LUZ ESPÍRITA
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Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

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Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 6 Empty Re: Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 18, 2014 9:41 am

A opinião de Públio era ainda mais dolorosa para Pilatos, pois se o senador lhe revelasse qualquer deslize daquele réu, facilmente se livraria dele mandando entregá-lo à turba insana.
No entanto, o representante de Tibério falava da inocência do réu, o que tornava ainda mais complicadas as coisas.

– Senhor, a plebe está revoltada e pede a decisão, desejando invadir o palácio se tardar qualquer deliberação – alertou um centurião que entrava na sala, vindo do exterior.
– Mas que absurdo – gritou Pilatos furibundo – como é que este povo vive à maneira dos animais, sem respeito pela lei, pelos direitos.

Importante ressaltar que, nessa altura dos acontecimentos, nenhum dos homens de Estado que ali se reuniam tinha a menor ideia da possibilidade de os factos se desdobrarem até chegar à morte do prisioneiro.

A pressão externa continuava aumentando com a influência oculta dos sacerdotes e fariseus influentes e, diante da turba, Pilatos se recordara das limitadas forças que estavam à disposição naquele período.

Não poderia garantir-se contra a plebe tresloucada com o punhado de soldados que lhe estavam submetidos nesse momento e, deste modo, não poderia dar-se ao luxo de expor a vida dos próprios romanos a quem deveria proteger com a sua própria.

O seu ajudante militar que o viera avisar sobre o estado do povo, então, lhe sugeriu a pena dos açoites para que a sanha sanguinária do povo fosse aplacada, eis que tal sentimento popular, muitas vezes se vê contentado com uma flagelação pública, atenuando-lhe a violência instintiva.

Reconhecendo-lhe razão nesse desiderato, eis que Pilatos sabia por experiência que os judeus eram criaturas temperamentais ao extremo e que uma punição pública poderia aplacar-lhes o desejo de matar Jesus, foi autorizado o flagício do Mestre.

No entanto, tal medida apenas produziu o efeito de alvoroçar a multidão, eis pois que estava ela dominada pelos cordões invisíveis dos fariseus e sacerdotes que, sabendo que aquilo era um artifício de Pilatos para poupar a vida de Jesus, mais moedas fizeram correr nas mãos da plebe que se avolumava à porta do palácio e que, a estas alturas, já estava percebendo que, quanto mais demonstrassem revolta, mais moedas lhes chegariam às mãos.

Não importava se havia lei ou se havia culpa.
Bastava acompanhar os gritos dos mais exaltados – os agentes dos fariseus e sacerdotes plantados no meio do povo – e eram recompensados ali mesmo, de maneira que a competição por melhor desempenho fazia com que os participantes daquele triste quadro mais e mais demonstrassem sua violência e sua insanidade.

Por isso, de nada adiantou a tentativa de se evitar a morte.

– Senhor, os flagelos terminaram, mas a plebe está mais e mais irritada, pedindo a condenação à morte desse homem.
– E ele, nada diz, não reage, não se defende?
– Senhor, eu nunca vi um prisioneiro tão resignado como este.
Sofre tudo calado e não demonstra a mínima irritação ou contrariedade.
Falou-me em um momento de breve serenidade, que se desejasse, poderia pedir ao seu Pai e ele enviaria legiões de anjos que fulminariam a cidade e as criaturas.
Todavia, deveria enfrentar o que estava deliberado para ele a fim de se cumprirem os desejos Daquele que o enviara.

Lá fora, o povo gritava, uivava, espumava irado, levantando suspeitas contra a integridade de Pilatos, dizendo-se partidário do próprio réu.
Alguém se lembrou de que naquele período de festas era costume oferecer-se à compaixão pública a liberdade de um preso, como demonstração da condescendência do governante.

Isso aliviou um pouco o peso sobre a consciência de Pilatos, eis que se recordara encontrar-se detido um perigoso e violento malfeitor, aterrorizador de muitos lares humildes com seus modos violentos, havendo abusado sexualmente de mulheres inocentes, roubado moradias e ferido pessoas de maneira dura e indiferente.

Barrabás era um dos mais procurados meliantes daquele período em Jerusalém, eis que suas maneiras grosseiras e sua força física tornavam-no uma ameaça constante à tranquilidade dos seus moradores.

Inúmeras vezes os sacerdotes haviam procurado por Pilatos a fim de solicitar-lhe o apoio para a prisão desse bandido, pedindo o seu empenho para que a paz no seio da família judaica de Jerusalém fosse restabelecida.

Assim, o governador sabia que a multidão teria muito receio de se ver novamente nas mãos desse criminoso e, não lhes restaria outra opção lógica senão a de escolher dar a liberdade a Jesus ao invés de libertar Barrabás.

E para sua estarrecedora surpresa, ao ser colocada ao povo a possibilidade de se libertar um dentre os prisioneiros, a unanimidade bulhenta passou a advogar a libertação do bandido e a condenação do Justo.

Isso era demais para Pilatos.
Havia como que um hipnotismo colectivo que embotava o raciocínio dos mais hábeis estrategistas, como se uma inexorável força conduzisse todas as coisas para aquele desfecho trágico.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 18, 2014 9:41 am

Em nenhum momento, os dois homens, governantes romanos, se lembraram do desejo de Tibério em receber maiores informações de Jesus a fim de entregar-se ao Mestre para ver sanadas suas dores.
Voltou-se para o interior e solicitou a opinião do senador que, fundamente impressionado, também se vira aturdido com a lógica da plebe ensandecida.

– Reconheço, governador, que tudo se tentou no sentido de evitar-se a morte do réu.
Nossos códigos não se coadunam com conduta dessa natureza, que mata sumariamente, sem processos avaliatórios nem defesa que garanta o direito de ser julgado com imparcialidade.

Por mim mesmo, se me coubesse tomar alguma atitude na condição de governador deste aglomerado de bárbaros, me sentiria tentado a dispersá-los à pata de cavalo, conforme nossas técnicas romanas de lidar com o povo.

No entanto, não me assiste o direito de invadir a seara de decisões que cabe ao governo nomeado por Roma e que conhece os meandros de todas as questões aqui concentradas.
Por isso, me abstenho de opinar, não sem antes reconhecer que, por sua parte, tudo se tentou para modificar o destino desse homem que me parece inocente de qualquer culpa.

A opinião de Públio lhe caíra como um gole de água fria na garganta seca e fumegante.
Naquele momento, as pressões de todos os lados só faziam com que sua personalidade e seu carácter frouxo acabassem por ceder aos golpes da insânia.

Por isso, a única dificuldade que sentia era a de explicar-se diante de Públio, já que ali não se estava garantindo ao réu nenhum de seus direitos mais singelos, o que poderia ser interpretado como fraqueza de comando.

Agora, reconhecido como tendo feito o que estava ao seu alcance em favor do condenado, ou acreditando que já havia feito o que podia por ele, à vista dos circundantes, adoptou a postura pública de lavar as mãos, como se estivesse se livrando das responsabilidades e a atirando sobre as almas que gritavam estentóricas:
– Crucificai-o! Crucificai-o! Crucificai-o!

Estava selado o destino do Mestre, solitário, abandonado pelos homens que o seguiam, perseguido pelos outros que o temiam, abandonado pelo rei humano que poderia defendê-lo, ignorado pelos poderes políticos que poderiam garantir-lhe a defesa da vida e da integridade, mas que se vergavam aos interesses insanos que trovejavam naquilo que parecia o desejo da maioria.

Devolvido aos sacerdotes e fariseus que advogavam aquele desfecho, iniciou-se a trágica caminhada até o local onde se executaria a sentença.

– Senhora, Senhora, Jesus está a caminho da crucificação! – exclamava aflita a jovem Ana aos ouvidos atónitos de Lívia que, assustada, se impressionava com a rápida execução, absolutamente sumária, daquele a quem tanto ela devia.

Atendendo ao apelo de sua serva e ao de seu próprio coração, apesar de não contar com a autorização do marido que se ausentara logo pela manhã, Lívia deliberou ir até o governador solicitar a sua protecção ao inocente que estava sendo levado para a morte.

Vestiu-se como uma simples mulher galileia para não comprometer o marido com a sua identificação ostensiva e dirigiu-se, apressada, até o palácio.
Chegando à porta, foi reconhecida por Sulpício, o lictor astucioso, que imaginava que a mulher mantinha um caso amoroso com o seu senhor.

Não o convenceu o pedido que Lívia lhe fazia para falar ao governador privadamente, a fim de solicitar a sua intercessão por Jesus.

– Que Jesus, que nada.
Essa aí está mesmo é desejando cair nos braços do governador, valendo-se de uma boa desculpa para vir até aqui, isso sim – pensou o servidor fiel de Pilatos.

No entanto, sendo cúmplice de Pilatos em todas as suas escapadas e licenciosidades, ao mesmo tempo em que sabia do interesse deste por aquela mulher, com quem imaginava já possuir um envolvimento físico, Sulpício encaminhou Lívia aos aposentos íntimos do governador, nos quais ele se permitia a licenciosidade costumeira, longe das vistas dos outros, na discrição hipócrita com que muitos poderosos procuram manter as aparências externas para poderem continuar a viver suas devassidões íntimas.

O local era, do ponto de vista vibratório, repugnante ao espírito desprevenido, como o de Lívia.
Ela sabia das intenções de Pilatos a seu respeito, mas a premência do momento e a elevação dos motivos que se lhe apresentavam, justificava expor-se para pedir a complacência do lobo para com o cordeiro.

Informado por seu ajudante e cúmplice, Pilatos pede licença aos seus convidados e se afasta na direcção daquele tugúrio de baixeza, a caminho da mulher tão desejada.
No entanto, quando da chegada de Lívia ao palácio, olhos venenosos igualmente identificaram o seu perfil de nobreza nas vestes simples de galileia.

Ao ser conduzida por Sulpício, Fúlvia, que lá estava, pôde divisar a figura da esposa de Públio naquele local que ela própria frequentava com assiduidade, o que a feriu profundamente nos ciúmes femininos, deliberando, assim, colocar o senador diante da prova do crime moral que ela houvera denunciado tempos atrás.

Tão logo Pilatos retirou-se para o colóquio privado, Fúlvia procurou Públio e revelou-lhe a presença de Lívia na alcova do governador, com a expressão indignada de quem se revolta pela prática da prevaricação na casa e com a presença da esposa de seu cunhado, sua própria irmã Cláudia.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 18, 2014 9:42 am

Isso foi uma bomba na mente de Públio, já aquecida pelas decisões daqueles momentos anteriores.
Demonstrando sua descrença, Fúlvia se ofereceu para levá-lo até o local, no interior da vivenda luxuosa, o que não foi aceito por Públio, fiel cultor da tradição de discrição e de não invasão do lar alheio.

Então, Fúlvia puxou-lhe o braço e o conduziu à janela que permitia observar a saída dos referidos aposentos, de onde, afirmou ela, a esposa do senador sairia a qualquer momento.
Lá dentro, Lívia se via perigosamente envolvida pela astúcia sedutora do homem decidido a conquistá-la e não lhe foi suficiente expor-lhe o motivo de sua ida até ali.

Jesus pedia amparo através de sua palavra sofrida e ansiosa.
Pilatos escutou-a embevecido por sua beleza, ainda mais realçada pelos trajes modestos de que se valia naquela hora.
Já não podia fazer mais nada por Jesus, conforme explicou a Lívia, mas ousadamente, revelou-se em seu ímpeto de homem, quase desequilibrado pelas vibrações do ambiente, tomando as mãos de Lívia entre as suas e pedindo-lhe que aceitasse o seu afecto apaixonado.

Repelindo a sua investida covarde e arrogante, Lívia buscou forças em seu mais vasto reservatório de fé e austeridade para chamá-lo à realidade de sua condição, como homem que devia respeito a ela por ser esposa de um enviado de Tibério, ao mesmo tempo em que deveria respeitá-la igualmente por dever de cavalheirismo de acordo com a tradição dos próprios romanos.

A recusa de Lívia era uma forte resistência e a sua condição de importância representava um outro forte argumento para que Pilatos levasse em conta na hora de perder todo o controle.

Refazendo-se de sua postura aviltante na presença daquela mulher que se opunha determinadamente à concretização de seus mais baixos instintos – o que não estava acostumado a encontrar no comportamento feminino que o rodeava – o governador procurou retomar o controlo da situação, como quem é pego cometendo algum deslize e tenta arrumar uma desculpa para justificar-se.

Vendo-lhe a miséria moral e a fraqueza de carácter, Lívia deixou o ambiente entorpecedor daquela alcova e, aturdida pelo esforço que fizera, buscara a saída dali, sem saber que o olhar do marido, do alto, fitava-a, admirado e condenador.

Aquela cena de sua mulher saindo dos escritórios privados do governador para onde fora sem a sua autorização e, ainda mais, vestindo-se de maneira a disfarçar a sua posição, como que a se ocultar para cometer melhor o deslize, produziu o efeito cáustico mais doloroso em sua alma que qualquer outra coisa houvera até ali realizado.

Fúlvia, exultante, se via vingada daquilo que considerava arrogância da oponente, que tentava subtrair-lhe o amante diante de suas próprias vistas.
Desconcertado e confuso, Públio retornou à sala principal, desculpou-se com os presentes e, alegando compromissos pessoais, retornou ao lar onde se isolou para as deliberações tristes daquela hora em que a imaturidade, o ciúme cego, a maledicência e a invigilância se haviam combinado para amargar os destinos daquelas pessoas.

Lívia chegara em casa antes do marido, enquanto Ana e Simeão, que a esperavam na rua, se dirigiram para o Gólgota para testemunhar os últimos lances daquela tragédia.

Escutara-lhe a entrada estrepitosa e o seu encerramento no gabinete de trabalho, onde permanecera por longas horas.
Por sua vez, buscara a janela de seu quarto de onde podia ver, ao longe, as cruzes contra o céu e as pessoas que se acercavam da área da crucificação.

Erguera a prece emocionada, pedindo ao Pai por aquele que lhe modificara o destino para sempre.
Naquele dia, novamente, o destino modificaria seu curso e, sem entender o motivo verdadeiro, recebera do marido a condenação a uma vida de afastamento definitivo dentro do lar, perdendo a ascendência sobre a filha, que ficaria sob a tutela directa e exclusiva do pai, sendo aceita na casa quase que na mesma condição de simples serva.

A ira de Públio se manifestava na sentença cruel e, como a de Jesus, sem qualquer direito de defesa por parte daquela que, segundo os seus olhos maliciosos e ingénuos, efectivamente o tinha traído no que ele possuía de mais sagrado.

Por outro lado, Judas se vira traído em todos os seus desejos e anseios humanos.

Acreditando estar dando início a um processo de libertação política, seu acto infiel desejava produzir o começo do movimento libertário, através de um risco calculado que não levou em conta a astúcia dos judeus que o usaram para atingir seus objectivos.

Nunca desejara que aquilo acontecesse a Jesus, pelo que se deixara convencer de que o Mestre seria libertado pelo anseio popular de tê-lo à frente da revolução, forçando os próprios sacerdotes a garantir-lhe a vida.

No entanto, nada disso acontecera e, à vista de todos e dele próprio, tornara-se o vilão maior dessa história, onde se apresentaram os elementos mais vis, tão ao gosto da sanha popularesca.

Não conseguiu avistar-se com os sacerdotes com quem havia negociado a entrega de Jesus para reclamar que os mesmos não estavam cumprindo a sua parte no acerto que haviam combinado.

