LUZ ESPÍRITA
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Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

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Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 2 Empty Re: Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 11, 2014 9:47 am

8 - O Passado voltando ao Presente

A chegada da família romana à Palestina produziu efeitos muito diferentes em todos os espíritos.

Públio não se apercebera dos meandros negativos que ali estavam enredando aquelas almas e se mantinha muito mais ligado aos seus deveres de enviado de César do que à avaliação dos problemas humanos que teria pela frente junto das pessoas que o rodeavam.

Lívia, sua esposa, muito mais sensitiva e preparada para a percepção subtil das realidades invisíveis, ao contrário, imediatamente se deu conta das dificuldades que teria de enfrentar, seja na companhia daquela Fúlvia irreverente e sem o menor tato no tratamento dos visitantes, seja em decorrência da proximidade de Pilatos, cujo espírito desafiador e arrojado na questão afectiva se lhe impunha como adversário ferrenho.

A presença de Flávia, a pequenina leprosa, junto de seus pais na Judeia daqueles tempos, fora uma triste e desagradável surpresa, que fizera de sua estada em Jerusalém um verdadeiro martírio moral.

Ainda que a criança tivesse acusado muita melhora ao contacto com aquelas novas paragens, sua condição de enferma não poderia ser ignorada pelos olhos que a divisassem, eis que era flagrante o seu comprometimento orgânico.

E ainda que o pretor Sálvio se mantivesse controlado diante da situação da menina, evitando demonstrações de repulsa cruel, sua esposa, pouco disposta ou pouco acostumada a conter-se nas demonstrações de sua voluntariedade, inúmeras vezes fez menções directas ou veladas acerca dos problemas que Flávia possuía e que lhe causavam incómodo, fosse por causa de sua pequena filha, fosse por sua própria causa, temerosa de se ver contaminada por tal enfermidade.

Valendo-se dos momentos em que o sobrinho de seu marido não se encontrava, Fúlvia se mantinha distante da nobre visitante, quando não se dirigia a ela de maneira áspera e quase agressiva.

Lívia aceitava tais manifestações não sem sentir a decepção natural em face da inocência da filha doente e do fato de entender o medo que a mulher que os recebia ostentava.
No entanto, evitava relatar ao marido tais ocorrências a fim de não levantar qualquer antagonismo em seu espírito, sempre mais irritável e próximo dos padrões orgulhosos de seu tempo.

Mas nada disso se comparava ao risco que a presença do procurador da Judeia infundia em seu espírito.
A mulher do senador, desde que chegara a Jerusalém e fora apresentada ao governador, produzira nele uma estranha sensação de euforia, atribuída, inicialmente, ao facto de ser recém-chegada da capital e, juntamente com seu marido, trazer notícias frescas da vida romana e de possuírem cabedais culturais que não eram comuns em região tão hostil.

Todavia, o encantamento que Pilatos sentiu por Lívia tinha outras causas reais.
Falava aos seus instintos a beleza diferenciada daquela mulher simples, discreta, tão diferente de todas as outras que por ali eram encontradas para servirem aos seus caprichos.

A novidade despertava a curiosidade, e esta empurrava para a aventura da conquista.
A presa em sua mira era alguém de elevado conceito e de tão elevada formosura que se afigurava um troféu que não poderia desprezar, na sua galeria de conquistas.

Entretanto, o encantamento exterior lhe fazia supor que aquela ser-lhe-ia a mulher ideal para estar ao seu lado, já que infundia em sua alma a sensação de euforia juvenil, desde há muito esquecida pelo contacto rotineiro com sua plácida esposa e, da mesma forma, desgastada pelo sucessivo exercício com mulheres insossas, sem atractivos elevados e mais nobres.

No entanto, todos estes sentimentos contraditórios e intensos que brotavam em seu espírito pela simples aproximação daquela mulher discreta e valorosa tinham sua raiz não nos excessos masculinos de Pilatos e na permissividade com que se deixava governar pelos prazeres.

Era decorrência das experiências anteriores já vivenciadas, nas quais o mesmo espírito que, então, se encontrava na Palestina como Pilatos, estivera em terras do Egipto vestindo outro corpo físico em séculos anteriores, guardando ele a sensação de desejo profundo por aquela mulher que, também tendo vivido nos mesmos tempos do passado, produzira o desejo intenso de tê-la sob seu poder.

Isso havia ocorrido quando ambos tinham estado nas paragens africanas onde a civilização egípcia do novo Império, o último fulgor da epopeia desse povo domesticador das rochas e desafiador das adversidades, propiciara a estas duas personagens o cenário para o desenvolvimento de suas experiências evolutivas.

Pilatos, então encarnado sob o nome de Horaib, era detentor de recursos acumulados por sua conduta ilícita junto às autoridades governamentais e perante o povo, que explorava com seu amplo talento para obter lucros e vantagens.

Ainda que não pertencesse directamente ao séquito do faraó, estava sempre pendurado nas negociatas de Estado, de onde retirava o dinheiro e o poder com o qual se mantinha na cobiçada condição de homem bem-sucedido.

Da mesma forma que na actualidade de nossa história, sua personalidade dava vazão aos seus instintos mais inferiores e, com sua riqueza pessoal, pretendia sempre comprar todas as coisas e pessoas.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 11, 2014 9:48 am

Grande parte delas tinha o preço que ele poderia pagar e, efectivamente, colocavam-se à sua disposição para que seus desejos fossem atendidos.
No entanto, o homem egípcio se encantara por modesta filha de serviçais seus, mantidos em seus domínios quase que como escravos e que tinham, na filha jovem que os ajudava, a mão amiga e dedicada que, com seu esforço pessoal, era capaz de equilibrar os problemas familiares, amparando as outras quatro crianças que compunham aquele humilde lar egípcio.

Horaib, acostumado a conseguir tudo o que desejava, passara a cobiçar aquela jovem, cuja formosura e fragilidade lhe emprestavam a imagem de uma debilidade digna de amparo e protecção que estimulavam nele o desejo de mantê-la sob sua vigilância e guarda.

Naturalmente cobiçava-lhe o corpo e pensava oferecer-lhe suas vantagens materiais como forma de convencimento.
Nem mesmo por hipótese lhe ocorria a ideia de ser recusado pela jovem Tamiris, a quem julgava destituída de vontade e vulnerável ao vigor de seu raciocínio mais maduro e ao poder de sua fortuna.

Não obstante todos estes elementos e, apesar de se tratar de um homem muito mais velho do que a jovem cobiçada, Horaib viu frustradas as suas primeiras investidas.

Quando muitas outras mulheres caíam em suas garras com facilidade, Tamiris se mantinha à distância de suas armadilhas insinuantes.
Aumentou o assédio sobre ela, mas obteve a mesma resposta indiferente e respeitosa do silêncio.
Vendo que tal posicionamento lhe causava ainda mais desejos, Horaib passou a ser envolvido pela ideia fixa de possuí-la custasse o que custasse.

Mantida sob seus domínios materiais já que pertencente à família de seus servidores, Tamiris não tinha como deixar os pais trabalhadores que contavam com ela para a criação dos demais filhos pequenos.

Aproveitando-se dessa condição de superioridade, Horaib passou a presentear seus pais com favores que chegavam com grande alegria no seio da família, mas que, obviamente, tinham a finalidade de comprar-lhes o consentimento para a aproximação desejada.

A jovem moça não se encantava com as prendas que eram, aos olhos de seus pais, presentes que recebiam por serem distinguidos na atenção do poderoso patrão.
Tamiris sabia tratar-se de plano covarde e clandestino, através do qual Horaib pretendia minar qualquer resistência daqueles que seriam os únicos a protegê-la na Terra do assédio negativo de pessoas sem escrúpulos.

Os planos do astuto seguiam exitosos quanto ao aliciamento de seus progenitores, mas quanto a ela própria, mais e mais se enojava daquele homem velho que tinha por ela apenas a volúpia de um lobo caprichoso e sedutor.

Horaib intuía nas reacções de Tamiris o antagonismo que mais e mais lhe produzia desejo, eis que seu modo de ser transformava o desafio em combustível para perseverar até conquistar o objectivo. E quanto mais difícil mais saboroso o sucesso.

Vendo-se incapacitado de penetrar na fortaleza do coração de Tamiris, Horaib passou a usar de estratagemas mais covardes e criminosos.
Afastando os pais do ambiente familiar, empregando-os em tarefa em lugar mais distante, que garantia um maior tempo de solidão a Tamiris e seus irmãos, o homem astuto enviou, através de pessoas de sua confiança, inúmeras guloseimas que ele sabia serem muito cobiçadas por crianças, e nelas colocou substância tóxica obtida de plantas específicas e que produziria mal-estar no corpo infantil, apesar de serem perfeitamente assimiladas por organismos mais robustos, que nada sentiriam.

Assim, não demorou muito para que os irmãos menores de Tamiris apresentassem os sinais de alerta apontando para alguma enfermidade física.
Sem saber do que se tratava, mas imaginando que era fruto do que haviam comido, sem ter a mais remota noção de que tudo aquilo fazia parte de um plano orquestrado por Horaib para ter acesso fácil e aproximar-se dela, a jovem não teve outra opção a não ser recorrer aos recursos do senhor que os mantinha sob sua protecção, a suplicar a ajuda para as crianças, especialmente para os dois menores cuja aparência e reacções físicas mais preocupavam.

Horaib não se fez de rogado e, de pronto, assumiu o tratamento das crianças com o que de melhor tinha em sua esfera de acção, convocando médicos e apontando maneiras de tratamento que ele sabia serem eficazes para a melhoria do estado geral, uma vez que possuía, também, as plantas que neutralizavam aqueles efeitos venenosos ou irritantes.

Ao fim do dia, quando os seus pais chegaram do trabalho, a modesta casinha estava alvoroçada com os acontecimentos e Tamiris se preocupava em contar aos pais o sucedido, bem como a necessária e importante ajuda que recebera do senhor Horaib para o salvamento dos jovens irmãos.

Perspicaz ao extremo, o homem não se aventurou em aproveitar a maré favorável com exigências que denunciariam a sua intenção.
No entanto, apesar de tudo o que houvera feito, continuava a sentir a repugnância que causava em Tamiris, que não se deixava levar por suas maneiras melífluas.

Aquilo já estava lhe produzindo uma irritação e fazia com que perdesse um pouco da maneira controlada, acostumado que estava a ser voluntarioso e impaciente na conquista de seus objectivos.

Tamiris seguia sentindo a maldade oculta pelo véu da delicadeza com que Horaib pretendia confundir o juízo das pessoas à sua volta.
No entanto, sua sensibilidade apontava para o lobo ocultado pela veste de cordeiro, do qual pretendia a maior distância possível.

Passados alguns meses nessa faina inglória, Horaib determinou-se a pôr um fim na interminável novela da conquista de Tamiris e partiu para o ataque frontal, declarando seus objectivos aos seus pais que, surpresos e inocentes, viam nisso a grande oportunidade de melhorarem de vida através da entrega da filha, o que prometeram fazer mesmo sem consultá-la.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 11, 2014 9:48 am

A promessa dos pais, naquele período da vida e dos costumes humanos, era algo que representava garantia absoluta e, por isso, não interessava a vontade ou a opinião da filha, uma vez que seus pais tivessem decidido por ela.

No entanto, Horaib iria ver que com Tamiris não valiam as leis e costumes da barbárie.
Era um espírito independente e consciente de suas vontades, livre para exercitá-las sem aceitar as imposições de costumes iníquos e desprovidos de humanidade.

Assim, quando comunicada por seus pais que tivera o destino entregue a Horaib, Tamiris se viu atacada no que tinha de mais sagrado em seu afecto, considerando seus pais como seus únicos guardiões dignos de sua confiança.

Como aceitar que a tivessem negociado em troca dos favores daquele homem intragável?
Notificada de tal decisão que, sabia ela, ser definitiva, Tamiris informou a seus progenitores que não aceitava aquele homem como seu marido e que não se submeteria a ele, ainda que os pais a tivessem entregado sem consultá-la.

Assustados com a afronta de sua filha, inusual para os costumes daquela época, os pais lhe impuseram castigos físicos que ela suportou com compreensão e triste serenidade interior.

E percebendo que não poderia enfrentar em condição de igualdade o seu antagonista, deliberou abandonar a família para seguir seu próprio caminho, deixando tudo para trás.
Quando soube de sua decisão, Horaib foi tomado de uma ira incontida e, creditando tal fuga ao arrependimento dos genitores de Tamiris, mandou prendê-los como fraudadores da palavra empenhada, até que sua filha lhe fosse entregue conforme o acerto anteriormente realizado.

Da mesma maneira os filhos pequenos do casal foram mantidos encarcerados nas proximidades, alimentados por criados de Horaib como forma de serem usados como argumento para convencer o coração apertado de seus pais e submeter o espírito inflexível de Tamiris.

Com a consciência em fogo pela fuga empreendida e imaginando que Horaib não desistiria, a jovem moça não foi para longe das cercanias de sua antiga morada e, por isso, ficou sabendo de todo o sucedido com seus parentes, não suportando no coração a dor que eles deveriam estar sentindo.

Assim, para salvá-los da maldade de Horaib, Tamiris deliberou regressar à antiga propriedade senhorial, não sem antes recorrer à protecção de autoridades que sabia não simpatizarem com Horaib. Afinal, aquele comensal do governo era muito odiado pelos prejuízos que já havia produzido na vida de muita gente, nos golpes que sua astúcia tinha realizado para açambarcar bens alheios, tudo isto se erguendo como um espólio de dores e tragédias que ficara sob sua responsabilidade.

Por isso, antes de regressar à casa, depois de ter-se inteirado de todo o ocorrido com seus familiares, Tamiris buscou a protecção de pessoas influentes que tinham sido vítimas do mesmo homem e lhes confiou seus problemas, contando inclusive da prisão dos próprios irmãos, crianças ainda, o que consistia numa prática de desumanidade por ser realizada contra pessoas de sua própria nacionalidade, o que se costumava desculpar quando praticada contra estrangeiros escravizados.

Alinhavando, pois, os sentimentos de revolta que Horaib tinha semeado nos corações alheios, Tamiris conseguiu a simpatia de outro importante cidadão egípcio, Pekiat, homem de conduta digna e de nobres princípios, conquanto se tratasse de pessoa ligada aos procedimentos sociais de seu tempo.

Partilhava da vaidade e do orgulho de sua procedência, mas trazia em seu espírito a noção mais elevada de Justiça e correcção no trato com a administração de negócios.

Conseguindo os bons auspícios de Pekiat, as notícias dos desmandos de Horaib chegaram às autoridades superiores, incluindo a tentativa de envenenamento de seus irmãos que, a esta altura, chegara igualmente ao seu conhecimento por causa da revolta que causara a prisão dos pequeninos na alma de todos os que estavam ligados aos destinos daquele grupo.

