LUZ ESPÍRITA
Gostaria de reagir a esta mensagem? Crie uma conta em poucos cliques ou inicie sessão para continuar.

Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Página 9 de 9 Anterior  1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9

Ir para baixo

Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 9 Empty Re: Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jun 05, 2014 9:40 am

Falando assim, provocou nos que desconheciam o problema, exclamações de surpresa e de protesto por estar generalizando a acusação.

— Tenham calma.
Não me refiro a todos.
Apenas àquele cuja consciência, já neste momento, deve estar ardendo, com a possibilidade de terem sido descobertas as suas tramóias.

Alberto e Ramos permaneciam em silêncio, com o rosto coberto por leve palidez, diante de um comportamento que ambos julgavam inadequado para o grupo ali reunido.

Vendo que se fazia necessário tornar-se mais objectivo, Marcelo prosseguiu, apresentando, a todos, as fotografias dos diversos encontros clandestinos em que Leandro recebia o dinheiro e o transportava para direcção ignorada.

Marcelo espalhara as fotos, tanto quanto o depoimento a que se referia, colhido em seu próprio escritório daquele cliente que havia mencionado minutos antes e que solicitara a adopção das mesmas práticas criminosas e corruptas.

Os documentos iam chegando a todas as mãos, já que se ocupara de fazer tantas cópias quantas fossem necessárias.
Imediatamente, todos os olhares se voltaram para Dr. Leandro, colhido pelos instantâneos fotográficos.

Além disso, Marcelo havia tido o cuidado de conseguir documentos que demonstravam a coincidência de datas entre o recebimento dos recursos e a compra de novos veículos, de alto custo, indícios importantes para a prova de que os recursos que obtivera junto aos clientes não haviam servido para nenhum tipo de conquista legal, mas, sim, para enriquecer o próprio chantagista, pessoalmente.

— Isso que estou mostrando corresponde à prova de algo, no mínimo, estranho na prática dos advogados deste escritório.
Sempre respeitado por sua seriedade aparente, não posso imaginar que tenhamos nos permitido chegar a tal comportamento, cobrando-se daqueles que estão se conduzindo da melhor forma possível condutas que os que se acham acima de nós se esforçam em fraudar, descaradamente.

E se, outrora, estive entre os que admiravam a capacidade profissional e os métodos de Dr. Leandro, depois de tudo isso e de outras coisas mais, acontecidas no interior dos escritórios, passo a lastimar a condição de pertencer a uma instituição que o tem como um dos mais importantes membros.

A situação havia atingido o ponto mais delicado até aquele momento.
Vendo que seus planos estavam se concretizando segundo suas estratégias, Marcelo continuou, enquanto os outros corriam os olhos sobre os documentos.

— Não é suficiente, infelizmente, esse tipo de fraude, que fere tão apenas a nossa reputação, como também o património de Dr. Alberto e Dr. Ramos, na medida em que drena para uma única pessoa recursos que poderiam vir a compor os honorários do escritório, como uma cobrança legal pelos serviços prestados.

Não bastando esse comportamento, antiético à toda prova, posso afirmar que Dr. Leandro passara a controlar o andamento dos casos de diversos advogados aqui presentes, invadindo a privacidade de suas salas e suas pastas, rompendo o sigilo profissional que deve ser protegido entre o cliente e o advogado, aproveitando-se dos momentos em que os profissionais saem, ao final do expediente, para mexer em seus papéis, avaliar os seus procedimentos e observar se estão ganhando valores por fora.

Naturalmente, medindo os outros por si mesmo, acha-se no direito de usar desse tipo de comportamento para fiscalizar clandestinamente seus colegas de profissão.

Sentindo que poderia ajudar nesse momento, Camila comentou:
— Isso já aconteceu pessoalmente comigo.
Inúmeras vezes, Dr. Leandro fez veladas ameaças ou comentários indicadores de que havia devassado o conteúdo de minhas pastas, em busca de vestígios de cobranças de honorários ou pagamentos de valores não apresentados ao caixa do escritório.

Entendendo que Marcelo precisava de algum tipo de apoio, igualmente Letícia viera em seu auxílio, confirmando que ela também havia notado que os documentos de seu escritório eram movidos na sua ausência, coisa que não era fruto da limpeza regular e sim de alguém que não conhecia, mas que se ocupava em penetrar em sua sala para vasculhar as pastas de seus clientes.

A esta altura, a postura de Dr. Leandro já era totalmente outra.
Ainda que controlado, estava com a cor alterada, indicando o estado nervoso a que se via compelido.
O seu silêncio, no entanto, denotava algum tipo de meditação naquilo que pretendia falar.

Antes, no entanto, que tomasse a palavra, Dr. Ramos, o outro sócio, assumiu a frente e comentou:
— As suas acusações, Dr. Marcelo, são extremamente graves para todos nós.
Primeiramente porque esse tipo de conduta frustra a nossa relação de confiança, a sustentar uma sociedade.

Todo convívio social passa pela noção de responsabilidade compartilhada, com base na confiança recíproca.
Com as suas informações, esse comportamento coloca em risco a existência de nossa união, já que frauda os esforços de todos e desvia os valores que poderiam ter sido conseguidos de forma limpa e divididos entre todos nós.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122485
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 9 Empty Re: Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jun 05, 2014 9:41 am

Espero, assim, que Dr. Leandro se manifeste sobre essas práticas.

Alberto estava nervoso, agora que as condutas de seu braço direito estavam sendo desnudadas.
Convocado a se manifestar, Leandro olhou para seu superior que de forma pouco amistosa, não lhe acenava com maiores sinais de apoio.

Vendo, então, que estaria sozinho para defender-se contra os argumentos e documentos apresentados, Leandro passou a fazê-lo como podia:
— Não tenho como negar que sou a pessoa das fotografias.
Realmente, estive nesses lugares e recolhi as malas que estão igualmente, flagradas pela câmara.
Sou um profissional e já há mais de duas décadas me dedico a este escritório e sirvo ao Dr. Alberto, por quem tenho o maior apreço.

No entanto, já que não me faltam motivos para tal comportamento, preciso explicar que em nenhum momento ali estive para satisfazer meus próprios interesses.
Estive nesses encontros, e não se limitaram apenas ao que estamos vendo nestas fotos, com o conhecimento do próprio Dr. Alberto, a quem o dinheiro se destinava.

A palavra de Leandro transferia o centro das observações para o outro lado da mesa.
Marcelo não imaginava que o referido proprietário soubesse das condutas de seu braço direito.

No entanto, Dr. Leandro, sem saber como defender-se, colocava as coisas na direcção daquele que era o dono do negócio.
Sim, para surpresa dos integrantes daquele colegiado, Alberto era citado como aquele que tinha ciência dos factos.

— Mais do que isso, senhores — continuou Leandro, como que a vomitar tudo o que sabia, mesmo que isso comprometesse o antigo chefe, como forma de salvar-se da acusação de corrupto — foi o próprio Dr. Alberto quem acertou todos os detalhes, quem negociou todas as estratégias, quem me mandou ir buscar a grana e a quem repassei todo o recurso conseguido, não sabendo para que se destinava.

Naturalmente agradecido por meus préstimos e minha discrição, ofereceu-me pequeno prémio para que essa conduta ficasse esquecida e ninguém mais viesse a saber de tal procedimento.

O clima no interior da sala pesava mais do que antes.
O caso havia atingido o centro das decisões.
Antes era apenas um probleminha de conduta de um dos advogados em relação à toda estrutura do escritório.
No entanto, agora, era Alberto aquele a quem se atribuía a responsabilidade pelo acto de chantagem.

Ramos se admirara ante a acusação.
As suas relações com Alberto eram antigas e pareciam ser sempre muito sólidas, com base na confiança conquistada desde os tempos da sociedade com o falecido Dr. Josué.

Alberto, constrangido com a acusação que não esperava, sobretudo por estar acostumado a contar com a canina subserviência de Leandro, era aquele a quem, agora, competia explicar-se.

No entanto, antes de começar a dizer sobre o núcleo da acusação, experiente e matreiro, Alberto passou ao discurso genérico:
— Todos sabem que, antes de se poder avaliar o teor da acusação, necessário se faz avaliar se a acusação, em si, merece crédito em face daquele que a esteja levantando.
Até aqui pudemos ouvir as palavras de um jovem e talentoso advogado que, imaginando defender a ética e reclamando da situação constrangedora a que sua reputação se viu exposta, sentiu-se no direito de acusar um colega, usando fotografias e historinhas como prova.

No entanto, antes que possamos chegar ao núcleo das acusações, impõe-se, primeiramente, desmascarar o acusador, pessoa que sempre mereceu nossa maior confiança, fazendo conhecer a sua conduta perigosa e extremamente indigna.

E se os que acusam, alegando a defesa da ética e da moral, em verdade, são antiéticos e imorais, aquilo que falam não merece qualquer tipo de consideração.

Sem entender o que se passava, Marcelo viu o rubor subir à face com as acusações igualmente directas de que era objecto;
— Espero que o senhor tenha coragem de apresentar a base de suas afirmações levianas e mentirosas.
Porque esse negócio de atacar com palavras aqueles que o acusam com provas concretas, é estratégia de político corrupto!

— Calma, meu jovem.
Você é muito inexperiente e ainda precisa aprender muita coisa na vida — comentou Alberto, calmo.

Então retirou de uma gaveta próxima que se encontrava fechada à chave, um envelope recheado com as fotografias que lhe haviam chegado, enviadas, anonimamente, com o flagrante de sua chegada ao motel.

Além disso, havia também o documento oficial que atestava a titularidade dos dois veículos que estavam estacionados no interior da garagem da suíte, a demonstrar que ali se encontraram o acusador e a outra colega, Sílvia, ambos casados e adúlteros.

Quando as fotografias começaram a ser espalhadas, as pessoas à mesa passaram a se comportar espantadas com as novas provas, como se elas próprias nunca tivesse tido nenhum comportamento indecente ou leviano.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122485
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 9 Empty Re: Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jun 05, 2014 9:41 am

Marcelo se vira surpreendido com tudo aquilo.
Parecia-lhe que uma grande nuvem de demónios se havia abatido sobre ele, para destruí-lo.
Aquelas imagens e aqueles documentos atestavam a sua conduta sexual oculta das outras pessoas.

Não lhe passara pela cabeça que a autora daquelas denúncias era a própria esposa, que ele imaginava uma mulher superficial e interessada apenas em vestidos e em gastar o seu dinheiro.
Não sabia ele que Marisa estava interessada, sobretudo, em vingar-se de seu comportamento adúltero, sem aparecer como o braço que manipula o chicote.

— Estas fotografias são bastante reveladoras, por si mesmas — falou, altivo, Dr. Alberto, antegozando a desmoralização que produzia sobre o rapaz.
Ao receber as fotografias em suas mãos, Sílvia se deu conta de que estava directamente envolvida naquele flagrante e, sem poder se conter, levantou-se, esbravejando:
— Que significa isso?
Quem teve a ousadia de invadir minha privacidade e fiscalizar o que faço de minha vida?

— Não sabemos, Dra. Sílvia — respondeu, mais tranquilo e mais cínico, o proprietário que, agora, era quem acusava.
Estas fotografias me chegaram sem apontar o remetente.
No entanto, as imagens dizem mais do que as palavras e a sua reacção atesta que, em verdade, os factos se deram como as imagens revelam.

Sílvia, já abalada com a questão do aborto, circunstância esta que desejava manter oculta para que as aparências não a arruinassem, agora se via perigosamente exposta diante dos olhares de todos os colegas, já que sua conduta pessoal no ambiente de trabalho sempre havia sido moldada pela seriedade e pela firmeza moral na defesa dos postulados éticos.