Quando o conseguiu, Jesus já estava sendo levado para a crucificação e, ironicamente, escutou que a culpa da pena capital deveria ser atribuída ao governo romano, eis que eles haviam tentado evitar que a morte ocorresse, conforme haviam combinado.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 18, 2014 9:42 am

Mentira da mais grosseira, que Judas sabia estar sendo dita como se fosse a mais absoluta realidade.

Tomado de vergonha e vendo-se culpado pelos seus actos nocivos que, na sua visão, haviam frustrado todo o desejo de liberdade que a figura de Jesus representava, o apóstolo, caído moralmente, atirou as moedas no templo, como se estivesse devolvendo a parte que lhe cabia naquele trato e acusando os saduceus e fariseus de terem traído os anseios da raça e a própria palavra e, depois, acreditando ser essa a única e pior punição para a sua vergonha pessoal, pendurou-se numa árvore, tirando a própria vida.

Ao pé da cruz, amontoam-se os curiosos, ao lado de piedosas mulheres, crianças e velhos que presenciam a agonia de Jesus.

A maioria de seus seguidores se ausenta nestas horas tristes, amedrontados com os fatos e temendo a reacção das pessoas que confiavam neles, por causa da traição de Judas.

Tendo partido de um dos integrantes mais chegados do colégio apostolar, os outros discípulos temiam que o ódio do público se voltasse contra os demais como forma de vingarem neles o ultraje recebido pelo Mestre.

Isso mantinha a maioria dos que eram vistos ao lado de Jesus à distância de seu testemunho doloroso.
Josué e Zacarias, bem como alguns outros homens que estavam circundando Jesus nos últimos tempos, não tinham a popularidade dos doze apóstolos e, por isso, se mesclavam na multidão sem o problema de serem eventualmente reconhecidos como seguidores do Messias.

Assim, Zacarias pôde acompanhar ao lado do amigo os momentos mais dolorosos de sua vida, testemunhando a resignação e a coragem de que se revestia o Mestre na hora do testemunho final.

A turba amotinada se tinha afastado, em busca de mais moedas que lhe haviam sido prometidas pelos sacerdotes para depois de consumada a crucificação.

Ficaram apenas os sinceros devotos, os seguidores humildes, os que se haviam beneficiado de sua bondade e eram gratos.
Os curiosos também se mantinham a postos, deixando-se tocar por aquele exemplo de altivez silenciosa e frágil que, em momento algum blasfemava como era tão comum ocorrer nas horas de dificuldade.

Zacarias se conectava magneticamente com Jesus e, diante dos factos daquelas horas que haviam antecipado aquele trágico desfecho, entendera o que o Mestre houvera querido dizer quando lhe pediu acudisse o governador, não importava o que ele viesse a realizar.

Na visão dos seguidores de Jesus, o governador fora o responsável pela condenação, já que nada fizera para defender a sua inocência e, além disso, os sacerdotes trataram de espalhar a sua responsabilidade na condenação do Mestre.

A figura de Pilatos passou a ser vista com desprezo por todos os que eram adeptos da Boa Nova, a quem culpavam tanto quanto às autoridades do templo pelo massacre do Enviado de Deus.

Esse era o ambiente que predominava nos espíritos da gente simples e desvalida que, agora, se vira privada da única porta efectiva de esperança que lhe estava aberta.

Zacarias sentia a palavra de Jesus a vibrar-lhe em seu interior mesmo quando o Mestre agonizava na cruz.

Bastava se deixar levar pela indignação dirigida a Pilatos que uma voz secreta e íntima lhe repetia as palavras daquele encontro solitário:
– Não abandoneis o nosso irmão Pilatos...

O coração apertado de Zacarias lutava agora contra o rancor por aquele homem mesquinho e covarde, que nada fizera além de lavar, simbolicamente, as mãos absolvendo-se daquela culpa.

No entanto, Zacarias havia prometido a Jesus e não poderia deixar de cumprir a promessa.
Precisava fazer alguma coisa para que os factos lhe garantissem oportunidade de manter-se em Jerusalém e seguir Pilatos por onde ele caminhasse.

Assim, tão logo Jesus foi considerado morto, sepultado e guardadas as orações costumeiras, já em pleno domingo, Zacarias, acompanhado por Cléofas – que se tornara quase que um servo seu, pela gratidão e respeito com que o considerava depois de tudo o de que fora perdoado pelo velho discípulo – tomou o rumo de Emaús, a cidade na qual o sapateiro ainda possuía alguns bens, incluindo a casa que ficara fechada, e trataria de vender tudo para arrumar recursos a fim de cumprir o prometido a Jesus, já que, agora, com o falecimento do foco luminoso que os mantinha unidos, nenhum dos apóstolos sabia o que seria do movimento iniciado por Jesus.

Era verdade que o mestre havia prometido que voltaria da morte no terceiro dia, mas naquele momento, as dúvidas eram muito maiores do que as crenças na sua promessa efectiva.

Por isso, antes que a tarde do domingo chegasse, eis que encontramos os dois amigos seguindo para a localidade de Emaús, não muito distante de Jerusalém, na qual providenciariam o necessário para o cumprimento da tarefa prometida por Zacarias.

A caminhada era triste e os corações estavam abatidos pelo que haviam presenciado há pouco tempo em Jerusalém.
Algumas expressões de lamento, monossílabos de angústia, lágrimas silenciosas, passos pesados marcavam a jornada até que um viajante desconhecido se lhes interpõe na caminhada e segue com eles, procurando conversar quando os dois desejavam o silêncio.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 18, 2014 9:42 am

– O que é o que os preocupa e que vocês estão tratando de conversar durante a caminhada? – perguntou o peregrino que se ajuntava a eles, vindo também de Jerusalém.

Surpreendidos com tal indagação, interromperam ambos a jornada para se voltarem ao companheiro recém-chegado, perguntando-lhe, admirados:
– Pois que vens de Jerusalém, como nós, e és o único que ignoras o que lá se passou nestes dias?
– Mas o que se passou? – voltou a perguntar o andarilho.

– Ora, meu irmão, a prisão de Jesus, a sua crucificação, por culpa de nossas autoridades com a conivência do governador romano.
E nós esperávamos que ele fosse aquele redentor de Israel, o prometido libertador de nosso povo.
Mas agora, está morto e tudo está acabado.
Ele prometeu que voltaria ao terceiro dia, mas não há nos nossos corações o menor espaço para qualquer esperança – falou Cléofas ao viajante.

Acompanhando-lhes o passo, agora cadenciados pela conversação com aquele estrangeiro, dele escutaram todas as menções das escrituras à ocorrência que vinham de testemunhar em Jerusalém, mostrando que o enviado teria de enfrentar todas estas coisas para demonstrar aos homens a sua grandeza e a sua capacidade de superar todos os obstáculos mais cruéis que existissem.

A conversação se tornara bela com os inúmeros exemplos que faziam com que Zacarias e Cléofas se indagassem de onde havia saído aquele homem tão esperto em coisas divinas, pois nunca o haviam visto acompanhando Jesus pelos caminhos.

Chegados à cidade de Emaús, convidaram o homem a permanecer com eles, abrigados na modesta casinha de Zacarias, que abria suas portas pela primeira vez depois de muitos meses.

Providenciou-se pequeno repasto, improvisando-se a ceia com a provisão pobre que os dois amigos haviam guardado para o alimento durante a caminhada.
Diante de seus olhos que pareciam despertar para uma realidade inexplicável, ambos viram o viajante tomar o pão pobre e dividi-lo dando um pedaço para cada um deles e, acto contínuo, os dois seguidores identificaram que ali estava o próprio Mestre.

E tão logo se deram conta de que aquele que lhes falara durante a viagem não era outro a não ser o próprio Celeste Amigo, eis que a visão do mesmo se desvanece e ambos se vêem sozinhos na pequena sala de refeições, assustados e confundidos.

– Você não sentiu que nossos corações se ardiam e inflamavam diante das argumentações desse misterioso acompanhante? – perguntou Zacarias eufórico.
– Sim, Zacarias, eu também me admirei de seus modos e de suas lições, que me fizeram pensar tratar-se de algum sábio que nós não conhecêssemos.

– Mas era Jesus, Cléofas.
E nós não o conhecemos a não ser agora.
– Que mistério e que maravilha termos estado com aquele que há poucos dias fora trucidado por nossa ignorância.
Ele havia mesmo prometido voltar no terceiro dia.
E é hoje.

E empolgados com o cumprimento da promessa de Jesus e com a sua sobrevivência, da exacta maneira como ele próprio havia prometido, fizeram a viagem de volta a Jerusalém para que pudessem relatar aos outros irmãos os fatos ocorridos com eles.

Lá seriam surpreendidos também por relatos similares e pela devolução da esperança aos seus corações.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 18, 2014 9:43 am

29 - Tragédias que se ampliam

Pouco tempo depois da crucificação, Públio, abatido e desiludido com o rumo que sua vida tomara naquelas paragens e se sentindo traído nos seus mais sagrados sentimentos, regressou com sua família para a cidade de Cafarnaum, desejando afastar-se daquela Jerusalém que lhe pesava na alma como se ela fosse o centro de víboras malditas a envenenar-lhe o destino.

Tão logo regressara à cidade à beira do lago, tratou de escrever ao amigo Flamínio, em Roma, relatando-lhe todos os fatos ocorridos na região naqueles dias, solicitando que os fizesse chegar até o conhecimento de Tibério e, porque também sentisse a aversão natural pela maledicência de Fúlvia, que lhe produzira a mais triste ruptura de sua vida, entre outros motivos, solicitou ao amigo os préstimos para remover seu tio Sálvio juntamente com sua mulher para Roma, a fim de livrar-se de sua presença nefasta para a sua paz íntima.

Do mesmo modo, indignado com a figura que Pilatos representara no drama do Calvário, piorada pela condição de conquistador inescrupuloso, segundo supunha o senador, acreditando na traição da esposa, ampliada pelas inúmeras ocorrências irregulares nos processos administrativos de que já havia se inteirado, prometeu ao amigo que iria aprofundar-se na pesquisa dos tais desmandos a fim de informar com maior riqueza de detalhes ao próprio Senado e ao imperador para que as medidas cabíveis pudessem ser adoptadas para coibir tal prática, indigna de todos os códigos legais civilizados.

Lívia e Ana se apegavam mais ainda, uma à outra, pois à senhora nenhuma outra companhia restara.

No mês seguinte ao seu regresso a Cafarnaum, o senador convocou a esposa para um colóquio privado, informando-lhe que se ausentaria em viagem pela província a fim de dar cumprimento ao processo de averiguação dos desmandos de Pilatos e que esperava dela a conduta correta, apesar dos erros anteriormente cometidos, notadamente a protecção à filha Flávia que, temporariamente deixava sob seus cuidados.

Em uma semana partiria e ficaria ausente por um período longo, durante o qual, além de aliviar as preocupações dando ocupação à mente, também aproveitaria para procurar o filho em outras regiões, ao mesmo tempo em que catalogaria os equívocos de Pilatos na administração pública.

Nenhuma palavra permitiu que Lívia pronunciasse, fosse de aceitação ou de justificativa ante suas acusações directas e sua postura de superioridade e invulnerabilidade.
Fechado em sua carapaça protectora, Públio se afastara totalmente da mulher, a quem só era capaz de manter ao seu lado em face de sua condição de mãe de seus filhos, rompidos todos os outros laços mais íntimos que os uniram no passado.

A partida de Públio fora comunicada a Herodes, que ordenara a sua recepção em Tiberíades, na margem do grande lago, com todas as pompas e cerimónias oficiais.
Tratando de se instalar na localidade, depois de receber as homenagens formais do rei da Galileia, fez conhecer ao povo da região que, como legado do Imperador, ali estava pronto para ouvir as necessidades dos súbditos do Império, ainda que estivessem na condição de província autónoma, com governo próprio.

Conhecendo melhor as necessidades do povo, Roma poderia auxiliar mais a administração local na solução de seus problemas.
Esta alegação fora adoptada por Públio, que não desejava levantar contra si as suspeitas e a ira de Pilatos, o que fatalmente abriria uma guerra perigosa para a própria estabilidade política da província.

No entanto, com essa possibilidade de ouvir as pessoas, estaria próximo dos fatos, conversando com os interessados e escutando-lhes, sigilosamente, as queixas sobre os problemas mais graves que ali pudessem existir.

A táctica de Públio fora a de colocar-se como romano amigo e interessado pelos problemas dos judeus mais simples, ao mesmo tempo em que, dessa maneira, recolhia informações preciosas da alma do povo sobre o governante romano que os dirigia já há sete anos.

Ocorre que, neste período, Sulpício Tarquinius se encontrava em missão ordenada por Pilatos junto à corte do rei Herodes, pois, desde a crucificação de Jesus, pouco tempo antes, os dois se reaproximaram e passaram a ter relações cordiais, vencendo os conflitos de autoridade que os haviam antagonizado.

A postura de Pilatos, que lhe enviara o prisioneiro para sua apreciação, foi interpretada por Herodes como um sinal de respeito à sua figura real, o que muito o sensibilizou como sensibilizaria qualquer pessoa que estivesse à cata de lisonjas baratas para se sentir reconhecido.

Por isso, apesar de ter tratado Jesus com desdém, Herodes acreditou ver no gesto de Pilatos a consideração à sua autoridade, o que lhe arrefeceu o ânimo de conflituar com o governador e lhe produziu no espírito o desejo de tornar boas as relações abaladas.

Assim, depois de alguns dias da crucificação, Herodes lhe enviou presentes caros como eram apreciados pelo procurador da Judeia, enaltecendo-lhe a figura de líder romano na província e dando-lhe congratulações pelo desfecho daquele processo, na realidade, criminosa arbitrariedade.

Desse modo, retribuindo o presente, Pilatos, passadas algumas semanas, enviou Sulpício até Herodes, em Tiberíades, portando a retribuição dos mimos, agora mandados pelo governador em nome de Tibério.

E, no cumprimento dessa missão se encontrava o lictor na mesma localidade, quando da chegada do senador, oportunidade em que se inteirou de sua viagem pela Galileia e de que se encontrava sozinho nessa jornada.
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Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 6 Empty Re: Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 18, 2014 9:43 am

Assim, em Cafarnaum ficara-lhe a esposa e a casa ao abandono, o que seria de muita importância para os planos de Pilatos e para os seus desejos pessoais, já que ele, Sulpício, nutria sentimentos pecaminosos e indignos, que acreditava serem amorosos, pela serva Ana, a amiga íntima de Lívia.

Tratando de voltar urgentemente a Jerusalém, Sulpício solicitou a entrevista com seu superior e lhe relatou sobre a viagem de Públio.

Imediatamente, a preocupação do governador se apresentou.
O que o senador desejava fazer com essa caravana pela província?
Na verdade, poderia estar buscando informações sobre seus desmandos administrativos?

A consciência culpada nunca descansa e, por mais que ele tivesse o poder, era escravo de seus erros como acontece com todos os homens na Terra.

Todavia, logo deixou de lado a preocupação para dar espaço à malícia de seus costumes, perguntando da mulher ao lictor.
Sulpício, que sabia dos desejos de Pilatos e era aquele alcoviteiro eficiente, logo lhe informou que Lívia ficara sozinha em Cafarnaum.

E aproveitando a conversa favorável, sugeriu ao governador que aproveitasse a maré generosa da sorte e visitasse Cafarnaum no período da ausência do senador, ideia essa que muito agradou a Pilatos que, imediatamente deu ordens ao subordinado para que se dirigisse à cidade e avisasse as autoridades locais que, em breve, o governador estaria na região em visita para a qual já havia sido convidado anteriormente.

