LUZ ESPÍRITA
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Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

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Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 8 Empty Re: Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Qua maio 21, 2014 9:12 am

Será que a vida também não os conduziria a esse mesmo teatro mentiroso para que encenassem o papel do condenados mais cedo ou mais tarde?
E se o poderoso exemplo de Jesus não me saiu da cabeça e me ajudou a mudar a minha reacção animalesca, ainda que eu me sinta injustiçado e propenso a agredir os meus agressores, quem sabe se a minha abstenção de qualquer acusação não produzirá o mesmo efeito na consciência dos meus acusadores?

Isso foi o que pensei ou, não sei bem, o que alguma força mais sábia e poderosa do que tudo me fez pensar.

Atingindo esse momento da conversação, Zacarias procurou levar o preso a meditar sobre a importância do perdão, como fonte de alívio interior.

– Pelo que você está dizendo, meu filho, a sua alma já está entrevendo as vantagens do perdão como recurso para sua própria elevação moral.
– Não sei se é isso, Zacarias.
No entanto, o perdão sempre foi, para os romanos, um exemplo de covardia e fraqueza.
Acostumados a combater e lutar, invadindo e escravizando, nunca tivemos que avaliar o perdão pelo prisma de termos sido feridos e desculparmos.

Com certeza, pesa sobre nossas cabeças muitos actos que precisarão ser perdoados pelas nossas vítimas.
No entanto, para os que invadem e conquistam, poucas vezes surge o momento em que tenham de aprender o que seja perdoar as agressões sofridas pela porta da injustiça.

– E é nessa condição, Pilatos, que a bondade de Deus se revela para os homens.
Deus está sempre a nos perdoar todas as agressões que cometemos contra ele, contra o mundo que ele criou, contra os nossos semelhantes que tínhamos o dever de acolher com carinho e respeito.

O exemplo de perdão parte do Criador que poderia, num simples lance de vontade, exterminar todos os homens, pois possui poder para tudo fazer, tornando Roma uma mera lembrança no tempo.
Quando você se livra dos ódios do coração, seu espírito se eleva e sua mente flutua em uma outra região, que alivia as nossas angústias e melhora nossa saúde.

Quem não é capaz de perdoar, não vive em paz nunca.
E o perdão que a Boa Nova pede, o absoluto esquecimento das ofensas, só é difícil de oferecer porque nós somos muito arraigados à vingança ou ao sentimento de autocomiseração.
Se não déssemos tanta importância ao nosso ego, se não fôssemos tão vaidosos e orgulhosos de nós próprios, não seríamos tão vulneráveis às ofensas alheias.

Agora, enquanto não conseguimos perdoar, por falta de experiência ou de tentativa de compreendermos estas verdades, iniciemos por tolerar as ofensas alheias sem desejarmos revidá-las na mesma moeda.

Jesus nos ensinou tudo isso.

E ouvindo a referência a Jesus, Pilatos interrompeu Zacarias, para dizer:
– Como eu gostaria de ter escutado as pregações desse Justo.
Hoje, eu daria tudo para que as suas palavras me chegassem abundantes aos ouvidos e ao coração seco e áspero como o meu.

E já prevendo a possibilidade desse momento surgir na vida de Pilatos, Zacarias retirou de uma pequena bolsa de couro um rolo de pergaminho e o entregou ao preso.

– Aqui está, Pilatos, o que você está pedindo.
Sem entender o que era, o ex-governador permaneceu olhando para Zacarias, indagando-lhe em silêncio.
– Sim, homem, pegue...
– Mas o que é isso?
Mais um presente comprado com dinheiro de não sei quem? – falou envergonhado o prisioneiro.

– Não, Pilatos, isto é a palavra pregada por Jesus, que ele me incumbiu de lhe trazer nesta hora difícil de sua vida.
Aqui estão as anotações que o seu seguidor Levi efectivou para as nossas lembranças e que todos nós temos copiado e recopiado para aprendermos e para passarmos para outros.

Espantado com o presente inesperado, Pilatos refugou:
– Não posso aceitar como um presente, Zacarias.
Isso é uma relíquia de todos vocês, os fiéis seguidores do Justo.
Contento-me com as suas palavras que me educam e edificam.
Eu não mereço isso.

– Claro que merece, meu irmão – falou Zacarias com a voz embargada pela emoção.
Aqui você encontrará muitas coisas que lhe consolarão o espírito nesta hora de dificuldades e, enquanto eu me coloco longe por causa da impossibilidade de estar constantemente ao seu lado, você vai lendo e aprendendo por si mesmo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua maio 21, 2014 9:13 am

– Mas isto lhe pertence e deve ter muito valor para que você se desfaça desse jeito!
– Lembre-se, Pilatos, só é nosso aquilo que nós damos para os outros.
Por isso, a resposta a esta pergunta é SIM.
Isto é tão meu que eu o estou entregando a você.

Já decorei todas as linhas e, além disso, possuo outras cópias que estão sendo entregues para outros simpatizantes da mensagem de Jesus.
Agora, não perca tempo com as derrotas transitórias da vida.
Aprenda a seguir adiante, com a cabeça posta no céu.

Leia e reflicta sobre tudo isto, pois, tão logo me seja possível, regressarei para continuarmos nossas conversas.

Falando assim, Zacarias despediu-se, deixando as anotações evangélicas com o preso que, a partir daquele dia, passou a dedicar-se à sua leitura e meditação.

Cada afirmativa dessa nova doutrina era uma surpresa para seu espírito arguto e curioso.
E cada descoberta mais ampliava a admiração por esse emissário celeste que esteve entre os homens e que padeceu injustamente diante de seus olhares impotentes.

Onde estariam os deuses de pedra a quem aprendeu a prestar culto desde criança?
Quando é que um deles poderia falar assim e consolar o coração como esse Jesus o fazia?

Agora que ele estava na condição do abatimento, entendia as afirmativas de Jesus:
“Eu vim para os enfermos, não para os sãos.
Bem-aventurados os aflitos, ajuntai tesouros no céu onde os ladrões não roubam e onde a ferrugem não corrói, se alguém te bater na face direita, oferece-lhe também a outra...”.

Enquanto isso, lá fora, as reuniões na estalagem de Jonas prosseguiam cuidadosas, porque desde o tempo de Augusto, havia a proibição de reuniões públicas para se evitarem as sedições e os movimentos que se multiplicavam nas aglomerações.

Por isso, era vigente em Roma a lei que proibia os encontros de grupos, os quais só poderiam se reunir nos circos por ocasião das festividades ou nas cerimónias oficiais quando se cultuavam os deuses da tradição.

Por este motivo, a presença de Lucílio acabara sendo aceita com facilidade, já que, apesar de ser romano, a sua condição de centurião fornecia ao evento uma característica que o afastava de qualquer movimento revolucionário, caso fosse descoberto.

Todavia, isso iria modificar-se em breve.
Assim que soube da situação definitiva de Pilatos e entendendo que o prisioneiro seria enviado para lugar muito distante, o centurião se preocupou em adoptar as medidas necessárias à segurança do romano caído em desgraça.

Primeiro porque sabia que poderiam, apesar da decisão do senado, tirar-lhe a vida antes que partisse.
As muitas intrigas na metrópole produziam mortes misteriosas que enchiam as tumbas de inocentes ou suspeitos de crimes não cometidos.

Além disso, sabendo do papel que Zacarias desempenhava na vida de Pilatos, por incumbência do próprio Jesus e que ele próprio, Lucílio, acatara como sua a tarefa de ajudar o velho apóstolo a conseguir concretizar o objectivo do Messias, o centurião sabia que não poderia deixar que o governador se afastasse de sua influência.

Desse modo, buscou as influências que tinha à sua disposição para solicitar que ele pudesse ser o responsável pela guarnição que levaria o preso até seu destino final, em Viena.

Naturalmente, havia poucos soldados que, estando vivendo na capital imperial, desejariam dela sair para serem enviados em missões tão distantes quanto duras como aquela.

Por isso, e alegando já estar familiarizado com o prisioneiro, pois era responsável por ele desde a sua chegada a Roma, Lucílio conseguiu que tal comando lhe fosse concedido, podendo escolher a escolta que melhor lhe parecesse para o desempenho da missão.

Não é demais dizer que, perante algumas autoridades mais importantes, a sua argúcia teve de se revelar mais apurada, em face de que, para que concordassem com o seu pleito, desejavam obter de Lucílio a concordância com o assassinato de Pilatos, durante a viagem ou logo após a chegada ao destino.

Tais autoridades não pediam isso claramente, mas, através de insinuações nas entrelinhas, procuravam sondar o ânimo do centurião para que aceitassem colocar como chefe da escolta alguém manipulável a ponto de concordar com o assassinato do escoltado.

Lucílio, conhecendo os meandros pútridos do poder, se fazia de simpático à causa, partilhando, da boca para fora, das prevenções que os romanos demonstraram contra o governador, dizendo, inclusive, que desejava escoltá-lo para fazer pesar sobre ele mais humilhações por sua indignidade.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua maio 21, 2014 9:13 am

Não pretendia que Pilatos tivesse uma viagem de recreio.
Torná-la-ia um martírio para o preso.
Com tais posturas de ostensiva antipatia, Lucílio comprou a concordância dos que deveriam autorizar-lhe a chefia da escolta, que passaram a acreditar que ele era o homem certo para tirar o problema do caminho, quando chegasse a hora.

Uma vez fixada a sua liderança, não faltaram pessoas que, na calada da noite, vieram até ele com propostas para que, tão logo se ausentassem do território romano, ministrasse o veneno letal na bebida do prisioneiro, a fim de que ele não chegasse vivo ao destino.

E para não levantar suspeitas, já que tais enviados poderiam estar sendo mandados pelos que lhe haviam autorizado a chefia da expedição punitiva, Lucílio recebia os embrulhos e dizia que, tão logo se apresentasse a oportunidade, iria cumprir a sua tarefa. Para não se comprometer diante da verdade, que passara a conhecer depois que encontrara Jesus, jamais disse que mataria Pilatos, preferindo usar a expressão genérica de que, no momento adequado, iria cumprir sua tarefa.