Como se explicar, agora, diante dos factos estampados?
Ela, casada, adulterando com Marcelo, o outro colega, igualmente compromissado?

Entendendo o alcance da resposta de Alberto, voltou-se para Marcelo e, agressiva, disse:
— Foi você quem fez isso?
Você tem alguma coisa a ver com essa cachorrada?
Não lhe bastava trancar e desfrutar?
Maldita hora em que aceitei me deitar com você, pensando que fosse um homem!

Em desequilíbrio, Sílvia tremia e chorava ao mesmo tempo, demonstrando que não tardaria em atacar Marcelo com tapas e socos, caso não fosse contida em seu lugar.

Marcelo, por sua vez, mal tinha tempo em se explicar para Sílvia, porque a reacção da colega produziu, imediatamente, uma idêntica reacção em Letícia.
A jovem, apaixonada por Marcelo, percebendo que o rapaz a traía com a outra, entendera que o moço estava mais interessado em usá-la do que em lhe corresponder ao interesse amoroso.
Letícia era a mais frágil de todas, emocionalmente falando.

E enquanto Sílvia procurava se acalmar um pouco, à custa de água com açúcar, Letícia se levantava e se dirigia ao rapaz, na frente de todos:
— É verdade, Marcelo?
Enquanto você me beijava em meu apartamento, partilhando comigo os momentos de intimidade que só nós dois conhecemos, ao mesmo tempo você e Sílvia se envolviam nessa pouca vergonha?
Não posso acreditar no que vejo.

Identificando a reacção colectiva que se seguia à sua inicial denúncia, Alberto passara a desfrutar a satisfação de ver os factos surgindo, um depois do outro, todos a denegrir a integridade do infeliz rapaz.

Aceso o pavio, agora era deixar que a explosão viesse.
Letícia, em descontrole, não conseguira conter os comentários directos.

— Em verdade, bem que eu não entendia direito o que é que você pretendia.
No começo, pensei que fosse para livrar-se da solidão, diante de uma esposa pouco companheira.
Depois, passei a ver você como um amigo íntimo em quem podia confiar.
Sentia o seu desejo de ser tocado, de ser acariciado, a satisfação de seu olhar.
Nas últimas semanas, sua procura me fez sentir a mais feliz das mulheres... tudo isso para descobrir que você é tão leviano quanto qualquer outro?
Isso é demais para mim.

Nova crise de choro impedia que o rapaz pudesse se explicar.
A situação estava se tornando cada vez mais trágica e dramática.

Marcelo não sabia como sustentar-se, agora, principalmente diante do olhar de Camila.
A jovem a quem amava, a mulher que o conquistara e a quem pretendia impressionar com seus actos de bravura, agora mirava-o directamente, sem dizer nenhuma palavra.
Seus olhos orvalhados, seu rosto triste eram o sinal de sua dor interior.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122485
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 9 Empty Re: Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jun 05, 2014 9:41 am

Mas Alberto ainda não tinha acabado.

— Pelo que os senhores estão vendo, na verdade, o que nos parece claro é que o Dr. Marcelo, envolvendo-se com as duas colegas aqui presentes, as estava usando para desferir o golpe contra nosso Dr. Leandro.
Mas como acreditar que possam ser verdadeiras estas suas acusações, que não sejam fruto de factos perfeitamente explicáveis, se ele próprio está enterrado até o pescoço em uma trama que desrespeita duplamente o casamento, tanto o dele quanto o da Dra. Sílvia, além de envolver outra colega de escritório?

Isso é que não tem explicação!

Para colocar mais lenha nessa fogueira, o Dr. Ramos, que até ali se mantinha em silêncio, passou às mãos do sócio algo que havia mandado Clotilde buscar em seu cofre pessoal, na sua sala.

— Alberto, tenho isto que guardei já há algum tempo e que não julgava importante, já que não representa nenhum delito mais grave.
Não acreditava precisar apresentar, mas, observando o rumo que as coisas tomaram, acho que pode compor o quadro da Verdade real, como forma de podermos desmascarar os verdadeiros desonestos em nosso meio.

Passou, então, às mãos do sócio, o envelope que continha as fotografias do almoço de Camila e Marcelo, nas quais os dois aparecem de mãos dadas, imaginando que ninguém os estaria observando.

Quando Alberto viu as fotos, deu uma sonora gargalhada, algo quase demoníaco, e dirigiu-se a Marcelo nestes termos:
— Mas você conseguiu com as três, meu jovem.
Bem que eu o subestimei....

Acto contínuo, passou as fotos novamente pela mesa, a fim de que todos pudessem constatar a conduta carinhosa que Marcelo também havia adoptado com Camila, atestando que o quadro de sedução se fechava, com o interesse espúrio do homem que quer usar as suas amigas para conseguir um objectivo diferente do contacto íntimo com o sexo oposto.

Essa foi a paulada que faltava na reputação do moço.
Quando as fotos chegaram às mãos de Camila, foi a sua vez de começar a chorar, diante da evidência de seu envolvimento afectivo com Marcelo.

O rapaz não sabia o que dizer.
Afinal, havia-se dedicado à Camila por um sentimento verdadeiro, uma paixão que crescia a cada dia e que o fizera aceitar o risco que correra naquela tarde/noite em que acabara com a própria carreira profissional naquele escritório.

Entrara triunfante e estava sendo arrasado.
Leandro, o primeiro acusado, não sabia o que pensar de tudo aquilo.
Diante da sucessão de corações femininos despedaçados, a demonstrar a astúcia de Marcelo aos olhos de todos os presentes, as denúncias contra sua pessoa pareciam coisa de criança.

Ao mesmo tempo, havia desrespeitado uma tradição naquele escritório, ou seja, a de que o subordinado jamais acusava o superior pelas falcatruas, roubos e mentiras que testemunhava ou do qual participava.

Isso porque, os negócios que existiam entre os donos do escritório, eram tão intrincados e estranhos que somente entre eles é que poderiam ser resolvidos, parecendo que ambos se roubavam mutuamente e, como um casal adúltero, mutuamente se perdoavam, continuando a trajectória de golpes e enganos, sempre contando um com o aval e apoio do outro.

Por isso, Leandro sabia que, para se salvar das acusações, havia rompido a cadeia de silêncio e de obediência que mandava assumir os factos e aceitar as consequências, antes de acusar aquele que o mantinha no posto baseado na lealdade e confiança irrestritas.

Entre os diversos casos que eram do seu conhecimento, encontravam-se o desaparecimento de pessoas, a contratação da morte de desafectos ou de partes que dificultavam a solução de seus negócios.

Leandro sabia que, no nível mais alto da administração do escritório, já não se discutiam as questões jurídicas nem as teses processuais elevadas.
O que se encontrava era a barganha graúda, o peso dos cofres cheios a corromper a Verdade para a obtenção das vantagens da vida.

Nesse nível de influência, ambos os donos teciam a teia de interesses para agradar certas autoridades venais que faziam parte do amplo esquema da Organização, implantado no mundo através dos representantes corruptos e igualmente abjectos que lhes prestavam serviço.

Haviam-se transformado em raposas da pior espécie, fazendo parte das reuniões mais requisitadas no cenário social, apresentados como representantes admiráveis da profissão que um dia juraram honrar.

Agora, Leandro estava consciente de que sua vida corria perigo.
Ele era um arquivo vivo.
Não seria mais aceito como digno de confiança por Alberto.
Da mesma forma, sabia de muita coisa, de muita sujeira, de muito crime para poder permanecer livre em segurança.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122485
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 9 Empty Re: Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jun 05, 2014 9:41 am

O raciocínio de cada um, naquela sala, era um verdadeiro vulcão em erupção.
E por incrível que pareça, Alberto e Ramos, ainda que pálidos, se mantinham serenos.

Marcelo era o próprio trapo humano.
Havia perdido tudo o que lutara para conseguir.
Não poderia mais se manter naquele ambiente e, provavelmente, naquela cidade, teria muita dificuldade de se sustentar como advogado em outro escritório.

Isso porque os dois sócios principais saberiam espalhar nas diversas rodas de advogados, a versão de sua desonestidade, de seu comportamento indecente, a ponto de estar certo de que não encontraria outro escritório para começar sua vida, mesmo que do zero.

Precisaria sair da cidade, abrir seu próprio negócio, sem contar com nenhum cliente.
Além do mais, não sabia qual o risco de vida que estava correndo.
Muita gente, naquela sala, agora, estava suficientemente prejudicada para não desejar a sua morte como forma de se vingar de seu comportamento temerário.

Sílvia descobrira, igualmente, que ele usara a todas as mulheres para, segundo sua mente astuta, derrubar Leandro.
Ela também não tinha mais condições de permanecer naquele lugar.

Letícia era a mais perturbada, nos arroubos de seu afecto traído, sem conseguir medir a amplitude das consequências dos actos do rapaz.

Camila, humilhada publicamente, jamais havia imaginado que, naqueles meses em que se envolvera com ele, pudesse estar sendo mais uma, apenas um pequeno peão no tabuleiro que Marcelo manipulava.

Leandro, por causa dele, perdera tudo, inclusive o sossego, enquanto que Alberto e Ramos poderiam estar em crise, exactamente como fruto de suas denúncias, caso um não se explicasse e o outro não aceitasse as explicações.

Marcelo, por sua vez, descobria um mundo cruel, longe daquele pequeno cenário que pensava poder construir segundo seus próprios interesses.
Se, no plano material, as coisas estavam indo na direcção descendente rumo ao abismo, no plano espiritual tudo estava sendo visto e sentido com uma euforia electrizante e incomum.

O Presidente dominava a cena.
Ali comungavam mais de vinte centenas de entidades perturbadoras que, como falamos, haviam sido convidadas pelo líder a fim de desfrutarem da satisfação e do gozo propiciado pela vingança bem conduzida.

Enquanto a cena terrestre ia se desenrolando, o Presidente actuava sobre as partes, intuindo-as através de fluidos escuros e fios magnéticos, colocados em suas mentes, para que soubessem agir no sentido de se estabelecer a confusão e facilitar a ruína daquele grupo.

— Estamos assistindo aos últimos dias dessa maldita estrutura — vociferou a entidade líder, assumindo uma forma desagradável para o olhar de todos.
Parecia que o ódio, longamente represado, se expressava, agora, de forma potente, na manipulação de todas as suas forças para o cântico final da destruição com que pretendia saciar sua sanha de vingança.

De suas mãos partiam raios agressivos na direcção de todos os ali reunidos, porque a pretensão do Presidente era ferir, antes de acabar com aquele núcleo.

Sem entender bem o que acontecia, um dos mais achegados participantes daquele conclave, ponderou:
— Mas, Presidente, esse grupo não nos tem sido útil nos processos de perseguição?
Porque destruirmos quem nos tem servido tão bem aos interesses?

— Esse é um caso pessoal que hei-de resolver para que os bandidos jamais possam sair ilesos.
E minhas decisões não devem ser questionadas.

Entendendo que não poderia esperar maiores explicações, o agente maligno que se posicionava ao seu lado calou-se, esperando o desenrolar dos factos.
Enquanto todos se divertiam, a cada novo lance e nova revelação, projectando os estiletes de ódio na direcção de Leandro, Marcelo, Sílvia, Letícia, Camila e dos demais participantes, o Presidente se deixava exaltar pela vingança longamente sonhada, alinhavada passo a passo, usando a invigilância de todos e a falta de elevação de seus ideais para que ela lograsse ser concretizada naquela tarde.

