LUZ ESPÍRITA
Gostaria de reagir a esta mensagem? Crie uma conta em poucos cliques ou inicie sessão para continuar.

Série Lúcius - Os Rochedos são de Areia/André Luiz de Andrade Ruiz

Página 1 de 9 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9  Seguinte

Ir para baixo

Série Lúcius - Os Rochedos são de Areia/André Luiz de Andrade Ruiz Empty Série Lúcius - Os Rochedos são de Areia/André Luiz de Andrade Ruiz

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 22, 2022 8:05 pm

Os Rochedos são de Areia
André Luiz de Andrade Ruiz

Lúcius (Espírito)

Leitor querido...
Lembre-se de que as rochas podem parecer duras ou altas, fortes e altaneiras, imponentes e eternas.
Todavia, são apenas grãozinhos de areia unidos pela força., esperando voltarem à condição original.
Assim são os Homens.
Altivos, poderosos, grandes, mantidos nisso tudo por seu poder transitório que julgam definitivo, por seu dinheiro que acham infinito, por sua beleza que crêem eterna, por sua classe social que acreditam exclusiva, pela percepção mediúnica, que julgam lhes pertencer para sempre, até que forças mais sábias, ainda que silenciosas, os desbastem e os reduzam à própria realidade:
"Simples punhados de areia, resultado dos rochedos que ruíram pela força do tempo."
Lúcius

"Momentos Históricos do Egipto Antigo no Século XIV a.C."


Última edição por Ave sem Ninho em Qui Dez 22, 2022 8:06 pm, editado 1 vez(es)
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122279
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - Os Rochedos são de Areia/André Luiz de Andrade Ruiz Empty Re: Série Lúcius - Os Rochedos são de Areia/André Luiz de Andrade Ruiz

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 22, 2022 8:05 pm

Índice
1 — O Egipto de Akhenaton
2 — Hatsekenká, o sacerdote
3 — As dúvidas de Nekhefre
4 — Mudinar e a convocação de Nekhefre
5 — A mediunidade em todos os tempos
6 — Mudinar, astuto, dirigindo Nekhefre, imaturo
7 — A viagem e os planos de Mudinar
8 — Explicando
9 — A caminho do palácio
10 — A recepção de Nekhefre
11 — A cerimónia na sala do trono
12 — Opções difíceis
13 — O primeiro encontro de Hatsek e Nekhefre
14 — Os problemas na gravidez
15 — Os porquês no passado
16 — O amor de Marnahan
17 — As revelações de Kalmark
18 — Mais erros de Nekhefre
19 — As dores que o egoísmo produz para todos
20 — O tratamento de Marnahan
21 — As angústias de Kaemy e Meldek
22 — Hatsek ampara Meldek
23 — As despedidas de Meldek
24 — O destino sorri para Kalmark
25 — A acção protectora dos Espíritos amigos
26 — A influência negativa de Espíritos em desequilíbrio
27 — Um longo dia para todos
28 — Uma glória que perdera o encanto
29 — Os caminhos retos da Lei do Universo
30 — Kaemy em busca de Kalmark
31 — Explicando
32 — O bem de hoje preparando os caminhos do amanhã
33 — Voltando para Tebas
34 — Kalmark conhece a verdade e quer mudar o destino
35 — O Reencontro
36 — A verdade ressurge
37 — Os ensinamentos de Khufu a Nekhefre
38 — Segue a perseguição de Mudinar
39 — Entre o dever e o querer
40 — Mudinar concretiza sua vingança
41 — A prisão e o castigo
42 — A força do bem
43 — O amparo do Mundo Invisível e o arrependimento
44 — O Deus único ensina seu caminho
45 — Mudinar, outro rochedo em ruínas
46 — Os Rochedos são de Areia
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122279
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - Os Rochedos são de Areia/André Luiz de Andrade Ruiz Empty Re: Série Lúcius - Os Rochedos são de Areia/André Luiz de Andrade Ruiz

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 22, 2022 8:05 pm

1 — O Egipto de Akhenaton
Quando o Sol se punha, um verdadeiro espectáculo de cores levava a imaginação a reverenciar o Altíssimo, eis que a planície do deserto se transformava em um tapete de reflexos rubros, encimados pelo astro-rei que se despedia de sua jornada diurna, para retornar ao reino das sombras.
Era nesse cenário que, em Tebas, enquanto o povo se preparava para o recolhimento, depois de um dia de estafantes serviços na busca da sobrevivência material, mais se agitava o interior dos templos religiosos reverenciando a majestade do deus Rá, representado pelo disco solar que se despedia do céu, também conhecido pelo nome de Aton.
Os sacerdotes se empenhavam nos rituais sagrados da religião egípcia a ele consagrada e, desde a sua elevação à categoria do deus absoluto da nação, por força da vontade do novo faraó Akhenaton, o seu culto passara a ganhar maior importância sobre todos os demais, até a ponto de ser o único aceito como existente.
Havia sido uma verdadeira ousadia do novo rei, impor-se à tradição tão ancestral quanto as próprias águas do Nilo, e passar a prestar reverência tão somente a um único deus uma vez que os habitantes de então, acostumados ao modo antigo de crer, viam-se privados dos antigos rituais, notadamente os do antigo deus Amon-Rá.
Em realidade, o Egipto recebido pelo novo faraó era um amontoado de deuses e templos, sacerdotes e rituais que se rivalizavam buscando a hegemonia ou o realce nas influências sobre os destinos nacionais.
Por causa disso, a venalidade, o misticismo e a corrupção passaram a agir como os principais deuses, impondo-se aos sacerdotes que, perdidos no cipoal dos interesses rasteiros, afrontavam até mesmo a autoridade do rei, forçado que se via em se desdobrar para agradar a todos, sem desagradar a nenhum dos templos principais do antigo sistema politeísta que vigia na sociedade egípcia.
Akhenaton recebera o reino num estado caótico, oriundo de inú­meras guerras frente a povos invasores, o que adulterara todo o sentido religioso que outrora mantivera o sentido de transcendência do povo cuja civilização era a mais florescente até então.
Durante o período que o antecedera e, por causa dos conflitos e das necessidades dele surgidas, a religião egípcia sofreu profunda deterioração, levada a tal caos pelos sacerdotes por terem se transformado em vendedores de feitiços mágicos através dos quais, segundo se acreditava, conseguiriam evitar que o morto fosse denunciado no reino dos mortos pelo carácter verdadeiro de seu coração.
Como era a crença ancestral que o coração do morto seria examinado no outro reino para se saber de seu real estado interior e dos seus méritos ou deméritos, tais feitiços prometiam aos seus detentores a possibilidade de passarem incólumes por tal exame, ainda que tivessem sido criaturas indignas sobre a Terra.
Os sacerdotes, em função da guerra que antecedera o reinado do novo faraó, se haviam imposto ao povo como os que detinham o poder de absolvição e, impondo um reinado de terror e medo, intimidação e misticismo, cada templo buscava tirar maiores proveitos económicos do medo que impunham e das ideias falsas que fomentavam acerca seus próprios poderes.
Vendiam a preços altíssimos, inscrições miraculosas ditas infalíveis para que fossem colocadas em papiros ou gravadas dentro das tumbas dos seus possuidores, o que os livraria dos males e lhes facilitaria o ingresso no reino dos céus. A rectidão de conduta e os valores da alma não eram mais os requisitos importantes para a absolvição.
Tal confusão de princípios e exigências contribuía para a derrocada moral do reino, já que os religiosos se estavam devorando uns aos outros sem qualquer pudor ou preocupação moralizante.
O novo rei, buscando acabar com o sistema religioso de magia fraudulenta que encontrara, inicialmente tentou reprimir os principais abusos, mas vendo-se numa situação de absoluta impotência, resolveu proibir de vez todas as manifestações religiosas e impor o culto à antiga divindade solar, com exclusão de qualquer outra, passando a chamá-la, como já mencionado anteriormente, pelo nome de Aton, designação pela qual era conhecido o Sol físico, o disco solar que percorria o céu. Até mesmo o seu nome o novo rei alterou, passando de Amenófis IV, nome que homenageava ao deus Amon herdado de seus pais, para Akhenaton, em exaltação ao novo deus do Egipto.
Seria uma maneira de materializar a divindade, colocando-a sobre a cabeça de todos, brilhante, luminosa, visível e real.
Naturalmente, se tal sistema pôde atenuar os malefícios causados pelas práticas anteriores, do mesmo modo gerou nas castas sacerdotais que se viram alijadas das vantagens fáceis que auferiam, um sentimento surdo de revolta e de insatisfação, o que as colocou na base do movimento de retomada das velhas tradições corruptas e impuras. Como velhos vendedores de indulgências e facilidades mentirosas, não desejavam perder as vantagens com as quais se enriqueciam
num verdadeiro negócio espúrio absolutamente inadequado ao sentido religioso que diziam representar.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122279
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - Os Rochedos são de Areia/André Luiz de Andrade Ruiz Empty Re: Série Lúcius - Os Rochedos são de Areia/André Luiz de Andrade Ruiz

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 22, 2022 8:06 pm

Com a finalidade de moralização, o novo faraó baniu dos monumentos os nomes dos antigos deuses tradicionais e ordenou que se adorasse o novo deus, Aton. Além disso, ordenou a construção de uma nova cidade para onde se transferiria com toda a corte administrativa do Egipto, deixando Tebas a fim de poder estabelecer o novo culto religioso em terras virgens, até então jamais corrompidas pelas crenças ancestrais.
Beirando as margens do abençoado curso d’água que mantivera o império desde longa data, nascera a nova capital egípcia, naturalmente envolvida pelas perspectivas da nova ordem que governava a vida de todos, mesclada à antiga forma de ser e viver e que, como se verá mais tarde, cobraria o preço pelos vícios que havia instalado no coração e na mente dos homens, sempre mais propensos à continuidade dos velhos hábitos mentirosos do que às transformações essenciais que envolvam a abdicação dos comportamentos irracionais e ritualísticos, à custa dos quais, pensam poderem comprar o paraíso.
Já àquela época, as pessoas procuravam um meio de fraudar o julgamento de seu próprio interior, pagando qualquer preço ou fazendo qualquer coisa que lhes permitisse passar incólumes perante o julgamento no outro mundo.
Pagar seria mais fácil do que mudar...
Nesse cenário iremos encontrar nossos personagens, envolvidos nas tramas da vida humana, no esforço divino de favorecer a ascensão dos filhos adormecidos ao verdadeiro sentido da felicidade espiritual através da modificação da maneira de ver e sentir as realidades da alma, desvinculando-as de toda e qualquer ligação com o que seja interesse mundano ou material.
Como se verá, tal dedicação celeste não data de agora, ou mesmo do período moderno em que as revelações do espírito vieram dos quatro cantos da Terra, na forma da voz dos mortos que se ergueram para demonstrar a inexistência da morte.
A continuidade da vida depois da vida sempre se fez perceber, eis que se trata de aspecto inerente à condição de ser humano que melhor poderia ser definido não apenas como um animal racional, mas, também, um ser dotado de espírito imortal.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122279
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - Os Rochedos são de Areia/André Luiz de Andrade Ruiz Empty Re: Série Lúcius - Os Rochedos são de Areia/André Luiz de Andrade Ruiz