Essa referência acalmava os ânimos dos mais exaltados, que já se aliviavam pensando que a morte de Pilatos era uma questão de semanas.
Assim, com a garantia conseguida com a sua nomeação, Lucílio sabia que isso lhe permitiria levar Zacarias consigo, ainda que, para tanto, o ancião não fizesse parte da caravana oficial, mas viajasse como um anónimo passageiro.

O roteiro da viagem incluía uma parte em navio, até o porto de Massilia, de onde o contingente se deslocaria por estrada para o norte, em direcção ao destino final de Pilatos.
Com isso, os judeus da estalagem de Jonas, que se estavam convertendo ao Cristianismo, na empolgação das primeiras luzes na sede do Império, temeram o afastamento tanto de Zacarias quanto de Lucílio de suas reuniões.

Todavia, à força da argumentação evangélica do apóstolo devotado, o grupo não se desfez e prometeu dar continuidade àquela célula de esperança no caminho dos aflitos que viviam na grande Roma indiferente e depravada.

Zacarias acatou as deliberações de Lucílio com gratidão e consideração já que teria muitas dificuldades em conseguir seguir Pilatos se não fosse a diligência do centurião, igualmente devotado à causa de Jesus.

Assim, arrumadas as coisas para a partida, encontraremos Lucílio e um grupo de quatro soldados de sua confiança procedendo à escolta de um Pilatos reduzido à mísera condição de um degredado que perdera o viço de outros tempos e tendo, por perto, a figura nobre e corajosa de Zacarias que, pela influência de Lucílio, fora admitido a bordo como um amigo íntimo de sua família que seria levado para a Gália, valendo-se de sua protecção, sem levantar nenhuma suspeita.

Roma ficaria para trás, com seu cortejo de maldade e sordidez para que, gradualmente, o trabalho silencioso de pessoas como Jonas e seus amigos convertidos, fosse esculpindo, sobre o velho mármore dos vícios, as formas novas da escultura da Verdade, nas linhas do bem, sob o esforço do cinzel da caridade.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua maio 21, 2014 9:13 am

38 - Os Planos de Fúlvia

Enquanto se tomavam as medidas necessárias à transferência do prisioneiro, as forças do mal, representadas pela maldade guardada no íntimo das criaturas, se movimentavam para conseguir destruir Pilatos.

A disposição de Tibério em preservar-lhe a vida física, ainda que lhe impondo os necessários correctivos à conduta administrativa e pessoal inadequadas, contrariou vários interesses de importantes romanos que desejavam tê-lo matado para se livrarem do risco de desagradáveis revelações, o que continuaria a ser possível enquanto Pilatos vivesse, ainda que distante de Roma.

Desta forma, muitos de seus antigos cúmplices se movimentavam à sombra, como já se explicou anteriormente, para possibilitar-lhe a morte imediata.
Dentre eles, no entanto, Fúlvia era a mais astuta das adversárias, usando toda a sua argúcia e as técnicas da sedução como armas para as suas tácticas se revelarem vitoriosas.

Desejava matar aquele amante convencido e fraco, que lhe servira na exacta medida em que possuía poder e dava a impressão de aceitar-lhe o domínio feminino.
Ser amante de um governador, não importando tratar-se do próprio cunhado, na visão daquela mulher volúvel, era algo que a enaltecia.

Ter sido amante de um preso, caído em desgraça, sem nenhum privilégio ou importância, agora, era coisa que poderia destruí-la, moral e materialmente.
Por esse motivo fundamental, ao qual se somava o orgulho ferido nos últimos anos, quando se sentiu trocada nas predilecções do governador pela romana Lívia, Fúlvia estava determinada a produzir a morte mais cruel e rápida possível, encobrindo desse modo o próprio passado delituoso, ainda que dele soubessem muitos homens igualmente corrompidos pelos costumes dissolutos de cada civilização.

Desde que soubera que Lucílio Barbatus seria o responsável pela escolta de Pilatos, providenciou ela uma das ofertas que lhe chegou com portadores, fornecendo o veneno necessário para a finalidade já mencionada.

Como já dissemos, para que não levantasse suspeitas nos seus superiores, alguns dos quais, manipulados pelas forças ocultas, desejavam igualmente facilitar o assassinato de Pilatos, Lucílio aceitava as doses do corrosivo letal, como a dizer que estava de acordo com a sua utilização, no momento adequado.

No entanto, tão logo soube quais eram os outros quatro soldados que serviriam de pequena comitiva militar, Fúlvia não se contentou em contar apenas com a possível acção de Lucílio.

Dentro de seus dotes sedutores, houvera-se relacionado com um dos soldados que haviam sido escolhidos por Lucílio, a quem encantara com sua beleza e com quem se relacionara mais intimamente por se sentir atraída por homens mais jovens e fisicamente mais bem torneados, o que era fácil de se encontrar entre os soldados.

A sua relação com Sávio não tinha o conteúdo de qualquer ambição política que a levara a agir da mesma maneira em outras ocasiões.
Era fruto, tão somente, da empolgação emocional e física de uma mulher com o desequilíbrio do centro da emoção a lhe empurrar para os caminhos do excesso sexual.

No entanto, Sávio se apaixonara por ela e, a despeito de respeitar-lhe a situação pessoal e não ser capaz de expô-la a riscos que acabariam ferindo-o também na carreira a que se prendia, estava sempre disposto a se entregar a qualquer aventura que ela lhe solicitasse.

Enceguecido por essa paixão tão danosa para aqueles que a vivenciam sem lhe colocar o freio da razão e do bom senso, Sávio recebeu uma pequena comunicação, escrita em código previamente estabelecido, que o convidava a um novo encontro.

Nela pôde identificar o desejo de Fúlvia que, naturalmente saudosa de seus braços, havia providenciado a situação favorável para que o encontro ilícito pudesse ocorrer.

Seria na noite do mesmo dia em que a mensagem lhe fora entregue por um anónimo portador.
Prelibando as emoções que seria capaz de sentir com aquele encontro de corpos desassistidos de equilíbrio, Sávio nada comentou com nenhum de seus amigos e, quando a noite se aproximou, desculpou se alegando algum inconveniente na preparação da própria viagem até Viena e, na hora marcada, no local combinado, lá estava ele, perfumado e levemente vestido, esperando a chegada de sua provocante amante de ocasião.

Fúlvia, apesar de não ser mais uma mocinha, guardava as linhas belas que lhe foram famosas na adolescência, em um meio tão depravado como o de Roma.
Sua feição suave encantava ao primeiro olhar e ninguém poderia dizer que, sob a beleza de seus traços delicados, uma víbora se escondia, astuta e perigosa.

Naquela noite, em especial, havia-se paramentado com maior cuidado a fim de produzir maiores emoções, já que, como dizia a mensagem codificada, seria um encontro de despedidas entre eles, em face da partida do amante para longe de Roma.

Tal desculpa servia perfeitamente aos seus propósitos e encobria o facto de ter pressa em encontrar-se com o soldado por outros motivos.
Eufórica e alegre, homenageando com tais sentimentos, aparentemente sinceros, o orgulho másculo do soldado com quem se deitaria, Fúlvia envolveu-o com os braços e depositou em seus lábios um beijo apaixonado, saudando-o carinhosamente.

– Pois então, depois de me fazer tanta falta desde o último encontro, agora foge para longe de mim, meu César amado – falou, voluptuosa, entregue aos músculos fortes que a acolhiam igualmente no peito vigoroso de Sávio.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua maio 21, 2014 9:13 am

Corado com a referência imperial com que Fúlvia sabia tocar a vaidade masculina, Sávio sorriu-lhe meio sem jeito e respondeu:
– Por mim mesmo, deusa de minhas preces, eu ficaria para sempre aqui ao seu lado.
No entanto, não me pertenço e estou atendendo a chamamento de um amigo para seguir com ele na condução do prisioneiro até seu destino.

– Ah! Sim... pois então o meu amante já está me trocando por um bando de homens... – disse ela sorrindo matreiramente.
– Claro que não.
Seria o acto de um louco trocar o perfume pelo mau cheiro.
No entanto, penso que tal viagem será rápida e, no prazo de pouco mais de um mês, acredito, terei sido liberado da tarefa e poderei voltar aos seus braços.

– Bom, se você me garante que será assim, nossa última noite será de sonhos para o futuro e não de despedidas amargas.

Novos beijos se trocaram e, buscando produzir em Sávio a ruptura dos freios do raciocínio seguro, envolveu-o em um tal processo de sedução, que o cativaria com ainda maior intensidade.

Foi muito mais carinhosa e despertou mais e mais desejo em seu cúmplice a fim de que, de maneira mais fácil, conseguisse chegar ao ponto e obtivesse o seu auxílio.

Depois que as emoções estavam elevadas à mais alta voltagem e que sentia que Sávio estava em suas mãos, Fúlvia confessou-lhe que havia uma coisa muito triste, que lhe feria o coração profundamente.

Sentindo que a lembrança de tal facto poderia estragar-lhe a noite e impedir-lhe a consumação de seus prazeres, Sávio buscou inteirar-se com o máximo de atenção sobre a fonte das preocupações de Fúlvia.

Assim, depois de fazer-se de rogada com a desculpa de que não queria levar-lhe problemas pessoais, Fúlvia aceitou a insistência de Sávio e revelou-lhe o motivo.

– Sabe, meu querido, estou ferida assim por causa da situação de minha irmã.
Cláudia sempre foi muito generosa para comigo.
Quando estive na Palestina, tantas e tantas vezes me acolheu com o seu carinho.

No entanto, desde antes de ela partir para Jerusalém acompanhando o marido, ela já era vítima dos escândalos que ele produzia, maculando-lhe a reputação.
Deixaram Roma quase que fugidos da vergonha que Pilatos lhe infligira com sua conduta irresponsável.

No entanto, a sua estada na Palestina também não foi diferente.
Estando lá, quantas vezes Cláudia não me procurou com os olhos vermelhos de tanto chorar, sem mencionar as infidelidades do marido, mas não conseguindo me esconder o seu tormento doloroso.
Ele, por sua vez, sempre fora uma inesgotável fábrica de conquistas baratas e prazeres fáceis.
Não podia ver mulher pela frente que já lançava suas redes.
Algumas se mantinham firmes, afastadas de sua peçonha.

A maioria, no entanto, acedia aos seus caprichos e desejos mais baixos e, logo a seguir, eram descartadas.

