LUZ ESPÍRITA
Gostaria de reagir a esta mensagem? Crie uma conta em poucos cliques ou inicie sessão para continuar.

Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Página 7 de 8 Anterior  1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8  Seguinte

Ir para baixo

Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 7 Empty Re: Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Ter maio 20, 2014 8:48 am

– Bem, isso é outra coisa.
Preciso saber, antes, se sua capacidade o torna apto para o serviço.
Suas ferramentas estão com você?
– Sim, senhor.

– Eis aqui, então, uma sandália que gostaria que consertasse.
Se precisar de couro, temos algum aqui no interior da prisão.

E recebendo a peça a ser trabalhada, observou que, com talento e paciência, poderia resolver o problema sem gastar mais do que alguns rebites, alguns fios de linha grossa e uma boa dose de limpeza para recolocá-la em boas condições.

Deixado a sós por alguns minutos, Lucílio recomendou ao soldado de vigia que não o perdesse de vista, para que não sucedesse qualquer surpresa desagradável, permitindo, assim, que Zacarias realizasse sua prova de admissão sem ser molestado.

Depois de algum tempo, dirigiu-se ao soldado para informar que poderia chamar o chefe a fim de apresentar-lhe o fruto de seu trabalho.

Verificando o estado da sandália que lhe fora entregue por Zacarias, Lucílio franziu a sobrancelha e perguntou:
– Mas eu não disse que o senhor poderia trocar a velha por outra nova.
Disse que era para consertar a antiga, apenas isso.

Sem entender que o centurião duvidava do que estava vendo, Zacarias tentou explicar, humilde:
– Não, meu senhor.
Não se trata de outra nova.
É a mesma sandália, consertada.

– Eu não acredito, homem.
Deixe-me ver esta sua sacola aí, cheia de coisas, pois tenho certeza de que o par velho está enfiado aí dentro...

Avançou para Zacarias e, tomando-lhe das mãos a modesta sacola onde levava suas ferramentas, virou-a no solo em busca da sandália original e não viu nada além de utensílios de sapateiro.

– Não é possível, homem.
Pelos deuses, que esta não é a mesma sandália que deixei aqui...
– É sim, meu senhor... – falou baixinho o sapateiro.

Gritando para o soldado da guarda, perguntou-lhe se o velho tinha se ausentado do local por algum momento, no que foi informado que Zacarias não tinha saído dali nenhum instante.
Vendo que suas dúvidas não poderiam ser explicadas por outra forma, teve que acreditar na palavra do judeu.

– Pois se é verdade que esta é a mesma sandália que lhe entreguei, quero que fique sabendo que você deve ter parte com o deus dos sapatos... – falou Lucílio admirado.
– Bem, meu senhor, todos temos parte com o Deus que nos deu os pés – respondeu Zacarias.

Agradado com a resposta sábia e profunda do ancião, Lucílio deu-lhe autorização para que começasse a trabalhar assim que pudesse e, desse modo, acertaram o início para o outro dia logo pela manhã.

Voltando para a hospedaria, buscou banhar-se e comer algum alimento, evitando deixar o interior da vivenda, eis que se sentia oprimido por aquela cidade imensa e, como lhe parecia ser, perigosa e devoradora.

Ao mesmo tempo, passara a escutar as conversas dos judeus que ali se reuniam para colocarem seus assuntos em dia e que, assim, favoreciam que Zacarias ficasse inteirado das novidades.

Sua capacidade de percepção se aguçara e, aproveitando-se de cada observação que era lançada à apreciação comum, pôde perceber que os judeus de Roma estavam absolutamente distanciados dos factos e das novidades de Jerusalém, repetindo notícias equivocadas, perguntando-se a si mesmos o que teria ocorrido na terra distante à qual não regressavam há muito tempo.

Havia um desejo muito grande de informações e, como Zacarias pôde perceber, os que se haviam instalado na metrópole romana perdiam o radicalismo que era característico dos que se mantinham arraigados aos hábitos religiosos da capital dos judeus.

Naturalmente, boa parte desses que viviam em Roma mantinham hábitos de seus ancestrais e de suas tradições familiares.
No entanto, o cosmopolitismo e a convivência com pessoas de todos os lugares do mundo haviam abreviado o rigor e a intolerância em seus espíritos.

Muitos judeus se misturavam aos romanos em seus rituais pagãos, nos templos de seus deuses, como forma de se mostrarem dispostos a incorporar suas tradições a fim de poderem merecer-lhes a confiança nos negócios e arranjos financeiros.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122575
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 7 Empty Re: Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Ter maio 20, 2014 8:49 am

A ausência de um policiamento religioso rigoroso permitia uma maior maleabilidade à mente dos que viviam por ali, de tal maneira que não se encontravam, como em Jerusalém, paixões religiosas que produzissem hostilidades brutais pela simples constatação da divergência de pontos de vista.

Em Roma, todos os judeus deveriam ser aliados uns dos outros e, por isso, deveriam tolerar as próprias diferenças para que se sentissem unidos contra o que consideravam o principal adversário – os próprios romanos.

Não se via o espírito de facção que havia na Judeia, onde fariseus, sacerdotes, saduceus, doutores da lei, escribas, samaritanos, nazarenos, todos se mantinham apartados em seus feudos regionais e se hostilizavam.

Em Roma, por força da provação comum que era possibilitada pela distância de casa, os judeus eram, antes de tudo, judeus no meio de romanos.
Assim, havia um espírito mais aberto sobre as diversas escolas que davam à religião o entendimento que lhes parecia mais adequado.

Com isso, Zacarias pôde perceber que não seria perigoso estabelecer um diálogo sobre a figura de Jesus, assim que se fizesse a oportunidade.
Afinal, Jesus era judeu como eles.

Tal se deu logo no dia imediato quando, depois de chegar das suas actividades junto à soldadesca na prisão, Zacarias se aproximou de Jonas e lhe dirigiu a palavra, cortesmente:
– Meu amigo, preciso desculpar-me com você.
– Ora, Zacarias, por que isso se você não fez nada que me ofendesse?

– Sim, meu irmão, a sua generosidade me faz pesar a consciência e, por dever moral, devo confessar-me diante de seus bons sentimentos.
– Pare com isso, homem, você não me fez nada – repetiu Jonas.
– Bem, nada que possa prejudicá-lo, mas que, a mim mesmo, me tem torturado muito, enquanto ouço as conversas de nossos irmãos de raça aqui neste ambiente.
– Como assim?

– Bem, eu o havia informado de que estava viajando por vários lugares antes de chegar a Roma, o que me impedira de saber dos detalhes sobre os factos que aqui ocorreram, lembra-se?
– Claro, lembro-me perfeitamente, Zacarias.
– Bem, conquanto isso não seja mentira, também não é a plena verdade e, diante de sua pessoa, que se demonstrou amiga e generosa para comigo, posso confessar-lhe que acabo de chegar de nossa terra querida, a distante Jerusalém.

A surpresa agradável estampou um sorriso no rosto de Jonas que, raramente, recebia notícias da velha cidade.

– Mas isso é uma maravilha, Zacarias.
Você sabe que eu não tenho o direito de me meter na vida de meus hóspedes e, por isso, não fico especulando sobre a sua procedência ou o seu destino.
Desde que paguem o que me devem, eu não tenho nada a ver com suas vidas.
No entanto, com a sua revelação, minha alma se enche de venturosa alegria, pois por aqui são muito escassas as notícias de lá.

– Sim, meu amigo, e é por isso que eu me penitencio e não poderia manter essa condição oculta, vendo o desejo seu e de tantos irmãos que vêm até aqui para que possam ter notícias do que se passa em nossa Terra.
– Olha, Zacarias, sua estadia entre nós será um momento de reaproximação de nosso torrão distante.
Se me permitir, hoje irei reunir alguns dos nossos mais chegados para que você nos relate tudo o que sabe, pois já há muitos anos nós não voltamos a Jerusalém, nem em cumprimento de nossas obrigações religiosas.
Você me permite?

– Claro, Jonas, será muito bom conhecer a todos e falar da casa de nossos pais.

E assim foi feito.
No meio modesto da estalagem, Zacarias, naquela noite, pôde colocar-se em contacto com um grupo de amigos que tinham sede de notícias e que o escutaram embevecidos e curiosos, sempre perguntando sobre os acontecimentos políticos, religiosos, regionais.

E o facto de Zacarias ter percorrido muitas cidades do interior, permitira que ele trouxesse sua avaliação pessoal de muitas das regiões que haviam sido o berço de vários ouvintes, que se encantavam com as novidades.

A descrição detalhada de modificações urbanas, a acção do conquistador romano na maneira de administrar a província, as transformações tecnológicas, ainda que rudimentares, a ampliação das casas para além dos muros velhos da capital, tudo isso era motivo de deleite para eles.

A questão religiosa também foi abordada, buscando todos eles informações sobre os boatos e as meias verdades acerca de Jesus.

Quem era ele, que doutrina professava.
Se era inocente, por que acabou condenado?
Foi mesmo traído pelos seus seguidores?
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122575
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 7 Empty Re: Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Ter maio 20, 2014 8:49 am

E quando Zacarias contou que era um dos seus seguidores e começou a relatar todos os factos que presenciara, um brilho de esperança tomou conta da maioria dos corações que ouviam, reverentes, o relato daquele ancião sincero e amadurecido pela vida.

A madrugada chegou sem que eles o percebessem.
O dia iria nascer e eles precisariam trabalhar em seus negócios, mas já deixaram marcada para a noite seguinte a continuidade da conversação.
Zacarias estabelecera a primeira pregação do Evangelho na capital do mundo, em uma modesta estalagem, nos mesmos moldes do que lhe havia ocorrido em Nazaré.

E, por estranha que fosse a coincidência, ali também estava Pilatos, como o estivera em Nazaré.

O dia seguinte surgiria radioso para a alma daquele homem simples que, com o seu trabalho devotado e o seu desejo de amar a todos sem nada exigir, ia conquistando a confiança de Lucílio Barbatus.

Em uma semana, sua diligência e capacidade já haviam dado conta de consertar todas as meias botas que os soldados lhe apresentavam e, como o valor do trabalho era compensador, a fama do sapateiro espalhou-se por entre os soldados, que passaram a enviar até à prisão as peças de couro que desejavam arrumar.

Nas conversas privadas que tinha com Lucílio, Zacarias algumas vezes se referia a Jesus, pois o centurião lhe perguntara sobre os factos acontecidos na Judeia, dentre os quais estava a crucificação de um inocente e que, diziam muitos, fora a desgraça de Pilatos.

E em muitas vezes, Lucílio se encantava com o entusiasmo sincero daquele ancião enrugado e barbudo que sabia sorrir e trabalhar com desinteresse e simpatia.

Certo dia, Lucílio estava muito abatido, já que estava tomado por uma sensação de mal-estar muito grande, sem condições de manifestar o bom humor como de costume.
Vendo-lhe o estado geral digno de piedade e que era enfrentado pelo centurião com altivez e coragem, em face de não poder demonstrar sua fragilidade perante seus subordinados, Zacarias tomou a liberdade de falar-lhe mais intimamente.

– Meu prezado centurião Lucílio, desculpe-me se lhe dirijo a palavra, mas me preocupo com seu estado de saúde.
E ainda que sua fibra de carácter não o demonstre aos olhos dos seus subordinados, posso sentir que seu corpo físico está beirando o abismo doloroso.

Vendo-lhe a sinceridade e conhecendo-lhe o carácter fraternal, Lucílio nada respondeu, como a confirmar as palavras de Zacarias.

Estimulado pelo silêncio pouco usual na figura daquele romano efusivo e eloquente, Zacarias prosseguiu:
– Não pense que me sirvo de poderes que vocês catalogam como de bruxaria.
Apenas coloco para funcionar a experiência destes olhos cansados que já viram muitas dores e aflições não declaradas e digo-lhe que, se me permitir, posso ajudá-lo em alguma coisa.

Constatando que Zacarias estava certo diante de suas reacções orgânicas, Lucílio convocou-o a entrar em seu gabinete privado, onde despachava e resolvia as questões militares em silêncio e à distância dos olhares indiscretos.

Lá dentro, distante dos seus subordinados, Lucílio desabou em uma cadeira e, retirando o capacete, apresentou ao ancião a face lavada em suor abundante, o cabelo empastado e o olhar encovado que lhe dava a aparência de um enfermo grave.

– Veja, Zacarias, estou mal mesmo.
Não sei o que se passa, mas hoje estou de pé por bondade dos deuses.
– Não pense que não haja solução para o seu caso, meu amigo.
Se me permitir orar a seu benefício, acredito que Jesus poderá fazer muito por você.

– Mas esse negócio de oração eu já fiz e não deu resultado.
Mandei meu irmão ir ao templo apresentar oferendas aos deuses da boa saúde, mas eles estão ocupados com outras coisas.
Devem estar cuidando da saúde de nosso imperador...

– Bem, isso eu não sei.
Posso apenas lhe dizer que Jesus o estará ajudando se você não se ligar às divindades de pedra, vazias de conteúdo.
Jesus nos ama com um amor maior que tudo o que existe e, longe de qualquer desrespeito para com as suas crenças, posso lhe afirmar que nunca ocorreu que uma oração que eu tivesse feito com o mais sincero de meu coração acabasse sem resposta.

– Você acha que os judeus conhecem coisas que nós, os romanos, não conhecemos?
– Isso não os diminui em nada, meu amigo.
Apenas lhe afirmo que há coisas muito mais profundas e nobres do que uma estátua fria.
Há o coração, Lucílio.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122575
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 7 Empty Re: Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Ter maio 20, 2014 8:49 am

– Sim, Zacarias, o coração sempre me pareceu ligado às conquistas femininas – respondeu o centurião.
– Sim, meu amigo, mas no fundo delas está o Amor que abastece o coração e impulsiona o homem para conquistar o ser que deseja para si, não é?
– É, no fundo é assim que funciona.

– Pois então.
É desse amor que estou falando.
Se permitir que seu coração possa senti-lo, portas poderosas se abrirão dentro de você para que a luz de um novo entendimento tratem não só o seu corpo, mas sobretudo a sua alma.

– E o que devo fazer para isso acontecer, Zacarias?
Minha dor de cabeça é muito grande, meu mal-estar me diz que vou morrer à míngua.
– Pense em seu sentimento mais profundo, Lucílio.
Por um pai, uma mãe, um filho, uma mulher que você ame profunda e respeitosamente.
Pense nisso e acompanhe minhas palavras colocando o sentimento de Amor em cada pensamento.

Feche os olhos e não se preocupe com mais nada.
Estamos aqui fechados e nada ocorrerá que o possa ferir ou prejudicar.
Você aceita?

– Se isso me ajudar, estou pronto, Zacarias.

Então, o ancião recolheu pequeno pote de água que havia ao lado da mesa e, elevando a voz naquele recinto, invocou a protecção de Jesus para aquele irmão enfermo, de maneira a tocar o mais profundo de sua alma.

Lucílio era um bom homem, apesar de estar envolvido em um trabalho que pedia rudeza e frieza de carácter.
Tinha sensibilidade e era capaz de perceber coisas que outros não tinham tanta facilidade.
Suas avaliações sobre problemas militares e decisões rápidas sempre eram mais próprias e melhores do que a de muitos oficiais superiores, o que lhe valeu a promoção para a chefia daquele posto.