Da mesma maneira, Sulpício deveria visitar Lívia e comunicar-lhe a data da chegada de Pilatos à região para que a mesma, com a ausência do marido, pudesse se sentir tentada em aceitar-lhe a companhia e a amizade e, quem sabe, encontrar-se pessoalmente com ele, ainda que fosse em Cafarnaum.

Tal foi feito como ordenado, tendo Sulpício confessado a Pilatos o desejo de conquistar a escrava Ana para o rol de suas mais preciosas aquisições afectivas.
Assim, o plano dos dois homens era coincidente e vil, e foi posto em prática imediatamente depois de Sulpício ter arrumado todos os detalhes de sua execução, ainda em Jerusalém.

Enquanto as autoridades da pequena cidade se puseram em festa, Lívia recebeu a notícia da chegada do governador dos lábios de Sulpício e, de maneira digna, mas muito enérgica, afirmou-lhe que, na ausência do marido ninguém seria admitido na sua residência.

Desapontado com a conduta da mulher que julgava prevaricadora, da mesma forma que repudiado por Ana, a serva a quem se revelara na sua maneira grosseira de ser, Sulpício deixou a moradia que era guarnecida por soldados a serviço de Públio, em busca de organizar a chegada do governador.

Sabendo-se presas de uma armadilha do destino, Ana e Lívia deliberaram deixar a casa e partir para um refúgio mais seguro junto ao tio Simeão, na Samaria mais distante, o que fizeram rapidamente, comunicando ao administrador da vivenda o seu destino, sem especificar maiores detalhes, apenas para o caso do retorno de Públio à casa da família.

Feita a viagem e instaladas na casinha pobre do velho tio, as mulheres se sentiram abrigadas temporariamente da sanha persecutória desses homens sem escrúpulos.

Quando Pilatos chegou a Cafarnaum, tanto ele quanto Sulpício ficaram sabendo da ausência de Lívia, de sua filha Flávia e de Ana.
Valendo-se de sua intimidade com os soldados da guarda, inteirou-se o lictor que tinham ido em direcção à Samaria, onde residia o tio da escrava.

Vendo que a sua presa era por demais resistente, Pilatos deu-se por satisfeito com tal fuga, mas, envolvido pelo desejo do servo fiel, atendeu sua solicitação e autorizou Sulpício que viajasse com uma pequena guarnição até a Samaria, a fim de informar-se do paradeiro da família perseguida.

E dessa diligência, atendendo ao imperativo do destino que sabe dar a cada um o mesmo padrão daquilo que cada um oferece por si próprio, as mãos assassinas de Sulpício acabaram por assassinar o velho Simeão, que havia ocultado as mulheres indefesas, matando-o a golpes de chicote, atado a uma grande cruz de madeira, que era o local de culto em homenagem a Jesus, que havia partido há tão pouco tempo.

No entanto, tresloucado e irado pela recusa do velhinho valoroso em entregar as suas cobiçadas presas, enquanto castigava sem pena o corpo morto do ancião, sob o peso de suas carnes abandonadas, a cruz vergou e, num átimo, atingiu a cabeça do lictor, que teve morte imediata na frente do povo assustado com a cena de barbárie e dos demais soldados que lhe compunham o séquito.

A notícia da morte de seu mais fiel colaborador em circunstâncias tão misteriosas quanto surpreendentes, fez crescer a ira de Pilatos contra a família Lentulus, na qual passara a vislumbrar a maior ameaça que já houvera enfrentado em todos os anos de governo da Judeia.

De um lado, Públio, que buscava vasculhar as localidades à cata de informações.
De outro, Lívia e sua serva que, como pensam todos os homens fracos de carácter e loucos na sua insanidade, eram consideradas as responsáveis pela morte de Sulpício.

Indignado com tal golpe do destino que lhe tirava o maior aliado de suas baixezas, Pilatos ordenou uma larga perseguição aos habitantes da Samaria, propiciando que muitos pagassem pela morte de seu fiel subordinado, dando ordens para que seus soldados intimidassem os habitantes de toda aquela região, como forma de mostrar-lhes que não se mata um romano impunemente.

Muitos assassinatos foram realizados, ocasião em que os mais violentos soldados procuravam se aproveitar para tirarem de seu caminho eventuais adversários de suas ambições e desejos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 18, 2014 9:43 am

Maridos de esposas cobiçadas eram considerados suspeitos e levados à morte, pessoas que se opunham a negócios materiais eram chantageadas e forçadas a suportar prejuízos e espoliações a fim de preservarem a própria vida.

Isso só fazia aumentar a ira do povo contra o governo provincial, factos estes que, mais cedo ou mais tarde, chegavam aos ouvidos de Públio que, não muito tempo depois, regressava à sua moradia, onde seria notificado por Lívia de todos os factos, carregando em sua bagagem todos os detalhes mais funestos da maneira como Pilatos e seus funcionários procediam no trato com os direitos do povo, fossem romanos ou judeus.

Ao mesmo tempo, as semanas se passaram e como se espalhara a notícia de que Públio estava ouvindo as queixas do povo, inúmeras caravanas de samaritanos vitimados por Pilatos e por seus mandatários cruéis relatavam ao senador todos os crimes suportados pelos humildes moradores do vale do Siquém, região onde se concentrava a perseguição e a crueldade.

Para melhor controlar todos os feitos persecutórios, o próprio Pilatos transferira-se de Nazaré para seu palácio na Samaria, o que o tornava cúmplice de todos os crimes ali cometidos, já que não possuiria, sequer, a justificativa do desconhecimento dos fatos cruéis.

Sua presença na região, como que incentivava para que a monstruosidade mais se ampliasse, como forma de punir aquele povo da região pela perda de seu mais fiel comparsa.

Tudo isso indignara o espírito romano de Públio, acostumado ao respeito aos processos e desejoso de restabelecer a verdade.
Desse modo, passou a despachar os inúmeros processos a que dera início, reunindo depoimentos, provas de todos os tipos, pareceres pessoais e, num volumoso processo, remeteu a Roma, aos cuidados de seu amigo Flamínio, para que o Senado e o imperador soubessem de todos os fatos, conforme lhe haviam dado poderes para assim o fazer.

A reacção de Pilatos ao assassinato de Sulpício, dado o seu extremo grau de violência, inadequada até mesmo para servir de desestimulo aos judeus mais violentos, já era reflexo de seu desequilíbrio e perturbação, decorrência dos inúmeros problemas de consciência que lhe atormentavam o espírito, depois do que ocorrera sob a sua responsabilidade, na páscoa daquele ano de 33.

Não lhe saíam da cabeça os lances da condenação de Jesus.
Seu olhar abatido e sereno, seu corpo fragilizado por horas sem repouso e sem alimento, nem mesmo um pouco de água, sua postura nobre e corajosa, abandonado por todos os seus amigos, firme em suas disposições de não solicitar clemência dos homens e se submeter à vontade do Pai em quem confiava com absoluta convicção, tudo isto era muito marcante para ficar esquecido.

Além do mais, sua conduta fraca como governador, sem coragem à frente das pressões dos judeus mais exaltados, dos fariseus e sacerdotes, fizeram com que ele transferisse para eles a culpa pelas próprias fraquezas administrativas, votando, a partir daí, maior ódio pelos judeus, a quem considerava mais víboras maldosas do que a mais venenosa das cobras.

Por essa propensão de espírito, Pilatos não regateou no momento de vingar a morte de Sulpício, permitindo que inúmeros inocentes recebessem o castigo máximo como maneira de sentir-se punindo aquele povo que o fizera passar pela dura experiência do julgamento de Jesus.

Não lhe valiam como atenuantes de consciência as tentativas de atenuar a pena, de oferecer outro condenado para ser punido como forma de justificar-se.
Dentro de sua consciência, as palavras “covarde, medroso, inútil, fraco”, surgiam constantemente, fossem em pensamentos, fossem em sonhos que o perseguiam sem pena.

A todos os momentos, estava envolvido por uma melancolia e por um rancor, que não sabia dizer se era contra si ou contra o mundo judeu que o cercava.
A perda de seu fiel cúmplice transtornara-o ainda mais, já que Sulpício era a ponte negra que ligava sua luminosa condição de governante ao abismo de seus vícios e aos delitos sórdidos que se realizavam para a satisfação de seus prazeres.

Perdera o seu intermediário.
Difícil seria conquistar outro que, com tanta discrição e eficiência assim se posicionasse sem riscos para a sua integridade pessoal e política.

Pilatos se desencantara com a vida à sua volta.
Passara a ser simples autómato que se deixava levar pelos deveres públicos, sem nenhuma inspiração em elevados padrões de princípios e virtudes.

Chafurdara longo tempo na lama dos sentimentos mais vis e, por isso, não lhe restava qualquer recurso para elevar-se por si mesmo, quando a adversidade começava a buscá-lo para cobrar a conta da semeadura espinhosa que houvera feito.

Não apenas por ter colaborado com a morte do Justo, como podem pensar muitos dos leitores.
Esta foi uma das posturas equivocadas do governador.
No entanto, fosse porque estivesse na presença de outras autoridades a quem deveria mostrar seu carácter de prudente administrador, fosse porque tivesse tentado, com inúmeras e cruéis deliberações, poupar a vida do réu inocente, o delito em si não fora o mais grave de sua vida.

Certamente era o que mais lhe pesava na consciência porque envolvia a figura do Cristo de Deus, o Celeste Amigo.
No entanto, muitos outros desmandos se erguiam como advogados tenebrosos na causa de infelicidade.

Viúvas que o amaldiçoavam, mulheres abusadas que o envolviam em vibrações de ódio mortal, famílias desprovidas de esperança por suas deliberações iníquas, todos estes actos com a sua participação pessoal, ainda que desconhecida do grande público em face da acção de Sulpício, que servia de anteparo à sua reputação de governante romano, eram a sua herança.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 18, 2014 9:43 am

Todos estes foram actos de semeadura amarga que pesavam em sua jornada humana, entre os quais, a acção persecutória contra Lívia, que acabou por produzir todo o drama em sua vida, condenando a inocente mulher ao mesmo martírio de um julgamento sem defesa, à perda de sua dignidade feminina, ao isolamento de seus mais caros afectos, tudo como acontecera ao próprio Cristo.

Pilatos não se valera da companhia elevada de sua mulher, Cláudia, aquela que a Providência Divina lhe houvera concedido para ser o leme seguro ao seu barco desgovernado.

Preferiu vitimá-la também com sua conduta desonesta, retribuindo-lhe a fidelidade com a traição com sua própria irmã, a perigosa Fúlvia.
Todo este arranjo de forças malignas, desencadeado por sua escolha inadequada e seus actos arbitrários, seus envolvimentos indignos e seus interesses espúrios, produziram o ambiente nocivo no qual Pilatos passara a ser vitimado por seus padrões de consciência e pelo grande número de espíritos perseguidores que o buscavam.

Sem recursos de defesa caracterizados pela elevação de pensamento e pela nobreza de atitudes, Pilatos se deixou levar pelas inspirações das forças que já o vinham assediando, projectando-se no abismo da inconsciência e da crueldade como forma de punir aquele povo miserável que o colocara na condição de governante dos maus, como se ele não fosse um deles.

Não suportava a companhia dos judeus e, sempre que podia, tudo fazia para maltratá-los, sem se preocupar se estava sendo justo ou não.
A sua situação se tornava muito complicada e facilmente se podiam constatar os seus actos de revolta tão pouco aconselháveis nos que têm pessoas sob o seu comando.

Assim, à medida que Pilatos se ia complicando, Zacarias tomava mais e mais consciência da gravidade de sua tarefa, não vislumbrando como realizá-la diante do poderio do governador e de sua absoluta aversão a qualquer contacto com judeus de todas as espécies.

Depois da primeira viagem a Emaús, quando na companhia de Cléofas puderam vislumbrar a figura do Mestre, havia retornado para o seio apostólico onde, efectivamente, escutara mais e mais notícias sobre aparições até que, finalmente, à vista de todos, Jesus se apresentara e permaneceu ensinando por longos dias.

Depois que terminou a sua tarefa de preparar os discípulos para as lutas que os esperavam daí para a frente, o Mestre os deixou, subindo aos céus, numa tarde gloriosa de suas vidas.

A partir daí, cada qual delibera dar uma direcção aos seus projectos pessoais, sempre ligados à difusão da mensagem evangélica.
Pedro inicia o trabalho de atendimento aos miseráveis em Jerusalém, o que já se fazia também em outras localidades como Cafarnaum e Nazaré, onde antigos seguidores se transformavam em propagadores dos efeitos da Boa Nova.

Em Nazaré, especialmente, lá permaneciam Judite e Caleb, ampliando as instalações para receber mais e mais sofredores.
Velhos ébrios ali encontravam comida, ex-prostitutas do antigo tugúrio que acolhera Judite para os apetites dos sentidos, agora eram por ela acolhidas para o reerguimento da alma, nos apetites das coisas divinas.

Zacarias, Josué e Cléofas juntos passaram a dar seguimento aos projectos de serviço.

O primeiro retornou a Emaús para vender, agora sim, a vivenda e os bens que possuía, pois sentia que precisaria de recursos para poder atender à promessa que fizera a Jesus.

Josué manteve-se fixado em Jerusalém, ajudando Pedro no seu esforço de amparar as misérias humanas em nome de Jesus.

Saul voltou para Nazaré a fim de se reunir por um tempo ao esforço de Caleb e Judite, ampliando as mãos e a força do ideal do bem naquela localidade tão importante para a vida apostólica, por ter representado a cidade onde se fixara, inicialmente, a moradia de Jesus e seus familiares.

Desse modo, vamos encontrar nossas personagens na luta do dia-a-dia, tratando das feridas abertas no seio do povo – como o faziam os discípulos – buscando o recurso enérgico do médico cirurgião a fim de extirpar o tumor – como o fazia Públio em relação ao governo local – e produzindo mais e mais ferimentos em seu desatino irracional – como o fazia Pilatos.

Algum tempo depois, o pretor Sálvio e sua família foram convocados a regressar a Roma, atendendo aos pedidos do senador, o que produziu alívio em seu coração, atormentado por não mais desejar encontrar-lhes a presença em nenhum lugar do mundo dos vivos.

Remetidos os processos a Roma, como já se falou, a tramitação de todos os documentos consumiu quase dois anos, durante os quais, os nossos personagens se preocuparam com as suas rotinas, dentro dos procedimentos que haviam escolhido para viver suas vidas. Públio, com seus processos e com a educação de sua filha, já que não tivera notícias do filho desaparecido.

Zacarias e os seguidores de Jesus, tentando manter a tradição apostólica através dos exemplos de amor ao próximo.

Lívia e Ana, entretidas com as coisas da família, apegadas à fé em Jesus e às orações e à ajuda que prestavam aos mais sofridos que procuravam o cofre dos Lentulus para encontrarem a migalha da caridade mais pura.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 18, 2014 9:44 am

30 - Tibério contra Pilatos

Enquanto tais factos envolviam as nossas personagens nas lutas diárias, voltemos um pouco para apreciarmos o cenário na sede do Império Romano, onde as intrigas e as tramas do poder se misturavam com os interesses pessoais.

Como já vimos anteriormente, o imperador Tibério se vira cercado por criaturas sempre prontas a colocarem seus interesses pessoais acima dos interesses públicos e, com raras excepções, não havia em Roma quem quer que fosse digno de sua confiança.

Com a sua retirada para a ilha de Capri, paraíso e refúgio de onde o imperador mantinha o governo do Império através de correspondências e despachos, tentando governar juntamente com o Senado que, acostumado à omnipotência de seu antecessor, Augusto, transformara-se apenas em um conjunto de fantoches a aceitarem como sua a opinião de César, Tibério buscava a protecção e a paz com a qual esperava deliberar correctamente sobre as questões políticas.