Assim, sabendo que os pequeninos estavam sendo desumanamente tratados, o servo que lhes levara o bolo contaminado a pedido de Horaib, ligando todos os fatos e lembrando-se da misteriosa enfermidade ocorrida na mesma época em que fora entregue a encomenda, concluiu sabiamente ter recebido ela algum veneno misturado à guloseima.

A partir disso, foi muito fácil concluir pela culpa de Horaib já que fora ele quem recomendara a entrega do presente sem revelar a sua origem.
Todas estas notícias chegavam até Tamiris pelos amigos, igualmente servos de Horaib, que se sentiam horrorizados com o destino de sua família.

Da mesma forma, acabaram aos ouvidos de Pekiat, que tomou as dores de todos eles e, nelas, incluiu a sua insatisfação com a maneira desleal como Horaib se relacionava comercialmente com ele próprio.

O certo é que a teia dos desafectos de Horaib havia sido accionada e, para sua surpresa, um destacamento policial, atendendo a determinações do próprio faraó, estacionou à porta de sua faustosa moradia, trazendo Pekiat à frente com a ordem de busca dos familiares de Tamiris que, ao seu lado, se apresentava como a principal motivadora daquela medida.

Não foi difícil encontrarem, nos calabouços particulares daquela grande casa, a família da Tamiris que, a esta altura já estava tomada pelo desespero e pelo medo de Horaib que, insensível, não se permitia ceder aos termos do mandado, afirmando ser o dono daquelas pessoas, com direito de puni-las como desejasse.

Seu sentimento por Tamiris passou a ser um misto de cobiça e raiva por sua insubmissão.
Amparada pela força legal de Pekiat, a jovem conseguiu que todos os seus fossem resgatados do domínio de Horaib, que não teve como provar serem eles seus escravos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 11, 2014 9:48 am

A partir de então, o sentimento de Horaib empederniu-se e Tamiris passou a ser a presa difícil de ser agarrada, mas cujo desafio estimulava a sua astúcia.
Ajudada por Pekiat, sua família passou a manter-se sob a sua protecção material, como maneira de impedir que Horaib se vingasse violentamente.

Tamiris seguia cuidando dos irmãos, mas, agora, votava uma gratidão profunda a Pekiat que, apesar de sozinho, sem família, em momento algum deixou de respeitá-la e considerá-la como mulher digna dos mais elevados encómios.

Não demorou a que os modos clássicos e os dotes de virtudes de Tamiris produzissem em seu protector o sentimento de admiração que se transformou em amor com o passar do tempo, no que passou a ser correspondido por ela que, em nenhuma outra parte encontrara pessoa que lhe dedicasse o respeito tão pouco comum em homens daquele tempo às mulheres de sua época.

E a união de Tamiris com o protector de sua família calou fundo no espírito rebelde de Horaib, que jamais se esqueceu do desejo que fustigava seu espírito com relação àquela altiva jovem, nem do desprezo que sentia por Pekiat, o desafiador concorrente que lhe furtara das mãos a presa tão desejada.

E ao longo da vida vivida naquelas paragens, Horaib passou os dias imaginando uma maneira de destruir a união de ambos, ao mesmo tempo em que mais e mais deixava crescer em seu espírito baixo e sem evolução, a cobiça por aquela jovem tão bela e intocável, incapaz que era de compreender o seu estoicismo e austeridade.

Nessa disputa não solucionada entre tais espíritos, Tamiris e Horaib se mantiveram distanciados um do outro, como a presa que o lobo não conseguira obter para si.

Pekiat era o obstáculo que se levantava entre os dois e que, apesar de ser espírito mais ligado às coisas do mundo, sem condições de partilhar plenamente a elevação espiritual de sua companheira Tamiris, passara a receber dela o devotamento e a gratidão de um amor sincero e verdadeiro, que tolerava as suas imperfeições e se dedicava a enaltecer suas virtudes.

Pekiat passara a ser considerado por Tamiris o protector de sua fragilidade e de sua família desvalida, além de ser o homem sobre o qual seu ideal de felicidade se permitiria construir o seu castelo de sonhos e esperanças.

Passados os séculos, novamente ei-los reunidos no mesmo ambiente da Jerusalém dos tempos apostólicos.

Tamiris, na figura generosa e firme de Lívia.
Horaib, na condição fraca e temperamental de Pilatos.
Pekiat, na pessoa do amado esposo de Lívia, Públio.

Por tudo isto é que as leis do Universo permitem que as criaturas se encontrem novamente e possam retirar do velho baú das vivências do passado as emoções adulteradas para que sejam rectificadas por novas experiências, corrigindo os equívocos e seguindo o caminho evolutivo através do perdão das ofensas, da tolerância e paciência com as criaturas difíceis e do amadurecimento da compreensão das causas dos problemas humanos.

Apesar de todas estas oportunidades que a lei da reencarnação propícia aos seres humanos, quão poucos são os que as aproveitam com sabedoria.

Na maioria das vezes, a inexperiência precisa do sofrimento para acordar, e isso não seria diferente no caminho de Pilatos e Pekiat.

E era por causa do passado comum que Pilatos tinha antagonismo e receio de Públio, mas votava uma paixão inexplicável por Lívia, a quem desejava conquistar desta vez como não o conseguira no passado, ao mesmo tempo em que Lívia possuía uma aversão natural e sem explicação actual pelo procurador da Judeia.

As velhas leis aproximavam os velhos contendores para a melhoria de seus sentimentos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 11, 2014 9:49 am

9 - O assédio de Pilatos

Tão logo conhecera os integrantes da família Lentulus, o governador romano se deixou encantar pela beleza simples da esposa do senador, acostumado a conquistas fáceis.

Contrastando com as artificiosas personalidades à sua volta, Lívia era a antítese de todas as falsas concepções de afectividade da maioria das mulheres romanas que se encontravam ao redor do governador.

Com excepção de Cláudia, sua esposa, mulher digna dos mais elevados conceitos da tradição romana, mas amadurecida pelos anos, todas as demais eram almas entregues ao turbilhão das aventuras, sem ideais mais nobres do que o de aproveitar as sensações e gastar as horas na procura de prazeres fáceis, mesmo que desrespeitando os sagrados laços matrimoniais.

A conduta serena e naturalmente digna de Lívia, envolvida com a preocupação com os dois filhinhos, representava um quadro que perturbava a sensibilidade grosseira de Pilatos, infundindo-lhe ânsias, despertando-lhe desejos, construindo sonhos de conquistas ilícitas, como se a mulher almejada já lhe estivesse garantida pelo poderoso argumento de ser a pretendida pelo governador da Palestina, como, aliás, ele estava tão habituado a fazer.

No entanto, Lívia era diferente de tudo o que conhecera.
Na verdade, em seu íntimo, Pilatos, o mesmo Horaib dos séculos do pretérito, reencontrava Lívia, a mesma Tamiris do passado e se deixava levar novamente pelas mesmas tendências inferiores.

Seu espírito, sem compreender o porquê, revivia a excitação emocional de uma afectividade não correspondida que lhe surgia como um novo desafio e que, agora, tudo mereceria para ser realizado.

Não lhe importava sequer a presença de seu esposo, ao qual ela se ligava pelos laços mais sagrados do verdadeiro afecto, nem modificavam seus ímpetos conquistadores a existência dos filhinhos do casal.

Desejava, a todo o custo, impor-se à mulher cobiçada e aproveitaria as oportunidades para conseguir fazê-lo.

Estando a família hospedada na residência do tio de Públio, o pretor Sálvio, com o pretexto de manter conversação com os recém-chegados da metrópole romana, todas as noites o governador se dirigia àquele local, numa conduta pouco comum, mas que era interpretada pelos varões da família Lentulus como um gesto de cortesia e consideração.

No entanto, aquilo que ao espírito vaidoso dos homens era visto como enaltecimento, na alma feminina era interpretado pelo seu sentido verdadeiro, a saber, desejo de aproximação ilícita, empolgação emotiva, sentimento inconfessável.

Lívia, espírito mais elevado do que seu esposo, facilmente observou os modos comprometedores daquele homem cujo desejo carnal não acompanhara o envelhecimento do corpo e o obrigava a um comportamento juvenil de entusiasmo e ansiedade.

Vendo-se no centro do furacão emotivo de Pilatos, mais e mais Lívia se recolhia a uma posição secundária, evitando sempre permanecer muito tempo na companhia dos homens, usando como escusa a necessidade de cuidados da filhinha Flávia.

Assim como Lívia percebera as intenções do governador, outra mulher, essa bem acostumada às candências da paixão desregrada, também notara a excitação daquele governador e, o que era pior, que tal empolgação não era dirigida a ela e sim à recém-chegada.

Tratava-se de Fúlvia, a alma rude e mesquinha que se permitia a devassidão nas câmaras íntimas do governador, desprezando o respeito que devia à sua própria irmã, esposa de Pilatos.

Notando os zelos deste para com os recém-chegados e conhecendo a personalidade de seu amante, acostumado às conquistas rápidas e empolgado pela beleza da visitante, não foi difícil que Fúlvia visse em Lívia a adversária perigosa, a mulher competidora com quem deveria bater-se no desafio de manter a influência sobre o governador romano.

Pensava Fúlvia que todas as mulheres eram como ela, acostumada a ver o mundo pela sua óptica depravada e oportunista.
E a simples ameaça ao seu posto lhe causava fúria silenciosa e ordenava adoptar as necessárias medidas para atirar água fria na fervura daquele homem fraco.

Estes fenómenos da emoção ocorriam no interior das criaturas, sem que nenhuma palavra que as denunciasse fosse proferida ou rompesse a aparência de correcção na conduta de todas.

Nas reuniões nocturnas dessa primeira semana após a chegada a Jerusalém, encontraremos Públio e Pilatos em colóquio natural, na residência do tio, Sálvio:
– Pois então, nobre senador, observando mais detidamente toda a documentação oficial que César me remeteu por seu intermédio, percebo o peso de atribuições vastas que foram conferidas aos seus ombros e que apontam, naturalmente, para uma consideração especial do trono e um enaltecimento da capacidade do romano que dela foi digno – falou Pilatos adocicado.

– Nosso imperador é homem generoso e necessitado de controlar um vasto domínio.
Para isso conta apenas com homens que lhe possam ser olhos e ouvidos, recolhendo informações e levando-lhe os quadros que a ele pareçam importantes serem conhecidos.
Não se trata de excessiva capacidade dos eleitos.
Trata-se, apenas, de tarefa grande demais e de ferramentas limitadas para realizá-la – respondeu Públio, tentando retirar de si mesmo a atenção que Pilatos mencionara.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 12, 2014 9:35 am

– Sim, é verdade que a obra é grande, vastos são os domínios.
Todavia, Tibério já possui por aqui os que administram em seu nome e lhe prestam contas constantemente de tudo o quanto seja importante para os actos de governo central – falou o governador, tocando em um assunto delicado para todos.

Se enviou romano tão importante e com tão amplos poderes, é porque está pretendendo saber mais do que lhe tem sido informado, num gesto que se aproxima da desconfiança ou do julgamento apriorístico de inidoneidade.

– Não penso assim, Pilatos.
O imperador tem em alto grau de consideração a todos os que mantém nos cargos administrativos em seu nome, eis que se não fossem dignos de confiança já os teria substituído.

Ocorre que, como falei, muito amplos são os domínios e se um procurador como você é responsável por um trecho limitado do Império e sobre ele precisa manter uma rede de soldados e informantes que o possibilitem exercer o domínio e conhecer os principais factos, imagine a Tibério, como deve ser difícil administrar à distância, sem maiores informações que os relatórios parciais que lhe chegam de todos os governantes.

– Sim, isso é verdade – falou Pilatos algo mais sereno para não denunciar aos olhos de todos os seus receios mais íntimos.
E por falarmos em preocupações imperiais, pelo conteúdo dos documentos, observo que nosso imperador colocou à sua disposição uma centúria para que a comandasse pessoalmente, sem minha interferência directa...

Tal comentário de Pilatos era uma referência ao teor dos papéis oficiais que lhe haviam chegado às mãos, mas que, no fundo, representavam um desprestígio à sua autoridade, acostumada a ser a última instância nas questões que lhe eram afectas.

Agora, com a chegada de Públio, vira-se apequenado pela coexistência com alguém que, se não tinha a função de exercer o governo da Palestina, tinha, no fundo, a tarefa de avaliá-lo, de fiscalizá-lo, de investigá-lo com amplos poderes.

Vendo que o governador tocara no tema delicado e, acostumado às manobras políticas no seio do senado, Públio imediatamente avaliou os temores daquele homem e, para dissuadi-lo de qualquer ideia de antagonismo que poderia dificultar ainda mais a sua tarefa política junto ao governo da Judeia, respondeu-lhe:
– Sim, nobre governador.
Foi desejo de César investir-me do privilégio de possuir uma força militar ao meu comando, privilégio este que não pretendo utilizar, a menos que seja imperioso fazê-lo, já que me sinto devidamente protegido pela sua hábil capacidade de manter a ordem nestas paragens.

Dispensando o comando de soldados naquele momento, Públio sinalizava a Pilatos um gesto amistoso de confiança e aparente submissão, que era muito do agrado do governador e permitiria que o mesmo se sentisse mais seguro diante da velada ameaça que o senador representava aos seus interesses imediatos e inconfessáveis.

– Agradeço a confiança depositada em minha capacidade de lhes garantir a segurança e a protecção e esteja seguro de que sua estada na Palestina será uma agradável e serena experiência, no que depender de meus cuidados.

A palestra seguia por assuntos de outras naturezas, sem que Públio ou Lívia pudessem atinar para as falsidades que haviam se tornado naturais nos espíritos dessas personagens afeitas ao comportamento inadequado ao objectivo de suas paixões mais baixas e torpes.

Notando que suas investidas em casa do pretor Sálvio eram cordialmente rechaçadas pela mulher do senador, que se ausentava constantemente de sua presença, Pilatos organizou-lhes uma recepção em sua própria casa, na qual iria estar em condições de impressioná-los com o faustoso cerimonial romano e com o que havia de melhor naquelas paragens, imaginando que tal convite lhes seria agradável pelas emoções que lhes produziriam ao reviver as tradições da Roma dos brilhos e caprichos.

Não imaginava Pilatos que os Lentulus não se filiavam à extravagante corrente dos romanos desejosos de gozos e volúpias infindáveis, marca dos tempos modernos da capital poderosa que rompia com as tradições patrícias de frugalidade e simplicidade diante da vida.

Nesse encontro formal e cerimonioso, tinha certeza de poder contar com a presença de Lívia que, por cumprimento do dever de acompanhar o poderoso marido, não poderia deixar de comparecer e de ficar sob a sua influência pessoal.

E para a recepção não seria cortês deixar de lado a figura dos anfitriões Sálvio e Fúlvia que, igualmente, foram convidados para participarem.
Pilatos esmerou-se no acto de impressionar, pois, sem medir gastos e nem fazer uso do bom senso, produziu um ritual envolvente, onde não faltaram vinho, pratos exóticos que se sucediam nas mãos de servos sem conta, dançarinas, cantores, mas que tivera o efeito, apenas, de confirmar no espírito de Lívia e Fúlvia os temores e a desconfiança anteriores.