Sua honestidade e correcção igualmente o haviam tornado digno de confiança a ponto de ter sido escalado para escoltar os tributos recolhidos nas províncias e trazidos até Roma pela galera que aportara trazendo Pilatos e Zacarias.

Assim, seus pendores de espírito estavam abertos para a percepção da realidade da alma e, deste modo, foi fácil para que sua vibração identificasse o poderoso influxo que vinha do Alto em seu benefício naquele momento de preces.

Zacarias se deixara envolver pelo mais puro de seus sentimentos, revivendo as imagens de Nazaré quando, em contacto com a verdade do Evangelho, levou a cura que Jesus havia prometido a muitos miseráveis e desesperados.

Agora, pela primeira vez, estava orando em Roma, a capital do mundo da sua época, e percebia a existência de inúmeros necessitados, miseráveis e desesperados, espalhados pelas esquinas da grande cidade.

Suplicava pelo amigo romano a quem lhe incumbia amar como seu irmão e a súplica sincera e profunda penetrava os ouvidos de Lucílio, produzindo nele uma emoção desconhecida e profunda.

Quando terminou a prece, deu-lhe um pouco da água que ali estava e observou o estado geral de Lucílio.
O suor havia passado e uma atmosfera de alívio brotava de seu olhar admirado e confundido.

– Zacarias, se eu não o conhecesse, poderia afirmar que você é um bruxo dos mais poderosos – falou o soldado.
– E se eu não o conhecesse, diria que sua doença o iria matar, quando, na verdade, era apenas questão de fé, não de enfermidade.

– Como assim, meu amigo?
Eu fiz apenas o que me pediu e, asseguro-lhe, nunca havia sentido o que senti aqui dentro.
Um calor me subiu dos pés e me envolveu a cabeça de tal maneira que pensei que fosse cozinhar por dentro.
Depois vi uma luz que caía do alto sobre você e, de suas mãos vinham até mim, penetrando em meu organismo como se fosse um raio que passasse pela minha pele para dentro e se perdesse.

– Isso só foi possível porque você teve fé, ou seja, abriu o seu coração para esse Amor que eu lhe expliquei.
Essa coisa é que os romanos não conhecem e que os deuses não poderão lhes dar, pois são apenas estátuas frias.

– Mas isso pode acontecer de novo?
– Tantas vezes quantas você o desejar, desde que faça as coisas como expliquei.
– E quanto custa este tratamento fabuloso que me devolveu o bem-estar como que por milagre?
Ponha preço que eu pagarei.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122575
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 7 Empty Re: Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Ter maio 20, 2014 8:49 am

– Ora, meu irmão, isso nos foi dado de graça por Deus e ele nos pede apenas que entreguemos gratuitamente aos que necessitam.
Como você viu, esse poder não me pertence.
Pertence à fonte divina de onde emana, como pôde perceber quando viu a luz que caía do Alto.
Agora, a entrega dela também deve ser feita sem cobrança de nada, pois ela não está no mundo para ser vendida.

Está para ser doada.
E para mim é uma alegria poder ajudar você, entregando-lhe esse presente que Jesus nos enviou.
Como ele falava quando curava as pessoas, nas muitas vezes que eu presenciei, também afirmo:
Filho, a tua fé te curou.

Encantado com aquela filosofia de desprendimento e bondade, Lucílio desejou conhecer melhor o teor daquele poder desconhecido e avassalador, pedindo a Zacarias que conversasse com ele fora da prisão, para explicar-lhe melhor como as coisas eram.

Assim, vendo a sinceridade nos olhos de Lucílio, Zacarias convidou-o a comparecer na hospedagem para que acompanhasse seus relatos naquela noite em que voltaria a falar sobre a mensagem do Reino de Deus no coração dos homens.

E assim ocorreu.
A partir de então, Zacarias, Jonas, Lucílio e mais alguns amigos fundaram o primeiro núcleo de esclarecimento sobre a mensagem do Amor no coração do mais mundano dos aglomerados humanos daqueles tempos.

E, se os judeus o viram com desconfiança num primeiro momento, a presença de Lucílio foi aceite, depois, naturalmente, como garantia de segurança para suas próprias reuniões.

Enquanto isso, Pilatos aguardava na prisão que a morosidade dos processos de deliberação dos romanos indiferentes lhe permitisse prosseguir vivendo ou lhe desse morte honrosa, como ele mesmo achava que merecia.

O tempo, no entanto, trabalharia a favor dos interesses de Zacarias.
Conquistada a confiança e a compreensão de Lucílio, não foi difícil que Zacarias chegasse até Pilatos.

Afinal, Lucílio entendera o sentido de fraternidade e, por isso, reconhecia que o governador estava indefeso e, tanto como companheiro de caserna quanto como companheiro de humanidade, também ele merecia receber a palavra confortadora de Zacarias, naqueles momentos de agonia e angústia.

Assim, certa manhã, quando não havia muitas botas, cinturões e sandálias a arrumar, Lucílio permitiu a Zacarias aproximar-se da porta da cela onde Pilatos se encontrava, transtornado pelo tipo de recepção que lhe havia sido garantida.

A barba lhe havia tomado o rosto, ao longo das diversas semanas de reclusão sem higiene adequada.
O alimento ruim lhe impusera uma forçada dieta e o desconforto do local lhe produziam dores em todo o corpo, acostumado que estava aos divãs macios, às almofadas perfumadas e aos tapetes fofos que se perderam nos dias do passado.

Para ele, foi uma surpresa que alguém lhe dirigisse a palavra naquele local que espelhava, apenas, a antessala da morte violenta.

Pelo orifício de uma portinhola guarnecida, Zacarias apresentou-se ao outrora poderoso governador da Palestina, reduzido a um farrapo emagrecido e sujo.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122575
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 7 Empty Re: Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Ter maio 20, 2014 8:50 am

34 - Zacarias se desdobra

Diz antigo adágio popular que a vitória tem muitos pais, mas a derrota é órfã.
E com Pilatos as coisas espelhavam exactamente esta realidade verdadeira e triste como reflexo da miséria humana.

Ali estava o todo-poderoso governador da Palestina, que até há poucas semanas contava com um sem número de apaniguados que se aninhavam à sua sombra, à cata de favores e de melhores posições, tão só pelo fato de serem base de sustentação.

Todavia, uma vez caído na desgraça imperial, não importava se injustamente ou com motivos reais para merecê-la, o certo é que agora ninguém se apresentava para solicitar informações dele ou prestar solidariedade ao prisioneiro.

Isso era demasiado doloroso ao procurador da Judeia, que se via afastado de todas as prerrogativas do cargo importante que exercera, além de ter que se ver diminuído perante a grande capital imperial.

Era homem de tradição militar na qual o orgulho é sempre um valor a ser preservado e defendido.
Assim, a humilhação, que em qualquer um já seria grande, nele era mais profunda e doída, levando-o à beira da insanidade.

Naturalmente imaginou que a sua chegada não seria acompanhada de paradas militares que o saudassem, mas jamais havia imaginado aquilo como recepção: a prisão nua e crua.

Nos primeiros dias, a revolta se estabeleceu de imediato, e seu carácter arrogante se opunha a qualquer contemporização.
Gastara a voz em gritaria ensandecida através da qual conclamava os que o escutavam a que o libertassem, já que não havia sido acusado de qualquer crime formalmente.

No entanto, o silêncio que obtinha como resposta foi sendo cada vez mais doloroso ao seu espírito altivo, acostumado a mandar desde os tempos em que desempenhara as funções militares que o distinguiram à vista dos líderes romanos, na baixa Germânia, em especial na altura de Vindobona, actual Viena.

Voltemos, leitor querido, um pouco no tempo para entendermos o seu drama pessoal.
Ali desempenhara suas funções oficiais com destaque, já que a fronteira do Danúbio estava sempre envolvida em ataques bárbaros e conspirações estrangeiras, como ponto fraco do Império.

Em face do sucesso, fora trazido a Roma onde, à sombra da tradição de sua esposa, pertencente à nobre família patrícia, pôde receber as homenagens que se deviam a um homem de carácter forte e, naturalmente, violento.

Todavia, as fragilidades de seu espírito se apresentaram antes que a sua capacidade pessoal pudesse ser posta à prova em novas missões no estrangeiro.

Aproveitando-se da fama transitória e dando vazão ao seu espírito aventureiro, Pilatos se envolveu em um sem número de relacionamentos extraconjugais, que, a boca do povo contava qual tinha sido a última das romanas virtuosas que se tinha entregado aos seus encantos, todos os dias.

Naturalmente, esse conceito negativo feria o padrão de moralidade inaugurado por Augusto, mantido e ampliado por Tibério, depois que galgou o poder com a morte daquele.
A figura de Cláudia vinha sendo alvo de constante achincalhamento popular e a sua nobreza se recusava a adoptar qualquer postura que viesse a desonrar o matrimónio e o marido.

Conhecia as suas fraquezas como homem e não estava disposta a igualá-las como é tão comum a muitas mulheres de todos os tempos.
Mantinha-se de pé e com a consciência tranquila, fingindo não escutar a boataria e pedindo aos deuses que a ajudassem, bem como ao marido, a fim de que uma solução pudesse ser dada ao seu trauma pessoal.

Inúmeros sectores da sociedade patrícia romana se mobilizaram em favor de Cláudia, ainda que, para preservá-la, tivessem de tentar ajudar Pilatos, afastando-o do centro dos escândalos onde se colocara em face de seu fugaz sucesso na frente de combate.

Se permanecesse em Roma, na condição de herói que é sempre buscado pelas criaturas fragilizadas procurando ombro forte, não haveria sossego para a família, já que as próprias mulheres mais afoitas se incumbiriam de ser, sempre, a tentação que demandava a presa fraca para resistir.

A nova situação em que se achava encantava-lhe o carácter arrojado e isso o fazia se sentir quase como um deus.
Tantas vezes ouvira histórias de oficiais homenageados por todos os tipos de festas, desde a que se originava nos palácios do Palatino e Aventino, no monte Capitolino, até as que se arrastavam noite afora, pelas ruas mais escuras, becos menos importantes, onde os soldados se misturavam com prostitutas e bebiam tudo o que viam pela frente, até o raiar do dia.

Naturalmente, para Pilatos, esses momentos de fama transitória lhe haviam feito muito bem ao ego, mas agora, estavam cobrando o seu preço.
A família tradicional de Cláudia não iria aceitar que o seu nome fosse lançado à lama das ruas, pelo homem medíocre que se fizera mais respeitado tão somente por ter ingressado na sombra da tradição familiar patrícia a que Cláudia pertencia.

Por isso, conjugaram-se todos os esforços para que se lhe conseguisse um cargo que fosse, ao mesmo tempo, enaltecedor, e que o afastasse da capital, a fim de que os escândalos não ferissem a integridade da mulher respeitada a que se ligara.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122575
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 7 Empty Re: Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Ter maio 20, 2014 8:50 am

Como já se explicou antes, foi por isso que Pilatos fora mandado para a Palestina, em uma nomeação que poderia ser interpretada tanto como prémio quanto como punição.

Agora, depois que regressou nas condições que o leitor pôde observar, ninguém se dignou procurá-lo sequer para lhe estender um pouco de água.
Seus companheiros de lutas se mantinham, na maioria, presos à antiga região da baixa Germânia, também conhecida por Gália, porque ali nunca era demais manter tropas hábeis e líderes enérgicos.

Os parentes de Cláudia não se interessavam por ele e, tão somente Fúlvia era alguém que, agora em Roma, poderia desejar visitá-lo, o que não ocorrera até aquele momento.
Diante deste quadro, não é difícil avaliar a surpresa que o prisioneiro experimentou quando ouviu seu nome sendo chamado por alguém à porta.

– Senhor governador, senhor governador... – falara Zacarias, balbuciante.
– Sim, sou eu mesmo, quem me chama?
Tire-me daqui, rápido, pois eu estou encarcerado sem motivo – falou autoritário.
– Meu senhor, eu não tenho poder para tanto, mas estou aqui para servi-lo graças ao coração generoso do centurião responsável por esta prisão triste e difícil.

– Quem é você? – falou ansioso Pilatos.
– Eu sou seu amigo que, na medida do possível procurarei ajudá-lo no que suas necessidades e minhas possibilidades o permitirem.
– Como é seu nome?
– Eu me chamo Zacarias – falou sem procurar identificar-se, pois já havia transcorrido muito tempo desde aquele encontro nas cercanias de Nazaré.

Zacarias era um nome comum entre os hebreus, sempre acostumados a baptizar seus filhos de acordo com a tradição religiosa de seus ancestrais.

Ouvindo-lhe a referência nominal, Pilatos comentou irónico:
– Quer dizer que ando tanto tempo, milhas e mais milhas, deixo a Palestina maldita, chego a Roma de todos os Césares e, em vez de ser visitado por um romano, o primeiro que me procura é um judeu.

Eu mereço essa punição, confesso.
Está à cata de vingança como a maioria das víboras de sua raça?
Deseja matar-me ou conferir o que os próprios romanos estão fazendo comigo para escarnecer de minha sorte?
É enviado de Anás ou Caifás para ver meu destino de dor diminuir minha autoridade perante eles?

– Não, meu senhor, sou apenas um servidor que aqui está atendendo a um chamamento de um amigo que me pediu o acompanhasse por onde passasse.
Assim, estarei por aqui sempre que me permitirem e, se não for ofendê-lo, meu patrão – aquele que me mandou para ajudá-lo – pediu que eu me informasse quais são as suas necessidades imediatas para que elas possam ser supridas.

– Bem, Zacarias, eu não posso imaginar quem seja esse homem, mas vindo de alguém como você, naturalmente deve ser um patrão judeu.
E como todos eles, mesquinhos, interesseiros, avarentos, oportunistas, negociantes ao extremo, imagino que tal auxílio não me custará pouca coisa.
Por isso, diga ao seu patrão que eu não tenho nada mais na vida e que, apesar de sua generosa oferta, não poderei aceitá-la já que a deusa Fortuna deu as costas para mim.

Vendo que seu pensamento funcionava com rapidez e certa lógica, Zacarias buscou manter diálogo saudável e inspirador com ele, o que se tornou difícil diante de seu pensamento derrotista e fragilizado.

– Eu não tenho amigos... – falava exasperado.
Sequer entre os romanos eu possuo alguém que me procure para solidarizar-se comigo.
Que dizer amigo entre os judeus que eu tive de dirigir como um estrangeiro, tomando-lhes os recursos na forma de tributos.

Quem o mandou aqui deve ser um tremendo sátiro, a gozar das desgraças dos outros e inspirar-se para suas comédias.
Ou então deve ser um tolo que não sabe o que está fazendo, ou um vingador que quer minha cabeça.

Atormentado pelo período de prisão, Pilatos via inimigos por todas as partes.
Durante a noite, suas vítimas vinham acusá-lo dos crimes que ele ordenara ou que se cometeram em seu nome ou com a sua autorização.

