não se Separa o que a Vida Juntou - Leonel / Mónica de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Ago 21, 2015 9:22 pm

― É, sim. Estou no último período, mas sei que você está no quarto.
― Como é que sabe?
― Já disse que tenho reparado em você.
Vejo-a entrar na sala do quarto período com suas amigas.
Beatriz nunca havia notado aquele rapaz tão lindo e ficou lisonjeada com o facto de ele ter reparado nela.
― Posso perguntar por que você repara em mim?
― Porque acho você linda.
A garota mais bonita que já vi em toda a minha vida.
Ela corou levemente, embaraçada com aquele galanteio directo e, aparentemente, sincero.
A partir de então, não se largaram mais.
A conversa evoluiu para um convite para jantar, e daí para o namoro foi um passo pequeno.
Isso acontecera quatro meses atrás, e eles estavam namorando firme, pensando em assumir um compromisso mais sério assim que Vítor terminasse a faculdade.
Com um sorriso encantador, Beatriz voltou ao presente e se olhou no espelho, satisfeita com o resultado final.
Vítor, com certeza, iria aprovar.
Terminou de passar batom nos lábios, atirou um beijo para seu reflexo e saiu.
Quando entrou na sala, Nícolas estava totalmente envolvido na conversa de Vítor, que mal percebeu a sua chegada.
O rapaz se levantou e beijou-a embevecido, sob o sorriso maroto e sem jeito de Nícolas.
O menino se levantou também, exibindo as figurinhas de um álbum aberto na mesinha do centro.
― Veja, Bia.
O Vítor me trouxe um pacote com vinte e cinco saquinhos de figurinhas do Harry Potter.
Não é demais?
Beatriz sorriu e acariciou a cabeça do irmão.
Fora muito gentil de Vítor lembrar-se do comentário que ela fizera sobre a paixão de Nícolas por Harry Potter e o álbum de figurinhas que ele coleccionava.
― Não precisava - comentou, olhando emocionada para o namorado.
Vítor não respondeu e puxou-a para si, dando-lhe um beijo apaixonado.
A chegada dos pais interrompeu o beijo, deixando o rapaz embaraçado e Vítor se afastou um pouco de Beatriz.
Os pais se aproximaram e beijaram os filhos no rosto, e o pai foi o primeiro a estender a mão para Vítor.
― Muito prazer - falou. ― Renato.
― Este é o Vítor, papai - apresentou Beatriz.
― O prazer é todo meu - respondeu Vítor.
Beatriz fala muito no senhor.
― Nada de senhor aqui, meu rapaz.
Somos uma família avançada - ele piscou de forma engraçada, e Nícolas desatou a rir.
Não é assim, garotão?
O menino ficou rindo, e a mãe de Beatriz se aproximou.
― E esta aqui é minha mãe - prosseguiu Beatriz, enquanto Carminha lhe estendia a mão.
― Também tenho imenso prazer em conhecer a senhora...
― Ah! - objectou Renato.
Nada de senhora também.
Não é, Carminha?
― É claro - concordou a mulher.
Como Renato disse, somos uma família avançada.
Ou, pelo menos, tentamos ser.
Os dois pediram licença e foram se aprontar para o jantar.
Renato e Carminha eram sócios numa empresa de mineração em Minas Gerais, com escritório no Rio de Janeiro.
Enquanto Renato cuidava da parte administrativa, Carminha se ocupava em desenhar as jóias que eram fabricadas com o produto de sua própria extracção mineral.
Eram pessoas bem-sucedidas e se amavam com louca paixão, realizadas em seus projectos profissionais, afectivos e familiares.
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GÉMEAS - Não se Separa o que a Vida Juntou - Leonel / Mónica de Castro Empty Re: GÉMEAS - Não se Separa o que a Vida Juntou - Leonel / Mónica de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Ago 21, 2015 9:22 pm