A primeira, com mais cuidado se mantinha distante das conversações, entretida em amparar a filhinha Flávia, que fizera questão de levar consigo para aquele ambiente, em que pesasse o seu estado de saúde fragilizado.

Seria o seu escudo protector, na postura digna daquela que deseja lembrar a todos a sua condição principal, como mãe desvelada e cuidadosa.
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Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 2 Empty Re: Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 12, 2014 9:35 am

A outra, Fúlvia, sentia-se picada em seu orgulho de mulher para a qual nunca o amante enaltecera sequer com um modesto brinde, que dizer, então, com uma festa daquelas.
O espírito invejoso e ciumento de Fúlvia se mantinha armado para somar todas as contrariedades e, depois, cobrar-lhes o preço que acreditasse justo.

Nesse ambiente, as conversas envolviam também o homem de confiança de Pilatos, o seu braço direito nas negociatas comerciais com as quais ia se enriquecendo, o lictor Sulpício Tarquínius.

E das conversações que se seguiam durante o repasto, ouviu Públio a menção de Sulpício à figura de Jesus, relatando os feitos do novo profeta que surgira entre os miseráveis, fazendo-o com esmerado requinte de detalhes, inclusive mencionando os casos específicos em que romanos se aproximaram do taumaturgo e conseguiram obter curas impressionantes.

Pilatos escutava sem nenhuma empolgação, acostumado que se achava, já há pelo menos seis anos no exercício do governo da Judeia, com o misticismo daquele povo estranho e extremamente religioso.

Lívia, Públio e Flávia escutavam igualmente a conversação, mas com outros ouvidos, guardavam as informações do lictor Sulpício como notícia importante e digna de nota.

Públio porque, pela primeira vez escutava pessoalmente o relato sobre aquele homem cuja existência tanto interessava a Tibério por quem fora incumbido de averiguar sigilosamente sobre a verdade dos boatos que chegavam a Roma e a Capri e que envolviam Jesus.

Lívia, por possuir um espírito sensível, era passível de ser tocada por todos os exemplos de nobreza e elevação já que seu espírito elevado se afinizava facilmente com as coisas belas e nobres, ao mesmo tempo em que pensava na saúde de sua filhinha.

Flávia, a pequenina criança doente e sofredora, escutava na sua inocência, a menção àquele homem santo e poderoso que curava os doentes e que era chamado de profeta pelo povo.

Instigado por comentários de Pilatos que levava o assunto adiante, Sulpício seguia descrevendo os factos, afirmando que o referido homem especial estava vivendo nas proximidades do lago de Genesaré, ao norte, em pequena comunidade conhecida como Cafarnaum, na região da Galileia, sua terra natal.

E para culminar sua narrativa, relatou o caso do centurião romano que apresentara a Jesus o filho enfermo e desfalecido, às portas da morte, e que fora revivido pelo simples toque das mãos do profeta, como que por um milagre, diante de todos os presentes.
A palavra do homem de confiança de Pilatos era envolvente e temperada pela vivacidade daquele que presenciou muitos factos e que fala do que, efectivamente, pôde constatar, principalmente por não ser um dos seguidores daquele profeta tão diferente dos outros.

Se se tratasse de um testemunho comprometido pela simpatia do depoente pela causa em questão, tal relato seria tomado com cuidado por não representar, com isenção, a realidade dos factos.
Todavia, vinha da boca de um romano que continuava romano na sua essência, ainda que subalterno e sem projecção na sociedade patrícia e nobre, onde a estirpe representava cartão de visitas e prenúncio de respeito e confiabilidade.

Ele havia visto e escutado Jesus junto à multidão dos sofredores de Cafarnaum e se impressionara com aquela majestosa simplicidade que, sem qualquer atavio, dominava os ouvintes que permaneciam em silêncio para escutá-lo.

Assim, Públio começava a receber informes importantes para a sua segunda missão, aquela não declarada, graças à qual iria confidenciar a Tibério sobre a existência real daquele homem lendário e que se encontrava entre as esperanças do imperador para obter a melhoria física e a cura para seus males crónicos.

Naquela noite, pretendendo estabelecer moradia na província oriental, mas longe dos olhos do governador, atendendo às sugestões de Pilatos, Públio havia elegido a Galileia como local para sua fixação naquelas paragens, já que não pretendia permanecer hospedado na casa de seu tio e de sua perigosa mulher, cuja conduta coleante e frouxa já houvera sido também percebida por Públio.

E em que pese ter optado por Nazaré, acatando sugestões de Pilatos que, com isso, pretendia manter o senador e sua esposa em região na qual também tinha residência particular, no íntimo do senador surgia a ideia de transferir-se para as proximidades do profeta, já que tinha uma missão do imperador a cumprir.

Quanto mais rápido o fizesse, mais rapidamente se desincumbiria da tarefa e poderia atender aos anseios de César.
Naquele dia, depois do jantar, os factos desencadeariam efeitos que acabariam por levá-lo, efectivamente, a escolher Cafarnaum como refúgio distante.

Assim é que, depois do repasto farto e cansativo, os convidados foram aos jardins da residência senhorial desfrutar a noite fresca, seguindo aos pares como mandava a tradição, ficando Públio com Cláudia, a anfitriã, Pilatos com Lívia e Sulpício acompanhando Fúlvia, cujo marido se apartara do grupo atendendo a seus desejos estéticos junto a obras artísticas que ornamentavam a residência do governador.

Cláudia se mantinha na posição de mulher nobre e agradável, cumpridora de seus deveres sociais e familiares, na antítese do marido que esposara.

Pilatos, contudo, não se punha no lugar que lhe cabia, aproveitando-se das circunstâncias favoráveis, como ele houvera previsto, para iniciar o cortejamento da mulher alheia, tentando ser envolvente e subtil nas suas indirectas, que chegavam ao coração nobre de Lívia como petardos dolorosos e difíceis de suportar como lhe impunha a condição de convidada.

Valendo-se do natural distanciamento entre os pares na lenta caminhada pelo vasto local, Pilatos declarou-se à Lívia e escutou dela a natural recusa que não era costumeira aos seus ouvidos.
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Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 2 Empty Re: Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 12, 2014 9:35 am

No íntimo de suas almas, reviviam as experiências antigas e pregressas já relatadas no capítulo anterior e, para infelicidade de Lívia, que se via ferida pelas palavras insinuantes, o espírito de Pilatos continuava a ser quase o mesmo arrogante e conquistador do pretérito.

Sem tirar os olhos de ambos, Fúlvia acompanhava o caminho do casal procurando manter-se atenta a todas as cenas, ainda que não lhe fosse possível captar os pormenores do colóquio pelas vias auditivas.

Sulpício, ao seu lado, sentia-se orgulhoso por acompanhar bela mulher cuja vida dissoluta conhecia detalhadamente e, por isso mesmo, almejava a oportunidade de, ele também, receber-lhe os favores carnais que imaginava fáceis e envolventes.

Já lhe havia proposto de forma directa a possibilidade de servir-lhe com zelo e afecto sincero em troca de uma oportunidade em sua intimidade, mas Fúlvia recusara, não por lhe ser indiferente a proposta de aventuras sexuais, mas porque, na sua concepção romana, Sulpício era um empregado de Pilatos e, entre deitar-se com ele e com o seu patrão, para a sua condição de mulher seria mais importante entregar-se ao mais poderoso ao invés de aventurar-se com o subalterno.

Pudores em meio da depravação, típicos do ser humano em crescimento a partir da ignorância.

Fúlvia, no entanto, observara o desejo de Pilatos nos gestos, nos olhares, na maneira encantadora com que ele se dirigia a Lívia e na situação inesperada que os envolvera durante a qual tomara entre as suas a mão da esposa do senador porquanto, diante de tão pesados dardos energéticos de Pilatos, Lívia fora presa de um abatimento e desfalecera momentaneamente, tendo sido impedida de cair por vetusto tronco de árvore ali existente onde se apoiara e pelas mãos do governador que, temendo a queda da delicada mulher desejada, como se disse, segurara-lhe pelas mãos, num gesto que, à distância, poderia ser interpretado como um enamoramento, mas que, em realidade, mais não era do que uma imposição do estado fragilizado de Lívia.

Tão logo se sentiu invadida pelo toque físico do adversário astuto, Lívia recobrou-se e, aproveitando-se da chegada de Públio e Cláudia, retomou a conversação com o esposo e a anfitriã, ignorando as investidas de Pilatos e deixando-o sem qualquer outra palavra durante o restante da noite.

Tal fragilidade física de Lívia soara ao espírito conquistador de Pilatos como o preâmbulo de uma capitulação, pois fora por ele interpretada como um sentimento correspondido em luta contra a sua condição de esposa e mãe, nos conflitos entre os desejos ocultos e as virtudes naturais de sua alma feminina.

Para Pilatos, Lívia dava mostras de, ainda que lhe recusasse o assédio com palavras claras, era traída pela reacção orgânica que indicava a emoção que a levara ao desequilíbrio físico.

Isso era estímulo para a continuidade de suas empreitadas indignas, acostumado que estava ao estratagema usado com outras, que sempre iniciavam o relacionamento recusando formalmente os seus convites para, logo depois das primeiras investidas, entregarem-se ao desvario completo em sua companhia.

Fúlvia via tudo de longe e, com os olhos voltados para o centro dos acontecimentos, levou Sulpício, igualmente, a observar os factos acima narrados.
Vendo a cena com os olhos da maldade e da depravação que lhe corrompiam o espírito, e sabendo da maneira sedutora com que Pilatos se conduzia com as mulheres, imaginou que Lívia estaria sendo cooptada pela sua teia pegajosa, tornando-se a nova conquista do governador.

Dirigindo-se a Fúlvia, ironizou-a, dizendo:
– Pois eu não sabia que você já tinha caído em desgraça junto ao governador, trocada, assim, tão depressa por outra mais nova nestas terras.

E eu que venho me oferecendo como fiel e dedicado servidor de seu afecto, só tenho recebido sua repulsa... – falava, astuto, para produzir o efeito de ferir o coração decepcionado de Fúlvia, ao mesmo tempo em que desejava apresentar-se-lhe como um homem que lhe valorizava a companhia enquanto Pilatos desdenhava dela e a trocava descaradamente por outra.

Ferida, Fúlvia se deixou enredar pelas teias inferiores onde seu espírito chafurdava naturalmente, prometendo-se ao lictor se ele a ajudasse a afastar Públio e Lívia de Pilatos ao mesmo tempo em que, no momento oportuno, semearia no espírito do senador a venenosa desconfiança com relação à esposa fiel e devotada, dupla maneira de vingar-se daquela que parecia ser a pudica matrona romana, mas que, aos seus olhos, valia-se de sua condição socialmente elevada para dar vazão às torpezas mais baixas.

Ali realizaram o pacto trevoso que custaria muito aos seus espíritos, por séculos e séculos do futuro, na recuperação efectiva de suas quedas fragorosas.
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Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 2 Empty Re: Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 12, 2014 9:36 am

10 - Os Cúmplices

Alguns dias depois desta cena, visando cumprir a promessa feita à Fúlvia, segundo a qual tudo faria no intuito de afastar o senador e sua esposa da presença de Pilatos, Sulpício fizera ver ao enviado romano que o seu desejo de fixar-se em Nazaré, conforme lhe houvera sugerido o governador da Judeia, não lhe cairia bem, em face da rudeza das acomodações, ali sempre escassas e abaixo das necessidades de conforto da família.

Tendo sido convocado a opinar sobre a transferência para um local apropriado para o exercício de seus deveres como legado de Tibério na província da Palestina, Sulpício aprestou-se a lhe sugerir a fixação na comunidade mais distante, localizada ao redor do lago de Genesaré, ao norte de Nazaré, onde um conjunto de núcleos habitacionais se congregava para usufruir a paisagem gentil e auspiciosa propiciada pela grande massa aquosa, chamada pelas pessoas de mar da Galileia, tal a sua dimensão.

Dele as criaturas poderiam retirar não apenas o alimento para sobrevivência, como também a aragem suave que atenuava a rigorosidade da atmosfera de secura e aridez encontrada em muitas outras partes daquela região, apesar de que, no período em que nos fixamos na presente narrativa, a Palestina apresentava-se revestida de um verdor e beleza que em nada se parecia ao seu estado actual.

Escutando-lhe a sugestão, o senador perguntou-lhe:
– Você está seguro de que a região é salutar e agradável, Sulpício?
– Posso afirmar com toda a segurança, nobre senhor, que em momento algum se arrependerá da escolha que fizer, se ela recair sobre a localidade que estou apontando.
Ademais, a moradia que me é possível oferecer, pertencendo a um dos nossos, poderá facilmente ser arrendada por período que seja conveniente aos seus interesses oficiais, poupando a despesa com a aquisição definitiva.

É gleba de terras muito apreciável, com pomares e plantas que ornamentam a área que, de alguma sorte faz lembrar os ambientes campestres de nossa capital.
Além do mais, a casa poderá ser reformada rapidamente para atender às necessidades de sua família, pois está em bom estado de conservação.

– Apenas a localidade não me é conhecida.
Sei que Nazaré dista um bom pedaço para o norte de Jerusalém.
E essa localidade que você aponta, para onde fica?
– Bem, senhor, Cafarnaum fica ainda mais ao norte, mais distante de Nazaré.

– Cafarnaum, Cafarnaum... – falou pensativo o senador – já ouvi referências a esse nome.
A moradia que você está sugerindo não fica em Genesaré? – perguntou Públio, confundido pelas denominações diferentes e procurando retirar da memória a lembrança na qual estaria arquivada a referência a essa localidade.

– Sim, meu senhor – respondeu Sulpício –, acostumar-se às localidades é uma das maiores dificuldades para os que chegam à Palestina, já que são pequeninos amontoados de pessoas, todos com nomes muito diferentes da nossa maneira de chamar as coisas, muitos deles parecidos uns com os outros, pela maneira com que se pronunciam.

No entanto, Genesaré é o nome do lago que falei onde se localizam muitas cidadezinhas, inclusive uma que foi fundada em homenagem a César, de nome Tiberíades.
Cafarnaum fica mais ao norte, circundando o lago, bem mais distante de Nazaré.

Públio escutava-lhe as explicações, lembrando-se de que quanto mais afastada ficasse a sua moradia, melhor aos seus interesses de investigar Pilatos, de atender aos interesses da pequena Flávia, a filha doente, e de conseguir informações sobre aquele Jesus que Tibério lhe pedira para conhecer.

Em seu pensamento rápido, lembrando-se de Jesus, recordou-se da referência a Cafarnaum.

– Agora me volta à mente nossa conversa de dias atrás, por ocasião do jantar em casa do governador, quando você fez referência à pessoa de um taumaturgo, de um curandeiro que está por esta região fazendo seus milagres e assustando as pessoas, não foi, Sulpício? – perguntou afirmando o senador.