Inúmeros espíritos juraram vingança contra aquele homem importante que se via imprestável, agora, para qualquer perseguição.
Seu sono não lhe permitia descanso, pois tão logo seu espírito saía do corpo físico, se deparava com uma grande quantidade de cobradores, sócios de delitos, mulheres enganadas em seu afecto, maridos que o odiavam por sua conduta agressiva no esforço de seduzir suas esposas, pais que o odiavam por verem suas filhas aliciadas pelos sacerdotes a fim de que seu leito estivesse sempre bem recheado de formas femininas tentadoras.

Sempre estava sendo convocado a defrontar-se com seus crimes e isso produzia uma aversão ao sono, propiciando-lhe longos períodos sem dormir e, consequentemente, sem descanso.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122575
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 7 Empty Re: Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Ter maio 20, 2014 8:50 am

Ao mesmo tempo, o espírito de Sulpício Tarquínius se imantara ao seu senhor, colando-se magneticamente a Pilatos, aumentando-lhe a irritação e o desequilíbrio emocional, já que, antes ou depois da morte do corpo físico, os que são parecidos, os que se afinizam em temperamento, gosto, paixão, idealismo, crime, vício, estes se atraem uns aos outros.

Assim, ao seu lado se encontrava Sulpício, desde que se deu sua desencarnação e, a partir daí, sua presença se fez sentir com mais crueldade junto do governador que, inspirado por suas maldosas sugestões mentais, mais e mais amargas tornou as perseguições aos moradores da Samaria.

Daí porque Pilatos se entregara à tirania, ao insano desejo de fazer vítimas para desforrar a morte de seu lictor.
Era a presença espiritual de Sulpício ao seu lado que lhe produzia, no espírito naturalmente violento e opressor, ainda mais opressão e violência.

Esse era o panorama espiritual de Pilatos que, na prisão, somente fisicamente se apresentava solitário.
Ao seu redor, uma chusma de adversários, sócios, servidores, comparsas espirituais, todos se congregavam presos ao desejo do exercício do poder e das vantagens que ele propiciava.

Meditando rapidamente sobre a sua situação, o governador levou em conta a sua relação com os poderes romano e judeu e, a ironia de estar ali, à mercê da vontade romana para seu julgamento e da benevolência judaica que lhe estendia o auxílio.

Como negar-se a recebê-lo, quando, em verdade, seus melhores amigos ou aqueles que ele pensava, ingenuamente, ostentar esse título tão significativo haviam preferido bani-lo de suas vidas?

Assim, apesar de não ter conhecimento ou lembrança de onde é que viera aquele velhinho, a sua simples presença naquele local, sobretudo por causa de seu absoluto isolamento ou até mesmo em face de um próximo resgate da liberdade, quem sabe através de uma fuga facilitada por algum simpatizante de sua causa, tudo isto representava para ele a chance única à qual tinha de se agarrar.

Olhando para o vão da porta, respondeu indiferente:
– Bem, Zacarias, diga ao seu amigo que se ele pretende gastar seu tempo com coisa que não vale a pena, eu lhe agradeço se puder me trazer algumas frutas ou algum alimento que se possa comer, pois estes que me entregaram até hoje são incomíveis.
Nem as ratazanas que aqui não param de perambular se animam a provar os temperos de tais iguarias.

– Está bem, meu senhor.
Amanhã retornarei trazendo alguma coisa.
Depois conversaremos mais. Até lá.

E dando por encerrado o breve contacto, Zacarias se sentia feliz por ter conseguido penetrar nas barreiras mais difíceis de serem vencidas, graças à confiança em Deus e ao modo generoso, sincero e verdadeiro com que ele se comportava perante os soldados.

Lucílio já lhe entendia a tarefa no interior da prisão.
Não era apenas para consertar sapatos que Zacarias desejava entrar.
Ele entendera, depois que conhecera a mensagem de Jesus, que todos nós estamos onde estamos para fazermos o melhor pelos nossos semelhantes.

Assim, ele próprio já se vislumbrava mais amistoso com os demais soldados, procurando ajudá-los em seus problemas pessoais e fazendo com que mais de um deles o acompanhasse à reunião nocturna que se fazia na hospedaria de Jonas.

No dia seguinte, à hora combinada, Zacarias penetrava na infecta fortaleza, para dar continuidade ao trabalho que desenvolvia ali dentro, ao mesmo tempo em que, no momento adequado, Lucílio lhe permitiria a paz necessária para que ele pudesse conversar com Pilatos mais intimamente.

Levou consigo uma provisão de frutas frescas e secas, sementes fortalecedoras, um pouco de água limpa e um odre pequeno com uma porção de vinho suave.
Levou, ainda, azeite e mel como elementos curativos para eventuais feridas.

Quando Lucílio o conduziu à cela, com a voz embargada pela emoção da lembrança de Jesus, Zacarias pediu-lhe sincero:
– Meu filho, você tem sido tão generoso comigo que eu me envergonho de lhe pedir uma coisa a mais, dentre tantas que já me propiciou.

E como Lucílio venerava aquele velhinho que todas as noites ia evangelizando sua alma, pôs-se à disposição de Zacarias para atendê-lo em qualquer pedido, desde que isso estivesse dentro de suas atribuições.

– Eu gostaria de falar com o preso olhando-o frente a frente.
– Mas eu não posso permitir que ele saia da cela, Zacarias... – falou titubeante o centurião responsável.
– Eu sei, meu amigo e não foi isso o que eu pedi.
Pedi para falar pessoalmente com ele e, se ele não pode sair, deixe-me, então, entrar lá para lhe falar com o coração...

A nobreza daquele ancião era de emocionar.
Estava pedindo para entrar na cela quando qualquer pessoa normal não desejava sequer passar pela calçada externa que margeava a prisão, famosa por sua dureza para com os presos.

– Não será perigoso?
Você está sob minha responsabilidade, Zacarias.
– Veja, Lucílio, estou aqui carregando somente estas frutas e este pouco de água e vinho que faço questão você examine para ver que não há qualquer objecto que possa facilitar a fuga do prisioneiro.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122575
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 7 Empty Re: Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Ter maio 20, 2014 8:50 am

– Sim, não é isto que eu quero dizer.
Quero dizer que, com você lá dentro, será fácil que ele obtenha um refém e procure negociar sua fuga, meu amigo.
– Não acredito que isso seja possível acontecer, Lucílio.
Seu estado é de absoluta debilidade e muito me espanta que a cabeça esteja tão lúcida como pude avaliar ontem em nossa rápida conversa.

Além do mais, eu não valho nada e se ele pretender sair da prisão me usando como objecto de troca, está perdido.
Eu o autorizo a permitir que ele me mate a dar-lhe liberdade a esse preço.

Convencido pelos argumentos amigos daquele homem insuspeito e corajoso, Lucílio, então, esboçando um gesto de contrariedade, afirmou:
– Você tem muita coisa a nos ensinar sobre Jesus, Zacarias.
Veja lá se não vai se expor em demasia, acabando por ser assassinado por esse doido e nos deixando órfãos do Reino da Verdade.
Sem você, a quem escutaremos?

– Eu lhe agradeço, Lucílio, pois sua compreensão irá entender que o que estou tentando fazer é justamente viver o que Jesus nos aconselhou e, sem medo de errar, posso lhe dizer que este seria o gesto que o Messias teria tido para com um aprisionado.

Mesmo que ele fosse culpado e tivesse sua culpa provada.
Esta é a verdade que Jesus pregou e pediu que vivêssemos.
Que nos amássemos uns aos outros como ele nos amou.

E falando isso, aceitou entrar na cela imunda onde Pilatos fora recolhido e estava esperando pela concretização de seu destino que seria decidido, finalmente, pelo conjunto dos senadores romanos que tinham-se unido a Flamínio para o exame das arbitrariedades relatadas por Públio.

Enquanto Zacarias tem a sua primeira entrevista pessoal com o governador, nos bastidores do poder romano as peças se moviam para que o destino seguisse o seu curso.

Uma vez regressando a Roma, Sálvio e Fúlvia voltaram a ter o estilo de vida tola e dissoluta que ele quanto ela levavam em Jerusalém.
No entanto, o espírito vingativo de Fúlvia foi tomado de temores quando soube da derrocada do governador, seu cunhado e ex-amante.

Acreditando que a sua condição de prisioneiro poderia comprometer-lhe a posição na capital do império, local de onde não pretenderia nunca mais sair, a mulher mesquinha igualmente passou a temer pela possibilidade de Pilatos revelar as intimidades que manteve com ela ou que, no curso do processo, tais factos fossem revelados publicamente, o que seria um escândalo ainda pior do que o que o governador houvera protagonizado há mais de uma década.

A sua conduta, como amante de seu cunhado, na casa de sua própria irmã Cláudia, seria extremamente perigosa para a sua reputação já dúbia.
Por isso, Fúlvia se valeu de todos os recursos de que dispunha para conseguir com que Pilatos fosse mantido preso e, se possível, exilado.

Naturalmente que a sua condição feminina e a sua peculiaridade de estar casada com o pretor Sálvio dificultavam-lhe a mesma licenciosidade constatada na Palestina distante.

Todavia, não deixou de insinuar-se perante homens sem muitos escrúpulos morais, que viam no poder que exerciam as mesmas oportunidades de devassidão, obtendo deles o compromisso de lutarem pelo banimento de seu cunhado, sem revelarem, contudo, a sua interferência.

Ainda lhe doía, antes de tudo, a perda da preferência em face de Lívia que, nitidamente, passara a postar-se como o objectivo maior do ex-governador.
Essa troca, no imaginário feminino, produzira em Fúlvia o efeito arrasador que sói acontecer em todas as pessoas egocêntricas, quando deixam de ser colocadas no centro do mundo dos outros.

Jurou que se vingaria de Pilatos e, agora, estava buscando realizar tudo ao seu alcance para conseguir afastá-lo para sempre de seu caminho.
Fez correr propinas gordas, aceitou rebaixar-se moralmente, deitando-se com velhos influentes e repugnantes, tão só para conseguir o que desejava.

Assim, graças aos seus esforços, a sua causa ia ganhando campo e, no espírito de boa parte das autoridades, o caso Pilatos era uma vergonha da qual se devia livrar, senão pela execução, ao menos pelo banimento.

Matar o romano que muito fizera pela manutenção da ordem seria indigno dos seus pares.
Todavia, usá-lo como exemplo para que outros como ele não se estimulassem a conduzir os negócios do Estado pelos caminhos da corrupção, seria algo apropriado, pedagogicamente falando.

Assim, enquanto Fúlvia tecia sua rede de influências para prejudicar aquele que lhe servira aos caprichos femininos e, com isso, mais e mais se comprometia diante das leis do Universo, Zacarias se apresentava perante o governador, levando-lhe a receita alimentar que o pudesse sustentar no amargo transe em que estava vivendo.

Buscara o apóstolo tratar de suas enfermidades, muitas delas consistentes de mordidas de ratos, infectadas pelo estado sórdido das masmorras imperiais.
Além disso, deixou que Pilatos falasse tudo o que queria, já que fazia muito tempo que o governador não tinha com quem conversar e, por isso, naturalmente precisaria colocar para fora toda a torrente de indignação e revolta que marcavam a sua estada em Roma.

Já havia passado mais de um mês de sua chegada e aquela era a primeira vez que alguém, que não fosse soldado, entrava em sua cela.
Vendo o estado geral, Zacarias procurou arrumar as coisas e organizar um pouco a bagunça generalizada. Pediu a Lucílio que lhe permitisse limpar o lugar, varrendo e combatendo os ratos, retirando o feno apodrecido que lhe serviria de colchão e substituindo por algo mais compatível com o local e com o prisioneiro.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122575
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 7 Empty Re: Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Ter maio 20, 2014 8:51 am

Fez ver ao centurião que ninguém deixaria de ser prisioneiro se dormisse em uma cama de campanha, dessas que os militares estavam acostumados a usar em suas incursões de conquistas.

E suas argumentações a favor do prisioneiro tinham tanto de verdadeiras e humanas, generosas e doces, que Lucílio outra coisa não fazia senão atendê-las.

Afinal, também, estavam tratando de um romano conhecido e respeitado por seus feitos no passado.
Assim, o panorama interno da cela de Pilatos foi renovado com a presença daquele ancião que mais parecia um anjo tutelar do que um reles sapateiro.

As vestes de Pilatos foram trocadas por roupa limpa que Zacarias comprou e trouxe ao prisioneiro.
Com os aparelhos de corte específicos para as tarefas de sua profissão, o velhinho cortou os cabelos crescidos e desalinhados do governador, aparou suas unhas e cortou a barba hirta, de modo que, ao final de alguns dias, o homem já estava mais integrado novamente à sua condição humana, tornando-se mais doce e cordial, apesar da situação que não se alterara e que considerava injusta.

Todavia, o carinho de Zacarias, que nunca o desafiara, que nunca lhe apontara os erros do passado, que sempre tinha um conselho amigo e cordial, que não feria a sua susceptibilidade de homem fracassado, isto tudo ia, sutilmente, abrindo caminhos dentro da armadura daquele romano imaturo que a experiência do sofrimento estava retemperando.

Ao término da primeira semana, os cuidados de Zacarias haviam produzido, no interior da cela, a transformação necessária para que Pilatos não se sentisse mais prisioneiro e sim um hóspede a quem era impedida a saída do quarto.

Por isso, Zacarias procurava fazer-lhe as vezes, trazendo-lhe tudo o que ele precisasse, facultando-lhe a realização dos menores desejos.
E para tais gastos, o apóstolo contava com seus próprios recursos, largamente economizados desde a venda de sua casinha em Emaús e, agora, ajudado pelos amigos da hospedagem de Jonas que, compreendendo os deveres de Zacarias para com o sofrimento daquele homem pecador, tudo procuravam fazer para ajudá-lo a cumprir a solicitação pessoal de Jesus.

Quando os seus amigos de conversas nocturnas souberam que Jesus havia pedido a Zacarias que acompanhasse Pilatos pessoalmente, a fim de que ele recebesse a palavra do Reino de Deus, todos se deixaram envolver por um rio de lágrimas emocionadas e, imediatamente, se solidarizaram, como se o Mestre os tivesse convocado a todos para essa realização.

Assim, passara a ser a estalagem de Jonas aquela que se responsabilizaria pelo fornecimento do alimento a Pilatos e a alguns dos soldados da prisão, vitimados pelos maus tratos e pelas tragédias pessoais que lhes impunham uma condição de quase miserabilidade.

Os outros amigos se conjugavam para fornecer as roupas, ajudar na arrumação, providenciar alguma mesa pequena e cadeira para que Pilatos tivesse onde se sentar, arrumar a pequena cama de campanha onde pudesse dormir.

Tudo isto, em decorrência da força que a mensagem de Jesus havia semeado no coração daqueles homens por causa do exemplo humilde de Zacarias.
As orações nocturnas eram feitas sob o véu da gratidão e da alegria verdadeira, tornando todos os que se conheceram naquele local, irmãos pelos laços verdadeiros do espírito, solidários em todos os momentos e, por assim dizer, os primeiros divulgadores da verdade cristã, através de suas próprias transformações.