Todavia, seu homem de confiança, Sejano, fora igualmente corrompido pelo exercício do poder, já que era através dele que Tibério se mantinha informado e a ele, que permanecera em Roma como seu representante junto ao Senado e à direcção dos negócios, delegava atribuições que significavam grande parcela de mando.

Com o isolamento, todas as notícias que chegavam ao imperador por via de Sejano eram filtradas pela sua maneira de manipular a vontade de César que, confiando cegamente nele, acreditava em sua fidelidade.

E se ela realmente existira no início e por algum tempo se manteve, com o envelhecimento de Tibério e o amadurecimento político de seu ministro, tal relacionamento passou a ser adulterado pelo desejo que Sejano possuía de elevar-se acima de um simples representante do imperador.

Todavia, alertado por uma de suas mais fiéis súbditas acerca do comportamento inadequado do seu homem de confiança, Tibério conseguiu, através de um estratagema por ele montado com o apoio de um de seus criados de confiança, desmascarar a conduta de seu ministro que, no ano de 31 havia caído, por isso, em desgraça.

Atendendo à carta de Tibério, lida em uma cerimónia do Senado para a qual Sejano fora convidado e na qual acreditava que receberia a mais alta e ambicionada honraria, o poder tribunício que tanto desejava, o Senado se voltou contra o arrogante e presunçoso tão logo a missiva de Tibério apontou-lhe críticas e deslizes de conduta, transformando aquela reunião em um verdadeiro e sumário julgamento.

Afinal, Sejano tinha-se tornado um cruel e inescrupuloso governante, acreditando que poderia manipular o desejo e a vontade do imperador por meio de meias verdades e muitas inteiras mentiras.

Fora preso no mesmo local e, ao final da tarde havia sido estrangulado na prisão por ordem dos senadores.
E o mais interessante na observação das reacções dos homens, notadamente os que envergam algum tipo de poder, fora o facto de que, enquanto detinha as graças do imperador, Sejano era cortejado pela maioria dos senadores, que o bajulavam à cata de favores, sendo que muitos deles tinham sido aquinhoados em suas solicitações.

Bastou-lhe cair na desgraça de Tibério e a maioria destes homens voltou-lhe as costas e passou a desferir-lhe impropérios e acusações, a maioria delas verdadeiras.

A execução daquele homem levou o povo ao delírio.
Enquanto Tibério havia solicitado a sua prisão e a abertura de processo legítimo contra ele, o Senado adoptou as drásticas medidas arbitrárias, próprias dos arrogantes administradores.

Não obstante essa ilicitude, a morte não se limitou apenas a Sejano.
Seus auxiliares mais próximos, os que cumpriam suas ordens e os que o representavam, igualmente foram caçados e mortos.
A sua família, aí incluindo seus filhos, também foram assassinados, e com requintes de maldade.

A jovem filha de 13 anos, que fora condenada à morte pelo único crime de ter sido gerada por seu infeliz progenitor em desgraça, espelhou a crueldade de tais representantes políticos.

O Senado deliberara por sua execução.
Todavia, havia uma lei em Roma que dizia ser proibido executar uma virgem, pois daí poderia advir uma tragédia para a cidade, nos costumes e superstições correntes na época.

Assim, com essa argumentação legal, os senadores deliberaram que, primeiro, o carrasco deveria estuprar a jovem, livrando-a da incómoda condição que a protegia a fim de que, depois, pudesse ser morta sem atrair maiores desgraças para Roma. Esse cruel comportamento, por si só, ainda não era desgraça suficiente.

Este cenário turbulento dá bem a demonstração de que o ambiente em que mergulhara a capital do Império não inspirava confiança alguma ao imperador.
A sua saúde, combalida por tantos anos à frente da máquina de guerra e depois da máquina estatal, pedia amparo e, por isso, a carta que o senador Públio Lentulus lhe enviara, no ano de 32, em cumprimento à secreta tarefa de que o havia incumbido quando de sua partida para a Palestina, encheu-o de salutares expectativas.

O senador confirmara a existência daquele taumaturgo desconhecido, cujo poder corria de boca em boca e já havia atingido a capital e os ouvidos do imperador.
O relato de seu enviado procurava ser o mais exacto e autêntico para que César pudesse avaliar por si mesmo o que seu emissário havia apurado.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 19, 2014 8:53 am

Desde a descrição física até a menção aos seus atributos essenciais, relatados de maneira equilibrada, sem entusiasmos juvenis e sem cepticismos vetustos, produzira em Tibério a sensação de que ali estaria, talvez, a solução para suas dores físicas e morais.

Naturalmente, a correspondência levava muito tempo para chegar até o seu destino, mas, ainda assim, Tibério tinha em mente a possibilidade de trazer até Roma esse homem tão especial.

Não tardou muito para que outra correspondência, desta vez do próprio Pilatos, também lhe fosse entregue no expediente regular que se lhe submetia para o conhecimento dos fatos em todo o Império.

Depois que o governador se avistara com os quatro seguidores da Boa Nova em Nazaré, quando Zacarias lhe falara da mensagem que Jesus revelava aos mais sofridos do mundo, seguiu-se uma noite sem sono, impressionado que ficara com o teor do assunto que se lhe havia submetido, na fala simples e profunda daqueles homens.

Recolhido ao seu gabinete de trabalho, Pilatos escrevera ao imperador falando sobre a doutrina, sobre os milagres que ali vinham ocorrendo como efeitos do poder daquele Enviado dos Deuses, conforme o governador entendia e interpretava na sua fé pagã tradicional.

Não se limitou a descrever.
Emitiu seu juízo pessoal e, na tentativa de gerar a ideia de que se preocupava com o bem-estar de Tibério, veladamente sugeriu-lhe a possibilidade de valer-se de tais poderes curadores a fim de submeter-se a tratamento que aliviasse seus problemas físicos, decorrentes do natural desgaste orgânico que advirá do pesado fardo que o imperador tinha sobre os ombros.

A carta de Pilatos, conquanto proveniente de um homem em quem Tibério não confiava e que sabia ser devasso e de limitados princípios morais, viera reforçar em Tibério a esperança de encontrar recursos quando seus médicos não conseguiam encontrar saída para suas dores.

Depois de muito meditar nas notícias constantes de ambas as missivas, o imperador deliberou escrever ao seu enviado de confiança à Palestina, solicitando-lhe providenciasse a viagem do profeta no maior sigilo possível, levando-o directamente à ilha de Capri para que recebesse o tratamento que esperava lhe solucionasse os problemas orgânicos.

Da mesma maneira, afirmava Tibério estar aguardando de Públio, o cumprimento da missão oficial, no sentido de, no mais breve espaço de tempo, receber as suas considerações sobre o governo provincial, cujo representante pretendia remover ante a conduta indigna das mais elevadas tradições de decência pública de seus ancestrais.

A carta fora remetida depois de alguns meses e entre a sua elaboração, a sua remessa e a sua chegada, fora entregue a Públio quando ele e sua família regressaram de Jerusalém, depois da Páscoa.

Assim que chegaram a Cafarnaum, o emissário imperial entregou ao senador o documento que, uma vez aberto, causou a profunda tristeza em seu destinatário, eis que as circunstâncias demonstravam que a esperança de César acabara de ser frustrada pela conduta tíbia de Pilatos, que permitira o massacre daquele justo em vez de defendê-lo, usando de todas as suas prerrogativas de governante poderoso que, em nome de Roma, submetia os povos conquistados às suas leis e deliberações.

Isso produziu em Públio a amarga obrigação de escrever a Flamínio, relatando os factos por ele testemunhados a fim de que, por seu intermédio, fosse dada a Tibério a notícia da morte na cruz daquele taumaturgo por ele tão esperado.

Tais informações transmitira ao amigo Flamínio em correspondência privada, pois temia que a correspondência pública que viesse a enviar pessoalmente a Tibério pudesse ser interceptada por olhos curiosos que descobrissem os desejos secretos do imperador.

Além disso, naquele inesquecível dia em Capri, Tibério revelara o pedido sigiloso sobre o Messias a ambos, mesmo quando Flamínio demonstrou o desejo de deixar o imperador e Públio a sós para o entendimento particular, no que foi impedido pelo próprio governante maior, passando, desde essa data, a conhecer o pedido que segredara ao senador.

Por isso, Públio remeteu a Flamínio a correspondência pessoal na qual solicitara a remoção de seu tio Sálvio e sua família para Roma, o pedido de um professor competente para sua filha Flávia, ao mesmo tempo em que solicitava ao amigo que levasse ao conhecimento pessoal e exclusivo do imperador os factos que haviam sucedido com Jesus, além da promessa, para breve, de um detalhado relatório sobre o procedimento do governador da província que, pelo que já havia entrevisto mesmo superficialmente, estava afundado em suspeitas e acusações de desmandos administrativos.

Tal correspondência fora remetida para Roma logo depois de sua chegada de Jerusalém, como já foi explicado e, assim que reorganizou as ideias e procurou colocar em ordem suas preocupações, fosse pela necessidade de se afastar um pouco do ambiente familiar onde lhe era penoso estar, em face das acusações sobre o comportamento da mulher, fosse pelo dever de homem público de cumprir integralmente a missão oficial para a qual fora nomeado, algumas semanas depois, como já pudemos relatar anteriormente, deu início à viagem pelas cidades mais importantes daquela parte do reino judeu a fim de conhecer e apurar todos os fatos, produzindo os relatórios que havia prometido ao imperador e ao senado, através de Flamínio.

Quando a carta com as notícias chegaram a Capri, através das mãos pessoais de Flamínio, que para lá se dirigira na condição de senador com prerrogativas pessoais para procurar o imperador, Tibério esperava a resposta favorável de seu emissário, crente de que sua habilidade pessoal seria capaz de conseguir atender ao seu anseio de melhorar, custasse o que custasse.

No entanto, qual não foi sua amarga decepção quando se inteirou de que o taumaturgo, verdadeiramente poderoso, estava morto e que tal se dera sob as vistas e com a conivência de seu governador, daquele homem que deveria garantir a ordem pública e que tecera tão positivos comentários sobre a filosofia espiritual que o morto pregara aos que o seguiam.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 19, 2014 8:53 am

– Como, Flamínio, isso é possível?
Um julgamento sumário, sem que Pilatos tivesse sequer adoptado alguma postura mais corajosa perante os injustos magistrados judeus, sempre arrogantes e apressados quando lhes convém?! – era uma pergunta e uma afirmação directas, feitas pela alma dolorida daquele que vê rotas as suas últimas esperanças.

Vendo-lhe a disposição negativa contra Pilatos, Flamínio evitou fazer qualquer comentário que poderia ser interpretado como desejo de prejudicar o governador.
No entanto, não poderia deixar de dar razão ao imperador.

– Sim, Augusto, é de se espantar que um homem dito justo e inocente seja, assim, condenado à morte sem qualquer defesa ou protecção.
– Mais do que isso, meu amigo.
Essa é uma postura que só é admissível quando se imagina que o governante está enredado com as autoridades locais em muitas condutas indignas, a ponto de não ter como adoptar a defesa de princípios justamente pelo facto de nunca os ter respeitado por si próprio.

O homem que se prostitui perde a prerrogativa de defender-se com o argumento da virtude, pois, se o intentasse, passaria a ser hipócrita perante os seus cúmplices.
E como a eles, talvez, interessasse a morte desse homem que parecia ser uma ameaça aos seus interesses, buscaram o apoio de Pilatos para que ele o fizesse em nome do Império, naturalmente para que pesasse sobre nossos ombros o peso de uma decisão impopular.

Tais notícias, além de me abaterem a esperança para o futuro, tornam mais tristes meus momentos do presente, por confirmarem a suspeita que vinha guardando, sobre a incapacidade de o governador representar o Império com a decência necessária.

E o confirmam as breves notas do senador Públio, relatando alguns dos desmandos que já consegui avaliar.
E o hão-de confirmar todo o processo apuratório que prometeu remeter sem demora.

Pretendo punir Pilatos de forma tão exemplar que todos os demais governadores de províncias modifiquem suas rotinas sob pena de serem submetidos ao mesmo critério de avaliação e julgamento.

Assim, Flamínio, esperarei a chegada do relatório final para deliberar sobre o destino do governador.
Quanto ao pretor Sálvio e sua família, depois do parecer favorável do corpo dos senadores, te pergunto, privadamente, qual o verdadeiro motivo para trazê-lo para cá?

Vendo-se convocado a uma resposta verdadeira, cuja essência sempre escapa aos fundamentos da verdade de Estado, Flamínio procurou corresponder à sinceridade que Tibério lhe votava e acrescentou:
– Pelo que fui esclarecido por Públio, Sálvio é um boneco nas mãos de sua mulher, perigosa e mesquinha, dada à devassidão e, pelo que falam em Jerusalém, uma das mais assíduas amantes do governador.

– Mas ela não é irmã da esposa dele, Cláudia? – perguntou algo confundido o imperador.
– Sim, meu senhor.
É a própria irmã quem se deita com o cunhado.

– Pensei que a dissolução dos costumes só estivesse presente em Roma – afirmou Tibério, contrariado.
– Infelizmente, creio que não – respondeu o senador.

No entanto, pretendendo aprofundar o assunto para que o imperador não pensasse que se tratava apenas de uma questão pessoal e moralista, Flamínio acrescentou:
– Seu emissário, diante da tarefa que passa a desempenhar de maneira mais directa e declarada, está solicitando a transferência de tais personalidades por considerá-las, não sem motivo, envolvidas nas artimanhas ilícitas, o que poderia dificultar ainda mais a apuração dos factos.

São pessoas astutas e tudo farão para que não se termine a investigação se suspeitarem que seus privilégios estejam correndo perigo.
Assim, apesar de romanos, são piores que os estrangeiros da província, pois se aliam entre si para se defenderem nos crimes que praticam.

Com a ausência de Sálvio e sua família inteira, Públio tem mais facilidade de locomoção, pode actuar de forma mais livre, sem ter que se proteger contra judeus e contra romanos, ao mesmo tempo.

E em se tratando de uma convocação oficial, não pesará sobre ele a culpa de estar afastando-os de lá, ainda que eles o possam supor ou imaginar que tal tenha ocorrido por sua solicitação.

Somadas todas as questões, morais e políticas, o requerimento foi acolhido pelo Senado e é submetido à vossa autoridade maior, com o fim de autorizá-lo em face de o pretor Sálvio estar na Palestina com algumas funções oficiais.

Entendendo o carácter do pedido e enaltecendo o zelo de Públio, Tibério imediatamente assentiu com a transferência de toda a família de Sálvio para Roma, sem deixar-lhes quaisquer opções.
Queria deixar o senador que enviara para lá com plenas condições de tranquilidade e liberdade para fazer o que fosse necessário.

E voltando-se para Flamínio, acrescentou:
– Sou muito grato à tua discrição quanto aos factos que me contaste e reverencio a tua fidelidade à nossa amizade, bem como a do senador Públio Lentulus e espero que, tão logo ele nos envie o relatório final, possamos nos encontrar novamente para discutirmos o assunto.
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Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 6 Empty Re: Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 19, 2014 8:53 am

Entendendo que o imperador dava por encerrada a entrevista, reverente e agradecido pelos encómios recebidos, Flamínio se levanta e saúda Tibério à moda da época, encaminhando-se para Roma, onde espera novas notícias de Jerusalém.

Em Capri, Tibério se recolhe na decepção e na revolta contra aquele governador fraco e covarde, a quem está decidido punir exemplarmente, o que tratará de fazer na primeira oportunidade que lhe aparecer.