E, para impressioná-lo ainda mais, acrescentou, maldosa:
– Você acreditaria se eu lhe dissesse que até sobre mim mesma esse homem, meu cunhado, lançou as suas indirectas, tentando me seduzir em sua própria casa?

Ouvindo-lhe a mentirosa confissão, que procurou envolver numa atmosfera de indignação pessoal, Sávio exclamou surpreendido:
– Até a você esse homem asqueroso tentou seduzir?
Não posso acreditar...
– Sim, meu amor.
Se não fosse o sólido alicerce familiar que herdei de meus pais e o amor que tenho por Cláudia, qualquer mulher, em minha condição, teria caído em suas armadilhas.
Para você ver como ele era incontrolável.

– Minha mente está indignada com tudo isso, Fúlvia.
– É para indignar qualquer um, Sávio.
E você não sabe nem metade de tudo o que esse homem já fez minha irmã sofrer.

E entrevendo que a indignação do amante lhe abria as portas para a continuidade do plano, Fúlvia prosseguiu:
– Agora que ele foi colocado onde deve, ou seja, na prisão e no exílio, minha irmã se animou a voltar a Roma para estar comigo.
Entretanto, não deseja nunca mais estar exposta à vergonha que o marido infiel a fez passar ao longo destes anos.

Enquanto isso não acontece, recusa-se a voltar para cá e me fazer companhia.
Já me revelou que só o fará no dia em que souber que está viúva, pois tem vergonha de pisar o chão de seus ancestrais para ser ridicularizada diante de todos, como a esposa do devasso governador humilhado e exilado.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui maio 22, 2014 9:19 am

Você sabe como reagem as pessoas de nosso meio.
Costumam estender o erro para além dos limites daquele que erra, ferindo os seus familiares imediatos e seus amigos mais próximos.

Por isso, Cláudia não regressa.
Está esperando a morte do traste para, com ela, apagar a própria vergonha.
E isso me causa muita dor, já que, com a partida de Pilatos para longe, nunca será possível ter certeza quanto tempo levará para que ele desapareça para sempre.

E há algo mais grave ainda.
Cláudia possui riquezas pessoais que estão sob seus cuidados directos na Palestina.

Meu temor maior é que, com esse banimento, Pilatos consiga meios para ir procurá-la através de enviados ou até mesmo pessoalmente, a fim de tomar-lhe as últimas expressões de sua dignidade madura, os últimos bens com os quais poderá se ver protegida na velhice, alegando os direitos de marido.

Por isso, Sávio, meu coração está tão apertado.

A sua voz melíflua, seus jeitos dengosos e frágeis eram as suas armas para induzir as fibras daquele homem tolo a fazer o que ela queria.

– Ah! Se eu pudesse, eu mesma mataria aquele maldito romano que só nos fez sofrer a todas as mulheres – falou indignada, como se estivesse falando sozinha.
Assumindo ares paternais e conquistadores, Sávio se viu na fácil posição de subir no conceito da mulher desejada e, sem pensar duas vezes no que estava se comprometendo a fazer, disse sem cerimónia.

– Isso não é trabalho para as mãos doces de uma mulher como você, Fúlvia.
Isso é trabalho comum para um soldado, que não faz outra coisa do que expor sua vida e tirar a vida dos outros.

– Sim, meu querido, os soldados estão sempre envolvidos em batalhas, mas isso é contra gente de outro país.
Falar de tirar a vida de um seu igual, um romano, ainda que em desgraça, não é a mesma coisa, Sávio.
Só um soldado valente e corajoso para fazê-lo, pois não poderia se expor como um herói que realiza os actos de bravura pensando nos aplausos da turba que o admirará quando do regresso.

– Bem, Fúlvia, se eu encontrar, no meu regresso de Viena, apenas os seus braços a me enlaçarem com este mesmo carinho, digo-lhe que me candidato a livrar vocês duas do peso e da vergonha que esse condenado as tem feito passar – falou resoluto e orgulhoso. – Você, meu amor?
Sua coragem é assim tão grandiosa a ponto de me livrar do pesadelo e salvar-nos da ignomínia que é a vida sob a sombra de Pilatos?

– Se é para aliviá-la desse peso, não será nem muito difícil, pois entre Pilatos e seu coração, não existe escolha possível que não seja por você.
Ah!, Sávio – disse Fúlvia ainda mais adocicada –, assim você me mata de paixão, meu querido.
Nunca imaginei que pudesse me amar desse jeito tão especial, mas agora que a sua paixão se oferece com a solução para esta questão, reconheço que você poderá fazer o serviço sem dificuldades.

– Sim, Fúlvia.
E não será nenhum sacrifício tirar a vida daquele que não nos merece nenhum respeito e que só nos tem causado, a todos os romanos, a vergonha, pela maneira dissoluta e perigosa com que expôs o Império lá no oriente.

Mais do que um pedido seu, isso seria um dever moral de qualquer romano que se preze e tenha orgulho de sua tradição vitoriosa.
Os derrotados merecem morrer.
Não é esse o lema no circo?
E para com Pilatos isso não deveria ser diferente.

Assim, Fúlvia, se lhe puder servir de alguma coisa, disponha de mim, desde que, ao meu regresso, seu encanto me espere com a suavidade de sua pele e a maravilha de seu sorriso.

Agarrando-o com entusiasmo, Fúlvia beijou-o loucamente, dando-lhe a prova final de que seu gesto lhe cativara o coração apaixonado de tal maneira que, se precisasse envenenar mais uns dez romanos, isso não seria difícil. Se o prémio fosse Fúlvia, envenenaria até mesmo Tibério.

Assim, deram vazão aos seus instintos carnais em uma longa noite que culminou com a alvorada na qual, entregando-lhe o tóxico violento, ouviu dele as juras de amor costumeiras e trocaram os últimos detalhes do plano.

– Veja, querido, não se precipite com o veneno.
Alguns me disseram que outro vai providenciar o envenenamento do homem.
Se isso está certo, é melhor que não seja você, para que isso não o comprometa desnecessariamente.

No entanto, se nada ocorrer até o seu regresso, este veneno poderá ser depositado em qualquer líquido que, uma vez ingerido, propicia a morte lenta e misteriosa sem levantar suspeitas, pois leva algum tempo para produzir o efeito e parecerá com alguma doença que não se pôde curar a tempo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui maio 22, 2014 9:19 am

– Assim farei, Fúlvia.
No entanto, ninguém, além de nós dois, deverá saber que isso será feito – falou Sávio, desejando preservar tanto a si próprio quanto à sua amada que o ouvia.
– Claro, meu querido.
Você já está sendo a solução para o amargo problema de minha irmã, pelo que serei eternamente grata.
Ninguém mais saberá de nada.
Além disso, volte logo para que, em seu regresso, possamos nos encontrar neste mesmo lugar de delícias, onde você será coroado como o meu imperador, recebendo todos os presentes que um grande César merece, com exclusividade.

Encantado com os meneios mágicos daquela experiente mulher, Sávio despediu-se feliz, carregando consigo o pequeno frasco que iria levar na viagem até Viena, esperando que, a qualquer ponto do caminho, Pilatos acabasse morto pela acção de outrem, mas pronto a cumprir a sua tarefa, sem deixar pistas, caso ninguém tomasse a iniciativa.

Assim, em seus planos, esperaria até o final da sua missão e, se nada acontecesse, ele próprio agiria por sua conta.
Sem saber que um de seus homens de confiança havia sido cooptado por Fúlvia para matar Pilatos, Lucílio e a escolta do preso, o ex-governador e a figura de Zacarias tomaram seus lugares no barco que os levaria até Massilia, na costa mediterrânea da Gália de outrora, França de hoje.

Naturalmente, atendendo à necessidade de discrição, Zacarias se mantinha apartado do grupo, entendendo-se apenas com o seu comandante para a troca de ideias rápidas a respeito do prisioneiro.

– Lucílio – falava Zacarias – tome cuidado com as coisas que derem a Pilatos para comer ou beber, pois não sabemos de que lado vem o ataque.
– Sim, Zacarias.
Estou atento a tudo.
Sei que havia muita gente desejando matar o governador e não deve ser difícil que algum deles esteja a bordo para aproveitar algum momento de descuido e atacá-lo de um jeito ou de outro.

– É verdade.
Por isso, Jonas, da estalagem, me entregou toda esta comida que trouxe comigo e lhe passo agora a fim de que nenhuma outra seja oferecida ao nosso irmão, evitando-se, desse modo, qualquer risco.
Fica só faltando observar o que lhe será entregue como bebida.

– Quanto a isto, esteja sossegado.
Eu mesmo separei um grande odre para essa emergência, alegando que se tratava de provisão para a viagem.
No entanto, ali está a água necessária para o prisioneiro.
Já instalei em local seguro e informei a Pilatos que só bebesse água de minhas próprias mãos.

– E, outra coisa, Lucílio – falou baixinho o ancião – não confie nem mesmo nos outros soldados, pois não sabemos o que poderão fazer nem se estarão suficientemente atentos para impedir qualquer ataque de fora.

– Sabe, Zacarias, eu não tinha pensado nisso, mas a sua lembrança é sábia e, com certeza, está iluminada pelos nossos protectores invisíveis.
Estarei pessoalmente ligado ao nosso amigo.

– Assim me tranquilizo mais.
Vou ficar por aqui, junto de alguns homens feridos que pretenderei ajudar com os cuidados da enfermagem.
Veja se consegue que o capitão não se oponha a este desejo, pois os mais feridos são, sempre, os mais abertos para Jesus.

– Farei isso agora mesmo, Zacarias.
Até breve.

Despediram-se e, com a aquiescência do comandante, sempre cheio de tarefas na condução da grande nau pelo Mediterrâneo, Zacarias pôde aproximar-se dos enfermos e feridos pelos pesados remos, a quem tratava e conquistava com seu carinho sincero e desinteressado, além de lançar, também ali, aos escravos do poder romano, a mensagem de que o Salvador havia vindo ao mundo para eles, os aflitos da existência.

Muito alívio levou aos corações, enquanto que se mantinha atento ao destino de Pilatos.
Certa noite, quando não havia muito a fazer, Zacarias deitou-se em um canto do tombadilho da embarcação para que pudesse olhar o céu estrelado, em meio a provisões, sacarias e cordas grossas que se amontoavam, lembrando-se de Jesus e dos tempos em que caminhava junto dos que o seguiam.