– Ah, sim, senador. É verdade que falamos sobre Cafarnaum.
Lá pude presenciar a pregação desse homem que é chamado de Mestre por muitos dos que o seguem e que tem se notabilizado não apenas por sua forte e atraente personalidade penetrante, mas também por levar esperança e cura para muitos dos que o seguem.
Seu nome é Jesus e está morando, pelo que pude observar, na mencionada cidade onde se fixam alguns de seus mais fiéis seguidores.

Imaginando que a sugestão do lictor lhe estava caindo como uma perfeita solução a todos os seus anseios, meditou sobre a efectiva conveniência de transferir-se para Cafarnaum.
Restava-lhe apenas confirmar alguns detalhes sobre a salubridade da região, por causa da saúde da filhinha, que precisava preservar.

– Você sabe, lictor, que um dos motivos de minha vinda até a Palestina é o problema de saúde de minha filha mais velha, que precisa de local agradável, saudável, livre de pestes, de mosquitos, de calores excessivos e da presença de muita gente, sempre capaz de concentrar os miasmas da enfermidade ao seu redor.

Temo que a concentração excessiva de pessoas possa tornar inconveniente o local.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 12, 2014 9:36 am

Na verdade, o pai zeloso também estava preocupado em expor a filha aos olhos maldosos das pessoas que, em convívio directo com enfermidades como a de Flávia, facilmente identificariam o seu estado físico e a origem de seus males, possibilitando reacções negativas e rudes da parte dos mais ignorantes e amedrontados.

Percebendo a necessidade de convencer o senador da conveniência de tal escolha, Sulpício não se fez de rogado e acrescentou:
– Pois se tal é a necessidade primeira, a saúde da pequenina poderá ser recuperada tão só ao contacto das aprazíveis brisas da região a que me refiro.
Em verdade, senhor, não há em toda a Galileia outro sítio mais favorável do que aquele, eis que as aragens do lago, as perfumosas flores e o sabor adocicado das frutas que lá crescem são o atestado da salubridade e das condições de conforto que o ambiente propicia.

Além disso, no que toca à discrição e à tranquilidade tão necessárias para o tratamento da pequena doentinha, a gleba a que me refiro não se localiza no sector urbanizado, distando quase um quilómetro do aglomerado de casas, o que permite o isolamento necessário para a serenidade da família.

Não está de todo afastada – o que também não seria conveniente em face dos perigos naturais e da fragilidade da segurança – nem está de todo encravada no meio da população, o que, igualmente, seria nocivo aos objectivos pretendidos.

Convencido pelos argumentos do interlocutor, que se fazia atencioso e interessado no melhor para os confortos do senador, Públio assentiu que Sulpício procurasse fixar a moradia dos Lentulus na região por ele sugerida, o que lhe vinha a calhar, pois representava uma combinação favorável para a realização de todos os seus objectivos.

Ficaria longe de Pilatos, a quem já começara a não suportar por ser homem cheio de meneios de conduta, procurando manter um comportamento versátil e interesseiro.
Como já vimos, com sua sugestão de fixar a residência do senador em Nazaré, Pilatos desejava não apenas ter sob sua mirada a figura de Lívia, a quem dedicava a cobiça de seu espírito lascivo, mas também estar observando os movimentos do enviado de Tibério para melhor constatar as suas atitudes e precaver-se.

Por isso que o governador sugerira a fixação da família em Nazaré, onde ele próprio possuía moradia ou instalações nas quais passava boa parte do tempo.
Da mesma maneira, aos ouvidos do senador, Fúlvia já havia feito chegar as notícias maldosas dando a conhecer, segundo o seu ponto de vista, o encontro de Pilatos e Lívia no jardim da residência deste, na noite do jantar, levantando suspeitas da prevaricação da esposa de Públio.

Acostumado a uma consideração honesta e de boa-fé sobre as pessoas, o senador refutara as acusações sobre a conduta de Lívia, mas as insinuações agudas de Fúlvia fizeram em seu íntimo as marcas naturais a que estão vulneráveis todos os homens e mulheres que são frágeis no afecto.

Assim, afastar-se do antro de intrigas onde estava instalado, igualmente seria benéfico ao estado geral da família Lentulus.
Pilatos não lhe agradava, como governante e como homem e, pelos seus sentimentos passava o temor de perder a felicidade familiar no meio do torvelinho das intrigas e da inveja.

Afastar-se dali era o que seus pensamentos mais lhe aconselhavam.
Do mesmo modo, ficaria isolado em localidade distante da sede de influências do procurador, quando então poderia acumular as informações sobre seus actos administrativos e sua maneira de ser como representante maior de César naquela região.

Não seria incomodado por suas pressões e por sua vigilância dissimulada.
Além disso, poderia manter a filha em ambiente aprazível e protegida dos olhares indiscretos e maldosos das pessoas, aguardando a sua melhora plena.
Mesmo no que tange às obrigações não oficiais que Tibério lhe solicitara, em Cafarnaum o senador poderia encontrar as informações sobre aquele homem que era possuidor de um modo especial e diferente de tratamento de doenças e que estava produzindo curas assombrosas.

Em Cafarnaum se encontravam todas as condições para que o senador desempenhasse os misteres nos quais fora investido por Tibério e pelo próprio Senado Romano.

Ali realizaria os actos necessários para poder voltar à sede do Império com a missão cumprida.
Ainda não se passavam quinze dias da estada da família na cidade de Jerusalém e Públio já se sentia sufocado pelos seus modos, pelos costumes estranhos daquela gente, pelas insinuações mesquinhas de Fúlvia, e se passaria quase um mês até que os preparativos da mudança estivessem prontos, favorecendo a transferência dos Lentulus para a região distante da Galileia, junto ao lago de Genesaré, onde estavam acontecendo os eventos mais relevantes para a história da Humanidade.

Enquanto isso, na sede do governo, Pilatos se via contrariado com a escolha do senador pela pequenina Cafarnaum, distante de suas vistas.
Assim, deu ordem aos seus asseclas para que se mantivessem atentos, para que qualquer movimento suspeito de Públio lhe fosse imediatamente comunicado, pois ele sabia que o senador representava perigo à consecução de seus planos indignos.

Como se sabe, o homem que tem coisas a esconder teme a presença de qualquer outro que lhe atrapalhe as intenções escusas.
Acostumado a levar uma vida dupla, tendo de parecer honesto representante de César e ao mesmo tempo procurando retirar de seu cargo todas as vantagens indignas que a proximidade do poder favorece, Pilatos, que já se encontrava há seis anos no governo da Judeia, por primeira vez se via defrontado por um adversário a ser vigiado de perto, pois Públio estava investido de uma autoridade mais elevada do que a dele próprio, conquanto não pudesse administrar a Palestina em seu lugar.

Por isso, alegando necessidades urgentes, Pilatos passou a empreender pequenas viagens para localidades nas cercanias de Jerusalém, onde estavam pessoas importantes em seu tráfico de interesses, a fim de entender-se pessoalmente com elas quanto à discrição indispensável à sobrevivência dos esquemas montados.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 12, 2014 9:36 am

Na própria Jerusalém, encontrou-se pessoalmente com o sumo-sacerdote com quem tratou de questões comuns e combinou condutas mais discretas na solução de problemas de interesse de ambos, evitando-se cenas comprometedoras ou que pudessem revelar, em seus contornos, mais do que a formal relação que deveria haver entre o dirigente romano e o representante religioso do sumptuoso templo dos judeus.

Lívia, contudo, não lhe saía da cabeça.
Sua presença, seu porte nobre, sua repulsa e ao mesmo tempo a sua vertigem apontavam-lhe uma silenciosa capitulação ante a sua irresistível personalidade – pensava Pilatos, presunçoso – entrevendo o próximo encontro e a próxima possibilidade de envolvê-la com sua astúcia de víbora.

Em vão Fúlvia procurou aproximar-se do governador a fim de fazê-lo sentir os seus sentimentos provocantes e insinuantes, sempre encontrando a justificativa de que o procurador não poderia atendê-la ou que estava ausente do palácio.

Tal distanciamento não passava despercebido da argúcia feminina de Fúlvia, acostumada aos jogos da sedução e à personalidade previsível daquele homem e, na condição de mulher maliciosa e de pensamento prevenido, tudo interpretava como perda dos privilégios conquistados nas aventuras ilícitas com o cunhado e culpava Lívia por isso.

Naturalmente, deveria dar tempo a Pilatos para que ele pudesse esgotar sua emoção com a novidade que a mulher do senador representava em sua vida.

Estaria por perto para dar o bote no momento adequado.
Já havia feito chegar a Públio a notícia maldosa falando do envolvimento de Lívia com o governador, na forma de sua interpretação maliciosa da cena nocturna do jardim.

Agora, com o afastamento do senador para a localidade distante de Cafarnaum, Fúlvia poderia voltar à carga junto de seu amante e cunhado, procurando mantê-lo sob o seu controle, mesmo que precisasse usar das armas da sedução para impor-se ao seu domínio.

Sulpício tinha feito a sua parte no acerto inicial que fizeram naquela noite, afastando o casal das proximidades de Pilatos.
O lictor, atendendo às determinações de Pilatos, ficaria com a família do senador em Cafarnaum, com a desculpa de protegê-los em localidade distante, no comando de pequena guarnição de soldados que se manteria ao serviço da segurança do enviado de Tibério.

No fundo, a função de Sulpício era a de vigiar Públio e enviar notícias a Pilatos sobre seus actos.
Assim, em pleno ano de 32, encontraremos Públio, Lívia e seus filhos instalados nas proximidades do mar da Galileia, envolvidos pelas tramas mesquinhas dos interesses subalternos e muito próximos da redenção de seus espíritos pelo contacto directo com a personalidade mais marcante que já pisara o solo terreno.

Lá estava Jesus também, com os estropiados do corpo e do espírito, seguido pelo cortejo das lágrimas e das súplicas, entregue aos aflitos e sobrecarregados pelas misérias humanas para dar-lhes esperanças e forças para o reino da Justiça e da Misericórdia que iria se instalar entre os homens.

Ali se encontravam também Zacarias e Josué, que seguiam Jesus por toda parte, ao lado dos doze escolhidos e dos outros sessenta e oito varões que se dedicavam, por espontâneo devotamento, ao aprendizado das mais altas lições da espiritualidade na regeneração de suas próprias almas.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 12, 2014 9:36 am

11 - Jesus e os setenta

As oportunidades de trabalho no caminho do amor multiplicavam as necessidades de mais e mais mãos que pudessem levar a mensagem de esperança a todos os sítios, em uma época na qual a ausência de meios de comunicação mais avançados dificultava a propagação das verdades da alma.

Assim, os jornais inexistentes eram substituídos pelos viajantes que relatavam, por onde passavam, os factos e as notícias mais importantes e, assim, as novidades eram difundidas de maneira lenta e difícil.

As curas e os ensinamentos de Jesus que se concentravam no núcleo urbano onde se manteve por mais tempo iam, igualmente, sendo transmitidas aos que residiam nas localidades que, com a sede de melhora, procuravam encontrá-lo pessoalmente.

Dessa maneira, no segundo ano de seu ministério, a notícia de sua capacidade curadora, de seu magnetismo potente e inigualável, de seu modo diferente de falar do Reino da Verdade, da sua mensagem sobre um mundo diferente que acolheria a todos e faria justiça diante das injustiças terrenas, trazia gente de todos os lados e tornava ainda mais dificultosa a realização de uma tarefa tão imensa, já que as criaturas imaginavam que a sua mensagem visava apenas curar o corpo.

Multidões passaram a buscá-lo, vindas de todas as regiões circunvizinhas ao lago de Genesaré e isso obrigava a que Jesus e seus discípulos recorressem a meios ou estratégias que lhes permitissem seguir realizando as obras da Boa Nova sem se verem massacrados pela multidão exigente e temperamental.

Muitas vezes Jesus se valeu da barca de Simão para que, através do lago, pudessem atingir outras localidades sem que fossem seguidos pela turba e sem que o volume de curiosos e pessoas sem compromissos com a transformação verdadeira lhes atropelasse o caminho.

Naturalmente, ouvindo falar das inúmeras realizações do Divino Amigo, muitos sofredores o buscavam da mesma maneira que uma chusma de pessoas sem doenças físicas também desejava estar por perto para ver a realidade dos fenómenos físicos que se produziam em sua presença.

Mais do que desejosos de melhoria para si mesmos, eram curiosos que queriam estar a par das coisas e ver com os próprios olhos.
Não havia, então, como discernir na turba barulhenta que o seguia pelos caminhos quem era necessitado de amparo verdadeiro e quem era apenas observador desconfiado.

Diante de tal situação, os próprios discípulos procuravam manter Jesus sob o seu campo de protecção, acreditando que deveriam protegê-lo como pedra preciosa que alguém pudesse desejar furtar ou destruir por inveja e por não lhe valorizar a grandeza de sua missão.

Em inúmeras ocasiões se pôde constatar a existência de pessoas sem desejo de verdadeira melhora cercarem Jesus, ao passo que alguns poucos, efectivamente doentes, buscavam-lhe a proximidade com o ânimo sincero de recuperação, diferente dos demais.

Isso se deu e pôde ser constatado na ocasião em que, chegando a Cafarnaum depois de uma de suas breves visitas a povoados que se banhavam no lago, Jesus foi solicitado por Jairo, o chefe da sinagoga, para que atendesse sua própria filha, enferma e desenganada.

Naturalmente, até a sua chegada à casa do aflito pai, novamente a multidão cercava o Mestre acompanhando-o na jornada até o local onde se encontrava o sofrimento a ser socorrido.

Ao longo do trajecto, no entanto, Jesus interrompeu a caminhada e perguntou aos que estavam ao seu redor:
– Quem me tocou?
E diante da negativa de todos os que o cercavam, Simão se admira da pergunta e acrescenta:
– Ora, Senhor, por onde vamos há uma multidão que nos oprime, nos aperta e que, naturalmente te toca sem que possamos saber quem foi ou o que deseja.
Como identificar uma criatura em especial que te tenha tocado?

E vendo que os seus ouvintes não entendiam a profundidade de suas palavras, Jesus foi mais claro:
– Alguém me tocou de maneira a retirar de mim uma virtude.

E a afirmativa do Mestre indicava que ele sabia que alguém o havia tocado de maneira distinta.
Naturalmente tal ocorrência é significativa para que se possa avaliar o tanto de criaturas que ombreavam com Jesus e o tocavam sem qualquer interesse elevado, apenas por acompanhar uma boa fonte de novidades, apenas por desejar estar ao lado de alguém diferente e de quem se diziam coisas maravilhosas.

No entanto, uma pessoa se aproximara Dele de maneira especial, diferentemente de todos os outros que apenas lhe acompanhavam os passos em busca do maravilhoso.

