LUZ ESPÍRITA
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Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb maio 10, 2014 8:47 am

O Amor Jamais Te Esquece
ANDRÉ LUIZ RUIZ

Lucius (Espírito).

MOMENTOS HISTÓRICOS DO CRISTIANISMO DO SÉCULO I

Índice

1 - Voltando a Roma
2 - O Imperador Tibério
3 - O Pedido de Flamínio
4 - A missão secreta de Públio
5 - Zacarias e Jesus
6 - Josué e Zacarias
7 - A personalidade de Pilatos
8 - O passado voltando ao Presente
9 - O assédio de Pilatos
10 - Os Cúmplices

11 - Jesus e os setenta
12 - Começa a jornada apostólica
13 - Em Nazaré
14 - A resposta à Oração
15 - A Primeira Pregação
16 - Jesus e Públio
17 - A Segunda Pregação
18 - Multiplicam-se as bênçãos
19 - O Amor despertando o Amor
20 - Sementes do Amor que se espalham

21 - Protecção antes da Perseguição
22 - Reparação e Testemunho
23 - Apresentando Jesus a Pilatos
24 - Jesus e Lívia
25 - Jesus ouvindo e falando aos setenta
26 - O Pedido de Jesus
27 - A Páscoa e a prisão
28 - O Julgamento e a Aparição
29 - Tragédias que se ampliam
30 - Tibério contra Pilatos
31 - Pilatos e Zacarias
32 - Pedro e Zacarias
33 - Cumprindo o Prometido
34 - Zacarias se desdobra
35 - A Vergonha de Pilatos
36 - Quem com ferro fere
37 - Perseguição que se estende
38 - Os Planos de Fúlvia
39 - O fim de Zacarias
40 - O Amor Jamais Te Esquece
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb maio 10, 2014 8:49 am

"CARTA DE PÚBLIO LENTULUS AO IMPERADOR TIBÉRIO CÉSAR.

Eis aqui, enfim, a resposta que com tanta ansiedade esperáveis.

Ultimamente apareceu na Judeia um homem de estranho poder, cujo verdadeiro nome é Jesus Cristo, mas a quem o povo chama "O Grande Profeta" e seus discípulos, "O Filho de Deus".

Diariamente contam-se dele grandes prodígios:
ressuscita mortos, cura todas as enfermidades e traz assombrada toda Jerusalém com a sua extraordinária doutrina.

É um homem alto e de majestosa aparência;
sua face, ao mesmo tempo severa e doce, inspira respeito e amor a quem a vê.

Seu cabelo é da cor do vinho e desce ondulado sobre os ombros;
é dividido ao meio, ao estilo nazareno;
sua fronte, pura e altiva, sua cútis pálida e límpida;
a boca e o nariz são perfeitos;
a barba é abundante e da mesma cor dos cabelos;
as mãos, finas e compridas;
os braços, de uma graça encantadora;
os olhos azuis, plácidos e brilhantes.

É grave, comedido e sóbrio em seus discursos.

Repreendendo e condenando, é terrível;
instruindo e exortando, sua palavra é doce e acariciadora.

Ninguém o viu rir, mas muitos o têm visto chorar.

Caminha com os pés descalços e a cabeça descoberta.

Vendo-o à distância, há quem o despreze, mas em sua presença não há quem não estremeça com profundo respeito.

Quantos se acercam dele, dizem haver recebido enormes benefícios, mas há quem o acuse de ser um perigo para Vossa Majestade, porque afirma publicamente que os reis e os escravos são todos iguais perante Deus."

Fonte: Manuscrito arquivado na Biblioteca da Ordem dos Lazaristas em Roma.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb maio 10, 2014 8:49 am

1 - Voltando a Roma

Os ruídos das tábuas que reclamavam da longa viagem gradualmente iam diminuindo à medida que a grande embarcação chegava ao porto de Óstia, na costa italiana, grande porta de entrada em direcção à Roma Imperial.

A nau que chegava, levada até o destino final pelos remadores robustos e escravizados, era o símbolo da própria Roma, altiva, grande, imponente e dominadora dos povos que conquistava, graças à capacidade de organização de seus exércitos regulares e seus meios de comunicação muito desenvolvidos para a época.

O vasto tecido que era usado como velame para colher os ventos favoráveis e que trazia a marca da águia imperial já havia sido enrolado para se evitarem surpresas durante a atracação da embarcação, cheia de bens e valores importantes para os romanos da capital, sempre á vida por novidades e prazeres.

O seu conteúdo precioso era composto de ânforas do mais capitoso vinho das províncias romanas do oriente, tecidos finos, cereais exóticos, frutas secas, utensílios e jóias, bem como dinheiro recolhido dos povos tributários que, sob o domínio imperial, tinham o dever desagradável de entregar parte de seus parcos recursos para a manutenção dos privilégios da metrópole.

Além disso, um contingente de homens, mulheres, prisioneiros e viajantes se amontoava nos espaços disponíveis da embarcação vasta, todos ansiosos pelo momento de recolocarem os pés na terra firme, única ocasião em que se poderiam sentir em segurança novamente.

Lentamente, levada pela força do braço escravo que se desgastava nos remos pesados sob o argumento convincente do chicote, a pesada embarcação se ia aproximando do local onde também descansaria da incerta e perigosa travessia do Mediterrâneo.

O comandante ordenava, aos gritos, as manobras necessárias para a perfeita chegada, evitando-se assim os riscos de danos ao património do Império sob a sua guarda e responsabilidade, tanto quanto para demonstrar a sua perícia na condução da nau imponente.

Os homens sob seu comando se esforçavam para conduzir serenamente o grande corpo de madeira até o ponto de atracação, onde era esperada por uma outra multidão de ajudantes, negociantes, soldados e curiosos, sempre em busca de riquezas e oportunidades para conquistarem as migalhas do grande banquete representado pelos bens que ali se encastelavam.

Eram pessoas que se ofereciam para descarregar a mercadoria como forma de ganharem alguma coisa pelo esforço empregado, eram outras espreitando algum carregamento esquecido no solo por algum vigilante distraído e do qual subtrairiam alguma coisa para, depois, venderem e embolsarem o dinheiro, nos golpes com que o homem, desde longa data, imagina que estará melhorando seu destino.

Por isso tudo, a chegada de tal embarcação representava esperança para quem voltava à terra firme, tanto quanto significava expectativa para os que, no solo, se apinhavam à sua volta para conseguirem algo para si mesmos.

Ao longe, Roma esperava.

Um magote de soldados subiu a bordo tão logo a embarcação finalmente entregou-se às amarras e apresentou-se ao comandante para que este conhecesse a escolta que haveria de levar ao tesouro imperial os bens oriundos da colecta junto aos povos do oriente, dirigido por Lucílio Barbatus.

No gesto característico dos militares que se saudavam em nome do imperador, dirigiu-se ele ao capitão da embarcação:
– Avé César.
Em nome de Tibério e da nossa deusa Fortuna te saúdo o regresso, nobre Cláudio, e aqui me apresento como o representante da comitiva militar com o dever de escoltar até a capital o representante do imperador no recolhimento do tributo das províncias orientais, a fim de que os bens que pertencem a Roma não se percam pelo caminho nas mãos dos salteadores, sempre prontos a algum golpe contra o património alheio.

Observando a expressão formal do soldado, já seu conhecido de algum tempo, Cláudio sorriu e disse:
– Vida longa a César e a você, Lucílio, pois que é um grande prazer escutar vozes diferentes dos gritos destes escravos, do barulho do chicote, do tambor, das amarras, do vento, durante todos estes meses.

O ruído do porto é como música para mim, agradável e cheia de cânticos de alegria.
E a sua presença, assim, sempre dura e formal, logo irá converter-se em um sorriso de satisfação quando puder comparar o tamanho de nosso carregamento com o de outras embarcações que aqui aportam orgulhosas de trazerem algumas coisinhas da redondeza.

Venha comigo e você mesmo verá como vai perder a pose de importante para dar lugar ao gesto de admiração e espanto.
E dizendo isso, Cláudio tomou o braço de Lucílio, que se deixou conduzir serenamente para o interior da embarcação, no rumo de seus porões malcheirosos, mas abarrotados de mercadorias, enquanto passava pelos corredores internos onde se colocavam os assentos dos remadores e as correntes que os prendiam.

O alvoroço da chegada transferia-se também para aquela região do navio, já que os subalternos do comandante tomavam as providências para o desembarque das pessoas, começando pelas mais importantes, ao mesmo tempo em que necessitavam administrar a subida e descida de carregadores das mercadorias.
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Todavia, acostumados a tais operações, Cláudio não se preocupara com o seu desenrolar e, levando Lucílio até o porão principal, carregando uma tocha acesa, deslumbrou o soldado com a quantidade de géneros de todos os tipos, cujos odores se misturavam naquela atmosfera, impregnando o ar com tentadoras lembranças de terras distantes.

– Pelos deuses, Cláudio, nunca vi uma coisa dessas na minha vida de soldado neste porto! – exclamou admirado Lucílio.
– Eu sabia disso, soldado, tanto que já o advertira antes.
Se a competência do capitão for medida por peso de carga transportada, posso pleitear o posto de almirante do imperador, não acha?

– E eu servirei de testemunho vivo, para embasar o seu pedido – respondeu Lucílio, sorrindo francamente.

Voltaram para a superfície da embarcação, onde a mistura de passageiros, cargas, trabalhadores, oficiais náuticos, curiosos, tornava quase divertida a operação bem vigiada por soldados e donos de mercadorias que aguardavam a sua encomenda.

Todavia, buscando afastar-se do bulício em que se transformara aquele lugar, Lucílio trouxe Cláudio para um desvão mais afastado do tombadilho do navio para perguntar-lhe sobre um assunto de Estado muito importante:
– E o homem, também veio com você?
Estou sabendo que, por ordens do Imperador, um muito importante personagem do governo das províncias caiu em desgraça e teve seu nome incluído entre aqueles que deveriam comparecer pessoalmente diante de César para prestar-lhe contas antes de ser punido.

Foi você o responsável por sua condução?

Observando a curiosidade de Lucílio e o conhecimento parcial dos factos, Cláudio sorriu de maneira misteriosa e respondeu:
– Bem, Lucílio, trata-se de um assunto muito delicado.
As coisas para o lado do oriente estão em polvorosa e me parece que não é correto julgarmos nossos patrícios.

Todavia, cumprindo ordens que lhe foram entregues pessoalmente pelo responsável pela guarnição em Jerusalém, em Jope pude receber a bordo o nobre governador que, obediente, se deixou conduzir até aqui por esta embarcação oficial, apesar da precariedade de suas instalações.

Sim, o governador é passageiro nesta nau.
No entanto, estou esperando a chegada da comitiva oficial que será enviada de Roma para levá-lo até seu destino, que desconheço.
Por isso, pretendo deixar que todo o tumulto deste momento ceda lugar à tranquilidade para que me dirija até seus aposentos internos e solicite a sua saída, poupando-o da curiosidade popular.

– Sim, é melhor dessa maneira – respondeu Lucílio concordando.

Era o ano 35 da era cristã.

E se o mesmo barco da águia romana trazia aninhado um de seus mais importantes servidores, homem de Estado, ex-governante de uma província distante, trazia no seu bojo também criaturas que se apresentavam como servidoras de um Deus generoso e justo, capaz de amar a todos e por todos ser amado sem medo ou condição.

Descendo no meio da confusão, um modesto viajante, oriundo do oriente, chegava às portas da grande cidade imperial, trazendo em seu coração o desejo de dar testemunho da verdade e de sua fé naquele doce rabi da Galileia, cuja pregação ele mesmo houvera presenciado e que lhe mudara a vida para sempre.

Conquanto vitalizado pelo trabalho no bem, encontrava-se no inverno físico, mas, apesar disso, era uma criança na alma, aquela criança na qual os homens deveriam tornar-se para que pudessem entrar no reino dos céus, conforme Jesus ensinava.

Com esse passo, iniciava a concretização daquele que seria o último sonho de sua vida e o mais árduo e desafiador feito de seu espírito.
Cumprir seu compromisso com Jesus e, se possível, inaugurar na cidade imperial, na cidade do materialismo pagão, no núcleo mais dourado do poder mundano o primeiro culto cristão.

Ali chegava também, naquele mesmo dia, entre ansioso e confiante, o velhinho amorável que descortinaria, no anonimato e no sacrifício de si mesmo, os primeiros raios da alvorada do Amor no coração endurecido da civilização arrogante, pronta a engolir os que se colocassem em seu caminho, pronta a fazer escravos, a invadir terras alheias, a roubar-lhes os bens e os filhos para a guerra.

À sua espera estava Roma, altiva e prepotente, começando a ser conquistada por um singelo sapateiro a serviço do bem.

Naquele mesmo dia estavam juntos, na mesma embarcação, chegando a Óstia, o governador Pôncio Pilatos, que seria encaminhado ao julgamento de seus actos, ao mesmo tempo em que pisava o solo da Itália, o humilde Zacarias.
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2 - O Imperador Tibério

O imperador Tibério fora conduzido ao trono de Roma no ano 14 da era Cristã, tendo governado, nos primeiros 10 anos, com razoável tirocínio, envolvido pelas questões de um Estado cada vez mais amplo e complexo.

Por esse motivo, ocupar o trono de Rómulo e Remo era carregar um peso descomunal sobre os ombros humanos, notadamente na época em que os costumes estavam tão pouco modificados pela compreensão das leis morais que dirigem os homens para a elevação de seus espíritos.

Acostumados a pensar apenas em si próprios e nas vantagens do poder e do mando, as seduções que eram criadas no imaginário das criaturas acerca dos privilégios de que desfrutavam os imperadores faziam com que estes fossem pessoas invejadas, cortejadas pela lisonja mentirosa, aduladas por falsos amigos, cercados pelos que, ao mesmo tempo em que faziam reverência com o corpo, carregavam o punhal oculto na manga de suas túnicas vistosas, prontos para dar o golpe traidor tão logo surgisse a oportunidade favorável.

A indústria do assassinato por interesse ou conveniência era quase que uma instituição governamental, ainda que contra ela todas as autoridades, tanto do governo imperial quanto do Senado romano, se levantassem em combate.

Isso, no entanto, não impedia que os próprios governantes, em qualquer nível de importância, tivessem no copo de veneno ou na emboscada covarde, importantes aliados na solução de conflitos de interesses.

Não nos esqueçamos de que ainda não fazia um século que o próprio imperador Júlio César houvera sido friamente assassinado em pleno prédio do Senado Romano pelos integrantes dessa instituição política com um sem número de punhaladas, na presença de quase todos os senadores, que assistiram, impávidos e omissos, à execução do grande condutor das reformas na Roma que nascia, vigorosa.

Por esse motivo, a condução dos negócios de Estado, já naquela época, significava ter que dirigir um navio imenso e pesado por um oceano de incertezas e maldades, cheio de aliados de ocasião e traidores, escasso de amigos verdadeiros e confiáveis, o que obrigava o administrador mais cuidadoso a temer pela própria vida nas coisas mais simples que o rodeavam.