O silêncio era mais forte porque a maioria estava recolhida em algum canto do barco para descansar da jornada diária.
Assim, sem que ninguém o percebesse, escutou passos firmes sobre as tábuas da embarcação e vozes que sussurravam uma conversa animada, entrecortada de ditos jocosos e hilários.

Era Sávio que vinha, junto com outro amigo que compunha a guarda de Pilatos e se abeiraram da guarda protectora da trirreme para conversarem mais a sós.

– Que maldição a nossa, Sávio! – exclamava Caio, o outro soldado.
– Como assim, meu amigo? – perguntou o interrogado por sua vez.
– Sim, podíamos estar nos braços de agradáveis romanas nestas alturas, mas estamos aqui, no meio do nada, carregando um homem a tiracolo.
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Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 8 Empty Re: Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Qui maio 22, 2014 9:19 am

– Isso é verdade, Caio.
Haveria coisas melhores a fazer.
Eu mesmo saberia perfeitamente onde estaria e com quem, numa noite como esta.

Tocado pela curiosidade e, sabendo que Sávio não possuía esposa, Caio deu-lhe oportunidade para seguir com suas palavras, fustigando-lhe o orgulho masculino com uma provocação:
– Provavelmente no colo da sua mãe, não é mesmo? – falou dando risada baixinho.
Ferido na vaidade, Sávio não se deixou irritar pelo riso de Caio e lhe respondeu:
– Ah! Se todas as mães fossem como ela, todos os filhos se tornariam amantes de suas progenitoras – respondeu para espanto de seu amigo.

– Mas ela é tão boa nas artes do amor, como você está falando?
– Ela é única, meu amigo. Especial.
– Gostaria de conhecê-la também, - falou Caio.
– Não será possível.
Eu não me arrisco expô-la a olhares impudicos.
Além disso, sua nobreza me impede de compartilhar sua identidade com estranhos.

– Além de tudo é nobre?
Patrícia de berço?
– Sim, das mais respeitadas e, para dar um tempero especial a isso tudo, também é casada.
– Pelos deuses, homem, era melhor que você se contentasse com a sua mãe mesmo, a correr um risco desses – falou, assombrado, o soldado que o escutava.

– Calma! Seu marido é um tolo e um inútil.
Isso possibilita que possamos nos divertir sem riscos.
– É, mas isso não nos tira deste atoleiro sem lama onde estamos.
Não bastava que Pilatos se desgraçasse a si próprio.
Tinha que nos levar junto com ele para o exílio? – perguntou Caio, indignado.

E olhando para os lados, como a se certificar de que o que iria dizer não deveria ser escutado por mais ninguém, Sávio respondeu às queixas do companheiro de viagem:
– Mas não se preocupe, meu amigo, mais cedo ou mais tarde todos morrem, não é mesmo?
Ainda mais um traste como esse homem, dando a entender, nas entrelinhas, que havia algum mistério que ele sabia e que tornava a sua afirmação cheia de arrogante segurança.

Em seu leito improvisado, Zacarias a tudo escutava, sem se mover para não denunciar a sua presença com algum ruído intempestivo.
Suas suspeitas intuitivas estavam corretas.

Sávio sabia de alguma coisa e ele não poderia perder o soldado de suas vistas, conquanto não tivesse qualquer elemento de prova que pudesse levar até Lucílio para acusá-lo.

Talvez tivesse falado daquela maneira como uma força de expressão, com a indignação e a língua solta que caracterizam os soldados longe de seus superiores.
Talvez tivesse comentado sobre hipóteses comuns na vida de todas as criaturas, tanto quanto na vida de Pilatos.
Talvez não estivesse mais do que expressando o seu desejo de que o preso morresse logo para que regressasse às suas aventuras e prazeres.

No entanto, a conversa havia despertado em Zacarias o medo de qualquer perigo que rondasse o grupo, que deveria preservar Pilatos, não matá-lo.
Afastaram-se os dois homens, sem perceber que sua conversa havia sido escutada por Zacarias, a quem ambos desconheciam quando de sua estada em Roma.

Sabiam ser aquele um amigo íntimo da família de Lucílio, conforme este mesmo houvera falado e que, por ser sapateiro, consertava as botinas dos soldados na prisão Mamertina.

Nada mais sabiam de seus objectivos junto àquela comitiva.
Assim, sem estar de posse de informações precisas ou provas claras que incriminassem Sávio, Zacarias evitou falar disso a Lucílio que, naturalmente, seria levado a interrogar o soldado que, por sua vez, negaria tudo e as coisas ficariam piores para todos.

Por isso, daquele dia em diante, passou a dedicar especial atenção a observar os gestos e os passos de Sávio dentro do navio, como maneira de melhor proteger Pilatos que, em seu lugar de reclusão, se dedicava à leitura dos escritos de Levi que lhe haviam sido dados por Zacarias.

Quanto mais conhecia os ensinamentos de Jesus, mais se encantava com a sua beleza, ao mesmo tempo em que mais e mais se culpava por tudo o que havia acontecido com o Mestre diante de sua vontade omissa e covarde.

Deslumbrava-se por um lado e se remoía por outro.
Se melhorava diante dos ensinamentos que consolavam, piorava por dentro, em face das angústias cáusticas do arrependimento.
Assim corriam as coisas durante a travessia até a chegada ao porto, sem maiores incidentes que não aquele da conversa suspeita entre os dois soldados.

O ano de 35 seguia para o seu término quando, finalmente, a escolta chegou a Viena, em um período de muito frio.
Lá se desenrolariam os lances derradeiros daquelas existências que, estando alguns a serviço das forças do mundo e os outros das forças da Verdade e do Amor, se tornariam, estes últimos, a mão luminosa de Deus amparando a escuridão bruta dos homens, através dos próprios homens.

Por isso que Jesus ensinara:
“Todo aquele que desejar ganhar a própria vida, este a terá perdido.
No entanto, todo aquele que, por amor a mim, perder a sua vida, este a terá ganho”.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui maio 22, 2014 9:19 am

39 - O fim de Zacarias

A chegada do grupo ao acampamento militar de Viena foi melancólica, como poderia ser toda a chegada de um derrotado perante os seus antigos amigos de virtudes militares.

A derrota, por si só, já era considerada uma vergonha, e muitos militares preferiam o suicídio à desonra do insucesso.
Este código de honra era muito considerado entre os membros das corporações romanas e, por isso, Pilatos, ainda que não tivesse sido derrotado em alguma batalha, perdera num front onde não havia inimigos a vencer, além de si mesmo.

A derrota perante um exército adversário, na luta entre bravos soldados e valorosos estrategistas representava, ainda assim, uma perda digna dentro da estranha nobreza das artes da guerra.
No entanto, ser despojado de todos os títulos por causa de uma ausência de seriedade nos negócios do Estado, considerado como um inimigo por entre os seus próprios pares, impunha ao réu uma aura de nocividade e repulsa.

E ali, principalmente.
Fora naquelas terras, anos antes, que a acção enérgica e rude daquele soldado romano produzira o efeito de elevá-lo na consideração de Roma.

Suas vitórias, ao lado de outros generais valorosos, permitiram que sua fama se estabelecesse e, considerando que a caserna também é um ambiente onde se criam certas lendas entre os homens de armas que a compõem, Pôncio era uma destas, sempre citado como o exemplo de devotamento que se deve imitar em face dos prémios que se garantem àquele que se dedicava à causa da defesa do Império.

E o que se poderia esperar daquele destacamento avançado, que tinha a árdua tarefa de defender as fronteiras dos ataques das hordas bárbaras provenientes da Germânia, que agora recebia aquele homem, derrubado do pedestal de exemplo para o lamaçal da repulsa?

Naturalmente, a vergonha e o desprezo eram os mais comuns dos sentimentos ali vigentes.
Poucos antigos camaradas se lhe dirigiram a palavra e os que o fizeram, assim se permitiram para execrar-lhe a vergonha a que os estava submetendo.

O frio intenso daquele inverno forte e rigoroso poder-se-ia dizer mais quente e acolhedor do que o sentimento que existia no coração de cada soldado, do mais inferior ao mais alto comandante.

No entanto, a ordem do imperador deveria ser obedecida e, em face de tais previsíveis obstáculos, Lucílio se entendeu com o comandante do campo para colocar-se à disposição a fim de que continuasse prestando cuidados ao prisioneiro, o que foi aceito de bom grado, porque não seria difícil encontrar-se alguém ali que, em sendo colocado na função de preservar a sua pessoa, tratando de suas necessidades durante o exílio forçado, não se visse tentado a matá-lo.

E como o comandante das legiões ali estabelecidas não desejava ter que informar ao imperador que o homem que recebera sob sua guarda, tão pouco tempo depois de sua chegada já se achava morto sob suas vistas, o oferecimento de Lucílio veio a calhar, já que se tratava do mesmo homem de confiança que viera de Roma em cumprimento do mandado legal do Senado Imperial.

Se algo acontecesse a Pilatos, sê-lo-ia imputado à falta de zelo do próprio centurião Lucílio, para que sobre ele a responsabilidade fosse carreada.

Ao mesmo tempo, Lucílio conseguira autorização para que Zacarias fosse acolhido na guarnição militar, sob a alegação de que estava agregado ao pequeno grupo, aproveitando a viagem sob a protecção dos soldados, em face de sua velhice e vulnerabilidade e, tão logo o inverno rigoroso terminasse, o próprio centurião se encarregaria de encaminhá-lo ao seu destino.

Era uma alegação que, naquele instante, solucionava a questão, sendo certo que, apesar de receber a acolhida, o comandante das instalações militares impôs que Zacarias executasse algum serviço através do qual pagasse a sua permanência ali e a ração que se lhe ofereceria.

Novamente a habilidade de sapateiro serviu de salvação, pois com a sua natural capacidade nessa área, não era difícil encontrar o que fazer num acampamento militar.
Arranjadas as coisas, Sávio viu os seus planos de regressar logo a Roma frustrados pela dificuldade de ausentar-se do grupo que estava sob o comando de Lucílio.