Essa pessoa, Jesus identificara e tal fora a sua interacção com ela que estacara o passo e pedia, agora, que se identificasse.
Diante de um profeta assim tão reverenciado, a pessoa enferma trazia no íntimo a esperança de obter uma bênção para suas mazelas.
É natural, em muitas criaturas, notadamente naquelas massacradas pela indiferença dos semelhantes, uma timidez em assumir os próprios desejos, as próprias buscas.

Desse modo, entre as pessoas que ali estavam, uma mulher muito enferma, que se ocultava por entre mantos pobres e surrados que lhe disfarçavam as condições de fraqueza e a mantinham no anonimato procurou buscar-lhe o amparo, sem se considerar com direito de apresentar-se à vista de todos para solicitar a cura.
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Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 2 Empty Re: Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 12, 2014 9:37 am

Isso ocorria porque ela já estava acostumada com o julgamento dos homens de seu tempo, que a consideravam mulher desditosa e amaldiçoada.
Afinal, fazia doze anos que era vítima de uma hemorragia que lhe corroía as forças físicas e lhe causava toda a sorte de dificuldades e problemas.

Os médicos não haviam conseguido dar fim ao problema.
Recorrendo aos sacerdotes, deles obtivera o diagnóstico de que estava possuída pelo diabo, eis que só ao diabo apraz manter uma mulher na condição de sangrar lentamente.
Além do mais, nos conceitos daqueles tempos, a mulher era tida como criatura desconsiderada, primeiramente por ser responsabilizada pela queda de Adão e a sua consequente expulsão do Paraíso, como já explicamos anteriormente.

E, depois, por ser aquela que produzia os desejos impudicos nos homens, o veículo da luxúria, da sedução, e de todos os sentimentos impuros ligados às fraquezas do sexo, agravados pelo facto de, todos os meses, apresentar os sinais da sua culpa, através do sangramento regular que produzia os incómodos naturais, piorados por uma falta de recursos modernos da higiene, que só com o progresso seriam equacionados e atenuados.

Por isso, era naturalmente associada à ideia de amaldiçoada.
Mais ainda quando, no caso específico daquela filha de Deus, se mantinha em processo de sangramento constante.
O seu aspecto físico era muito desagradável porque a fraqueza orgânica lhe produzia uma epiderme descorada, esbranquiçada e rugosa, além de suas olheiras profundas produzirem um olhar sem vida, petrificado, próprio das pessoas tomadas pelo demónio, como se pensava naqueles tempos.

Seu odor igualmente era pouco atraente, uma vez que, por mais que conseguisse higienizar-se – e isso já não era fácil naquela época e naquele local – a permanência do fluxo sanguíneo, aliado ao calor constante, produzia um odor característico de putrefacção que ela tentava disfarçar cobrindo-se com mantos, buscando abafar o cheiro que a denunciaria ou que afastaria as demais criaturas.

Nesse sentido, tendo sabido da presença daquele homem abençoado, deixou seu pequeno povoado e tomou o rumo de Cafarnaum onde esperava encontrá-lo.

Todavia, carregava consigo o espólio de anos e anos de sofrimento e preconceito, considerada mulher indigna, filha do diabo, condenada à periferia dos aglomerados humanos.
Assim, tímida, não buscou Jesus directamente, mas se limitou a misturar-se à multidão para aproximar-se dele e tocá-lo, com a esperança de que seu problema se solucionaria no anonimato.

E tão logo encontrou a ocasião, assim o fez, na certeza de que, se nada lhe acontecesse, da mesma forma nada perderia.
Tal era a sua esperança naquele encontro, que não imaginava que o próprio Mestre pudesse identificar o seu gesto de súplica sem palavras, com a sua sensibilidade perfeita e em sintonia com as dores ocultas a que ele viera servir por Amor.

Aquelas palavras ainda ecoavam em seus ouvidos:
– Alguém me tocou porque eu senti que de mim saiu uma virtude...

E como mais ninguém se apresentasse diante de tal apontamento seguro e peremptório, apresentou-se ela, coagida por uma força muito maior do que sua desdita e sua enfermidade.

Trémula e amedrontada, sem saber como reagiria a multidão, a mulher prostrou-se aos seus pés e, em lágrimas de medo e de emoção, relatou ali os seus padecimentos, sem ousar erguer os olhos, do mesmo modo que a fizera saber que, por uma força misteriosa e gigantesca, ao simples toque de suas vestes, sentira parar o sangramento, causando um impacto muito grande em todos os que ouviam o relato franco e que denunciava o seu estado pessoal e a sua identidade, para sua própria vergonha.

Com muito amor por sua desdita, Jesus abaixou-se e tomou-lhe os braços à vista de todos os que o circundavam e, fitando-a com enternecimento incomparável, sorriu-lhe como a lhe agradecer o gesto corajoso e autêntico de apresentar-se à vista de todos, quando a maioria ali continuaria ocultando-se por medo de se apresentar e ser repreendido.

A pobre mulher, que empobrecera nas inúmeras tentativas de curar-se com médicos e procedimentos pouco eficazes, que só lhe haviam piorado o estado geral, nada mais tinha para dar além do próprio testemunho.

E, para que servisse de exemplo aos outros que seguiam Jesus por mero diletantismo ou por desejarem estar próximos das novidades e dos factos miraculosos, a mulher passou de anónima a criatura reverenciada pelo Mestre, que lhe abençoou a luta e lhe afirmou:
– Filha, vai-te em paz.
Grande foi a tua fé e ela te salvou.
De hoje em diante estás livre de teu mal.

Surpreendendo a todos com esse gesto, Jesus retomou a caminhada, deixando a pobre e infeliz mulher embevecida com tal poder e generosidade.
Mas a multidão continuou apertando-o, espremendo-se as pessoas umas contra as outras, sem que desejassem outra coisa senão estarem próximas do espectáculo.

Por todos estes motivos, a pregação de Jesus estava gerando muitos problemas, além do facto de que havia muitos enfermos que não podiam se locomover de seus leitos, de suas pobres enxergas, de seus catres e que, assim, se viam privados de qualquer benefício.

Os que andavam e o seguiam, muitas vezes, não queriam aprender ou aceitar. Os que necessitavam e ansiavam por um encontro, muitas vezes, não tinham como chegar até ele.
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Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 2 Empty Re: Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 12, 2014 9:37 am

Diante disso, Jesus era bombardeado constantemente por súplicas mentais, orações emocionadas e recheadas de desespero e dor que lhe pediam a presença e o auxílio.

Sentia as petições magnéticas que lhe chegavam de todos os lados ao espírito sensível e, sabendo das necessidades de muitos e da pouca fé que poriam na mensagem superior se apenas se operasse uma cura à distância, sem a presença de nenhuma prova de que fora produzida de uma intercessão superior, Jesus, em sua sabedoria, sabia da necessidade de levar a tais rincões, a prova viva das verdades do Reino de Amor que ele mesmo vivia.

Assim, vendo que em sua jornada se iam agregando mais e mais almas que o seguiam, além dos doze amigos por Ele escolhidos para os labores principais da Boa Nova, Jesus realizou aquela que seria a primeira medida de difusão ampla da mensagem do Reino do Pai por outras paragens.

Sabendo das limitações individuais no pouco conhecimento ou na fragilidade daquelas almas diante dos desafios da jornada, Jesus deliberou enviar os setenta mais próximos a diversas localidades em Seu nome, para entregar as bênçãos de Deus aos caídos que não podiam ir até a sua presença física.

Assim, reunidos em uma de suas andanças, advertia os seus seguidores sobre as necessidades do devotamento diante das dificuldades.
Por essa época, o Divino Emissário passou a se valer da ajuda dos integrantes desse grupo, conhecido como o grupo dos setenta, para que, em duplas, antecedessem-no como arautos da anunciação da sua chegada nas cidades por onde ele passaria e, nelas, muitas vezes, realizassem os milagres que os sofredores esperavam que o próprio Jesus produzisse.

Por isso, aos que se aproximavam de maneira mais íntima nas inúmeras jornadas de pregação e semeadura, Jesus lançara sobre eles a convocação para o trabalho e a renúncia.

No entanto, nem todos os que o seguiam mais de perto desejavam estar ao seu lado, rompendo os laços com o mundo que os seduzia.

Assim, quando alguns desejavam se postar ao seu lado como que disputando um lugar de destaque perante os outros, Jesus advertia, sereno:
– As raposas têm suas tocas, as aves do céu fazem seus ninhos... mas a mim não me cabe ter sequer onde reclinar a cabeça.
Estais preparados para a mesma renúncia que me cabe?

E diante desta pergunta clara, arrefeciam os mais fracos diante da ideia de não possuírem coisas, nem casas, nem compromissos que os impedissem de seguir Jesus por onde ele fosse.

A outros que aceitavam a convocação, mas pediam um prazo para irem ultimar seus negócios, enterrar seus mortos, despedir-se dos de sua casa, Jesus advertia:
– Todo aquele que coloca a mão no arado e olha para trás, não está apto para entrar no reino de Deus – ao que desanimavam aqueles que se prendiam às coisas materiais e às convenções dos homens mais do que ao impulso de ser servidor dos ideais do Criador.

Assim, seleccionados os que compreenderam o que Jesus desejou falar, entre os quais estavam Josué e Zacarias, que não titubearam em se oferecerem segundo as condições estabelecidas pelo Mestre para o trabalho, estabeleceu-se o colóquio no qual Jesus os abençoara e autorizara a realizar, em seu nome, os actos de amor a todos os que encontrassem.

E antes de designá-los, dois a dois, aconselhou-os:
– A seara é ampla e há muitos sofredores necessitados.
Todavia, muito pequeno é o número dos que se dispõem ao trabalho de acolhê-los.

Por isso, eu digo a todos vós: Ide, em nome do Pai.
Eu vos envio como cordeiros para o meio dos lobos.
Não carregueis bolsa, alforje nem sandálias que possam representar cobiça aos que vos escutarem.

Na ausência de coisas valiosas, os que vos encontrarem escutarão o valor de vossas palavras.
Pedi acolhida nas casas humildes que se abrirem para vós e bendizei os seus moradores com palavras de paz e carinho.
Ali estejais bebendo e comendo do que vos for dado, pois esse é o salário do trabalhador e é tudo o que recebereis em troca.

Não escolhais moradias mais agradáveis ou mais abastecidas e ali permanecei enquanto tiverdes coisas a cumprir, anunciando a proximidade do reino de Deus.
Se, todavia, a cidade onde entrardes não vos acolher com simpatia, não por isso deixareis de propagar a mensagem do reino de Deus.
Dir-lhe-eis que o reino de Deus está próximo e que o desprezo com o seu anúncio pesará sobre todos os seus moradores indiferentes, tendo desperdiçado o chamamento que os poderia salvar.

Daí, afirmai que se retiram dali sem desejar levar-lhes sequer a poeira que se apegar às vossas sandálias.
Segui adiante até que a tarefa esteja concluída e voltai até mim.

Então, depois de os ter advertido da seriedade da pregação do reino e de lhes ter atribuído o poder de curar e abençoar os que os recebessem com fraternidade, Jesus passou a separá-los com um gesto, apontando quem seguiria com quem.

Circundou os candidatos emocionados e lhes foi indicando o companheiro que aguardava em silêncio o término da designação.
E o que se observava é que, em alguns casos, Jesus colocava juntos dois amigos que se queriam muito.
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Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 2 Empty Re: Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 12, 2014 9:37 am

Em outros casos, o divino Mestre, apesar de não lhes ser tão íntimo quanto o era dos doze apóstolos, escolhia como se conhecesse a divergência que lhes ia na alma, fazendo com que dois companheiros que tivessem diferenças pudessem caminhar lado a lado, aproximarem-se e unirem-se, já que estariam sozinhos e precisariam um do outro.

– Tu, Jeroboão, irás com Ezequias e percorrereis os vilarejos do lago.
Não esqueçais, no entanto, que o Senhor conhece os seus filhos por muito se amarem... – falava Jesus a ambos, causando-lhes o constrangimento interior daquele que se vê desnudado em seus mais íntimos segredos.

Afinal, Jeroboão se havia irritado com Ezequias por causa de sua maneira alegre de ser que lhe soava como irresponsabilidade ou leviandade.
Ezequias era mais jovem do que ele e, naturalmente, se mantinha de maneira menos taciturna diante da vida.
Além disso, Ezequias enamorara-se, tempos antes, da irmã mais nova de Jeroboão e este achava que o jovem estava sendo maldoso ao abandoná-la para seguir Jesus.

Havia uma insatisfação em sua alma contra o jovem rapaz e ele seria, talvez, o último que escolheria para ter como seu amigo de jornada.
Mas Jesus não pedia, apontava as alianças.

E não foi com menor surpresa e alegria que Jesus escolhera para Zacarias a companhia de Josué, seu amigo, dizendo-lhes:
– Em vossos espíritos afinizados entrevejo as bênçãos do verdadeiro afecto, pelo que vos designo um como o amigo inseparável do outro.
Por onde andardes, não vos esqueçais:
estais preparados para regressardes vitoriosos.

No entanto, vos advirto de que não será sem lutas profundas que havereis de voltar até mim, com o fruto doce de muitas dores saneadas, mas com o dever de fecharem muitas feridas dentro do próprio coração através do perdão e do esquecimento.

Regressareis até mim e apreciarei o vosso sucesso contando as cicatrizes na vossa alma.
Estarei sempre a sustentar-vos.
Seguireis para Nazaré a espalhar a mensagem do Reino de Amor para todos, sem excepção.

Escutando-lhes a palavra directa, Zacarias e Josué se emocionaram e, de cabeça baixa, agradeceram-Lhe a confiança e a alegria de seguirem unidos na tarefa que não imaginavam qual seria.

Assim, designadas as duplas, foram encaminhados para os diversos lugares, dando início ao processo de semear a Boa Nova, em nome daquele que os enviava com a autoridade moral para avalizar-lhes as bênçãos e garantir-lhes os gestos de carinho e de cura com os quais marcariam a estrada dolorosa dos homens com o selo luminoso da esperança.

Todos, no entanto, se surpreendiam com a referência nominal que Jesus lhes fazia, como se a todos Ele conhecesse pelo nome e pelas mazelas e desafios morais, fraquezas e tendências pessoais.

A todos designou a tarefa e apontou o companheiro de que cada um necessitava para que a obra pudesse ser realizada tanto fora deles quanto dentro de seus espíritos.

Afinal, apesar de tudo, nenhum deles tinha em mente quem era aquele Jesus, efectivamente, que se demonstraria depois na capacidade de Amar e Perdoar mesmo aqueles que o supliciaram.

Para eles, Jesus era apenas um homem especial, poderoso e mais sábio, sem conseguirem aquilatar nem o quanto seu espírito era luminoso nem o quanto era o mais sábio dentre todos os sábios que já haviam pisado ou pisariam o solo da Terra.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 12, 2014 9:37 am

12 - Começa a jornada apostólica

Logo no dia imediato, os pares foram deixando a companhia de Jesus, tomando o rumo apontado e levando consigo a possibilidade de espalhar a mensagem aos que estavam apartados da Boa Nova.