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 22, 2022 8:06 pm

2 — Hatsekenká, o sacerdote
Em Tebas, com a ruína das antigas tradições decretada pela acção do faraó, os antigos sacerdotes de outras divindades haviam sido destituídos de suas funções e se achavam literalmente sem emprego, já que não lhes era dado outra actividade do que a de se ocuparem das coisas religiosas.
Perdendo os antigos favores divinos, que lhes garantiam influência e poder, passaram a se constituir em uma das forças mais perniciosas que buscavam solapar a acção do faraó na manutenção da nova ordem, ou seja, a do Deus Único.
Dentre os sacerdotes que se achavam privados da possibilidade de seguir as antigas tradições populares da crença nos deuses antigos, os que reverenciavam Amon-Rá eram particularmente hostilizados pela política do novo faraó que desejava substituir a divindade ancestral Amon pelo conceito moderno e imaterial de uma força soberana, sem forma humana, representada pela força luminosa e única que descia do céu todos os dias, na forma de luz e calor, mantendo a vida.
Dentre tais sacerdotes privados de seus títulos e privilégios, havia um, entretanto, de notória evolução e conhecimento oculto que, apesar de estar vinculado ao culto do antigo deus egípcio Amon-Rá, sabia que todas as representações físicas dos deuses tinham por objectivo levar à mente despreparada do povo uma noção mais elevada de imaterialidade.
Hatsekenká era esse sacerdote diferente dos demais. Dotado de um conhecimento acumulado ao longo de uma vida de estudos e observações e, por se tratar de um espírito amadurecido nas experiências evolutivas, mantinha uma forte ligação com as forças da natureza, reveladoras das leis sublimes do Criador, que só os sacerdotes mais capazes podiam compreender e que, por sua vez, ensinavam aos mais jovens, iniciados que eram gradualmente nas revelações mais profundas.
Hatsekenká possuía um carácter sóbrio, corajoso, sereno e sério, sabendo dosar em tudo o que fazia o equilíbrio e a docilidade para que sua conduta, mais do que suas palavras, representasse a demonstração viva da filosofia divina que guiava os seus passos.
Tornara-se, por isso, dos mais procurados pelas pessoas a fim de poderem encontrar solução para os problemas que carregavam, sejam decorrentes das circunstâncias que envolviam questões materiais, sejam ligados aos problemas de saúde ou religiosos, eis que o povo se acostumara a envolver-se em sortilégios buscando sempre causar dano a outros que invejavam.
Por seus conhecimentos e experiências nas relações com o invisível, Hatsekenká possuía recursos para elucidar problemas, entender os meandros das desgraças pessoais, atingir as causas mais remotas dos processos da dor e do sofrimento, podendo, inclusive, entrever no passado ancestral, nas vidas anteriores de cada um, o porquê daquela situação vivenciada no presente.
Era reverenciado por muitos, temido por outros, respeitado por alguns, invejado pelos demais sacerdotes de Amon-Rá que não conseguiam igual popularidade nem respeito das pessoas comuns.
Graças às suas qualidades pessoais, Hatsekenká sabia que a posição do novo faraó, ainda que absurda para a maioria das pessoas acostumadas às antigas fórmulas ritualísticas e à dependência de um comércio mesquinho e interesseiro com as coisas divinas, era uma mudança positiva e que levaria a uma reflexão saudável de todas as pessoas mais esclarecidas sobre um conceito mais adequado de força cósmica imaterial. Daí, não se filiara à corrente dos que combatiam as posições de Akhenaton, apesar de se ver, igualmente, prejudicado nas benesses que anteriormente lhe eram franqueadas devido à sua condição de sacerdote tebano de Amon.
Apesar de tais privilégios, Hatsekenká deles não fazia uso, senão para distribuí-los aos mais necessitados, que viam nele um generoso pai que atendia os mais desvalidos com as facilidades que lhe eram colocadas à disposição. Reservara para si uma dieta frugal e simples, oferecendo tudo o mais à fome dos desesperados que buscavam a porta dos palácios e dos templos em condições precárias de saúde, na maioria das vezes, produzida por uma desnutrição crónica.
Dentro dessa aura de homem simples e impenetrável, existia um espírito preparado para compreender os mistérios das forças naturais e, até certo limite, agir sobre elas, manipulando energias cósmicas para o benefício dos que lhe buscavam o auxílio.
Essa característica de sua capacidade pessoal era a menos conhecida e a mais importante já que, através dela, os mais abatidos encontravam forças que lhes restituíssem a saúde, inúmeras enfermidades eram debeladas pela acção misteriosa de sua vontade e de suas orações, feitas sempre sem quaisquer exigências de pagamento ou retribuição.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122279
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - Os Rochedos são de Areia/André Luiz de Andrade Ruiz Empty Re: Série Lúcius - Os Rochedos são de Areia/André Luiz de Andrade Ruiz

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 22, 2022 8:06 pm

Conhecedor dos princípios cósmicos e da acção dos fluidos sobre a matéria, o sacerdote sabia como manipulá-los e aplicá-los para beneficiar os que dele careciam, agindo com prudência e discernimento para não gerar descontentamentos entre os demais sacerdotes, a maioria impossibilitada de atingir o mesmo sucesso por não desejar submeter-se às rígidas disciplinas pessoais, no tocante à conduta moral interior, aos pensamentos e à própria alimentação.
A facilidade e o poder que desfrutavam haviam corrompido a vontade de grande parte dos sacerdotes de todos os templos, acostumados a comportarem-se como meros cumpridores de rituais que eram destinados a aplacar a sede religiosa de um povo ignorante das verdadeiras leis divinas.
Outrora, como hoje, alguns daqueles que deveriam guiar o povo para as alturas da compreensão divina, deixavam-se guiar pelos interesses mais baixos e aproveitavam-se da ignorância popular para dela tirar proveitos e vantagens imediatas.
Com isso, não viam mais por que manter as disciplinas necessárias à própria sublimação, à melhoria de suas percepções e à ampliação de sua capacidade de ligação com o invisível.
Observando essa defraudação do dever elevado de agir na condução das pessoas rumo à melhoria íntima, Hatsekenká não se deixou afundar na vala comum do menor esforço e seguiu adiante com o ideal de ser o melhor que poderia ser, mesmo que isso lhe custasse uma renúncia pouco entendida pelos próprios colegas de sacerdócio. Daí, ter conseguido atingir culminâncias espirituais que os seus jamais vislumbrariam.
Delas, contudo, jamais fez arma ou apresentou sinais de convencimento para intimidar a quem quer que fosse. Ao contrário, exercitava-as, em geral, no anonimato de seus aposentos pessoais ou, quando isso não fosse adequado ao caso, não se fazia difícil encontrá-lo junto à moradia do necessitado, fora das paredes do templo, levando-lhe o consolo de sua crença e a força de seu magnetismo, misturado ao magnetismo superior.
Agora que as coisas haviam mudado, os outros sacerdotes, mais ligados às coisas da matéria do que às da alma, viam-se às portas do desespero. Ele, contudo, seguia seu curso sem maiores abalos, já que sabia o que era seu dever diante das leis universais, sábias e justas, não se abatendo, não se revoltando nem mesmo criticando a postura do novo governante.
Essa independência levantaria suspeitas no seio da própria comunidade a que pertencia, que passaria a vê-lo como um adversário dentro das próprias fileiras, um elemento perigoso e com o qual não se poderia contar nem confiar.
Entretanto, sua conduta austera e respeitosa, firme e imparcial, construiu uma atmosfera de reverência à sua volta que lhe funcionava como um primeiro escudo protector contra toda a alheia ideia de causar-lhe algum mal. Era protegido pela própria maneira de agir, correta, generosa e discreta. Não possuía família que pudesse ser atingida pela fúria acovardada de seus falsos amigos e que representasse ponto fraco ou vulnerável na armadura interior desse homem voltado para as coisas transcendentes. Daí, ver-se livre de preocupações imediatas com a manutenção de prole ou de família que demandasse dele qualquer conduta pessoal mais comprometida com interesses materiais.
Dependia de si mesmo. Se tinha comida, se alimentava. Se não a possuía, extraía da natureza recursos de força para enfrentar aquela fase de escassez, até que lhe fosse concedido algum alimento novamente. Comia para viver. Não vivia para comer.
Diferente dos outros sacerdotes de Amon-Rá, mantinha um intercâmbio constante com as personalidades invisíveis de antigos sábios egípcios que vinham até ele para auxiliá-lo nas dificuldades espirituais, no aconselhamento, na condução das tarefas que lhe eram afectas, mesmo depois de não mais poder agir como detentor de títulos sacerdotais.
Com naturalidade, conversava com a figura de velhos faraós dos tempos gloriosos do antigo Egipto, que o buscavam para dele fazerem ponte entre o reino dos mortos e o dos vivos.
Através desse contacto, podia entender melhor o significado alegórico das passagens do livro dos mortos e da maneira como os que morriam eram recebidos no outro lado do rio sagrado, até os detalhes do famoso julgamento onde se pesava o coração do falecido.
Tais conhecimentos pessoais permitiam que possuísse rara noção das coisas e uma visão muito mais ampla e profunda para examinar os fatos, o que o levava a considerar acertado o arrojo do faraó inovador, ainda que soubesse que as forças da ignorância o combateriam até fazê-lo sucumbir diante das fórmulas tradicionais e que garantiam aos antigos abutres humanos o direito à carniça das convenções apodrecidas, mas rentosas.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122279
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - Os Rochedos são de Areia/André Luiz de Andrade Ruiz Empty Re: Série Lúcius - Os Rochedos são de Areia/André Luiz de Andrade Ruiz

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 22, 2022 8:07 pm

Depois de ter sido privado de suas instalações sacerdotais, buscou recolher-se junto à pessoas amigas que lhe abriram a morada para que ali se instalasse da melhor maneira possível, no seio de família querida que lhe era muito devedora em face dos benefícios conseguidos através de seus conselhos e atendimentos.
Tratava-se de família de pessoas influentes que haviam sido elevadas à casta social da nobreza tebana, mas que, agora, via-se na contingência de adoptar a nova crença ou de, em não a adoptando, ver-se reduzida à situação antiga, destituída dos favores e graças de que gozavam, única e exclusivamente, por serem colocadas na estirpe privilegiada da sociedade. Ali, o sábio sacerdote estaria para auxiliar a todos os componentes do grupo familiar, nas lutas próprias do crescimento pessoal diante das escolhas necessárias à elevação do espírito.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122279
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - Os Rochedos são de Areia/André Luiz de Andrade Ruiz Empty Re: Série Lúcius - Os Rochedos são de Areia/André Luiz de Andrade Ruiz

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 22, 2022 8:07 pm

3 — As dúvidas de Nekhefre
A estadia do sacerdote junto à família do príncipe Nekhefre, como se viu, estava marcada pelas dificuldades próprias dos processos evolutivos a que todos os seres são convocados, através das opções e escolhas necessárias ao crescimento.
Nekhefre possuía uma vida estabilizada graças à sua condição de nobre, conquistada ao longo dos anos anteriores, quando seus ancestrais se envolveram muito com as questões governamentais, notadamente por ocasião das lutas dos príncipes tebanos contra o povo invasor Hicso que havia tomado a liberdade dos egípcios.
Nekhefre herdara, deste modo, um status conferido aos que haviam lutado bravamente para que o seu país retomasse a condução de seu próprio destino.
Mantinha sua família, constituída de sua esposa Kimnut e de duas filhas, Marnahan e Hatsena, a primeira acercando-se dos 19 anos e a outra em plena puberdade, além de um séquito de escravos e serviçais que orbitavam-lhe a casa ampla e faustosa para as condições gerais do povo, sempre em estado precário e desamparado.
Nekhefre, como costuma acontecer aos homens do mundo, prendia-se muito às coisas da Terra e dava muito valor às conveniências ou convencionalismos sociais. Havia crescido fisicamente sob a ideia falsa de que o que importava na vida era manter as posições materiais conquistadas ou ampliar-lhes o horizonte. Que o homem era medido pelos bens que possuía e que a melhor maneira de se conhecer o seu valor pessoal era observar o seu estilo de vida.
Havia conseguido manter-se na situação herdada de seus ancestrais aproveitando-se de negócios que mantinha com poucos escrúpulos, mas que lhe rendiam consideráveis recursos, eis que possuía acentuada tendência para comercializar e sabia aproveitar as oportunidades que desfrutava por estar próximo dos governantes, sempre poderosos e desejosos de se estabilizarem no poder graças a favores que concediam. Mantinha devoção religiosa aos deuses de seus ancestrais, notadamente a Amon-Rá, do qual julgava ter recebido todas as benesses e favores da sorte, obrigando-se constantemente a realizar oferendas materiais para seguir nas boas graças da divindade.
Por causa de tal devotamento, acabou conhecendo o sacerdote Hatsekenká do qual se tornara gradualmente mais e mais próximo, eis que pretendia sempre valer-se de suas orientações, que julgava serem mais precisas do que as dos demais sacerdotes do mesmo templo.
Além disso, pelo seu carácter desprendido, o sacerdote referido nada lhe cobrava, o que, à toda evidência, lhe proporcionava agradável sensação de ganho, eis que de nada precisava dispor para obter o de que necessitava.
Isso não ocorria com os demais sacerdotes, sempre prontos a estabelecer exigências materiais a serem entregues pelo interessado aos deuses para que, depois, se dispusessem a apresentar as respostas.
Com o passar dos anos, todavia, Nekhefre se viu envolvido por uma admiração cada vez mais intensa pelo carisma daquele sacerdote desapegado, passando a devotar-lhe grande estima, no que foi correspondido por Hatsekenká que, igualmente, via em Nekhefre um filho iludido pelo brilho do mundo, a quem lhe competia ajudar no processo de amadurecimento.
Ambos eram, aproximadamente, da mesma idade, mas não havia dúvida de que em Hatsekenká havia a maturidade que em Nekhefre muito tardaria a chegar.
— Não sei o que fazer, Hatsek, — falava Nekhefre ao seu sábio conselheiro, chamando-o pela abreviação de seu nome oficial. — A pressão do faraó sobre todos os que lhe devem obediência está cada vez maior e aqueles que não aceitarem converter-se ao culto de Aton estão fadados à perseguição e à perda de todas as suas regalias. No entanto, não me sinto inclinado a deixar as velhas crenças, as mesmas que me garantiram o sucesso material e a protecção até aqui para me aventurar nesse empreendimento de um verdadeiro louco, desejando impor a todos nós o rompimento com nosso passado e com a reverência para com os deuses que nos ampararam até aqui.
Ouvindo-lhe os conceitos ainda muito pouco desenvolvidos, Hatsek — como passaremos a chamá-lo — meditava sobre as dificuldades do homem em libertar-se das mesquinharias da vida para poder galgar uma maior independência das coisas transitórias.
Nekhefre era um homem corajoso para se embrenhar nas negociatas intrincadas da vida a fim de obter ganhos e mais ganhos, de viajar no deserto em busca de suas caravanas e seus entrepostos comerciais, sem medo de ladrões ou animais traiçoeiros. No entanto, via-se apequenado e sem noção do que fazer quando se tratava de adoptar uma posição que pudesse colocar em risco todas as vantagens conseguidas. Não desejava colocar em cheque o relacionamento estável com os deuses que, segundo ele, lhe haviam garantido prosperidade até aquele momento, trocando-os por uma nova forma de ver as coisas, ainda que mais elevada e sábia.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122279
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - Os Rochedos são de Areia/André Luiz de Andrade Ruiz Empty Re: Série Lúcius - Os Rochedos são de Areia/André Luiz de Andrade Ruiz