Em Cafarnaum, cercado pelas notícias trágicas da matança dos inocentes da Samaria, dos desmandos e das negociatas do governador que se prostituíra ao contacto com os fariseus e sacerdotes sedutores, com seus negócios e riquezas, Públio assumira a aversão que sentia àquele homem indigno e resolvera processá-lo com todas as forças pessoais que o seu idealismo de homem público modelara em seu carácter, ao mesmo tempo em que as prerrogativas da função que lhe haviam sido atribuídas o permitiam.

Deliberada a abertura do processo em seu íntimo, Públio remeteu ofício ao governador da Síria a fim de que lhe pusesse à disposição a guarnição militar que o decreto de Tibério lhe garantia, com o fito de não estar na dependência da pessoa que investigava publicamente, recebendo do governador da província vizinha, sobre a qual o senador também exercia autoridade imperial, toda a colaboração necessária à manutenção de sua posição de superioridade e independência, mesmo militar.

Afinal, a sua segurança e a de sua família dependiam exclusivamente de Pilatos desde a sua chegada à Palestina e isso o deixava vulnerável.
Da mesma maneira, pedir ao investigado lhe enviasse suas tropas corresponderia a um gesto de inocência, eis que a corrupção naturalmente poderia ter chegado aos mais íntimos comandantes militares estacionados naquela área.

E ainda que não o fosse, Públio não teria como confiar neles.
De igual sorte, tal solicitação a Pilatos demonstraria uma declaração de desconfiança e não poderia ser disfarçada por argumentos mentirosos, que não eram do feitio de Públio usá-los.

Deste modo, recorreu à província vizinha, de onde recebeu o contingente militar que lhe correspondia, a fim de preservar a sua influência e autonomia na execução da tarefa que Tibério lhe havia designado e lhe pedia contas.

Pilatos era perigoso e, sem pensar duas vezes, poderia atentar contra a sua vida pessoal e a de sua família.
Além do mais, as diligências na procura do pequeno Marcus não poderiam continuar a ser realizadas com o auxílio do exército submetido ao governador, pelos mesmos motivos acima expostos.

Com a chegada da vasta guarnição à região da Galileia, o antagonismo entre as duas frentes do poder ficou patenteado, sabendo Pilatos que Públio o investigava ostensivamente e, ao mesmo tempo, reconhecendo que não poderia valer-se de nenhuma artimanha ou nenhum meio de pressão ou golpe violento, já que estaria abrindo um conflito contra a autoridade que o próprio César havia investido.

Se não se submetesse, daria demonstração pública e indubitável de que temia algum tipo de apuração sobre a sua conduta, e esse simples temor era o suficiente para apontar-lhe a culpa.

Como não tinha solução, permaneceu em suas actividades normais entre a capital Jerusalém e as cidades circunvizinhas, tratando de escrever cartas a seus comparsas romanos a fim de que intercedessem junto a Tibério, advogando-lhe a causa e dizendo-se vítima de injustiças políticas e perseguições.

Escrevera também ao próprio imperador, tentando levantar suspeitas sobre a conduta de Públio, através de insinuações maliciosas e mesquinhas com as quais pretendia interferir nos ânimos de Tibério, favorecendo-se das dúvidas que suscitasse em seu espírito.

No entanto, apesar de renovar suas expressões de submissão e fidelidade ao trono de Roma, querendo mostrar-se servil e confiável, Tibério já não lhe devotava a menor atenção, em face de todas as coisas que ele próprio já havia realizado e que demonstravam a natureza de seu carácter, independentemente de suas próprias palavras.

Nenhuma pressão foi admitida por Tibério que viesse a desautorizar a conduta do senador Públio, mas, ao contrário, só fazia com que o imperador mais nele confiasse, eis que estava tocando o vespeiro e as vespas estavam se enfurecendo, o que significava que havia coisa errada debaixo de todo aquele protesto e que seu enviado estava se comportando conforme deveria agir.

Por isso, já ao final do ano 33, Públio remete a Roma o volumoso processo que acusava frontalmente Pilatos de todos os crimes contra o Estado que foram apurados pelo enviado de Tibério, aguardando-se o desenrolar de sua apreciação na distante capital imperial.

Enquanto isso ocorria, a vida seguia seu curso na província, ao mesmo tempo em que, na corte, os documentos remetidos por Públio causaram impacto no seio do Senado e especial prazer no espírito de Tibério que, agora, poderia dar seguimento ao seu plano de punir o governador indigno e infiel.
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Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 6 Empty Re: Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 19, 2014 8:53 am

31 - Pilatos e Zacarias

A guarnição estava postada no porto de Óstia que, àquela hora do dia, regurgitava em função do volume de mercadorias que aguardavam o desembarque e da grande quantidade de outras embarcações que, naturalmente, se amontoavam no ambiente aquático, com vistas a serem usadas para o transporte de seu conteúdo até a sede do Império.

O fluxo de tais bens, recebidos dos diversos pontos do mundo, era a fonte da relativa harmonia que poderia se estabelecer na grande cidade, cada vez mais necessitada de recursos de todos os tipos para atender, não apenas a demanda alimentar, mas, sobretudo, para saciar a crescente volúpia da insensatez humana, decorrente do aumento da riqueza acumulada, que sempre favorece o aparecimento de caprichos extravagantes, elevados à condição de necessidades indispensáveis.

Descansava o enorme e pesado navio atracado ao porto e, tão logo o comandante Cláudio organizou o desembarque das mercadorias que tinham o seu curso através do braço escravo e de inúmeros libertos que ali trabalhavam para obterem pagamento, dirigiu-se às modestas acomodações onde se estabelecera o ex-governador romano, Pôncio Pilatos, durante a viagem, a fim de comunicar-lhe o iminente desembarque.

Em seu interior, enquanto assistia à aproximação da embarcação daquele porto romano de onde houvera saído tantas vezes em direcção ao seu destino, Pilatos meditava nas condições que o esperavam, agora, na hora do seu regresso.

Em verdade, depois que Públio passou a agir deliberadamente para apurar todos os factos nefastos de sua administração e pôde constatar toda a sua longa série de desmandos, acumpliciamentos ilícitos, posturas permissivas e corruptas, exploração das misérias sociais em proveito próprio, Pilatos procurara valer-se de suas influentes bases de sustentação dentro do panorama político do Império, bases estas que lhe haviam garantido a nomeação para o governo da província, anos antes.

É verdade que sua carreira militar lhe havia possibilitado alguns méritos pessoais que serviam de moldura para seu desejo de progresso.

No entanto, outros militares mais competentes e mais honrados do que ele existiam.
O que lhe resultou favorável ao desejo de destaque foi a conjugação de alguns factores cruciais, conquanto deploráveis.

Homem de personalidade vaidosa e sedutora, Pilatos nunca deixara de se envolver inadequadamente em aventuras sexuais impróprias para a sua condição de homem público casado e ligado aos destinos do império romano.

Assim, a descoberta de condutas inadequadas nos bastidores do poder, que desonravam seu consórcio matrimonial com uma mulher pertencente a uma das mais tradicionais e influentes famílias de sua época, somada à falta de um militar de destaque interessado em comandar a longínqua e inóspita província Palestina, produziram a solução que foi tanto adequada a Tibério quanto conveniente a Roma:
o seu afastamento com sua promoção para o governo daquela região remota do Império, promoção esta que, aos militares, parecia mais uma punição.

Além disso, as pressões de seus mais íntimos colaboradores junto aos gabinetes governamentais foi decisiva para levantar essa hipótese como a mais favorável aos interesses públicos.

Com toda esta esteira de argumentações, Tibério acabou por aceitar o alvitre como sendo o menos pior de todos.
Não se esqueça o leitor de que quando se está falando de cargos ou funções públicas, antigamente e principalmente nos tempos modernos, o líder nunca sobe ao poder sozinho.

Sob sua figura e à sua sombra, um grupo de pessoas se agregam para apoiá-lo tanto quanto para poder usufruir do seu realce.
Deste modo, quando ele consegue se elevar, todo o grupo se sente homenageado e pode se considerar digno usufrutuário das benesses do poder que ele exerce.

Assim, com a possibilidade de sua queda, igualmente se projectarão no esquecimento e na derrota todos os que se valiam dessa teia espúria de apoios e influências, o que deve preocupar os que lhe dão sustentação política.

É como uma lança comprida.
A ponta da arma perigosa, que intimida, só está nessa condição porque, por detrás dela, as sucessões de camadas de madeira a sustentam.

Rompida a madeira, a lança deixa de ser arma.
Quebrada a cabeça, a arma se torna imprestável.
Só há razão de existir quando a madeira pobre e firme se alia à ponta dura e afiada que intimida.
Isso a torna perigosa e temível.

Por isso, Pilatos esperava que a sua retaguarda em Roma seria capaz de se opor aos planos de Públio que, por mais influente que fosse junto ao imperador, não poderia, pensava o governador, estar livre das pressões que os seus aliados certamente fariam junto de Tibério.

E pela demora na apresentação de quaisquer resultados, Pilatos tivera a certeza, por algumas semanas, que seu respaldo político teria conseguido neutralizar o esforço do senador em denegrir a sua administração.

Afinal, já se haviam passado dois anos desde que Públio remetera a documentação solicitada por Tibério aos cuidados de Flamínio para que fossem avaliadas tanto pelo Senado quanto por César.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 19, 2014 8:54 am

Não contava ele que, para tais coisas, os processos eram demorados e as decisões se apresentam, muitas vezes, envolvidas pela teia de interesses e intrigas.

Além disso, a distância tornava mais lentas todas as consequências esperadas, o que lhe causara a infundada impressão de que obtivera sucesso quando da tentativa de embaralhar com pressões e falsos argumentos a verdade dos fatos apurados.

No entanto, Tibério estava determinado a acabar com a tradição que Pilatos representava.
O imperador não suportava a infidelidade e a falsidade dos que o cercavam, subservientes e covardes, na sua maioria.
Daí manter em especial destaque a amizade que devotava a Flamínio e a sua postura de respeito e absoluta fidelidade às tradições patrícias de seus ancestrais.

Além disso, mantinha igual confiança na figura de Públio, seu emissário ante os judeus e não se havia enganado quanto à sua capacidade e seriedade com as coisas de Estado.

Pilatos, ao contrário, não tinha ideia de o quanto as coisas tinham mudado em Roma desde a sua transferência para o oriente.
O afastamento do imperador para a ilha de Capri deixou-o à distância do grosso das influências políticas, geralmente exercitadas na base de rumores, insinuações, fuxicos e mentiras dos mais próximos ao trono, sempre interessados em influenciá-lo para o lado que lhes era mais conveniente.

Esse distanciamento garantia a Tibério um isolamento muito protector, diminuindo, assim, a esfera de acção dos comparsas do governador palestino.
E a frustração que causara em Tibério a morte de Jesus sob as vistas de Pilatos retirava deste qualquer condescendência que o mais alto governante dos romanos poderia lhe conceder, levando em conta pressões externas e serviços que Pilatos houvesse, porventura, prestado a Roma.

Assim, enquanto atracava e se preparava para desembarcar, Pilatos meditava nas circunstâncias, surpreendentes para ele, de sua convocação a Roma.
Sabia que isso só acontecia quando se tratasse de alguma promoção ou de alguma circunstância desabonadora, o que lhe parecia mais plausível, em face das condições que lhe haviam sido oferecidas para o transporte.

Buscando manter a integridade das aparências, Pilatos não resistira às ordens pessoais do imperador de regressar à capital.
No entanto, sentindo-se na iminência de dolorosas reprimendas, deixou em Jerusalém sua esposa, Cláudia, com boa parte dos recursos que ele acumulara inadequadamente, graças às negociatas ilegais que realizara com os próprios judeus astutos e matreiros, a fim de que ela não se visse sem recursos e sem amparo para o momento em que ele estivesse em desvantagem.

Que ela guardasse com zelo o património que ele lhe confiava, pois se a deusa Fortuna – divindade que para os romanos significava a boa sorte – permitisse, regressaria para desfrutar de uma vida regalada, ainda que destituído de cargos ou funções públicas.

Era o correspondente, nos dias de hoje, aos crimes praticados à sombra do poder, de modo a permitir que, depois de alguns anos de punição, o punido voltasse para aproveitar os frutos de seus delitos, ocultados sob a guarda de parentes, de pessoas de sua mais estrita confiança.

A guarnição aguardava, no porto, o desembarque de Pilatos.
– Sim, capitão Cláudio, estou pronto com minha modesta bagagem para ser encaminhado ao meu destino – falou o passageiro ilustre.
– Pois então, meu senhor, queira me acompanhar para que possa entregá-lo ao cortejo que se encontra no cais à sua espera.

E dizendo isso, ordenou que um ajudante do navio transportasse os itens da bagagem de Pilatos, que o acompanhou até o tombadilho por estreitas passagens internas da grande nau, quando sob a luz do Sol que se dirigia para o poente, finalmente, pôde pisar o solo da terra de onde tinha se ausentado anos antes, sob a questionável homenagem de ter sido promovido ao cargo de governador da Palestina remota e desconhecida, pouco desejada por qualquer valoroso romano de estirpe.

Roma o esperava, sem dúvida, com olhos curiosos e irónicos.
A escolta foi-lhe apresentada e, sob o comando de Tito, os soldados se postaram lado a lado, acompanhando o cortejo que conduziria o governador ao outro barco, mais adequado à navegação fluvial, rio acima, até o desembarcadouro, em Roma.

Tito mantivera uma postura distante do romano caído em desgraça, como que a confirmar a Pilatos as suas suspeitas negativas sobre o destino que o aguardava, sem homenagens nem regalias.

Não fora maltratado, porém.
A viagem transcorrera sem incidentes, até que as portas majestosas do casario romano surgiram imponentes diante de seus olhos, numa apreciação emocionada daquela cidade ao mesmo tempo tão bela quanto cruel, símbolo da liberdade quanto da escravidão, da nobreza de ideais quanto da devassidão dos homens e mulheres imaturos.

Há muito que Pilatos não pisava em Roma.
Havia prédios imponentes que sua lembrança já tinha esquecido e de que seus olhos não guardavam os traços.
Construções e reformas haviam embelezado ainda mais os contornos de outros edifícios e de muitas das colinas que compunham o harmonioso horizonte da capital imperial.

A emoção de seu retorno foi interrompida pelo choque do barco com as pedras do desembarcadouro.
Apontado o rumo a seguir, pelo braço musculoso do seu condutor, Pilatos foi imediatamente conduzido para a prisão Mamertina.
Esse novo endereço para Pilatos denegria-o aos próprios olhos, já que nessa prisão eram acolhidos os chefes dos povos invadidos ou, ainda, os que eram surpreendidos em conspirações contra o Império, os quais, ali, encontravam o destino que lhes estava reservado, a saber, o estrangulamento.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 19, 2014 8:54 am

Na verdade, depois que todos os factos puderam ser conhecidos pelos senadores que exercitavam o poder de magistrados nos processos da Lex Maiestatis, Tibério solicitara do Senado a prisão do governador da Palestina, velho conhecido de muitos deles pelos escândalos do passado e, por isso, digno de merecer tal recepção quando de seu regresso a Roma.

Além do mais, Pilatos fora acusado de traição por parte de vários senadores que viram, em seus métodos, uma perigosa infracção aos cânones legais romanos, colocando seus interesses pessoais acima dos interesses do povo e dos governantes que nele haviam confiado.