O inverno tornava rudes as condições de navegação marítima e muito difícil o trânsito por terra firme, em face dos obstáculos da neve, dos montes a serem atravessados e dos riscos a que se expunham os viajantes nesse período.

Só mesmo por questão de muita emergência é que alguém conseguia empreender uma aventura por mar ou terra até Roma, proveniente das províncias distantes.
E ainda que o fizesse, se expunha a sério risco de não chegar vivo ao destino, perecendo de frio pelo caminho, ou morrendo vítima de ataques de salteadores ocasionais, espreitando os desavisados viajores.

Assim, teve o cúmplice de Fúlvia de permanecer aquartelado naquele local, aguardando o desenrolar dos acontecimentos por longos meses, sem, contudo, desfazer-se de seu frasco venenoso com o qual, esperava, conseguiria não só fazer a justiça que muitos desejavam como também conquistar para sempre o coração daquela mulher amada.

Zacarias, ainda que em tarefas junto aos militares do quartel, sempre que lhe permitia a ocasião era levado até Pilatos para tratar de animar-lhe o exílio com a conversação amistosa e que procurava fortalecer o ânimo nas horas do testemunho.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui maio 22, 2014 9:20 am

Graças à leitura do texto de Levi, os ensinos de Jesus haviam penetrado profundamente no pensamento e no coração de Pilatos, e a companhia dos únicos amigos aos quais, agora, devia a própria vida, eram as exclusivas fontes de forças bondosas que o mantinham acima da linha da vida.

Por causa de seu aprofundamento nas lições do Cristo, Pilatos se deixara envolver por uma melancolia que era muito amarga, diante da consciência de seus feitos.

Zacarias buscava aclarar as consequências das palavras de Jesus lembrando que o Reino de Deus era um lugar que deveríamos edificar em nosso próprio interior e que a todos nós estava garantida a felicidade de encontrarmos o caminho para atingi-lo, superando os sofrimentos com galhardia e coragem.

Sentia o apóstolo que aquele homem carregava dentro de si um fardo de culpas que só deveria ser menor do que o de Judas, o pobre e equivocado companheiro que acreditara nos poderes mundanos mais do que nos divinos.

E na verdade, a frieza da recepção que envolveu o prisioneiro não teve a capacidade de aumentar-lhe a angústia íntima, já que Pilatos entendia, agora, que aqueles homens não poderiam ser diferentes daquilo que ele mesmo fora um dia.

No fundo, sabia que sua vida não poderia ser a mesma, mas também reconhecia que os homens à sua volta não o entenderiam nunca nem poderiam se comportar de outra maneira, até que passassem por tudo o que ele mesmo passou.

A presença de Lucílio e a amizade paternal de Zacarias preenchiam suas esperanças.
Os meses se revelaram monótonos e, para surpresa de Sávio, a vida de Pilatos se dilatava sem que ele tivesse qualquer acesso ao preso.

Zacarias, que não se esquecera da conversa ouvida na noite da viagem, tinha Sávio sempre sob seus olhos e procurava monitorar-lhe os passos, pois pressentia que se tratava de um assassino oculto, prestes a agir.

No entanto, a rotina do acampamento não se alterara, sendo que Lucílio levava o alimento e a água até o preso todos os dias, sem excepção, enquanto que Zacarias o ajudava na higiene pessoal, cortando-lhe os cabelos, consertando-lhe as vestes.

A chegada da primavera do ano de 36 permitiria o lento retorno às actividades mais intensas, fosse com a retomada da navegação, fosse com a modificação das práticas do acampamento.

Agora, o derretimento da neve tornava as operações externas mais fáceis e os soldados se embrenhavam em missões de reconhecimento ou marchas mais longas para retomar a forma física, perdida durante os meses de frio, guardados na ociosidade que se impunha por si própria.

Por essa época, voltaram as esperanças de Sávio de deixar o acampamento e regressar aos braços de Fúlvia, a sua amada.
Dela não tivera notícias porque a discrição impunha a prudência nas correspondências, sempre passíveis de serem interceptadas e denunciar os seus autores.

Lembrando a Lucílio de que desejava obter a autorização para o regresso a Roma e deste recebendo a aquiescência para fazê-lo, teve o seu pedido de dispensa formal encaminhado no mesmo dia para a análise do comandante do campo que, num ato burocrático simples, poderia dispensar o soldado para que regressasse à capital.

A azáfama da guarnição militar tornara mais febricitantes as actividades de todos, inclusive de Lucílio que, multiplicando-se entre os cuidados com Pilatos e as tarefas da caserna, muitas vezes compartilhara com Zacarias a obrigação de alimentar o prisioneiro.

Poucos dias depois do encaminhamento do pedido de dispensa de Sávio, o afastamento de Lucílio por mais tempo do que o normal e o recrudescimento das obrigações de Zacarias, diante do amontoado de botinas a serem consertadas, impedira que ambos se recordassem dos horários adequados para a refeição de Pilatos.

Chegando apressado de uma missão e tendo sido chamado ao gabinete do comandante a quem estava subordinado, Lucílio se deu conta de que ninguém havia dado alimento e trocado a água do preso.
Procurou por Zacarias, mas se lembrou de que ele se achava em serviço na sala pegada àquela para onde deveria dirigir-se ele próprio.

Assim, para não fazer esperar o comandante, procurou por Sávio, dizendo:
– Meu amigo, tenho boas notícias para você.
– Minha liberação? – perguntou eufórico, Sávio.
– Creio que sim, companheiro.
Acabo de chegar do campo e nosso comandante me convocou imediatamente ao seu gabinete, o que acredito deva ser para me entregar a sua dispensa, conforme solicitada dias atrás.

Feliz com a novidade, Sávio já entrevia as alegrias do regresso e, ao preço de mais algumas semanas, estaria nos braços de Fúlvia.
Ao se lembrar de Fúlvia, recordou-se da missão que havia aceitado realizar e com a qual, pensava ele, ganharia os almejados prémios cobiçados junto à mulher ardente.

Mas o medo de voltar sem oferecer-lhe a cobiçada prenda, a morte de Pilatos, fazia-o tremer ante a possibilidade de ser considerado um poltrão, indigno de sua própria palavra e acabar desprezado pela amada.

A notícia de Lucílio alegrou-o e o incomodou, sem que ele desse demonstração disso, visivelmente.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui maio 22, 2014 9:20 am

E antes que Lucílio deixasse o ambiente onde se recompunha das escaramuças do campo, limpando-se um pouco para se apresentar ao superior, voltou-se para Sávio e disse:
– Ah!, meu amigo, sinto ter que lhe pedir um favor.
Como você é o responsável por essa minha pressa, nada mais justo que lhe dê uma tarefa que até hoje foi minha, pois Pilatos está sem comer e beber durante todo o dia até agora, já que Zacarias está entretido com seu trabalho e eu mesmo me esqueci de lhe pedir que o fizesse quando deixei o quartel pela manhã.

Assim, como nós estamos nos ajudando, pede a camaradagem que, do mesmo modo que estou advogando a sua liberdade, você assuma essa tarefa em meu nome, apenas por hoje.

Ouvindo o pedido em tom de brincadeira, Sávio iluminou-se por dentro, pois ali estava a chave de toda a sua felicidade.

Mais do que depressa, tratou de responder ao amigo:
– Como você pode pensar que isso será um peso para mim, meu amigo?
Estou em dívida com você e se me ordenasse fazer isso todos os dias, durante uma semana, tão só pelo facto de ter conseguido a liberdade deste campo horrível, eu aquiesceria de bom grado e consideraria pequeno pagamento diante do tamanho do favor que obtive do seu empenho junto ao comandante.

– Pois bem, Sávio, vá logo então, que eu, brevemente, estarei de regresso para lhe apresentar o passe liberatório.

Afastaram-se os dois homens.
Lucílio afastou-se, apressado, sem perceber o brilho estranho no olhar do soldado e Sávio, surpreso com os caprichos do destino, tratou de ir imediatamente até seu alojamento e procurar o frasquinho que guardava para um momento como aquele, desde longa data.

Naturalmente, como se tratava de um veneno de efeito discreto, conforme lhe afiançara Fúlvia, não poderia haver melhor circunstância para agir do que aquela, quando as portas da caserna se estavam abrindo para lhe permitir a saída natural e sem suspeitas.

O tempo de chegar até o alojamento e encontrar o frasco foi o mesmo que levou Lucílio para chegar até o gabinete do comandante, não sem antes passar pela sala de trabalho de Zacarias, perdido no meio de tantos sapatos, cinturões, taxinhas, etc.

– Olá, Zacarias, que o deus dos sapatos o inspire, meu amigo – disse Lucílio com seu jeito brincalhão de se referir ao companheiro.
– Ora, centurião, que o deus do juízo o torne um homem sério – respondeu sorrindo o ancião.
– O comandante deseja falar comigo e estou certo de que se trata da autorização de Sávio para regressar a Roma conforme ele havia pedido.

– Eu não sabia que ele desejava regressar sem nós – respondeu Zacarias.
– Sim, alega ter saudades da capital e de sua rotina de conquistas, dizendo que por aqui não tem como exercer seu melhor talento no meio de homens que seriam troféus pouco cobiçados.
– Melhor assim, se isso representar mesmo a autorização que ele tanto deseja – falou Zacarias aliviado, pois a partir de então, ele não precisaria fiscalizar a conduta de Sávio.

E, continuando a conversa, perguntou o sapateiro:
– E se se trata da dispensa dele, por que ele não o acompanhou até aqui para recebê-la?
Seria uma grande satisfação, não acha?
– Sim, é verdade.
Mas nesse caso, teríamos que impor a Pilatos um tempo mais longo de fome e sede, porque me lembrei de não tê-lo alimentado e nem de lhe pedir que o fizesse antes de sair.

– Lucílio, você não me falou nada de manhã e, por isso, pensei que ele tivesse sido abastecido por você antes de sair, como sempre faz.
– É, Zacarias, foi um esquecimento imperdoável, que Sávio está tratando de corrigir, levando-lhe a provisão de hoje.
– Você mandou Sávio sozinho? – falou surpreso e agoniado o velho sapateiro.
– Sim, Zacarias, ou você acha que um soldado romano não pode fazer um trabalho desses sem ajuda de uma escolta?

– Claro, Lucílio, Sávio é capaz de fazê-lo – falou Zacarias com um tom de angústia na voz.