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 22, 2022 8:07 pm

Não queria correr os riscos de converter-se e ofender os deuses que iriam, segundo suas crenças, retirar toda a protecção que lhe davam até ali.
Por outro lado, se não aceitasse converter-se, ver-se-ia alijado de suas posses e suas posições pela perseguição do sistema político implantado pelo novo faraó.
— Não se deixe levar pelas impressões do que é transitório, Nekhefre— respondeu-lhe Hatsek. — Em nós existem possibilidades que precisam ser desenvolvidas e que, para isso, muitas vezes, precisam ser despertadas à força de desafios dolorosos.
— Mas, para mim, esses desafios não deixam opção. Ou perco a protecção dos deuses e , por isso, me vejo ao desamparo, ou perco a posição que consegui ao longo da vida e, por isso, me vejo ao desamparo igualmente.
Todavia, você não acha que não podemos nos relacionar com os deuses apenas na base das vantagens imediatas ou do interesse de se manter dentro do nosso palácio, isolados do resto do mundo? — respondeu-lhe o sacerdote.
— Até hoje, Hatsek, isto sempre foi normal e sempre deu certo.
Nós oferecemos as dádivas materiais e eles nos oferecem aquilo de que necessitamos, mantendo-nos dentro dos padrões que cada um merece ou precisa. Não é por isso que existem muitos deuses? Cada um deles cuidará de uma coisa e terá os seus seguidores.
— Não sei, Nekhefre, mas penso que se Rá se recusasse a nascer todos os dias da boca da deusa Nut, todos os casebres e todos os palácios permaneceriam envoltos pelo manto negro, como se a morte nos condenasse a todos igualmente a permanecermos na escuridão.
Você não imagina que todos os deuses que nós criamos, em realidade, só existem na forma que têm porque nós os idealizamos assim, com as nossas fraquezas e defeitos? Em realidade, longe de nossas concepções mesquinhas, os erros humanos não devem contaminar a força suprema que nos dirige e que se espalha sobre todas as pessoas.
— Inclusive sobre os escravos? — perguntou Nekhefre, raiando à indignação.
— Por que não, meu amigo? O Sol se recusa a aquecê-los todos os dias? A chuva não os molha, sem qualquer discriminação? Sejam estrangeiros, núbios, libertos ou ainda cativos, não recebem o mesmo que qualquer outro nobre ou poderoso senhor?— Mas você está querendo dizer... — continuou Nekhefre, no que foi interrompido pelo sacerdote amigo, complementando o pensamento.
— Que não pode haver deuses mesquinhos e egoístas, que ajudam uns e atrapalham outros. Deuses que garantem para uns o benefício e deixam que outros sofram para manterem essa garantia. Não acredito em deuses de pessoas ou de classes. Eles não podem existir para protegerem apenas essas pessoas e essas classes, pois se são assim não podem ser nem poderosos nem sábios. Não se vanglorie tanto de estar sendo protegido por mãos poderosas somente porque têm lhe garantido as vantagens materiais que lhe são tão importantes até aqui.
Esteja certo de que, mesmo quando você as perder, isso não será por culpa dos deuses, nem por terem-no abandonado. Isso será para o seu crescimento, do mesmo modo que a cheia do Nilo produz vários desastres, mas ninguém as abomina, pois sabem que trarão terras mais férteis que sustentarão a próxima colheita.
Nekhefre ficou em silêncio, pensando nos conceitos inusitados para a sua capacidade de pensar, mas procurou logo mudar o foco de suas ideias para outra coisa a fim de não se ver enrolado em uma confusão ainda maior, que o obrigaria a pensar nas tolices que havia cometido até aquele dia, acreditando-se protegido por deuses poderosos e partidários de suas ideias e actos.
O certo, todavia, era que o conflito interior se mantinha e ele teria, em verdade, de escolher entre adoptar novos caminhos, abandonando os antigos ou manter-se fiel aos antigos deuses e abandonar as facilidades conquistadas e que se impunham ao seu carácter, fraco para tais renúncias.
Vendo-o algo aturdido, Hatsekenká se afastou para deixá-lo entregue às próprias cogitações, dando-lhe tempo para processar todas as novas ideias e conceitos. Dentro de si mesmo, entretanto, o sacerdote sabia que os dias do futuro guardariam espinhos profundos na alma das criaturas que haviam escolhido nascer naquele período de transformações e mudanças tão importantes.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122279
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - Os Rochedos são de Areia/André Luiz de Andrade Ruiz Empty Re: Série Lúcius - Os Rochedos são de Areia/André Luiz de Andrade Ruiz

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 22, 2022 8:07 pm

4 — Mudinar e a convocação de Nekhefre
Em Amarna, a nova capital do reinado de Akhenaton, as medidas para a implantação da nova ordem religiosa seguiam activas e inflexíveis. Por ordem do faraó e de sua esposa, Nefertite, igualmente devota ao credo e vigilante de sua aplicação em todas as áreas do governo, a construção dos santuários para a devoção ao novo e único Deus seguia frenética, aproveitando-se da posição geográfica favorável.
Isso porque o local era cercado por uma grande cadeia de montanhas que forneciam a imagem idêntica à daquela que se usava para representar Aton entre os devotos da nova crença.
O disco solar, em determinada época do ano, nascia por entre dois patamares existentes nas montanhas separados por uma depressão entre si, representação exacta da imagem egípcia para o deus solar, o que levou o faraó a escolher o lugar da nova capital.
Organizavam-se equipes de trabalhadores que eram obrigados a trabalhar além do próprio limite a fim de que não ocorresse atraso na edificação da nova cidade. Ao mesmo tempo, organizavam-se todos os serviços administrativos dentro dos novos padrões religiosos.
Banidos todos os deuses e todos os demais sacerdotes, na nova religião, apenas o faraó seria o intermediário entre o novo deus e os homens. Ainda que se cercasse de auxiliares e de antigos conselheiros, era a ele e à sua esposa influente que cabia dirigir-se directamente à nova divindade.
Fizera isso, naturalmente, por se considerar, como a tradição apontava desde a antiguidade egípcia, o representante vivo dos deuses, agora convertidos em deus único. Todavia, também o fizera para banir de sua volta todo aquele comércio espúrio que surgia sempre que se permitia a pessoas inescrupulosas algum tipo de privilégio, entre os quais se encontrava o de ter acesso pessoal e directo aos deuses. Toda a perversão religiosa que encontrou instalada nos seus domínios era extremamente nociva para os destinos da nação e, por isso também, tal postura do faraó impediria os excessos de sacerdotes venais, interesseiros, desonestos.
Do mesmo modo, Akhenaton vira-se forçado a romper as antigas tradições, inicialmente estimulando a conversão religiosa, mas com o tempo, obrigando-a, sob pena de se cair em desgraça caso se se recusasse a adoptar o novo sistema.
Para os funcionários de sua confiança, não havia nenhuma concessão. Para os que dirigiriam os negócios do Estado e as demais actividades, principalmente as ligadas ao povo, era imperativo pertencerem igualmente à crença imposta, o que gerava uma grande quantidade de situações trágicas para os homens que se apegavam ao poder dos deuses mas se prendiam igualmente ao poder mundano.
O problema de Nekhefre era igualmente o de muitos. Em Nekhefre, porém, havia algo mais sério, eis que se tratava de uma família pertencente à nobreza egípcia, de passado voltado ao combate dos invasores, à custa do que granjeara a simpatia dos dirigentes tebanos que a elevara na condição social entregando-lhe, além do título, inúmeros bens e riquezas confiscados de outras pessoas, não apenas como forma de retribuição à dedicação de seus ancestrais, mas, mais ainda, como maneira de se criar ao redor do poder central representado pelo Faraó, uma corte de sustentação, composta por pessoas e famílias influentes e que garantiriam a manutenção do apoio e a colaboração com o governo, dando respaldo às suas iniciativas.
Tudo funcionava bem enquanto os faraós estavam agindo como a tradição mandava. Mas agora, com um inovador inesperado, arrojado ao ponto de iniciar algo absolutamente diverso de tudo o que existira até então, a posição de Nekhefre se tornava muito pior.
Nos planos de Akhenaton estavam vários príncipes e nobres tebanos, comensais da coroa egípcia até aquele momento e que seriam convocados a provar a sua lealdade à nova ordem e assumir funções no sistema governamental, dentro dos novos padrões.
Dentre os mais empolgados seguidores do faraó, servil e sem escrúpulos para manter-se na órbita de influências do poder, Mudinar surgia como o temido chefe da guarda do faraó e o autor intelectual de inúmeras sugestões adoptadas por Akhenaton como ideias pessoais suas, através das quais se buscava exercitar uma espécie de selecção entre os confiáveis servidores leais e os aproveitadores das vantagens do Estado sem serem dignos de confiança.
Por influência desse homem sem apego a nenhum princípio elevado, Nekhefre fora convocado a Amarna para uma entrevista pessoal com o faraó.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122279
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - Os Rochedos são de Areia/André Luiz de Andrade Ruiz Empty Re: Série Lúcius - Os Rochedos são de Areia/André Luiz de Andrade Ruiz

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 22, 2022 8:08 pm

Sabia que seria ali o momento mais crucial de sua vida, até então despreocupada e sem maiores problemas que não os de realizar negócios e administrar os ganhos de sua casa farta e aquinhoada pela sorte.
— Hatsek, preciso de você junto de mim para ir até ao faraó! - disse, quase ordenando, ao sacerdote amigo que acolhia em sua casa.
— Meu caro amigo, minha presença junto a você, ainda que represente para mim um prazer acompanhá-lo, pode parecer uma ofensa ao nosso rei, já que a convocação foi-lhe endereçada, pessoalmente.
— Eu sei disso, Hatsek, mas seu equilíbrio me auxiliará a não me deixar abater diante desse testemunho que precisarei dar aos deuses, sobre a fidelidade que tenho de manter a eles e a esse maldito louco que está dirigindo nossos destinos e que pode produzir minha ruína.
— Lembre-se, Nekhefre, todos nós estamos em processo de crescimento e, perante os deuses, somos crianças que precisam trocar os brinquedos da infância pelas lições que nos ensinarão a sermos homens. Minha presença em nada poderá ajudar se você, a si mesmo não se empenhar em entender quais os princípios que precisarão ser defendidos.
— Mas eu sei quais são tais princípios, Hatsek. Sei que são a continuidade de nossa linhagem e de nossas vantagens materiais, em troca da antiga crença. Por isso, tenho o desejo de manter as duas coisas. Tenho pensado em assumir uma posição que me permita defender tanto a minha situação de tranquilidade nos negócios quanto a minha antiga fé nos deuses de meus antepassados. Eu me submeterei aos caprichos do rei para atender às minhas conveniências, mas no íntimo e na prática familiar seguiremos adorando os antigos protectores de nossa sorte.
— Creio que isso será algo muito perigoso para todos, Nekhefre, respondeu o sacerdote, sempre observando à frente, no exercício de seu poder de síntese e de visão à distância. Todas as nossas atitudes, quando distanciadas da realidade interior, mais cedo ou mais tarde denunciam a nossa fraude e a nossa infidelidade, diante dos caminhos tortuosos que acabamos criando para nós mesmos. Acho, sinceramente, que essa solução conciliatória, sempre bem-vinda em muitos sectores de nossos problemas, levará a todos a um abismo mais fundo do que qualquer outra escolha.
— Mas eu não tenho outra saída, Hatsek. Não posso recusar a convocação do faraó e, ao mesmo tempo, não posso voltar minhas costas para a tradição familiar, graças à qual sou o que sou hoje. Você bem deve perceber que este é um problema sem solução e que minha única saída será essa — terminou de falar o príncipe Nekhefre, entre aflito e angustiado. Vendo-lhe o estado emocional, Hatsek concordou em acompanhá-lo até o palácio real em Amarna, com a condição de que se não fosse permitida a sua entrada, esperaria à distância para não produzir maiores problemas para seu amigo.
Ao retirar-se do ambiente onde a conversação se dera, o sacerdote passou pelos corredores da grande residência e encontrou a esposa de seu amigo abatida e chorosa, recostada em uma peça do mobiliário da época, assemelhada a uma poltrona larga, aos pés da qual as duas filhas se posicionavam, igualmente aturdidas pela reacção materna que demonstrava desequilíbrio e angústia.
Kimnut se mostrava muito abalada pelas novas ordens entregues a seu marido e, de maneira egoísta e infantil, manifestava às suas filhas o desespero de que se via possuída, sem levar em conta que Marnahan e Hatsena não estavam suficientemente amadurecidas para compreender todo o problema.
Mas a mãe era, realmente, alma imatura, despreparada para enfrentar as dificuldades da vida, mesmo aquelas que ainda não se tinham apresentado efectivamente, mas que, a mais leve possibilidade de se tornarem reais permitisse uma perda de seus privilégios materiais.
Kimnut não percebera a chegada do sacerdote que se aproximou silencioso a fim de contemplar a cena familiar e dela extrair as informações preliminares para poder ajudar aqueles entes queridos.
Marnahan, algo mais velha do que a criança Hatsena, percebendo-lhe a presença, rapidamente ergueu-se do chão e, curvando a cabeça, reverente, saudou o hóspede, com respeito e consideração:
— Nobre sacerdote de Amon-Rá, muito nos honra a vossa presença neste momento difícil de nossas vidas. Somente a sabedoria dos deuses que tanto nos amam e protegem nos poderia ter reservado o privilégio de termos, em nossa casa, tão elevado representante de seu poder. Acolhei nossa mãe sob os vossos conselhos que acalmam e iluminam uma vez que nós, eu e minha querida irmã, nada podemos fazer a não ser dividir com ela as nossas lágrimas.
Observando o seu porte de nobreza e a maneira de expressão fácil e serena, Hatsek deixou-se envolver por uma onda agradável que o levava a sentir que já conhecera aquela jovem em algum ponto de seu caminho de espírito imortal.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122279
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - Os Rochedos são de Areia/André Luiz de Andrade Ruiz Empty Re: Série Lúcius - Os Rochedos são de Areia/André Luiz de Andrade Ruiz