A prevaricação de um soldado miserável ou um legionário bruto era considerada com menos rigor do que a leve falta do mais elevado representante do trono no governo provincial, em face de que os primeiros passavam por apuros terríveis, distantes de casa, do conforto, dos realces sociais, enquanto que os últimos contavam com todas as facilidades e regalias estatais, pelo que o carácter administrativo da fidelidade se impunha acima de todas as outras virtudes no administrador romano.

A tradição que Augusto impusera nas regras políticas anos antes de Tibério tornar-se imperador, ainda que fizesse vistas grossas a erros que eram punidos com certa parcimónia quando praticados por homens rudes e subalternos desqualificados, pesava com todo o seu poder ante a menor falta cometida pelos representantes directos do Estado, preparados para as carreiras públicas, brilhantes e invejadas.

Por isso, Pilatos fora considerado mais do que um invigilante servidor de Roma, mas um traidor com a culpa inegável em face do processo preparado por outro senador insuspeito, Públio, no local mesmo dos factos.

Isso produziu em Pilatos uma humilhação sem precedentes, pois era a primeira vez que ele se vira preso, sem direito a qualquer argumentação e sem a presença de um amigo sequer.

A ira contra Públio se ampliou sobremaneira, pois ele não tinha dúvidas de que aquele homem havia sido o autor de todas as acusações que lhe haviam transformado o destino.

Se pudesse, agora, esmagá-lo-ia com suas mãos e se arrependeu de não tê-lo feito enquanto estava na direcção da província.
Sua vida não lhe permitia, entretanto, maiores ilusões.
Se a prisão era o que o esperava depois de quase dez anos de serviço a Roma, no primeiro dia de sua chegada, os dias que se sucederiam deveriam guardar-lhe amargurosas surpresas.

No entanto, todos os primeiros momentos de seu triste destino fizeram-no reviver a experiência mais trágica de seus dias, quando da avaliação da culpa de Jesus, perante a sua responsabilidade.

E, sem perceber que mãos invisíveis lhe inspiravam pensamentos transformadores, Pilatos se comparou com as condições nas quais o profeta houvera sido colocado diante dele.

Sozinho, sem direito a defesa, sem qualquer amigo para se apoiar na hora trágica.
Nem os discípulos de Jesus, que presenciaram a sua bondade fazendo milagres, nem os seus áulicos romanos que se beneficiavam da sua posição política influente se manifestavam diante da desgraça e da prisão.

Começara a ver a injustiça dos homens pelo prisma amargo da condição de vítima.
Sempre estivera no outro lado, como acusador e juiz.
Revoltava-se, contudo, com tal recepção gelada e, por ele, tida como injusta diante dos sacrifícios que fizera por Roma e por seus asseclas aproveitadores.

De dentro de sua cela, perdendo a compostura governamental, passara a gritar estentoricamente, gritos estes que se perdiam nos corredores frios e apagados, únicas testemunhas da execução de muitos vencidos ou indefesas vítimas das circunstâncias adversas, na Roma daqueles tempos.

Fora essa a sua primeira noite na prisão, entre a umidade, os ratos e os limites da insanidade desesperada.

Enquanto isso, lá em Óstia, Zacarias seguira os passos da guarnição oficial à distância, embrenhado no meio da multidão pela qual ele passara desapercebido, como mais um velho sem futuro, à cata do lixo para sobreviver.

Seguindo o cortejo para não perdê-lo de vista, Zacarias não sabia o que estava acontecendo.

Quando da sua estada em Jerusalém, depois da morte de Jesus, o discípulo passara a atentar para todos os actos do governador, a fim de entender melhor o que estava acontecendo e qual seria o momento ao qual se referira o divino Mestre, como a hora correta para levar-lhe o auxílio de suas palavras e da Boa Nova de Jesus.

No entanto, a postura de Pilatos no evento doloroso ocorrido na Samaria, depois da morte de Sulpício, fizera com que seus escrúpulos com relação àquele arbitrário e rude administrador tornassem sua vontade de ampará-lo diminuída ao extremo.

– Como amparar um indivíduo desses?
Um homem que mata por prazer até mesmo crianças inocentes, para atingir o coração dos pais, que deixa viver para amargarem a dor da perda! – isto é um absurdo, falava para si mesmo o velho discípulo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 19, 2014 8:54 am

E bastava fazê-lo para que se recordasse imediatamente das palavras de Jesus sobre o seu dever para com o governador.
Não importava o que ele houvesse feito ou viesse a fazer.
Importava que cabia a Zacarias cumprir a tarefa que Jesus lhe havia apontado.

Assim, tentando superar o asco que passara a sentir por esse homem agressivo e ególatra, Zacarias passou a esperar a chegada do momento correto para que estivesse próximo e pudesse realizar o que lhe fora solicitado.

Mas os anos haviam passado sem que nada acontecesse.
Deixando a cidade de Emaús para trás, depois de ter vendido tudo o que possuía, regressou à casa de Pedro, em Jerusalém, onde passou a colaborar modestamente na vivência da mensagem de esperança que lhes cumpria exemplificar.

Também soubera do próprio Simão que, por ocasião da segunda despedida do Mestre, na noite que sucedeu à sua ascensão aos céus, uma angústia e incerteza dominaram seu interior, agora que o Amigo Celeste se ausentara e ele se vira entregue a si próprio.

Então, fizera o que seus sentimentos de incerteza e dúvida sobre si mesmo, mas também de confiança irrestrita em Jesus, o aconselhavam.
Orara com fervor e humildade, falando ao Mestre de suas fraquezas e receios.
Naquela noite, relatava Simão, tivera um sonho no qual Jesus lhe falava sobre a necessidade de começar pelos mais humildes e desvalidos.

Zacarias já havia sonhado com essa conversa, quando da chegada juntamente com Josué, à cidade de Nazaré, na noite em que dormiram ao relento.
Começar pelos pobres e estropiados.

“Eu não vim para os sãos, mas para os doentes” dissera Jesus e repetia agora a Pedro.
E este, compreendendo a extensão daquela resposta directa, entendera que chegara a hora de transformar o panorama daquela sociedade com uma obra humilde de fraternidade real, tão desconhecida dos judeus de seu tempo, incapazes de se libertarem do cativeiro de castas e posições nas quais se excluíam uns aos outros, numa luta infinita para a manutenção e ampliação dos próprios privilégios em prejuízo dos demais.

Era chegado o momento de exemplificar com a própria conduta.
O discípulo precisará, um dia, tornar-se mestre de si próprio, fazendo aquilo para o qual se candidatou como aprendiz.
Só então, estará capacitado para entender os problemas que seu tutor já conseguia enfrentar, quando lhe passava o conhecimento.

Fazer é a ponte indispensável entre o conhecer e o vencer, entre o saber e a sabedoria.
Zacarias, então, pôde estar ao lado de Simão, amparando as necessidades de seus irmãos, ajudado por um grupo dos antigos seguidores que, cada um a seu modo, desejava realizar as coisas, sem entender as directrizes que Jesus houvera fixado.

O mais rebelde a todas estas normas era Tiago, sempre apegado às tradições antigas e difícil de se submeter à liderança natural de Pedro, por ter sido aquele que, na condição íntima, mais assimilou o espírito fraterno cristão que Jesus exemplificara.

Josué se juntara aos que cercavam Simão, com a boa vontade e a simpatia dos que trabalham sem esperar senão mais trabalho como recompensa.
Uma alegria enchia os olhos desses abnegados servidores quando um infeliz dava entrada na modesta vivenda, no periférico tugúrio onde se reuniam.
Eram recebidos como hóspedes de Jesus, não como doentes ou infelizes.

Pedro buscava sempre levar aos seus amigos mais íntimos a ideia de que todos ali eram servidores dos hóspedes de Jesus, que era o proprietário daquela estalagem e, por isso, esperava de seus funcionários o melhor atendimento aos clientes que mandava.

Era o sentimento de Pedro, interpretando as palavras inesquecíveis do Messias, que pedira a todos eles que aquele que desejasse ser o maior, no anseio de comandar, liderar, o fizesse pelo caminho de mais servir, de mais se entregar ao trabalho, e que ele próprio, Jesus, estava entre os discípulos como aquele que servia a todos, como o menor dentre eles.

Isso acalmava os ânimos mais exaltados que desejavam posições de relevo e recusavam determinados serviços tidos como indignos ou repugnantes.

Zacarias e Josué se dividiam entre todas as tarefas e, ao lado de muitos outros, puderam presenciar muitos milagres na recuperação de enfermos, de desditosos condenados à morte pela enfermidade avassaladora que, para surpresa de todos, cedia à terapêutica de amor e água límpida, higiene simples e carinho, alimento pobre e afecto sincero.

Nessa condição, receberam a figura luminosa de Jeziel, recuperado de uma enfermidade misteriosa e tratado pelo próprio Simão, em face de nele ter identificado o cabedal de conhecimentos profundos da lei antiga, revelados nos momentos de delírios febris.

A recuperação do jovem fora surpreendente, eis que, quando de sua chegada, fora apresentado como um moribundo à espera da morte, que só chegara até ali por causa da caridade alheia que pretendia impedir que um cadáver acabasse ficando insepulto na via pública.

Algumas semanas depois de iniciado o tratamento, Jeziel já se encontrava restabelecido e inteirado da ocorrência que tanto desejaria ter presenciado, a saber, a chegada do Messias entre os homens.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 19, 2014 8:55 am

Estava, então, dedicado à leitura das anotações pobres que os apóstolos guardavam entre si, dos ensinos do Cristo, as quais recebia como água fresca em suas raízes ressequidas.

Durante o período em que se encontrou na Casa do Caminho, como era conhecida a vivenda dos apóstolos, Zacarias pôde partilhar de momentos de êxtase espiritual, escutando os discípulos conversarem com os desesperados que pediam notícias de Jesus, orando em colectividade e fazendo curas inspiradas, que levavam a fama dos servidores da Bondade para todos os cantos de Jerusalém, até mesmo ao Templo que dominava as questões da raça, em todos os sentidos.

Alguns fariseus já haviam estado nos arredores do albergue pobre, solicitando informações, observando a conduta dos galileus humildes, avaliando-lhes o comportamento e se representavam algum risco aos seus interesses farisaicos.
Outros já tinham solicitado notícias directamente a Simão, a quem reconheciam como o substituto natural do crucificado, ainda que não lhe atribuíssem as mesmas virtudes e poderes.

Jeziel, rebaptizado com o nome de Estêvão, fosse para atender a uma necessidade de preservar e proteger aquela autoridade romana generosa que lhe houvera concedido a liberdade da galera romana onde, na condição de escravo, enfermara durante uma viagem, fosse porque era hábito entre alguns judeus conversos ao Cristianismo nascente modificarem seus nomes, adoptando nomes não hebreus, transformara-se em inspirado pregador das verdades do Reino e, sem que o tivesse desejado deliberadamente, na presença de todos os irmãos do caminho e de Zacarias e Josué, inclusive, participara da reunião em que a sua figura fora defrontada pela de Saulo de Tarso, ardoroso e arrogante defensor da tradição de Moisés, com quem o pregador humilde se recusara a manter polémica, por não ser ela finalidade daquela congregação, onde estropiados e enfermos se reuniam para ouvir a palavra de esperança em nome de Jesus.

Irado com a postura superior e com aquilo que qualificou de humilhação à sua figura importante junto à comunidade dos judeus que o acompanhavam, Saulo exigiu que fosse o pregador levado ao mais alto tribunal da raça para que se manifestasse sobre a essência da pregação.

Aqueles foram dias difíceis para a comunidade, que se vira envolvida na desgraça da perseguição com a qual a velha ordem de ideias sempre tentou intimidar as transformações que lhe tolheriam os vícios e os defeitos, acostumados a se manter sempre inalterados.

Jeziel/Estêvão, em respeito à ordem do Sinédrio, comparecera solitário ao tribunal, onde ficara retido por ordem do acusador.
Ao mesmo tempo em que a Casa do Caminho sofria as primeiras perseguições pelo bem que fazia, chegara a Jerusalém a notícia de que Pilatos houvera sido convocado a Roma, onde seria punido pelos seus desmandos, afinal.

Todos estavam na expectativa de que os relatos de Públio atingissem os objectivos a que se destinavam, demonstrando a César o tamanho da insensatez de seu representante, esperança esta que já estava sendo frustrada pela demora na resposta, correndo a notícia da perpetuação de Pilatos no governo da Palestina como sendo a pilhéria dos maldosos, para escarnecimento das vítimas das atrocidades do governador romano.

No entanto, a anunciada partida do governador para aquilo que não parecia uma viagem de recreação deixara eufóricos todos os que haviam se empenhado em sua punição e na apuração de seus desmandos, enquanto passou a ser motivo de preocupação dos aliados judeus que, acostumados a se relacionar com o poderoso adversário, comprando-lhe a conivência, agora se viam às portas do perigo, alijados de seu importante colaborador que fazia vistas grossas aos seus abusos e ambições no seio dos próprios irmãos de raça.

Quem fosse enviado em seu lugar poderia estar cientificado de todos estes delitos e erros dos próprios judeus e, assim, avesso a qualquer entendimento e, o que era pior, tendente a fechar-lhes todas as portas das práticas mesquinhas e ilícitas.

O ânimo dos sacerdotes estava alterado e, para qualquer coisa que se lhes apresentasse como risco aos seus já arriscados pressentimentos, isso lhes merecia a mais ríspida resposta, suprimindo qualquer ameaça sem a menor condescendência.

Assim, o ressurgimento do movimento que acreditavam ter sido extinto com a crucificação de seu propagandista mais respeitado, representou a renovação dos mesmos desafios perigosos de anos antes, piorado pela perspectiva da mudança do governo provincial romano e de sua piora em relação às práticas que Pilatos aceitara como meio de boa convivência com eles.

Esse era o panorama que se apresentou a Zacarias quando da chegada da notícia do afastamento de Pilatos do governo.
Sabia ele que não poderia deixar de acompanhar o destino do governador que, agora, ao que tudo indicava, começava o caminho descendente que o levaria à simples condição de desditoso IRMÃO, conforme salientara Jesus naquela noite inesquecível ao seu espírito.

Dúvidas, no entanto, surgiam em sua mente.
Deixaria os irmãos naquele transe difícil?
Aceitariam eles o seu afastamento para ir ao encontro do romano odioso, deixando os seus próprios companheiros em situação tão delicada?

Aliada a esta dificuldade, surgia a personalidade de Pilatos, que não produzia em Zacarias o entusiasmo que lhe merecesse um esforço muito grande em ajudar, não fosse a promessa que fizera a Jesus e que, a todo o instante de abatimento de suas forças lhe era renovada pelo poder da consciência.

Seguir Pilatos ou seguir Pedro?
Como era difícil ter que decidir pelo primeiro, diante de tudo o que recebera do segundo e das condições em que os amigos se encontravam naquele momento!

No entanto, deveria decidir logo, eis que a trirreme romana já estava no porto palestino esperando o embarque de seu ilustre passageiro para daí a breves dias.
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Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 6 Empty Re: Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 19, 2014 8:55 am

32 - Pedro e Zacarias

A dificuldade de Zacarias era compreensível e, em face de sua necessidade de decisão, buscou ajuda junto a Simão, a fim de que o discípulo mais ligado à causa do Evangelho, naquele momento de entrega de si mesmo ao serviço dos que sofriam, lhe orientasse.

Encontrando-o em um momento de meditação que lhe propiciaria expor suas angústias, Zacarias aproveitou o ensejo e indagou:
– Querido irmão Pedro, preciso submeter-te uma questão que me tem produzido amargo conflito e que, na tua experiência e sabedoria, estou certo, poderei encontrar a elucidação.