Não desejando deixar o comandante esperando por mais tempo, Lucílio se dirigiu ao gabinete onde o militar o aguardava e Zacarias, tomado de maus pressentimentos, deixou a sua salinha rapidamente e dirigiu-se até a porta da cela onde Pilatos se mantinha encarcerado.

Ao mesmo tempo, Sávio trazia a ração de comida e água, depois de ter ministrado o veneno no líquido que vinha em modesta cuia de barro pobre.
Quando Zacarias entrou na cela, pois a porta já estava entreaberta, viu que Sávio se dirigia ao governador de maneira fria e indiferente.

– Aqui está a comida e a água que Lucílio não trouxe durante o dia porque seus deveres o impediram.

Falando assim, esticou a mão e colocou o vasilhame da comida sobre pequena saliência de pedra que estava na parede interna da cela.
E, desejando certificar-se de que Pilatos iria ingerir o líquido envenenado, em vez de proceder da mesma maneira com o recipiente de água, deixando-o no mesmo sítio, estendeu as mãos e ofereceu-o ao preso, que o segurou com interesse, diante de quase um dia inteiro, sem beber nada.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui maio 22, 2014 9:20 am

Nesse exacto momento, Zacarias chegou e entrou na cela, sendo capaz de escutar as últimas palavras de Sávio.
Interrompidos pela chegada do sapateiro, Sávio se surpreendeu com a sua intervenção, voltando-se com a face esbranquiçada para a sua direcção.

Zacarias sorria e caminhava até os dois, falando com Pilatos de maneira a distraí-lo para que não tocasse no alimento e na água:
– Desculpe-me, meu senhor, a minha falta de cuidado para com as suas necessidades – falou sincero, o ancião.
Estava trabalhando tanto que me esqueci de vir até aqui para trazer-lhe a comida, pois Lucílio, tendo saído de manhã, me incumbiu de alimentá-lo e abastecê-lo, o que acabei deixando de fazer.

Desse modo, o generoso Zacarias buscava atenuar o erro de seu amigo, a fim de desculpá-lo perante o prisioneiro, assumindo a falta por si só.
Sua nobreza de carácter sabia ser caridosa até mesmo para proteger os amigos.

Vendo-o se desfazer em justificativas, Pilatos sorriu e respondeu:
– Ora, Zacarias, eu devo minha vida a vocês dois, que não têm feito outra coisa senão zelarem por meu bem-estar.
É bom passar algum tempo sem comer ou beber, pois isso serve de penitência para meu espírito comilão e beberrão se disciplinar.

Retomando a palavra ante os dois homens que o escutavam, Zacarias prosseguiu:
– Na verdade, tive tantas coisas a fazer, eu mesmo, que até a mim próprio deixei de dar o alimento e a água que devia.
Por isso, se não se ofender com meu pedido, gostaria que não me negasse um gole para saciar a sede que me consome.

Vendo-se constrangido pela gratidão que nutria por Zacarias e sem desconfiar que aquele líquido poderia estar adulterado letalmente, Pilatos demonstrou muita satisfação em estender o pequeno recipiente até Zacarias, ante o olhar estarrecido de Sávio que, sem poder impedir tal ato, o que o denunciaria perante os dois, não teve outra opção senão a de permanecer calado e imóvel, ainda que lívido.

Nesse momento, antes de ingerir o conteúdo do vasilhame, Zacarias lembrou-se de Jesus, nos dias longínquos do passado, quando o Mestre lhe pedira para proteger Pilatos e ajudá-lo em todas as circunstâncias.

O velhinho não sabia se havia ou não veneno na água e nem podia acusar o soldado de assassino, ali, sem provas directas.
Assim, antes que alguém o impedisse, olhou sereno para Sávio e sorveu até a última gota todo o conteúdo do vasilhame.

Depois disso, disse ao guarda:
– Sávio, pode se retirar que eu me encarrego de trazer mais água para nosso amigo.
Vá em busca de sua liberdade, meu filho.
Mas não se esqueça daquilo que nosso senhor Jesus nos ensinou em suas andanças, já que está prestes a regressar a Roma onde este ensinamento lhe será de grande valia.

E vendo que o soldado o observava entre aterrorizado e angustiado, falou-lhe com suavidade:
– Todo aquele que com ferro fere, com ferro será ferido.
Com a mesma medida que julgar, será julgado.

– Sim, Zacarias, não me esquecerei de suas palavras – falou o soldado covarde, mecanicamente, retirando-se o mais rápido que pôde.

Realmente, a entrevista de Lucílio com o comandante era para a entrega da dispensa do soldado a fim de que, a partir daquele momento, tão logo o desejasse, regressasse a Roma.

Sávio saiu dali e precisou disfarçar muito bem o seu estado de espírito, pois sua alma não compreendia por que aquele velhinho havia adoptado aquela postura de ingerir o líquido envenenado que se destinava a Pilatos.

Agora, precisava afastar-se o mais rápido possível, pois sua conduta e a sua presença na cela do governador fatalmente seria associada à morte do inocente sapateiro, depois de ingerir a água que se destinava ao preso.

Facilmente lhe descobririam a culpa.
Por isso, planeou para o dia seguinte a sua partida, atribuindo a pressa à longa espera para o regresso, o que a justificava plenamente aos olhos de Lucílio.

Enquanto isso, na cela do governador, Zacarias regressara com uma nova cuia de água límpida e com uma nova ração de alimentos que ele sabia não terem corrido o risco de qualquer contaminação tóxica.

Desfizera-se daquela que Sávio havia trazido, alegando que o soldado deixara de fornecer alimento de melhor qualidade que estava à disposição na cozinha.

Sem levantar suspeitas no preso, Zacarias alterou a ração e, sem saber se o líquido estava ou não envenenado, prosseguiu as suas tarefas naturalmente, com a consciência asserenada pelo cumprimento do dever.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui maio 22, 2014 9:20 am

No fundo de seu espírito, sabia que a água tinha o veneno letal, mas como ainda não lhe ocorriam sintomas que atestassem a adulteração do equilíbrio, o ancião recolheu-se naquela noite, depois de ter-se despedido de Pilatos e Lucílio, sem nada dizer sobre suas suspeitas a ninguém.

No entanto, o seu vasto conhecimento da personalidade humana e as dúvidas surgidas daquela conversa no tombadilho do navio, davam-lhe a certeza de que Sávio era o assassino.
No entanto, se isso fosse verdade, aceitaria o destino com tranquilidade e sem acusar a ninguém, como aprendera a fazer com o exemplo que Jesus deixara para ser vivido.

O dia clareou e, tão logo se puderam divisar os contornos dos caminhos, um cavalo deixava o quartel em direcção ao porto distante de Massilia, onde um barco levaria Sávio de regresso a Roma, agora não mais com a pressa de contar a Fúlvia que matara Pilatos e sim com a de não ser acusado da morte do inocente sapateiro, que fatalmente lhe seria atribuída se ali ele permanecesse.

Segundo os seus pensamentos, ao chegar a Roma mentiria a Fúlvia dizendo que ele mesmo havia entregado a cuia envenenada a Pilatos e que deixara o quartel logo a seguir para não ser identificado como o culpado, mas que a notícia da morte do preso não tardaria a chegar à capital.

Com isso, ganharia os favores físicos da mulher querida e tempo para arrumar alguma outra estória que justificasse a sobrevivência do preso quando a notícia de sua morte teimasse em não chegar.

No quartel, a manhã trouxe consigo o pequeno mal-estar mental que mantinha Zacarias meio atordoado, mas não o impedia de levantar-se e trabalhar.
Isso porque aquele veneno era de efeito lento, como havia previsto a própria mandante e, ao invés de produzir uma abrupta e violenta reacção, ia minando as forças e o equilíbrio da pessoa, agindo de maneira solerte e sádica, como se se permitisse gozar com os esgares de dor de sua vítima.

Com o passar dos dias, o estado geral de Zacarias se deteriorou de tal maneira que o velhinho não mais se levantava do leito.
Em vão os médicos do campo buscaram tratar-lhe a estranha enfermidade sem lograrem nenhum efeito satisfatório.

Só fizeram piorar o seu estado por submetê-lo a terapias grosseiras, com a aplicação de vomitórios, purgativos, sangrias e todo o género de tentativas experimentais e sem fundamentos científicos comprovados naquele período de alvorada da escola de Hipócrates.

A preocupação de Lucílio aumentava à medida que o estado de Zacarias piorava.
Pilatos, sentindo a falta do velhinho, fora informado de que o mesmo estava muito doente e não conseguia levantar-se.

Depois de muito insistir, recebeu a autorização do comandante para ser levado até o leito do amigo agonizante, diante do qual ajoelhou-se, beijou suas mãos frias e emagrecidas e verteu lágrimas silenciosas, como a lhe pedir que não o abandonasse.

Sentindo a angústia do coração daquele homem despossuído de todas as coisas que já lhe haviam sido a glória no mundo, Zacarias lhe sorriu e disse:
– Não se esqueça, meu amigo, que é Jesus quem nunca nos abandona.
Ele estará com você daqui para a frente e espera de você a fortaleza necessária para levar sua tarefa até o fim.

Para não amargurar ainda mais o coração do doente, o preso regressou à sua cela, perdido nos mais profundos e escuros caminhos de depressão e abatimento pela iminência da perda daquele que considerava o seu verdadeiro pai espiritual.

Teria Lucílio para ajudá-lo, mas até este mesmo se sentiria órfão com a partida de Zacarias.
Aqueles foram momentos de tragédia moral na vida de ambos.
Zacarias morreu.

Para os dois, a vida tinha-se transformado em um campo sem luzes que o clareassem.
Depois do sepultamento singelo, os dois herdeiros da tradição apostólica vivida por Zacarias puseram-se a conversar sobre aquela estranha doença e, relembrando os detalhes e as coincidências, não foi difícil a Lucílio e Pilatos imaginar o que, efectivamente, havia acontecido.

A cena em que Zacarias pedia água, a fala mansa e o olhar fixo em Sávio, as últimas palavras de conselho ao soldado que partiria em breve – tudo, agora, se encaixava perfeitamente e, ante a inexplicável morte do apóstolo, ambos concluíram que ele se entregara para salvar a vida do preso, diante da promessa que fizera a Jesus de que o acompanharia por todos os lugares e seria o anteparo protector em todas as ameaças, para que Pilatos nunca se esquecesse de que era muito amado na Terra, apesar de tudo.