Estar na condição de Imperador Romano representava, portanto, um desafio, não só à capacidade do homem intelectual, mas sobretudo à sua astúcia, ao seu cabedal de coragem e ao seu poder de sobreviver um dia depois do outro.

E com Tibério, tal situação se foi agravando, levando sua personalidade delicada à condição neurotizante de estar vigiando a tudo e a todos para que se defendesse de qualquer acto de traição.

Tanto que, no período em que sua idade já cobrava o preço pelo desgaste da administração de tão vasto território, notadamente depois do ano 31 d.C., foi ele envolvido pelo crescente temor da infidelidade, o que levava o Senado a usar, como recurso de defesa, um instrumento legal existente na estrutura legislativa de Roma e que consistia em permitir-se a qualquer pessoa acusar alguém de conspirador e levá-lo a julgamento perante o próprio Senado imperial que, com poderes específicos de tribunal, tinha poder absoluto sobre a vida do acusado e, como forma de recompensar o acusador de tão importante denúncia, entregava-lhe parte do património do denunciado como prémio pelos serviços prestados.

Era o princípio contido na conhecida “Lex Maiestatis”, que fora criada no período da Roma Republicana e que tinha por conteúdo combater “tudo o que pudesse diminuir a majestade do povo romano”.

Todavia, com o suceder dos anos, tal sentido político de defesa da majestade do povo romano migrou para a pessoa do seu governante e, na fase do Império, passou a ser aplicada não só à rebelião ou conspiração, mas a tudo o que pudesse ser considerado desrespeito ao imperador, ainda que, em muitos casos, fossem apenas comentários difamatórios dirigidos contra os senadores, que eram tidos como outra extensão do povo romano e, por isso, aptos a se considerarem protegidos pela “Lex Maiestatis”.

Tanto o Imperador como o mais singelo cidadão romano poderia levar à corte senatorial a acusação contra algum outro que, por palavras, gestos, intenções, tivesse ferido a honra ou se manifestado contra as ideias do soberano ou do Senado e ser acusado de conspiração.

Com isso, pretendia-se desestimular os movimentos de traição, tão comuns nos períodos antigos quanto nos dias atuais, ainda que, agora, nos grupos nacionais mais civilizados, já não seja tão comum o recurso do assassinato directo como elemento de transformação política, apesar de sabermos que, aqui ou ali, ocasionalmente, morrem um ou outro governante de um tipo de morte que se poderia chamar de “não natural”.

Tal recurso, no entanto, produziu um efeito contrário, ao longo dos anos sucessivos, propiciando um aumento considerável de denúncias infundadas, baseadas apenas no interesse monetário do acusador que pretendia herdar parte dos bens do denunciado, ou mesmo no seu desejo de vingar-se do acusado por ser-lhe adversário político ou competidor em interesses negociais.

Passou a ser uma arma de ataque solerte e vil, muitas vezes usada por pessoas perigosas porque poderosas e influentes, contra os seus adversários, em geral indefesos e incapazes de exercer qualquer tipo de reacção eficaz diante de um Senado conduzido, nos bastidores, pela influência do próprio acusador.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb maio 10, 2014 8:50 am

Se no período inicial de sua administração Tibério buscou coibir o uso generalizado de tal invocativo legal, com o passar dos anos, como já se disse, principalmente quando seu próprio colaborador mais próximo, o ministro Sejano fora acusado e, ao final, terminara estrangulado como traidor, o próprio imperador se viu assombrado pelos efeitos da onda sucessiva de denúncias, surgindo conspiradores e traidores por todos os lados, numa avalanche de acusações torpes e desumanas.

Tal situação produzira no governante maior uma alteração significativa de seu comportamento, já por si mesmo mais retraído, levando-o a um estado de afastamento e isolamento tanto psíquico quanto físico, única forma que encontrou para livrar-se do covil no qual Roma havia se transformado.

Assim, no período final de seu império, Tibério, abatido, amedrontado e doente, fragilidades que o empurraram para um comportamento marcado pelo medo e pela superstição, retirou-se de Roma para uma ilha no Mar Tirreno na qual edificou um majestoso palácio e de onde governou até a sua morte.

Na ilha de Capri, local sede dos últimos dez anos de seu governo, o imperador se fez cercar de amigos íntimos, homens de letras e astrólogos, e o isolamento a que se fizera votado permitiu a construção de inúmeras lendas sobre licenciosidades e orgias, fruto do imaginário de pessoas inescrupulosas que, não podendo lá se encontrar junto do Imperador, mais não fizeram do que levantar, contra ele e os seus favorecidos, acusações e leviandades próprias dos sentimentos e tendências que tais acusadores carregavam no íntimo de suas almas.

Mais uma vez, entendemos Jesus quando adverte que a boca fala daquilo que está cheio o coração, que a árvore boa não dá mau fruto e que a árvore má não produz fruto bom.

Nesse cenário, a administração de Tibério não poderia terminar sob a aclamação popular, de tal sorte que, nos anos finais de seu governo, não possuía popularidade junto às massas, ao mesmo tempo em que recebia não velada hostilidade por parte do Senado radicado em Roma, que via no imperador um homem fragilizado para o exercício da direcção dos negócios do Estado e para a satisfação dos interesses de poder dos próprios senadores.

Todavia, encastelado em Capri e cercado de pessoas de sua mais absoluta confiança, não tinham os senadores ou outros interessados como exercer a influência directa nem conseguir com facilidade exterminar-lhe a vida através de algum golpe oculto e dissimulado.

Em face de tais circunstâncias, as relações do imperador com o resto do mundo romano ocorriam no isolamento da referida ilha, para onde se haviam dirigido todos os elementos de informação e de administração da organização governamental.

Dali, o maior mandatário romano administrava os interesses do Estado, cada vez mais ampliado pelas conquistas e incorporações de outras nações como outros Estados fiéis e pagadores de tributos.

Eventualmente, em raras ocasiões, Tibério deixava a sua protecção na ilha de Capri e comparecia a Roma para o exercício de algumas funções para as quais era indispensável a sua presença.

Nessas ocasiões, se fazia acompanhar de todo o séquito que o envolvia, evitando contacto mais directo e imediato com outros personagens da administração que pudessem pôr em risco sua integridade física, sempre ávidos por conseguirem colocar as mãos no trono do Império.

Desde o décimo ano de seu governo, o estado emocional e as facilidades do conforto, somadas à acção invisível de inúmeras entidades perseguidoras, que buscavam atacar o mais poderoso romano da época, infundiam nele, que carregava o pesado fardo do Império, os prejuízos normais das alterações emocionais e orgânicas.

Sempre que se está em situação de tão grave responsabilidade, mais indispensável se torna o recurso à oração, como escudo protector contra todos os tipos de agressão.

No entanto, não havia entre os romanos de então, a noção mais aprofundada da necessidade de uma ligação directa com as forças superiores, pois o panteão do paganismo reservava o culto aos diversos deuses nos seus respectivos templos através dos diversos sacerdotes e das oferendas e sacrifícios pagos segundo as exigências e tabelas apropriadas para cada desejo ou necessidade.

Mesmo o culto dos chamados deuses lares e penates, a realizar-se no interior dos lares romanos segundo a tradição ancestral do culto aos antepassados, redundava numa cerimónia ritualística, despida de sentido mais profundo a propiciar elevação do espírito dos que dela participavam.

Eram uma mescla de crença aprendida como dever perante os ancestrais e burocracia formal, sem maior profundidade de sentimento.
Todavia, as crenças individuais, no coração de cada criatura, variavam segundo a sua capacidade espiritual de sentir mais ou menos a ligação com o mundo invisível e, valendo-se de tais condutas exteriores, havia sempre aqueles que se mantinham em posição íntima mais elevada e os que, acostumados a fórmulas exteriores, limitavam-se a realizá-las crendo que seriam suficientes como prova de devoção.

Tibério não era diferente de todos os outros romanos, notadamente nas suas atribuições de majestade entre os cidadãos, pouco lhe restando em questão de tempo ou de disposição para dedicar-se a processos de elevação espiritual, que poderiam protegê-lo das perturbações igualmente avantajadas quando falamos de personagem tão importante no governo da época.

Por isso, o Imperador estava sempre às voltas com dores e enfermidades que o incomodavam e para as quais esperava alguma solução entre os sábios ou místicos que o cercavam, sempre incapazes de resolver os seus conflitos físicos com as tisanas e fórmulas esdrúxulas, que empregavam, mais para impressionar do que para serem eficazes.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb maio 10, 2014 8:50 am

Entretanto, ainda que se tornando crónicas, tais enfermidades não tiravam do Imperador o desejo de se ver livre dos incómodos físicos que o perturbavam, o que produziu nele o interesse por todo e qualquer recurso existente cuja notícia lhe chegasse aos ouvidos.

E as notícias se avolumavam acerca do taumaturgo milagroso que realizava maravilhas na longínqua Palestina, província sob seu comando imperial.
Começaram a chegar pela boca dos funcionários mais simples, que falavam dos milagres aos seus superiores como assunto novo e interessante até que, na vasta rede de conversas tão próprias dos bastidores do poder, atingiam os tímpanos do Imperador.

A princípio não pareciam ser coisa digna de ser levada em conta, eis que existiam inúmeros relatos de profetas e homens de fé poderosa que vinham daquelas paragens místicas do oriente.

No entanto, com o passar dos meses, bastava chegar uma nova galera oriunda da Palestina, que uma grande enxurrada de notícias, muitas delas avolumadas pela capacidade criativa de quem contava o feito, ganhava os ouvidos dos cidadãos romanos, a maioria dos quais se portava com indisfarçado cinismo sobre a veracidade dos relatos.

Mas não eram só notícias que chegavam.

Junto com os boatos, as galeras traziam passageiros, alguns romanos, outros estrangeiros, que haviam presenciado factos, conversado com pessoas, escutado as palavras daquele profeta diferente dos anteriores, o que tornava o boato em uma questão mais digna de fé e levantava, no coração de muitos, a esperança de conseguirem avistar-se com esse homem e obter a melhora que anos e anos de tratamentos rudimentares não haviam conseguido produzir.

A dor, como conselheira diária, faz parecer banquete a mais pequenina migalha de esperança.
Por isso, Tibério se achava profundamente interessado na possibilidade de conseguir a melhora necessária para seus males físicos, através do concurso de tal homem.

Todavia, era o Imperador de todos os Romanos.
Não lhe cabia, na posição social que ostentava e no orgulho de poderoso mandatário, a postura de sair ao encontro de um reles estrangeiro, sem que estivesse devidamente informado sobre sua personalidade, sobre a verdade de seus poderes sobrenaturais.

Assim, uma vez constatados com certeza e discrição, providenciar-se-ia um meio de trazê-lo à sede do poder imperial a fim de que, no anonimato de seus aposentos, sem comprometer a sua autoridade com crenças alheias, de uma província pobre e desprezível, o imperador se lhe submetesse ao tratamento.

Era a visão do homem mundano, acreditando-se poderoso o suficiente para ter tudo sob o seu comando e dirigido pela sua vontade imperial.
Poderia solicitar informes de Pôncio Pilatos, o procurador da Judeia, que, com certeza, estaria ao corrente de todos estes factos.

No entanto, Pilatos não privava da absoluta estima de Tibério.
Pelas injunções políticas e influências de interesses de patrícios importantes que precisavam ser atendidos para a manutenção das diversas redes de apoio e de aliados que mantinham o imperador no poder, Tibério aceitou enviar para a Palestina um homem cujo perfil não lhe agradava.

Por este motivo, não desejava confidenciar-lhe assunto tão pessoal, que chegava às raias da intimidade, a fim de não estabelecer com ele um contacto que fosse além das formalidades das funções de Estado e do governo das províncias.

Não! Pilatos não lhe serviria.
Eis, no entanto, que alvissareira visita lhe chega em uma tarde ao palácio a fim de apresentar-lhe uma solicitação especial.

Anunciado aos seus ouvidos, o Imperador autorizou a entrada em seus aposentos, de um senador amigo, em quem confiava pelos laços antigos de ambas as famílias tradicionais que os uniam.

Tratava-se do senador Flamínio Severus.

Era o ano 31 da era cristã, décimo sétimo do governo de Tibério que, apesar de já ter-se transferido para a referida ilha de Capri, viera a Roma, depois da queda e assassinato de Sejano.
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3 - O Pedido de Flamínio

Apresentadas as saudações impostas pelo protocolo da época, encontramos o representante do Senado imperial perante Tibério, mantendo a postura de respeito e consideração para com o mais alto governante.

– Ora, Flamínio, que os velhos tempos falem mais alto do que as tolices de nossos compromissos políticos de hoje – falou o imperador, procurando criar o ambiente mais leve, ainda que na sumptuosa sala de audiências, cuja atmosfera, por si só, era capaz de intimidar a qualquer.

– Agradeço, venerável Tibério, a liberdade de exprimir as ideias de acordo com a nossa velha tradição patrícia, livre dos entraves das expressões cerimoniosas.
– Como está Calpúrnia? – perguntou Tibério, desejando dar ainda mais intimidade ao colóquio ao direccioná-lo para o aspecto da intimidade do senador.

– Ela e os pequenos estão bem de saúde, graças à protecção dos Deuses e aos favores de Fortuna que nos concedeu, igualmente, a vossa protecção.
– Fico deveras satisfeito em saber da tua felicidade e poder ter este contacto pessoal contigo depois de tanto tempo em que tenho de me manter mergulhado nas questões de governo, complexas e maçantes como tu mesmo sabes serem tais coisas.
Este momento de leveza em que me reencontro com nossas boas lembranças é um refrigério raro e muito me satisfaz.
Agradeço-te por esta possibilidade.

– Desejaria, majestade, que o fardo que deveis carregar pudesse não vos massacrar a fim de que todos nós envelhecêssemos sob os auspícios da vossa liderança.

– A realidade, contudo, Flamínio, é a que temos diante dos olhos e não a que nossos olhos desejam ver – disse Tibério soturnamente.
Se, ao menos, não tivesse de lutar contra os fantasmas que me circundam, sejam os da ameaça de traição constante, espreitando por detrás das sumptuosas colunas, sejam os da que se oculta na comida que me endereçam, já por isso seria mais leve a carga.

No entanto, tais coisas não são assim e, por mais que pensemos que ser imperador romano é mandar sobre o mundo conhecido, percebemos que nosso poder pode esbarrar numa pequena taça de vinho envenenado ou que, se me incumbe o dever de dirigir vinte e oito legiões de soldados no maior exército regular de que se tem notícia, não consigo controlar a cozinheira do palácio e ter certeza de que na comida que me destina não se encontra a minha sentença de morte.

A expressão do velho monarca dava bem a noção das constantes aflições a que era submetido, à medida que se vai perdendo a ingenuidade no exercício do poder.