Todas as entidades que estiveram envolvidas nos passos preparatórios lá se encontravam assistindo.
Inclusive os dois desfigurados Espíritos, cujos corpos haviam sido retalhados no útero e que se mantinham imantados a Sílvia, ali participavam do triste e degradante evento, passando por entidades perturbadoras implantados na estrutura nervosa da moça desequilibrada, não guardando nenhum traço físico que revelasse as identidades anteriores conhecidas como o Chefe e Juvenal.

Eram os filhos recusados, a gritarem nos ouvidos espirituais de Sílvia as acusações grotescas, ao mesmo tempo em que, momentos depois, sussurravam-lhe chamamentos filiais, invocando-lhe a protecção materna.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122485
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 9 Empty Re: Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jun 07, 2014 8:26 am

Eram dois dementados acoplados a uma que se encaminhava, igualmente, para o desequilíbrio, principalmente agora que a sua conduta leviana fora revelada diante de todos os olhares.

Esse facto que, na vida de muitas pessoas, nenhum arranhão produz na estrutura psicológica, em Sílvia, debilitada pela prática do aborto recente, chegara como um novo choque sobre um equilíbrio mental já desmantelado, inclusive com a conexão nociva dos Espíritos sofredores e vingativos que a assessoravam.

Jefferson, o perseguidor de Luiz e de Marisa vira-se prestigiado com um assento de honra, nas proximidades do Presidente, em decorrência de sua habilidade em manipular o pensamento vingativo e os baixos sentimentos da esposa de Marcelo para enviar as fotos ao escritório.

Gabriel, ainda oculto das atenções e suspeitas, se punha ao lado de Letícia, tentando manter o equilíbrio da jovem, a fim de um padrão de forças menos destrutivo, o que era difícil para seus esforços, naquela contingência.

Restava, então, o Presidente.

— Eu sou Josué! — gritou ele, estentórico e trovejante, para susto de todos os presentes.
Finalmente, tenho minha vingança... Ra!Ra!Ra! — ironizava, para espanto colectivo naquele ambiente pestilento.
Eu sou aquele que estes dois malditos sócios mataram lentamente, inoculando-me substância tóxica que desenvolveu o câncer letal, em meu corpo.
Pensaram que seu crime ficaria impune para sempre...
Ah! Isso é que não...

E enquanto gritava, ia se transformando em uma forma horrenda, projectando os olhos que se afogueavam, apresentando uma espuma viscosa e esverdeada pelos cantos da boca que se fazia sinistra e animalesca.

Não imaginem, leitores queridos, que assumira a forma do demónio, representado nas estampas da Terra.
Suas forças degeneradas, acumuladas e cultivadas por anos de ódio, somados aos séculos anteriores de trapaças e crimes, ali se exteriorizavam de forma própria, causando espanto nos próprios asseclas, que jamais haviam imaginado sentir medo, eles que eram especialistas em espalharem o temor nos irmãos encarnados.

— Eu os sustentei quando estava ali, naquele escritório de sujeira e ódio.
Adoptei-os como meus pupilos e lhes ensinei as coisas que não sabiam.
Tornei-os meus sócios e lhes transmiti as formas de conseguirem sucesso, respeito e riqueza.

No entanto, não lhes bastava esse favor.
Pretendiam acabar com a vida daquele que lhes havia oferecido a oportunidade de crescerem.
Ajustados a esse interesse indecente, acreditaram poder me prejudicar, ocultando em garrafas de saboroso vinho que sabiam ser de minha apreciação, os agentes nocivos que desencadeariam as tumorações, debilitando-me a saúde.

Falando pausadamente, narrando os próprios dramas, detinha-se nos lances mais dolorosos e dramáticos para extrair de suas palavras todas as mais poderosas emoções.

Inicialmente, não suspeitei de suas condutas.
No entanto, depois de algum tempo, quando a doença já corria por sua própria conta, surpreendi comentários sussurrados, feitos pelas costas, comemorando o sucesso de suas empreitadas criminosas e assassinas.

Confirmei minhas suspeitas logo a seguir, quando consegui, através de detective, o teor das conversas particulares mantidas por ambos ao telefone.
Até hoje não me esqueci das frases de satisfação quando o resultado dos meus exames atestaram a existência do câncer destruidor, adiantado em sua jornada corrosiva, a vaticinar-me poucos meses de vida.

Foi então que, sem pretender modificar as coisas, para que todos acabassem sendo vingados no devido tempo, tratei de organizar-me para este momento.
Reuni todas as provas de todos os crimes já praticados contra o Governo, contra os órgãos e agentes públicos, todas as provas do pagamento de propinas contra os funcionários corruptos que se associavam e se associam ao nosso escritório e os deixei a cargo desse tolo ambicioso, desse idiota útil que está diante de nós e que plantei nesse local como a marionete que manipulo conforme meus desejos, antes de morrer.

Assim que descobri toda a tramóia contra minha posição de sócio principal, eu mesmo o levei para o escritório.
Na minha frente, os dois sócios, fingindo-se de amigos devotados, se demonstravam compungidos com minha enfermidade.
No entanto, nas minhas costas agiam como verdadeiras víboras, prontas para o golpe.

Marcelo passou a ser meu homem de confiança nessa estrutura.
Recém-formado, precisando de uma oportunidade, aceitou sem pestanejar a condição de ser meu representante na estrutura, colocando-me a par de todas as ocorrências e me auxiliando, enquanto a saúde me permitia exercer as funções jurídicas, no desenvolvimento dos casos, na compreensão das questões, no atendimento dos prazos e na visita aos balcões forenses.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122485
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 9 Empty Re: Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jun 07, 2014 8:27 am

41 - NOVAS SURPRESAS

— Ramos, meu amigo, jamais pensei que seu plano fosse dar tão certo como deu.
Se fosse depender de meus próprios recursos intelectuais, estou seguro de que as coisas não teriam saído tão bem.
— Não lhe falei que as nossas ideias seriam coroadas de êxito, Alberto?
Com isso, conseguimos nos livrar dos dois maiores problemas, Leandro e Marcelo.

O primeiro, que se tornara um estorvo aos nossos objectivos, por saber muita coisa sobre os nossos procedimentos.
E o segundo, por ser, ainda, o espinho a lembrar a presença do maldito Josué em nosso meio.
Você não acha que, agora, menosprezado, diminuído e se sentindo indigno de nossa confiança, Leandro não pode se voltar contra nós e acabar nos prejudicando por tudo aquilo que ele sabe?

— Bem, Alberto, isso é um risco que tanto nós quanto ele próprio estará correndo.
Além do mais, da mesma coisa que nos acusar, acabará também se vendo acusado.
Por isso, é que precisávamos criar as condições para que ele agisse da forma covarde como agiu, facilitando que a sua decisão pudesse estar baseada na quebra da confiança por parte dele.
Assim, estaremos mais garantidos em sair desse envolvimento sem maiores culpas, atribuindo-lhe a responsabilidade pelo comportamento covarde.

— Bem, isso é verdade.
- Agora — continuou Ramos — se você quer tornar as coisas ainda melhores, parecendo ser generoso com o homem forte que o ajudou a limpar a sujeira de nossas tácticas, amanhã, antes de ele ir embora, convoque-o e o premie como uma forma de demonstrar tolerância e garantir a sua cumplicidade.

Pensando na forma de fazê-lo, Alberto imaginou dar-lhe dinheiro.
- Não, meu amigo.
O dinheiro é algo que pode ser usado contra nós, caso ele não se sinta devidamente agraciado, como se estivesse entendendo que estamos comprando o seu silêncio a peso de ouro.
Isso não é conveniente.
Seria melhor dar-lhe algum bem razoavelmente valioso, que lhe parecesse uma forma de compensação e, finalmente, um reconhecimento por seus serviços prestados.

Lembro-me de um de nossos clientes que está realizando um loteamento grande em certa área bem valorizada e que, segundo nossos ajustes, nos entregou dez lotes como pagamento de nossa intermediação para a aprovação do projecto, junto à prefeitura e às autoridades.
Conseguimos tornar concreto o loteamento sem gastarmos muito em propinas.
Acho que foram queimados apenas três lotes, se não me engano, não é?

— Isso mesmo, Ramos.
Ainda temos mais sete lotes disponíveis que precisamos dividir entre nós dois.
— Pois é, Alberto, sete é um número ímpar e, o que é pior, primo... que tal se dermos um terreno para Leandro e, com seis restantes, dividirmos meio a meio?

— Perfeito, excelente ideia.
Amanhã providenciarei os documentos para a transferência do terreno junto ao loteador, entregando a Leandro essa prenda para que se satisfaça, além dos imensos valores que já conseguiu ao longo dos anos, servindo-me como sempre serviu.
Ainda assim, fico pensando se não será necessário providenciarmos o seu desaparecimento acidental, para nos precavermos de suas atitudes futuras?

— Não creio, Alberto.
Ele está com a culpa na consciência porque sabe que errou.
E sendo ajudado com um precioso presente, haverá de ficar ainda mais agradecido a você pela compensação.
No entanto, se parecer que pode nos complicar a vida, sabemos a quem recorrer para os acidentes costumeiros que nos cercam, a fim de que os novos membros de nossa equipe sejam menos perigosos.
Além disso, estarei procurando alguém que possa substituir Leandro com menos risco para nossas actividades.

Escutando Alberto falar sobre o assunto, sem desejar invadir a sua esfera de decisões, Ramos ponderou:
— Veja, Alberto.
Você vai precisar de alguém que seja inteligente e esteja familiarizado com nossas rotinas.
Os que estão aqui no escritório são pessoas que convivem connosco e estão cientes de nossos métodos.

Marcelo não ficará mais e, ainda que se mantivesse, é muito perigoso para nós.
A outra ninfomaníaca não possui condições para ser confiável, além do facto de estar muito comprometida com Marcelo.
Não acho prudente que você coloque aqui alguém estranho, sem ser do nosso conhecimento, porque essa pessoa precisaria ser de nossa estrita confiança por estar muito entrosada em nossas mais secretas operações.

Letícia é a mais nova e, apesar de ser bastante competente, é perigosa pela instabilidade emocional que demonstrou no dia de hoje, revelando seu envolvimento com Marcelo.
Assim, creio que a mais adequada para ocupar o posto de Leandro, seja Camila, que se manteve serena, envergonhada, mas digna, capaz de ser modelada segundo os seus desejos, sem colocar em cheque os nossos interesses.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122485
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 9 Empty Re: Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jun 07, 2014 8:28 am

Nossas equipes de trabalho são diferentes, mas nossos interesses sempre foram os mesmos.
Não podemos nos arriscar com inovações.

Ouvindo as ponderações de Ramos, a quem aprendera a admirar pelas soluções eficazes que sempre conseguia sacar da manga da camisa para resolver pendências complicadas, Alberto perguntou:
— Você acha mesmo que Camila reúne condições para ocupar o lugar de Leandro?
— Creio que inteligência não lhe falta, ao mesmo tempo em que autocontrole tem sido uma das mais claras virtudes ao longo destes anos, aqui no escritório.
Agora dependerá de você saber ensiná-la como é que a orquestra toca.
Ela não é tola.
Acho que já está inteirada de muita coisa mesmo sem a gente ter revelado.
Parece ser uma pessoa ambiciosa e inteligente, dona de uma vontade decidida, que muito poderá ajudar nossos objectivos.