Roma era muito grande para se importar com um pequeno contingente de almas abnegadas e solidárias.
Por isso, ainda estava longe o dia em que, tornando-se avassaladora, a verdade cristã seria perseguida pelos governantes e punida com os espectáculos horrendos nos quais os cristãos enfrentavam o martírio das feras ao som dos cânticos de fé inabalável.

Aquele grupo seria o embrião de novos grupos.
A escrita que Simão houvera dado a Zacarias multiplicara-se em cópias que passavam a circular entre os frequentadores assíduos de tais encontros, levando-se a mensagem de renovação e esperança ao seio de uma comunidade pervertida pela miséria moral , pelas injustiças sociais, pelos descalabros administrativos, pelo modo mundano e pagão de se relacionar com as coisas divinas.

Roma estava pronta para ser incendiada.
E os primeiros cristãos estavam começando a acender o pavio.
Esse foi o verdadeiro incêndio em que a cidade das sete colinas, efectivamente, se viu envolvida.

Não o que o visionário e alucinado Nero ateou para o deleite de seus olhos perturbados, à cata de inspiração.
A cidade começara a arder antes, pelo fogo lento e imperceptível da verdade e do Reino de Deus que começara a subir dos mais baixos patamares do povo até crestar os tronos mais dourados e poderosos que, igualmente, séculos depois, foram tragados.

O impulso de ajudar Zacarias a ajudar Pilatos tomou conta daquele grupo de homens e em Roma, pela primeira vez, se viu um grupo de pessoas reunido tão somente pelo bem-estar de outrem, sem lhe apreciar o mérito ou lhe impugnar o carácter com os vícios e erros de outrora.

Todos estavam fazendo o que Jesus pediu.
Odiavam o crime, mas amavam o criminoso.
Isso estava transformando Pilatos, que deixara de ser um homem mesquinho e passara a apreciar a conversação que, agora, acontecia também na presença de Lucílio.

Eram momentos agradáveis e, em breve, Pilatos os apreciaria ainda mais.
Isso porque, à medida que Zacarias lhe ia fornecendo o que suas necessidades solicitavam, ainda que seu orgulho não o pedisse, mais e mais o prisioneiro vinha desejando saber quem é que havia enviado o velhinho para cuidar dele com tanto préstimo e zelo.

Zacarias, para não lhe ferir o espírito, recusara-se, até então, a revelar o que tinha acontecido.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122575
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 7 Empty Re: Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Ter maio 20, 2014 8:51 am

35 - A Vergonha de Pilatos

Terminada a primeira semana em que Zacarias pôde levar até o prisioneiro o carinho de sua atenção, e durante a qual o mesmo se viu mais acolhido pela solicitude dos únicos amigos que lhe prestavam atenção – o velho apóstolo e o centurião Lucílio – Pilatos já se encontrava mais calmo e aberto para que outras coisas lhe pudessem chegar ao espírito rebelde.

Natural que as pessoas que se deixam levar pelo caminho do atendimento de todos os seus caprichos se tornem crianças perigosas, eis que julgam possuir todos os direitos e não suportam ter contrariado o menor de seus desejos.

Assim, a conduta de Pilatos, nos primeiros momentos da prisão, fora a do infante revoltado ao qual se negara a realização absurda de seus caprichos e que, por isso, se atira às reacções inconsequentes com que a imaturidade sempre protesta.

A maturidade espiritual dos homens se mede pelas suas reacções nos momentos de contrariedade de seus desejos e direitos.
Assim, depois de vencida a primeira fase, durante o mês inicial de sua reclusão e esquecimento, o governador deposto se apresentava mais cansado em seu íntimo, o que facilitou que Zacarias pudesse se apresentar como o companheiro devotado que atendia às suas necessidades.

Por isso, gradualmente, Pilatos foi se afeiçoando àquele ancião que lhe dedicava tanto carinho, e se admirava por sua capacidade de entrega, indo àquela prisão perigosa tão somente para dar-lhe consolação.

Tal comportamento não encontrava paralelo nas experiências do dia-a-dia daqueles tempos, onde o egoísmo aconselhava que cada qual se embrenhasse na conquista de vantagens para si mesmo e para os seus, ainda que à custa de passar os outros para trás.

Então, depois de passado o primeiro período e transcorrida já uma semana em que Zacarias se dedicava pessoalmente ao seu conforto material, Pilatos dirigiu-se ao ancião, nestes termos:
– Prezado amigo, a sua presença aqui transformou este quarto de prisão em gabinete e, se é verdade que ainda é uma prisão, o certo, no entanto, é que se apresenta mais aceitável e não me causa náuseas.

No entanto, desconheço de onde provém esta solicitude que representou um bálsamo ao meu coração desventurado.
Acostumado às disciplinas militares e a condutas governamentais que sempre pautaram sua preocupação pelos números e estatísticas, sempre me mantive distante das realidades pessoais que agora se me apresentam.

E encontrando a verdade de muitos nas paredes desta cela imunda, pude ver por dentro aquilo que representou o destino de muitos homens que julguei sem piedade.

Quantas criaturas não enfrentaram as condições iguais ou piores do que estas tão somente porque eu estava de mau humor naquele dia fatídico em que seu destino esteve em minhas mãos?
Quando meus humores estavam harmoniosos, fácil seria aproximar-me das ideias de compreensão ou moderação.

No entanto, bastava que se me alterassem os sentimentos, por pequena contrariedade, que processos iguais por delitos idênticos recebiam pesos e tratamentos diferentes em virtude de minhas disposições modificadas.

Agora, percebo que governar é muito diferente de ser governado, e que a impotência dos que submetemos às nossas leis torna suas vidas algo quase sem valor, como se apresenta a minha própria, neste lugar.

Ouvindo o seu desabafo com interesse e solicitude, Zacarias deixou que as coisas seguissem seu curso natural, respondendo apenas:
– Sim, meu senhor, nada é a mesma coisa quando passamos pelas situações que impomos aos outros.
– É, Zacarias, e se me permite confiar em seu coração generoso e experiente, estes dias na cadeia me fazem pensar em muitas coisas e me arrepender de muitas outras.

– Sim, meu senhor? – respondeu-lhe o ancião, como que indagando com curiosidade.
– Sim, Zacarias.
Muitas vezes puni com o rigor da lei, que mandava dar cadeia a quem a merecesse e, nestes casos, minha consciência de nada me acusa.
Muitos malfeitores se valem do anonimato para produzirem males e prejuízos que precisam ser combatidos com o rigor da lei e, ao fazê-lo em nome de uma disciplina e de uma civilização que Roma representa mais perfeitamente, sinto que meu interior me aprovava a conduta e que eu era escravo da posição que ocupava.

No entanto, meu amigo, a consciência me acusa de muitas coisas que eu fiz me valendo da condição de poder que exercia, em detrimento de meus deveres directos ou indirectos.
E ao me colocar neste momento diante da vontade dos deuses que parece terem me abandonado, posso confessar-lhe que fiz por merecer esse afastamento das divindades que, certamente, perderam a paciência com o meu acumulado de débitos e iniquidades.

Mulheres desonradas, a começar por minha própria esposa.
Filhas de pessoas honestas que me eram conduzidas por cúmplices de crimes para que meus caprichos sexuais fossem saciados, devolvendo-as privadas da honra que lhes era tão importante, compensadas por algumas moedas que, por mais valiosas que fossem, eram sempre miseráveis para medicarem o sentimento ferido na alma usada e desrespeitada.

Negociatas escandalosas envolvendo autoridades laicas ou religiosas, sempre visando o acerto de interesses nas ambições ocultadas pelo véu espesso da noite criminosa, na qual se faziam os ajustes da pantomima que se encenaria no dia seguinte.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122575
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 7 Empty Re: Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Ter maio 20, 2014 8:51 am

Não, Zacarias, tudo isto me faz pensar, agora, quando a frieza destas paredes me reserva a dura realidade de meus actos, que os deuses de meus pais e meus antepassados se afastaram de meu destino vil e criminoso e, acima de tudo, me permitiram recolher os dardos envenenados que espalhei por onde andei.

No entanto, vou revelar-lhe algo que nunca disse a mais ninguém.
Dentro de minha consciência, um acto nefasto, particularmente, me acusa como déspota e miserável.

E ao fazer menção a esta delicada parte de seu passado, Pilatos se deixou envolver por uma melancolia que o reduzia à condição de miserável criatura, envolta em um misto de indignação, medo e vergonha de si mesmo.

Parece que, de dentro de seu ser, uma outra realidade humana se levantara para acusá-lo com astúcia e crueldade.
Buscando se manter em equilíbrio, o governador falido conteve os impulsos destrutivos de suas emoções para poder continuar.

– Agora que me vejo ajudado por uma criatura tão doce e humana como você, Zacarias, é que tenho a noção da imprestabilidade de minha alma e, no fundo, posso aquilatar o porquê de ter sido abandonado pelos deuses de meus ancestrais.

E me sinto ainda mais envergonhado por tudo o que realizei ou deixei de fazer.
Dar cadeia ao culpado é até um acto de justiça digno de nossa civilização, que procura corrigir.
E se eu lhe dissesse que fui tão despótico e animalesco, que dei a morte a um inocente?

Nesse momento, uma torrente de lágrimas invadiu-lhe a garganta e soluços dolorosos e profundos brotavam de todo o seu ser, como se não fosse apenas o seu corpo que chorava, mas todo o
seu espírito se contorcia em acessos compungentes de sofrimento.

Zacarias acercou-se do prisioneiro e abraçou-o, sem tentar deter a avalanche de lágrimas que ele bem sabia serem úteis para limpar o coração aprisionado pelas culpas.

Afinal, ele próprio já tivera enfrentado essa situação quando da revelação de seus erros do passado ao amigo Josué, no caminho para Nazaré, anos antes.
O contacto da atmosfera carinhosa daquele ancião mais parecia o abraço de um pai querido, que Pilatos recebia como o retorno de um grande amigo para consolá-lo, sem julgar seus actos, baixos por si próprios.

Assim, decorridos longos minutos de lágrimas e soluços angustiosos, Pilatos retomou a confissão.

– Sim, Zacarias, seus braços amigos... estão abraçando um ...miserável e ...injusto juiz ... cuja iniquidade foi... .... tamanha ...a ponto de ... condenar um inocente à morte.
Não foi à prisão, Zacarias ... foi à M... O... R...T...E – insistia a sua quase insanidade e descontrole, reforçando a palavra para mais extrair dela o peso de sua culpa.

O tempo passou e, na ocasião, eu me desculpei do crime considerando que fora envolvido pela astúcia dos sacerdotes miseráveis e pela raça abjecta e mesquinha dos judeus que, diferentes de você, só pensavam em ajustes odiosos e negociatas secretas.

Tanto que, pensando que comprava a paz de minha consciência, representei o teatral gesto de limpar minhas mãos do sangue daquele homem.

Mas era essa a minha tarefa, na Palestina?
Submeter-me, assim, covardemente, à sanha dos iníquos adversários de um inocente virtuoso que contrariava os seus vícios?
Fora para isso que eu possuía o mais capacitado exército sob meus cuidados e ordens?
Para aceitar a morte de alguém, mesmo de um miserável e mendigo, sem tomar nenhuma atitude que não fosse a de limpar minhas mãos?

Depois que o tempo passou e que a cruz foi erguida sob os apupos da turba ensandecida, um peso interno passou a fustigar minha alma.
Ainda não me escapa da visão íntima, como se estivesse passando pelo momento que se eternizou em minha mente, a cena de seus olhos tristes, de seu olhar sereno e nobre, que não sabia suplicar nada para si, ao mesmo tempo em que se entregava aos poderes soberanos de um Deus que ele dizia existir, mas que nós, práticos romanos, nunca conhecemos ou ouvimos falar.

Vê-lo humilhado, ensanguentado e ferido por uma coroa que o miserável rei da Galileia e Pereia mandara enfiar-lhe na testa, na ironia macabra dos déspotas ignorantes, faminto e trémulo sob o véu espesso da insensatez dos homens, submetido corajosamente ao poder mesquinho de uma justiça tão venal quanto qualquer homem que se diga seu representante, incluindo-me nessa qualificação, me estremece o coração e não há meio de me sentir nobre e honrado com o gesto que adoptei naquela hora fatídica de minha vida.

Se tivesse sido o depravado que sempre fui, mas tivesse, naquele instante, sabido agir com coragem e determinação na defesa de um inocente que eu próprio reconhecera como tal, não teria nenhuma dificuldade em me perdoar dos outros deslizes.

No entanto, se tivesse sido o mais justo dos governadores do mundo imperial, nunca tendo tergiversado com a verdade e tivesse, simplesmente, errado como errei lavando as mãos no caso daquele profeta, nada do que houvera feito antes me teria justificado a correcção e enobrecido minha honra.

E o que é pior, Zacarias, é que já sou réu de mim mesmo pelos erros grosseiros a que me permiti arrastar pelas minhas misérias e, ainda mais agravado pelo soberano equívoco que minha covardia me deixou perpetrar, nada fazendo para defender a vida daquele homem tão indefeso quanto corajoso.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122575
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 7 Empty Re: Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Ter maio 20, 2014 8:51 am

Eu estive preso aqui, injustamente, segundo meus conceitos humanos e, nos primeiros dias, indignado, gastei minha garganta entre gritos e imprecações, tendo que me calar, não porque me conformasse, mas porque não tinha mais voz para gritar.

E me tenho em conta de pertencer ao mais elevado círculo da civilização, à nata dos homens de cultura e poder.
E, ainda assim, carrego em meu interior a marca de minhas culpas que me acusam sem parar.

Quanta coragem não foi necessária para passar por tudo aquilo que aquele inocente – Pilatos como que se recusava, por vergonha, a pronunciar o nome de Jesus – foi obrigado a suportar até a sua morte na cruz...!?
E ele não abriu a boca para pedir nada, nem para se defender, nem para praguejar contra a sorte...

As lágrimas corriam abundantes por seus olhos vidrados, quase que à beira da loucura, produzindo um efeito assustador e emocionante naquele velhinho que o conhecera no auge de sua importância.

– Com certeza, os deuses estão me odiando com justiça, pois me comportei como um celerado a quem estavam confiadas a lei e a ordem, mas que permitiu que a arbitrariedade e a desordem fossem cometidas apenas por causa de minha fraqueza de carácter, o que demonstra a minha incapacidade de ocupar o posto para o qual fora promovido.

E eu não os culpo.
Eles estão certos e acredito que amargarei longos anos no inferno como forma de expurgar minhas culpas e misérias.
Só não entendo qual divindade tem sido tão imprudente permitindo que um ser tão abjecto e ignóbil quanto eu pudesse encontrar alguém de coração tão gentil e atencioso quanto você, Zacarias.

A pergunta ficara no ar, como que pedindo uma explicação, depois que ele se fizera desnudar de maneira tão verdadeira e grotesca, sem ocultar nenhuma de suas culpas.

Ouvindo-lhe a menção à generosidade dos deuses, Zacarias respondeu:
– Bem, senhor governador, eu já lhe disse que alguém que muito o ama me mandou para ajudá-lo em tudo o que fosse necessário.