Mas, percebendo que o clima da conversa estava derivando para um lado obscuro da vida, o próprio Tibério incumbiu-se de alterá-lo, agregando:
– Ora, meu amigo, não desejo receber de ti as alegrias desta visita e retribuir-te com as misérias de um abutre velho. Vamos ao que interessa para que o nosso ambiente seja de alegria por esta hora.

Sorrindo de maneira jovial, o senador, convidado pelo governante, sentou-se em um pequeno assento próximo ao local onde Tibério estava, para que pudessem ter a conversa mais íntima como era do gosto do imperador, com pessoas de sua confiança.

Assim colocado nas cercanias do ouvido imperial, Flamínio tocou o assunto que o levava até ali:
– Desculpo-me, inicialmente, por buscar-vos trazendo questões importantes de cunho dos interesses do Estado.
Ter sido recebido aqui desta forma me deixa envergonhado diante de vossa generosidade para com a minha indiferença, indigna de nossos laços mais sagrados.

Todavia, o excesso dos compromissos do trono me impediam de incomodar-vos com questões pessoais ou intimidades que poderiam ser consideradas como uma tentativa indigna de aproximação daquele que é o mais importante dos romanos.

– Não penses assim, Flamínio.
Ainda que compreenda os teus escrúpulos e reconheça estarem pautados pela sabedoria de homem amadurecido como tu, desejo que saibas poder encontrar em mim o mesmo Tibério dos jogos da juventude e das aspirações poéticas.
Meu corpo envelheceu, mas minha confiança em ti segue a mesma dos tempos que passamos juntos, em contacto directo, ainda que, depois, nossos caminhos tivessem tomado rumo diverso.

– Mais um demonstrativo de vossa grandeza, César dos Césares, clemente na superioridade de vossos conceitos.
No entanto, ouso dar seguimento ao assunto para que minha consciência não me acuse de ocupar o tempo tão exíguo do mais alto dirigente da Terra.

– Pois então, prossegue, meu amigo.

Assumindo posição mais próxima de Tibério, Flamínio seguiu falando:
– Venho até vossa presença com um problema que somente a vossa sabedoria poderá equacionar.
Trata-se de um outro patrício nosso, igualmente conhecido pelos dotes de honradez e integridade que têm sido colocados ao serviço de Roma desde muitas gerações, tanto no Senado quanto nos Tribunais.
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Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ Empty Re: Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb maio 10, 2014 8:50 am

Tibério ouvia atento e se via enaltecido por estar sendo considerado como o oráculo solucionador de problemas intrincados.

– Refiro-me ao também senador Públio Lentulus Cornélius, meu amigo pessoal de longa data e que está passando por problemas muito graves no seio de sua família.

Ouvindo-lhe o nome, Tibério meneou a cabeça como que concordando com as referências elogiosas que Flamínio fazia a Públio.

– O jovem senador é casado com mulher de peregrina beleza e integridade moral à altura das mais dignas matronas de nossas antigas tradições.
O casal possui uma filhinha, de nome Flávia, que veio ao mundo como a esperança de dois corações enamorados e devotados ao mais nobre sentimento de amor verdadeiro.
Tanto que o senador é um dos que têm lutado intensamente contra as depravações de nossos costumes, guardando as tradições mais elevadas e veneráveis.

Interessando-se firmemente pelo assunto, Tibério dava mostras de desejar saber mais, o que estimulava Flamínio a seguir na mesma linha.

– Ocorre, majestade, que de uns tempos a esta parte, a pequena começou a definhar seguidamente, sem qualquer motivo que se apresente como plausível ou que os cuidados de nossos médicos pudessem coibir e reparar.
Levada pelos pais a todos os facultativos conhecidos, nada se lhe pôde fazer, a não ser abater ainda mais o seu corpinho com disciplinas cada vez mais esdrúxulas e incabíveis.
E o que é mais grave, principalmente para uma família tão conceituada e importante em nosso meio, é que tendo levado a pequenina até Tibur, onde conceituados médicos se radicam, ali obteve o diagnóstico fatal que lhes abateu o ânimo e as esperanças...

E sabendo que a notícia seria também muito grave, Flamínio interrompeu o desfecho da história para que Tibério pudesse assimilar os passos do relato.
Vendo o silêncio de Flamínio, a curiosidade de Tibério impôs ao senador o dever de terminar o relato como numa ordem.

– Vamos, Flamínio, esclarece rápido o que os especialistas disseram de tão grave!
– Sim, majestade, disseram que a pequena é leprosa...

O silêncio estendeu-se no ambiente por alguns instantes.
Ser leproso, naquele período, era algo terrível e desesperador, não apenas para o próprio doente, mas, principalmente, para a sua família que, em geral, era considerada igualmente desfavorecida pelos deuses.

Possuir algum membro do clã que apresentasse tal moléstia significava uma sentença de banimento social para todos os seus membros, inclusive, considerados portadores de miasmas internos que produziam tais desajustes, na pouca compreensão a respeito das enfermidades e suas maneiras de contágio, próprias da ignorância daquela e de todas as épocas.

Realmente, possuir a doença era triste para a criatura, notadamente uma criança.
Mas ser-lhe pai e mãe, irmão ou parente igualmente era uma nódoa amarga que não se poderia esconder ou ignorar.

A crueldade social assim o impedia.
Daí porque tais pessoas eram banidas da própria família para lugares longínquos, a fim de que ninguém soubesse a que grupo pertenciam.

Eram viagens de emergência, afastamentos bruscos, sem explicações, todos eles visando alijar-se do meio colectivo, não apenas o doente que se ia desfazendo em vida, mas também o risco de os demais perderem tudo o que haviam ajuntado, tanto em termos de negócios materiais quanto em questão de consideração e respeito sociais.

Tibério sabia de todos estes problemas e Flamínio tinha em mente conseguir a adesão do imperador aos seus projectos para o amigo que passava por tal transe difícil.

– Isso é um problema muito grande, Flamínio – disse o imperador.
Se se tratasse de um dos moradores do Esquilino ou do Velabro, tais questões não seriam tão catastróficas, ainda que não se possa desprezar a condição humana dos miseráveis.
Todavia, numa família patrícia da mais alta estirpe em nossa tradição, essa ocorrência é algo de graves proporções.
Será que não pode haver equívoco dos médicos de Tibur?

Entendendo os escrúpulos de Tibério, Flamínio respondeu:
– Acreditamos que não, pois recentemente, eu mesmo pude constatar o avanço da enfermidade na pele da criança, quando as manchas violáceas cantam os cânticos da tragédia entrevista pela experiência dos facultativos.

– Mas isso pode produzir uma fissura profunda na estrutura do equilíbrio político do próprio Senado, eis que o senador Públio será igualmente atingido pela tragédia de sua filha e, fatalmente, perderá o conceito elevado de que é detentor.

– Por isso, Majestade, é que aqui me encontro solicitando-vos o auxílio decisivo para encontrarmos uma solução que impeça o perecimento da pequenina e, ao mesmo tempo, a desmoralização do senador e de sua família, como é típico de nossos costumes.
Até o presente momento, mais ninguém conhece o diagnóstico médico a não ser eu, vossa majestade e os pais dela, naturalmente.

Encostando-se na cadeira imperial como fazia sempre que era chamado a reflectir sobre os assuntos mais graves, Tibério buscou pensar por alguns minutos usando o raciocínio acostumado a prever e equacionar, buscando ver à distância.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb maio 10, 2014 8:51 am

– Precisamos propiciar ao nobre senador que se afaste de nosso centro urbano por algum tempo – retomou a palavra o imperador depois de algum tempo de reflexão.

– Também havia imaginado ser esta uma medida importante para a manutenção dos valores morais longamente acumulados por sua família.
O problema, Divino César, é que o senador espera, para daqui a alguns meses, o advento de um novo integrante de sua família, eis que a esposa amada se encontra grávida, o que dificulta a partida imediata, já que se trata de deslocamento incompatível com as necessidades de descanso e de cuidado, tão ao gosto de nossos médicos, que recomendam o repouso em homenagem ao futuro súbdito que virá ao mundo.

Tibério passou a mão pelo rosto como que imaginando uma solução adequada a tal situação e acrescentou:
– Bem, neste caso, acredito que a pequena deverá ser mantida afastada do convívio público, recolhida no seio da família até que, com o nascimento do filho se possa dar-lhes o destino apreciável para o caso.

– Sábias palavras, majestade.
Acredito que somente, com esse alvitre e a permissão do Trono de Roma, o senador poderá se ver autorizado a deixar suas funções e dirigir-se para outro local sem levantar suspeitas – acrescentou Flamínio, como que a induzir o imperador a pensar segundo seus próprios planos, já anteriormente alinhavados.

– Isso mesmo, Flamínio.
Públio não pode ser afastado de suas funções sem um motivo relevante, pois do contrário, isso poderá ser interpretado como demérito ou como o indício de algum problema mais grave, a confirmar qualquer boato que estiver no ar sobre o estado de saúde da filha.

Assim, creio que já posso cogitar contigo de alguma tarefa em meu nome pessoal com a dupla vantagem de poder contar com homem de confiança a meu serviço e, ao mesmo tempo, propiciar-lhe a oportunidade de afastamento seguro no rumo do tratamento da filha querida.

– Eu sabia, meu senhor, que não seria capaz eu mesmo de pensar em melhor solução, até porque também há notícias de que em outros lugares do Império existem climas mais amenos e apropriados para o tratamento eficaz de tal doença nefasta.

E voltando o assunto para a questão da enfermidade de Flávia, Tibério teve o pensamento trazido à questão de suas próprias dores, o conjunto de enfermidades que ele próprio carregava e que não era capaz de solucionar, apesar de todo potencial que detinha, cercado dos melhores médicos e especialistas.

Ao mesmo tempo, lembrara-se das notícias acerca do homem estranho cujas curas estavam se espalhando a partir da Palestina, em forma de notícias misturadas a relatos exaltados e fantasiosos por todos os lados do Império.

Seria uma ameaça à estabilidade de Roma?
Tal homem seria poderoso o suficiente para iniciar uma revolução contra os interesses imperiais?
E, na mente do imperador, a principal indagação era a de que – seria verdade a capacidade de curar de que era detentor?

Imediatamente sintonizado com tais questões, Tibério voltou-se para Flamínio e considerou com autoridade:
– A bondade dos deuses está sendo muito grande para comigo neste dia.
Ao te trazerem a mim, Flamínio, não apenas me alegraram a alma, mas igualmente trouxeram a solução de um problema que me estava incomodando e que, agora, unindo a nossa necessidade à necessidade das circunstâncias, poderemos propiciar que tanto o senador e sua família se beneficiem, quanto os interesses de Roma sejam protegidos.

Sem entender muito as referências subjectivas do imperador, Flamínio seguia atento e interessado.

– Sim, senador amigo, tenho necessidade de um homem de confiança junto ao governo da província da Judeia, na longínqua Palestina, na qual está o procurador Pilatos, em quem não deposito confiança suficiente para acreditar nas suas resoluções e necessidades, de acordo com os relatos que me envia.
Crês que o senador Públio estaria disposto, em face de tais circunstâncias delicadas, a dirigir-se para lá com a família?

Sem acreditar no que ouvia, Flamínio sorriu largamente com satisfação e afirmou, sem medir as palavras:
– Pois era justamente para aquela região que se esperava poder deslocar com sua família, em face das qualidades atmosféricas e da natureza lá existente, majestade.

Feliz com a concordância satisfeita do senador, Tibério acrescentou:
– Além disso, desejo que o senador Públio Lentulus, como legado de César e do Senado, possa fazer algumas diligências que necessito, a fim de me auxiliar em um caso pessoal que, no momento oportuno lhe relatarei, de maneira a permitir que sua presença na Palestina nos beneficie mutuamente.

Por isso, Flamínio, incumbo-te de providenciar os detalhes da dispensa de Públio dos serviços administrativos do Senado e a sua designação como legado do poder imperial nas províncias orientais, com plenos poderes para, em meu nome, agir como melhor lhe aprouver, exercendo as funções de fiscal do Império na observação dos actos dos procuradores investidos da confiança de Roma, mantendo-se, deste modo, o pagamento de seu salário como servidor directo do Imperador.

Além disso, providencia os documentos necessários à notificação de todas as autoridades lá designadas a fim de que o esperem e se inteirem de que os olhos de Tibério estarão olhando através dos olhos de seu enviado para todos os delitos e desmandos que possam existir por lá.

Quanto ao pedido de cunho pessoal, quando se aproximar a partida do senador ao destino acertado, entender-me-ei pessoalmente com ele, não por desconfiar de ti, mas porque, até lá, as coisas podem ter-se modificado e não precisarmos mais de tais cuidados.

Abaixando a cabeça em sinal de reverente respeito, Flamínio agradeceu ao imperador a deferência daquele encontro e, depois de mais alguns minutos de conversa fraterna, ambos se despediram, deixando as soluções para o caso de Flávia e Públio assentadas e sob a responsabilidade do próprio Flamínio.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb maio 10, 2014 8:51 am

4 - A missão secreta de Públio

Depois de ter preparado todos os detalhes da modificação administrativa junto às autoridades senatoriais na questão autorizada por Tibério, Flamínio levou ao amigo as boas novas sobre a concretização de sua transferência para a Palestina, tão logo se lhe permitisse a viagem, em face da gravidez de sua esposa, já no período final.

Todavia, ainda que aguardassem o advento do novo integrante da família Lentulus, era do desejo do imperador entender-se pessoalmente com o seu futuro representante junto ao governo da província distante, o que levou Flamínio a estabelecer um encontro entre Públio e Tibério, nos aposentos imperiais no palácio da ilha de Capri, para onde, poucos meses antes, houvera voltado o governante maior dos romanos.

– O que desejaria o imperador de tão especial com esta audiência, Flamínio? – perguntava Públio ao amigo, enquanto colocava as partes superiores da túnica senatorial, vestimenta cerimonial usada nas ocasiões de maior relevo e que demonstrava a condição de nobreza patriarcal do cidadão que a ostentava.
– Não faço ideia, meu amigo.
Naturalmente posso imaginar que pretende dar-te instruções específicas que só a ti interessarão.

– Sim, é possível.
No entanto, em geral, todas as instruções oficiais soem vir por escrito nos documentos que constituem a salvaguarda do legado que representa o Império e que, em geral, são apresentados ao procurador que dirige a Judeia.
Se não está nos escritos, tampouco está no mundo oficial.

– Tens razão sobre esta consideração.
No entanto, tal encontro foi determinação do próprio Tibério que, com certeza, deve ter algum motivo para falar-te.
– Será que nosso imperador está piorando de seu estado geral depois de tantos anos com o peso árduo do governo de tão vastos domínios, Flamínio?

– A sua postura geral aponta para um desgaste físico considerável, se nos prendermos ao seu aspecto dos primeiros tempos.
Todavia, não me parece que seu tirocínio tenha sido afectado nem a sua lucidez esteja comprometida por algum tipo de limitação ou doença que justifique qualquer desconfiança sobre seu equilíbrio.