A família era tudo para eles, e tanto Carminha quanto Renato valorizavam a harmonia no lar acima de todas as outras coisas.
Em breve, voltaram de banho tomado e roupa trocada, e o jantar foi servido.
Enquanto comiam, iam conversando amenidades, até que chegou o ponto que Beatriz mais detestava.
O pai dera um jeitinho de, subtilmente, introduzir no assunto perguntas sobre a vida e a família de Vítor.
Já preparado para aquilo, o rapaz não se importou e deu um sorriso tranquilizador para Beatriz, para que ela não se incomodasse com o que ele considerava uma preocupação natural de todo pai.
― Quer dizer então que você também vai ser jornalista - observou Carminha.
― É o que pretendo.
Vou me formar no final desse ano.
― E já tem algum emprego em vista? - era Renato.
― Na verdade, pretendo trabalhar com o meu pai.
― O seu pai também é jornalista?
― Ele é presidente do jornal Mundo Económico. Conhecem?
― É claro! - afirmou Carminha, entre espantada e surpresa.
― Beatriz, minha filha, por que é que nunca nos contou que o seu namorado era filho de...
Como é mesmo que se chama o seu pai?
― Gilson Betuel.
― Isso! Gilson Betuel.
Devia ter-nos contado antes.
― Ninguém me perguntou nada - rebateu ela na defensiva.
E depois, você sabe que não gosto dessa história de ficar dando a ficha do namorado.
― Essa juventude... - divagou Carminha.
Ai de nós se, na minha época, não contássemos tudo sobre o namorado.
Éramos proibidas de namorar.
― Mas não vivemos mais na sua época, não é, mamãe?
Estamos no século XXI.
― As coisas hoje, com certeza, são menos formais.
Ainda mais aqui, no Rio de Janeiro.
― Você não é carioca?
― Não, sou de Minas.
Renato e eu viemos para o Rio porque resolvemos estabelecer nosso escritório aqui.
Não é, Renato?
Ninguém havia notado que Renato, subitamente, perdera a voz e o apetite.
À pergunta de Carminha, assentiu e permaneceu quieto, mexendo com o garfo sem comer nada.
― Está tudo bem, pai? ― perguntou Beatriz preocupada.
― Tudo bem ― foi à resposta seca.
― Você estava tão animado! - comentou Carminha.
Aconteceu alguma coisa para ficar com essa cara de repente?
― Não aconteceu nada.
Foi apenas uma dor de cabeça repentina. Já vai passar.
― Que pena.
― Posso fazer alguma coisa para ajudar? - indagou Vítor solícito.
― Termine o seu jantar - retrucou Renato de mau humor.
Perdi a fome, vou me retirar. Com licença.
Sob o olhar espantado da mulher e dos filhos, Renato atirou o guardanapo sobre a mesa e se levantou apressado.
― Será que ele não gostou de algo que eu disse? - ponderou Vítor.
― Não, com certeza não - tranquilizou Carminha.
― Estranho.
Meu pai não é disso - declarou Beatriz.
― Ele deve estar cansado - disse Nícolas com simplicidade.
Será que já dá para vir à sobremesa?
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GÉMEAS - Não se Separa o que a Vida Juntou - Leonel / Mónica de Castro Empty Re: GÉMEAS - Não se Separa o que a Vida Juntou - Leonel / Mónica de Castro

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Ago 21, 2015 9:23 pm

A sobremesa chegou, e um clima de mal-estar se instalou no ambiente.
Carminha e Beatriz, surpresas com o que consideravam uma grosseria de Renato, esforçavam-se ao máximo para ser gentis com Vítor que, por sua vez, achava que havia dito algo que desagradara Renato.
Só não atinava no que poderia ser.
A noite terminou mais cedo, porque Vítor achou melhor se retirar e deixar que Beatriz se entendesse com o pai.
Era visível que Renato não gostara dele, embora, a princípio, houvesse demonstrado o contrário.
― Acho que seu pai não me aprovou - comentou Vítor, parado ao lado da moto e se preparando para sair.
― Não é verdade.
Não sei o que deu nele, mas, com certeza, não é nada com você.
― O mais estranho é que ele, no começo, parecia bem simpático.
Foi só depois que fechou a cara, quando eu disse...
― Quando você disse quem era o seu pai, não foi? - ele assentiu.
Será que os dois não se dão?
― É possível. Meu pai é um jornalista conhecido, dono de um grande jornal, e seu pai é um alto e importante executivo.
Pode ter havido algum desentendimento entre eles no passado.
― E se houve, minha mãe não sabe de nada.
Ela não demonstrou nenhuma reacção negativa ao ouvir o nome do seu pai.
― Acho até que ela se empolgou, não foi?
― O que demonstra que, seja lá o que for que tenha acontecido, ela não sabe.
― Se é que aconteceu alguma coisa, não é, Bia?
Quem sabe ele não se sentiu mal mesmo?
― Vou tentar descobrir.
Se houver alguma coisa que eu não saiba, ele vai ter que me dizer.
E você, faça o mesmo com o seu pai.
― Com certeza.
Não posso apresentá-la a ele sem antes saber como irá tratá-la.
Despediram-se com certa tristeza, agora certos de que poderia haver alguma animosidade entre seus pais que eles não conheciam.
Quando Beatriz entrou em casa, a mãe não estava mais na sala, e o irmão estava no quarto, admirando o álbum cheio de figurinhas novas.
Ela passou directo e foi bater à porta do quarto dos pais.
― Pode entrar - falou Carminha.
Com cuidado, Beatriz entrou e percebeu, pela postura dos pais, que eles estiveram discutindo.
― O que você quer, minha filha? - prosseguiu Carminha.
― Vim saber como papai está passando - disse ela, olhando para o pai de soslaio.
Renato estava sentado em uma poltrona, de braços cruzados, e fixou nela um olhar de reprovação tão intenso que ela quase saiu pela porta de novo.
Não podia, contudo, desistir facilmente.
― Estou bem - respondeu ele com patente irritação.
Mas poderia estar melhor.
― Por quê? O que foi que aconteceu?
― Na verdade, não aconteceu nada.
― Mas então, por que você ficou assim tão bravo?
Foi por causa do Vítor? - ele não respondeu.
Você não gostou dele, não é mesmo? Por quê?
― Não é que não tenha gostado - tornou Renato.
Ele pode até ser um bom rapaz, mas a família dele não serve.
― Eu sabia! - exclamou Beatriz.
É o pai dele, não é?
Você e Gilson Betuel não se dão.
Até Carminha fez cara de espanto e ficou olhando para ele, à espera de uma resposta.
― Não o conheço pessoalmente, mas sei que andou metido em negócios escusos no passado ― afirmou Renato.
― Que negócios? - sondou Carminha.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Ago 21, 2015 9:23 pm