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 22, 2022 8:08 pm

Ainda que jovem, recém-saída da fase adolescente, Marnahan possuía uma segurança e encantamento próprios de mulheres mais maduras, uma vez que seu espírito era dotado de uma vasta experiência anterior, voltando à Terra em nova jornada evolutiva, para ampliar as
suas conquistas e auxiliar os entes amados.
Admirado de tal situação e, deixando passar a impressão forte que lhe havia envolvido o ser, o sacerdote aceitou a reverência, correspondendo-lhe à cortesia e falando, afável: — Agradeço tão elevada consideração, jovem Marnahan, mas creio que a nobre Kimnut estará melhor acompanhada pelas duas jovens e belas deusas protectoras do que por este taciturno hóspede que vos saúda.
— Seja bem-vindo Hatsek! — exclamou a senhora enxugando as lágrimas com um pedaço de linho.
— Salve, nobre Kimnut, esposa tão querida do nobre Nekhefre. Vejo em vossos olhos o véu da angústia que torna a vossa beleza refém de forças indignas de existirem em vosso ser.
— Antes fosse assim, sábio sacerdote. A angústia que me aflige é bem própria dos humanos mortais que se vêem defrontados pelas modificações brutais e injustas em seu modo de viver, como se a desgraça resolvesse se abater sobre nossas cabeças, por ira dos deuses, até então nossos amigos.
— Mas os deuses nos ajudam sempre para que tenhamos forças para sabermos ser seus dignos seguidores nas horas da dificuldade.
Imagine, nobre Kimnut, se não existissem os dissabores da vida, o que seria dos deuses? Nós que estamos acostumados a procurar-lhes a ajuda, se não tivéssemos problemas para enfrentar os condenaríamos a uma vida sem trabalhos e sem nenhuma graça, já que, se não tivéssemos obstáculos, não procuraríamos a sua protecção. Estaríamos acomodados em nossas cascas como um escaravelho que se oculta na areia do deserto e, ali, passa a sua vida.
Ouvindo-lhe a palavra serena e sem críticas directas, as três mulheres permaneciam silenciosas.
Aproveitando-se do momento favorável, Hatsek continuou:
— Nossa conduta para com o sublime tem sido de uma irresponsabilidade à toda prova. Procuramos a sua protecção para os problemas que nos perturbam, mas não nos damos conta do quanto perturbamos os outros com os nossos actos. Não me refiro a vós, Kimnut. Falo de maneira geral, analisando nossa posição perante os nossos conceitos religiosos. Veja entre os próprios sacerdotes, criaturas cultas e preparadas para as ligações com o sublime. Tão logo se viram banidos de seus templos de pedra, dentro dos quais boa parte deles se valia de suas prerrogativas pessoais para explorar a credulidade alheia, passaram a conspirar contra o rei a quem devem honrar com o seu respeito. Perdemos os privilégios materiais e, por isso, a maioria dos ditos sacerdotes perdeu, igualmente, a razão, como se nunca tivessem tido acesso às leis mais profundas e sábias da vida. Tais perdas se encontram no caminho de todos os homens a fazê-los conhecerem-se melhor e, ao mesmo tempo, identificar onde estão as fraquezas humanas que precisam ser extirpadas. E, para isso, ainda não nos vemos dispensados, seja do fogo purificador, seja da dor que faz pensar melhor.
Kimnut ouvia tais conselhos sem conseguir atinar para a profundidade que encerravam, escutando-os apenas como opinião de alguém que estava fora do problema e que, por isso, não poderia aquilatar de sua dor pessoal, diante da possibilidade de perder os privilégios que garantiam a sua comodidade e, por isso, a sua imaturidade.
Hatsena, adolescente viva e atenta, ouvia-lhe os conceitos entre curiosa e interessada, sem poder, por ora, deles extrair toda a conotação mais oculta e sábia por faltar-lhe a necessária maturação mental e emocional.
Marnahan, entretanto, era flor desabrochada, apta a captar com maiores recursos mentais e espirituais as colorações mais brilhantes dos conceitos manifestados por Hatsek, naquela breve avaliação sobre os problemas humanos e, diante disso, não pôde deixar de atribuir razão ao sacerdote pela forma clara e lógica em que se exprimira e que, desde há muito tempo, ela também partilhava em suas meditações, sem nunca ter tido a oportunidade de exprimir suas ideias mais secretas. Não se permitiam às mulheres voos filosóficos mais adequados aos homens e, de preferência, aos sacerdotes dos diversos templos.
Por isso, Marnahan seguia pensativa e silenciosa, vendo-se surpreendida pelos conceitos de Hatsek, em tudo coincidentes com os seus pensamentos.
Isso criou nela uma imediata simpatia para com aquele homem que lhe parecia um estranho dentro de sua casa, onde passara a viver há poucos meses, mas que, a partir de agora, pelo seus modos serenos e sábios, passaria a ser um ponto de convergência nas avaliações que fazia do mundo ao seu redor e que não podia expor a mais ninguém.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122279
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - Os Rochedos são de Areia/André Luiz de Andrade Ruiz Empty Re: Série Lúcius - Os Rochedos são de Areia/André Luiz de Andrade Ruiz

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 22, 2022 8:08 pm

— Nunca pensastes, Kimnut — prosseguiu o sacerdote — que tudo aquilo que nós conseguimos para o nosso conforto, foi retirado da natureza ou de alguém? Seja através de um negócio do qual nós nos saímos melhor do que pensávamos, seja através da força de nossos exércitos, tudo o que acumulamos pertencia a outra pessoa. E essa pessoa, não teria, porventura, sua fé nos seus deuses familiares, cultuados igualmente desde tempos remotos? Não lhes solicitaria auxílio e protecção para obter, igualmente, sucesso e vantagens como conforto e estabilidade? Será então que as lutas mesquinhas dos homens são seguidas por uma luta igualmente mesquinha entre os deuses a tentarem salvar os seus protegidos e favorecer-lhes nas suas lides materiais em prejuízo, uns dos outros? Seria correto acharmos que tanto quanto os homens, os deuses se perdem em disputas de poder para favorecer mais a este do que àquele de seus protegidos?
O raciocínio de Hatsek seguia seguro e inusitado para aquelas mentes perturbadas e inexperientes.
— Sem conceitos mais profundos, passaremos a viver dentro de um mundo sem solução e sem paz, mesmo entre os deuses a quem pedimos solução e paz para os nossos problemas. Daí, nobres mulheres de Nekhefre, precisarmos olhar para os problemas pessoais não como esquecimento por parte dós deuses ou, mesmo, indiferença deles para com nossos destinos, apenas pelo fato de termos perdido ou corrermos o risco de perdermos esta ou aquela vantagem. Posso afirmar, sem medo de errar muito, que quanto mais penso nas coisas sublimes da vida, mais me aproximo dos conceitos que têm sido defendidos por nosso faraó, ainda que isso possa representar para mim, até mesmo risco de vida, já que, mesmo como sacerdote do deus Amon-Rá, jamais considerei possível vê-lo iluminar apenas algumas casas escolhidas entre os seus privilegiados, deixando as dos demais na escuridão. Rá é para todos e quando falta, falta para todos igualmente.
— Mas Nekhefre foi chamado à presença de Akhenaton e será pressionado a adoptar uma conduta que não corresponde à nossa crença, sob pena de perdermos tudo. E se adoptar essa crença, os deuses nos abandonarão para sempre e, por isso, ver-nos-emos entregues ao destino mais cruel... — falou Kimnut, entre soluços e lágrimas.
— Calma, Kimnut, o que existe, até agora, é apenas uma convocação do faraó. Deixai que os dias tragam os seus problemas até nós, quando, então, os enfrentaremos. Todavia, se isso for verdade, nos compete entendermos as escolhas que devemos fazer para não ficarmos perdidos e em pior situação exactamente por não termos tido coragem para escolher. Se vos fosse colocada a situação de escolher entre salvar a vossa vida ou a de qualquer de vossas duas filhas, o que escolheríeis?
— Ora, Hatsek, pereceria eu para que elas vivessem! — exclamou segura Kimnut.
— Tenho certeza disso, senhora. Todavia, e se a situação fosse a de escolher qual dentre as duas filhas salvar? Se escolhêsseis uma, não vos doeria a consciência e o coração pela morte da outra? Preferiríeis, por isso, condenar as duas a morrerem ao invés de tentardes salvar uma delas?
A pergunta directa pegara de surpresa a nobre senhora que, confusa, preferiu calar-se para que não se visse mais aturdida.
Dessa maneira, Hatsek ia agindo sobre aqueles espíritos em crescimento, levando-os a pensar sobre os problemas que se apresentavam para serem resolvidos, de maneira a antecipar-lhes algumas indagações de cunho filosófico e espiritual, a fim de preparar-lhes a alma para os embates futuros.
Marnahan, contudo, mais se maravilhava com a simplicidade do sacerdote sincero e amigo, igualmente identificando-se com ele de forma a surpreender-se com tal facto e acreditar-se tratar de algum encantamento desses tão comuns naquela terra de tantos mistérios, principalmente quando ligados às coisas da alma.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122279
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - Os Rochedos são de Areia/André Luiz de Andrade Ruiz Empty Re: Série Lúcius - Os Rochedos são de Areia/André Luiz de Andrade Ruiz