Eu o conheci quando jovem e juntos passamos bons momentos durante nossos encontros recreativos, os quais foram lembrados com detalhes por ele quando de minha primeira entrevista sobre o teu caso pessoal.

Nesse diálogo rápido, Públio se apressou para reunir sua pequena bagagem que lhe permitiria estar diante do imperador de acordo com o respeito que essa audiência exigia, eis que, ainda que fosse integrante da camada mais abastada e influente da sociedade romana, não era usual dirigir-se pessoalmente ao mais alto mandatário em um encontro como aquele.

Tomaram a liteira que os levaria até o barco oficial, quando iniciariam o percurso que os conduziria até o palácio de Tibério, agora transferido para o golfo de Nápoles, no litoral sul do mar Tirreno e, por entre os solavancos do caminho, o braço escravo transportava os dois amigos que, em silêncio, davam largas ao pensamento de curiosa ansiedade sobre os motivos do imperador.

Chegando ao local, deixaram-se conduzir por funcionários que os levaram até a antessala da audiência, na qual todos os interessados deveriam aguardar a autorização para o ingresso.

Assim, passaram-se alguns minutos para que se lhes convocasse a entrada no recinto principal, já que Tibério atendia a outra questão que ocupava a pauta daquele dia.
Enquanto isso, Públio corria o olhar pelos detalhes sumptuosos do palácio, encanto da inspiração romana que levaria qualquer espírito a reverenciar a grandeza de um povo que estivesse à altura de edificar aquelas colunas majestosas, aqueles adornos dourados e rebuscados.

Madeiras resinosas e perfumadas, à guisa dos modernos incensos do oriente, queimavam sobre um tripé, envolvendo o ambiente em uma atmosfera especial.
Soldados, em seus uniformes de gala, ajaezados com os brilhantes cinturões e lanças, protegiam e davam segurança ao imperador, além de impor ao ambiente a seriedade indispensável ao visitante.

A visão do mar azul ao longe era impressionante, de forma a possibilitar ao espectador um encantador momento de inspiração e devaneio.

Estar ali sem se arrepiar era impossível.
Ao senador romano, afeito aos mais diversos ambientes da nobreza na importância de suas funções, mesmo a ele tal experiência era sempre uma novidade, já que a proximidade do próprio imperador era motivo de emoção e enaltecimento da própria vaidade, naqueles que, como Públio, ainda se mantinham tão serviçais junto às aparências terrenas.

Ainda maior silêncio se estabeleceu entre os dois amigos que ali se mantinham de pé, a um canto da antessala, aguardando serem convocados ao ingresso.
Desse ensimesmamento foram retirados pela voz forte e respeitosa do centurião chefe Silas, responsável por organizar o ingresso dos entrevistados ao recinto onde o imperador os aguardava.

– Nobres senadores do Império, sua majestade, o imperador Tibério, vos aguarda – disse solenemente, apontando o braço na direcção da sumptuosa porta de madeira de lei que dava acesso ao interior do gabinete principal.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb maio 10, 2014 8:51 am

A passos largos, cadenciados e antecedidos pelo centurião, ladeados por outros dois soldados sob seu comando pessoal, entraram na câmara imperial com o coração apressado pela iminência do encontro cujo desfecho lhes era absolutamente desconhecido.

Chegando ao ponto previsto pelo cerimonial, Silas anunciou a chegada dos dois entrevistados, como era costume se fazer, notificando o imperador de que ali estavam prontos para escutá-lo, dizendo:
– Da parte do Senado do Império, seus dois representantes, os senadores Flamínio Severus e Públio Lentulus.

Respondendo com um gesto de mão, sem retirar os olhos de um pergaminho que tinha sob seus olhares directos, Tibério indicou a Silas que o autorizava a retirar-se, o que foi feito acompanhado pelos seus dois homens da guarda real, deixando os senadores ali, de pé, na expectativa do início da conversação.

Tão logo se fechou a grande porta atrás de ambos, Tibério levantou-se e dirigiu-se pessoalmente aos dois integrantes do Senado Imperial com mais desenvoltura e intimidade.

– Saúde e prosperidade ao Senado e a vossas famílias – disse o imperador com um sorriso sereno nos lábios.

Reverentes e respeitosos, Flamínio tomou a palavra como sempre fazia em face da ascendência que exercia sobre Públio, por ser-lhe mais velho, e respondeu protocolar:
– Saúde e prosperidade ao Imperador que mantém a harmonia do Império e sustenta de esperança todas as famílias romanas.

Tal cordialidade entre as autoridades era costumeira, sem o ser, no entanto, a entonação de veneração e amizade sinceras que Flamínio demonstrava sempre a Tibério, seu antigo camarada.
Desta maneira, o imperador ordenou com um gesto que se aproximassem e tomassem assento diante dele, coisa que reservava apenas a poucos que com ele se entrevistavam.

– Pois então, Flamínio, aproxima-se o dia em que teus auspícios irão favorecer o Império com os valorosos serviços de nosso Públio, disse Tibério, sem tocar no assunto delicado da enfermidade infamante de Flávia.

– Sim, majestade.
Como é de vosso conhecimento, nossa família está na iminência de ser ampliada com a chegada de mais um romano que vos prestará reverência, eis que a esposa do senador Públio, para breve, espera o nascimento de mais um filho da Gens Cornélia.
E tão logo isso ocorra e esteja recuperada a nobre matrona, toda a família estará pronta para seguir no cumprimento das determinações de vossa Augusta vontade.

– E posso afirmar que é uma das mais importantes missões a beneficiar o Império, essa que o nobre senador Públio se dispõe a realizar.

Assim se manifestando, Tibério dirigia-se directamente ao senador nomeado como seu representante junto ao governo da Palestina, buscando observar-lhe a reacção pessoal diante da referência.

Sabendo dos intentos de Tibério, Públio fixou o seu olhar nos olhos do imperador de maneira a demonstrar-se o mais sincero e verdadeiro, no devotamento fiel que lhe marcava a personalidade firme e idealista, para responder-lhe sem titubeios:
– Vós me honrais com tal confiança, majestade, e tudo o que estiver dentro das determinações de Roma será feito com o sacrifício de minha vida pessoal, de minha saúde e de meus interesses.
Aproveito o ensejo para agradecer-vos pessoalmente tão enobrecedora oportunidade que me é concedida a fim de buscar servir a vossos interesses no governo do Império com minhas parcas, mas firmes disposições e capacidades.

Vendo-lhe a manifestação determinada, Tibério se sentiu encorajado e feliz pela escolha, sobretudo por se tratar de um homem ligado às tradições mais nobres dos costumes antigos, já em processo de desagregação na sociedade permissiva e farta daquele tempo.

Ao mesmo tempo, era amigo de seu amigo, ligando-se todos eles por laços de respeito e fidelidade que, na tradição romana, significavam confiança cega e apoio recíproco em qualquer situação.

Diante desse quadro, Tibério apanhou os documentos que estava terminando de ler quando da chegada dos dois visitantes e entregou-os a Flamínio para que os passasse a Públio, dizendo:
– Nobres amigos, eis aqui as tarefas administrativas nas quais invisto o ilustre senador Públio e lhe outorgo a função de ser meu representante pessoal junto às províncias orientais.
Será a extensão de meus olhos na observação dos factos e condutas administrativas daquele que não possui a minha confiança pessoal, mas que detém, provisoriamente e por pressões políticas, a função governativa da Judeia em nome de Roma.

Com tais documentos, Públio estará acima do poder de Pilatos, sem, contudo, poder conflituar com ele nas questões de governo.
Pilatos não poderá impedi-lo de realizar qualquer diligência.
Com esta autorização que outorgo em teu favor, senador, tua autoridade deverá ser respeitada e ninguém poderá impedir-te a realização de qualquer investigação, de qualquer interrogatório.

Poderás escolher os legionários, ordenar-lhes segundo teus critérios de necessidade, respeitando, naturalmente, as peculiaridades lá existentes.
Possuirás uma guarnição pessoal consistente de uma centúria de soldados sob tuas ordens directas que te prestarão obediência exclusiva, sem que Pilatos a possa comandar.

Escolherás os soldados que a comporão, o centurião que a dirigirá e as tarefas que realizarão para o bom desempenho do legado que outorgo por força de minha vontade e do interesse do povo de Roma.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb maio 10, 2014 8:51 am

Com base em tais documentos e poderes, nada ficará impedido de chegar ao teu conhecimento.
Nenhum processo ficará oculto de teus olhos, nenhuma decisão de Pilatos ficará desconhecida se tua vontade assim o desejar.
Desde algum tempo, venho recebendo informes isolados sobre a conduta indigna do procurador, mas não posso tomar nenhuma atitude diante das forças que o apoiam se não tiver provas suficientes de sua improbidade e dos desmandos que pode estar permitindo ocorrer em nome do Império.

A Palestina é uma província difícil pelas suas características peculiares.
Tem um povo muito arraigado às suas tradições religiosas e avesso a qualquer dominação, pelo que parece ser composta de uma totalidade de conspiradores.
Seus habitantes, por mais amistosos, estão sempre desejando obter alguma coisa das facilidades do poder, pois são especialistas em mercadejar com tudo o que possua algum valor.

Todavia, não titubeiam em apunhalar o melhor dos vendedores ou compradores se disso depender a libertação do domínio romano que dizem aceitar pacificamente.
Possuem uma religião absolutamente diferente da nossa, acreditando em um só deus e lutando, geração após geração, para manter as tradições incorruptíveis.

Não se casam senão entre si mesmos e costumam matar as mulheres que se relacionem com os representantes do poder estrangeiro, julgadas sumariamente como traidoras da causa judaica miscigenando-se com invasores, como nos consideram no interior de suas reuniões íntimas.

Pilatos, no início, mantinha-se à distância de tais questões.
Todavia, com o tempo, se foi deixando comprar pelas ofertas sedutoras que os espertos judeus lhe iam fazendo a fim de conhecerem seus limites de honradez e honestidade, até fazê-lo fraquejar nas tentações, com a finalidade de passar a comandá-lo de acordo com seus interesses imediatos que mesclam o culto ao dinheiro com o desejo de liberdade.

Agora, compete-nos observar para conhecer e, depois, julgar adequadamente.
Junto dele está o pretor Sálvio Lentulus, também pertencente à nossa administração, mas que não soube se manter no patamar da honradez que caracterizou sempre a família Lentulus junto ao Império, tendo sido destituído dos cargos mais elevados e ocupando, agora, apenas modesta posição junto a Pilatos, seu co-cunhado.

Ambos seguem indignos de minha confiança pelos deslizes que já cometeram.
No entanto, se o pretor Sálvio já foi flagrado nas situações calamitosas que denegriram seu mérito, falta avaliarmos as provas contra Pilatos.
Assim, senador, seguirás com estas ordens oficiais.

Demonstrando admiração por tão grande leque de poderes e autoridade recebidos do próprio imperador, Públio meneou a cabeça, seguro e respeitoso, aduzindo de viva voz:
– A vossa vontade, majestade, será cumprida com a isenção, com a correcção e com o denodo de tal maneira que a vossa confiança em minha pessoa será retribuída com a verdade absoluta.

Não me deixarei levar por indícios superficiais a fim de não fraudar a realidade com injustas conclusões.
Respeitarei o direito de qualquer pessoa, romana ou não, sem invadir ou vilipendiar os valores regionais com uma prepotência indigna de Tibério e de Roma.

No entanto, saberei ver com acuidade e argúcia da águia que nos simboliza o poder que dirige e a força que sustenta.
Usarei de nossos princípios jurídicos para defender ou apreciar os feitos que tiver sob minhas vistas e não avançarei um passo sequer nos limites que este legado estabelece.
Todavia, dentro deles não haverá palmo de areia que não seja avaliado em nome de vossa confiança e da necessidade de aclaramento para o juízo seguro do imperador de todos os romanos.

Calando-se o senador, Tibério deu-se por satisfeito nas explicações de tal missão espinhosa, fazendo pensar, ambos os senadores, que estava terminada a audiência.
Todavia, tão logo se entenderam sobre estes assuntos administrativos, o imperador retomou a conversa para tratar de outro assunto.

– Bem, senador, se esta foi uma audiência sobre os negócios de Estado tão importantes para nossos interesses, preciso de teus préstimos, não mais como senador, mas como amigo e confidente, para tratar de um assunto pessoal, que interessa tão-somente a Tibério.

Escutando tais referências e, à menção de tratar-se de um assunto extremamente pessoal que dizia respeito tão só ao imperador e a Públio, Flamínio levantou-se respeitosamente, solicitando autorização para deixá-los a sós, evitando o constrangimento de Tibério em ter que lhe solicitar a saída do ambiente, no que foi contido pelo gesto do governante que o impediu de sair, dizendo:
– Flamínio, não há assunto que, pertencendo à minha intimidade não possa ser dividido contigo, meu amigo.
Por isso, peço que permaneças e dividas connosco uma parte de minhas angústias, solicitando de ambos, apenas, a discrição e o sigilo, por se tratar de assunto delicado e secreto.

Honrado por tal deferência, Flamínio sentou-se novamente, agradecido.
– Como ia dizendo, senadores, não é novidade para vós que o desgaste do corpo me tem comprometido a paz física nas dores que nossos médicos são incapazes de solucionar ou apaziguar.
Por isso, muitas vezes tenho-me isolado mais do que seria de meus desejos, já que não tenho serenidade física para permanecer muito tempo diante das assembleias oficiais e das cerimónias públicas, sempre tão longas e sumptuosas, tão ao gosto do povo e das autoridades.

Recorri a todos os deuses de nossas crenças, sacrifiquei a todos os que nos aconselharam nossos mais abalizados sacerdotes, tomei toda a sorte de poções ou misturas que os nossos facultativos dizem ser remédios e não pude obter qualquer melhora.

Não posso, contudo, ostentar fragilidade no comando do Império, pois o trono de Roma seria, imediatamente, julgado fraco pelos próprios romanos e, depois, pelos cidadãos de todos os povos agregados e tributários nossos, tornando-se impossível governar.
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Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ Empty Re: Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb maio 10, 2014 8:52 am

Assim, não possuía qualquer esperança de me ver libertado de tais entraves até que me chegaram insistentes e constantes notícias de alguém que, na Palestina, vem realizando curas fantásticas e quase inacreditáveis.

A Judeia é uma terra de muitas superstições na maneira peculiar com que se relacionam com o sobrenatural, como já vos disse.
Todavia, por inúmeras fontes nos tem chegado a afirmação de que não se trata de mais um simples profeta, desses tão abundantes naquelas paragens.
Parece ser um homem simples, sem maiores posses ou poderes, que prega a existência de um reino invisível do qual seria representante celeste.

Muitos me trouxeram esta notícia com a preocupação de que se tratava de mais um conspirador contra o Império.
Todavia, se eu for dar ouvidos a toda informação que seja parecida com esta, tenho que transferir Roma para Jerusalém e não fazer outra coisa que não perseguir um por um os cidadãos da Palestina.