Não é preciso dizer que, no íntimo da maioria dos enviados, um sentimento de receio pesava em cada coração.
Isto porque seguir Jesus por onde Ele caminhava era uma coisa.

Dedicar-se a escutá-lo ao longo dos trajectos, a anteceder-lhe a chegada nos locais por onde passaria e fazer-lhe companhia nas andanças representava para todos uma oportunidade de aprendizado.

No entanto, agora, estavam à frente da acção.
Antes eram espectadores.
Agora, teriam de agir por si próprios, sem a presença daquele que admiravam e em quem confiavam.

Precisariam agir com base em todos os ensinamentos recebidos e demonstrar, pelos exemplos, que estavam à altura de representar o Divino Messias.
A jornada feita pelos enviados do Senhor significava esforço de superação, já a partir do próprio trajecto que deveria ser vencido com o trabalho das próprias pernas.

E, tendo em vista as fragilidades interiores de todos os que se acercavam da mensagem evangélica, Jesus, sabiamente, designou-os dois a dois para que se fortalecessem e se apoiassem nos momentos de fraqueza ou dúvida.

Nesse panorama, Josué e Zacarias não eram diferentes dos demais.
Carregavam seus sentimentos e temores que, agora, deveriam ser vencidos por uma luta pessoal, por um desafio de seus limites.
Até então, haviam acreditado em Jesus.
Daqui para a frente, deveriam acreditar em si mesmos.

– Ah! Zacarias, eu estou com meu coração apreensivo e preocupado – falou, sinceramente, o amigo Josué.
– Eu também, companheiro – respondeu-lhe o ouvinte enquanto caminhavam rumo a Nazaré.

– Cada passo que damos parece que pesa uma montanha em meus ombros.
Afinal, Jesus nos deu a autoridade para fazermos o que ele faz, mas está bem longe de nós sermos o que ele é.
Eu olho para mim, vejo meus defeitos e fraquezas e me sinto despreparado para agir como se fosse alguém com virtudes e poderes para curar enfermos, expulsar demónios, falar do reino de Deus com a autoridade necessária para isso.

– Eu o compreendo e sinto a mesma coisa, Josué.
Em meu interior, vislumbro todos os passos errados que dei, as lutas materiais que me levavam a gozar o lucro com os negócios do mundo, como se estivesse ganhando com justiça aquilo que só por força da astúcia estava conseguindo conquistar, em prejuízo de meus irmãos mais ingénuos.

Sentia orgulho de mim mesmo com o sucesso material que me permitia manter minha vida e minha esposa, procurando dar-lhe o melhor em termos de conforto e boas condições de alimentação, apesar de nossa simplicidade.

Mesmo como sapateiro, minha capacidade de ganhar e economizar beirava a usura, mas eu a identificava como virtude de um bom comerciante.
Somente depois que pude conviver com o mestre é que passei a entender o necessário e indispensável desapego das coisas materiais de maneira efectiva e, lhe confesso, essa era a parte mais difícil de minha jornada.

O hábito que foi se instalando dentro de minha alma, herança de minha criação e de nosso modo de ver a vida, numa raça que tanto preza a arte dos negócios e os ganhos com as transacções, representava uma maneira verdadeira e correta de ver o mundo.

Para mim, a vida era pautada por essas leis de mercado que enalteciam os lobos e ridicularizavam os cordeiros.
Os primeiros eram os capazes e os segundos, os tolos sobre os quais os capazes triunfavam.
Agora, envergonho-me de ter agido como agi, de ter-me valido de mulheres inocentes para cobrar-lhes valores muito acima do que, efectivamente, merecia receber.

De ter recusado consertar sapatos de velhos que não tinham como me pagar pelo serviço.
E eu não consigo me esquecer de uma cena que protagonizei um certo dia e que carregarei por toda a minha vida como símbolo do egoísmo de minha alma.

Falando assim, caminhavam por entre as veredas que levavam ao seu destino, lentamente, interrompendo a jornada de tempos em tempos para que pudessem descansar ou comer algo do que havia
preparado para a jornada.
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Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 2 Empty Re: Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 12, 2014 9:37 am

Naturalmente, não levavam provisões muito avolumadas, mas o pão pobre, a quantidade de água necessária para o trajecto, algumas frutas secas e a possibilidade de colher outras silvestres tornavam a viagem uma experiência cuja salubridade não atingia apenas o corpo pelos exercícios físicos que propiciava, mas, igualmente, a alma, que se ia exercitando para os desafios naturais da evolução indispensável.

Recuperando o fôlego de uma subida mais íngreme e porque se aproximava a hora sexta quando o Sol a pino crestava os caminhos e aconselhava os seres vivos a buscarem a protecção necessária para o excessivo calor, os dois amigos acolheram-se sob a sombra frondosa de árvore amiga ao longo da estrada, dividindo entre si a ração que haviam trazido e esperando o tempo necessário para a retomada da trajectória.

Sem que Josué indagasse ao amigo sobre a continuidade do diálogo, eis que não era do seu feitio tocar nas feridas alheias para lhes conhecer o amargor e abrir-lhes ainda mais as bordas ulceradas, o assunto foi interrompido pela necessidade de descanso, depois de várias horas de caminhada.

Zacarias, todavia, sabia onde havia parado a narrativa e, admirando-se do amigo que não lhe perguntava sobre a continuidade da sua história, afirmou, sereno:
– Acho que estou sendo muito maçante falando de mim mesmo, não é, Josué?
– Por que você diz isso, meu amigo?
– É que parei de falar justamente no momento crucial que me é tão marcante e você nem perguntou sobre a sua continuidade, certamente porque não está com desejo de conhecer seu desenrolar...

– Ora, Zacarias, você é meu amigo e tudo o que lhe é importante o é igualmente para mim.
Apenas não desejava que minha curiosidade fosse aquela que o fizesse sofrer ainda mais por lembranças duras e difíceis que todos nós temos arquivadas em nossa alma.

Não queria que você se visse obrigado a continuar, ferindo-se, apenas porque a minha curiosidade o obrigasse a isso.
No entanto, se lhe apraz contar-me, estou feliz por merecer tal confiança e venerarei toda a sua confissão como se me fosse o tesouro secreto mais bem guardado de minha vida.

A simplicidade e a pureza de Josué encantavam Zacarias que, surpreso, via-se apequenado por aquela maneira tão inusual de vencer até mesmo a curiosidade para preservar o amigo que se revelava nos seus deslizes, quando a maioria das pessoas tem ânsia para matar a curiosidade, ainda que isso signifique matar de dor aquele que se revela.

– Desculpe a minha ignorância, Josué.
Eu aqui estou julgando-o sem perceber que sua generosidade está querendo me proteger de mim mesmo.
Veja você quanto tenho que aprender com seus exemplos – falou Zacarias envergonhado.

– Não seja assim, Zacarias.
Lembre-se do que nosso mestre disse:
“Os meus discípulos se reconhecerão por muito se amarem”.
Todavia, sentindo a necessidade de alívio íntimo, Zacarias não pretendia esconder-se na sombra incógnita, no silêncio da omissão, pois sentia que necessitava abrir-se ao amigo para que ele fosse melhor diante de seus olhos e de si mesmo.

Por isso, Zacarias necessitava desabafar e contar as suas misérias, já que elas lhe pesavam demasiadamente no coração arrependido.
Assim, valendo-se do momento de repouso depois da alimentação suave e frugal daquela hora, Zacarias retomou a conversa.

– Sabe, Josué, eu me recordo de um dia em que um ancião me procurou.
Na verdade, ele não me procurou.
Praticamente caiu na porta de minha oficina.
Era um homem muito idoso e cansado pela vida, naturalmente abandonado pelos filhos na hora difícil do ocaso da existência.

Eu o conhecia. Era o velho Absalão.
Tivera dias de abastança quando o cercavam de gentilezas e carinhos.
Sua rotina de vida, quando mais jovem, era a mesma que eu próprio levava.
Trabalhava e ganhava nos negócios para gastar em hábitos luxuosos com os quais ostentava a sua condição de homem bem aquinhoado.

Sua vida era do mesmo padrão que a dos nossos, segundo as tradições mentirosas a que nos prendemos.

No entanto, naturalmente, a vida dá suas voltas.
O tempo passou e o envelhecimento cobrou o seu preço.
Junto dele, a viuvez tornou desértico o seu jardim e os filhos, desejosos de seguir os mesmos passos que haviam aprendido com os exemplos do velho Absalão, foram subtraindo-lhe as riquezas e se apropriando de maneira indigna dos bens que o velhinho havia conquistado com a velha astúcia de nosso povo comerciante.

Tão logo conquistaram a última migalha, que lhes fora entregue pelo velho pai mediante a promessa dos filhos de velar por ele nos seus achaques de ancião, foi ele ignorado como traste sem valor e relegado ao abandono, passando a viver perambulando de porta em porta, mendigando o alimento que os próprios filhos lhe negavam.
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Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 2 Empty Re: Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 12, 2014 9:38 am

Em realidade, Absalão estava recebendo o que havia plantado, na indiferença com que tratava os sofredores que lhe batiam à porta, ensinando os filhos a serem frios com os vencidos, a quem chamava de preguiçosos e vagabundos.

Eu mesmo pude presenciar várias vezes, nas ruas de nosso povoado, os gritos de Absalão insultando algum pedinte que lhe obstruía o caminho com as mãos estendidas suplicantes.

Não importava se era criança, mãe ou idoso.
Sua conduta era sempre a mesma, de afastar os inconvenientes com a ponta de sua bengala luxuosa.
Mas naquele dia, ali estava não mais o jovem orgulhoso de si, mas, sim, o velho vencido pelo sofrimento diante de minha porta.
Havia caído ao solo tanto por causa da fraqueza orgânica quanto por causa da precariedade de seus sapatos.

Fui até ele para que dali se levantasse, pois não poderia permanecer interrompendo a entrada de meu estabelecimento.
Não desejava que em minha porta aquele homem viesse a fazer uma cena desagradável que me afastasse a freguesia.
Por isso, levantei-o do solo e dei-lhe um banquinho para que se sentasse por alguns instantes.
Olhou-me com olhos de gratidão que só agora eu sei identificar, mas que, à época, achei que fossem olhos de alucinado ou de quase louco.

Lembrou-se de mim e me disse:
– Ora, Zacarias, meu velho, desculpe por causar-lhe este transtorno, mas já faz algum tempo que tenho me sentido fraco e trôpego, com estes sapatos que não me servem.

Olhei para seus pés e pude perceber que o que Absalão falava era verdade.
Ali estava o homem usando um par de sapatos absolutamente destruídos pelo tempo e pelas ruas pedregosas e poeirentas.
Mas além disso, como tal calçado lhe houvera sido dado por alguém que se condoera de seu estado, pude verificar que o mesmo era muito maior do que seus pés pequenos e velhos.

Por isso, o homem não tinha como andar correctamente nem era capaz de, na sua fraqueza, manter-se em equilíbrio, tendo que arrastar um sapato tão maior que seus próprios pés.

A cena era de comover até pedras pontudas.
Meu coração se encheu de compaixão por aquele velho, mas acostumado aos nossos padrões de sentimento que procuram, antes de tudo, a indiferença para que nosso coração não nos traia e nos obrigue a abrir o bolso, passei a olhar para o homem procurando fixar em minha mente a figura do antigo Absalão, arrogante, esbanjador, mesquinho que eu mesmo houvera conhecido.

Bastou que lhe lembrasse os exemplos de vida faustosa para que um banho de água fria me invadisse a alma e me afastasse de todo o sentimento de misericórdia.

Enquanto relatava tais factos, Zacarias deixou escorrer duas pequenas lágrimas pela face rugosa e queimada, as duas primeiras de uma série que se prolongaria por toda aquela narrativa.

Afinal, era necessário que sua alma fosse lavada pelo arrependimento confessado e pela vergonha de si mesmo, apresentada ao amigo que o escutava, igualmente tocado pela emotividade daquela hora.

Depois de breve pausa para concatenar melhor as ideias, retomou a história.

– Pois então, nesse momento procurei me esconder de meus bons sentimentos, trazendo à lembrança os modos mesquinhos daquele a quem me competia ajudar.
Esfriei meus impulsos e voltei meus pensamentos para os ensinamentos da lei, para os rigores de nossos preceitos de indiferença e mesquinharia com que nos temos educado ao longo dos anos e séculos.

Vendo que minha face se tornara mais fria e impenetrável pelo afastamento da compaixão e da simpatia, o pobre velhinho, vitimado pelas armadilhas que ele havia criado ao longo da vida, fixou-me os olhos e, com humildade, falou:
– Será que você, Zacarias, não teria por aí algum sapato velho que me servisse?
Não precisa ser novo, não. Pode ser bem surrado.
Apenas gostaria que fosse do tamanho dos meus pés, pois eu não aguento mais andar por aí me arrastando com um sapato que não consigo prender para caminhar com segurança.

Naquele momento, Josué, eu lhe posso afirmar que tinha uma pilha de sapatos inúteis, de pessoas que me haviam comprado novos e que deixaram ali o velho par que, usurário como sempre, eu mesmo reformava e revendia, depois de lhes dar algum trato, substituindo o couro gasto ou a sola avariada.

Não me seria difícil encontrar-lhe um par que lhe coubesse confortavelmente no meio daquele amontoado de sapatos inúteis ou gastos que mais mereciam o destino do lixo do que o dos pés de alguém.

Um sentimento de bondade me passou pelo coração, impulsionando-me para que fosse até a pilha ao fundo e retirasse tantos sapatos quantos eu desejasse para servir ao velho.

Todavia, novamente o conselho do egoísmo me falou aos ouvidos:
“Lembre-se o quanto este velho gozou na vida, gastou inutilmente, esbanjou como um perdulário.
Ele está recebendo o que merece...”
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 12, 2014 9:38 am

E, novamente, esfriou-me o sentimento nobre para dar lugar ao negócio.

– Sabe, Absalão, eu devo ter alguma coisa por aqui, mas não sei se você poderá comprar... – respondi friamente.
Acostumado aos procedimentos que ele próprio tivera ao longo da vida, Absalão abaixou a cabeça sem qualquer protesto, já que sabia não ter condições nem recursos em dinheiro para adquirir o mais barato dos pares de sapatos, pois entendera que eu estava dizendo que não lhe daria o par como presente ou como caridade.

Ainda assim, fui ao fundo e retirei da pilha um surrado par de sapatos que a prática me fez acertar serem do tamanho dos pés de Absalão.
Trouxe-os até o velho que, desanimado e vencido, não erguia os olhos para mim.
Coloquei-os no chão diante de suas vistas e esse gesto criou no ancião a ideia de que eu o estava presenteando, apesar de não ter dito isso com palavras.

A simples ideia de que eu pudesse estar lhe entregando um sapato para vestir novamente encheu-o de esperanças.
Sem muito esforço, afastou os sapatos velhos que lhe caíam sozinhos, tão folgados que se achavam.