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 22, 2022 8:08 pm

5 — A mediunidade em todos os tempos
Ao retirar-se para seus aposentos, Hatsek deixara as jovens junto de sua mãe, mas levara consigo, lá no íntimo, a preocupação diante dos factos que se desenhavam no horizonte.
Lá estava Nekhefre, desejando colocar-se diante do faraó com uma postura que não corresponderia à verdadeira, para, no íntimo de sua casa, seguir com o comportamento antigo, numa afronta às novas regras.
Ali se achavam as filhas e a esposa do amigo que se inquietavam diante dos fatos, sem maior estrutura para encarar as dificuldades que poderiam decorrer de tais escolhas.
Por outro lado, Nekhefre, inseguro, pedira que o acompanhasse até o palácio em Amarna, o que prometera fazer, mas que, sabia Hatsek, seria expor-se pessoalmente a riscos sérios, principalmente pela sua condição de antigo sacerdote de um deus perseguido pelo novo faraó.
Dizer que concordava com a nova crença seria levantar a suspeita muito clara de que assim se comportava em função de agir de acordo com o que lhe fosse mais conveniente e que, por isso, seria de pouco crédito, ainda que tal postura revelasse sinceridade interior.
Não tinha medo de dizer que concordava com a nova filosofia proposta por Akhenaton. Todavia, por se encontrar entre os que estavam sendo perseguidos pela nova estrutura religiosa, tal declaração soaria como um estratagema que poderia piorar ainda mais a situação de Nekhefre, o amigo que o acolhia.
Diante de tantas indagações, recolheu-se Hatsek ao seu quarto para entregar-se à meditação e ao contacto com os invisíveis orientadores que sempre o auxiliavam nas dúvidas e incertezas.
5Por se tratar de um sacerdote acostumado aos longos processos de preparação interior, afeito às disciplinas próprias de suas funções de intermediário entre os outrora consulentes e o deus que representava, havia se familiarizado com a presença dos que se manifestavam à sua sensibilidade para orientá-lo no encaminhamento dos homens.
Desde sempre a Bondade Divina serviu-se dos canais mediúnicos de que todas as pessoas são portadoras para falar ao coração e à mente e propiciar-lhes uma orientação mais sábia e em consonância com as normas universais.
Pelos veículos da intuição, as noções espirituais são trazidas ao íntimo do indivíduo para que ele se sinta mais preparado para agir, sem se sentir forçado afazê-lo por causa de uma força titânica que o obrigaria, desrespeitando-lhe a vontade.
Pela intuição, Deus lança na direcção da criatura a Sua palavra sem ruído, que surge como pensamento do próprio indivíduo para que o analise e possa extrair de sua meditação, as consequências benéficas para sua conduta futura.
Tal capacidade intuitiva pertence a todas as pessoas. Não existe uma sequer que não guarde dentro de si esse poder.
Por falta de observação, de exercício, de cultivo dessa faculdade pela meditação habitual, pelo silêncio interior e, também, pelos pensamentos desconexos e indisciplinados, cada ser deixa de manter o ambiente íntimo adequado para melhorar a percepção desse discurso sem palavras que poderia escutar, oriundo directamente da Fonte Suprema.
Daí, em que pesem as muitas pessoas sérias, honradas e dedicadas, possuidoras de recursos psíquicos mais desenvolvidos e que se oferecem gratuitamente e com amor ao trabalho do bem em centros espíritas sérios ou locais respeitáveis, muitos indivíduos descuidados procuram recorrer a pessoas que, dizendo-se dotadas de recursos especiais ou determinados dons e privilégios, colocam-se como intermediárias, como intérpretes profissionais de tais verdades, sem esconderem os seus interesses materiais para exercer esses misteres, trocando o que é sublime por aquilo que apodrece.
Ligam-se, tais médiuns equivocados, ao mundo invisível em troca de coisas putrescíveis.
E nisso, muitas vezes, enganam os crédulos, outorgam esperanças mentirosas ou revelam verdades pela metade, a fim de não perderem o interesse daquele que, para elas, é fonte fácil de recursos.
Era essa a postura da maioria dos sacerdotes daquela época, acostumados a ludibriar o povo, a trocar informações por coisas, conselhos por riquezas, vaticínios e previsões por vantagens imediatas.
Todavia, como já se explicou, era nisso também que Hatsek se afastava da conduta comum dos demais. E, por isso, em Hatsek não ocorria apenas o desenvolvimento do ambiente interior favorável para a percepção intuitiva. Pela sua nobreza de alma, pelos seus sentimentos elevados, pela sua conduta voltada para o bem e a seriedade, abrira os canais mais profundos da percepção sensorial, que lhe permitiam ter acesso directo aos seres que se ocultam sob o véu da invisibilidade, com os quais mantinha diálogos e trocava impressões, e aos quais submetia suas dúvidas e questionamentos, a fim de melhor avaliar a conduta a ser adoptada, o conselho a ser oferecido e, no mais das vezes, como proceder para auxiliar directa ou indirectamente os que se encontrassem à sua volta.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122279
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - Os Rochedos são de Areia/André Luiz de Andrade Ruiz Empty Re: Série Lúcius - Os Rochedos são de Areia/André Luiz de Andrade Ruiz

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 22, 2022 8:09 pm

Tratava-se do desenvolvimento daquilo que se conhece actualmente por faculdade mediúnica e que, até os dias atuais, encontra nesse perfil a conduta mais adequada para facilitar a sua eclosão, quando ela esteja na programação individual para a presente encarnação ou quando seja determinado pelo Criador que ela possa ocorrer na vida de uma pessoa, sempre visando levar auxílio aos que sofrem, sem interesses menores envolvendo tal prática ou exercício.
Como deveriam fazer todos os que são dotados de tais recursos mais intensos e que, ao longo dos séculos, seriam desenvolvidos por todas as pessoas igualmente, Hatsek se mantinha vigilante diante de todos os desafios que costumavam surgir perante ele para testá-lo na determinação, no desinteresse, na seriedade, na abnegação necessárias para ser canal límpido entre a terra e o céu.
Isso porque não há médium que possa ser considerado instrumento seguro se não for colocado em teste diante dos obstáculos que tenha de suportar, muitas vezes com estoicismo e absoluta renúncia.
Fora colocado de lado pelos seus companheiros de sacerdócio, hostilizado por sua postura isenta, fora odiado por inspirar um número maior de interessados que o buscavam por confiarem mais nele do que nos outros, fora invejado por ser religioso dotado de princípios sólidos e fiel aos seus postulados.
Fora cortejado por mulheres belas que ofereciam seus favores físicos aos deuses, desejando fazê-lo por seu intermédio pessoal, como forma de seduzi-lo e conquistar-lhe o afecto, já que se tratava de homem belo e viril, dotado de uma segurança interior que impressionava e fascinava o imaginário feminino.
Fora tentado com oferendas valiosas, riquezas que lhe eram ofertadas como sendo sinal de gratidão pelas boas intervenções que fizera diante do deus Amon-Rá em favor de alguns consulentes mais abastados que, agradecidos, queriam assalariá-lo para mantê-lo sob a sua dependência material e, no futuro, continuarem a contar com a sua intervenção.
Fora visitado pela enfermidade que buscou tratar através do contacto com as forças superiores da natureza, sem reclamar dela a ninguém, sem apresentar a menor queixa por sua ocorrência e pela dor que produzia em seu corpo físico.
Tinha a sua sensibilidade voltada para o que era superior e que o mantinha em contacto com as forças nobres que dirigem os destinos de todos os homens.
Por isso, recorria a elas no momento em que a dificuldade e a dúvida se avizinhavam dele, buscando fazê-lo no silêncio de seus aposentos, longe da curiosidade vazia das demais pessoas, em geral sempre despreparadas para entender a profundidade desse intercâmbio.
— Aqui estou, querido filho, para ouvir-te o coração apreensivo - falou-lhe a voz costumeira de seu tutor invisível que, à sua sensibilidade visual e auditiva se apresentava tão claramente como se possuísse um corpo como o dele.
— Nobre Khufu, luminosa vida ao teu ser — respondeu-lhe, respeitoso, o sacerdote reverente.
— A luz é património supremo que pertence a todos os que são criaturas filhas da luz por excelência, Hatsek. Estou aqui para servir-te, se possível, naquilo de que tenhas necessidade.
— Sim, querido amigo, tenho necessidade de teus conselhos.
Como sabes, estamos em tempos novos, com o esforço de nosso rei na implantação de um sistema totalmente diferente de tudo aquilo que já dirigiu as terras do Egipto. Isto está causando muita apreensão e as pessoas estão se perdendo entre o temor ao faraó e o temor aos deuses antigos que devem abandonar.
— São os momentos de escolha na vida de todos os homens, Hatsek, como bem esclareceste a todos os teus amigos desta família.
— É verdade, dura de aceitar, mas é a verdade. Todavia, Nekhefre, ao ser convocado pelo nosso rei a palácio, pretende que o acompanhe e já lhe dei a garantia de minha companhia. No entanto, sei que tal convocação nos trará muito sofrimento e terríveis consequências a todos os componentes deste drama.
— Mais uma vez, querido filho, tuas percepções estão de acordo com os caminhos que todos terão de trilhar para o crescimento pessoal.
Acostumados a uma vida faustosa e sem dificuldades, os homens não crescem o quanto deveriam ou poderiam, impondo-se, assim, que uma força os retire do acomodamento em que se encontram, a fim de fazê-los avançar. Nekhefre, apesar de ser pessoa sem extremo;; de maldade, é homem mundano, sem elevação interior, sem aprofundamento de suas sensações.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122279
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - Os Rochedos são de Areia/André Luiz de Andrade Ruiz Empty Re: Série Lúcius - Os Rochedos são de Areia/André Luiz de Andrade Ruiz

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 23, 2022 12:49 pm

Gosta de trabalhar e contar dinheiro. Orgulha-se de manter o padrão material com a desculpa de dar o melhor à sua família, esquecendo-se de que o melhor para todos é o crescimento de valores da alma, pois é a única que segue para a frente, nos juízos do mundo dos mortos. Como sabes, deixei sobre as areias a maior construção de pedra de que se tem notícia até hoje, na forma piramidal que prevalece em nossa antiga crença sobre a morada da alma neste mundo. No entanto, Hatsek, tive de responder diante do Juiz Soberano por cada alma que sofreu as terríveis disciplinas impostas por meus capatazes que cumpriam minhas ordens inflexíveis. Tive de responder por cada carregador que foi esmagado ou que teve um membro amputado nos inúmeros acidentes que ocorreram durante a sua construção.
Fui chamado à realidade da responsabilidade que temos todos, uns sobre os outros, não importando quem seja o faraó ou quem é o escravo. Muito sofri diante das verdades que encontrei na continuidade da vida e, por isso, não pude fugir ao acerto de contas quando regressei ao corpo físico que a todos nos aguarda.
Hatsek via-se surpreendido por aquelas revelações vindas daquela alma sábia e generosa que sempre se apresentara diante dele desprovida de quaisquer esplendores faraónicos, a confessar-se endividada pela dor decorrente da materialização da crença antiga na edificação do templo funerário.
Sem dar-lhe oportunidade de manifestar tal estado íntimo, Khufu prosseguiu:
— Assim, filho querido, todos os homens precisam aproveitar a oportunidade que já têm, enquanto estão presos às areias da vida, para que não se vejam surpreendidos quando tiverem de chegar ao reino dos mortos tão vivos quanto estamos nós dois, mas, então, sem a oportunidade imediata de refazer as coisas erradas que fizeram. Que aproveitem a estadia o máximo e que dela retirem tudo o que se puder extrair a seu próprio benefício. O que irá suceder será algo importante para todos e nós estaremos atentos para ajudá-los na superação de tais dificuldades, desde que estejam todos em sintonia connosco. Aqueles que se afastam da crença superior e dos conselhos que ela oferece, se entregam ao abismo da dúvida e da fragilidade, que os levará ao escuro vale da negação e do desespero, à procura de outro deus mais poderoso que os possa retirar dali, quando, em verdade, dali terá que sair com suas próprias forças.
Nosso faraó está certo, ainda que não tenha chegado o momento do amadurecimento de todos para compreenderem as suas ideias. Mesmo ele não tem ideia clara sobre tudo o que significa tal modificação.
Podemos dizer que está fazendo o primeiro esforço de mudança, semeando as primeiras sementes que se perderão no solo hostil e duro das almas despreparadas e acomodadas. No entanto, tal esforço trará boas colheitas no futuro. Akhenaton não saberá como proceder com a autoridade que está arvorando sobre si mesmo e confundirá coisas do governo com coisas de Aton, o novo deus. Isso produzirá uma terrível consequência para ele mesmo, já que se verá iludido pelo fanatismo de suas visões pessoais, afastando-se, ao final, dos objectivos originais da própria reforma. Não conseguirá manter sobre os seus ombros a coroa do Egipto e o peso de Aton, pois são poderes que exigem condutas conflituantes e antagónicas.
No futuro, com a evolução da compreensão dos homens, poder-se-ão criar condições mais adequadas para o início de tal experiência que se instalará , por fim, no coração das pessoas em primeiro lugar, para depois migrar naturalmente para tudo aquilo que lhes diga respeito, inclusive o próprio governo nacional.
Até lá, Hatsek, muito sangue e muitas dores precisarão ser sentidas para o despertamento das sensibilidades.
Calara-se o espírito de Khufu, mantendo um sorriso sereno na face e envolvendo o seu protegido numa atmosfera de energias nobres e luminosas que lhe permitiria sair do corpo durante o repouso da noite para que continuassem a conversar sobre tais mistérios indevassáveis aos homens despreparados para conhecê-los.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122279
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - Os Rochedos são de Areia/André Luiz de Andrade Ruiz Empty Re: Série Lúcius - Os Rochedos são de Areia/André Luiz de Andrade Ruiz