— É, por esse ponto de vista, as coisas parecem que podem ser ajustadas.
— Pense, Alberto.
Vamos fazer o velho joguinho de fingirmos indignação para os que nos vêem lá fora, até que as coisas se organizem, deixando para as próximas semanas a retomada dos nossos entendimentos directos.

— Combinado. Hoje, entretanto, espero você para um jantar de comemoração lá em casa.
— Tudo bem, às nove estou por lá.

No plano espiritual, a reunião dos perseguidores caminhava para o final, com as demonstrações de poder do Presidente intimidando a todos os que se congregavam ao seu redor.
Faltava apenas que se ultimasse o golpe final contra Marcelo, coisa que Demétrio estava, já, encarregado de fazer.
Assim, todos se viam saciados em suas ambições pessoais, considerando a vingança concretizada, ao mesmo tempo em que as últimas consequências seriam de se esperar para as próximas semanas.

Quando, entretanto, todos se preparavam para deixar o ambiente trevoso, alguns mais apressados regressaram, assustados.

— Senhor, estamos presos.
Não podemos sair...
— Como é que é o negócio?
Como é possível que não possamos nos ausentar daqui?

— Nós tentamos sair, mas não conseguimos romper uma barreira que nos mantém retidos neste espaço.
E o que é mais interessante, é que esse obstáculo parece que está se fechando sobre nós.

Entendendo que aquilo não podia ser construção senão de Espíritos elevados, o Presidente vociferou:
— Isso é coisa da gente do maldito covarde... o crucificado... estão pensando que podem com a gente...
Homens, chegou a hora do embate... já nos atacaram de inúmeras formas e em todos os lances de nossa organização encontramos a invasão desses miseráveis, reles representantes de um mendigo que se fez herói dos idiotas.

Basta de paciência.
Basta de tolerância com esses asseclas fingidos, verdadeiros monstros ocultos sob mantos brilhantes.
Estamos em muitos... nossa força é gigantesca.
Ninguém poderá nos deter aqui, tornando-nos prisioneiros de nossa própria edificação.

Unamos nossas forças, agora, para que as lutas desse instante possam, por fim, desajustar as prepotentes linhas de ataque dos representantes do Cordeiro, envergonhando-os para sempre.
Vamos, ao ódio contra esses impostores...

E a sua convocação produzira, num primeiro momento, uma onda de selvagem euforia, como nos antigos tempos de guerras, quando os comandantes exaltavam suas tropas para a batalha sangrenta que os esperava logo mais.

— Vamos ao ataque, Lutemos contra esses covardes que nos querem prender, dizendo que são criaturas que nos respeitam os direitos.
Que respeito existe quando se impede que exerçamos nosso direito de ir aonde quisermos?
— Isso mesmo...
Ataquemos esses lobos disfarçados de bonzinhos...

E a algaravia continuava, nas arruaças que tornavam aquele ambiente ainda mais desajustado, agora numa mistura de coragem e medo, arrogância e temor.
O Presidente, envolvido pelos que compunham sua corte, se mantinha ao centro, enquanto que todos os outros que lhe sustentavam a empresa de ódio e terrorismo espiritual se conglomeravam ao redor, já que não mais podiam ausentar-se do lugar.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122485
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 9 Empty Re: Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jun 07, 2014 8:28 am

Pareciam buscar a segurança do senhor feudal dos antigos tempos da idade média, correndo para a fortaleza onde se ocultariam dos ataques adversários.
Josué, na condição de Presidente, precisava dar a todos a segurança de uma resposta que mantivesse alto o moral do grupo, como a prepará-los para a luta através de suas próprias demonstrações de coragem.

— Pensam, vocês que se valem da invisibilidade, que nós os tememos?
Aqui estamos há milénios, dominando os idiotas pelo culto aos prazeres, pelo entrosamento com suas orgias, pelo desfrute de seus vícios numerosos que jamais desejam deixar.

Aqui dominamos aqueles que nos amam, que nos querem como seus amigos, que repudiam a influência luminosa, que não desejam seguir com a claridade, mas, ao contrário, sonham em abraçar o convite ao prazer, ao sexo depravado e insaciável.

Aqui estão os homens que são livres para escolherem seus caminhos, no sentido de continuarem a dividir connosco os seus urros de gozo e contentamento, os seus brindes e suas arruaças.

Porque é que vocês não nos deixam em paz?
Retirem-se para lugares onde os santos os aceitem.
Fiquem por lá e nos não nos hostilizaremos mais.
Não há qualquer receio da luta que levaremos até o fim.
No entanto, por que lutar quando podemos nos bastar em um acordo que nos garanta a possibilidade de acção sem interferências recíprocas?

Josué gritava estas argumentações a esmo, sabendo, no entanto, que elas eram escutadas por todos aqueles que ali se congregavam a apertar o cerco.
E quanto mais ele o fazia, mais apertados os laços se apresentavam, empurrando todos os mais de dois mil Espíritos trevosos para o mesmo centro.

Só não se viam constrangidos por esse mecanismo, aquelas entidades que, por suas ligações magnéticas com os encarnados, não poderiam ser deles afastados pelo processo de aprisionamento, para que não lhes causasse um choque de graves proporções.

Tais Espíritos, como Jefferson, Demétrio, o Chefe e Juvenal, continuavam ligados aos seus perseguidos, nos quais conseguiam encontrar algum tipo de abrigo.
Todos os outros, no entanto, eram constrangidos a se reunir, apertados cada vez mais, até que não conseguissem maior espaço para se locomoverem.

Foi então que o ambiente se modificou.
Vindo do Alto, sem que as referidas entidades pudessem entender como, um jacto luminoso recaiu sobre o Presidente.

Josué, tocado pela luz intensa, desejou afastar-se.
No entanto, tantos eram os que o cercavam, que não tinha espaço para nenhum passo.
A luz, por sua vez, ainda que não se parecesse com nenhuma chama, produzia nele a sensação de queimadura intensa.

Ao mesmo tempo, Josué tentava manter o padrão de liderança pela violência, gritando para seus comandados:
— Vamos, resistam... vejam como são covardes os falsos cordeiros.
Aprisionam e depois ferem, ao invés de aparecerem frente a frente para a luta de igual para igual.
Não tenham medo.
Eles não podem fazer nada contra nós...

No entanto, por mais que Josué gritasse, todos os seus seguidores estavam aparvalhados diante da exuberância daquele espectáculo que, de uma forma ou de outra, assustava.
Enquanto Josué tentava proteger-se da luz intensa, usando as capas escuras com as quais se envolvia, aqueles que o rodeavam também sofriam a mesma sensação, o que os obrigava a se afastarem do centro, para deixar o Presidente sozinho, suportando a sensação de fogo directamente sobre o perispírito densificado como se fosse a própria carne.

Foi então que uma voz trovejante e doce se fez ouvir:
— Filhos, a hora é chegada em que o rebanho será separado.
O trigo bom e sadio, suportando a companhia do joio pobre e doente deve ser resgatado.
Milénios foram gastos para a preparação da colheita.
Agora, aqueles que tiveram oportunidades para se regenerarem estão sendo chamados a que se definam.

Sem a regeneração adequada, o joio continuará joio, condenando-se ao fogo que o depurará ao longo de outros milénios.

No entanto, a Bondade Soberana que nos governa não deseja ferir, senão educar.
Por isso, antes que sejam tomadas as últimas medidas, aqueles que desejam, realmente, aceitar o trabalho da transformação efectiva, sem rebeldias nem ardis, possuem, neste, o último momento para a decisão.

Não serão recolhidos como vencedores.
No entanto, serão acolhidos como doentes que aceitam a cirurgia para a recuperação de suas almas.
Aqueles que não o desejarem, no exercício de seu livre-arbítrio, poderão despedir-se da longa jornada no planeta porquanto, doravante, para vocês, o tempo na Terra está acabado.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122485
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 9 Empty Re: Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jun 07, 2014 8:28 am

A poderosa exortação penetrava a consciência de todos os que ali se achavam reclusos.
Extasiados e assustados, a maioria não sabia o que fazer.
Apenas o Presidente se agitava, lutando contra as forças dominantes do Bem que convocava os que ali se achavam à própria transformação.

— Todo aquele que for sincero em suas convicções, reconhecendo seus erros, arrependendo-se de tudo o que fez, aceitando sem condições o tratamento que se lhes oferece para modificação de seus defeitos milenares, poderão encaminhar-se para os limites que os contêm e, desde que sejam verdadeiros, passarão pelas linhas de contenção e estarão libertos para receberem o atendimento das mãos luminosas que os amparam.

No entanto, todos aqueles que estiverem tocados somente pelo medo ou pelo interesse de fugirem das consequências de seus actos, que não se atrevam a tentar porquanto sofrerão as consequências em si próprios, pelo padrão de energias negativas que acumularam e ainda preservam.

Dessa maneira, informados de como procederem, os gritos começaram a se escutar por todos os lados.
A maioria partira para os limites invisíveis que os prendiam.
No entanto, como não desejavam despir-se das antigas maneiras de ser, sempre acostumados a corromper, a adulterar, a trocar favores, imaginando que poderiam continuar enganando para sempre, eram colhidos por uma reacção que multiplicava a energia negativa que mantinham actuando em si mesmos.

Como uma descarga eléctrica, eram projectados à distância, caindo sobre os outros no aglomerado em que se ajuntavam, pressionados, entrando em pesado sono, depois do grito desagradável com o qual demonstravam a dor que lhes percorria o ser, assinalando para todos os demais que não havia como iludir as linhas de defesa que os circundavam.

Sim, era uma linha de defesa do mundo superior contra entidades desse padrão que, já há algum tempo estavam sendo objecto de exílio da superfície do planeta, tanto quanto abriam espaço para a chegada, através da reencarnação, de entidades mais evoluídas que iriam modificando as vibrações planetárias, com as transformações fluídicas que implementariam.

Daquele aglomerado de almas prisioneiras de si mesmas, apenas duas conseguiram vencer as linhas de defesa, depois de se apresentarem profundamente arrependidas do que haviam realizado no mundo, ao longo dos séculos que suas memórias podiam abarcar.

Várias entidades não ousaram caminhar até os limites de contenção, preferindo se manter no centro, observando as reacções dos que a ela se atiravam, desferindo xingamentos na direcção de todos os que, impressionados com o fenómeno e temerosos das consequências de seus actos, tentavam, levianamente, sair da rede em que se viram aprisionados.

Outros mais gritavam para Josué, acusando-o de enganador, de ter preparado aquela armadilha para todos eles, já que ali estavam atendendo ao seu convite pessoal.
Alguns que estavam mais próximos tentavam agredir o antigo líder que, sem saber como agir, por mais que se esforçasse em manter o controle de si mesmo, ia cedendo aos golpes daquele instante, enfraquecido pela luminosidade que se projectava sobre ele.

— Josué, ser líder é assumir pesado compromisso.
Se a sua conduta, até o presente momento soube arrastar os liderados pelos caminhos tortuosos e enlameados do ódio, saiba se redimir de tão grave desatino, liderando-os para outra estrada. Seu arrependimento poderá ajudar outros a que se conduzam igualmente a você!

Escutando as exortações que lhe eram directamente dirigidas, revestiu-se da maior dureza possível para que não se permitisse vencer, orgulhoso que era, diante dos próprios comandados.

— Eu os odeio, representantes do cordeiro... covardes e perigosos que não são capazes de aparecer para o entendimento frontal como deveria ser...
Vocês têm medo do quê?
Se estamos todos presos, porque não se dignam surgir para o enfrentamento directo e pessoal?