Aí pude ver o estado real dos pés daquele homem.
Eram um amontoado de ossos e pele ferida pelo atrito com o couro rude que lhe dançava de um lado para o outro e lhe produzia chagas dolorosas, revestidas por uma casca grossa de areia e poeira que penetravam por todas as brechas do sapato e se fixavam sobre o sangue e a linfa que brotava das bolhas rompidas, criando um aspecto muito deprimente.

Foi difícil para o velho colocar o sapato que lhe dei.
Seus pés doíam muito e isso dificultava a operação.

Agora, eu me pergunto por que não providenciei uma bacia para limpar-lhe as feridas, dando-lhe um pano para secar-lhe as chagas e lavar-lhe os pés?
Por que não o ajudei a ser melhor com um gesto de acolhimento e de bondade, quando eu tivera o impulso de fazê-lo?

E as lágrimas rolavam abundantes, diante da confissão de sua conduta fria e indiferente daquela hora dolorosa para sua alma.
Soluçava baixinho ao peso daquela revelação franca de sua miséria moral que mais ninguém, além de Absalão, havia testemunhado.

– Depois de algum tempo, Josué, o velhinho conseguiu pôr os sapatos e ensaiou alguns passos dentro de minha loja, a muito custo.
Percebeu que, apesar de serem de seu tamanho, não conseguiria caminhar com os sapatos enquanto não curasse os ferimentos ou os envolvesse em bandagens protectoras.

Olhou-me agradecido e cheio de esperanças, mas ouviu de mim a frase fria e agressiva do meu egoísmo:
– Custam duas moedas... – falei maldoso, como a desejar ensinar àquele velho vencido o valor do dinheiro que ele mesmo houvera desperdiçado durante a vida.

Nunca me esqueci de sua reacção.
Parecia uma flor que murchara repentinamente, sobre a qual se atirara um carvão incandescente.

– Ah! meu filho, se eu tivesse duas moedas, eu já teria comido alguma coisa hoje... – respondeu-me o ancião, sentando-se para retirar os sapatos e me devolver, humilde e abatido.
Aquela fala na boca de um velho trôpego seria capaz de adocicar o mais amargo fel e, dentro de mim mesmo, causou um abalo ainda mais forte.

No entanto, estava disposto a dar uma lição naquele homem que, agora, estava entregue ao abandono e à derrota humilhante.
Tocado por aquele momento, disse-lhe, procurando manter-me frio e distante.

– Ora, Absalão, você tem crédito aqui nesta loja.
Não precisa pagar agora.
Dou-lhe uma semana para me pagar pelos sapatos.
“Dê-lhe os sapatos com amor” – gritava minha consciência.
“Dê-lhe os sapatos... dê-lhe os sapatos”... mas eu não queria escutar a voz da bondade dentro do coração.

Vendo que minha mesquinharia não lhe concederia a ventura de poder caminhar sobre um par de calçados, mas sim sobre um par de dívidas que ele não conseguiria quitar, com a dignidade que lhe restava no espírito olhou-me, dizendo:
– Lamento, meu filho, mas nem assim poderei aceitar-lhe o crédito, pois não tenho como lhe garantir o pagamento nesse prazo.

Não desejo dar prejuízo a mais ninguém nesta vida.
Prefiro que me devolva os sapatos antigos e eu partirei já muito agradecido de você me ter recebido em sua loja, eu que não mereço consideração de ninguém por não ter sido homem que a tivesse ofertado aos outros durante a vida.

Dizendo isso, foi retirando os sapatos.
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Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 2 Empty Re: Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Seg maio 12, 2014 9:38 am

Sem saber o que fazer, me preparava para recolher o par quando o olhar de Absalão brilhou e ele retomou a palavra dizendo:
– Pensando melhor, e se... eu pagasse.... pelos sapatos... com este meu casaco... você aceitaria?

A sua pergunta vinha envolvida num fio de esperança que o fazia quase rejuvenescer.
Aquele não era um casaco. Havia sido, um dia.
Era apenas um tecido roto, grosseiramente costurado, mas que servia de protecção contra o frio da noite.

Mas era uma proposta feita por um homem que não tinha mais nada na vida e, ainda assim, procurava adquirir um sapato velho sem ficar devendo nada a ninguém.

E é aqui que a cena se torna ainda mais dolorosa para minhas lembranças, Josué.
Vendo-me defrontado pela oportunidade, esqueci-me da piedade, dos sentimentos de fraternidade, das coisas mais humanas que pudessem me fazer digno da paternidade Divina e aceitei o negócio que Absalão me propunha, com um sorriso de satisfação na face indiferente.

Vi-o retirar sofridamente o velho pedaço de roupa de cima de suas costas ossudas e entregar-me como pagamento referente a duas moedas, em troca de um par de sapatos gastos, surrados, mais adequados ao lixo do que aos pés de uma criatura.

Entreguei-lhe o sapato que comprara e acompanhei-o até a porta da rua seguindo-lhe os passos descalços pela ruela afora, carregando nos braços, como um tesouro, o par que acabara de comprar.

Nesse momento, um sentimento de vergonha muito grande invadiu meu ser e, naquela hora, passei a perguntar a mim mesmo, onde, efectivamente, estaria o homem miserável.
Seria Absalão, vencido e humilhado que partia ou seria eu mesmo, mais miserável do que ele, indiferente diante do sofrimento daquele velho totalmente vulnerável e indefeso?

Nesta altura da confissão, Zacarias não conseguia mais falar.
Chorava como criança desesperada.
Josué lhe amparava a cabeça nos ombros amigos e chorava com ele.

E no meio das dobras da túnica do amigo onde Zacarias se refugiava em desespero e fugindo da própria vergonha, sua voz rematou entre os soluços:
– E agora, Josué, Jesus pede que este traste de homem – referindo-se a si mesmo – fale em seu nome e cure as chagas dos que sofrem...

Não havia mais nada a contar.
Só lágrimas de arrependimento surgidas num coração transformado pela capacidade de Amar que Jesus semeava e semeia dentro de todos nós, única forma de nos erguer do lamaçal de nossas culpas e erros.
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Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 2 Empty Re: Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Ter maio 13, 2014 9:34 am

13 - Em Nazaré

Nazaré, naquele período, era uma pequena cidade, quase uma aldeola que se erguia na baixa Galileia, envolvida por uma série de colinas que lhe garantiam uma atmosfera muito harmoniosa e amena, sobretudo por permitir ao invasor romano encontrar uma paisagem que lhe trazia à lembrança algumas das existentes na longínqua capital imperial.

Vegetação abundante, de um verde especial e viçoso, permitia ao romano recém-chegado, confundir-se, acreditando estar em algum dos sítios aprazíveis circundantes da grande metrópole distante.

Além do mais, as condições climáticas contrastavam com o calor abrasador das cidades mais ao sul, notadamente Jerusalém, Jericó, Belém, sempre açoitadas por canícula que castigava os seus habitantes em alguns períodos do ano.

Por isso, Nazaré se levantava como refúgio para os romanos mais aquinhoados que podiam dar-se ao luxo de possuir alguma moradia para passar o verão em terras mais amenas.

A pequena cidade, composta basicamente de criaturas humildes, não por isso deixava de possuir a sua vida cotidiana envolvida no comércio, na troca, nas relações pessoais, nos ritos religiosos e nas práticas ilícitas que sempre acompanham os aglomerados humanos, neste período difícil de sua evolução através do erro e do sofrimento.

Sua sinagoga era o centro religioso dos que ali se mantinham estabelecidos e, com a prática do culto, os sacerdotes e os fariseus se impunham aos demais como os que ditam as práticas locais, na interpretação dos ensinamentos dos livros sagrados.

Muito honrava a Nazaré e aos seus dirigentes que, naquelas modestas paragens, o governador romano tivesse estabelecido uma de suas residências, atraído pelas vantagens já acima referidas e que, com a sua autoridade lhe permitiam passar agradáveis momentos e realizar vantajosos negócios.

Por mais que os judeus odiassem o invasor romano, tal sentimento era muito atenuado nas classes que, sem poder enfrentar a força imperial, poderiam beneficiar-se com a proximidade dela, ganhando coisas, conquistando vantagens, ampliando riquezas.

Roma sabia da promiscuidade que medrava na alma de muitos povos invadidos e, assim, tratava muitas vezes de conquistar as mais altas classes de um povo, oferecendo vantagens desmesuradas aos seus representantes que, a partir daí, passavam a ver a invasão estrangeira como um bom negócio que lhes permitiria prosperar.

Por esses motivos, tais representantes oficiais das castas judaicas se sentiam muito favorecidos com a proximidade do poder romano e, se é certo que diante de seus pares de raça profligassem a invasão, combatendo a ocupação estrangeira com palavras de indignação à luz do dia, na calada da noite se misturavam com o invasor em recepções luxuosas, nas quais estabeleciam o seu comércio de interesses mundanos, realizando conchavos e negociando a boa convivência entre o ditador e o povo que lhes competia dirigir e influenciar.

Sempre que convocados a explicações diante das assembleias de judeus, afirmavam a necessidade de se manterem com boas relações com o invasor romano a fim de que conhecessem os seus planos e pudessem interferir para evitar coisas piores ou atitudes que seriam mais prejudiciais aos integrantes do povo sofrido.

Na verdade, jogavam nas duas áreas, procurando tirar vantagens dos dois lados, como maneira de amealhar mais e mais recursos e vantagens.
Conhecendo a personalidade viciada de Pilatos, os responsáveis pelo culto religioso de Nazaré sabiam envolvê-lo em todos os processos sedutores que manteriam o governador interessado nas promissoras relações com os dirigentes nazarenos.

Por isso, tão logo se estabeleceu o governador em Nazaré, fazendo-a uma das pousadas de seu governo provincial, mais próximos e amistosos se fizeram os sacerdotes e fariseus mais abastados, fornecendo-lhe presentes e vantagens negociais que envolviam, inclusive, as práticas religiosas em suas oferendas, parte das quais destinavam ao governante romano como agrado pessoal e como gesto de gratidão por não interferir nos ritos locais.

Aliás, esta era uma prática que os próprios asseclas de Pilatos, em nome dele e com o seu consentimento verbal, realizavam com as autoridades locais dos lugares para onde ele desejava instalar-se.

Como a sua presença representava vantagens e realce, os representantes religiosos de tais localidades fatalmente sucumbiam às insinuações e solicitações veladas para que a convivência entre todos fosse harmoniosa.

E, como sabiam os religiosos, seria bom ter o governador na sua área de influência, pois quando se levantavam zonas de interesses conflituantes entre os próprios judeus, a proximidade e a boa convivência com ele era a melhor política.

Daí, costumeiramente separarem, das oferendas entregues ao templo, boa quantidade de moedas que faziam chegar ao governador quando de sua vinda à cidade, nesses encontros de confraternização que, outra finalidade não tinham, do que a de acertarem as contas e renovarem os acordos, modificando alguns acertos, conseguindo alguns novos favores, cedendo em algumas novas exigências.

Por isso, Nazaré, naqueles dias, estava em fervorosa actividade.
Havia chegado a notícia de que Pilatos estava se encaminhando para Nazaré e que, daí a poucos dias, estaria na cidade onde passaria algum tempo, em repouso e desfrutando da acolhedora comunidade.
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Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 2 Empty Re: Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Ter maio 13, 2014 9:34 am

Não é preciso dizer que os nazarenos, como de resto todos os judeus, sabiam das quedas morais de Pilatos, de seu modo rude de ser, teimoso e arrogante, fraco de carácter, mas orgulhoso de espírito, com inclinações para as fraquezas da carne.

Por isso, quando se apresentavam tais ocasiões, os próprios fariseus providenciavam, dentre as mulheres mais belas da comunidade, aquelas que seriam apresentadas ao governador e que comporiam o seu séquito de judias fáceis à sua sanha de homem sem barreiras morais.

Naturalmente, os fariseus não obtinham tais favores femininos com os quais desejavam agradar a fera com o mel da carne humana apenas com suas argumentações tortuosas.

Constatando a presença de alguma jovem de beleza diferente e interessante, geralmente nas famílias mais pobres e menos patrícias – pois nas famílias mais ricas e tradicionais seria mais comprometedor investir – os fariseus procuravam pelo seu chefe ou responsável e, falando-lhe das leis de Deus, das necessidades de sacrifício, da honra de poder colaborar com os interesses de toda a raça, convocavam-no a autorizar a participação da filha nos banquetes que recepcionariam o governador romano.

Não é preciso dizer que faziam realçar o carácter da nobreza de tal gesto, estando tão próxima do mais alto mandatário invasor e que isso poderia representar uma verdadeira e única oportunidade do destino, na melhoria de vida para toda a família.

E se tais argumentos não eram ainda suficientes para conquistar a confiança do varão responsável pela jovem, os próprios fariseus deixavam-lhe uma bolsa de dinheiro como forma de recompensar aquela perda, na certeza de que, diante de tal importância, a resposta favorável facilmente se obteria.

Muitas vezes, tal prática não se limitava aos pais.
Chegava até mesmo aos esposos, que se viam assediados para que suas mulheres participassem das cerimónias faustosas sem a sua presença.
Naturalmente, tudo isso era feito com muito cuidado e tinha como objectivo, único e exclusivo, conseguir para o governador as presas fáceis ao seu insaciável apetite por aventuras novas.

Nessas negociatas ilícitas, nunca apareciam os nomes dos fariseus já que elas se realizavam por interposta pessoa, baixa o suficiente para ser o porta-voz de tais interesses e o transportador da bolsa de dinheiro com a qual se pretendia comprar a consciência alheia, de pai ou de marido.

Se a dignidade destes fosse mais cara do que a oferta, os proponentes se afastavam sem que se revelasse de onde partia a iniciativa impudica, preservando, assim, a imagem dos importantes e mesquinhos fariseus.

Mas com o poder dos argumentos monetários que possuíam, raramente os seus emissários se retiravam sem conseguirem fechar o negócio.
Restava à jovem suportar o peso das escolhas que tinham sido feitas em seu nome e amargar o sofrimento de ter que se entregar ao desconhecido tirano, que as usaria sem consideração e, em algumas vezes, lhes ofertaria alguma coisa como pobre pagamento por sua dignidade vilipendiada.

Toda essa comercialização de pessoas e sentimentos era feita pelos próprios judeus, muitas vezes com a aquiescência e colaboração de alguns sacerdotes mais venais e interessados nas vantagens que conseguiriam com a gratidão de Pilatos.

Contavam com o fato de que, depois de seus hormônios estarem saciados e acalmados em decorrência das medidas espúrias que os próprios judeus lhe concediam, facilmente lhes seria mais fácil conseguir qualquer retribuição, mantendo-se, deste modo, o tráfico de interesses que Pilatos sabia ser-lhe igualmente favorável.