– Mas isto para mim continua sendo uma incógnita que muito me agradaria resolver, meu amigo.
Quem será esta criatura que o enviou até aqui para me atender aos menores desejos, mesmo sendo tão indigno quanto sou e mesmo sabendo agora, como sei, que não mereço senão a companhia das ratazanas, muitas das quais devem se sentir desonradas e ter asco de minha presença?

– Não diga isso, meu filho.
Você é um companheiro que teve seus erros e, no entanto, continua sendo filho de Deus.
Esse Deus que o criou e que fez tudo o que existe, que é mais eloquente que todas as estátuas de mármore dos panteões humanos, que sabe onde estão nossas misérias e se esforça em nos ajudar a nos erguermos, mesmo das mais terríveis quedas.
Lembre-se, Pilatos, sobre toda a ruína que produzimos, Deus, generoso, reedifica um monumento mais sólido e nobre.

– Esse Deus a que você se refere é um deus diferente dos nossos tradicionais? – perguntou intrigado o prisioneiro.
– Sim, meu amigo, é um muito mais poderoso e sábio, justo e amoroso, que perdoa sempre e ampara os fracos em suas quedas.
– Mas esse é muito parecido com um deus que encontrei na Palestina e que era pregado por esse homem que acabei condenando à cruz, injustamente.

– Sim, é verdade – respondeu Zacarias.
– Ora, Zacarias, um dia um grupo de homens me falou dele quando estava em Nazaré e os judeus, mesquinhos e miseráveis como sempre, pretendiam que eu os prendesse e punisse, já que estavam curando doentes, falando de amor aos que sofriam, de um Reino de Deus que chegaria nos corações das pessoas...

E enquanto falava, Zacarias sorria e, antes que terminasse de falar, completou:
– Sim, meu irmão, e que depois de ouvi-los, o senhor ofereceu pousada para a noite e deu-lhes provisões para a viagem, não foi?

Escutando-lhe tais revelações, que ele próprio já havia se esquecido, Pilatos calou-se abruptamente e começou a investigar com os olhos molhados a fisionomia envelhecida de Zacarias, com a barba mais espessa e branca que outrora.

Olhando-o, Pilatos continuou:
– Mas como é que você sabe dessas...
Era você, Zacarias – gritou o prisioneiro, aterrado.
Era você, era você que estava lá!
Eu sabia que sua fisionomia não me era estranha.
No entanto, não me lembrava de onde já o tinha encontrado.

E Zacarias, deixando que a expansão de surpresa e entusiasmo ganhasse o seu espírito até então triste e abatido, confirmou a descoberta, acrescentando:
– Sim, meu senhor, era eu que estava em sua propriedade em Nazaré naquele final de tarde e início de noite, quando suas perguntas foram dirigidas a nós quatro, eu e meus amigos, para que as notícias do Reino de Deus pudessem ser avaliadas pelo seu senso de justiça e lucidez.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122575
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 7 Empty Re: Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Ter maio 20, 2014 8:52 am

E ainda me recordo de suas palavras lamentando não poder deixar para trás toda a história de sua vida e a crença antiga para seguir a compreensão do novo Reino que se apresentara, àquele dia, ao seu coração.

Lembro-me de ter-lhe respondido que o homem era sempre ajudado por Deus para romper, um dia, as correntes que o prendem, de maneira que chegaria o momento em que sentiria a possibilidade de ser livre para sempre ou manter-se escravizado como você dizia estar.

– Pelos deuses, Zacarias, então é você mesmo quem está comigo, aqui em Roma – exclamou Pilatos sem acreditar.

E lembrando-se de sua confissão sobre as culpas no processo de Jesus e, agora, sabendo que Zacarias era um de seus seguidores mais próximos, naturalmente que seu constrangimento ainda se avolumou mais.

Um toldo de amarguras se levantou em sua face, o que o levou a dizer, amargurado:
– Veja a ironia dos deuses maldosos de Roma, meu amigo.
Não estão saciados com a minha derrocada.
Querem me impor o supremo grau de vergonha ao meu orgulho patrício, fazendo com que o único que se importe comigo seja o seguidor daquele que eu próprio massacrei com minha omissão medrosa e inconsequente.

Isso é demais, Zacarias.
Não sei o que dizer.
A vergonha me matará fatalmente.

– Não pense assim, meu senhor.
O Reino de Deus é para todos nós, foi o que sempre afirmou Jesus.
Não nos cabe julgar a ninguém, mas tão somente, o dever de ajudar em qualquer condição ou situação.
Por isso, o Deus soberano e amigo que os romanos não conhecem, também os considera como seus filhos e dignos de compaixão.

Só está esperando que todos se fartem da taça amarga dos prazeres e desilusões para que estejam preparados a fim de escutarem o suave chamamento que fala às nossas angústias e frustrações:
“Vinde a mim todos vós que sofreis e que estais sobrecarregados e eu vos aliviarei.
Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim que sou brando e humilde de coração e encontrareis o repouso de vossas almas;
porque meu jugo é suave e meu fardo é leve”.

– Isso é tão belo e alvissareiro, meu amigo, que, vindo de sua boca, mais parece uma prece proferida por um nume tutelar de meu destino.
Ainda assim, Zacarias, pesa-me ser alvo de bênçãos que não fiz por merecer.

Por isso, gostaria que tudo o que lhe revelei neste dia, todas as minhas iniquidades e todas aquelas que você acrescentar por conta da imaginação popular, devem ser relatadas ao seu patrão, que tem gastado seus recursos com um indivíduo indigno de ser mantido por uma bondade, que estaria melhor usada se fosse posta a serviço de pessoas nobres como você, que não se comprometeram com o mal tanto quanto eu já o fiz.

Vá, Zacarias, que sua presença já me consolou muito por um dia só, mais do que mereço, mas não se esqueça de agradecer ao seu generoso senhor, relatando-lhe, no entanto, todas as diabruras que eu já realizei, pois não quero que pese sobre mim a dupla culpa de estar iludindo a boa fé de mais um coração generoso.

E se ele se dispuser a me abandonar na solidão e no ostracismo, a sua presença, até hoje, em minha vida, já fez mais por mim do que eu o fiz por todas as pessoas ao longo de toda a minha existência.

Eu não sabia o que era arrependimento.
Agora, já me envergonho de mim, sobretudo por sentir a sua bondade, meu amigo.

E dizendo isso, o prisioneiro, transformado ao peso de sua culpa e de sua transitória punição, abeirou-se das mãos enrugadas do sapateiro e as beijou com uma veneração tal que se parecia mais ao filho pródigo a beijar o paizinho generoso que o recebia como carne de sua carne, quando ele lhe fora pedir que fosse acolhido apenas como seu escravo.

Zacarias acariciou-lhe os cabelos a consolá-lo com ternura, como a se despedir.

No entanto, antes que se levantasse para sair, Pilatos reforçou o pedido:
– Zacarias, prometa-me que vai contar ao seu patrão tudo o que lhe contei aqui hoje.
E que se ele se arrepender do que fez por mim até aqui, eu já me considero muito endividado com a sua generosidade, para me ofender com a retirada de sua misericórdia.
Já me satisfaria poder estar aqui com você, uma vez ou outra, enquanto espero meu destino se concretizar.

– Não se preocupe, governador, não é preciso falar nada...
– Mas é claro que é preciso, Zacarias, – disse, insatisfeito – esse homem bom precisa saber que você está levando a sua ajuda a um celerado, um condenado pela consciência de seus erros...
– Mas ele não deseja que você seja sempre assim, meu filho.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122575
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 7 Empty Re: Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Ter maio 20, 2014 8:52 am

Ele deseja que você cresça e melhore – respondeu Zacarias, tentando não mentir a Pilatos.

– Ora, Zacarias, desse jeito eu vou me sentir um ladrão, roubando mesmo estando preso.
Não quero mais ter este peso dentro de mim e, se você se recusar a falar para ele o que eu já fiz, vou escrever uma carta para que a entregue pessoalmente.

Isso... Isso mesmo é que vou fazer.
Não vou ficar dependendo de você para abrir sua boca santa, que se recusa a falar mal dos ignorantes e depravados como eu.
Na verdade, sua língua não merece corromper-se falando de meus equívocos.

Vou fazer diferente. Vou pegar um papel e escrever tudo isso.
Você só terá que entregar, dizendo que não sabe o que está escrito.
Olhando com compaixão profunda para aquele homem que, agora, à custa do sofrimento, desejava dar mostras de transformação, recusando-se a receber ajuda de alguém que ele pensava desconhecesse a sua condição de endividado moral, Zacarias não sabia o que fazer para revelar-lhe a verdade, mas estava vendo que não teria como evitar contar-lhe o que se passava.

– Então, meu amigo, prometa que você entrega a carta que vou escrever – falou Pilatos, angustiado e quase em desespero infantil, esperando a concordância do seu benfeitor.
Vendo-lhe o estado de excitação, Zacarias lhe respondeu:
– Bem, meu filho, não se dê ao trabalho de escrever ao meu patrão para falar todas as coisas que você fez, ele não precisa disso.
– Claro que precisa, homem teimoso.
Você está parecendo eu, Zacarias, uma mula velha e xucra... – falou Pilatos.

– Não precisa, governador.
Ele já sabe de tudo.
– Ora, Zacarias, é verdade que muita gente está falando mal de mim, mas isso não quer dizer que aquilo que seu amo conhece seja toda a verdade.
Eu quero que ele saiba de tudo mesmo, tudo isso que eu lhe contei, traições, roubos, prevaricações, infidelidades, luxúrias, injustiças e, principalmente, sobre o inocente que eu condenei à morte.
Só se ele souber de tudo isso é que vou ficar mais tranquilo com a sua vinda e com a ajuda que ele me manda aqui na miserável prisão.

– Tudo isto ele sabe, governador.
Não preciso dizer-lhe mesmo.
– Zacarias, nós estamos em Roma e as notícias de longe não chegam direito por aqui.
Este homem, por mais bem informado, não pode estar a par de tudo o que eu fiz lá na Palestina.

– Sim, Pilatos, ele sabe.
– Mas então, Zacarias, quem é esse homem tão importante que sabe de tudo e, ainda assim, não se recusou a me ajudar?
Não deve ser nenhuma autoridade romana, pois estas estão querendo me matar desde que cheguei aqui – afirmou taciturno e confundido o prisioneiro.

– Não, Pilatos, não se trata de nenhuma autoridade mundana que só tem a oferecer o jugo áspero e o fardo pesado de suas injustiças.
Quem me mandou até aqui para ajudá-lo em tudo, governador, foi o próprio Jesus, ...em pessoa.

Se descrever com fidelidade o estado de Pilatos, neste momento, é impossível ao mais competente e talentoso dos escritores, que dizer, então, a este limitado irmão espiritual que se esforça para levar-lhe, leitor amigo, estas cenas amargas das horas de despertamento de um coração arrependido e amargurado?

Sim, Zacarias tinha que revelar, em que pesasse todo o seu escrúpulo e compaixão, que Pilatos não fora esquecido por Deus nem por sua própria e mais inocente vítima.

Pilatos, emudecido, não sabia entender o que se havia passado.
Enterrou sua cabeça entre as mãos como se quisesse se ocultar do mundo à sua volta.
Calou-se por um bom tempo, antes de voltar a organizar o pensamento.
Como seria possível que Jesus tivesse se ocupado dele?
Quando é que ele o fizera se, na verdade, estava morto há mais de dois anos?

E se ele já estava envergonhado de ser ajudado por Zacarias, a sua consciência se fizera mais apequenada quando descobrira que o patrão a quem Zacarias se referia sempre em suas conversas, não era ninguém menos do que o próprio profeta nazareno, que ele considerava a mais grave e terrível vítima de seus actos.

– Zacarias, você está me matando, dizendo isso – falou o prisioneiro.
– Não, meu irmão, estou lhe revelando que nenhum de nós é indigno da ajuda de Deus e do Amor de Jesus.
– Mas esse justo morreu por minha culpa, homem.
Como é que pode ter-lhe pedido que me ajudasse?
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122575
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 7 Empty Re: Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Qua maio 21, 2014 9:10 am

E valendo-se do momento de estupefacção e expressivo abatimento, como se forças invisíveis avassaladoras conspirassem para que sua alma divisasse novas fronteiras para o futuro, Zacarias revelou-lhe a conversa que houvera tido com o Mestre, logo depois do regresso do grupo que estagiara em Jerusalém, quando o Messias solicitara, pessoalmente, que Zacarias não abandonasse o governador, que o seguisse por onde ele fosse e que aguardasse o momento adequado, pois dia chegaria em que Pilatos se veria extremamente abatido e às portas do desespero, ocasião em que lhe caberia estender a mão generosa e amiga, reforçando-lhe a notícia do reino de Deus e o convite que a verdade lhe fazia, para que aceitasse o jugo suave e o fardo leve.

Entre lágrimas ácidas de arrependimento e vergonha, ainda mais diminuído aos seus próprios conceitos orgulhosos e patrícios, o governador escutara como uma criança que vê a generosidade superlativa com que foi tratada, sem se dar conta de que, ainda antes mesmo que ele deixasse que tudo acontecesse, que tivesse tentado fazer justiça com a sua remessa a Herodes, com a determinação das chicotadas, com o oferecimento de outro condenado para ser executado em seu lugar – o que só propiciou que seu sofrimento aumentasse ainda mais – ainda antes que tudo isso viesse a ocorrer, o profeta já previra que o governador seria tomado de imensa dor interior, seria fustigado por muitas adversidades morais, se veria envolvido pela teia que ele próprio criara com sua insensatez e, a fim de ampará-lo na hora trágica, o Messias escalara um de seus mais valorosos seguidores para que não o abandonasse, fizesse ele o que fizesse.

Não havia condição para que o governador recebesse ajuda.
Não dependeria ela do facto de Pilatos ter tentado salvar Jesus, de ter tentado defendê-lo ainda que inutilmente, de ter-se transformado em um governador mais humano, de ter abandonado as perversidades, nada disso era condição para que Zacarias o ajudasse.

Era um compromisso de amor para com o criminoso enquanto que era a forma mais sábia de se combater o crime.
Pilatos não queria entender ou acreditar que isso seria assim, como Zacarias lhe falava.

Depois de um longo e doloroso silêncio, onde a angústia íntima que a vergonha lhe provocava se somava ao maravilhoso sentimento de admiração quase infantil, vencendo a mudez com muito esforço, entre os soluços de arrependimento que o apequenavam ainda mais, perguntou:
– Mas, Zacarias, se é verdade que foi Jesus quem lhe pediu que me ajudasse, antes mesmo que eu o tivesse matado, como é que você tem conseguido dinheiro para me trazer essas coisas?
Eu pensava que algum homem abastado lhe estava fornecendo tudo isso para que eu não ficasse sem ajuda, alguém que fosse grato a mim, por algum favor que eu lhe fizera... – falava chorando, o governador, fatalmente derrotado em seu orgulho pelo Amor desconhecido pela tradição pagã, fria e arrogante dos deuses de mármore.

– Não, meu amigo, Jesus me pediu o meu coração para entregar-lhe.
O resto, nós damos um jeito com a ajuda de outros.