Assim, com a ida do senador Públio para tais paragens, tenho interesse em ser informado com detalhes sobre esse homem especial e diferente, cujos poderes estranhos estão encantando as pessoas.

Seja para a constatação de suas reais intenções, seja para a avaliação de seu poder miraculoso, gostaria que o senador me informasse sobre este homem, sua aparência, seus poderes, seus princípios, para que eu próprio avalie a sua ameaça ou possa, mesmo, valer-me de seus poderes pessoais para melhorar meu estado geral.

Naturalmente que não posso submeter-me directa e pessoalmente a procurá-lo, por motivos que conheceis sobejamente.
No entanto, em se caracterizando como taumaturgo a quem se atribuem outras técnicas ou métodos, nada me impediria de trazê-lo a Roma para, no anonimato de meus aposentos, submeter-me aos seus tratamentos, mantendo, deste modo, o respeito às tradições romanas e recuperando a saúde necessária para continuar a defender os interesses do trono pelo tempo que os deuses me concederem.

Era uma confissão de dor pessoal que não era costume se fazer diante de outras pessoas.
A referência de Tibério a um estrangeiro que poderia ser a solução para suas enfermidades físicas, se feita por algum romano menos influente, poderia ser encarada como traição, como fraqueza, como indignidade, punida até mesmo com o processo e a prisão, com a perda dos privilégios de casta e a deportação.

No entanto, vindo do próprio imperador, atestava aos olhos dos dois senadores a fragilidade humana em face do sofrimento e das ineficazes soluções académicas nos tratamentos inócuos e dolorosos que os médicos de todos os tempos buscam usar para tentarem sanar os corpos.

Tocados por essa demonstração de confiança e fragilidade do maior de todos os romanos, tanto Flamínio quanto Públio se mantinham silenciosos esperando que ele terminasse.

Aproveitando o silêncio para pôr fim a esse longo intróito, Tibério continuou:
– Por isso, senador, preciso saber se, além de tais deveres de homem de Estado, poderei contar com a tua generosidade para auxiliar um outro amigo romano, necessitado de mais forças e energias, compreensão e amizade para que me possam ser concretizadas as esperanças de melhoria. Trata-se de uma missão que não será materializada em qualquer papel, eis que não se trata de determinação que se escreva.

No entanto, permanecerá firmada em nossas almas com o sigilo de nossa tradição mais respeitosa, de igual maneira que, se não for de seu desejo aceder a tal pedido, continuará mantida a outorga do legado que acaba de te ser entregue, permanecendo digno de minha mais elevada confiança pessoal na missão administrativa.

Diante da postura quase humilde daquele homem que envelhecia nos sacrifícios administrativos que a maioria das pessoas ignora e não valoriza, Públio não poderia responder de outra maneira, sem quaisquer julgamentos pessoais sobre a correcção, a conveniência ou a impropriedade da solicitação.

Assim, levantando-se do assento para tornar mais solene a sua declaração, em face daquele que lhe convocara a confiança para o serviço pessoal, contestou:
– Nobre imperador, se muito me honrou o legado outorgado pela vossa confiança de homem de Estado, mais me enaltece por me concederdes o privilégio de ser vosso servo na busca de vossa melhoria pessoal, compartilhando connosco os vossos sofrimentos.

Estejais certo, senhor, de que cumprirei com o mesmo respeito tanto o compromisso escrito nos pergaminhos oficiais quanto os que estão lavrados no pergaminho de nossa confiança afectiva e, tomando os deuses como testemunhas invisíveis e Flamínio como legitimador visível de meus votos, declaro que hei-de cumprir vossos desejos antes de concretizar meus próprios sonhos pessoais.

Ali estava selado o compromisso entre os três homens de Estado.
Flamínio, compromissado com o sigilo da dupla missão de Públio.

Este, levando nos ombros a difícil tarefa de ser fiscal do corrupto e violento governante da Judeia e de buscar a solução para os questionamentos de Tibério quanto aos problemas de saúde.

E este último, compromissado com as tarefas administrativas e com os sofrimentos decorrentes do processo de amadurecimento, que lhe impunham, ainda que na condição do mais poderoso dos humanos, o dever de obedecer por sua vez aos limites que a imperadora enfermidade estabelecia caprichosamente.

Assim, poucos meses depois deste acerto, já com o nascimento do segundo filho, a família Lentulus deixava o porto de Óstia em direcção ao futuro difícil na Palestina onde Jesus os esperava.
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Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ Empty Re: Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb maio 10, 2014 8:52 am

5 - Zacarias e Jesus

A confusão se estabelecia entre as pessoas aflitas que, carregando suas desgraças individuais ou ajudando outros a carregá-las, acercavam-se de Jesus, sempre buscando algo que as aliviasse.

A Palestina era um local de fértil manifestação religiosa, sobretudo por causa da tradição judaica, fiel à condição de herdeira do património espiritual de Abraão, na crença monoteísta que era uma exclusividade naquele período de muitos deuses por todos os lados.

A tradição religiosa detinha inúmeras demonstrações miraculosas de poder que enchiam o imaginário do povo e auxiliavam as autoridades dirigentes da raça a exercerem o seu mando sempre com base nos livros sagrados da lei.

Ali estavam grafadas as epopeias dos ancestrais que se submeteram cegamente às exigências e ordens sobrenaturais e houveram conquistado as benesses almejadas, como a terra prometida.

Lembravam-se de cultuar a libertação do cativeiro no Egipto, de onde foram retirados pelos poderes sobrenaturais, a começar pelas pragas que Moisés invocara sobre o país dominador a fim de amolecer o coração do Faraó déspota que os retinha.

O caminho em direcção ao desconhecido, orientado pela luminosa estrela que lhes apontava o rumo no horizonte;
o mar Vermelho, vencido pela intervenção superior e que se vira aberto para a passagem do povo, antes de ser dizimado pelas forças militares do Faraó arrependido;
o maná que caiu do céu para alimentar as pessoas em pleno deserto, a água saída da pedra, etc.

As forças poderosas, que estavam sempre demonstrando a sua capacidade de encantar o povo pelo sobrenatural, faziam parte da personalidade religiosa da raça hebreia.
Por isso, não era novidade que alguém se apresentasse com alguns poderes que encantassem os demais, se bem que já há muito tempo não houvesse entre os judeus algum que representasse com grandeza e brilho as forças invisíveis.

Na maior parte das vezes, o que se podia observar eram pequenos feitos, muito próximos da magia ou do encantamento ilusório, ou ainda, pessoas inescrupulosas, desejando enganar a boa-fé ou o desespero de outros sofredores, em busca de vantagens materiais.

Povo acostumado às práticas do comércio e extremamente apegado aos trâmites materiais das riquezas, a sua relação com o Divino estava sempre a serviço de sua prosperidade imediata e tinha aí, muitas vezes, o único objectivo.

Assim, a religião pura e venerável que paira acima das conveniências pessoais estava prejudicada nos sentimentos da maioria que a ela se endereçava, tão-somente para conseguir vantagens ou posições.

Eram raros os crentes sinceros e desprendidos, seguidores da essência da velha lei de Moisés, representada no seu conteúdo moral pelo decálogo simples e directo.
No emaranhado de ritos e tradições, os sacerdotes judeus e os representantes das castas mais elevadas do povo tratavam de se defender com a invocação de passagens dos livros mosaicos, de onde retiravam todo o tipo de justificativa para corromper princípios elevados, para distorcer deveres morais e para fazer do formalismo estéril a principal causa da religião, graças à qual, poderiam continuar defendendo seus interesses materiais.

A ritualística sobrepujara a simplicidade do contacto com a Divindade.
Pela acção solerte dos intérpretes, o povo ia sendo guiado por criaturas mesquinhas e sem elevação de carácter.
Tudo era motivo de ganho e de troca e, para isso, os textos eram consultados, espancados, espremidos, torcidos e retorcidos até que atingissem o estado que desejavam os interessados em obter vantagens ou justificar suas atitudes.

O povo sentia tal estado de coisa, ainda que não ousasse se manifestar contra as autoridades que o dirigiam, eis que temia ser considerado infiel e banido ou morto pelos asseclas dos administradores da fé.

Por isso, a presença de Jesus no meio das pessoas humildes era tão acolhida e admirada, já que o Divino Mestre vinha trazendo uma forma muito diferente de relacionamento com Deus.

Sua palavra doce e sensata parecia orvalho novo na face empoeirada dos desesperados, sempre explorados pelos outros religiosos, que não lhes ofereciam nada como consolo e que, ainda por cima, lhes exigiam valores e bens que não detinham, como condição para realizarem alguma intercessão em seu favor.

Com Jesus era diferente.
Amor flamejante no seio da escuridão do egoísmo farisaico, sua luz falava no discurso sem palavras de sua bondade.

Não era Jesus que lutara tanto para impor-se.
Era a maldade dos religiosos que contrastava tanto com a Sua bondade que, nessa comparação, aparecia com maior fulgor.
E o espírito simples do povo esquecido sabia identificar essa diferença como a mais novel criança sabe identificar entre o azedo do vinagre e o doce do mel, sem conhecer-lhes a química intrínseca.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 11, 2014 9:45 am

Por isso, o nome de Jesus já se houvera espalhado por muitos lugares e ganhado várias regiões, de onde acorriam desesperados para buscar-lhe a ajuda, a cura, a orientação.
Rodeado de homens simples e quase absolutamente desguarnecidos de cultura ou preparo intelectual, o seu ministério era transparente e totalmente voltado para os derrotados do mundo.

Contrastando com o Império que governava a região distante da Judeia, o celeste mandatário não tinha sumptuosidade alguma nem qualquer aparato exterior que viesse a impressionar a visão dos que o seguiam.

Não queria iludir as almas fracas que se impressionam com coisas que brilham ou amedrontam pela grandeza material.
Tibério encastelara-se no paraíso físico da natureza exuberante da costa amalfatina, em Capri, onde erguera sua Vila Jovis, verdadeira preciosidade arquitectónica para aqueles tempos e de onde dirigia as nações distantes pela força de seus exércitos.

Jesus não tinha casa fixa e, se se pode dizer possuir alguma coisa, era a multidão dos coxos e lacrimosos que o buscava.
Seus ajudantes eram dos mais despreparados e seus decretos administrativos eram lições de renúncia e devotamento aos desesperados, que buscava elevar à condição de filhos de Deus, da qual haviam se desacreditado por não confiarem mais em si próprios.

E no meio da multidão que seguia seus passos, entre outros, Zacarias se encontrava, desejando estar entre os mais próximos ao Divino Amigo.
Viera de Emaús trazendo um companheiro que era enfermo incurável, confiante de que, ao contacto com o novo profeta, tal doença seria curada como ele mesmo houvera visto ocorrer com outros que conhecera.

Já possuía idade e os anos passados não lhe traziam boas lembranças se se lhe observassem a história das rugas em seu rosto.
Era um homem solitário, pois não fora feliz na união que tanto desejara em idade adulta.

Sua esposa, muito jovem e imatura para as elevadas funções do matrimónio, fora flagrada por terceiros em prevaricação inexplicável e, conquanto lhe permitisse a lei de Moisés o apedrejamento da infiel, o coração generoso de Zacarias, despedaçado no afecto vilipendiado de que era vítima, deu à mulher a liberdade para que seguisse seu caminho junto daquele que escolhera para substituí-lo.

Tal situação escandalosa obrigou-o a mudar de cidade a fim de que não tivesse de suportar o escárnio dos outros, eis que, por essa época, já se preferia criticar a abstenção da vingança em vez de se enaltecer a elevação do perdão e da renúncia.

Zacarias, então, sem filhos e sem ilusões de felicidade, transferira-se para Emaús onde se estabelecera como sapateiro para ganhar a vida, trazendo as chagas abertas no peito e a fome de afecto na alma.

No fundo, seu espírito apontava para a aprovação de sua conduta com relação à mulher traidora.
Todavia, na mente esfogueada, as dúvidas ainda existiam e não estava plenamente convencido de que houvera feito o correto em face das exortações da lei religiosa que lhe permitiria ter-lhe tirado a vida como exercício de Justiça autorizada pelas ordenações mosaicas.

No entanto, a sua natural bondade interior se apresentava sempre antes, impedindo qualquer resposta mais rude perante os desafios da vida.
Tudo isso mudou para sempre na ocasião em que escutara a mensagem do novo reino de Deus no caminho dos Homens, nas palavras daquele nazareno desconhecido cujo magnetismo era inesquecível a tantos quanto se Lhe aproximassem.

Nas suaves exortações espirituais, Zacarias havia encontrado o refrigério para seus temores, confirmação para suas crenças íntimas, esclarecimento para suas dúvidas e remédio para seus sofrimentos afectivos.

No mar dos egoístas que mandavam vingar-se e consideravam a generosidade do esquecimento como sinal de fraqueza, Zacarias entendeu a beleza do perdão como fortaleza da alma que o tornaria mais íntegro e feliz por dentro.

E bastou encontrar Jesus uma única vez para se deixar seduzir pela beleza daquela nova Verdade que o mais inspirado dos rabinos era incapaz de entrever ou de pronunciar no mais inspirado dos discursos que proferisse.

Parece que Moisés se tornara uma criança rabugenta e caprichosa diante Daquele que surgia como o amigo equilibrado, dirigindo os passos dos que o seguiam com respeito e confiança.

Nenhuma exortação belicosa, nenhum momento de brutalidade, nenhuma palavra excludente a criticar isto ou aquilo.
Sem preconceitos, Jesus abraçava leprosos que os Judeus baniam para os vales, recebia prostitutas que os mesmos mantinham como seus instrumentos de prazer na calada da noite, explorando suas dificuldades para mantê-las escravizadas aos seus caprichos carnais.

Aceitava a presença malcheirosa de velhos miseráveis e crianças enfermas acompanhadas de suas mães em desespero.
Zacarias o conhecera no início do ministério de Amor, apenas alguns meses depois de ter convocado os doze seguidores e se lastimava muito de não ter podido estar entre aqueles a quem o Senhor houvera chamado directamente.

No entanto, empreendia qualquer caminhada para poder seguir o Mestre onde Ele se encontrasse.
Levando seu amigo enfermo até a presença do profeta da esperança, conseguiu que o mesmo fosse entrevisto pelo olhar manso e tivesse recuperado a saúde, o que lhe valeu como derradeiro sinal de superioridade daquela nova doutrina em face dos velhos e carcomidos textos mosaicos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 11, 2014 9:45 am

Tão logo regressou a Emaús com o amigo maravilhado ante a cura miraculosa, Zacarias deliberou fechar a sapataria e seguir os passos do Galileu por onde ele fosse, ainda que não tivesse sido escolhido para estar entre os doze mais íntimos.

Era preciso ter muita coragem para abdicar de todo o mundo pessoal que houvera conquistado e sair em viagem ao lado do Messias esperado, por simples vontade de aprender e ser melhor.