A conclusão, corroborada pela imediata partida de Sávio logo no dia seguinte, levara o ex-governador ao máximo da vergonha de si mesmo.
Como era possível que aquele velhinho perdesse a própria vida para salvar a dele, uma víbora merecidamente encarcerada?
Que amor seria aquele, tão poderoso e tão altivo para enfrentar a própria morte e arriscar-se corajosamente por um simples condenado?

O preso não conseguiria mais viver em pleno equilíbrio de suas emoções, pois assumira para si não só a culpa pelo ocorrido com Jesus, mas via-se como a maldição que transformava em morte tudo o que tocava, qual a figura mitológica de Midas, cujo toque alterava em ouro todas as coisas que manipulava.
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Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 8 Empty Re: Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Qui maio 22, 2014 9:21 am

Todos queriam envenená-lo, mas a morte não o queria, tão maldito ele era.
Passara a permitir que a ideia autodestrutiva o envolvesse, dando espaço mental para a perseguição que suas vítimas e comparsas invisíveis, entre os quais Sulpício Tarquínius, lhe infligiam, mas que a presença de Zacarias sabia evitar, por elevar o padrão dos seus sentimentos e pensamentos.

Agora, estava entregue a si mesmo, com a agravante de culpar-se também pelo sacrifício do velho e amado sapateiro.
Pouco mais de um mês após a morte de Zacarias, a chegada de Sávio a Roma produziu uma grande alegria no espírito de Fúlvia, já muito preocupada com a ausência de notícias e com a impossibilidade de escrever pedindo informações seguras.

Recebendo o amante entre os braços acolhedores e sendo informada do envenenamento de Pilatos, na mentira engendrada para não cair em desgraça aos olhos da mulher amada, cobrou-lhe Sávio o ambicionado pagamento, o prémio carnal a que dissera ter feito jus, no que foi plenamente recompensado pelo espírito aventureiro daquela mulher.

Depois da noite de prazeres, a manhã surgiu aos amantes, com a mulher, envolta nos mantos do leito, propondo um brinde ao seu César pessoal, como a súbdita mais agradecida e fiel.

Enceguecido pela paixão e pelo orgulho de homem tolo, não percebeu que o vinho era o veículo de um outro veneno, este rápido e brutal, a propiciar que, em breves horas, Sávio fosse expulso do corpo.

Enquanto presenciava os últimos esgares, Fúlvia, indiferente, falava para si mesmo:
– Para que prestam estes homens, senão para nos servir aos caprichos e, depois, serem descartados?!

E sem qualquer consideração pela agonia daquela criatura tola e ingénua que se deixara iludir por suas propostas de ventura e prazer, dizia-lhe friamente:
– Sávio, é uma pena perder um excelente amante, mas estou lhe concedendo o que, efectivamente, lhe prometi.
Você recebeu a homenagem que muitos Césares e homens importantes receberam.
Aproveite e desfrute dessa honra, pelo menos na morte, meu César.

Falando assim, deixou o local sub-repticiamente, para que não fosse vista por ninguém, depois de apagar as provas daquele encontro clandestino no qual fizera calar a única testemunha de seu plano maldito, sem saber, ainda, que Pilatos estava vivo, apesar de tudo.

E Sávio, nos estertores da agonia, não deixou de se lembrar da figura de Zacarias, sua vítima, parecendo ouvir-lhe o conselho que, um mês antes, recebera, profético:
– Todo aquele que com ferro fere, com ferro será ferido... com a mesma medida que julgares, serás julgado...
Estas palavras lhe eram impostas pela consciência ao contacto da presença espiritual que lhe envolvia a alma naqueles momentos de despedidas da vida.

Naquela sala onde os prazeres carnais eram substituídos, agora, pela agonia da morte, o ambiente espiritual se transformara e os braços veneráveis de uma entidade luminosa ali estavam para ajudar o jovem e iludido filho de Deus que se permitiu perder-se nas teias da paixão até o ponto de se transformar em vítima dela mesma.

Tais vibrações de Amor se elevavam aos céus na forma de sentida oração partindo do coração da entidade luminosa que ali se postava, como a suplicar a Jesus que lhe autorizasse amparar aquele irmão.

E no silêncio respeitoso que se seguiu, as outras almas que o acompanhavam puderam escutar na acústica de seus espíritos, a resposta de Jesus que lhes chegava na forma de cântico suave, nas vozes angelicais de espíritos mensageiros que diziam:
– O Amor te autoriza a amparar os caídos, por amor ao teu amor, Zacarias.

Sim, era Zacarias que ali recebia o espírito de seu assassino para encaminhá-lo ao reerguimento no caminho do bem.
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Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 8 Empty Re: Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Qui maio 22, 2014 9:21 am

40 - O Amor Jamais Te Esquece

Enquanto no ambiente planetário os homens viviam o ano 38 da era cristã, na atmosfera espiritual dos planos elevados que circundam a Terra, desenrolava-se a cena emocionante.

A esta época, o velho e cansado imperador Tibério já havia sido assassinado pelo amante de seu sobrinho-neto Caio, o desequilibrado e desumano rapaz também conhecido por Calígula, que o sucederia, para o desespero dos romanos.

Zacarias, no plano espiritual, seguia buscando amparar as criaturas que se haviam ligado ao seu coração, desde Simão e Josué até os discípulos que ficaram em Jerusalém, procurando suportar as perseguições que se haviam iniciado com a violência do fanatismo de Saulo de Tarso no assassinato de Estêvão.

O peso da angústia dentre os herdeiros do Mestre era compartilhado por estas almas que já haviam dado o testemunho da própria fé, aceitando o cálice de veneno ou a pedrada desumana por Amor à obra de Deus.

Os demais, igualmente, eram visitados por Zacarias em Nazaré.
Ali haviam ficado o velhinho Caleb, afeiçoado a Judite, como sua filha do coração, e ambos mantinham, valorosamente, o trabalho de atendimento aos sofridos deserdados da esperança, devolvendo-a a cada um deles na forma de carinhosa acolhida.

Ao lado deles, Saul, que adoptara o nome de Natanael, transformado no mais profundo de sua alma, se congregara, emprestando sua vitalidade na edificação de mais choupaninhas no terreno, para acolher os doentes.

Judite, refeita pelo trabalho e pelo afecto, sem esquecer o Amor de Zacarias, dedicara-se a visitar o prostíbulo onde irmãs de desespero e infortúnio, um dia, a acolheram.
O espírito de Zacarias sempre procurava ampará-la, envolvendo-a com forças e com inspirações que pudessem tocar o coração das infelizes criaturas, vitimadas pela ilusão ou pela necessidade.

Já havia, a esse tempo, mais duas mulheres que haviam abandonado o caminho tortuoso do comércio dos sentidos e se transferido para a pequena herdade rural em que Judite estabelecia o seu pouso de afecto.

Moravam em uma das casinhas que Natanael havia construído com todo o zelo para abrigá-las.
A estrada das três pedras, onde se erguia a modesta pousada, era a porta da esperança de muitos infelizes da região e, pela força do Amor dos que a mantinham, ali se realizaram inúmeros prodígios e curas, amparados pelas mãos directas do Divino Mestre.

Cléofas, o jovem ex-companheiro de Judite, transformado no verdadeiro e desassombrado cristão pela força do exemplo de Zacarias e pelo muito que se sentia devedor de sua bondade e dos ensinamentos de Jesus, acrescentara ao seu um novo nome, tornando-se João de Cléofas, um pregador corajoso e humano, inspirado directamente pela força amorosa de Zacarias que, pela vontade de seguir os seus passos de viandante, escolhera partir para levar a palavra até os mais distantes rincões da Palestina, enfrentando todo o tipo de dificuldade e sofrimento para falar de Jesus aos corações angustiados.

Apesar de não haver recebido mais notícias de seu tutor espiritual – o amado Zacarias –, João de Cléofas sentia a sua presença em espírito e trazia no âmago de seu ser a certeza de que, em nome da Verdade e do Amor que o Evangelho semeara no mundo, ele havia se sacrificado e se encontrava no mundo invisível.

Essa sintonia espiritual entre ambos se tornara ainda maior e seus espíritos estariam vinculados no caminho de Jesus para sempre.
Zacarias, ao mesmo tempo, era o inspirador do primeiro núcleo cristão de Roma, que subsistira à sua morte graças à acção vigorosa de Lucílio que, regressando à capital imperial, deixou a vida militar para dedicar-se ao estudo e à continuidade da tarefa que Zacarias deixara interrompida com a sua morte.

Guardava como relíquia daquele velhinho de barbas longas e olhos brilhantes os apetrechos humildes de sapateiro, com os quais, agora, procurava ganhar a vida por sua vez, tornando-se também um artesão, como o seu amigo que morrera envenenado, enquanto aproveitava as horas vazias para difundir a palavra de Jesus aos famintos de novas alegrias espirituais na velha cidade de tantas perversões.

O núcleo, na estalagem de Jonas, se mantinha graças à presença amiga de Lucílio, que liderava as reuniões com espírito de bondade e cortesia, falando de Jesus e de Zacarias como o precursor que abrira os caminhos na jornada difícil de desbravar o terreno virgem.

Fúlvia seguia com seus desatinos e fraquezas, infelicitando a vida de outras pessoas e corrompendo a própria filha com os seus conceitos morais inferiores, já que ambas apresentavam as mesmas falhas de carácter e sintonizavam com a inspiração da maldade.

Públio e Lívia, vitimados pelos desencontros produzidos no espírito orgulhoso e invigilante do senador pelas calúnias de Fúlvia, seguiam suas vidas na Galileia, de onde só sairiam vários anos depois, quando se extinguissem as esperanças de regresso do filho Marcos e tivessem de voltar a Roma por ocasião da agonia de seu grande amigo Flamínio Severus.

E no plano superior, onde as luzes indescritíveis banham todas as coisas como se as mais singelas estruturas tivessem alma própria e luminosa, encontramos o colóquio de duas almas, Mestre e discípulo, que se entendiam na linguagem do Amor.