Surpreso com a revelação, Pilatos acrescentou:
– Quer dizer que você está pedindo esmola por minha causa? – disse, emocionado, quase sem conseguir pronunciar as palavras.
– Deixe isso para depois, meu irmão.
Por hoje, você já está sabendo o bastante para que se sinta querido por todos nós que lhe desejamos as forças do céu, já que para a sua vida, Pilatos, soou o momento do Reino de Deus que o convoca ao testemunho.
Amanhã conversaremos mais.

E dizendo isso, levantou-se, abraçou o preso e deixou-o, prometendo regressar no outro dia.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122575
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 7 Empty Re: Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Qua maio 21, 2014 9:10 am

36 - Quem com ferro fere...

No dia seguinte, no entanto, quando Zacarias chegou à prisão e se dirigiu a Lucílio para que pudesse ser encaminhado até a cela de Pilatos, foi surpreendido por uma ocorrência imprevista.

Por ordem do Senado romano, Pilatos fora removido para outras dependências oficiais, nas quais se prepararia para ser levado perante os senadores.
Por isso, ainda que Zacarias e Lucílio tivessem condições de conhecer-lhe o paradeiro, estavam impedidos de ter acesso a ele, restando-lhes, tão somente, a oração como refúgio para que o governador se sentisse amparado nas horas difíceis.

Em realidade, Pilatos também estava apreensivo, já que não tinha nenhuma ideia do que lhe estava sendo preparado.
Vejamos como decorreu a discussão que antecedeu a deliberação final sobre o seu destino que, agora, ser-lhe-ia comunicada.

A trama das forças negativas que ele fizera acumular sobre seu destino se movimentavam para que o homem de Estado, importante e arrogante, fosse, agora, tomado por exemplo de mau administrador e vergonha do Império.

Os seus desmandos e crueldades eram as provas que o denunciavam e as impressões identificadoras de seu carácter.
E o processo apuratório que Públio realizou, metódico e cuidadoso, aproximando os senadores da verdade dos factos, possibilitou que tanto os representantes do povo romano quanto o próprio imperador Tibério se indignassem com a sua maneira de proceder, em nome da civilização que se dizia superior a todas as demais.

Além disso, entre os próprios romanos, como já vimos, havia aqueles que se sentiam incomodados com a presença de um homem em desgraça, que sabia demais e que poderia incriminar outros romanos de aparente boa reputação.

As aparências continuavam a ser, na antiguidade quanto na actualidade, a principal preocupação da maioria e, correr o risco de ser descoberto ou incriminado representava o pavor de grande parte dos ditos homens e mulheres de bem, os quais traziam estampada no rosto a máscara da moralidade e respeitabilidade públicas, mas ocultavam em seu proceder a malícia e a astúcia com as quais dilapidavam o património colectivo em suas negociatas.

Para fazer tudo o que fez, Pilatos não estava sozinho, já que uma rede de apoios e de interessados se levantava para obter benefícios da sua interferência e apoio político ao homem que fora designado para o governo da Palestina.

Inúmeros romanos de nomeada estavam apreensivos e não desejavam dar a Pilatos a oportunidade de sobrevivência, pleiteando, pressionando e tentando influenciar a decisão da maioria a fim de que ele fosse condenado à morte rápida.

Fúlvia era uma das mais comprometidas com os males espalhados na administração de Pilatos, já que se gabava de exercer um controle absoluto sobre o homem que se lhe entregara aos caprichos feminis, seduzido pelas suas maneiras arrojadas e entorpecedoras do raciocínio lúcido e sereno.

Agora que voltara à sede do Império, como já vimos anteriormente, a cunhada de Pilatos temia que seus novos interesses pessoais e sua antiga maneira de se conduzir na longínqua Jerusalém pudessem arruinar-lhe os projectos pessoais.

Longe de ter-se tornado mais contida e elevada.
Apenas, escolhera outros caminhos e outros leitos para que sua acção pessoal lhe concedesse favores dos quais pudesse usufruir e se sentir poderosa como outrora, já que o marido, Sálvio, aos seus olhos, era aquilo que as pessoas costumam qualificar de mosca morta, acostumado à sua inutilidade, nada fazendo para erguer-se na disputada hierarquia da corte romana.

Além do mais, nunca primaram por uma aproximação verdadeira, sendo certo que se uniram como maneira de acertarem os próprios interesses, sabendo o pretor Sálvio que Fúlvia não poderia ser qualificada como o exemplo de esposa e o protótipo de fidelidade.

No entanto, a manutenção das aparências, apenas, era parte de seu negócio matrimonial, ainda que o destino lhes tivesse bafejado com a filha Aurélia, jovem que crescia numa quase cópia da própria mãe.

Para a filha se voltavam os desejos de domínio que Fúlvia, agora, considerada o principal motivo de sua existência e, por isso, não lhe seria adequado que a sua má fama fosse conhecida pela corte, na qual, com seus modos dissimulados e mentirosos, passava por uma digna romana, impoluta e virtuosa, como as aparências sabem dar essa aura aos que se preocupam em cultivar o exterior, ocultando bem o que vai no fundo da própria intenção.

Além dela, outros homens importantes, aqueles mesmos que haviam apoiado a indicação de Pilatos e a sua manutenção no cargo de governo provincial, agora, se preocupavam com a sua queda, já que recebiam dele os dividendos financeiros pelo apoio estabelecido, através de presentes e riquezas que lhes eram enviados desde a Judeia, através de portadores da confiança do governador.

Recebendo os agrados materiais em dissimulada maneira de pagar pelo apoio recebido, ao mesmo tempo em que se prestavam a renovar os laços corruptos através dos quais todos se beneficiavam, os referidos patrícios, venais e mentirosos, se preocupavam que o governador os acusasse diante dos mais elevados representantes do povo e isso os transformasse em indignos da confiança dos poderosos, a quem sempre bajularam e deram sua fingida admiração, buscando os favores do poder.

Assim, a teia de influências nocivas havia sido criada pelo próprio governador, que alimentara as víboras que antes lhe eram associadas e, no momento de sua queda, as tinha contra si mesmo, pedindo a sua cabeça.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122575
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 7 Empty Re: Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Qua maio 21, 2014 9:11 am

Os partidários da morte imediata e os outros, que pleiteavam a punição pedagógica e mais longa do que o singelo acto da execução instantânea, perderam o tempo que o governador ficara detido na prisão, na discussão de tal cometimento.

As reuniões se sucediam e, com mais ou menos argumentos, ambos os grupos não chegavam a nenhum veredicto.
Não é demais realçar, no entanto, que o Senado romano possuía admiráveis indivíduos, de carácter público e nobreza de intenções, que contrastavam em muito com os exemplos de baixeza e venalidade que outros homens daquele tempo tinham adoptado como maneira de ser e viver.

Entre eles, estavam os senadores Flamínio e Memnio que, ligados ao imperador pelos laços da amizade verdadeira, eram dos poucos a quem Tibério se dirigia e confiava no equilíbrio e discernimento.

Eles lideravam o grupo dos mais ponderados homens públicos em uma fase tão difícil do Império, quando as ondas de denúncias e mentiras visavam prejudicar a todos e obter vantagens pessoais com as denúncias, mesmo as inverídicas.

Nas discussões entre os senadores não prevaleceram quaisquer dos argumentos defendidos, impedindo que o destino de Pilatos viesse a ser decidido de maneira rápida.

Falando, então, aos senadores, Memnio argumentou:
– Nobres representantes do povo romano, diante de nosso impasse, outra saída não nos é possível senão a de submetermos a deliberação ao próprio César, a quem incumbirá dar a última palavra.

Proponho que se lavrem dois documentos com os argumentos das duas vertentes divergentes e, então, dois representantes se incumbirão de levar a Augusto as nossas divergências para que ele decida, como decide nos conflitos entre os gladiadores em luta, qual o futuro do romano que está sob o nosso julgamento.

Até por falta de outras opções mais sensatas, a sugestão proposta pelo senador foi acolhida e, para a apreensão de muitos, adiou-se o destino de Pilatos até que Tibério estivesse em condições de deliberar.

Esta demora tornava a vida de muitos romanos interessados no desaparecimento do governador um verdadeiro tormento de ansiedade e medo, principalmente em uma época onde os espiões e os delatores se misturavam e produziam verdadeiras tragédias na vida das pessoas, do dia para a noite.

Na sombra dos bastidores, moviam-se alguns mais afoitos e mais desumanos, planejando levar até o governador o cálice venenoso que selaria seus lábios, substituindo os procedimentos legais e regulares que a civilização de então havia produzido para a resolução de seus conflitos.

Não faltaram visitas a bruxos e feiticeiros, hábeis manipuladores de venenos e fórmulas com as quais os habitantes de Roma estavam acostumados a alterar o rumo dos destinos, matando-se mutuamente.

Ocorre que, mesmo a peso de ouro, o veneno conseguido deveria ser ministrado ao preso, o que tornava muito complexa a operação, já que os guardas na prisão Mamertina também estavam atentos para a importante figura que tinham sob sua responsabilidade.

Tratando-se de um de seus pares, os soldados não desejavam que ocorresse com Pilatos quaisquer dos costumeiros “acidentes”, tão comuns na vida de pessoas importantes, que lhe produzisse a morte indigna para um soldado.

Além do mais, Lucílio sabia das diversas armadilhas que se produziam para tirar do caminho uma autoridade caída em desgraça e, por isso, redobrou a vigilância e cuidava, pessoalmente, de todo o alimento que era entregue ao governador.

Isso tornou impossível qualquer sucesso dos seus inimigos solertes, frustrando-se toda e qualquer tentativa de assassinato.
Assim passou aquele período em que Zacarias e Pilatos se aproximaram pessoalmente dentro dos muros da prisão.

No entanto, as duas delegações de senadores estavam buscando junto a Tibério a solução para a divergência.

Na ilha de Capri, o velho e enfermo imperador, vitimado pela miséria moral dos homens da Roma daqueles tempos, lutava para se manter à frente de um Império complexo e cheio de vergonhosos comportamentos daqueles a quem competia dar exemplo de virtude e nobreza.

Com a chegada dos membros do senado, o imperador recebeu os documentos que traziam e, renovando as homenagens formais com que se tratavam reciprocamente, despediu-os para que, no isolamento de suas meditações, pudesse decidir o destino daquele homem.

Ali estava, sob suas vistas, não apenas os feitos trágicos de Pilatos, mas toda a rede de misérias humanas que o cercavam a fim de que, agora, ele tomasse a decisão fatal que modificaria o destino de seu representante junto aos judeus.

Tibério, diferentemente do que se espalhou a seu respeito com o decorrer de seu governo, principalmente depois que se retirou para Capri a fim de isolar-se das influências nocivas e aviltantes de que era objecto, tinha um senso de justiça elevado e desejava sempre fazer o melhor, ainda que as más línguas desvirtuassem as suas deliberações, nos vitupérios naturais dos que têm os seus interesses contrariados.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122575
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 7 Empty Re: Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Qua maio 21, 2014 9:11 am

Assim, ao mesmo tempo em que tinha que apreciar os factos que lhe eram submetidos, não podia se deixar influenciar pelas frustrações produzidas pela maneira omissa com que Pilatos se pautara por ocasião do julgamento do taumaturgo.

Afinal, Tibério tivera esperanças de que Jesus, com sua fama de poderoso curador, lhe houvesse tratado as próprias enfermidades e, frustrado pelas informações de sua morte prematura, atribuíra a Pilatos as responsabilidades pelo julgamento sumário a que ele fora submetido, considerando que a perpetuação de seu sofrimento físico, a partir de então, era também culpa do governador fraco e claudicante que não soubera ter energia para fazer valer a lei e o direito romanos.

Na sua tarefa de julgar em última instância, Tibério sabia que não deveria fazê-lo com o coração carregado de antagonismos contra aquele homem.
Por isso, no dia em que recebeu os documentos do senado, dirigindo-se aos seus aposentos particulares, o imperador dobrou-se sobre o altar de seus deuses de devoção para conversar com eles sobre aquele delicado processo.

– Amados e venerados deuses que me guiam – falava Tibério, com sinceridade – eis que vos trago, perante os corações sábios, mais um problema a ser solucionado com a amplitude de vistas e a justiça que merece a vida de todos os homens.
Por isso, peço-vos que ilumine meu julgamento, limpando meu coração para que eu não seja pusilânime ou vingativo no juízo que devo escolher sobre este homem.

Agora, não julgo mais o governador venal ou impudico que saiu dos limites aceitáveis dos defeitos comuns a todos nós.
Tenho diante de meus olhos um homem que caiu por sua própria culpa e não representa mais o risco de vilipendiar os cofres do Estado e a vida das pessoas.
Tenho que apreciar se merece ou não viver aquele que não teve muita consideração para com a vida dos outros e, se me atrevesse a sentenciar sem o recurso à vossa sabedoria, estaria propenso a me conduzir pela mesma estrada espinhosa da vingança, desconsiderando qualquer outra punição que não fosse a mesma que o réu dera para muitos dos que se submeteram a ele próprio.

Alguns pedem que eu o mate.
Outros, que eu o eduque.
Nos primeiros, vejo o medo disfarçado de prudência, que pede a morte da víbora para extinguir-lhe a peçonha.
Nos outros, vejo a complacência, que pede para transformar o réu em um modelo para desestimular futuras repetições.

Por mim mesmo, confesso-me diante de todos vós, me inclinaria pela punição mais drástica, pois este homem foi o responsável pela impossibilidade de me ver submetido ao taumaturgo que poderia ter curado minhas dores.

Imaginar que o mais miserável dos judeus poeirentos e malcheirosos pôde receber a sua mão amiga sobre a fronte e livrar-se de sofrimentos físicos e morais enquanto que tal beneplácito fora negado ao primeiro dos cidadãos romanos, aquele que não pedia favores caprichosos e sim, apenas, um pequenino alento para que continuasse a ser o mais bem vestido dos escravos do Estado, me infunde uma aversão natural contra este governador covarde e indigno, culpado pela morte de um inocente, ao mesmo tempo em que me sentenciou ao prolongamento de meus dias amargos.

No entanto, repito, não posso deixar que seja de vingança a expressão de nossa justiça.
Assim, peço-vos que me ajudeis a escolher.

As palavras sinceras de Tibério ecoavam no altar doméstico que existia em seus aposentos privados a fim de que, nele, pudesse confessar-se e receber o apoio para as difíceis decisões que tinha que adoptar, no comando do maior Império então existente.

Acometido de pesada sonolência, Tibério procurou o leito, envolvido pelas vibrações estranhas que o conduziriam ao reino espiritual, onde a resposta às suas orações lhe seria concedida, na forma de sonho.

Quantas vezes, leitor querido, o recurso à oração abrevia tantos sofrimentos em nossos caminhos, pelo simples facto de interromper a avalanche de nossos piores sentimentos ou da impetuosidade de nossa ignorância.

Ímpeto e ignorância que nos fazem sempre piorar os nossos destinos e são as portas largas por onde despencam os arrogantes e presunçosos.
Por isso, nas horas de amargura e dúvida, ansiedade e dor, confusão e medo, aparta-te do torvelinho que parece querer te destruir e, asserenando teu interior, eleva a prece às forças do Universo que te conhecem e te escutam, a fim de que, teu gesto de humildade ateste a existência, em teu interior, das condições mínimas que poderão te ajudar a acertar a conduta com relação às leis verdadeiras que nos regem os destinos.