Abeberar-se com a linfa pura dos ensinamentos superiores, vivenciados ao longo do caminho pedregoso das estradas do deserto áspero no atendimento dos caídos era para ele o novo ideal de sua alma.

Fechou a casinha que o abrigava, colocou os pertences de sapateiro em sua pequena bagagem, informou aos amigos mais chegados que realizaria viagem para cidade mais distante a fim de não levantar suspeitas sobre sua conversão ao novo profeta e, em certa manhã, deixou Emaús para seguir Jesus.

Não desejava mais qualquer prova, qualquer vantagem, qualquer cura.
Queria aprender a servi-lo onde fosse necessário, melhorando-se.
E, desde esse dia, Zacarias passou a ser mais um no meio da multidão que estava sempre onde Jesus estava.

Afirme-se, por importante, que a grande massa que o buscava era composta de pessoas aflitas que, residentes nas regiões que ele cruzava, acercavam-se em busca de auxílio imediato e, tão logo o recebiam, regressavam para seus afazeres imediatos, muitas vezes esquecendo-se das bênçãos conquistadas.

Todavia, pequeno grupo de peregrinos seguia em marcha ao Seu lado, desejoso de aprender e de presenciar as belezas do Reino do Céu, acreditando estar ao lado do Messias prometido.

Era composto pelos doze escolhidos e por um grupo maior que ia aumentando com o passar do tempo, no qual se encontravam homens como Zacarias que, encantados com as novas verdades, tudo deixaram para estarem ali, captados pela doce hipnose da bondade e devotados à própria transformação.

Por mais que os apóstolos desejassem manter a exclusividade de seus privilégios como escolhidos em primeira hora, o próprio Mestre era simpático a essa pequena corte que se ia formando, deixando claro que não era propriedade de nenhum dos que escolhera.

Ao contrário, era de todos e a todos os de boa-fé aceitava como seus seguidores, independentemente de formalismos e burocracias.
Mais de uma vez Zacarias presenciara Jesus acercando-se de homens que Simão havia afastado da sua proximidade por ciúmes ou zelos excessivos, aos quais ia buscar para reparar o dano emocional que a ignorância do apóstolo havia produzido com sua rusticidade natural.

Quando o grupo principal se instalava em algum lugar que não permitia a presença de todos, os outros ficavam por perto, albergados em estalagens miseráveis, dormindo ao relento, conversando com transeuntes, contando das belezas do novo reino, trazendo mais e mais pessoas para conhecerem o Filho Amado de Deus.

Assim que era retomada a jornada, voltavam eles a se incorporar à caravana e seguir o caminho.
Assim, com o passar dos meses já não havia apenas os doze apóstolos, mas ao lado de Jesus e de sua corte primitiva, um agregado de almas igualmente devotadas se formara, dando sustentação e suporte aos deslocamentos, propagando pelas redondezas a chegada do Messias, falando de seus feitos, difundindo a sua mensagem como primeiros propagandistas da fé e da Verdade Superior que chegava.

Com o passar dos meses, tais homens foram sendo conhecidos de Jesus e dos apóstolos, com os quais passaram a se relacionar amistosamente e receber a consideração fraterna que Jesus tanto desejava se instalasse entre os que o seguiam de perto.

Dessa maneira, Zacarias passou a ser considerado um irmão devotado e respeitado pela sua idade já amadurecida, mas que, como criança feliz, se rejuvenescera no entusiasmo da fé e do ideal do bem.

Algumas vezes se afastava no atendimento de alguma miséria moral que lhe chegava ao conhecimento até que conseguisse auxiliar a criatura para que fosse até a presença do mensageiro da paz.

Nas reuniões mais íntimas recebeu o direito de dirigir perguntas ao Mestre em busca de orientações e conselhos, sempre que, primeiro, solicitasse dos apóstolos a autorização para usar a palavra.

E desta maneira, o coração de Zacarias foi sendo modificado para que mesmo as cicatrizes morais dos sofrimentos do passado fossem desaparecendo por completo, tornando-o um pequeno farol na escuridão do desespero para beneficiar muito os que sofriam.

Os meses passaram e Zacarias era outra pessoa.
Trabalhava como sapateiro ambulante quando necessitava ou o tempo lhe permitia e, dos seus modestos ganhos, retirava os recursos mínimos para si e entregava a maior parte para o grupo de idealistas que seguiam o Mestre a fim de que pudessem ter como comprar o pão ou a migalha que os sustentaria e auxiliaria a minimizar a dor de muitos miseráveis.

Mesmo assim, suportara a escassez e a fome muitas vezes, na renúncia silenciosa, para que alguém mais desesperado pudesse alimentar-se.
Todos os seus gestos de devotamento eram feitos no mais absoluto anonimato, para que não aparecessem como exercício de virtude ou de prosápia.

Os meses se passaram e o ano de 32 chegara com as esperanças aumentadas no coração daqueles homens que se maravilhavam mais a cada dia, na caminhada da evolução de seus espíritos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 11, 2014 9:46 am

6 - Josué e Zacarias

Nessa condição de próximos do círculo apostólico encontrava-se, além de Zacarias, um grupo aproximado de 70 outros seguidores que, dentro do idealismo do espírito de renovação que havia descido à Terra naquele período tão importante da humanidade, havia aceitado a tarefa de engrossar as fileiras dos devotados servidores que se sacrificariam até o mais profundo de si próprios para darem testemunho de sua efectiva transformação e, ao mesmo tempo, fecundarem o terreno árido com o seu devotamento.

Josué era outro desses empenhados seguidores do Divino Amigo que, como Zacarias, se agregara ao grupo e, pelas mostras de empenho e dedicação conseguira granjear a simpatia de todos.

Naturalmente, tais pessoas traziam consigo as limitações culturais de sua época, os preconceitos aprendidos pela convivência com homens rudes e ignorantes de seu tempo.
Todavia, ao se aproximarem da Verdade Espiritual que Jesus representava, como que um banho luminoso lhes retirava a parte mais grossa de tais entulhos íntimos, deixando brotar na alma a fonte do celeste compromisso assumido antes da reencarnação, ainda no mundo invisível.

Chegado o momento, apesar das próprias tendências e desejos, a força do contacto com o Verbo Amoroso desatava o lacre interno que deixava ressurgir o sentido efectivo da sua existência e, assim, todos os que sentiam esse chamamento, em geral, eram os que sabiam em seu inconsciente ter chegado a hora da jornada luminosa ter o seu início.

E na sua maior parte, quem sentia essa energia poderosa, que a consciência identificava como o foco sublime que os convocava, deixava-se levar pela maravilha daquela tarefa e, dentro do dever e da alegria de estar cumprindo com o compromisso assumido, entregava-se de corpo e alma ao sublime aprendizado que Jesus propiciava.

Entre Zacarias e Josué formou-se um laço de amizade muito grande, pois ambos eram provenientes da mesma região e, apesar de Zacarias apresentar-se fisicamente mais idoso, Josué compartilhava com ele a mesma jovialidade de espírito e a alegria venturosa de estarem fazendo o que a alma lhes apontava como o correto.

– Você viu, Zacarias, hoje, quando a mulher enferma procurou o Mestre e não tinha forças sequer para gritar-lhe o nome no meio do povo?
– Pobre criatura, deveria estar tão fraca que corria o risco de ser massacrada pelos outros – respondeu Zacarias.

– É mesmo, meu amigo.
Eu, de longe, sobre um pequeno aclive do terreno estava observando a passagem do Senhor e aquela criatura me chamou a atenção.
Parece que uma força invisível me fazia observar-lhe a angústia e a dificuldade em caminhar desesperadamente até onde Jesus ia passar.
Tentei ir ao seu encontro, mas era impossível atravessar a multidão afoita.

– E eu, Josué, estava no meio dessa confusão, tentando ficar o mais perto possível do Mestre para impedir que ele acabasse sufocado.
– Mas o mais interessante, Zacarias, é que a pobre criatura ia ficando para trás e ninguém se incomodava com ela, já que não tinha condições de seguir o passo dos outros mais fortes.
Sua voz mal lhe saía da garganta, seus braços finos e trémulos se esticavam como a suplicar ajuda e nenhum dos homens e mulheres que passavam interrompeu sua marcha atrás do Mestre para auxiliar essa coitada.
De onde eu estava, podia ver suas lágrimas de desespero escorrendo pelas faces enrugadas, que brilhavam à claridade do dia, sem que isso comovesse quaisquer dos passantes.
A pobre era uma súplica viva que passava desapercebida no meio dos outros mais fortes e mais capazes que, curiosos, maliciosos, oportunistas ou enfermos, seguiam Jesus em busca de seus favores.

– Mas você, Josué, não teve como ajudar essa mulher? – perguntou o amigo que ouvia com atenção o relato do mais jovem.
Talvez se você gritasse para alguém ajudar a mulher...

– E você pensa que eu não o fiz?
Esgoelei até ficar rouco, mas quem me escutou no meio daquele alvoroço?
Todos falavam, gritavam o nome de Jesus, contavam o seu caso, o seu problema, pediam ajuda em altos brados.

Simão tentava proteger Jesus e os outros escolhidos do Mestre se acotovelavam à sua volta como se quisessem guardar a jóia rara para que ninguém lhe açambarcasse ou se apossasse de sua beleza.

Jesus mesmo não se importava tanto com o tumulto e parecia se deixar levar pelos amigos nossos sem protestar, mas também sem desejar afastar-se da multidão.
Foi aí que o mais interessante aconteceu.

– O que foi, Josué?
Você está me deixando curioso com essa conversa.
– Sabe, Zacarias, eu acho que Jesus me escutou... – disse Josué meio tímido diante da curiosidade com que o amigo o fitava.

– A sua gritaria, que mais ninguém ouviu, você acha que Jesus escutou? – perguntou Zacarias sem entender.
– Não, Zacarias, a gritaria não, pois ele já tinha passado e estava envolvido pelo tumulto.
– Então o que é que Ele escutou?
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 11, 2014 9:46 am

– Bem, olhe, o que eu vou falar não é para você pensar que eu estou desejando me tornar importante, mas foi uma coisa tão interessante que estou lhe contando, para que você observe e tente fazer como eu fiz para ver se dá certo.

Bem, eu estava com o coração muito entristecido com a desgraça daquela pobre velhinha desesperada e esquecida, mas me lembrara que ouvira Jesus dizer que Deus escuta todas as nossas preces ditas com o coração.

Você sabe, desde os velhos tempos as nossas orações sempre foram feitas na sinagoga e diante dos sacerdotes frios e indiferentes, apenas preocupados com os rituais e cerimónias.
Por isso, nunca tinha imaginado até que ponto Jesus estava querendo chegar quando nos ensinou a conversar com Deus como se ele fosse nosso Pai querido.

Nessa hora, pela primeira vez, lembrei-me dos ensinamentos do Mestre e, como ainda não havia guardado de cabeça a oração que ele nos havia ensinado, levei meu pensamento ao nosso Pai e comecei a falar-Lhe mentalmente da desgraça daquela velhinha.
E o tumulto ia seguindo seu trajecto e eu conversava com Deus pedindo ajuda para aquela mulher incapacitada de seguir em busca de sua esperança.

Ao mesmo tempo em que me dirigia a Deus falando dela, meus pensamentos falavam na direcção de Jesus e eu me lembro de dizer:
– Mestre, uma velhinha aqui perdida e enferma não teve condições de chegar até você e eu mesmo não pude chegar até onde ela está.
O Senhor, que é tão generoso, peça por ela ao nosso Pai, a fim de que ela melhore porque eu sou muito miserável para que Deus me escute, mas meu coração pede que eu faça alguma coisa... – era mais ou menos isso que me lembro de estar dizendo.

– E aí, Josué, o que aconteceu?
– Bem, meu amigo, alguma coisa aconteceu e eu não sei explicar por quais mecanismos se deu.
Enquanto eu pedia, escutava o tumulto ir adiante, levando Jesus no seu rumo incerto ao destino que o aguardava.
Todavia, depois de alguns minutos, passei a escutar que a confusão estava voltando e o barulho aumentava em meus ouvidos.

– Sim, eu me lembro que Jesus parou e resolveu regressar, para espanto dos próprios amigos que estavam à sua volta, que lhe diziam que o caminho era para a frente – disse Zacarias.

– E eu, que continuava sobre o morrinho durante meus pensamentos, pude observar que Jesus voltava e se encaminhava directamente para o lugar onde a velhinha estava.
Não acreditava no que estava vendo.
Era muita coincidência e, para mim, não sabia se aquilo era fruto de minhas preces.

Será que já era a resposta de Deus ao meu pedido?
Será que Jesus escutava meus pensamentos?
Eu não sei e ainda estou pensando nisso tudo.
No entanto, o certo é que Ele voltou-se para a mulher que, agora, ajoelhada aos seus pés, não sei se por fraqueza ou por emoção, chorava ainda mais.

Jesus colocou a sua destra sobre seu cabelo sujo e despenteado, ergueu os olhos para o céu e, como se estivesse falando com alguém invisível, parecia se deixar envolver por uma claridade diferente da luz do dia.

Os que estavam ao seu lado, no empurra-empurra, ficaram estáticos e eram incapazes de pronunciar um simples monossílabo.
As mesmas pessoas que viram a mulher aflita e passaram por ela sem nada fazer, agora cercavam-na como se ela lhes fosse uma parente querida.

Não pude conter minha emoção, diante daquela mulher aflita que Jesus atendia com desvelo e verdadeiro Amor.
As lágrimas chegavam-me aos olhos e caíam em minha roupa na gratidão a Deus por toda a ajuda que havia mandado àquela criatura desventurada.

Depois de alguns minutos rápidos, durante os quais, acredito, Jesus desejava acalmar o povo com a oração que fazia por aquela mulher, tomado de um júbilo especial, o Mestre abaixou-se e, com muito cuidado, levantou a velhinha do solo poeirento.

A pobre desvalida não sabia como reverenciá-lo, mas suas palavras eram cheias de vida e bênçãos àquele a quem chamava de Profeta.
Suas vestes, seus cabelos, seus braços frágeis continuavam os mesmos, mas de seus olhos apagados pelo tempo brotaram nova chama de esperança que a tornava uma outra pessoa aos que a haviam visto anteriormente.

– Eu me lembro dela, Josué, e para mim, era apenas mais uma anciã que Jesus atendera e melhorara de suas dores antigas – falou Zacarias, referindo-se às inúmeras curas que o Mestre já havia feito e que se tornavam quase uma rotina em suas caminhadas.

– Eu já estava feliz com a sua melhora e meu coração exultava de alegria pela alegria da velhinha que, pela força que passara a demonstrar parecia ter rejuvenescido.