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 23, 2022 12:49 pm

6 — Mudinar, astuto, dirigindo Nekhefre, imaturo
Em Amarna, o ambiente era de confusão e novidade, depois que Akhenaton passou a exercer todos os poderes administrativos e religiosos. O culto a Aton, único aceito e imposto a todo o Egipto era tão absorvente que todo o reino passou a orbitar ao redor das novas práticas e a submeter-se às interpretações religiosas que somente poderiam ser feitas pelo faraó.
Para poder impor tal mudança drástica de costumes ao povo afeiçoado a uma grande variedade de deuses antigos, Akhenaton se valia de um poderio intimidador que se concentrava, entre outros, nas mãos de Mudinar, serviçal antigo e que se comportava com tal servilismo e submissão que era tido pelo rei como pessoa totalmente confiável e, por isso, constantemente colocado como seu braço direito nas questões de velar pela nova ordem religiosa.
Sabendo de sua influência e estando junto ao poder que o seduzia, mais e mais Mudinar se tornava fiel e astuto nas artes de trazer ao seu rei os frutos de sua canina submissão.
Inúmeras tinham sido, até então, as personagens do reino que se viram obrigadas a modificar seus costumes, inclusive os próprios nomes pessoais, para se apresentarem diante do faraó demonstrando a aceitação da nova crença, sob pena de serem submetidos a todos os tipos de pressão pessoal, material ou até mesmo física para que fossem claros nas suas posturas.
Muitos que serviam nos diversos sectores da vida administrativa, haviam recebido de seus pais nomes que homenageavam antigas divindades egípcias, da devoção dos genitores que, assim, pretendiam obter para os filhos a protecção especial de tais deuses.
Todas essas pessoas, agora, ao se apresentarem diante do faraó, não poderiam mais possuir as antigas denominações, principalmente pelo facto de o próprio rei, como já se falou, ter mudado o seu nome pessoal de Amenófis, nome que homenageava o deus antigo Amon, para Akhenaton, referente à sua devoção a Aton.
Assim, cabia a Mudinar estabelecer tais averiguações e impor a vontade do faraó e, muitas vezes, a própria vontade como se fosse a do rei para que os demais egípcios que desejassem acercar-se do faraó pudessem ser aceitos.
Estabeleceu, assim, um processo de intimidação através do qual pretendia obter apoio e conhecer os que se encontravam a favor ou contra a nova ordem no reino.
Vendo que a sua astúcia era convincente e que inúmeros príncipes ou abastados cortesãos sobre os quais montava a sua rede de apoio se convertiam à sua fé inovadora, Akhenaton mais e mais se permitia entregar ao comandante de sua guarda a condução de tal processo, até mesmo porque não possuía ele tempo disponível para se dedicar a todas as obrigações de Estado e ao culto religioso.
Como já se pôde informar anteriormente, havia um cuidado muito grande em não se permitir vantagens reais a pessoas que se recusassem a seguir os novos caminhos e, em especial, a todos os que se haviam envolvido no culto da antiga forma religiosa que mais conflituava com a nova maneira de ver o mundo.
Os templos de Amon-Rá estavam sob vigilância, perseguidos ou banidos os sacerdotes, excluído o nome Amon dos monumentos de pedra, como forma de $e romper definitivamente com as antigas estruturas.
Na ingenuidade de sua visão, o faraó acreditava que a crença alheia poderia adulterar-se adulterando-lhe os objectos de culto. Não percebia que, quanto mais se impunha à força, mais renitente ficava dentro das pessoas o desejo de continuarem apegadas à antiga ordem, ainda que na clandestinidade.
Com o passar do tempo, Mudinar percebeu esse facto, pois seus espiões não se cansavam de trazer-lhe a denúncia de que muitos dos que se curvavam diante do faraó e aceitavam novos nomes, faziam-se chamar, tão logo se afastavam de sua presença, pelas suas antigas denominações. Inúmeras vezes, os espiões presenciaram a realização de cultos aos antigos deuses, celebrados pelos antigos sacerdotes banidos de seus templos específicos, que congregavam os seguidores em ambientes afastados para seguirem realizando as práticas religiosas ancestrais.
Sempre que possível, Mudinar valia-se da guarda real para coibir tais práticas e prender os rebeldes, acusando-os de traidores e mantendo-os sob tortura até que revissem seus comportamentos.
Toda a rede de informações estava a serviço de tais policiamentos, de forma a permitir que fora dos limites do palácio os decretos reais não fossem convertidos em letra morta. Ao perceber a conduta duvidosa de algum cortesão mais achegado ao faraó, Mudinar sugeria discretamente ao rei que ordenasse que o mesmo tomasse alguma esposa do círculo de convivência real, como maneira de forçá-lo a se estabelecer sob as vistas dos seus asseclas.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122279
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - Os Rochedos são de Areia/André Luiz de Andrade Ruiz Empty Re: Série Lúcius - Os Rochedos são de Areia/André Luiz de Andrade Ruiz

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 23, 2022 12:49 pm

Inúmeros eram os estratagemas empregados por Mudinar para manter todas as pessoas que lhe interessavam sob a vigilância de seus longos olhos à procura de deslizes que seriam usados como instrumentos de perseguição ou de barganha, ou simplesmente como forma de se vingar ou obter para si as vantagens que os que ocupam postos de realce facilmente obtêm.
Homem solteiro, não possuía compromissos familiares que lhe impedissem as práticas mais nefandas de intimidação, obtendo para si todas as mulheres que desejasse para, logo a seguir, descartá-las como objectos sem valor, ao mesmo tempo em que era constantemente cortejado por moças que sonhavam em se aproximar das estruturas do poder e das vantagens douradas que se poderiam obter de tal consórcio.
Quando desejava livrar-se de alguma amante que se tornara indesejável, geralmente pelo aparecimento de alguma outra mais formosa, Mudinar providenciava o seu casamento com algum soldado ou serviçal do palácio real, libertando-se de uma incómoda relação que já não lhe agradava mais, para colocar outra em seu lugar.
Tudo isso era feito, naturalmente, com a discrição necessária e sem o conhecimento do próprio rei, a fim de que Mudinar não tivesse manchada a sua imagem de assessor confiável e conselheiro real.
Agora, dentro de seu carácter tortuoso, chegara, para sua satisfação, a oportunidade de testar a fidelidade de mais um dos comensais do tesouro real, representado por Nekhefre, a quem convocara para que viesse até o palácio prestar homenagem não apenas ao rei, como também ao sistema por ele implantado.
Sabia, no entanto, da íntima ligação de Nekhefre com as práticas antigas, além de conhecer-lhe o envolvimento com os sacerdotes do odiado deus Amon-Rá.
Mudinar conhecia todos os detalhes da vida das pessoas que iria submeter ao torniquete de sua maldade, eis que uma rede de informantes se posicionava ao redor da futura vítima para recolher-lhe todos os informes e detalhes de seus costumes, seu padrão de vida, suas ligações sociais, seus hábitos familiares e pessoais, suas condutas ilícitas ou clandestinas, que permitiam maior poder de fogo no processo de intimidação.
Por isso, com Nekhefre não fora diferente. Conhecia todos os seus comportamentos e sabia que se tratava de uma pessoa fraca, que se ocultava sob a protecção dos sacerdotes antigos e que não tinha outro interesse a não ser o de manter o padrão de vida dentro das estruturas confortáveis que herdara de seus ancestrais, por favores obtidos dos faraós anteriores. Como já foi exposto, os seus ancestrais haviam participado das campanhas de libertação do território, apoiando os príncipes tebanos e deles receberam os beneplácitos em forma de riqueza e de títulos de nobreza que foram sendo transferidos de uma para outra geração.
Nekhefre, por si mesmo, pouco fizera a não ser manter e ampliar as vantagens materiais através da exploração das riquezas que já possuía e da utilização da astúcia comercial na realização de negócios em que, se possível, explorava os mais fracos, valendo-se de sua condição de nobreza.
As práticas comerciais, desde aquela época até os dias de hoje, viam na esperteza uma qualidade, um valor que deveria ser estimulado em busca da obtenção de maiores recursos. Desde aquele tempo, os homens se admiravam e se invejavam pela capacidade de obter bens e riquezas, não importando qual o tipo de conduta adoptada para isso.
Se fosse uma conduta desonesta, praticada sem deixar pistas ou suspeitas, tão logo alguns meses transcorressem, ninguém mais recordaria que aquela pessoa se comportara inadequadamente.
No entanto, todos seguiriam admirando e invejando o conforto e a prosperidade daquele que se deixou levar pelos interesse escusos, sem preocupação com os que perderam os seus bens ou foram lesados em suas riquezas.
Isso era levado à conta de coisa dos negócios. Há os que ganham e os que perdem.
Mudinar sabia que Nekhefre era essa pessoa, tão religiosa por um lado quanto mundana por outro, desde que estivesse em jogo a sua posição material perante os demais.
Se ele se aproximava de Amon-Rá era para seguir obtendo protecção para manter-se no velho estilo do "tomar o que é do outro", ainda que o fosse para dividir com o templo religioso parte das vantagens conseguidas. Essa conduta de Nekhefre conseguira ser amenizada pela influência de Hatsek que, com seus conselhos e sua sabedoria, ia modelando aos poucos a imaturidade de seu amigo para que adoptasse uma postura diferente. Todavia, Mudinar não podia saber de tal influência, pois ela ocorria no íntimo de Nekhefre, sem que dela os outros pudessem suspeitar, já que o seu comportamento persistia em continuar muito semelhante em todos os sentidos.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122279
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - Os Rochedos são de Areia/André Luiz de Andrade Ruiz Empty Re: Série Lúcius - Os Rochedos são de Areia/André Luiz de Andrade Ruiz

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 23, 2022 12:50 pm

Era verdade. Por mais que Nekhefre escutasse e concordasse com Hatsek, seus hábitos e seu apego ao velho estilo de viver o mantinham em condutas que pouco ou nada espelhavam a sua modificação.
Seguia avarento contador de moedas, exigente cobrador de juros, explorador de empregados, aproveitador de oportunidades, criador de fatos que o favorecessem. Ainda que, depois, se arrependesse, no momento em que fazia tudo isso sentia prazer em seguir ganhando e ajuntando mais e mais. Tripudiava sobre a miséria dos outros sempre com a desculpa de manter o conforto da mulher e das filhas a quem muito amava. Com essa desculpa aparentemente nobre e justa, permitia-se atirar na desdita a família alheia, sem consideração pela fome de inúmeras mulheres e crianças que passavam a pão e água por causa de suas práticas comerciais.
A diferença que a influência de Hatsek produzia em seu interior era a de que, agora, algum arrependimento aflorava no seu ser depois que todas as coisas já tinham sido feitas. Ao chegar em sua casa, muitas vezes se via angustiado por ter sido duro e frio diante das lágrimas de desespero de algum pobre coitado que lhe vinha solicitar complacência ou tolerância. Procurava algum meio de esquecer a cena, mas não conseguia deixar de sentir uma dose maior de arrependimento, ainda que tentasse livrar-se dele, pensando que fizera tudo aquilo com a desculpa da própria família, visando deixá-la em melhor situação.
Nekhefre era um hábil comerciante, mas um homem despreparado para viver dentro das leis do universo.
Diante da sua forma de ser, Mudinar sabia como manejar as cordas certas para conduzi-lo ao lugar que desejava.
Por ser extremamente previsível em suas maneiras, o chefe da guarda real tinha condições de dirigir-lhe os passos monitorando-lhe as actividades como se faz com uma marionete, conduzida por um hábil manejador.
Ao mesmo tempo, Mudinar sabia da permanência de Hatsek junto de Nekhefre e, por isso, desejava aproveitar o intento para obter duas vítimas ao mesmo tempo, pois estava seguro de que Nekhefre não teria coragem de ir até Amarna desacompanhado de seu ombro amigo, conselheiro que o acompanhava em todas as situações.
Preparava-se, assim, o ambiente necessário ao despertamento de todas aquelas almas e que, através da dureza de todos os corações, poderia favorecer o amolecimento das fibras interiores, a benefício deles mesmos.
Khufu, antigo rei de esplendoroso período ancestral, agora Espírito luminoso, seguia os passos de todos, responsável que era, igualmente, por Akhenaton na protecção e inspiração do faraó diante dos passos que estava dando na condução do reino egípcio em direcção a um futuro de glórias que se estenderia além das fronteiras da terra abençoada pelo Nilo.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122279
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - Os Rochedos são de Areia/André Luiz de Andrade Ruiz Empty Re: Série Lúcius - Os Rochedos são de Areia/André Luiz de Andrade Ruiz