Intensificada luminosidade se apresentou dentro do facho radiante e um ser diáfano desceu, à vista de todos os presentes, para assumir posição diante de Josué.

— Aqui estou, meu irmão...
Não para combater, mas para lhe estender a mão para que o arrependimento o auxilie no derradeiro instante de sua jornada.

Josué não sabia o que fazer.
Desejou avançar para a entidade com o fito de feri-la, mas não teve forças.

— Eu conheço seus sofrimentos.
Somos amigos de outras eras e estivemos empenhados nas mesmas lutas de um dia, sob a bandeira do Evangelho.
No entanto, separados por pontos de vista diferentes, seguimos por trilhas distintas, até que as labaredas da fogueira acesa por você conduzisse meu corpo para o seio das chamas devoradoras que me purificaram o testemunho para a elevação de meus ideais.

Desde então, tenho estado em busca de apagar o incêndio de sua consciência, meu irmão.
Os séculos se sucederam e as perseguições políticas nas estruturas do clero o afastaram da rectidão do culto simples desse nosso Jesus amigo e compassivo.
Sempre a supremacia do poder humano e do dinheiro a corromper os menos afortunados, estendendo esse roteiro de sangue e lágrimas na extensão de seus passos.

Ao mesmo tempo, estive empenhado nas manifestações preparatórias da chegada do Consolador que fora prometido ao mundo pelo Divino Mestre quando andava entre os homens.
Sem méritos suficientes para tal empreitada, ainda que procurando fazer o melhor que me cabia, apartamo-nos da primeira hora de entendimentos, e nos colocamos em caminhos que pareciam opostos.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122485
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 9 Empty Re: Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jun 07, 2014 8:28 am

Agora, diante das considerações evolutivas, chega a hora das definições.

Dois grupos se entrelaçam na arena terrestre.
Um a despedir-se por não conseguir elevação suficiente para permanecer e outro a chegar com o objectivo de acelerar a melhoria do mundo, na implantação de uma nova era.
Não desejo que essa contingência da evolução nos seja o obstáculo ao reencontro e, por isso, me apresento diante de sua alma, antiga companheira, para que retomemos a empreitada no rumo da luz do Espírito.

Josué, seu Espírito é valoroso, cheio de talentos para se permitir consumir em uma outra jornada de milénios na escuridão de um planeta inferior.
Não se entregue a essa nova queda, porquanto o destino que aguarda os que não se reerguerem será compatível com o mal que não desejarem expurgar de seus corações.
Aceite o convite final para que, beijado pelo arrependimento, possamos encontrar o consolo da velha amizade, convertida em enlace sublime ao longo dos séculos do porvir.

A emoção da luminosa entidade se fazia contagiante.
Aproveitando a modificação do ambiente, com a diminuição do tónus negativo, inúmeros Espíritos se fizeram presentes e visíveis aos olhares assustados e confusos de todas as entidades trevosas que ali se ajuntavam.

— Estamos acompanhando seus planos desde os antigos tempos e, sabendo edificar sobre as ruínas da destruição, pudemos chegar até aqui, com a marca do Amor Sábio que permite os desatinos de alguns anos para, deles, retirar o ensinamento que transforma para a eternidade.

Não resumimos este encontro a uma consequência grotesca de um casal infeliz que resolveu alterar o rumo de seus caminhos.
Nem ao planeamento mesquinho dos que se aproveitaram dos deslizes humanos para resolver seus problemas pessoais.
Nem daqueles que estavam à espreita para ganharem com a desgraça de alguns.

Muito menos reconhecemos casualidade nas acções das faixas negativas a manipular os sentimentos humanos mais inferiores.
Sobre todas as coisas, a acção do Bem se patenteia, aproveitando as lutas do Mal para salvar os maldosos porquanto, a Bondade Divina não os considera maus.

São, apenas, filhos da ignorância e vítimas de si próprios.
Por mais tempo que adiem a transformação, mais tempo terão lançado contra si mesmos as sentenças condenatórias.
Daqui para diante, o destino de todos é o degredo a mundos inferiores, onde as mais pobres e rústicas formas primitivas que existem na Terra produzirão saudades no âmago dos seres exilados para as superfícies estéreis e calcinantes de outros orbes.

Na Justiça do Universo nada se perde.
Serão todos considerados missionários da transformação dos novos mundos.
No entanto, pagarão em sofrimentos intensos a rebeldia de cada instante.

Percebendo que a mente de Josué mantinha-se activa, questionando suas palavras, ainda que sua voz não se fizesse escutar, receosos, a luminosa entidade continuou:
— Todos, encarnados e desencarnados que se afinizem com as vibrações amesquinhantes serão levados para a nova habitação.
Os que não estiverem sendo conduzidos neste momento, estarão sendo recambiados no tempo certo, porquanto a modificação das tendências se fará sem sobressaltos.

Durará alguns séculos todo o processo, mas, certamente, as divergências vibratórias se farão sentir mais intensamente deste período em diante, pelo agravamento constante dos processos de selecção e pelas reacções da ignorância à aproximação do momento decisivo.

Todos os que vocês usaram, no corpo ou fora dele, serão seleccionados por si próprios e, do resultado final de suas vibrações verdadeiras, extrair-se-á a condição de habitante do mundo terreno melhorado ou de passageiro com bilhete garantido para as pousadas primitivas que os aguardam.

Josué não conseguia mais se manter de pé.
A força da entidade era tal, que o desejo de agredi-la foi transformado em fraqueza e vergonha.
O silêncio estendeu-se por longos minutos, como se Josué estivesse a tentar reunir as últimas forças para adoptar a escolha consciente que poderia modificar o rumo de seus passos por mais alguns milénios.

Depois desse longo hiato, ouviu-se a voz do Presidente, reduzido a frangalhos morais:
— Não tenho como voltar atrás... ainda que reconheça meus erros... — falou com dificuldade.
Merecerei qualquer castigo, de tal maneira que prefiro recomeçar no inferno que mereço, a estar ao seu lado, cuja bondade sincera, ainda que não seja de seu desejo, humilha meu ser.

Quem sabe, em uma outra ocasião.
Prefiro, agora, o degredo.
E pretendo levar todos os que me acompanharam até aqui.

Vendo a teimosia do antigo amigo que se fizera adversário, a nobre entidade inclinou a cabeça, resignada e triste e respondeu:
— Sua escolha é soberana e respeitada.
No entanto, não terá mais o cortejo dos que acreditaram em sua palavra.
Estará sozinho, afastado de todos eles.
Quem sabe, ao preço da solidão, você medite sobre a sabedoria de como liderar melhor os seus companheiros, no futuro.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122485
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 9 Empty Re: Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jun 07, 2014 8:29 am

Josué quis protestar, mas as forças lhe faltaram.
Imediatamente a entidade veneranda se ergueu no ambiente, seguida de todas as outras, enquanto que os Espíritos trevosos que haviam mantido a Organização funcionando por longo período se viram envolvidos por um brando anestésico e tombaram, para acordarem mais tarde, em ambiente diferente e confuso, que os congregava para que fossem levados aos respectivos destinos celestes, nas diferentes moradas que existem na Casa do Pai, mundos primitivos ou de expiação mais cruel do que aquela que existe na Terra de agora.

Como que por encanto, ao desaparecerem os mantedores vibratórios daquelas construções terríveis, os prédios e as diversas ramificações que se enraizavam na atmosfera espiritual da cidade se desfizeram como se fossem uma miragem a sumir diante dos olhares de todas as entidades que nelas prestavam algum tipo de serviço.

Todas as almas que ali se achavam comprometidas, assustadas com o fenómeno, se viram perdidas, despejadas dos antigos pardieiros escuros e, sem rumo, não entendendo o que havia acontecido e o que seria delas, pareciam autómatos hipnotizados que, repentinamente, fossem devolvidos à lucidez.

Ao mesmo tempo, inumeráveis caravanas de Espíritos generosos e devotados se mantinham a postos, espalhadas pelas esquinas das ruas movimentadas, a atender todos os que desejassem encontrar um novo caminho.

Assim, Espíritos luminosos se mantinham postados à entrada dos bueiros das vias públicas daquela região, tentando amparar as inúmeras entidades invigilantes que foram colhidas pela súbita transformação e que, vendo-se expostas ao ambiente novo, tentavam encontrar abrigo nos buracos existentes nas sarjetas nos quais buscavam se esconder, fugindo da luz da nova realidade.

Era um verdadeiro formigueiro de almas nos dois sentidos da existência, todas empenhadas na realização do projecto do Cristo, melhorando a Casa Paterna que era representada pela Terra, a fim de que, aqueles que se espiritualizaram, pudessem nela encontrar o refúgio depois da longa tortura.

Muita coisa ainda estava por fazer porque aquela havia sido, apenas, pequenina batalha a movimentar todas as forças do Amor que dirigem os destinos humanos dos altos cimos da Vida.

Nas ruas da cidade, muita leviandade se repetia, muitos escritórios e clínicas de aborto, clubes e logradouros eram destinados ao exercício da maldade e do vício.
No entanto, para todos eles estava demarcada a hora exacta, no curso da qual, os seus integrantes exerceriam as últimas acções no caminho do mal, em processo de banimento de todos os quadrantes da Terra.

Valendo como hospitais improvisados, como prontos-socorros de emergência, as casas espíritas se mantinham activadas como pousada de amparo e descanso para tantos quantos aceitassem o processo da renovação, ainda que, para tal despertamento, tivessem que ser ver envolvidos pela dor.

Os ambientes espirituais que as instituições cristãs espíritas sérias possuíam e possuem favorecia a transformação dos aflitos e a administração dos eflúvios salutares que visavam o reequilíbrio mínimo dos candidatos à transformação, antes que fossem encaminhados ao destino que lhes cabia enfrentar, destino diferente daqueles que teimavam no mal.

No entanto, destino que lhes permitisse reparar seus equívocos pelo despertamento de suas consciências.

Assim, em que pese serem todas as igrejas locais de elevação espiritual, quando não se confundem com empresas ou negociatas espúrias, as casas de oração que se espiritualizavam, tanto física quanto na atmosfera mental, se tornavam aptas a receber uma imensa gama de almas desequilibradas, para serem amparadas através dos processos da meditação superior, da irradiação magnética, dos tratamentos colectivos e das aulas de auto-descobrimento promovidas por um sem número de trabalhadores invisíveis devotados e empenhados na modificação do padrão inferiorizado das vibrações humanas.

O que não havia como negar era a noção clara de que, agora, era a hora da partida para todos os que se mantivessem arraigados nos antigos erros e no exercício das mesmas viciações mentais, materiais e morais.

Era assim que as duas raposas costumavam resolver seus problemas pessoais, quando tinham outros incomodando o caminho.

Os dias se passaram e, como haviam combinado, Leandro foi despedido com o prémio para sentir-se compensado.
Marcelo não voltou mais ao escritório, tendo mandado uma pessoa retirar seus últimos pertences.

Sílvia afastou-se definitivamente, entregando todos os seus casos para que Camila pudesse cuidar, alegando incapacidade física para dar continuidade aos processos.
Reclusa em casa, entrara em depressão e começara a colher os frutos amargos do processo abortivo a que se submetera, além do acúmulo de anos e anos de leviandades, a se apresentarem ante sua consciência culpada, acusando-a de imunda e depravada. Estava em processo de desagregação da personalidade.

Letícia se encontrava como que hipnotizada diante dos factos.
Não sabia como avaliar seus sentimentos, e suas atitudes se tornaram maquinais.