Escutei sua voz pela primeira vez de onde eu estava e pude ouvir-lhe a promessa:
“Profeta, eu te prometo que desta bênção que recebi, muitos miseráveis como eu também se beneficiarão.
De hoje em diante, enquanto eu tiver vida neste corpo velho, darei comida na porta de meu casebre a quem tiver fome e direi a todos que faço por amor a ti, Filho da Bondade.
Nem que for um pedaço de pão pobre, rogarei a Deus me conceda a possibilidade de ajudar para espalhar a bondade que recebi”.
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Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ Empty Re: Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 11, 2014 9:46 am

Escutei Jesus abençoar-lhe o projecto de transformação interior e de serviço aos que sofriam com um sorriso de serenidade e despedir-se daquela criatura.

Parou um pouco a narrativa para cobrar fôlego e controlar a emoção que o fazia chorar novamente ao simples efeito da lembrança de tais factos.
Zacarias também aguardava a continuidade do relato, igualmente emocionado com o gesto da anciã e a emoção do próprio amigo.

Alguns segundos depois, secando as lágrimas do rosto que insistiam em cair, Josué continuou:
– Depois de despedir-se da velhinha, Zacarias, parece que o momento de magia se desfez e o povaréu voltou à condição anterior, no aperta-empurra inconsciente e desesperado.

Os apóstolos voltaram ao caminho e Jesus voltou a ser conduzido.
Todavia, a emoção maior deste dia que eu pensava ter sido o atendimento daquela nossa irmã, Zacarias, estava para ocorrer daí a alguns instantes.

– O que foi de mais emocionante, Josué? – estava Zacarias hipnotizado pelo relato das belezas de Jesus que o amigo lhe fazia.
– Sabe, Zacarias, o mais emocionante para mim é que, quando a multidão voltou ao rumo anterior, retomando o caminho, eles todos tiveram que passar por onde eu me encontrava, já que ficara estático e imobilizado pela emoção em cima do montinho que me acolhera.

E quando o Mestre passou por onde eu estava, seus olhos faiscantes se encontraram com os meus, apagados e pobres, e não sei se de seus lábios ou se de seu espírito, mas eu sei que ele me olhou e meus ouvidos escutaram a sua voz que me disse:
– “Josué, obrigado por ter pedido por ela!”.

Voltando a chorar enquanto falava desse momento, Josué continuou:
– Zacarias, Ele me chamou pelo nome...
Ele me agradeceu por ter-me preocupado com aquela velhinha inútil e pobre.
Mas como pode ter sido isso se ninguém mais sabia que eu havia feito uma oração e pedido a Ele que atendesse a pobre da mulher esquecida? – perguntava como se falando sozinho o jovem Josué, que se achava indigno de ser notado, ainda que estivesse no meio dos 70 seguidores mais próximos.

– Que coisa linda, Josué – respondeu o amigo, também emocionado.
Jesus escutou seu chamamento porque partiu de um coração puro e cheio de compaixão, coisa rara no meio das criaturas de hoje, que querem sempre receber as bênçãos do Alto sem se erguerem a níveis mais elevados.
Estou certo de que sua oração chegou a Deus e, como seu Filho Amado estava tão próximo da irmã infeliz, o Pai deixou que Ele escutasse sua rogativa e atendesse sua súplica.

– Mas você acredita que nossas orações são escutadas assim tão rapidamente? – perguntou Josué, entre inocente e surpreendido pela compreensão generosa do amigo Zacarias.
– Sempre que oramos com confiança, na sinceridade dos propósitos de ajudar quem sofre e na pureza de um coração bondoso como o seu, estou seguro de que a resposta não tarda a chegar.
Foi por isso que Jesus fez questão de dizer-lhe que Ele atendeu a mulher por causa do seu pedido.
Se Ele não lhe tivesse falado, você não saberia do poder que uma simples oração possui para mudar o trajecto das coisas.

– Mas eu nunca pensei que Deus escutasse a oração de um qualquer como eu e que Jesus fosse se dirigir a mim chamando-me pelo meu nome... – admirou-se Josué com sinceridade.
Afinal, Zacarias, são muitas pessoas que andam à sua volta.
Imagine se dá para alguém guardar os nomes desse amontoado de pessoas que se esforçam para seguir seus passos.

Nem sempre são os mesmos, um dia falta um e vem outro, no outro dia as coisas se invertem...
Eu mesmo nunca dirigi minha palavra a Jesus nem fiquei por perto dele quando ensinava o povo.
Ao contrário, me metia no meio dele para escutar como mais um que o admira e o ama com verdadeiro afecto e desprendimento.

Nessas horas ficava pensando nos meus pais e irmãos que, lá em nossa cidade, não compreenderam minhas necessidades de elevação quando decidi deixá-los para ir ao encontro do Messias.

Para você, Zacarias, a escolha não envolveu as pressões familiares, pois você era sozinho, abandonado pela mulher, sem filhos, com poucos amigos.
Não quero, com isso, diminuir o seu mérito por deixar as coisas do mundo para seguir as pegadas de Jesus.
Quero apenas ressaltar que, no meu caso, eu possuía o peso da família que me cobrava uma conduta de acordo com os costumes de nossos antepassados.

Não estava livre para decidir por mim mesmo, pois a tradição nos impunha um dever de servir ao velho pai, agora que estava na condição adulta e tinha mais forças físicas do que ele próprio.
Meus irmãos, do mesmo modo, não aceitavam minhas escolhas interiores porque faziam da religião apenas um artigo de exercício temporário e transitório, quando as coisas não iam bem, quando os negócios não se realizavam a contento, quando os ganhos diminuíam.

Ainda assim, me deixei arrastar por essa força incoercível que me empurrava para o caminho do Messias, o que me custou a humilhação de ser deserdado, de perder os benefícios de qualquer recurso material, de ter sido banido do seio da família e de receber a maldição de meu pai, incapaz de entender o conteúdo da mensagem do Mestre e perdoar ou compreender minhas próprias necessidades.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 11, 2014 9:46 am

Seguia Josué contando sua história e de como se comportava quando estava no meio da multidão que escutava as prédicas do Divino Amigo, embevecida com as notícias do reino da Verdade e do Amor:
– Sentado no meio do povo, escutava o Mestre falando e pensava nas minhas próprias experiências de dor e sofrimento, entendendo que deixara uma família de sangue em troca da grande família dos desventurados da Terra, muitos dos quais estavam ali, ao meu lado, sentados sobre o solo seco, escutando as mensagens que eram o orvalho de Deus em nossas dores.

– É verdade, Josué, a mensagem do Mestre é como uma gota de água na secura de nossas gargantas.
O que você menciona é a mais pura realidade, pois comigo aconteceu da mesma maneira.
Eu carregava meu peito com a mágoa de minha mulher, por ter me traído com um homem bem mais jovem, que sequer pude conhecer para ir tomar satisfação pessoalmente, como o sedutor de minha mulher.

Depois de vários anos em que procurei dar-lhe o que de melhor me permitiam a saúde e o trabalho, Judite foi flagrada na situação deprimente e, apesar de não ter exercido o direito de tirar-lhe a vida como a lei me possibilitava, dei-lhe a liberdade para, depois, ver-me encarcerado nas grades do rancor, da mágoa.

Muitas vezes pensei ter agido mal e que deveria ter realizado o acto nefasto de tirar-lhe a vida para aliviar meu interior.
Todavia, depois que encontrei Jesus, entendi as fraquezas de meus semelhantes por encontrá-las em mim também.

Entendi as necessidades da jovem Judite, sua ânsia por demonstrações afectivas que julgava serem necessárias para a felicidade, algo que um homem mais amadurecido como eu não lhe propiciava, fosse nas emoções fortes que seus desejos pleiteavam, fosse no simples gesto de carinho e atenção que nossas tradições mataram dentro de nós por causa de uma conduta religiosa torpe e egoísta.

Entendi que, como um faminto tem no estômago a poderosa alavanca que o empurra para o furto de comida, Judite possuía no íntimo a insatisfação que a forçava a buscar aquilo com que acreditava saciar-se.

Não lhe valia mais meu afecto, minhas atenções e cuidados que eu achava serem grandes o suficiente para se considerarem normais como os da maioria dos casais que conhecia.

Iludida pelo jogo dos sentidos, Judite deu ouvidos às exigências da emoção, do mesmo modo que o faminto não se vê saciado por conselhos:
agiu para saciar sua carência.
Agora, depois que conheci a grandeza da mensagem de Jesus, passei a entender seus motivos e, mais do que isso, passei a ver em mim mesmo coisas que eu achava naturais, mas que, agora, percebo terem sido equívocos de conduta que nossos costumes tratavam com normalidade, mas que, no fundo, eram escravização daquelas que acreditamos ser inferiores aos homens.

Josué ouvia com carinho os desabafos do amigo Zacarias que, por primeira vez, descia aos detalhes de sua tragédia pessoal e de seu passado pouco conhecido.

– Sim, meu amigo querido, tratamos as mulheres com desprezo por causa de um maldito pecado original que as tradições religiosas dizem termos cometido por causa delas, nos tempos do velho Adão.

Mas como lhes deixar o peso de terem fracassado nas tentações do fruto proibido nas belezas do jardim do Éden, sem assumirmos nossa culpa nisso também?
Porque Eva é culpada por um escorregão e os homens se dão o direito de seguirem escorregando por todos os séculos que vieram depois e nunca se julgam culpados?
Quantas quedas os homens cometeram, a quantas tentações se entregaram desde então, quantas mulheres alheias seduziram, quantos filhos engendraram nos ventres inexperientes, envolvidos por suas teias de promessas e benesses jamais cumpridas?

Por que a pobre Eva deve merecer o ódio ancestral sem que os homens se dignem conduzir-se por caminhos rectos?
Será que Eva era o mal exclusivo e o homem o ingénuo companheiro, bonzinho, generoso e enganado cruelmente?
Ou será que trazia também o ponto fraco das fragilidades morais que o fizeram aceitar o convite da mulher iludida pelas promessas da serpente?

Se fosse melhor do que ela, ter-lhe-ia esclarecido o equívoco e impedido que ela caísse no mal.
Se o homem fosse melhor do que a companheira no paraíso, ao invés de ter-lhe seguido os passos claudicantes e aceitado a proposição, trataria de tirar-lhe da ideia o sentido da traição e a educaria para transformá-la para melhor.

Todavia, não foi isso o que ele fez.
Não se sabe se, encantado pela proibição do fruto ou pelas curvas sedutoras de Eva, o certo é que Adão se demonstrou tão despreparado e censurável quanto a mulher.

E o que é mais grave e ninguém fala é o seguinte:
Eva foi seduzida pela serpente, que na tradição religiosa seria a corporificação do mal, astuto, experiente nos processos de aliciamento, perigoso inimigo que sabe como conquistar a confiança dos que o escutam.
Eva, por mais experiente que fosse, estava diante de um oponente de peso e com conhecimento de sua tarefa de criar ilusões.

Todavia, Adão não passara por este teste difícil.
Adão foi envolvido pelas argumentações de Eva, a ingénua criatura que compartilhava com ele das alegrias do paraíso.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 11, 2014 9:47 am

Seguia Josué contando sua história e de como se comportava quando estava no meio da multidão que escutava as prédicas do Divino Amigo, embevecida com as notícias do reino da Verdade e do Amor:
– Sentado no meio do povo, escutava o Mestre falando e pensava nas minhas próprias experiências de dor e sofrimento, entendendo que deixara uma família de sangue em troca da grande família dos desventurados da Terra, muitos dos quais estavam ali, ao meu lado, sentados sobre o solo seco, escutando as mensagens que eram o orvalho de Deus em nossas dores.

– É verdade, Josué, a mensagem do Mestre é como uma gota de água na secura de nossas gargantas.
O que você menciona é a mais pura realidade, pois comigo aconteceu da mesma maneira.
Eu carregava meu peito com a mágoa de minha mulher, por ter me traído com um homem bem mais jovem, que sequer pude conhecer para ir tomar satisfação pessoalmente, como o sedutor de minha mulher.

Depois de vários anos em que procurei dar-lhe o que de melhor me permitiam a saúde e o trabalho, Judite foi flagrada na situação deprimente e, apesar de não ter exercido o direito de tirar-lhe a vida como a lei me possibilitava, dei-lhe a liberdade para, depois, ver-me encarcerado nas grades do rancor, da mágoa.

Muitas vezes pensei ter agido mal e que deveria ter realizado o acto nefasto de tirar-lhe a vida para aliviar meu interior.
Todavia, depois que encontrei Jesus, entendi as fraquezas de meus semelhantes por encontrá-las em mim também.

Entendi as necessidades da jovem Judite, sua ânsia por demonstrações afectivas que julgava serem necessárias para a felicidade, algo que um homem mais amadurecido como eu não lhe propiciava, fosse nas emoções fortes que seus desejos pleiteavam, fosse no simples gesto de carinho e atenção que nossas tradições mataram dentro de nós por causa de uma conduta religiosa torpe e egoísta.

Entendi que, como um faminto tem no estômago a poderosa alavanca que o empurra para o furto de comida, Judite possuía no íntimo a insatisfação que a forçava a buscar aquilo com que acreditava saciar-se.

Não lhe valia mais meu afecto, minhas atenções e cuidados que eu achava serem grandes o suficiente para se considerarem normais como os da maioria dos casais que conhecia.

Iludida pelo jogo dos sentidos, Judite deu ouvidos às exigências da emoção, do mesmo modo que o faminto não se vê saciado por conselhos:
agiu para saciar sua carência.
Agora, depois que conheci a grandeza da mensagem de Jesus, passei a entender seus motivos e, mais do que isso, passei a ver em mim mesmo coisas que eu achava naturais, mas que, agora, percebo terem sido equívocos de conduta que nossos costumes tratavam com normalidade, mas que, no fundo, eram escravização daquelas que acreditamos ser inferiores aos homens.

Josué ouvia com carinho os desabafos do amigo Zacarias que, por primeira vez, descia aos detalhes de sua tragédia pessoal e de seu passado pouco conhecido.

– Sim, meu amigo querido, tratamos as mulheres com desprezo por causa de um maldito pecado original que as tradições religiosas dizem termos cometido por causa delas, nos tempos do velho Adão.

Mas como lhes deixar o peso de terem fracassado nas tentações do fruto proibido nas belezas do jardim do Éden, sem assumirmos nossa culpa nisso também?
Porque Eva é culpada por um escorregão e os homens se dão o direito de seguirem escorregando por todos os séculos que vieram depois e nunca se julgam culpados?
Quantas quedas os homens cometeram, a quantas tentações se entregaram desde então, quantas mulheres alheias seduziram, quantos filhos engendraram nos ventres inexperientes, envolvidos por suas teias de promessas e benesses jamais cumpridas?

Por que a pobre Eva deve merecer o ódio ancestral sem que os homens se dignem conduzir-se por caminhos rectos?
Será que Eva era o mal exclusivo e o homem o ingénuo companheiro, bonzinho, generoso e enganado cruelmente?
Ou será que trazia também o ponto fraco das fragilidades morais que o fizeram aceitar o convite da mulher iludida pelas promessas da serpente?