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 23, 2022 12:50 pm

7 — A viagem e os planos de Mudinar
Chegara, enfim, o dia da viagem até a sede do governo real, estando os dois homens preparados para o deslocamento, levando pequena bagagem e provisões, além de uma escolta pessoal para se evitarem as surpresas desagradáveis durante o trajecto.
A viagem duraria alguns dias e, por isso, levavam provisões e recursos para que pudessem se ver garantidos em qualquer eventualidade, ainda que se fizesse o trajecto pelo rio Nilo.
Antes de deixarem Tebas, Nekhefre apresentou oferendas aos antigos deuses, principalmente a Amon-Rá, através das quais solicitava os seus favores para que nada de desagradável ocorresse durante a viagem ou no encontro com os representantes do governo egípcio e que, sãos e salvos, pudessem regressar ao lar.
Hatsek o acompanhou nas celebrações, buscando harmonizar-se com a vontade superior que o preparava para as passagens mais difíceis na vida de toda aquela comunidade familiar, incluindo ele próprio.
As despedidas de Kimnut, Marnahan e Hatsena não foram menos emocionantes, já que, naquela época, qualquer viagem de tal magnitude era uma verdadeira aventura sem nenhuma previsão de final. Em geral, tais deslocamentos eram muito comuns somente em períodos de guerras, quando se ia enfrentar o inimigo invasor.
Deixando a família aos cuidados de administradores confiáveis que se incumbiriam de preservar-lhe a tranquilidade e suprir suas necessidades, partiram os dois homens para o seu destino, juntamente com o pequeno grupo que lhes servia, ao mesmo tempo, de guarda e transporte da bagagem e suprimentos.
A viagem rio abaixo foi serena e sem incidentes dignos de menção, eis que nada ocorreu que viesse a abalar a suave trajectória da embarcação.
No entanto, no íntimo daqueles dois homens, um sentimento de apreensão lhes oprimia o peito, antevendo as dificuldades que teriam de enfrentar.
Nekhefre, como já foi falado, por medo de perder os privilégios.
Hatsek, por possuir bem mais conhecimentos do que o amigo, mas não poder evitar nada do que iria suceder. Isso porque sabia que os desígnios maiores ocorrem sempre, a despeito de todo o esforço que se busque para evitá-lo. Por isso é que, para a maioria das pessoas, ficam velados pelo véu que os oculta. Há algumas pessoas, entretanto, conhecedoras de alguns dos mecanismos da Justiça Suprema e das Leis Maiores, que têm a possibilidade de entrever algo dos eventos futuros, como era o caso do sacerdote, mas que sabem não poderem agir deliberadamente para evitar que tudo aconteça como deve ocorrer. Quando muito, se colocam vigilantes para que tais fatos não sejam agravados ou prejudicados por um comportamento rebelde, voluntarioso, arrebatado, que tornem mais dolorosas aquelas consequências.
A chegada em Amarna permitiu que ambos retomassem a terra firme depois de vários dias sobre o rio, com breves paradas em suas margens, refazendo-se do desconforto de tão longo percurso.
Buscaram por alguma localidade onde pudessem se abrigar por algumas horas a fim de que se preparassem para o encontro com Mudinar e com Akhenaton, hospedando-se em confortável vivenda destinada a albergar viajantes ou pessoas que buscassem a aproximação com os representantes reais, já que Amarna se tornara o centro administrativo do país.
O afluxo de pessoas, de víveres, de comércio, era bem maior do que nos demais portos, eis que para ali acorriam todas as atenções. Por isso, a cidade ia sendo dotada de uma rede de ruas, templos, lojas, residências, oficinas, estúdios de escultores, etc.
Tão logo chegaram, Nekhefre enviou um de seus guardas até o palácio real com uma mensagem a Mudinar a fim de informá-lo de que ele havia chegado, atendendo ao desejo do faraó no sentido de tê-lo em sua presença e que, apontando o endereço onde se encontrava, ali permaneceria até que a audiência fosse marcada em seus detalhes e ele, Nekhefre, fosse informado do dia e horário em que deveria apresentar-se perante o faraó.
Tão logo recebeu a mensagem, Mudinar sentiu um prazer especial em sua alma, já que pretendia transformar aquele encontro em uma singular reunião.
Devolveu a mensagem através do mesmo portador, informando em expressões formais e diplomáticas que tão logo se apresentassem as condições necessárias e adequadas para a audiência de tão importante personalidade seria ele, Nekhefre, informado e se providenciaria o seu transporte até o palácio.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122279
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - Os Rochedos são de Areia/André Luiz de Andrade Ruiz Empty Re: Série Lúcius - Os Rochedos são de Areia/André Luiz de Andrade Ruiz

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 23, 2022 12:50 pm

Ao mesmo tempo, Mudinar ordenou que um grupo de espiões a seu serviço estabelecessem uma vigilância muito atenta sobre aquele local onde se encontravam os dois “convidados”, de maneira a acompanhar qualquer atitude evasiva ou suspeita por parte deles.
Depois de certificar-se de que suas suspeitas eram verídicas, ou seja, de que Nekhefre não viera sozinho, mas cercara-se da companhia do sacerdote Hatsek, o chefe da guarda real dirigiu-se aos aposentos de Akhenaton para informá-lo de todos os detalhes e apresentar-lhe as suas avaliações.
Diante do grande rei, prostrou-se, subserviente, com as exortações próprias da reverência a uma verdadeira divindade encarnada, tão do agrado do próprio faraó e de sua esposa, comportamento esse que garantia ao importante súbdito a manutenção do próprio cargo e a continuidade de seu plano.
— Salve, Ó Grande Deus, provedor da vida. Vosso servo e fiel devoto se prostra diante de vossa real autoridade a fim de servir-vos.
— Salve, nobre e fiel Mudinar, que pelos úteis serviços tem se demonstrado digno da minha confiança. Levanta teu corpo para que tua dedicação seja favorecida com a visão do Deus que te preserva e te sustenta.
— Obrigado, Grande Alma, por tamanho privilégio e se não fosse sem motivo, aqui não estaria a afastar-vos dos importantes afazeres na condução de nossas vidas.
— Relata, pois, o que te trouxe até aqui.
Colocando-se diante de Akhenaton que já se demonstrava mais amistoso, depois de toda a troca de reverências e expressões adulatórias, Mudinar passou a relatar os fatos que eram de seu conhecimento, procurando apresentar a Akhenaton todos os informes oficiais e extra-oficiais obtidos pelos processos já mencionados.
— O vosso súbdito, o nobre Nekhefre, de Tebas, chegou recentemente à vossa cidade, aguardando em lugar conhecido a convocação de vossa divina vontade para apresentar-se em palácio , como tem sido feito com todos aqueles que se têm valido das vantagens do vosso tesouro real, a fim de que demonstrem a sua aceitação da nova fé que há de perenizar-se em todo o reino.
— Pois muito bem, já não é sem tempo que esse príncipe, herdeiro dos favores de seus antepassados, se prostre diante do novo deus único de todos os egípcios. Podes marcar a sua vinda até o palácio para o dia dos cultos públicos de Aton, pois desejo, como nos outros casos, que o seu testemunho seja dado diante de todos os presentes, a fim de torná-lo conhecido de todos e demonstrar aos demais o quanto Aton tem sido aceito, em prejuízo de todos os velhos deuses, confusos e fracos diante da força que ele possui.— Sábias palavras, nobre Rei. Assim o será. Devo, contudo, levar ao vosso conhecimento que Nekhefre não se encontra em Amarna sozinho. Trouxe consigo um antigo sacerdote do templo de Amon-Rá que foi fechado em Tebas por ordem de Vossa Divina Vontade, de nome Hatsekenká.
O olhar de Akhenaton tornou-se mais preocupado e suas sobrancelhas acusaram modificação de seu estado íntimo.
— Mas qual seria o motivo de tal ousadia? — perguntou irritado o faraó.
— Ainda não sabemos, grande rei, mas posso dizer que esse homem era muito conceituado entre os sacerdotes solares em Tebas, dizendo alguns que possuía poderes maiores do que todos os outros sacerdotes juntos e que não os utilizava senão para o bem de todos. Em minhas investigações não me chegou nenhuma informação de que tal homem fosse perigoso para qualquer insurreição contra a nova ordem religiosa, como se tem observado em alguns outros lugares.
— Pode ser, mas não quero que se deixe esse sacerdote sem ser observado. Além disso, pelo que estás me dizendo, gostaria de conhecê-lo pessoalmente, a fim de investigar por mim mesmo, até onde vão tais poderes e o que ele tem a dizer sobre Aton. Traga-o junto com Nekhefre à minha presença, no dia da audiência.
— Sim, Grande Sol, aqui estará conforme vossa vontade omnipotente determina e este servo obedece. Ocorre que, como posso informar-vos, me cumpre o dever de dizer que Nekhefre continuava prestando culto aos antigos deuses em Tebas. Mesmo antes de sair da cidade para vir à vossa divina presença, prestou culto a Amon-Rá, invocando-lhe a protecção e as dádivas e, por isso, creio que a simples promessa do nobre príncipe diante de vossa autoridade não o fará modificar o íntimo de suas disposições. Creio mais que, tão logo volte ao barco para o regresso, já se sentirá livre para continuar com as mesmas práticas, aproveitando-se da distância para conspirar contra a instauração plena do único e verdadeiro deus do Egipto. Sobretudo, quando tem em sua própria casa, um sacerdote pessoal que o mantém envolvido nas antigas cerimónias, ainda que seja homem de respeito ou consideração de muitos. Além dele, possui duas filhas jovens que, com certeza, estão sendo modeladas na antiga crença e que, tão logo lhes seja possível, passarão a seguir as antigas formas religiosas, tão nocivas e perversas para todos os súbditos.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122279
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - Os Rochedos são de Areia/André Luiz de Andrade Ruiz Empty Re: Série Lúcius - Os Rochedos são de Areia/André Luiz de Andrade Ruiz

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 23, 2022 12:50 pm

O faraó ouvia atentamente as informações do chefe de Sua guarda que era seus olhos e ouvidos em todo o reino, pelo que lhe dava plenos poderes para estabelecer tal rede de observadores e informantes, colhendo todas as notícias para que ficasse sempre preparado para adoptar as atitudes necessárias.
Tal ponderação de Mudinar tinha um sentido muito grave, eis que já haviam ocorrido casos semelhantes entre os antigos súbditos importantes que, acreditando-se livres da vigilância real, tão logo davam sua demonstração pública de aceitação às novas estruturas religiosas,
apressavam a realizar cerimónias aos deuses antigos, como a se desculparem com estes pela falta cometida por força da imposição faraónica.
Esses indivíduos, tão logo fossem conhecidas as suas posturas dúbias, eram imediatamente convocados por Mudinar, destituídos de suas riquezas, colocados como serviçais no palácio do faraó ou como quase escravos a serviço de outros súbditos importantes que aceitassem a nova crença no deus único Aton.
Com tais informações, Mudinar começava a instigar no coração do rei as prevenções de que se valeria para atingir a sua meta, no que se referia a Nekhefre.
— Seria necessário reter o príncipe junto de nós por mais tempo para acompanhar-lhe a postura pessoal e nos certificarmos de que a sua foi uma conversão sincera. Se isso ocorrer, estará livre para retornar a Tebas e seguir nos apoiando na grande cidade. Se isso não ocorrer, daremos a ele tudo aquilo que se dá aos falsos amigos do Egipto — falou o faraó encerrando as deliberações daquele dia.
— Sábias palavras, Grande Rei de todos nós. Assim o faremos de maneira a deixarmos o príncipe junto à vossa presença por algum tempo, informando-o de que será requisitado a prestar certos serviços pessoais ao faraó — respondeu Mudinar, dando a Akhenaton a demonstração clara de que já possuía tudo pronto em sua mente astuta e desejosa de atingir objectivos escusos.
Prostrando-se novamente, o chefe da guarda beijou-lhe os pés e assim, dobrado rente ao solo da sala de audiências, deixou o recinto em respeito ao Grande Aton, encarnado na pessoa do faraó.
Contudo, no seu íntimo, Mudinar tinha a convicção de que, com tais procedimentos, era ele que, em algumas situações, governava o próprio governo, já que sabia semear as ideias na mente do seu rei e, por conhecer-lhe as tendências pessoais, sabia manejar suas emoções para delas extrair o que era de seu interesse.
Além disso, junto dele congregavam-se inúmeras entidades sombrias que, imantadas ao seu cérebro, movimentavam todos os departamentos intuitivos para instigar os processos de perseguição, de manutenção de privilégios e de obtenção de vantagens.
Apesar de ser fiel ao nobre rei, Mudinar tinha sido, anteriormente, adepto dos diversos cultos supersticiosos que proliferavam naquela época, através dos quais se obtinham fórmulas secretas, filtros amorosos, amuletos, poções miraculosas, e até mesmo venenos indetectáveis pelos meios antigos de avaliação.
Aliado a tais vibrações, Mudinar, no silêncio de seus aposentos privados, protegido de todos os olhares estranhos e comprometedores, no isolamento absoluto, punha-se em relação com as forças chamadas de ocultas, como já era costume seu desde longa data, o que representava uma infracção gravíssima à nova ordem religiosa do próprio faraó a quem servia de maneira cega. No entanto, tomava todas as cautelas necessárias para que tal prática pessoal não fosse de conhecimento de ninguém além dele próprio. Mesmo os produtos utilizados para que se realizassem tais cerimónias ocultas eram cuidadosamente guardados em local secreto, sob denominações de medicamentos conhecidos ou em recipientes usados para o culto de Aton que trazia em seus aposentos e que, em momento algum levantariam suspeitas sobre sua pessoa.
Como se pode ver, Mudinar desejava perseguir os demais pelas mesmas coisas que ele próprio realizava, em condições muito mais comprometedoras e com finalidade muito mais danosa do que a prática da religião antiga.
Acreditava, assim, que poderia dominar em todas as áreas possíveis, fosse na do poder mundano e perecível, fosse perante as forças invisíveis que ele pretendia controlar à sua maneira, aliando-se a inteligências invisíveis que, desde longa data lhe prestavam assessoria para os mais baixos desejos e objectivos, e que mantinham, assim, um conúbio, uma sociedade de interesses mesquinhos, através da qual se serviam mutuamente.
Não é nova, assim, caro leitor, a prática do intercâmbio vulgar e rasteiro entre os interesses materiais dos homens e o mundo invisível, valendo lembrar, entretanto, que cada um se sintoniza na faixa vibratória com a qual se relaciona e que ninguém sai incólume de tais relacionamentos.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122279
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - Os Rochedos são de Areia/André Luiz de Andrade Ruiz Empty Re: Série Lúcius - Os Rochedos são de Areia/André Luiz de Andrade Ruiz