Tibério poderia condenar à morte, como a lei humana o permitia fazer.
No entanto, reconhecendo-se vulnerável a erros de avaliação, principalmente quando trazia o coração envenenado contra o réu, não desejaria ser traído por um sentimento que tiraria a sua imparcialidade na apreciação.

Seria, ele também, um outro Pilatos.
Não havia outro homem mais poderoso do que ele a quem se pudesse entregar o caso para ser apreciado.
Não fugiria de julgá-lo como lhe impunha o dever, que desempenhava segundo o melhor de suas energias desgastadas.

No entanto, em vez de agir como o arrogante que tudo pode, humildemente submetera-se ao juízo supremo que tudo conhece e tudo dirige, onde esperava encontrar a sabedoria necessária para fazer o que fosse o correto.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122575
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 7 Empty Re: Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Qua maio 21, 2014 9:11 am

Por isso, meus irmãos, a oração é esse longo fio condutor que se ergue de nossos sentimentos e pensamentos na direcção da sabedoria do Universo, entregando-lhe nossas angústias para que elas sejam iluminadas pelas sábias luzes da Verdade, devolvendo-nos ao espírito, não a solução para os problemas, mas a elucidação dos melhores caminhos a serem trilhados.

E no sonho, muitas vezes, as respostas subtis nos são oferecidas, de maneira que, longe de decidirem por nós, apontam-nos os caminhos mais positivos em face das verdadeiras Leis que prevalecem em nossos destinos.

Durante o repouso físico, nossos espíritos estão em contacto mais directo com nossos amigos e tutores espirituais, que velam pelo sucesso de nossa jornada humana, em face de nossos compromissos do passado.

Assim, recebemos orientações, conselhos, conhecimentos amplos que nos são revelados ou relembrados, o que permite ao nosso espírito agir com liberdade de escolha, mas com melhores bases para a deliberação a ser adoptada.

Ao regressarmos para o corpo físico, ainda que não nos lembremos conscientemente de tudo o que nos ocorreu durante a noite ou que não vejamos um sentido mais lógico naquilo que qualificamos de sonho, nosso espírito regressa trazendo, em sua bagagem, o material necessário para a compreensão das questões e dificuldades a serem enfrentadas e vencidas.

Regressa com mais forças, com maior resignação e coragem para passar pelos desafios sem desanimar ou fazer alguma bobagem que o comprometeria mais ainda.
Traz consigo, intuições mais lúcidas, que desabrocharão no momento adequado como se fossem ideias maravilhosas que ocorrem de um momento para outro e que solucionam boa parte das dificuldades.

Tudo isso, através de um singelo ato de devoção humilde, sincero e verdadeiro, no qual nós nos colocamos diante de Deus com a verdade de nossos defeitos e pedimos o amparo para nossas fraquezas e dúvidas.

Não é a oração do arrogante que exige pagamento pelas virtudes que pensa possuir e ostenta, orgulhosamente.
Não é a do ritual cerimonioso e falso que ilude os olhos e esvazia o coração.
É o acto de devotamento oculto e sem mistérios ou ritos artificiais.

Quando entendermos o seu poder, estaremos mais próximos da fonte de todas as Forças e da suprema Sabedoria que nos inspirarão nas melhores atitudes e soluções.
Experimenta orar dessa maneira e procura esperar e compreender as respostas de Deus em tua vida.
Nunca te arrependerás.

Assim, naquela noite, Tibério foi retirado do corpo físico e levado a um plano de energias subtis e agradáveis, como há muito tempo ele próprio não divisava mais em suas noites longas e cansativas, nas quais era difícil conciliar o sono e, mais difícil ainda, obter bons sonhos.

Levado por seus protectores invisíveis, que puderam ver a sua elevação sincera durante a oração proferida, seu espírito se sentia apequenado diante da grandeza do ambiente que o recebia e da luminosidade das entidades que o envolviam naquela hora difícil de seu destino.

Diante dele, a simplicidade era impressionante e, ao mesmo tempo, tal estado de despojamento impunha uma tal veneração e majestade que, apesar de nunca ter tido a necessidade de ajoelhar-se, seu espírito se viu espontânea e naturalmente levado ao solo transparente e cristalino daquele ambiente.

Como se pudesse existir um mármore que fosse, ao mesmo tempo, cristalino e luminoso, sua visão, despreparada para os ambientes como aquele, se encantava com todos os detalhes e não tinha noção exacta de onde é que se encontrava.

Imaginava ter sido transportado para a morada dos deuses de sua tradição e, no entanto, vislumbrando à sua volta, não via nenhuma de suas estátuas frias e indiferentes aos destinos dos homens.

Ao seu lado, sem que conseguisse divisar com exactidão, uma poderosa criatura espiritual o dominava, como um pai generoso e firme conduz um filho imaturo.

Não ousara proferir qualquer palavra, ao mesmo tempo que o seu mais íntimo pensamento era captado e respondido com outro pensamento quase que de imediato.

Enquanto suas emoções o preenchiam e os olhos lacrimejavam sem explicação, a música maravilhosa inundava o ambiente, como se fosse ela a responsável pela manutenção de toda aquela beleza inexplicável.

Nenhuma melodia terrena jamais a poderia igualar em inspiração e grandeza, pois a música, entre os homens de então, era uma manifestação quase tribal dos instintos mais baixos e agressivos, nos cânticos guerreiros e ufanistas, sem o cunho da universalidade e da bondade idealista.

Tibério estava em um silêncio profundo e reverente, transformado, de imperador poderoso de homens miseráveis, em súbdito de forças desconhecidas e elevadas, quando um perfume especial e inesquecível invadiu aquele gabinete cristalino, trazendo em tudo um reflexo de azul nunca entrevisto por seus olhos, mesmo dentro da mais bela das grutas existentes na Capri que o abrigava.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122575
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 7 Empty Re: Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Qua maio 21, 2014 9:11 am

Relembrando da emoção sentida quando descobrira o encantamento produzido pela luz do Sol que, num raio fugidio, se projectava pelas frinchas das pedras até a superfície do mar que se ocultava na forma de caverna quase submersa, Tibério se viu tentado a procurar o raio de sol que, penetrando naquele ambiente, o transformara em um espectáculo sem paralelo ante seus olhos.
E tão logo divisou a fonte de luzes, percebeu que se tratava de um ser angelical, sem comparativo ao qual sua alma estava definitivamente vinculada, e de quem sentia receber forças e inspiração há muito tempo.

Não compreendia como esse fenómeno ocorria em sua alma.
Só sabia que tinha uma ligação muito grande com aquele ser que, na verdade, não conseguia lembrar-se de onde conhecia.

Não sentia isso de modo convencido ou arrogante.
Antes, tratava-se de uma quase vergonha em face de estar diante de tal autoridade moral, ostentando ainda tantas imperfeições humanas.
A figura majestosa e humilde daquele ser angelical aproximou-se de Tibério com a sem-cerimónia de uma grande autoridade que não se fixa em protocolos banais.

Na verdade, a presença luminosa tratava o recém-chegado da escuridão do mundo com uma natural delicadeza, que produzia a atmosfera de um encontro amistoso, longe de intimidar com o receio ou o medo de um julgamento.

– Meu filho, recebi a angústia que te invade o coração sincero e, em resposta a tuas rogativas, venho em teu auxílio.

Tibério não falava nada.
Só pensava em quem seria aquele deus tão imponente que ele não encontrava paralelo em seus cultos de homem romano.

Respondendo-lhe à indagação silenciosa, o ser angelical prosseguiu:
– Dia houve, Tibério, em que almejaste trazer-me à tua presença para curar-te o corpo.
No entanto, não era possível que assim se desse, eis que a vontade de meu Pai precisava ser cumprida como o foi.
Eu sou Jesus, a quem buscaste com a esperança de te atender aos sofrimentos do corpo, mas que venho, agora, para atender aos sofrimentos de teu espírito.

Tibério se deixara encantar por aquela personalidade e não fazia outra coisa senão chorar baixinho, buscando equilibrar-se, coisa que só conseguiu fazer em virtude da presença decisiva da entidade espiritual que o sustentava naquele ambiente.

E dando prosseguimento à conversação, que não poderia alongar-se em face da diferença de plano vibratório entre as duas personalidades, Jesus falou-lhe carinhoso:
– Atendendo aos teus apelos por Justiça e Sabedoria, venho para te auxiliar na decisão a ser tomada por teu espírito.
É tua a responsabilidade desta hora, como foi minha a do cálice amargo que aceitei por amor aos meus irmãos.
No entanto, olha para nosso querido réu dos tribunais humanos.

E falando assim, Jesus voltou o olhar para o chão cristalino no qual pisavam seus pés descalços, o que foi imitado pelo espírito de Tibério.

Ali, diante de seus olhos, surgia o vulto escuro e caído de Pilatos.
Como se uma grande lente de aumento tivesse focalizado a prisão Mamertina em seus mais sórdidos aspectos, sob os seus olhares estupefactos, Tibério pôde divisar o homem que tinha o dever de julgar.

Era uma visão não apenas do corpo físico e seus esgares de dor ou agonia, revolta ou abatimento, vergonha ou medo.
Era uma capacidade que penetrava o mais profundo do espírito do governador e, em seu íntimo, podia ler as suas angústias, o seu arrependimento tardio, as suas virtudes pouco exercitadas ou sufocadas pelos encantamentos do poder mundano.

Enquanto ia vendo a essência de Pilatos por entre o cristal do piso que o aceitava como leito de descanso, Tibério ia-se impregnando de uma compaixão tão imensa por aquele homem que, vendo-lhe o sofrimento interior pelos eventos longínquos da Palestina, desejou, por um momento, compartilhar com ele tais dores e vergonhas.

A visão, por si só, falava directamente ao seu coração de governante poderoso num reino de poeira.
Desvanecida a aparição, os olhos de Jesus estavam depositados em seus olhos humanos, como a perscrutar-lhe o mais fundo sentimento.
Tibério não tinha como ocultar nada daqueles olhos luminosos e profundos e, por isso, nada fez para fugir à sua penetração.

– Eis, meu filho, o peso da consciência que acusa quando nós não cumprimos os menores deveres que a vida nos impõe.
Tenho buscado transformar Pilatos, pois ele possui virtudes que a maioria dos homens desconhece porque só conseguem ver até o limite das próprias limitações.

Quem pouco ama, pouco enxerga, Tibério.
Assim, atendendo aos teus rogos justos, te apresento, pela lente do Amor, o irmão a quem deves julgar, lembrando-te que, perante as leis do Universo, todos nós seremos julgados pela mesma medida com que julgarmos.

Olvida todo o rancor pela omissão do governador frágil e comprometido a não te permitir o encontro desejado com os poderes maravilhosos da cura física.
Lembra-te, Tibério, que todo sofrimento é uma bênção educativa e que, nas dores agudas de teu corpo, estão sábios conselhos de prudência e disciplina que actuarão em favor de teu espírito.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122575
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 7 Empty Re: Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Qua maio 21, 2014 9:11 am

No entanto, apaga de teu julgamento todo o desejo de punir e aceita, na visão que te foi revelada, o sentimento de compaixão que tem sido natural em teu espírito, que começa a triunfar das tentações da vida agressiva, em direcção às realidades do Reino de Amor.

Apieda-te do homem caído, que já terá as dores suficientes dentro de seu próprio espírito para envergonhar-se de tudo o que fez ou deixou de fazer.
Ele já é vítima por si próprio diante da Verdadeira Lei.
E ainda assim, um anjo tutelar em carne e osso segue seus passos atendendo a meu pedido, defendendo-o de si próprio e esperando o momento adequado para que o coração falido, do homem de Estado, abra espaço para os sentimentos do homem espiritual a ser reconstruído.

Entendendo o sentido da mensagem de Jesus ao seu coração, Tibério, imediatamente, se viu defrontado pela dura situação que lhe havia sido apresentada pelos senadores.
Tinha impulso de perdoar Pilatos, permitindo que tivesse uma vida modesta em algum lugar, sem glórias ou honrarias, a fim de que ele próprio encontrasse meios de se reerguer moralmente.

No entanto, as artimanhas humanas o haviam colocado entre a morte e a punição cruel do degredo e da humilhação – maneira de punir exemplificando.

Vendo-lhe a angústia íntima, o Mestre prosseguiu:
– Naturalmente, os homens possuem suas leis e não pretendo que se rompam os códigos que atestam sempre o nível evolutivo dos que os produziram.
Apenas, Tibério, que teu acto preserve a vida, ainda que te vejas obrigado a agir de acordo com os deveres legais que a ti também escravizam.

Além do mais, o acto de julgar não impedirá que teus sentimentos possam atenuar os amargores do exílio com concessões generosas que venham a diminuir os rigores da condenação que a própria consciência de Pilatos irá produzir em seu interior.

Nosso irmão ainda não está de posse de todos os efeitos e consequências de seus actos.
Quando isso se der, não serão excessivas todas as medidas que possam tentar trazer um pouco de paz ao seu coração.

Sentindo que um torpor ia tomando conta de sua percepção, Tibério procurou divisar aquele ser angelical e infinitamente superior que se fazia pequeno e amigo para que, antes de perder a consciência, pudesse falar o que seu coração tanto sentia.

Olhando a figura augusta daquele espírito e, amparado pela força magnética de seu sustentador naquele ambiente, Tibério esforçava-se por articular palavras que não saíam por causa de seu receio de proferi-las naquela atmosfera de imensa santificação.

Percebendo-lhe o esforço, Jesus sorriu-lhe e disse:
– Fala, meu querido Tibério.
E, emocionado até o mais fundo de seu ser, o imperador criou forças para dizer:
– Perdoa-me as falhas, meu senhor...

Jesus acercou-se do homem abatido pelos esforços de dirigir uma turba de indivíduos incivilizados no espírito e por ser, igualmente, tão débil na alma quanto quaisquer dos que tinha o dever de guiar e acariciou-lhe os cabelos com uma ternura inesquecível, dizendo:
– Lembra-te, Tibério:
Eu te Amo, tenho-te como meu amigo e também necessito de ti.

Um raio de força penetrou-lhe o espírito e, nesse momento, o imperador se viu reconduzido ao corpo como se caísse de incomensurável altura.
Acordou aos prantos no meio da noite, com a certeza de que algum ser muito superior lhe havia respondido à solicitação da prece sincera e, com tudo o que estava sentindo, tinha certeza de que não lhe competia matar aquele homem.

Havia sido ajudado a compreender-lhe o peso de suas próprias escolhas e não iria propiciar que lhe fosse negado o momento do arrependimento.
Assim, envolvido pela convicção serena e justa daquela hora, não mais pensou nos prejuízos que Pilatos tinha lhe produzido e, pegando papel e a pena com que redigia seus documentos imperiais, escreveu ao Senado romano, deliberando pela segunda opção que lhe apresentavam, ou seja, o banimento do governador, sem qualquer consideração pelo desejo de matar que tinha sido aventado na outra petição que se lhe submetera.