– Zacarias, meu filho querido, solicitei a tua vinda, pois necessito pedir-te algo.
No entanto, tuas orações têm chegado até mim, partidas de tuas andanças pela Terra e, por isso, antes que te peça, gostaria de ouvir-te.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui maio 22, 2014 9:21 am

Sempre emocionado por tanta humildade naquele ser angelical e inigualável, Zacarias ajoelhou-se diante dele e respondeu:
– Meu amado Senhor, salvação de minha alma viciosa e pequenina, atendendo aos vossos pedidos do passado, que serão sempre determinações imperativas para meu espírito e antes de qualquer coisa, agradeço-vos a oportunidade que me dais de poder revelar-me diante de vosso coração.

Segui nosso irmão Pilatos por todas as partes, até que a desgraça se abatesse por sobre sua vida e o reduzisse à sua real condição de espírito fragilizado pelas escolhas erradas.

Ocorre, meu Senhor, fosse pelos meus erros em inspirar coragem a Pilatos quando estava ao seu lado, no corpo físico, ou pelas deficiências de minha capacidade em ajudá-lo com minhas intuições como um espírito que ainda o amparava no exílio, o certo é que, agora, se ergue para mim a barreira que me impede de aproximar-me dele.

Há poucos dias, não consegui impedir que nosso irmão Pilatos tirasse a própria vida, cometendo o mais errado de todos os erros.
Ao falar assim, Zacarias deixara rolar pelo rosto lágrimas de vergonha ante aquilo que julgava ser sua incapacidade, lágrimas que penetravam a longa barba que mantinha no mundo espiritual, lembrando-se de sua estada na Terra, ao tempo da chegada do Messias.

Mantendo a serenidade, mas sem esconder a sua amargura, que era proveniente do sentimento de derrota moral diante daquele pedido que Jesus lhe fizera outrora, como se estivesse ali para prestar contas de sua falha na árdua tarefa de proteger e amparar aquele homem terreno, Zacarias continuou:
– Assim, meu senhor, considero o erro de Pôncio como meu próprio erro na execução de vosso encargo de protegê-lo e, se é verdade que se levantam poderosos factores atenuantes de tal conduta suicida, como a insensatez, a fraqueza de seus ideais cristãos, ainda nascentes, a vergonha de si mesmo e a rudeza da prova, nenhum deles me atenua a consciência culpada por não ter sido capaz de evitar o ato ensandecido com que Pilatos pensou fugir da vida.

A auto-agressão era, na sua cabeça, a única ideia que poderia diminuir-lhe a culpa pelo seu papel na experiência da carne, notadamente no drama do calvário.
No entanto, as leis de Deus me impedem de acercar-me dele tanto como gostaria, agora em que deverá permanecer exposto às consequências de seus actos insensatos.

Jesus olhava aquele irmão que se postara diante dele com tanta humildade e se culpava pelo erro dos outros e, da mesma maneira que os de Zacarias, os olhos do Cristo brilhavam como duas estrelas do firmamento espiritual.

Afagando os cabelos de Zacarias, o Mestre incentivou-o a que continuasse.
– Por isso, Jesus, eu tenho rezado para que o vosso coração me perdoe por não ter conseguido estar à altura da tarefa que me fora solicitada, apesar de todo o meu desejo de cumpri-la fielmente.
No entanto, apesar da minha miséria pessoal e, também por causa dela, preciso limpar esta nódoa de minha alma, tornando-me digno de vossa confiança novamente.

Por isso, venho até a vossa presença também para pedir.
Peço-vos que me permita continuar seguindo Pilatos, mesmo nos umbrais da escuridão onde se projectou pelo acto tresloucado do suicídio, a fim de que, quando se apresentar a ocasião de seu amadurecimento pelo sofrimento que produziu para si mesmo, eu possa recolhê-lo em meus braços e refazer os meus erros com relação a ele para, finalmente, reconduzi-lo ao vosso rebanho.

Eu, que não fui competente na primeira oportunidade, peço-vos a segunda chance para corrigir minhas deficiências.

Zacarias não conseguia mais falar.
Sua voz estava selada pela emoção daquele pedido, pois, agora, era o amor que sentia por Pilatos que lhe ditava o desejo de estar ao seu lado, como o pai que pede pelo filho desditoso.

Ouvindo-lhe o pedido, Jesus abaixou-se para reerguer o irmão de lutas com carinhoso acento de ventura nos gestos fraternos.
Zacarias, de pé, sentia o carinho com que Jesus segurava suas mãos e olhava em seus olhos.

– Filho amado, sei do destino de nosso irmão e, por todo o sacrifício que fizeste, considero plenamente cumprida a tua tarefa junto dele, com louvores dignos daquele que é fiel até o fim. Sinto em mim o gosto do veneno que vitimou o teu corpo, no supremo sacrifício para que Pilatos não morresse.
Nada tens que te inculpe de negligência, Zacarias.

E falando com mais ternura ainda, como se isso pudesse ser possível àquele ser que era a ternura por excelência, Jesus volta a lhe dirigir a palavra, depois de breve pausa:
– Não vejo motivo para que te prendas a este irmão que, por suas próprias escolhas, precisa seguir a sua estrada de espinhos.
Já sofreste muito ao seu lado, Zacarias.

Renúncias, humilhações, frio, fome, privações, todas elas suportadas com estoicismo e coragem, fé e devotamento.
Reconheço que o teu desejo de seguir os passos trevosos de nosso irmão imaturo é reflexo de tua nobreza espiritual.
Todavia, há outros trabalhos que te esperam, Zacarias.

E perscrutando com o olhar penetrante a alma de Zacarias que lhe ouvia, em silêncio, as palavras, mas que, apesar delas, pelo pensamento ainda solicitava lhe fosse concedida a oportunidade de amparar o suicida, não importava quanto tempo isso consumisse para a sua trajectória de espírito, Jesus observara, no mais profundo sentimento de seu discípulo, que Zacarias não desistira do seu pedido.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui maio 22, 2014 9:22 am

Olhando-o com muito afecto, o Senhor volta a lhe indagar, amoroso:
– Mesmo quando te digo que já cumpriste a tarefa junto dele e te libero para outras coisas mais nobres do que cuidar desse irmão perdido, ainda assim permaneces com tal rogativa, Zacarias?
Sabendo que a indagação era derivada do conhecimento íntimo que o Mestre tinha dele mesmo, Zacarias não tinha como negar, e respondeu:
– Desculpai-me a insolência, Senhor, mas ainda ouso recorrer à vossa misericórdia tanto em favor de Pilatos como em favor de mim mesmo, servo inútil que sou.
Por isso, insisto no meu pedido como a única maneira de perdoar-me a falha.

E entendendo o sentimento de Amor que Zacarias carregava em seu peito, Jesus abraçou o discípulo valoroso e respondeu:
– Filho querido, O AMOR GOVERNA A VIDA.
E EM TI, ZACARIAS, ELE É GRANDE DEMAIS PARA SER CONTRARIADO, MEU FILHO.
Por isso, te concedo o que me pedes, novamente, POR AMOR AO TEU AMOR.

Uma onda de gratidão tomou conta de Zacarias que, agora, beijava as mãos do generoso Senhor e lhe dizia:
– O que há de bom em meu ser, Jesus, é apenas a pobre tentativa de reproduzir em mim o que vislumbrei em vós.

E vendo que a entrevista se encaminhava para o seu término, Zacarias lembrou-se que houvera sido chamado pelo Cristo para lá estar, em face de um pedido pessoal que o Mestre também precisava fazer-lhe.

Por isso, antes de despedir-se para dar seguimento às suas tarefas múltiplas, entre as quais, agora, estabelecera a continuidade do amparo a Pilatos, Zacarias voltou-se para o Mestre e disse, reticente:
– Senhor, vossa bondade me convocou aqui para solicitar-me algo e, falando de mim mesmo e de meus problemas, tomei o vosso tempo com minhas coisas e não permiti que o pedido que tínheis fosse feito.

Olhando-o com os olhos carinhosos que admiram a pureza no coração como que se relembrasse das lições que deixara no passado, quando exortara os homens a serem puros como uma criança a fim de que pudessem entrar no reino dos céus, Jesus, sorrindo e sem esconder, agora, duas lágrimas que lhe escorriam dos olhos faiscantes, respondeu a Zacarias:
– Não te incomodes, Zacarias, vai e serve como desejas.
O que ia te pedir era, exactamente, a mesma coisa que me pediste.

Assim, leitor querido, que nunca lhe falte a certeza de que o “AMOR JAMAIS TE ESQUECE”, por mais duras e difíceis possam parecer as suas provas e dificuldades.

Em nenhum momento o Criador está tão ocupado que não sinta o que você sente e não trabalhe para que sua dor se transforme em remédio para seu espírito.

Aprenda a submeter-se serenamente a todas as adversidades que desafiam a sua alma, sem revolta. Lute sem desânimo, mas aceite os reveses sem rebeldia.

O Amor está ao seu lado e, se parece que isso não é verdade, é apenas porque nós fazemos muito barulho interior e não o escutamos.

Barulho com nossas reclamações, com nossas lamúrias, com nossa autopiedade, com nossas amarguras guardadas no cofre do coração, como se ali fosse lugar de estocar lixo emocional.

Silencie o seu tormento lamurioso e confie-se à prece serena e humilde.
Na harmonia que se seguir, poderá identificar a força do Amor que o envolve, porque você não é uma criatura sem importância na Terra.

É um convite que Deus oferece aos homens desesperados para que voltem à casa do Pai, através dos actos generosos, de carinhosas palavras, de compreensão e tolerância que você exemplificar.

Se nossos erros do passado ou do presente nos fazem parecer Pilatos, lembremo-nos de que o futuro nos espera a transformação em um Zacarias.

Por isso, do mesmo modo que você não deve olvidar que “O AMOR JAMAIS TE ESQUECE”, também deve se lembrar disso:
“JESUS TE CONHECE PELO NOME.
E PRECISA MUITO DE TI”.


“Brilhe Vossa Luz,
Muita Paz!”


Para você, com muito carinho,
Lucius! (18/02/2003)

Não deixe de ler a continuação desta história nos livros A FORÇA DA BONDADE e SOB AS MÃOS DA MISERICÓRDIA.

§.§.§- O-canto-da-ave
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