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 23, 2022 12:50 pm

O Ocultismo, assim considerado desde os primórdios da cultura egípcia, conquanto seja porta para uma realidade insofismável que é a da existência do Mundo dos Espíritos, representa perigosa passagem para uma região sombria e aflitiva, quando o interessado se vale dela para seus interesses pessoais, para a consecução de seus desejos mais indignos, para a realização de torpezas contra seus semelhantes, para a obtenção de vantagens, para a conquista de amores, para a sedução de pessoas ou destruição de lares. Entidades trevosas e de teor vibratório muito deletério acorrerão aos chamamentos e se imantarão aos invigilantes encarnados, permanecendo junto deles e sobre eles depositando toda a carga de suas vibrações nocivas.
Todos eles desconhecem que a Vontade do Criador é sempre Soberana e incapaz de ser adulterada por quaisquer práticas ocultas com finalidade inferior, maldosa ou destrutiva. Aparentes sucessos nessa área, não são mais do que permanentes compromissos assumidos pelo consulente pagante com a dor e com a desilusão, que reconduzirão todas as coisas aos seus devidos lugares e obrigarão o ser que se vale dessas estruturas a sofrer, mais cedo ou mais tarde, todas as consequências de ter se aliciado com a sombra.
No entanto, nada como a própria experiência para ensinar aos tolos, o quanto a tolice faz sofrer os que dela se valem para se iludir achando que são capazes de se imporem à vontade do Criador.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122279
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - Os Rochedos são de Areia/André Luiz de Andrade Ruiz Empty Re: Série Lúcius - Os Rochedos são de Areia/André Luiz de Andrade Ruiz

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 23, 2022 12:51 pm

8 — Explicando
No plano espiritual, as estruturas vibratórias denunciavam o estado interior de cada personagem pelo nível de emissões luminosas e de formas-pensamento que se cristalizavam ao redor de cada um deles e que, pela persistência e duração, ganhavam vida própria.
Além disso, aos padrões vibratórios de cada emissor, se associam, por atracção, os Espíritos que com eles também se afinizam, numa estrutura de sintonia perfeita, passando, ambos os lados da vida — visível e invisível — a viver em regime de simbiose, chegando a confundir-se nos desejos, inclinações e atitudes.
Notadamente quando se fala de vibrações inferiores, o tipo de entidade espiritual que a elas se vincula e por elas é atraída propicia ao encarnado uma quase sufocação psíquica, eis que, por serem espíritos muito ignorantes e sem princípios elevados de vida, se valem dos recursos mais torpes de domínio, acreditando estar em vigor os mesmos tipos de conduta e os mesmos métodos com os quais dominavam os que lhes rodeavam, durante a sua vida física.
Os Espíritos que se aproximam dos encarnados que, invigilantes, se mantêm na órbita dos interesses mesquinhos e imediatistas, sobre eles vão estabelecendo uma teia de influências, aproveitando-se das tendências próprias do companheiro preso à carne, utilizando-se de suas faculdades sensíveis e produzindo vasta rede de perturbações que, começando sutilmente, com o decorrer do tempo vai jugulando a criatura, impondo-se a ela pela pressão magnética que só pode ser rompida ao preço de uma radical modificação dos padrões mentais e comportamentais do encarnado.
Já os Espíritos que buscam os encarnados por se compatibilizar com as vibrações elevadas e harmoniosas que estes possam ser capazes de emitir, pelo bem já acumulado em seu íntimo e pelo desprendimento com que vivem a vida material, ao contrário daqueles acima referidos, são Espíritos suaves e generosos que, longe de se imporem ou
de se fazerem sentir por uma pressão tirânica, valem-se das intuições subtis, leves recordações que fazem surgir na mente do encarnado, bran8das sugestões lançadas ao interior de seus pensamentos para que ele próprio as possa assimilar, meditar-lhes o conteúdo e, por si mesmo, aderir ao chamamento que lhe é feito através da amorosa solicitude invisível que o ampara.
Nestes casos, o encarnado não se vê preso de nenhuma violência, mal-estar ou inquietação, mas sim identifica a presença do amigo invisível através de um impulso generoso, de uma ideia que o estimula, de uma inclinação forte para realizar algo de bom, tomar tal atitude, evitar tal procedimento, não chegar a limites perigosos, evitar certas companhias, tomar cuidado com os lugares que frequenta, agir com cautela, tudo isto na forma de sugestão ou alerta silencioso, que brota no íntimo do ser.
Tais percepções não dependem de se possuir esta ou aquela qualidade pessoal exclusiva, de ser privilegiado pelo Criador ou ser dotado de especial dom que lhe favorece essa ligação.
Todos os seres são máquinas produtoras de fluidos mentais e, por isso, são igualmente dotados de receptores de tais fluidos, emitidos por si mesmo e pelos outros e, assim, todos são igualmente dotados de estruturas íntimas para que possam se colocar em sintonias e percebê-las, sejam as boas, sejam as não tão favoráveis.
Em geral o que ocorre é que o encarnado deseja obter a chave desse mistério sem pagar o preço necessário para consegui-lo. Todos os seres podem identificar as intuições que lhe são endereçadas, mas para que isso se dê, precisam amadurecer interiormente, buscar o autoconhecimento, identificar as próprias tendências, sentir onde estão as próprias falhas e as fraquezas pessoais a fim de saberem se as intuições que lhes chegam não são, na verdade, manifestações de sua própria personalidade.
Sem um padrão de conhecimento crítico e sincero de si mesmo, o encarnado não possui referencial seguro para não se deixar levar pelas impressões.
Além do mais, deverá conhecer as virtudes que possui, mesmo que em desenvolvimento, as boas tendências que habitam o seu íntimo, para trabalhar e ampliar-lhes o espectro. Investindo em si próprio, melhora a qualidade e a amplitude da antena receptiva que poderá captar melhor os sinais elevados que passam a ser identificados pelo interior do encarnado que se aperfeiçoa.
Há sempre à nossa volta, boas vibrações oriundas dos planos superiores e vibrações desajustadas e conflitivas provenientes das nossas redondezas e das concentrações mentais desajustadas que circundam o globo físico.
Para estarmos sintonizados com umas ou com outras é necessário que nosso instrumental interno esteja calibrado pelas nossas observações e, assim, poderá ser usado num sentido ou em outro.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122279
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - Os Rochedos são de Areia/André Luiz de Andrade Ruiz Empty Re: Série Lúcius - Os Rochedos são de Areia/André Luiz de Andrade Ruiz

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 23, 2022 12:51 pm

Eis aí o grande problema. O ser humano passa longo período de sua vida dissimulando as próprias tendências, enganando-se a si mesmo, fugindo de sua interiorização, deixando a auto-análise para mais tarde. Costuma chamar a avareza de previdência, o egoísmo de cautela, o desejo sexual de amor. Poucos se admitem ciumentos e poucos ciumentos se aceitam errados. Muitos que não se deixam levar por essas crises doentias do afecto são tidos por pessoas indiferentes. Para outros que não conseguem despertar ciúmes no parceiro isso é encarado como falta de amor deste para com ele.
O capricho desmesurado de se gastar comprando coisas desnecessárias e, muitas vezes inúteis, é baptizado com o pomposo nome de moda, sob cuja desculpa se promovem todos os tipos de disparates e ofensas, não só ao bom senso como à miséria que impera ao derredor daquele que tudo faz para andar vestido com os modelos em voga.
O indivíduo astuto que se vale das oportunidades para aumentar seus ganhos em detrimento da perda e da disseminação de prejuízos aos demais é tido como empresário talentoso, homem de visão, invejado até pelos seus pares.
O indivíduo que se contenta com poucas necessidades e não se apresenta brilhante e vistoso diante dos seus é tido como um perdedor ou derrotado e, muitas vezes, pressionado a mudar de atitudes, se vê envolto num mar de contradições e dúvidas.
O ser humano chama de fé ao ato formal de ir a templos dentro dos quais se comporta como um indiferente que tem de esperar os ponteiros do relógio terminarem sua jornada para que dali possa retirar-se com a sensação de que,.. ufa!... cumpriu o seu dever...
Denomina Caridade o ato de dar o que não presta mais e se sente feliz de o ter praticado transformando o seu lixo em algo valioso.
Deseja ser escutado e recusa-se a ouvir os outros. Diante de sua mesa farta e de seu prato fumegante e perfumado, censura os governantes que considera insensíveis à dificuldade do povo, mas desconta do salário mínimo que paga à serviçal doméstica os seus minutos de atraso com a desculpa de discipliná-la. Isso quando não desconta dela também o prato de comida que lhe forneceu na hora do almoço.
Consome quantias astronómicas com paramentos e adereços para os veículos, luzes que piscam, aparelhos de som de última geração, carenagens sofisticadas, que paga sem titubear ou sentir o peso, mas nunca tem mais do que “uns trocados” para entregar na forma de contribuição espontânea ao sofrimento que encontra pelo caminho.
Engana-se tanto o ser humano que não percebe que cresceu, que já é adulto, mas que está tendo comportamentos que atestam a sua infantilidade espiritual.
Se são criticados, ofendem-se, sem sequer se darem ao trabalho de analisar se a crítica é compatível ou procedente, quando deveriam mais agradecer do que maldizer quem lhe está fazendo o favor de abrir os olhos. Sabem que os vícios são perniciosos, mas não abdicam nunca do destilado ou do maço de alcatrão e nicotina.
Quando se vêem fustigados pelas dificuldades da vida ou pelas doenças, voltam-se contra o Criador a quem atribuem a maldade de os estar fazendo sofrer.
Desconhecendo-se desta maneira, os seres humanos são presas fáceis de si mesmos, abertos a todo o tipo de deslizes e de comportamentos que produzem vibrações desajustadas, plasmando formas pensamento que lhes denunciam as próprias emanações energéticas e, via de consequência, abrem as portas mentais para todo o tipo de espíritos igualmente necessitados e ignorantes que se achegam, não como invasores, mas sim como convidados.
Conhecimento interior, pensamento elevado, fé em Deus, oração sincera, atitudes generosas, leituras sadias e inspiradoras, ideais pelos quais se luta sem esmorecer — todos eles são recursos indispensáveis para que a antena sensível do encarnado esteja voltada para outra faixa de captações e, dela saberá extrair as divinas mensagens internas, os estados de alma elevados, a visão mais longa sobre as contingências adversas que o visitam para adestrá-lo.
Basicamente, estas eram as diferenças entre Mudinar, Akhenaton, Nekhefre, Kimnut — todos eles envoltos no manto confuso da insensatez — e Hatsekenká e Marnahan, já mais sintonizados com as faixas positivas da vida, conquanto todas estas personagens ainda estivessem enfrentando os caminhos evolutivos próprios que lhes cobrariam sacrifício e modificação profunda de si mesmos.
O que os diferenciaria, no entanto, seria, justamente, a maneira de enfrentar os desafios da vida e o padrão de sintonia que escolheriam para si.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122279
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - Os Rochedos são de Areia/André Luiz de Andrade Ruiz Empty Re: Série Lúcius - Os Rochedos são de Areia/André Luiz de Andrade Ruiz

Mensagem  Conteúdo patrocinado


Conteúdo patrocinado


Ir para o topo Ir para baixo

Página 1 de 9 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9  Seguinte

Ir para o topo

- Tópicos semelhantes

 
Permissões neste sub-fórum
Não podes responder a tópicos