Só não enlouquecera por conta da ajuda espiritual de que se via objecto, com a protecção vibratória de Gabriel, sustentando seus impulsos com ideias de tolerância e perdão, calma e cabeça tranquila para qualquer decisão.

Se não fosse por isso, Letícia já teria resvalado para a terrível estrada do suicídio, situação esta que não deixou de lhe passar pelo pensamento.

Estava ferida, humilhada, envergonhada por ter-se apaixonado por um usurpador, um rapaz sem escrúpulos, que se havia aproveitado da sua intimidade e a ela recorria para satisfazer-se no ego de homem desejado, mesmo que se encontrasse apaixonado por Camila e mantivesse relação sexual com Sílvia.

Camila era a única que conseguira evitar o contacto íntimo pleno com Marcelo, apesar de ter-se permitido intimidades calorosas com o rapaz.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122485
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 9 Empty Re: Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jun 07, 2014 8:29 am

42 - DESPEDINDO-SE DA TERRA

Alguns dias depois, em um dos luxuosos motéis da cidade, a suíte mais cara estava reservada para um encontro especial.

Em seu interior, se podia observar um casal em um momento de festividade e comemoração importante,
A diferença de idade não parecia alterar as disposições íntimas entre ambos os parceiros, parecendo clara a euforia do homem, mais velho, e a alegria indiferente da jovem.

Enquanto isso, os Espíritos amigos se mantinham a postos, acompanhando os derradeiros acontecimentos, com os quais retiravam outras tantas lições para o amadurecimento individual nas questões da afectividade e do exercício da sexualidade.

— Eu não lhe falei que tudo sairia como havíamos previsto?

A frase era a repetição de muitas outras que já haviam sido trocadas ao longo de todo o processo de desenvolvimento de um longo plano, meticulosamente traçado para a conquista de objectivos.

Diálogos rápidos e misteriosos que, muitas vezes, foram interpolados no meio de nossas narrativas, dando a noção do ajuste de intenções, nos planos bem alinhavados pela malícia e pelo interesse inferior.

— Ainda bem que eu atendi aos seus conselhos e levei as coisas para o rumo que você me havia orientado.
E, graças a isso, podemos hoje estar aqui, comemorando este grande feito.
Como eu lhe sou grata, Ramos.

Ouvindo a confissão de gratidão daquela jovem desejável, o maduro advogado se sentiu enlevado, voltando a viver as antigas sensações de heroísmo juvenil, as mesmas que levaram Marcelo a fazer o que fez.

— Sim, Camila, conhecendo Alberto como conheço, estava seguro de que conseguiríamos atingir o objectivo de limpar a nossa área de acção, ao mesmo tempo em que isso significaria a sua ascensão profissional.
Um brinde à sua nomeação como a mulher de confiança do meu sócio, querida.

E a champanhe cara era vertida em comemoração ao sucesso triunfante do plano de ambos, graças ao qual Camila, amante de Ramos, era colocada no lugar de Leandro, directamente ligada ao sócio Alberto, o que permitiria que seus movimentos pudessem ser directamente controlados pelo falso amigo de tantos anos.

Isso mesmo, queridos leitores, ali estavam os amantes Ramos e Camila, reunidos em um lugar adequado para as demonstrações licenciosas e mecânicas de um afecto que não poderia corresponder, senão, à troca de interesses físicos por interesses económicos, se considerarmos as noções morais pouco elevadas dos que se uniam para obter o que tanto queriam.

Ramos, homem desgastado pela vida e envelhecido pelo tempo, se sentia remoçado ao contacto com a jovem exuberante, ainda que ele usasse seu dinheiro e se aproveitasse de sua influência e reputação social para atrair a moça.

E esta, dotada de uma ambição maior até mesmo que sua beleza, fazia da relação espúria o trampolim para as conquistas mais desejadas de sua condição feminina.

Não havia amor entre eles.
No entanto, ambos se usavam e se consumiam segundo as conveniências do momento.
Camila sabia que as concessões de Ramos, abrindo caminho para que conseguisse se tornar o braço direito de Alberto, o que permitiria, por fim, que ele próprio controlasse todos os passos do sócio, corresponderiam ao seu dever de se entregar como mulher e se portar como aquela que satisfaz o desejo físico e a ambição de um velho em ser admirado por ser visto ao lado de uma bela representante do sexo oposto.

Não haviam conversado directamente sobre esse acerto.
No entanto, as cláusulas claras de tal contrato de interesses estavam estampadas nas entrelinhas de suas conversas e encontros, já existentes ao longo de um bom tempo, perfeitamente disfarçadas por uma conduta inteligente e discreta, a permitir que, no momento adequado, o laço da armadilha se fechasse.

Todos estavam imaginando usar o outro, de forma a se valerem das fragilidades alheias.
No entanto, todos acabaram usados para que as necessidades evolutivas seguissem seu curso pelos caminhos que cada um havia escolhido para si mesmo.

Aproveitando-se da intimidade, entre um gole de champanhe e um beijo, Camila, envolvida pelos braços do amante, confessou:
— Sabe, querido, estou muito preocupada com Marcelo.
Nestes dias que passaram, ele tem me procurado insistentemente, acusando-me de traição, de ter ocupado o seu lugar, de tê-lo colocado em uma situação complicada, acabando com sua carreira.

Nas poucas vezes que atendi ao telefone, estava desesperado e agressivo.
Havia dito que Marisa, a esposa, o havia abandonado, indo morar com outra pessoa, que tinha perdido tudo na vida e que isso não iria ficar desse modo.
Se ele caísse, muitas outras pessoas iam cair com ele.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122485
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 9 Empty Re: Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jun 07, 2014 8:29 am

Depois que deixei de atender ao telefone, passou a deixar recado na caixa postal do meu celular.
Escute este, que eu não desgravei exactamente para que você o conhecesse.

Colocou para o amante o recado no qual Marcelo se dizia apaixonado, delirava com sonhos de união, agora que a esposa se afastara dele, pedia para que ela acreditasse em seu amor, que estava desesperado e que não daria sossego enquanto não atingisse seu objectivo.

O tom de voz de Marcelo era cavernoso, próprio de alguém que está às portas do desequilíbrio.
De um lado, se derretia em confissões de amor e paixão. De outro, ameaçava destruir sua vida, acabar com ela se, por acaso, o substituísse por outro, não lhe dando a oportunidade de convivência íntima.
Confessava que havia errado, mas estava arrependido e jamais havia mentido sobre o afecto que o ligava a ela.

Entendendo que se tratava de ameaça grave, Ramos escutou todo o conteúdo da mensagem várias vezes.
Solicitou que a moça lhe emprestasse o celular para que pudesse tomar algumas providências junto às autoridades que conhecia e, por fim, tratou de lhe atenuar as preocupações, tranquilizando seu Espírito para que a noite pudesse continuar entre a excitação e o prazer compartilhado, na euforia irresponsável de quem pensa que pode usar os outros como peças em um jogo, sem nunca prestar contas do que tenham feito.

Na verdade, Ramos sabia quem contratar para dar fim à vida daquele incómodo no caminho dele e de Camila.

Por sua vez, longe dali, Letícia se entregava ao desequilíbrio mais profundo que havia sentido desde a idade adulta.
Ainda que a companhia de Gabriel lhe servisse de apoio magnético, a jovem periclitava.

Havia procurado Marcelo por diversos dias, mas, sem sucesso, também se valia do celular para deixar recados desesperados, nos quais humilhava a própria dignidade feminina, suplicando ao rapaz que correspondesse aos seus carinhos.

Num misto de ódio e amor, dizia ao rapaz que ele havia sido o mais indecente dos homens que conhecera, mas que, ela não sabia por qual motivo, não conseguia esquecê-lo, o que a levava ao limite de sua sanidade.

E da mesma forma, nas entrelinhas, deixava a entender que não iria enlouquecer sozinha.
Se perdesse o juízo, antes de isso acontecer, o rapaz haveria de receber a conta do que fizera com ela.
Marcava encontros a esmo, determinava lugares e horários, fazendo ameaças de revide, informando que jamais seria feliz com outra pessoa além dela própria, porque ela não o permitiria.

A esta altura, Letícia já tinha informações sobre o afastamento da esposa de Marcelo, porque, em certa tarde, Letícia fora pessoalmente até o prédio onde o casal residia, com a finalidade de revelar à sua esposa todos os factos e, assim, deixar tudo em pratos limpos para que resolvesse seus problemas íntimos, ainda que isso fosse somente o exercício da vingança pela desconsideração recebida.

O orgulho ferido habitando o mesmo coração que amava não permitia um ponto de equilíbrio entre o ódio passional e à racional aceitação dos factos.
Queria Marcelo, mesmo que fosse para fazê-lo sofrer por algum tempo e, depois, descartá-lo.
Se ele não a aceitasse, a ideia de assassiná-lo e, depois, matar-se, corria fértil pela sua mente, apesar de todos os esforços de Gabriel.

— Aquele maldito advogadinho me paga.
Perdi tudo por causa dele, safado, cachorro... — era o pensamento igualmente descontrolado de Leandro, desapossado de sua condição de braço direito de Alberto, cargo que exercia já há vários anos.
Não tenho como prejudicar aquele velho ordinário que, de uma forma ou de outra, também detém segredos e documentos que me colocam em suas mãos, incriminando-me.

No entanto, esse miserável do Marcelo me paga.
Não pense que vai ficar feliz, podendo andar por aí livre e solto, enquanto eu amargo a ironia dos amigos, as perguntas irónicas sobre a minha saída do escritório, a perda das rendas e o aumento de minhas dívidas. Como é que vou continuar pagando o meu barco, se não tiver de onde tirar mais dinheiro?

E porque a ideia de seguir trabalhando honestamente como advogado lhe surgia como uma resposta da própria consciência às situações de dificuldade, respondia a si mesmo:
— Advogar, eu?
Andar por corredores de fórum, encostar o umbigo no balcão, ter que esperar ser atendido, aguardar na porta de autoridades o beneplácito de seu atendimento, as mesmas autoridades que me recebiam sorridentes quando ia lhes levar dinheiro para nossos acertos?
Isso é que não faço mais.

Entre os pensamentos indignados e os goles de bebida, Leandro pretendia afogar seus sofrimentos, partilhados na solidão de uma vida sem sentido e sem família.

Anos atrás, seduzido pelas conversas de Alberto e Ramos que sempre enalteciam a condição de homens criados para as aventuras inconfessáveis do sexo livre, resolvera romper seu casamento porque sua esposa não mais lhe correspondia ao ideal de mulher atraente e escultural, preferindo trocá-la por mocinhas oportunistas com as quais flertava e se distraía periodicamente, sem se apegar senão aos seus corpos e curvas, pagando-lhes quanto pedissem.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122485
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 9 Empty Re: Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jun 07, 2014 8:29 am

Agora, não encontrava em nenhum de seus corpos quentes e insaciáveis, o apoio amigo, a condição de companheiras pacientes e compreensivas, capazes de escutar seus desabafos e entender seus sofrimentos.

Para as mocinhas, tempo era dinheiro e, por mais que pagasse, escutavam suas queixas como máquinas registradoras, olhando para o relógio como se não passassem de caça níqueis, indiferentes às suas dores.

Não! Aquele era o momento para o calor da velha companheira, aquela que suportara as suas equivocações e que tolerara seus achaques, graças aos anos vividos juntos, desde o frescor da juventude.

No entanto, Leandro estava sozinho.
A única companhia que o envolvia era a de Demétrio, o Espírito que o espreitava com as ordens de Josué, antes de terem sido afastados daquele círculo trevoso no qual havia se transformado o escritório, além das entidades que esse hipnotizador arrebanhara com o seu poder para induzir sua vítima desequilibrada a praticar o crime contra Marcelo.