Vendo-se procurado com tal confiança, o antigo pescador de peixes, transformado pelo Cristo em pescador de almas, sorriu-lhe e respondeu:
– Caro Zacarias, teu coração se confia a alguém muito defeituoso para poder apontar rumos e esclarecer dúvidas.

No entanto, teu carinho para com todos é credor da minha mais profunda atenção e, no que eu puder ajudar, aqui estou para isso, meu irmão.
– Sabe, Pedro, quando Jesus nos mandou a Nazaré a fim de levarmos, em seu nome, a mensagem do Reino, como é do conhecimento de todos nós, estivemos diante de Pilatos, o governador co-responsável pela crucificação.

Ouvindo-lhe as palavras, Simão balançava a cabeça afirmativamente, dando-lhe a informação de que se recordava desses factos.

– Ocorre, Pedro, que depois que regressamos à presença do Mestre, certa noite, em que me encontrava solitário e pensativo, impossibilitado de conciliar o sono, apareceu-me o Senhor para conversar comigo sobre os factos que aconteceriam com ele e que já estava nos preparando para suportar.
Então, durante a conversa, Jesus solicitou-me uma coisa de que só eu tenho conhecimento e lhe prometi que cumpriria, aceitando seguir com a tarefa até o seu final.

Interessando-se pela história de Zacarias ainda mais, Simão endireitou-se na cadeira e exclamou:
– Uma solicitação de Jesus para uma tarefa?
Hum... isso deve ser muito importante, Zacarias – falou Pedro, coçando a barba espessa.

– Sim, Pedro, também penso a mesma coisa.
– Ora, meu amigo, e por que tantas dúvidas?
– É que tu ainda não sabes do que se trata, Simão – exclamou Zacarias.

E porque o amigo permanecesse em silêncio, Zacarias continuou:
– Relembro-me de quase todas as palavras do Mestre, como se ele as tivesse escrito ainda agora em meu pensamento e, por isso, todas as vezes em que penso em abandonar a tarefa, eis que estas inscrições vivas me são trazidas da consciência mais profunda para a superfície de minhas emoções, o que me impede de esquecê-las.

Através delas, Jesus pedia que eu acompanhasse uma pessoa depois que ele partisse, a fim de que essa criatura não ficasse sem amparo nos momentos difíceis por que teria de passar.
E me solicitava que eu fosse as mãos do pastor que vai buscar a ovelha desgarrada pelos caminhos da vida, custasse o que custasse.

Que eu o seguisse, a princípio de longe e, depois, quando todos os processos se precipitassem sobre ele, que me acercasse para ajudá-lo.
Que não me importasse com o que ele tivesse feito e que esquecesse todas as suas obras más para que me concentrasse apenas no bem.

E falando sobre os miseráveis que nos circundavam e que, igualmente, mereceriam o amparo, Jesus acrescentou:
“Dentre todos estes, peço a tua ajuda para que este, em particular, seja acompanhado pelo teu carinho, para onde for, onde estiver, a fim de que, no momento adequado, voltes a falar-lhe do Reino de Deus que não o esqueceu nem excluiu.

Lembra-te, no entanto, de esperar a melhor hora.
Segue-o de longe e esteja a postos, pois na ocasião adequada te será revelado como agir em favor de sua recuperação.
Eu estarei contigo como sempre estive.
Posso contar com teu auxílio?”

Pedro, interessado, não interrompia a exposição do amigo e se mostrava fascinado com os termos da conversação entre ambos.

Curioso, perguntou querendo antecipar as coisas:
– Mas quem é essa criatura tão importante que Jesus te pede essa conduta tão especial, Zacarias?
E para surpresa maior de Pedro, Zacarias lhe respondeu, imóvel:
– Pilatos,... ... ..., Pedro.

Emocionado, os olhos do pescador encheram-se de lágrimas.
Ali estava, na prática, a postura de alma do mesmo espírito elevado que o ensinara a perdoar não apenas sete vezes, mas setenta vezes sete vezes.
Só Jesus poderia ter solicitado o acompanhamento especial para aquele homem que nada fizera para defendê-lo eficazmente.
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Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 6 Empty Re: Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 19, 2014 8:55 am

As lágrimas emocionadas de Pedro foram acompanhadas pelas de Zacarias.

– O perdão, Zacarias, foi sempre um espinho entalado em minha garganta, dentre tantas dificuldades que sempre tive para captar o fundo dos ensinamentos do Mestre – falou Pedro.
– Para mim também, Simão.
O perdão sempre me faltou e em muitas situações de minha vida eu deixei de ofertá-lo como deveria, até que, em Nazaré, fui submetido ao mais difícil de todos os testes para o meu carácter frágil que desejava fortalecer-se.

E não houve momento mais ditoso para minha alma do que aquele em que abracei a traidora de meu afecto e o causador de sua queda como meus irmãos verdadeiros e, todos, choramos juntos, lavando nossas almas para o estabelecimento do Reino de Deus dentro de nossos corações, em primeiro lugar.

– Sim, Zacarias, isso nos transforma para sempre.
Saber perdoar é dar a si mesmo a sentença de liberdade através da qual nós mesmos passamos a ser dignos do perdão de Deus para com as nossas faltas diárias.
Na condição de traidor de Jesus, eu mesmo necessito muito do seu perdão para atenuar minha consciência culpada.

Agora, a tua revelação me faz ver o quanto Jesus era maior do que nós pensávamos conhecê-lo.
Enquanto ele orava no último dia, nós dormíamos.
Enquanto ele aceitava ser preso serenamente, eu agredia com a espada, ferindo o irmão que o algemava, ao passo que o Mestre curava-lhe o ferimento.

E enquanto nós nos ufanávamos com o sucesso da mensagem que ele representava, ele estava diante de ti, preparando os passos do amanhã para resgatar o próprio algoz no momento de seu sofrimento, quando são rasgados os véus da ilusão do poder e do mando.

Sim, meu amigo, eu creio que são verídicas todas as tuas revelações, pois ninguém mais do que Jesus teria pedido uma coisa destas.

Entendendo as palavras de apoio de Simão, Zacarias continuou:
– Obrigado, Pedro, a tua palavra me anima, mas, ao mesmo tempo, o momento me confunde.
– Como assim, Zacarias?

– Ora, Pilatos foi convocado a Roma e deve partir estes dias, sem detença.
Foi chamado por ordem do Senado a pedido de Tibério e dizem todas as informações que correm à boca do povo, que está acabado, não regressando nunca mais a estas terras.
E, como Jesus havia falado, me cabe seguir esse homem mau até o seu destino de dificuldades e dores.

No entanto, as coisas por aqui estão complicadas.
Estêvão está preso, Saulo promete mais perseguições na defesa de Moisés, parecendo que o momento pede mais união do que afastamento.
E, por isso, estou perdido entre o que prometi a Jesus e o que me sinto no dever moral de realizar aqui, ao lado dos irmãos queridos que passam por provações duras.

Sinto que, se seguir o caminho do algoz romano, poderei ser considerado um traidor e um covarde perante os olhos dos irmãos da Casa do Caminho que, com razão, poderão sentir que estou tergiversando na hora em que deveria ser firme e ajudar no testemunho doloroso, para o qual não me faltam nem coragem nem amor a Jesus.

Vendo-lhe o conflito moral que surgia, ante a necessidade de partir e o desejo de ficar para hipotecar solidariedade aos irmãos de caminhada, Simão colocou a mão calosa nos ombros do amigo e exclamou:
– Zacarias, teu sentido de dever é o que te causa essa dor amarga.
E, no entanto, tuas palavras apontam para a necessidade de seguires o caminho que Jesus estabeleceu para ti, porque sabia estarias em condições de cumpri-lo.
No entanto, se posso te aconselhar alguma coisa, porque é que não fazes como eu faço sempre que tenho dúvidas quanto ao que fazer?

– Como assim, Pedro?
– Sim, meu amigo.
Todas as vezes que estou confuso, oro a Jesus para que me aconselhe e, valendo-me das anotações de Levi que carrego comigo, deito os olhos no primeiro trecho que me surgir ao olhar, tão logo termine de invocar o Mestre e, em geral, ali encontro o de que necessito para a elucidação de minhas indagações.
Por que não fazemos isso agora?

– Ora, Pedro, isso é muito bom para quem tem as anotações.
Eu não as possuo e, por isso, nunca recorri a este sistema que julgo ser muito bom.
Se estás me convidando a tentar, vamos fazer e ouvir o que Jesus nos tem a ensinar nesta hora de dificuldades.

Falando assim, sentou-se ao lado de Simão que, colocando o rolo de pergaminhos correspondentes ao que seria, muito tempo depois, classificado como o Evangelho de Mateus, ambos fecharam os olhos e, com a voz emocionada, Simão elevou a prece humilde e rogou que o Mestre querido não lhes faltasse agora, nesse momento em que as dúvidas poderiam dificultar a realização decisiva da obra que lhes cabia.

Depois que encerrou a oração, pediu a Zacarias que abrisse os olhos e lesse as primeiras frases que lhe viessem ao olhar.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 19, 2014 8:55 am

Tendo feito isso, Zacarias passou a ler, para seu espanto pessoal:
– “Portanto, não os temais:
pois nada há encoberto que não venha a ser revelado;
nem oculto que não venha a ser conhecido.
O que vos digo às escuras, dizei-o a plena luz;
e o que se vos diz ao ouvido, proclamai-o dos eirados.

Não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma.
Temei, antes, aquele que pode fazer perecer no inferno tanto a alma como o corpo.
Não se vendem dois pardais por um asse?
E nenhum deles cairá em terra sem o consentimento de vosso Pai.
E quanto a vós outros, até os cabelos todos da cabeça estão contados.

Não temais, pois!
Bem mais valeis vós do que muitos pardais.
Portanto, todo aquele que me confessar diante dos homens, também eu o confessarei diante de meu Pai que está nos céus;
mas aquele que me negar diante dos homens, também eu o negarei diante de meu Pai que está nos céus.

Não penseis que vim trazer a paz à terra;
não vim trazer paz, mas espada.
Pois vim causar divisão entre o homem e seu pai, entre a filha e sua mãe e entre a nora e sua sogra.

Assim os inimigos do homem serão os da sua própria casa.

Quem ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim, não é digno de mim;
quem ama seu filho ou sua filha mais do que a mim, não é digno de mim;
e quem não toma a sua cruz e vem após mim, não é digno de mim.
Quem acha a sua vida, perdê-la-á;
quem, todavia, perde a vida por minha causa, achá-la-á.“.

Os dois homens estavam impressionados com o teor da resposta imediata que obtiveram naquele instante.

Simão e Zacarias se entreolharam e, quase ao mesmo tempo, exclamaram sua surpresa:
– Meu Jesus... – falaram ambos.
– Está vendo, Zacarias, como é que funciona, sempre que o nosso coração está sinceramente aberto a escutar as orientações que Deus nos envia através de Jesus? – disse Pedro, feliz por terem sido alertados.

– Nossa, eu nunca pensei que isso fosse possível, Pedro.
Parece que Jesus escutou tudo aquilo que estávamos conversando e nos respondeu pessoalmente...
– É isso mesmo, meu irmão.
Jesus sabe do que necessitamos e, como pudeste ver, não foi só para ti que a mensagem chegou.
Veio para todos nós que estamos enfrentando esse momento difícil diante das autoridades do Templo, que pensam poder intimidar a caminhada da obra do Pai com ameaças e processos.
Pensam mesmo que a morte de algum de nós tem o poder de interromper a marcha da verdade...

– Mas é doloroso o momento em que vemos um irmão querido submetido a esse tipo de perseguição, sozinho, e temos de ficar à distância, não é, Pedro?
– Sim, Zacarias.
No entanto, a obra não nos pertence.
E se para que ela prossiga todos nós tivermos de ser usados como pobres pedras pavimentando o solo onde outros irão pisar, a fim de que tenham chão firme para a jornada, assim deveremos aceitar, pois foi isso que recebemos do Mestre em nossas vidas, o sacrifício de si mesmo e de tudo, para que aprendêssemos o que fazer.

– Tudo isto, para mim, é maravilhoso, Simão e, agora, sinto o quanto estava sendo fraco comigo mesmo diante dos deveres que assumi perante Deus e Jesus naquele dia.
Não valho nada por mim mesmo.
Só valho o exacto valor daquilo que puder realizar.
Minha presunção e covardia me estavam cegando diante da estrada a percorrer.

Tinha medo de ser considerado um traidor, de ser mal interpretado no pensamento dos que amo, de estar abdicando de uma demonstração de solidariedade para com os irmãos do apostolado.
Tudo isso estava sentindo por causa do meu orgulho e de minha vaidade pessoal, pois estava tentando manter o meu conceito em patamar elevado no pensamento dos outros, em vez de fazer o que era e é o meu dever realizar.
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Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 6 Empty Re: Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 19, 2014 8:55 am

Bendita a hora em que te procurei, meu irmão querido – disse Zacarias, agradecido, abraçando emocionado o amigo que o escutara.

– Fico feliz por ti e pela causa do Amor, Zacarias, já que o nosso irmão necessita muito de tudo aquilo que Jesus representa em nossas vidas.
Segue-o como ficou acertado com o Mestre e não deixes que nada te interrompa a jornada até o seu final.
Se aceitares uma recordação de nossa modesta existência e de nossos votos de constante força e coragem, eu te ofereço estes escritos para que os tenhas contigo pelos caminhos difíceis que te esperam.

Emocionado com o presente, Zacarias abaixou os olhos, envergonhado diante de tal generosidade de seu companheiro.
Afinal, naquela época, era muito difícil conseguir obter um documento tão precioso como aquele e, ainda mais, contendo os ensinamentos directos de Jesus aos seus mais chegados, intimidade esta que Zacarias nunca invocara por ter conhecido Jesus tempos depois do início de sua tarefa.

Vendo-lhe o constrangimento, Simão colocou o rolo de pergaminhos nas mãos de Zacarias, dizendo:
– Estes escritos são teus, meu irmão.
Eu possuo outros e ainda estou providenciando outras cópias para momentos especiais como este, já que a palavra de Jesus não pertence a ninguém e pertence a todos ao mesmo tempo.
Leve-a contigo, pois será a tua conselheira através da qual escutarás Jesus falando ao teu coração nas horas difíceis.

Sentindo a sinceridade da oferenda, Zacarias beijou-lhe as mãos rugosas num gesto de veneração que Simão buscou impedir, em vão.

Para amenizar o clima de emoção que envolvia os dois, Pedro ainda acrescentou:
– Não temos muita coisa, mas do que temos, quero que aceites algumas moedas para a viagem no cumprimento da primeira missão evangélica fora destas terras.
– Não é necessário, meu amigo.
E se recuso não é por orgulho ou por desprezo.
É que tenho comigo valores suficientes para a viagem e a estadia – falou hesitante, Zacarias.

– Puxa, meu irmão, pobre como estás te apresentando, com um dinheiro acumulado assim, só posso pensar em duas coisas:
ou és muito avarento, que não gasta nenhuma moeda com qualquer coisa, ou andaste pedindo muita esmola por Jerusalém sem que nós o soubéssemos – falou Simão, pilheriando.

E sem pretender expressar grandeza, mas para que o amigo não fizesse mal juízo sobre o dinheiro que possuía, Zacarias respondeu, humilde:
– Não, Simão, não foi nem uma nem outra coisa.
Eu vendi tudo o que tinha para que a tarefa não ficasse prejudicada e estas moedas foram tudo o que eu possuía na vida, inclusive a minha oficina de sapateiro em Emaús.
Só estou levando comigo as ferramentas para que, em Roma, eu possa ganhar algum dinheiro consertando sapatos, pois o futuro é desconhecido.