― Negócios. Coisas ilegais.
― Mas que coisas? - insistiu Beatriz.
Você está nos enrolando e não está dizendo nada.
― Não sei direito que coisas - contestou Renato confuso.
O que sei foi de ouvir dizer.
― Nunca ouvi nada ruim a respeito dele - objectou Carminha.
Ao contrário, só ouço dizer que ele é dono do Mundo Económico e que contribui para várias obras sociais.
― Tudo fachada para esconder suas actividades ilícitas.
― Não acha que está indo longe demais, pai?
Está se deixando levar por fofocas infundadas de gente que não tem mais o que fazer e que, provavelmente, morre de inveja do sucesso dele.
― É isso mesmo, Renato - concordou Carminha.
Não entendo por que você dá tanta importância aos fuxicos dessa gente.
E logo você, que não é disso.
― Pensem como quiserem.
Mas a minha opinião é uma só:
esse rapaz não serve para você.
― Isso é um absurdo! - protestou Beatriz com veemência.
Você nem o conhece, não sabe nada dele.
Como pode julgá-lo com base em mexericos de sociedade?
― Que, por sinal, eu nunca ouvi - afirmou Carminha.
― As duas estão contra mim? - indignou-se ele.
― Ninguém está contra você.
Só não entendemos a sua reacção.
Você nunca foi homem de se impressionar com fofocas.
― Essa discussão não vai levar a nada.
Por mim, Beatriz, você termina esse namoro hoje mesmo.
― De jeito nenhum! - exasperou-se ela.
Você não tem o direito de me exigir isso.
― Não estou exigindo, estou pedindo.
É para o seu bem.
― A não ser que você me comprove o envolvimento de Gilson Betuel com actividades ilícitas ou escusas, considero injusta e infundada a sua reacção.
E mesmo que ele não seja uma pessoa digna, Vítor não tem nada a ver com isso.
― Tal pai, tal filho.
― Isso é um julgamento infame!
Nunca ouvi você falar desse jeito.
― Beatriz tem razão, Renato.
Não estou reconhecendo você.
― Acreditem, sei o que estou dizendo - gritou Renato.
Se Beatriz continuar com esse namoro, vai se arrepender mais tarde.
E você, Carminha, vai desejar nunca tê-lo recebido aqui em casa nem duvidado de mim.
― Mas por quê? - questionou Carminha.
O que você sabe a respeito dele que não quer nos contar?
Por um instante, pareceu que Renato ia revelar algum segredo, mas a impressão logo se desvaneceu, e ele recomeçou a esbracejar de forma praticamente insana:
― Você é minha filha, Beatriz!
Vive na minha casa e sob a minha dependência.
― E por isso devo-lhe obediência - a completou, com desdém. ― É isso?
― Desde quando você é assim, Renato? - revidou Carminha perplexa.
Isso é coisa do século passado.
Não vivemos mais desse jeito, e nossa família, decididamente, não é adepta do autoritarismo nem da tirania.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Ago 21, 2015 9:23 pm

Os olhos de Renato refulgiram com um brilho de raiva desmedida, e sua boca quase espumou de ódio quando afirmou entre os dentes:
― Façam como quiserem.
Passou por elas com pressa, agitando as chaves do carro, que tilintavam num frenesi de fúria.
As duas ficaram se olhando numa surpresa muda, tentando entender que estranho fenómeno fora aquele que transformara Renato em um homem que elas não conheciam.
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