— Veja, Leandro — sugeria, ardiloso, o Espírito obsessor — como você está desesperado e Marcelo se encontra todo feliz.
Não acha que há uma grande injustiça nessa história?
Ele, sem qualquer consequência, jovem ainda, pleno para retomar sua vida profissional, enquanto que você, aí, acabado, jogado às traças, como um velho inútil?
Em breve, Marcelo estará tomando seu lugar junto ao corpo quente dessas menininhas que você usa e elas jamais quererão saber quem você é!
Vai deixar as coisas ficarem assim?

Leandro não ouvia as palavras de Demétrio na acústica física, mas uma indignação crescia em seu íntimo, facilitada pela imersão do cérebro nos fluídos etílicos, sempre nocivos para o equilíbrio e para a clareza das decisões.

Era a resposta de seu Espírito imaturo para os insucessos diante da vida, nas perdas de cada instante.
A sociedade moderna, tendo adestrado os homens para serem hábeis e astutos competidores, não os treinou para enfrentarem a derrota com a mesma coragem com que se atiram às lutas da conquista material.

Derrotadas em seus sonhos, perdendo seus nichos dourados, decaídas de seu status, as criaturas se vêem diante de seu real nível de evolução espiritual, surpreendendo-se quais crianças perdidas, derrubadas do caminhão que transportava os seus sonhos ao destino que, agora, não poderão mais atingir.

E por causa disso, a maioria se permite o exercício da auto-dilaceração, da depressividade, da vontade de vingar-se do mundo, das pessoas, atribuindo culpas e responsabilidades a todos aqueles que surjam à frente de seus pensamentos.

A vergonha da derrota ainda não foi convenientemente transformada pelas pessoas em uma força de reacção no caminho da auto-superação, da renovação de esforços, da ruptura com o passado de erros, para a construção de um futuro diferente.

Os que perdem seu tempo nos caminhos da indignação infantil, procurando responsáveis pelos momentos dolorosos que passaram, são homens e mulheres pela metade, não crescidos espiritualmente, carentes de confiança em si mesmos e em uma Força Superior que só lhes parecia existir enquanto lhes favorecia com concessões e regalias.

Assim, Leandro não passava de um infante, mobilizado por forças e influências perniciosas que encontraram apoio e espaço em seus pensamentos de autocompaixão, a fim de que, semeadas as ideias de vingança, tais sementes pudessem produzir os efeitos determinados por Josué.

— Não... aquele safado há de me pagar o desaforo, acusando-me sem provas e me colocando naquela situação desagradável... perdi tudo por causa dele.
Não permitirei que seja feliz enquanto fico amargando esta solidão e o prejuízo de não ter mais renda, não ganhar mais nada, ainda mais agora que estou velho.
Marcelo pode pensar que tudo está resolvido, mas ele não vai viver o suficiente para sorrir sobre meus soluços.

Por todos os lados, os jogos continuavam iguais, sempre com os desejos de levar sofrimento e tirar vantagens das angústias de seus semelhantes.

Dentre todas as pessoas envolvidas nessa trama tenebrosa, apenas Sílvia não pensava em matar Marcelo.
Talvez porque se achasse acostumada a usar as pessoas para extrair o prazer físico e nada mais, ficara indignada com as desagradáveis descobertas bem como se abatera por ter a sua conduta leviana com um colega do próprio escritório exposta ao conhecimento público.

Sua imagem de mulher respeitável e séria havia sido destruída e, por isso, não poderia mais lá permanecer por causa de seu orgulho ferido.
Além do mais, não poderia levar consigo seus antigos clientes e suas causas porque, em verdade, pertenciam ao escritório e não a ela.

No entanto, tinha um filho ingressando na adolescência e, mesmo que o marido não servisse para muita coisa no campo afectivo, o garoto era o apoio indispensável para que seguisse querendo viver.
O problema era que a perturbação obsessiva promovida pelos dois filhos abortados se lhe incrustara no Espírito, abatendo seu ânimo e cobrando o preço de sua leviandade.

Suas forças escasseavam e sua mente se sentia frágil, constantemente convocada ao suicídio.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122485
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 9 Empty Re: Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jun 07, 2014 8:30 am

— Seus problemas acabarão com sua morte... — gritavam os seus dois obsessores, igualmente alienados quanto à realidade da vida dos homens.
Vamos, venha para a nossa companhia. Somos velhos amigos.
Nossa casa em Aragão nos espera novamente...

Entre nós três continuaremos nossos encontros de prazer, aproveitando nossas relações de amor e carinho...
Venha, Felícia, estamos precisando de você para que continuemos felizes, como sempre fomos.
Nossas noites de paixão, nossos desejos ardentes, nossos momentos de alegria e vinho se repetirão....

E as sucessivas lembranças caíam sobre sua consciência como um fogo a requeimar sua alma, traduzindo-se em insatisfação para com a vida presente, em vontade de morrer para ser feliz e, ao mesmo tempo, em pavor diante de uma morte que a colocaria nas mãos de seus próprios adversários desencarnados, os quais costumava encontrar frente a frente nos momentos de sono físico.

Nessas horas nocturnas, a agitação espiritual impedia que sua mente descansasse.
A presença das duas entidades, grudadas em seu perispírito como dois tumores enraizados nela mesma, proporcionavam-lhe momentos de pavoroso desespero, numa luta incessante e ineficaz para arrancá-los de seu perispírito.

Os únicos instantes de felicidade eram aqueles quando seu filho se acercava de sua cama, preocupado com seu estado de desequilíbrio, a lhe pedir:
— Mãe, não fique assim... eu preciso de você.
Vamos, melhore para mim, não fique doente... se ajude... eu já lavei a louça do almoço como você sempre me pediu, mas eu nunca me preocupei em fazer...
Por favor, mãe, não fique assim....

As solicitações do menino-rapaz eram extremamente pungentes, única demonstração de afecto verdadeiro que havia impedido que Sílvia buscasse o recurso do suicídio, como se isso fosse o fio de esperança a mantê-la lúcida e em busca de uma solução para sua angústia.

— Filho, mamãe está tentando não ficar assim.
Reze por mim, por favor. Fique comigo.
Estou precisando de você mais do que de qualquer coisa.

E entre os dois Espíritos, adversários do passado, estreitava-se o laço de um verdadeiro afecto e confiança que se enriquecia naquelas horas de sofrimento que os unia, rasgando o véu da queda moral, do ódio e do desejo de vingança que os havia marcado naquela época em que ela se fizera amante dupla do pai e do filho, na antiga Aragão espanhola.

Os momentos de aproximação de ambos eram um esforço tão intenso do filho para a recuperação de sua mãe, que até mesmo o coração indiferente do marido, acostumado a uma relação mecânica e formal com Sílvia, viu-se tocado pelo seu abatimento e pelo carinho desse filho.

— Vamos, pai, não fique aí lendo jornal enquanto a mãe está sofrendo.
— Ora, menino, sua mãe não está tão mal assim... — respondia o pai, enquanto não se dirigira até o quarto, coisa para o que foi compelido pelas mãos do garoto, agoniado.
— Vamos comigo, pai, venha ver.
Acho que a mãe precisa de um médico.

Levado até o quarto, já que ambos não dormiam juntos há muito tempo, o aspecto de Sílvia foi o suficiente para que Jamil, o esposo, não se mantivesse mais indiferente ao seu estado.

— Sílvia, mas o que está acontecendo com você, mulher?
— Ora, Jamil, estou cansada, desempregada e só tenho Alexandre para me amparar — falou ela, sem desejar acusá-lo de nada.
— Não, mãe, o pai está aqui também e vai me ajudar a salvar você.

Vendo que a voz do filho era a do desespero diante da impotência, Jamil esqueceu-se daquela leviana mulher que, sua velha conhecida de aventuras da mocidade, acabara engravidando para, conforme ele sempre desconfiara, segurar um bom partido.

Naquele momento, diante de seus olhos, estava a mãe de seu filho, um outro ser humano, de olhos encovados, semblante amedrontado e corpo fraco, preso a um leito não mais para a sensação prazerosa do gozo irresponsável.

Ali, um outro ser vivo recolhia o fruto amargo de suas semeaduras.

- Sim, Alexandre, nós iremos ajudar sua mãe para que melhore.
Vendo as palavras titubeantes de Jamil, Sílvia respondeu, não desejando ser objecto de sua compaixão piegas:
- Não desejo ser peso para seus ombros, Jamil.
Nós sabemos como tem sido nossa vida e não espero que se veja obrigado a me conceder aquilo que nunca lhe ofereci, no carinho, na atenção e no devotamento que jamais lhe dediquei.

— Não se preocupe, Sílvia.
Nós todos temos errado muito e não a olho como a antiga namorada das ilusões mortas.
Olho para você como um ser humano como eu, sabendo que se eu estivesse em seu lugar, seu coração adoptaria para comigo a mesma atitude que espero poder ter para com você.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122485
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 9 Empty Re: Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jun 07, 2014 8:30 am

Os olhos da mulher se fizeram molhados pelo comentário carinhoso e espontâneo do marido já que, ambos, desde há muito tempo, se haviam esquecido que uma união se constrói não de sexo, de prazer, de culto ao corpo, mas, sim, de afectividade, solidariedade, palavras de apoio, estímulo e de mãos estendidas.

Ali estava aquele que ela enganara tantas vezes, nas aventuras imaturas e sem sentido, mas que, agora, representava, para suas dores, o apoio necessário para tentar sair daquele confuso, no qual sofrimentos físicos mesclavam a abatimento espiritual e desejo de morrer.

Ao contacto com o afecto do filho e a atenção do marido, a esperança de Sílvia se fez mais intensa.
Vendo que não poderia ser digna de uma ajuda de tal porte sem corresponder com sinceridade e autenticidade, cansada da vida mentirosa de prostituta de luxo que levava, adoptou a decisão de, por primeira vez, ser verdadeira diante dos olhos e ouvidos do companheiro prestimoso daquele instante.

Pedindo ao filho que os deixasse sozinhos e ao esposo que se sentasse ao seu lado no leito, passou a revelar-lhe o longo rosário de dores morais e atitudes pouco dignas a que se permitira, coisas que não eram de todo desconhecidas do marido, nos fingimentos consensuais que ambos se permitiram, apenas para manter as aparências e para que o filho não ficasse sem uma casa nos moldes tradicionais das famílias estruturadas.

Ambos se haviam autorizado a manutenção de uma vida sexual independente, desde que preservados os limites do lar, onde se apresentavam como pessoas distintas ou, ao menos, respeitáveis.

— Tudo isso que você está me contando, Sílvia, apesar de nunca ter tido conhecimento anterior, já supunha, porque a minha vida, desde nosso ajuste há tantos anos, também tem sido trilhada por esse mesmo padrão.
— Eu sei, Jamil, e não desejo que você se sinta obrigado a contar sua rotina.
Apenas que, diante de sua atitude generosa para comigo, não gostaria que me apresentasse aos seus olhos sem confessar meus erros, sentindo nojo da podridão que me atola a alma, ainda que você não se importe com eles.

A sua conduta amiga me faz lembrar da mulher honesta que dia fui.
Necessitada de me arrumar financeiramente para poder estudar, entreguei-me a uma prática devassa na qual, durante a noite, ganhava o dinheiro que me sustentaria os estudos e a vida durante o dia.