Pedro pôde, então, medir o tamanho do desprendimento de Zacarias e, então, entendeu por que Jesus havia solicitado a ele, o humilde sapateiro, que acompanhasse Pilatos ao seu destino de dor e dificuldade.

Abraçaram-se em silêncio e, naquele mesmo dia, Zacarias despediu-se de todos os irmãos do caminho – como eram chamados os primeiros cristãos em Jerusalém.
Abraçou com especial emoção a Josué e Cléofas, deixando as recomendações para que Saul, Caleb e Judite recebessem seu carinho quando fossem encontrados.

Sem dar maiores explicações ou justificativas, pôde sentir o olhar estranho de alguns, a insinuação leve de que aquele não seria o momento de partir, na boca de outros, a estranheza de mais alguns, mas seu coração tinha a convicção de que Jesus não viera ao mundo para trazer a paz nem para que os homens tivessem de se agradar caprichosamente.

Deveriam seguir seus caminhos no largo trabalho que a seara pedia fosse realizado pelos homens de bem e, por isso, não cabia aos homens julgar os homens.
Como Jesus havia prometido, Deus se incumbiria de justificar-lhe a partida, sem que ela viesse a ser considerada uma defecção junto à comunidade cristã de Jerusalém.

Nos seus ouvidos, soavam as palavras do evangelho:
“Quem ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim, não é digno de mim”.
“Quem não toma a sua cruz e vem após mim, não é digno de mim”.
“Quem acha a sua vida, perdê-la-á.
Quem, todavia, perde a vida por minha causa, achá-la-á”.

Era tudo isto que Zacarias estava dando a oportunidade a si próprio de fazer.
Abdicava da própria vida vendendo todos os seus pertences para atender à necessidade da obra;
carregava a própria cruz seguindo o que Jesus lhe havia solicitado;
negava seu desejo de permanecer com os amigos e irmãos de caminhada, correndo o risco de ser julgado covarde ou indigno.

Quando o grande barco deixou o porto, não eram somente cereais, vinho ou riquezas que ele levava.
Não era também apenas o derrotado ex-todo-poderoso senhor da Judeia.

Seu interior recebia a figura luminosa daquela alma desprendida que, qual nume tutelar, anjo guardião, iria acompanhar aquele homem em sua queda diante dos poderes do mundo, tentando ajudá-lo a erguer-se diante dos poderes celestes.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 19, 2014 8:56 am

Naquele momento da partida, Zacarias pensava em Jesus, segurando o pergaminho e, emocionado, lembrava-se do dia em que Pilatos os havia detido para escutar-lhes a palavra.

Amedrontados, Zacarias fora o único que falara.
Inspirado por uma força superior, encantara a todos, inclusive ao próprio governador, que se deixou embevecer com a beleza da mensagem do Reino de Deus.
Depois, quando lhes deu liberdade para regressarem – lembrou-se Zacarias – abasteceu-os de alimento para a viagem.

Será que não teria sido isso que lhe garantira a ajuda celeste para o momento amargo que começava?
Talvez ali estivesse a retribuição da Justiça do Universo ao gesto de amor que, indiferente e sem profundidade, Pilatos exercitara para com eles, abastecendo-os para a viagem.

Fora Jesus quem lhes ensinara:
– “Quando vier o filho do homem na sua majestade e todos os anjos com ele, então se assentará no trono da sua glória.
E todas as nações serão reunidas em sua presença e ele separará uns dos outros, como o pastor separa dos cabritos as ovelhas;
e porá as ovelhas à sua direita, mas os cabritos à esquerda.

Então dirá o Rei aos que estiverem à sua direita:
Vinde, benditos de meu Pai!
Entrai na posse do reino que vos está preparado desde a fundação do mundo, porque tive fome e me destes de comer;
tive sede e me destes de beber;
era forasteiro e me hospedastes;
estava nu e me vestistes, enfermo e me visitastes, preso e fostes ver-me.

Então perguntarão os justos:
Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer?
Ou com sede e te demos de beber?
Que quando te vimos forasteiro e te hospedamos?
Ou nu e te vestimos?
E quando te vimos enfermo ou preso e te fomos visitar?

O Rei, respondendo, lhes dirá:
em verdade vos afirmo que sempre que o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes...”

Como duvidar do poder do Amor que se oferece, nas respostas amorosas que a vida nos encaminha?
Afinal, Zacarias não era a resposta viva do Amor no caminho daquela alma que começava a colheita das desilusões que a iriam reconduzir à casa do Pai?

Assim foi, na viagem até Roma, modesto e humilde anónimo, ajudando naquilo que lhe fosse possível, levando água aos remadores cansados, tratando de algumas feridas expostas devido ao esforço desumano e constante a que eram submetidos os escravos e falando do reino de Jesus aos seus corações solitários e desesperados, condição mais favorável para se escutar a mensagem da esperança e da fé.

Quando chegaram a Roma, Zacarias já era querido por todos e, dentre os que lhe escutaram as palavras, mais que um deles se confessou crente na verdade apostólica, nos feitos maravilhosos e na mensagem de esperança de Jesus.

A seara era vasta e não se poderia perder a oportunidade de usar o trabalho para espalhar as sementes a todos os que pudessem ser a terra fértil apta a recebê-las no coração.

Já fora uma vitória para a causa do Evangelho a semeadura de Zacarias junto aos pobres condenados às galés.
Mais que um, como se disse, estaria entre os seguidores do Mestre daí para diante.

Quando o barco chegou a Roma, Zacarias seguiu a soldadesca rio acima, conseguindo acompanhar os passos do grupo até as portas da prisão Mamertina, que ele não identificara de pronto tratar-se de um cárcere cruel na tradição dos romanos, mas que, pelo menos, lhe parecia sólida construção de onde o governador não sairia tão cedo, em face do número de soldados que a guarneciam.

Agora, deveria arranjar-se até que as oportunidades lhe permitissem a aproximação necessária.

Buscou uma estalagem pobre, administrada por pessoas de sua raça com quem podia entender-se com mais facilidade, nas proximidades da prisão, na qual se hospedou e aguardou até o amanhecer.
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33 - Cumprindo o Prometido

Roma daquele período era já uma babel cosmopolita, na qual se misturavam pessoas de todos os povos, tanto os considerados romanos quanto os que se haviam agregado ao império expandido por Augusto com o auxílio de Tibério e outros.

Assim, ali estavam criaturas de todas as raças e línguas, não tendo sido difícil que Zacarias se encontrasse com judeus que se haviam instalado na sede do Império, sempre atraídos pelas oportunidades e vantagens mais abundantes na capital do que na província remota de onde vieram.

E, ao chegar ao local onde se hospedara, procurara trocar informações sobre as notícias mais atuais que circulavam pelo mais conhecido e difundido jornal que existe:
o jornal oral, também conhecido como fofoca do momento.

E não lhe foi difícil inteirar-se das últimas ocorrências, tanto dos escândalos públicos quanto das queixas sobre as dificuldades da vida.
E no que dizia respeito a Pilatos, a notícia era fresca.

– Sabe, meu amigo – dizia Jonas, dono da hospedaria – aquela velha raposa que nos governou de maneira corrupta e sem escrúpulos, acabou pegando o que merecia.
– Como assim? – perguntou Zacarias, sem dar a conhecer que era procedente e recém-chegado da Palestina.
– Ora, homem, parece que você não vive em Roma!
Não percebeu o entusiasmo com que os nossos patrícios receberam a notícia de que Pilatos caíra em desgraça?

Tentando não levantar suspeitas sobre a sua missão delicada junto àquele que era considerado inimigo da raça judia, Zacarias afirmou:
– É que nos últimos meses estive em viagem por terras distantes e só regressei recentemente, não tendo tempo, por isso, de me inteirar das novidades.

– Bom, se é assim, sente-se para não cair das pernas – falou Jonas, oferecendo-lhe uma caneca de vinho, que Zacarias não havia pedido e na qual não tocou.
Corre a informação de que a administração de Pilatos na Judeia ia muito bem para os interesses de Roma, até que foi mandada uma missão investigativa liderada por um senador, um tal Lentulus não sei de quê, e que, para espanto dos seus pares do Senado e do próprio imperador, descobriu verdadeiros escândalos que envolviam não só o governador nomeado, mas igualmente os nossos próprios representantes religiosos, que se acumpliciavam para a manutenção de privilégios odiosos.

Além do mais, descobriram-se os métodos cruéis com que o governador procurou vingar a morte de seus cúmplices, fazendo matar mais e mais judeus a fim de intimidar qualquer desejo de produzir novas vítimas entre os romanos.

Tudo isso foi juntado em um grosso processo onde não faltaram provas e, há alguns meses, tem sido objecto de avaliação pelos senadores e, com o apoio de Tibério, deliberaram trazer Pilatos para a capital a fim de dar-lhe o destino que julgarem adequado e que nós mesmos não sabemos qual será.

Dizem outros, ainda, que se trata de uma punição dos deuses por causa de não ter feito nada que a sua autoridade poderia fazer para livrar um inocente profeta de nosso sangue da cruz da injustiça onde morrera.

Aliás, a fama desse homem correu o mundo e já há, por aqui, muita gente interessada em saber o que ele realizara de tão maravilhoso, já que muitos de nós não pudemos conhecê-lo nem ouvir seus ensinamentos que, dizem, ser de profundidade inigualável, a ponto de produzir nos nossos sacerdotes e líderes religiosos o pavor que os levou a pedir sua crucificação injustamente.

O certo é que, em nossas conversas ainda não apareceu ninguém que nos informasse melhor sobre esse homem que uns dizem se chamar Jesus, outros falam que se chama Cristo, outros dizem que seu nome é simplesmente Messias ou Profeta...

Cada um dá um palpite e ninguém consegue explicar direito.
Escutando-lhe as referências ao seu Mestre Amado, Zacarias entendeu que sua tarefa poderia ser mais ampla do que ele mesmo havia pensado.
Calou-se, no entanto, para que se concentrasse, primeiro, em Pilatos.

– Bem, se Pilatos foi chamado até aqui, estará esperando alguma deliberação formal das autoridades administrativas? – perguntou Zacarias.
– Não sabemos.
A única certeza é que foi recolhido à prisão Mamertina, verdadeiro antro de terror, onde ficará esperando que seja levado até as cortes de Justiça que deliberarão sobre seu destino.

– Prisão, antro de terror... – aquele prédio imponente me parece menos assustador do que suas palavras o revelam.
– É porque você está afastado daqui há muito tempo.
Ali são perpetrados os piores crimes de que se tem notícia, ligados aos destinos do Império e não é raro que alguém que entre lá não demore muitos dias a sair, de um jeito ou de outro:
ou sai para ser executado, ou já sai morto mesmo, assassinado.

– Jesus..., eu preciso andar rápido – falou Zacarias, como que conversando consigo mesmo.
– Como é? – perguntou Jonas sem entender a exclamação reticente do interlocutor.
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Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 6 Empty Re: Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 19, 2014 8:56 am

Percebendo a curiosidade do seu companheiro de conversa, Zacarias procurou levar o assunto em outro rumo, afirmando:
– Não é nada, é que me lembrei que tenho alguns compromissos a cumprir e não posso perder meu tempo, já que, como um prisioneiro dessa prisão que você acabou de falar, todos nós estamos presos a assuntos que temos que resolver, não é?

– Ah! Sim, meu amigo, a vida é uma prisão sem grades cujas penas são piores do que a perda da liberdade.

Deliberou sair, assim que pudesse, para ir até o local onde vira penetrar o governador.
A manhã já ia alta quando chegou ao posto avançado que dava acesso à prisão e, usando os rudimentos de latim que já lhe haviam permitido entender-se com Pilatos, anos atrás, procurou falar com o soldado que ali estava, com naturalidade.

– Senhor centurião, grande representante de César, posso oferecer meus préstimos para consertar suas botas de soldado com as quais você marcha para defender todo o Império?

Zacarias estava tentando ser amável e enaltecer aquele que ele sabia ser, apenas, um soldado de plantão no portal de entrada da guarnição, mas que, como todo ser humano de todos os tempos e lugares, sempre se verga à lisonja e ao elogio.

– E o que você faz, meu velho? – falou o soldado, dando-lhe um pouco de atenção.
– Sou sapateiro e posso consertar as suas botas e as botas de seus amigos por um preço muito barato e o faço aqui mesmo, se me permitirem.
– Como assim?
Não tem que levar nossas botinas para a sua oficina?
– Não, meu senhor.
Se me permitirem, posso trazer meus instrumentos e ferramentas para cá e trabalharei aqui dentro mesmo, consertando o que me for possível, no tempo mais rápido e pelo custo mais barato.

– Bem, eu não posso lhe dizer nada sem antes consultar meu superior.
Volte à tarde para receber a resposta.
– Agradecido, meu senhor.

Zacarias estava tentando começar a tarefa de aproximar-se de Pilatos, buscando servir humildemente, como sapateiro, aos soldados que ali estavam instalados.
Na verdade, a autoridade romana era muito organizada quanto a diversos processos de administração, mas no que dizia respeito aos soldados individualmente, havia sempre uma certa negligência que os obrigava a cuidar pessoalmente de seu material pessoal.

Se o Império lhes fornecia o uniforme, os materiais com que exerceriam a função de soldado e o treinamento que os prepararia para as tarefas, a carreira militar, por outro lado, impunha-lhes o dever de se manter e preservar os instrumentos que lhe pertenciam para o exercício da função.

Desse modo, os soldados deveriam, com o pagamento que recebiam, preservar os seus uniformes e seus instrumentos dentro do padrão adequado e, se algum acidente danificasse tais materiais, cabia-lhes o dever de consertar por sua própria conta.

Assim, sempre havia os que estavam às voltas com problemas pequenos, mas que poderiam criar dificuldades pessoais em face das rígidas regras da disciplina militar.
Por isso, a apresentação de um sapateiro que prometia conserto barato sem necessitar afastar-se o soldado em busca de sapateiro, facilitaria muito as coisas e a ideia fora bem recebida no seio dos que prestavam o serviço naquele meio difícil.

À tarde, com a chegada de Zacarias ao mesmo posto de vigilância, foi ele conduzido para conversar pessoalmente com o superior, que o recebeu sem desconfiança, em face de identificar nele a figura inofensiva de um ancião com desejo de ganhar alguns trocados para não morrer de fome.

Tratava-se de Lucílio Barbatus, o mesmo soldado que estivera no porto dias antes, quando da chegada do navio trazendo Pilatos.

Depois de saudar o superior daquele soldado com quem falara anteriormente, o centurião dirigiu a palavra ao velho desconhecido:
– Bem, fui informado que, sendo sapateiro, você pretende consertar nossas cáligas e sandálias por um preço barato, é verdade?
– Sim, meu senhor.
Meu desejo é poder servir o melhor que puder, sendo que me contentarei com pagamento modesto que me permita adquirir o couro para prosseguir os consertos, ao mesmo tempo em que possa ganhar para a comida de cada dia. Só isso.

– E esse valor lhe será suficiente para que execute o trabalho?
Não irá, como todo o judeu que conheço, depois de iniciada a tarefa, pedir mais e mais, aumentar o preço e tentar negociar como se passasse a ter direitos maiores do que aqueles que foram originariamente estabelecidos?

– Não, meu senhor.
Não tenho os hábitos de muitos de minha raça, negociantes astutos, que sabem levar as coisas para caminhos desagradáveis.
O que estou dizendo, farei de bom grado.
E se chegarmos a algum acordo, pode colocá-lo em qualquer documento que eu assino para não haver dúvida.
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