Argumentou, segundo sua larga experiência na condução dos problemas de governo, e determinou que, uma vez que houvera sido entregue a ele a função de dar o destino do governador, optava por transformá-lo no exemplo pedagógico a fim de educar os demais procuradores com funções de governo.

Por isso, remetia o réu ao exílio na região de Viena, depois de ser destituído de todos os títulos que recebera do Senado romano.
Enviá-lo para longe, segundo sabia Tibério, era a maneira mais eficiente de preservar-lhe a vida, principalmente porque Pilatos havia feito sua carreira pública na região fronteiriça entre as províncias da Gália e da Germânia, onde, naturalmente, devia possuir, até aqueles dias, seus antigos camaradas, que tornariam menos melancólica a sua vida e serviriam de companheiros para sua velhice.

Ao mesmo tempo, isso impediria que, mais cedo ou mais tarde, as aves agourentas que voavam nos céus de Roma viessem lhe trazer o veneno subtil que o matasse covardemente, sem deixar rastros dos assassinos para que pudessem ser julgados.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122575
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 7 Empty Re: Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Qua maio 21, 2014 9:12 am

Assim, definiu as linhas gerais da punição a ser apresentada à deliberação dos senadores que, por respeito e temor em contrariar o desejo do imperador, mais não fizeram do que acatar-lhe as decisões e providenciar para que a punição fosse aplicada ao réu da maneira mais espalhafatosa e humilhante possível.

Já que não iriam conseguir matar-lhe o corpo, matar-lhe-iam a honra e o respeito.
Esse foi o empenho da maioria dos que se viram vencidos pela escolha de Tibério.

Os que queriam a morte de Pilatos passaram a organizar a sua derrocada política no seio do mais imponente dos tribunais, abaixo apenas do próprio César.
A cerimónia na Cúria, onde se reunia o senado, seria imponente para demonstrar o seu poder e humilhante para desestimular futuras repetições e, ao mesmo tempo, para diminuir o réu, despindo-o de todas as honras para as quais sua conduta o tornou indigno.

Assim, marcado o dia, levaram o réu até aposentos adequados, onde o fizeram vestir-se com a antiga pompa dos militares investidos da governança de províncias romanas.

Depois de terem feito com que ele se colocasse sob o antigo fulgor e vestido das insígnias mais importantes que o Senado e o Império lhe haviam emprestado, foi conduzido à cerimónia oficial, na qual seria apresentada a sentença condenatória pelos crimes cometidos e, uma depois de outra, retiradas todas as suas insígnias na frente de todos, para sua própria vergonha, reduzindo-o à modesta túnica romana que servia de vestimenta normal dos mais simples cidadãos.

Em cada uma das etapas, a turba composta de senadores venais, seus antigos aliados, familiares e seus apadrinhados, exultava e manifestava seu desejo de que Pilatos tivesse aprendido a ser digno do Império com a própria morte.

Não faltou quem lhe cuspisse no rosto e, entre os mais exaltados, o governador entrevira a face de muitos de seus antigos comparsas, de seus mais próximos colaboradores que, agora, mudada a maré da sorte, tratavam de abandoná-lo à solidão de sua miséria.

Nesse momento doloroso para seu orgulho patrício, Pilatos tinha ímpeto de gritar perante todos os senadores as acusações violentas que tinha contra muitos daqueles homens que se elevavam como padrões de virtude, mas que, sabia ele, eram aves de rapina tão más ou piores do que ele mesmo, a quem incumbia fazer o trabalho sujo.

No entanto, ao mesmo tempo em que sua boca ia abrir-se para revolver o lodaçal da maldade e da perversão, surgiu-lhe na mente a figura aflita de Jesus de Nazaré, no dia de seu julgamento.

E o seu exemplo de coragem e altivez, associado agora, ao conhecimento de que Jesus mandara um emissário que pudesse protegê-lo e ampará-lo nas horas difíceis do martírio que o esperava, acalmaram o seu ímpeto de igualar-se aos acusadores maldosos.

Sentira-se abandonado, perdendo todos os bens que tanto exaltavam seu carácter e seu orgulho, cuspido no rosto pelas mesmas criaturas que o adulavam e, numa estranha sensação, igualmente crucificado moralmente, sem que ninguém se animasse a lhe estender um copo de água.

A imagem de Jesus se avultava em seu íntimo, como exemplo de coragem e de força que só é compreendido quando a criatura tem de passar pelas mesmas dores ou injustiças.
Agora, entendia bem aquele que lhe parecera um ser miserável ridicularizado pelos seus irmãos de raça e que, sem dizer uma palavra, tudo suportara e tudo aceitara sem revolta.

Ainda não conseguia deixar de se revoltar, pois seu íntimo era um vulcão incandescente.
No entanto, Jesus o acalmava, fazendo-o compreender a hipocrisia dos homens e a sua fragilidade na hora de estarem em xeque os seus interesses.

Ele próprio procedera dessa maneira com Jesus, aceitando as pressões de seus associados na venalidade, para condenar o inocente.
Agora, era a sua vez de ser considerado o réu a ser descartado na cena das perversões colectivas.

A cerimónia amarga e de baixeza moral constrangedora chegou ao fim, com a leitura da sentença proferida por Tibério, encaminhando-se o prisioneiro à mesma cela que o abrigara, dias antes, para que esperasse o momento adequado para ser despachado para o exílio forçado.

O coração abatido de Pilatos recolheu-se ao silêncio de sua cela, reduzido à miséria tal que não se via mais ali, nem a sombra do arrogante governador romano da Judeia.
Era um trapo físico e moral, sobre o qual as leis do universo esperavam o momento adequado para esculpir o homem melhorado do futuro.

Por isso, Zacarias estava a postos atendendo ao pedido de Jesus.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122575
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 7 Empty Re: Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Qua maio 21, 2014 9:12 am

37 - Perseguição que se estende

No dia imediato ao seu regresso à prisão, Zacarias, que fora avisado por Lucílio na reunião nocturna da véspera sobre a chegada de Pilatos, compareceu perante o prisioneiro que, naturalmente, se encontrava em péssimo estado emocional.

A chegada do amigo que Jesus tinha designado para o ex-governador não teve o poder de retirá-lo do seu abatimento, apenas lhe propiciando uma modificação pequena na disposição íntima.

– Eu não valho nada, Zacarias.
Estou atirado na miséria moral e, ainda que fosse o mais rico de todos os homens, meu estado actual é o da falência completa.
– Não diga isto, meu filho.
Nós nunca estamos pobres quando nos apegamos a Deus e à bondade de Jesus, que tudo fazem para que nós tenhamos coragem para suportar as dores da hora amarga do testemunho.

– Eu compreendo melhor, agora, o que aconteceu com o Justo, naquele dia fatídico de seu destino entre os homens.
– Como assim? – indagou o apóstolo.
– Bem, muitas das coisas que aconteceram a seu Mestre, de maneira parecida ocorreram comigo, perante os romanos, meus patrícios.
Jesus foi abandonado por todos. Eu também.

Ele foi preso injustamente.
Eu, pelo menos, não cometi nenhum delito que a maioria dos que me julgaram não tenham cometido.
Jesus se viu cuspido. Eu também.
Seus amigos se afastaram dele e o acusaram. Comigo, a mesma coisa.

Ele acabou crucificado fisicamente para que os fariseus se livrassem de sua presença incómoda e eu acabo de ser crucificado moralmente, a fim de que os romanos corruptos como eu se vissem livres de minha presença perigosa e incómoda.
Apenas que a Jesus, mataram-lhe o corpo, enquanto a mim, exilaram-me para longe a fim de matarem minha alma.

Ouvindo-lhe as comparações, Zacarias percebia que Pilatos já se referia a Jesus de uma maneira mais profunda, nas comparações e análises que fazia, sem pretender comparar-se moralmente ao divino Amigo.

– A insensatez humana é a mesma sempre e em todos os lugares, meu senhor, e não importa o que sejamos hoje, pois o amanhã pode nos tirar tudo o que parecíamos possuir e nos restituir à verdade de nossa insignificância.

Lembre-se de quantos impérios tão grandes ou até maiores que já existiram sobre a Terra e que, hoje, não passam de lendas e histórias de conquistas e glórias que se perderam no tempo.
Assim são os homens, Pilatos.

Pequenos caniços atirados pela brisa para um lado ou para o outro.
E dentre nós, a quem pertencerá a culpa de ter-se achado poderosa figueira quando não passava de simples graveto?
Certamente que não é a Deus que se deve culpar.

Nós nos iludimos, nos deixamos levar pela vaidade e pelo desejo de poder, como se isso passasse a fazer parte de nossa personalidade, quando, em realidade, as coisas não são assim.

Nossa personalidade se revela em dois momentos, Pilatos.
O primeiro deles é quando somos guindados à condição de liderança, seja por termos recebido o mando ou o dinheiro, o que nos permite arroubos maiores, posturas de direcção e de comando. Nessas horas, os que se pensavam humildes e pacíficos, muitas vezes se revelam arrogantes e belicosos, lutadores para manterem seus privilégios a qualquer preço, mesmo o da violência física e da coerção moral.

Abandonam a postura da obediência e vestem a toga da autoridade com a qual pretendem escravizar os outros, indo à forra de todas as frustrações que tiveram de engolir no período em que eram um “nada”, no meio dos outros “nadas.”

Agora que subiram de posição, sentem prazer em humilhar os outros para dizer-lhes, com isso, que continuam “nadas”, mas que eles, ao contrário, subiram de posto, passando a ser-lhes superior.

Essa é a primeira ocasião em que o homem tem a sua essência revelada, quando deixa o anonimato e recebe as luzes do poder, qualquer que seja o tipo de mando ou realce que lhe chegue às mãos.

O segundo momento em que a personalidade humana se revela é quando aquele que detinha o poder ou as vantagens da vida faustosa e regalada perde tais benefícios e se vê projectado no abismo do anonimato, passando a ombrear-se com os pobres ou miseráveis, com os nadas, como são considerados os deserdados da sorte ou dos favores invisíveis.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122575
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 7 Empty Re: Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Qua maio 21, 2014 9:12 am

Também nessa hora, meu irmão, a nossa personalidade aflora, no comportamento rebelde, envergonhado, derrotado e deprimido, muitas vezes autodestrutivo.
Creio, Pilatos, que se o primeiro momento leva o homem do anonimato para a glória, empolgando-o com a sedução perigosa do brilho fácil, a segunda experiência que agora estamos mencionando afecta mais profundamente o ânimo da criatura porque ela perde as vantagens que acreditava serem suas por toda a eternidade e regressa à massa disforme dos despossuídos.

Assim, ver-se humilhado dói muito.
Ao passo que com aquele que recebe o fardo difícil do poder, em seu íntimo se dá o oposto, com a exaltação da sua personalidade.
Neste, o homem precisa ter sabedoria para não se empolgar.
Naquele, deve ter coragem para suportar a vergonha com resignação.

É por isso, Pilatos, que só sabemos quem somos quando passamos por estas fases na vida.
Quantos homens, altivos e lutadores para conquistar o poder, são verdadeiras crianças quando são alijados de suas conquistas.
Ter sabedoria para subir e coragem para enfrentar as quedas representa desenvolver no íntimo as qualidades morais que são importantes para a nossa melhoria definitiva.

Não basta ter equilíbrio para mandar.
É indispensável ter coragem e resignação para encarar com naturalidade as quedas, pois elas não são quedas espirituais.
São reveses materiais que podem elevar o espírito que as aceita com equilíbrio também.

A palavra de Zacarias descortinava um novo horizonte para os temores de Pilatos que, acostumado à gangorra da vida que sempre o mantivera no alto, agora precisava aprender a entender as coisas depois que se viu forçado a permanecer no baixo.

Nunca havia pensado desta maneira.
Estava acostumado a lutar para se manter sempre acima dos outros e via com desdém e como prova de inferioridade todos os que não tinham conquistado os privilégios e realces que ele próprio obtivera.

Além disso, as aparências sociais, em todos os tempos, serviam para que as pessoas se avaliassem superficialmente em suas capacidades individuais, num processo de comparação e competição.

Assim, aqueles que Pilatos via em piores situações materiais ou políticas mereciam o seu desprezo porque apontava para a sua incapacidade na condução de sua própria vida.

A maneira de viver que o governador ostentou até então só havia lhe garantido a possibilidade da elevação, deixando para trás de si muitos a quem qualificara de derrotados ou fracos.

A maneira como a vida iria fazer o governador viver, agora, lhe garantiria a possibilidade do rebaixamento, tendo de aprender a conhecer que a derrota material não representava, necessariamente, demérito para o indivíduo.

Só quando passara pela experiência da perda, tivera o bom senso de se colocar no lugar daqueles a quem julgava como indignos ou fracos.
Tudo isto estava aprendendo com a postura sábia daquele velhinho sorridente que se erguia diante de seus olhos como o pai que há muito perdera pelas estradas da vida física.

– Sim, Zacarias, é verdade.
Os momentos mais amargos foram aqueles em que vira os mesmos corruptos, que se beneficiavam com os golpes ou as tramóias financeiras que eu realizava para abastecê-los de riquezas, me cuspirem e xingarem como se nunca tivessem se locupletado.

Nas horas em que via a fantasia fingida levantar-se como moralistas de ocasião, acusando-me e pedindo a minha morte, eu tinha ímpetos de gritar na face de cada um todos os seus erros e pedidos de mais dinheiro.

Tinha o desejo de desmascará-los perante aquilo que eles consideravam um tribunal, mas que me parecia mais um teatro de quinta categoria.
Quando estava a ponto de vomitar-lhes as acusações, numa maneira de ferir-lhes a dignidade com a nudez da verdade, a imagem do Justo surgiu em meu pensamento e eu me lembrei de sua postura sofrida e sóbria diante de todas as mentiras e indignidades que lhe imputavam.

Aquilo também era uma encenação de julgamento.
Não fora obedecido qualquer procedimento de Justiça ou de Verdade.
Ao contrário, todos ali sabiam que ele era inocente.
Mas isso não impediu de violentarmos seu corpo e humilharmos seu espírito.

E, no entanto, agora que o tempo passou, a sua conduta melancólica e silenciosa, suportando a maldade de nossos actos sem uma só acusação, recoloca as coisas dentro da realidade.

Por que se defenderia se ali não havia direito a garantir-lhe a palavra e a verdade?
Se aquilo era um teatro para fazer pensar aos homens que se tratava de julgamento, apresentar uma defesa seria concordar com a encenação.

Se nada iria alterar o julgamento condenatório, nada havia para ser dito em defesa de direitos que não seriam observados.
E esse pensamento, na hora extrema de meu sofrimento moral, quando o chicote do castigo caía sobre minha posição de homem de Estado, para vergonha de minha individualidade aos olhos dos meus irmãos de raça, atenuou em mim qualquer desejo de vingança.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122575
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 7 Empty Re: Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Conteúdo patrocinado


Conteúdo patrocinado


Ir para o topo Ir para baixo

Página 7 de 8 Anterior  1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8  Seguinte

Ir para o topo

- Tópicos semelhantes

 
Permissões neste sub-fórum
Não podes responder a tópicos