Se fosse melhor do que ela, ter-lhe-ia esclarecido o equívoco e impedido que ela caísse no mal.
Se o homem fosse melhor do que a companheira no paraíso, ao invés de ter-lhe seguido os passos claudicantes e aceitado a proposição, trataria de tirar-lhe da ideia o sentido da traição e a educaria para transformá-la para melhor.

Todavia, não foi isso o que ele fez.
Não se sabe se, encantado pela proibição do fruto ou pelas curvas sedutoras de Eva, o certo é que Adão se demonstrou tão despreparado e censurável quanto a mulher.

E o que é mais grave e ninguém fala é o seguinte:
Eva foi seduzida pela serpente, que na tradição religiosa seria a corporificação do mal, astuto, experiente nos processos de aliciamento, perigoso inimigo que sabe como conquistar a confiança dos que o escutam.
Eva, por mais experiente que fosse, estava diante de um oponente de peso e com conhecimento de sua tarefa de criar ilusões.

Todavia, Adão não passara por este teste difícil.
Adão foi envolvido pelas argumentações de Eva, a ingénua criatura que compartilhava com ele das alegrias do paraíso.
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7 - A personalidade de Pilatos

No governo romano da Judeia, nesse período do ano 32, estava instalado o nosso personagem conhecido por Pôncio Pilatos, casado com uma virtuosa romana, Cláudia, cuja nobreza de carácter não era capaz de inspirar no marido maiores transformações em sua conduta masculina e de homem público, uma vez que sua estrutura interior, arraigada às tradições e ao orgulho de seu posto, impediam que se julgasse necessitado de alguma corrigenda ou transformação.

Na cidade de Jerusalém, a capital da província, Pilatos estabelecia seu escritório de comando central, ainda que tivesse, fosse em Cesareia fosse espalhada por toda a Palestina, outros postos importantes de governo, casas de veraneio, lugares aprazíveis por onde perambulava em diversos períodos do ano, com a desculpa oficial de inspeccionar o território sob sua jurisdição, mas com a intenção pouco dissimulada de estabelecer seu tráfico de interesses inferiores, tanto nos negócios comerciais quanto em suas aventuras amorosas.

Em que pese a sua capacidade administrativa, era ela suplantada pelo descaso com as coisas públicas, as quais deixava sempre à mercê das correntes locais, sob o governo de Herodes e sob a vigilância fiel dos sacerdotes judeus, igualmente hábeis negociantes da fé.

Estabelecera um sistema de interesses compartilhados através dos quais recebia favores e bens em troca de uma certa liberdade que permitisse aos judeus manterem seus negócios em funcionamento, de acordo com suas regras e costumes mesquinhos.

Havia, assim, um conúbio espúrio que desnaturava a função do procurador da Judeia como representante de César e mantenedor da ordem comum dentro dos padrões romanos de justiça e civilidade.

Para manter-se à frente de tal sistema, contava ele com a ajuda fiel de diversos assessores que igualmente recebiam a sua parte para que a máquina pudesse funcionar.
As acções de governo, na protecção dos interesses do Estado e da garantia da integridade das pessoas privilegiava, antes de tudo, a sua condição social e as suas posses e influências dentro do sistema de forças ilícitas que se movimentavam ao redor do poder central.

Pessoas humildes não possuíam razão, mesmo quando injustamente vitimadas se, do outro lado, estivesse a pessoa de um abastado judeu, de um sacerdote, de um fariseu influente e astuto que, com suas artimanhas, procuravam sempre retirar maiores vantagens de tudo e de todos os que possuíssem coisas que eles cobiçassem.

Todo este processo, fraudado pela imperfeição dos homens e pela predominância de seus interesses, era algo que não chegara directamente ao conhecimento de Tibério, mas que, em função das diversas rotas comerciais e dos processos de transmissão das notícias naquela época, atingia os círculos do poder romano, produzindo maior ou menor espanto, mas classificadas como mentiras espalhadas pelos judeus para enfraquecer o poder imperial na direcção de seus destinos.

As autoridades imperiais e pessoas influentes que procuravam manter Pilatos no lugar importante de procurador de Tibério em Jerusalém não mediam esforços para advogarem a defesa do governador, alegando tratar-se de notícias mentirosas, plantadas pela astúcia dos hebreus para desestabilizar a autoridade, ao mesmo tempo em que diziam que, por observarem tais reacções dos povos governados se poderia imaginar que a postura do governador estava lhes contrariando muito os interesses pessoais.

Eram os velhos processos interpretativos que, distanciados dos factos verdadeiros, não poderiam produzir maiores definições porque eram deturpados por todos.

Todavia, desde alguns meses, Pilatos passara a preocupar-se de maneira acentuada, eis que um correio de Tibério lhe trouxera a indicação de que um senador de tradicional família estaria aportando em breves dias na região e que possuía poderes tão amplos quanto os dele próprio e que os usaria para averiguar todo o sistema administrativo, como se fora um fiscal, com livre acesso a todos os documentos e processos.

Isso produzira em Pilatos uma acendrada preocupação, que fora compartilhada com os seus mais chegados e o obrigara a maquiar todo o processo descarado de desmandos administrativos, ocultando-os, suspendendo temporariamente as actividades suspeitas, empurrando para debaixo do tapete da clandestinidade todos os indícios que pudessem ser indicadores de tais impudicícias.

Naturalmente receberia o senador com todas as honras mentirosas e lisonjeiras para conquistar-lhe a confiança, procurando demonstrar que tudo estava correto.
Dar-lhe-ia condições para sentir-se em sua própria terra, com luxo e conforto para que não impedisse a concretização de seu projecto de amplo enriquecimento, para retirar-se da vida pública em excelentes condições e gozar uma velhice respeitável no seio dos romanos da capital do Império.

Ao lado de sua característica venal, possuía uma personalidade extremamente vaidosa e muito ligada aos prazeres físicos que a excelência de sua posição lhe facilitava conseguir, na exploração da favorável condição de governador e poderoso representante do Império que decidia os destinos de todos.

Muitas jovens de beleza especial e que inspiravam seus desejos nunca saciados conheceram a intimidade de suas câmaras palacianas, sempre sob os olhos atentos de seus asseclas, que tudo faziam para agradar seu senhor e continuar gozando das facilidades que a proximidade do poder lhes garantia.

Inúmeras jovens filhas hebreias, cuja beleza encantasse o procurador, eram assediadas e, por fim, acabavam se deixando levar para a alcova do governador sendo, depois, remuneradas com presentes e valores com os quais calavam a consciência e conquistavam o silêncio da própria família ultrajada que, recompensada materialmente, não se animava a expor-se perante tão poderoso governante, capaz de destruir-lhes o pouco equilíbrio material que possuíam com confiscos, banimentos e assassinatos covardes, na calada da noite, como já ocorrera inúmeras vezes.

Mas não só na raça judia se encontravam vítimas do poder de sedução ou de convencimento exercido por esse sistema de facilidades.
Inúmeras romanas, emigradas da capital ou do Império, se sentiam honradas em serem cortejadas pelo procurador de Tibério e ostentavam tal condição com o orgulho que apontava para a superioridade de seus dotes em relação aos das demais.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 11, 2014 9:47 am

Para grande parte das mulheres, acostumadas muitas vezes às disputas da emoção, às tertúlias da conquista, imaginando que tais vitórias representam superioridade sobre as outras, estar sob os lençóis do leito de Pilatos significava a preferência do mais importante mandatário e, por isso, muitas romanas, mesmo casadas ou comprometidas, aceitavam de bom grado – quando não se ofereciam insinuantes – a corte que lhe fazia o procurador, acostumado à facilidade na satisfação de seus desejos inferiores.

Tal ausência de barreiras morais lhe tornava comum o abuso dos sentidos físicos e as trocas de companhias já que, uma vez tornadas usuais e atingida a conquista desejada, perdia-se o interesse por mantê-las.

Pilatos, com isso, foi se tornando um homem enfraquecido na emoção e sem capacidade de reger seus próprios ímpetos, acostumado a conseguir sempre o que almejava sem ser contrariado por ninguém.

No entanto, em face de tais peculiaridades, seguia sendo cobiçado por muitas moças ou senhoras, que nele viam o poder que lhes preencheria o vazio de aventuras importantes numa terra tão insípida de emoções, ao estilo da grande capital imperial que se ia perdendo na devassidão dos costumes.

Orgulhosa e sem maiores pendores para os comportamentos respeitosos, Fúlvia, cunhada de Pilatos, era o protótipo desse tipo de mulher, irresponsável diante das aventuras e cônscia de sua beleza e juventude que pareciam lhe granjear todas as portas de acesso aos patamares mais elevados do poder.

Casada com Sálvio por causa de interesses comuns, desde cedo deixou bem claro ao consorte que não se satisfaria com a vida acomodada da tradição patrícia, afeita aos trabalhos caseiros e à criação da prole, sempre numerosa, para garantir a descendência e a perenidade do Império.

Desejava festas e recepções, divertimentos e prazeres.
Sálvio, que era um homem fraco para as coisas afectivas e materiais, houvera sido o foco de um grave escândalo que explodiu nas altas camadas da sociedade Romana e lhe custou o cargo público que exercia.

Tendo sido destituído de suas funções, fora relegado a um posto administrativo inferior, como forma de humilhação e acabou desterrado para longínquas paragens, como era comum se observar na prática administrativa romana.

A sua união com uma jovem de provocante beleza foi a maneira de afrontar os demais e fazer-se invejado pelos outros homens, vingando-se deles com a ostentação de uma mulher cobiçada por todos eles, ainda que, para isso, tivesse que suportar as vaidades, interesses e desejos intermináveis de Fúlvia.

Ela aceitara a negociata com a condição de estar sempre cercada de conforto e de fazer o que desejasse, desde que, naturalmente, aceitasse fazer o papel da esposa de Sálvio sempre que este desejasse expô-la como precioso troféu de sua capacidade sedutora.

Assim, valendo-se da favorável situação que sua irmã, Cláudia, esposava como consorte do procurador da Judeia, não foi difícil para Fúlvia aceitar transferir-se para a Palestina e acercar-se da ribalta do poder romano, insinuando-se por entre os convidados e cortesãos, conquistando os mais importantes, produzindo situações de sedução, sem considerar a dignidade da própria irmã, até chegar ao leito do cunhado, que se deixou levar pelas diatribes da mulher experiente e acostumada à flacidez dos costumes, tão diferente de sua irmã.

Pilatos se deixou encantar pela cunhada e, apesar de saber de seu consórcio com Sálvio e da filha comum que geraram com a união, estabelecera um comércio físico dos mais intensos com a exuberante Fúlvia, que se tornou uma de suas amantes preferenciais, o que a enchia de jubiloso orgulho.

Os subalternos e cúmplices do governador sabiam de todos estes envolvimentos e tratavam-na com certo respeito, pois a tinham em conta de mulher perigosa, cheia de caprichos e capaz de interferir para ajudar ou prejudicar quem quer que fosse.

Mais do que respeito, tratavam-na com o receio próprio dos fracos que se vergam para não se verem atacados.
Por isso, Fúlvia se sentia no direito de exercer algum poder na sombra de Pilatos, a quem sabia comprar sempre com os seus favores físicos e carinhos quando ele se via irritado com sua maneira arrogante de interferir nas suas decisões.

Aliás, Pilatos sofria muito quando tinha de tomá-las.
Apesar de estar no posto mais alto para toda aquela região, sua personalidade tíbia se via em dificuldades para resolver sobre questões importantes que envolvessem os interesses de pessoas que tinha como suas aliadas ou comparsas.

Para tratar do poviléu desprotegido e sem voz na sociedade, era duro e inflexível cumpridor das determinações dos códigos romanos ou dos costumes locais.
Todavia, bastava que lhe aparecesse uma disputa entre dois de seus aliados nos procedimentos espúrios para que Pilatos se perdesse na dificuldade de decidir, pois a nenhum dos dois desejava contrariar.

Sabia de sua ligação com ambos e de sua dependência moral e material de toda a teia que eles também ajudavam a manter.
Contrariar a um deles seria prejudicar seus próprios interesses e correr o risco de romper o tecido delicado de suas alianças locais.
Por isso, sempre procurava compensar a perda de algum privilégio concedendo outro privilégio para agradar o prejudicado, o que demonstrava a sua fraqueza perante todos os que dirigia.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 11, 2014 9:47 am

Raramente tomou uma decisão dura e manteve-se nela até o fim, custasse o que lhe custasse, desde que isto estivesse envolvendo pessoas importantes.

Todos os homens que o conheciam sabiam dessa peculiaridade, fruto dos problemas decorrentes da cumplicidade com o erro.
Fúlvia também sabia tanger as cordas da fragilidade afectiva e de personalidade de Pilatos, pois o conhecera na intimidade.
Sabia-o um homem descontrolado quando irado, capaz de atrocidades e sandices indescritíveis, ao mesmo tempo em que sabia como agradá-lo para conseguir o que queria, tornando-o um verdadeiro cordeiro nos momentos em que, com experiência, tangia as cordas certas na vaidade do homem de Estado romano.

Preocupava a Pilatos a chegada de Públio Lentulus, da mesma forma que incomodava a Fúlvia a sua próxima vinda à Palestina, pois nos idos de sua vida na capital, Roma, mantivera um desejo íntimo de acercar-se do senador, sobrinho de Sálvio, seu marido.

A chegada da família Lentulus seria um momento muito especial para a vida de todos os que ali se achavam acostumados aos atalhos da rectidão, nos quais se permitiam todos os excessos dos sentidos e prazeres.

Não sabiam todos que o objectivo primordial do senador era conseguir o tratamento e a melhora de sua pequena Flávia e, tão logo reunisse todos os informes oficiais e extra-oficiais que Tibério lhe houvera encomendado, regressaria a Roma, onde deixara todos os seus negócios e sua carreira pública pendentes, sob os cuidados do amigo Flamínio.

Assim, não demorou a que a família do senador aportasse na Palestina, onde a esperava a corte militar que Pilatos houvera preparado para recebê-la com todas as honras oficiais, com a finalidade de impressionar seus integrantes e conduzi-los com segurança a Jerusalém, de onde seriam tomadas as medidas necessárias ao exercício de sua tarefa pública, desde os arranjos básicos para sua hospedagem, a qual, pretendia Pilatos, fosse em sua própria casa, como forma de melhor controlar os movimentos do senador.

Sálvio Lentulus, o tio de Públio, igualmente ofereceu a sua moradia como representante exclusivo da Gens Cornélia nas paragens orientais, também induzido a fazê-lo pelos conselhos subtis de Fúlvia, que tanto desejava estar próxima de seu cobiçado objectivo de conquista, no passado.

Assim, as teias do destino começaram a se formar ao redor das personagens desta história, enquanto que, ao longe, Jesus e seus seguidores tratavam de espalhar a semente da bondade no coração dos homens, semente essa, que faria muita falta no dos que se achavam agora aproximados pelas necessidades evolutivas de cada um.
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