Em algumas situações, para que o governador não tivesse à sua disposição apenas inexperientes raparigas camponesas, nunca transformadas em grandes amantes da noite para o dia, os sacerdotes se valiam de mulheres conhecidas da comunidade para que, bem ajaezadas e vestidas com aprumo e bom gosto, pudessem mudar a aparência de vulgaridade que lhes caracterizava a personalidade nas relações impuras de que se faziam objecto para os homens daqueles sítios.

Vindo de longe, naturalmente distanciado das notícias locais, Pilatos não saberia distinguir uma prostituta de uma patrícia local se ambas estivessem trajadas como manda a boa tradição.

Por isso, seria uma surpresa agradável ao governador levar para o leito uma mulher mais experiente nos trâmites caprichosos dos sentidos mundanos, acreditando ter cativado uma elevada representante da sociedade local que não resistira aos seus encantos de homem sedutor.

Além do mais, usar prostitutas bem disfarçadas era mais económico e menos traumático, pois tais mulheres não tinham donos ou responsáveis como era comum na época, além do fato de que, depois do encontro com o governador, não terem dificuldade alguma de retomar suas vidas, coisa que não era fácil para os sacerdotes e fariseus contornar quando se tratava de filha ou esposa de algum outro judeu, sempre vulnerável a recaídas e arrependimentos depois dos factos consumados e de acabado o dinheiro que receberam pela aquiescência.

Muitos destes pais ou maridos, depois que lhes eram devolvidas as esposas, procuravam as autoridades para acusar alguém, que eles não conheciam, de lhes ter corrompido a filha ou a mulher, já que a mesma lhes fora restituída depois de ter-se deitado com outro homem.

Naturalmente que lhes era omitido este detalhe durante a negociação, ou seja, nunca lhes era dito que, durante o encontro nocturno, as mulheres estariam submetidas aos desejos do governador, que tanto poderia desejar deitar-se com elas quanto lhes poderia oferecer tratamento cordial e lhes dispensar a companhia.

Durante os acertos para a contratação das mulheres, tal informação ficava nas entrelinhas para um bom entendedor, coisa que mantinha o negócio dentro de um padrão ético minimamente aceitável pelo convencionalismo formal dos negócios.
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Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 2 Empty Re: Série Lúcius - O Amor Jamais Te Esquece / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Ter maio 13, 2014 9:34 am

Não se estava vendendo o corpo da mulher.

Estavam recrutando belas mulheres para embelezar a noite do governador romano, que poderia encantar-se com elas e favorecê-las com gentilezas.
Todavia, quando voltavam para casa e relatavam, entre vergonha e pranto, terem sido usadas pelo governador, que não sabia nada de seus dramas pessoais nem de como haviam sido arregimentadas, um sentimento de afronta muitas vezes fazia com que o pai ou o marido procurassem as autoridades para reclamar seus direitos ou então buscassem o templo para se queixarem de tal engodo.

Alguns pediam mais dinheiro para que se calassem e compensassem o prejuízo sofrido sob pena de divulgarem toda a trama, o que poderia dificultar aos fariseus as futuras aquisições.

Por todos estes problemas, os sacerdotes e os fariseus, muitas vezes, preferiam a companhia de prostitutas a quem fantasiavam com bons trajes e jóias vistosas para que enganassem os impulsos de Pilatos e, depois, não lhes criassem problemas, já que estariam exercitando seu próprio trabalho, para o qual já se achavam acostumadas e preparadas.

Desta maneira, aquela estava sendo uma semana de muito trabalho para os que dirigiam os destinos daquela localidade.
O alvoroço local fazia com que, à boca pequena, se soubesse que o governador estaria na região em visita oficial e que ela poderia durar o tempo necessário para que todos se beneficiassem de alguma sorte com a sua presença por ali.

Isso porque os artesãos se esmeravam em produzir melhores objectos com que esperavam agradar ao governador e lhes propiciar maiores rendimentos.
Os produtores de vinho retiravam de seus reservatórios os mais finos produtos para colocá-los à disposição dos funcionários de Pilatos, incumbidos de abastecer as suas adegas e de rearrumar as instalações de sua vivenda.

E, por causa de tudo isso, os preços subiam mais, as pessoas se tornavam mais astutas visando melhores negócios e ganhos, tentavam subornar os funcionários romanos para que seus produtos tivessem acesso directo à mesa do governador e assim por diante.

A vinda de Pilatos à cidade, por causa de sua personalidade viciosa, despertava nos que o circundavam os mesmos baixos instintos e induziam os moradores a se perverterem para conseguirem vantagens que o governador sabia serem tão desejadas por eles, na miséria em que viviam.

Assim, por sua conduta mental deturpada no exercício do poder, Pilatos achava que tudo aquilo era uma maneira de beneficiar a comunidade com a sua presença.
Graças a ele, o comércio na região vicejava, as moedas saíam de baixo dos colchões, a cidade se movimentava e iniciava-se uma luta entre seus próprios moradores para que seus desejos fossem atendidos.

Todavia, se isso acontecia realmente, ocorria apenas com base na nociva influência que sua pessoa exercia sobre os moradores de cada localidade, influência esta que era afirmada pelos asseclas que o antecediam e que tratavam de dar o tom da negociata que estavam prestes a firmar com a chegada do mais importante dos romanos naquelas paragens.

Desta maneira, os que desejavam ter alguma chance naquele local esquecido e remoto não poderiam perder a oportunidade que surgia quando da chegada do governador.

Era o momento de se concretizar o sonho pessoal e, na maioria deles, o dinheiro ou o poder era peça fundamental.
Por isso, para não deixar passar a chance, o mais baixo dos instintos se apresentava na superfície do carácter dos cidadãos e a convivência esquecia todas as regras de respeito, consideração e religiosidade para perverter-se em um emaranhado de competidores, prontos a se sacrificarem, a se matarem uns aos outros para conseguirem a migalha que o poder romano lhes oferecia pelo só e exclusivo motivo de passar alguns dias na cidade.

Agradar ao governador era o desejo de todos.
Do mais humilde ao mais poderoso judeu de Nazaré.
Esse era o panorama que Josué e Zacarias encontraram quando chegaram à cidade, perturbada pela euforia não declarada daquele momento, o que lhes causou um significativo espanto.

Não carregavam consigo nenhum recurso que lhes pudesse garantir pousada segura naquela noite que se aproximava.
Não conheciam ninguém na cidade e não poderiam começar a pregação naquele momento porque não havia a quem pregar.
Nesse sentido, procuraram as proximidades da sinagoga modesta na qual a vida religiosa dos judeus se congregava.

O prédio estava escuro já que não era dia de culto normal.
No entanto, acreditavam que alguém estaria ali para lhes indicar algum lugar para o descanso.
Ninguém se apresentou e aos dois homens cansados e empoeirados pela longa jornada de vários dias a situação parecia algo desconcertante.

Todavia, seguiram juntos para um recanto que lhes pareceu protegido das temperaturas mais frias da noite, próximo de conjunto de árvores nos arredores da pequena comunidade.
Acostumados a dormir ao relento, passaram a congregar folhas caídas, para improvisar modestas camas onde repousariam o corpo exausto, como forma de esquecer também da fome que os castigava, depois que se acabaram as provisões pelo caminho.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter maio 13, 2014 9:34 am

A água, haviam conseguido quando de sua chegada a Nazaré, em cisterna pública que servia aos que dela necessitassem.

Quando estavam se preparando para se deitarem, escutaram vozes que passavam ao longe e que conversavam animadamente, dizendo:
– Você viu, Acab, o maldito procurador da Judeia está para chegar e os abutres do templo já estão por aí, procurando pombinhas inocentes para oferecer ao lobo faminto.
Ainda ontem estiveram em minha casa pretendendo o consentimento de meu pai para levarem minha irmã de 14 anos à recepção que estão organizando.

– E seu pai, Esdras, aproveitou a oportunidade única de conseguir dinheiro para pagar suas dívidas?
– Eu não sei, pois o velho me mandou sair do ambiente para que não presenciasse a sua decisão.
Só sei que Sara estava ao fundo, sem saber o que se estava passando e eu tive muita pena de seu estado, pois nós sabemos o que acontece com as mocinhas que caem sob os olhos de Pilatos por aqui.

Maldita pobreza esta que nos faz esquecer que somos pessoas de bem ou nos faz ver que não valemos nada mesmo, como desejam que acreditemos aqueles que nos querem comprar a própria dignidade.
Ah! Se eu tivesse poder, matava Pilatos e os sacerdotes com minhas próprias mãos..

– Cale-se, Acab, alguém pode escutar e você vai morrer nas mãos deles sem que seu pai receba nenhum tostão por isso – falou Esdras ironizando a condição de carência de ambos diante dos mais ricos que lhes dirigiam os destinos.

Ouvindo aquela conversação fortuita, ocultados que estavam pelas folhagens do arvoredo, Zacarias e Josué se inteiraram de que as dificuldades de sua estada naquela localidade seriam maiores do que eles mesmos tinham imaginado.

A presença de Pilatos na região, aguardada para breve, tornava quase impossível falar de outra coisa às pessoas.
Mesmo na sinagoga, o assunto não deveria ser outro que não a chegada do governador.
Como falar do Reino de Deus a pessoas que estariam tão desesperadas para se aproximarem das vantagens do reino da terra?

– Veja, Zacarias, em que problema profundo nós nos metemos desta vez.
E agora estamos sem Jesus por perto.
Que desafio para nossa incapacidade.

Escutando a palavra do amigo mais jovem e mais inexperiente, Zacarias tomou a palavra e disse:
– Sabe, Josué, depois que encontrei Jesus, aprendi muito com ele e posso lhe dizer uma coisa:
o Mestre sabe o que acontece em todos os lugares.
Lembra da oração para aquela velha quase pisoteada pela multidão?
– Sim, Zacarias, eu me recordo.

– Pois então.
Do mesmo jeito que Jesus escutou a prece mental que você fez e que redundou na volta do Senhor para atendê-la, a determinação Dele para que estivéssemos aqui deve ter algum significado para nós próprios e representar algum desafio que Ele nos achou dignos de enfrentar.

Além disso, depois que desabafei com você sobre as minhas tragédias pessoais, ao longo da nossa caminhada até aqui, passei a sentir um alívio tão grande, como se um grande e imenso sentimento de compaixão por todos os meus semelhantes me visitasse, depois de me ter perdoado as mais duras ofensas e erros.

Agora eu me sinto pronto a olhar para a frente.
Seja por sua acolhida generosa de meus defeitos, seja pelo perdão que Deus me estendeu durante minhas lágrimas, eu posso lhe dizer que sou outra pessoa e que, se não conseguisse falar do reino de Deus para ninguém nesta viagem, ela já teria valido a pena, porque encontrei um pedaço significativo do Reino de Deus dentro de mim mesmo.

E se ele é tão grande e generoso como passei a sentir em meu coração miserável e cheio de defeitos, também poderá ser partilhado com qualquer criatura desta cidade, não importa se estejamos falando a multidões ou apenas a dois cães perdidos na rua ao desamparo.

Eu, que me dei ao luxo de explorar o pobre Absalão e tomar-lhe a túnica como pagamento por um par de sapatos velhos, agora não posso me dar ao luxo de escolher condições para falar do reino de Deus.

As condições serão aquelas que encontrarmos e nós nos serviremos de apoio um ao outro.
Vamos orar a Jesus como você fez naquele dia, agora que nos preparamos para dormir e o Senhor nos ajudará.
E como seu coração tem a pureza que as estrelas escutam, Josué, estou determinando que faça a oração em meu nome também.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter maio 13, 2014 9:35 am

Tocado na alma pelas palavras sábias de Zacarias, a quem admirava como um irmão mais velho e experiente e a quem não pretendia contrariar nunca, diante da rectidão de seu carácter e dos exemplos de esforço que oferecia, Josué, emocionado e reverente, ajoelhou-se na relva, no que foi acompanhado por Zacarias e disse em voz suave diante do altar majestoso das árvores que lhes guardariam o sono:
– Pai bondoso, aqui estamos em Teu nome para servir-Te.

Grande é a obra e pequenos são os servidores.
Permite que Teu Filho amado, nosso Mestre Jesus, nos escute na súplica por esclarecimentos.
Não desistiremos por dormir ao relento, por comer com os cachorros, por suplicar agasalho ou por termos de secar de nosso rosto as cusparadas que nos cheguem.

Apenas não sabemos como começar, nem para onde ir, nem o que dizer.
Assim, Senhor, permite que, nas asas do sono, nosso amado Mestre nos ajude e nos aponte o que fazer para que não percamos a oportunidade de servir ao Bem, conforme ele mesmo nos destinou nesta jornada.

Sabemos da Tua protecção, dos recursos do Alto.
Tememos apenas as nossas misérias, que poderão atrapalhar a notícia do Teu Reino de Amor.
Não sabemos se gritamos nas esquinas que o reino de Deus está próximo, se nos dirigimos à sinagoga vazia para nela pregar, se nos sentamos e esperamos que o governador vá embora para começarmos a obra...

Ajuda-nos, Jesus, pois estamos aqui por ti e não por nós mesmos, que muito devemos e nos julgamos muito abaixo das altas responsabilidades de te representarmos no meio do reino do mundo.
Desculpa-nos a fraqueza moral e as dúvidas da alma.
Fortifica-nos com tua sabedoria que tudo vê, tudo conhece e tudo encaminha para a melhor solução.

Não estamos com medo, Senhor.
Estamos confusos com tudo isso que nos rodeia.
Ajuda-nos agora para que possamos te ajudar em alguma coisa daqui para a frente.
Amém.

Josué e Zacarias tinham os joelhos cravados no frio da terra, mas os olhos voltados para as estrelas do céu e, nas lágrimas que escorriam de suas faces rutilavam as luzes estelares que, acesas por Deus, testemunhavam os esforços do Bem nos corações desacostumados a entender-lhe a lógica do Amor.

Era necessário entender como fazer o Bem com a lógica do Amor.
Isso é o que haviam pedido a Jesus naquela noite inesquecível para suas almas.
E suas preces não seriam esquecidas pelo Soberano Amoroso que, muito diferentemente de Pilatos ou de qualquer outro representante de poder mundano, não se valia do poder para tirar vantagens pessoais.

Valia-se dele para amar e elevar as criaturas, renunciando a si mesmo.
Era o momento de se evangelizarem, evangelizando com a mensagem da Boa Nova os ouvidos inocentes dos que escutariam suas palavras.

Por isso, deitaram-se cheios de esperanças diante daquela súplica sincera e autêntica, distanciada de todos os rituais formalistas dos falsos religiosos de todas as épocas, que fazem das orações momentos de exaltação de sua vaidade, de demonstração de um poder miserável do qual nunca dão testemunho pessoal, de ameaça à fé sincera de muitos incautos que entregam nas mãos de tais indignos sacerdotes de todas as crenças a responsabilidade por pastorearem um rebanho, esquecendo-se das advertências de Jesus de que:
“Quando um cego guia outro, ambos caem no buraco!”
Ave sem Ninho
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