Ali encontrei um rapaz que se deixou envolver por meus caprichos e experiências na cama e, então, apaixonou-se por mim.
Ele não era livre, ainda que não fosse casado, enquanto que eu e você já namorávamos.
Depois de algum tempo de convivência, temi que acabassem descobrindo a vida dupla que levava.

A paixão do garoto — que pertencia a uma família rica e também tinha lá seus interesses — me fez desejar não perder a oportunidade arrumar um bom casamento.
De um lado, você, entusiasmado com nosso relacionar minha beleza juvenil e excitante, um homem um pouco mais maduro e posicionado, ainda que sem tantos recursos quanto o rapaz.
Do outro lado, o mocinho Inexperiente, cheio de vontades e sonhos, de fragilidades, facilmente manipulável pela mulher astuta e inteligência.

Acontece que, depois de mais de dois anos de encontros clandestinos e apaixonados, passei a perceber que o mocinho fugia de minhas mãos.
Uma força parecia afastá-lo de minha influência e, por mais que recorresse aos ardis materiais e sobrenaturais, via seu afastamento comprometer meus planos de sucesso através de um casamento apropriado aos meus interesses e futuro.

Resolvi, desse modo, engravidar de você para usar como instrumento de pressão contra ele, já que mantinha relacionamento íntimo com os dois, alegando sempre que me preservava do risco da fecundação, tomando remédios.

Dessa forma, se ele me recusasse, ainda manteria você como o verdadeiro pai, manipulando a sua vontade e pressionando-o com vistas à união definitiva.

Se tivesse engravidado dele, poderia perder tanto um quanto o outro.
Quando se patenteou a gravidez, tratei de procurar o rapaz para informar-lhe que havia feito um filho em mim, com o ânimo de lhe destruir a relação afectiva que mantinha com outra mulher.
Para minha surpresa, no entanto, recusou-me a cilada dizendo que esperaria o nascimento da criança para os exames necessários.

Assumiria a paternidade se o filho fosse dele, mas não se relacionaria mais comigo.
Naquele momento, um ódio contra ele e sua malfadada mulherzinha surgiu em minha alma, mulherzinha essa que, ao seu lado, parecia ter aceitado a adulteração do homem amado, sem desejar vingar-se, rompendo o relacionamento.

Com ódio pelo casal, mantive a gravidez e busquei me apoiar no verdadeiro pai que, até então, de nada sabia, revelando-lhe a existência de um filho em meu ventre, já sem a alegria daquela que constrói um futuro, mas sim com o desejo de não ficar solteira com um filho para criar.

As nossas relações já não eram as melhores.
Você achou o filho fora de hora e sugeriu que eu abortasse, ainda que não tivesse me empurrado para esse acto.
Resolvi não me desfazer daquele ser que, de uma forma ou de outra, corresponderia a uma garantia de pagamento de pensão alimentícia.

Unimo-nos em um dia sem sol e isso parecia representar o meu próprio futuro.
Formei-me e nos entendemos com o acordo dos que vivem, cada um a própria vida, com liberdade para fazerem o que desejassem dentro dos limites do respeito e discrição.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122485
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 9 Empty Re: Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jun 07, 2014 8:30 am

A essa altura, o marido, emocionado, dificilmente conseguia conter as lágrimas, ao lembrar tudo o que vivera ao lado de Sílvia.
No entanto, tanto quanto a de Sílvia, o negror da própria consciência naquele ambiente transformado em confessionário de amarguras e erros, o impedia de julgar a mulher, já que ele próprio não houvera sido muito melhor, desde os mesmos tempos de namoro.

Isso o fazia se sentir apequenado diante do gigantesco gesto de coragem da esposa, ao desnudar-se na alma quando, até então, estava acostumada, apenas, a desnudar o corpo para os olhares cobiçosos de desconhecidos.

Ao lado dela, no mundo espiritual, Félix e Alfonso a ajudavam com forças e boas vibrações, visando o início do processo do reerguimento moral.
As energias de tais entidades envolviam os esposos em um luminoso halo balsâmico para que nenhuma ideia má ou sentimento inferior aflorasse daquele colóquio, cujo teor era marcado pela revelação da Verdade.

As próprias entidades desequilibradas que se ajustavam ao perispírito de Sílvia encontraram momentos de repouso, propiciados pelas emanações espirituais favoráveis dos dois tutores da vida invisível, valorosos e trabalhadores.

Tomando fôlego para continuar, Sílvia apertou as mãos de Jamil, desejando senti-lo mais unido a si mesma:
— Foi então, Jamil, que me atirei a essa vida sem sentido, numa mistura de ganhar dinheiro e gastar dinheiro, desejando um prazer que nunca encontrei em ninguém, trocando uma felicidade de longo prazo que poderia ter construído ao seu lado, por alguns momentos de euforia e gozo com estranhos e desconhecidos.

Nessa jornada, por fim, encontrei o destino justo para a leviandade que me acompanhava.
Não sei por que motivos, apesar de todos os meus cuidados, há mais ou menos dois meses engravidei de um rapaz casado e de boa condição social que trabalhava comigo no escritório, mas que você não conhece.

Iludido pelos meus encantos, acabou aceitando dividir comigo algumas horas em um desses motéis espalhados por aí como armadilhas para os incautos da emoção.

O relacionamento não envolveu sentimentos, como sempre.
No entanto, quis o destino que eu acabasse recolhendo o fruto de tantos anos de volúpias e leviandades.
Dois seres começaram a ser gerados em meu ventre e, com isso, perdi o meu chão.
Novamente me achava diante da questão difícil da idade e da gravidez, desta vez não desejada.

Pensei em tudo, em Alexandre, nosso filho, nas perdas que poderiam acontecer em nosso modo rotineiro de viver e, imaginando qual seria o melhor caminho, optei por realizar o aborto clandestino, ainda que com toda a segurança de uma clínica decente.

O rapaz não me obrigou, mas, igualmente, se viu aliviado quando soube de minha escolha.
Há algumas semanas submeti-me ao procedimento.
Entretanto, parece que, desde então, os génios perversos do destino resolveram se vingar de mim. Tudo começou a ruir à minha volta, a começar do meu trabalho.

Denunciada em uma reunião profissional na qual divulgaram os documentos e fotografias de meu relacionamento com o referido colega de trabalho igualmente casado, me vi convidada, pela vergonha e pelos olhares condenatórios dos outros, a me afastar dali.

No entanto, desde o momento da malfadada intervenção, passei a me sentir estranha, com sonhos horrorosos e um cansaço que me destrói.

Já procurei médicos.
No entanto, não encontram nada que possam apontar como causa de tais sensações.
A ferida uterina está cicatrizada, não há infecções de nenhum tipo, mas os sintomas persistem.
Não tenho mais vontade de viver e, com tudo isso que lhe contei, acho-me destinada a amargar no inferno pelos males que causei em muitas pessoas, a começar por você, Jamil.

Sílvia desabou a soluçar, dizendo:
— Eu... quero... morrer, ma... mas ... nem pra isso... tenho forças.

O esforço de Sílvia havia chegado ao clímax.
Não seria mais possível continuar esperando dela o equilíbrio necessário para prosseguir.
Precisava descansar.

Jamil, envolvido pelo sentimento de carinho de Alfonso, olhou compungido para aquele trapo de gente, sentindo-se participante e em parte responsável por aquele quadro de desilusão e de dor.
Afinal, ele também agira para atender aos seus próprios interesses masculinos.

Mantivera uma união formal na qual nunca colocara o afecto verdadeiro ou desejara recuperar o respeito da esposa.
Limitara-se a viver de cama em cama com outras mulheres, mantendo as aparências, contando com a autorização da sua mulher de faz de conta.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122485
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 9 Empty Re: Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jun 07, 2014 8:30 am

Seu coração se vira atingido pela dor que Sílvia demonstrava, falando de si mesma sem emitir qualquer acusação ao esposo que, por primeira vez, a escutava, graças aos apelos do filho do casal.

Abraçou-se à mulher, igualmente aos prantos.
Foi nesse momento que um raio de luz partido de dois corações arrependidos e solitários uniu-se à luz superior que sobre eles era projectada pela oração das duas entidades espirituais que se mantinham vigilantes, para a garantia da eclosão dos verdadeiros sentimentos de respeito e de perdão, indispensáveis à correcção dos próprios destinos.

— Nós vamos sarar juntos, Sílvia — falava Jamil, arrependido.
Eu lhe prometo que nós vamos sarar juntos.
Você me aceita como seu... amigo sincero?
Eu não sou melhor do que você... eu fiz as mesmas coisas ruins e me envergonho por não ter, nunca, tido a coragem que você está tendo, agora.

Falando assim, com o tom de voz próprio dos que choram como crianças, Sílvia se acercou ainda mais dele, como se estivesse vendo o marido pela primeira vez em tantos anos de união indiferente e, agradecida, trouxe suas mãos aos lábios e as beijou com sinceridade e gratidão.

— Vamos olhar para a frente, Sílvia.
Vamos cuidar de nossa vida juntos?
— Você me perdoa o mal que lhe fiz?

Jamil a abraçava ainda mais intensamente e, então, nesse momento, Alexandre, o filho, que escutava tudo a curta distância, se uniu aos dois para completar o quadro compungente que representava o recomeço de uma nova etapa na vida daqueles cinco Espíritos desajustados, três na carne e dois fora dela.

Os dias se passaram. Sílvia, banhada em novas perspectivas, contando agora com a vibração necessária para sentir-se amparada pelas forças espirituais, vira-se melhorada, ainda que estivesse fraca e com a persistência dos sonhos horríveis.

Desejando ajudá-la com sinceridade, o marido, que acompanhava a recuperação difícil, foi intuitivamente encaminhado pelos amigos invisíveis a buscar socorro espiritual em um centro espírita cristão, de reconhecida seriedade e trabalho eficiente no bem.

Consultando a doente sobre a possibilidade de ser levada até lá, não encontrou oposição já que ela, no fundo, havia recorrido aos auxílios invisíveis em inúmeras ocasiões para conseguir coisas materiais.

Sabia da acção das entidades e, quem sabe, não poderia encontrar alento?
Alfonso se ocupara de fazer chegar até eles a sugestão do recurso espiritual, valendo-se de um amigo de trabalho de Jamil que conhecia as aflições da sua esposa enferma, que lhe sugeriu o comparecimento ao centro espírita que frequentava, informando-o dos horários de atendimento da instituição vinculada à doutrina codificada por Allan Kardec.

Na noite marcada para o primeiro atendimento, cheia de esperanças e amparada pelo esposo renovado pelos momentos de júbilo que passara a sentir ao lado da mulher, que reencontrara graças à dor moral compartilhada, subiram os degraus para o ingresso no ambiente da mencionada casa de oração.

Ali, operosas mãos recebiam os visitantes, escutando-lhes as perguntas e oferecendo explicações e encaminhamentos para cada problema.

Vendo que Jamil e Sílvia estavam muito necessitados, Olívia, que se achava à porta, naquela noite, percebeu que se tratava de um caso muito delicado, uma vez que, graças à sua visão mediúnica mais adestrada, percebera a existência de entidades perturbadoras ligadas ao perispírito da mulher, ao mesmo tempo em que vira Alfonso junto do casal, sorrindo e apontando a sala de entrevistas privadas para que os visitantes pudessem ter o primeiro contacto com a realidade espiritual.

Atendendo à orientação do mentor da casa em que trabalhava com modéstia, disciplina e obediência, Olívia acolheu-os e, com delicadeza, apontou-lhes a pequena sala à frente, postando-se à porta para anunciar os necessitados que chegavam.

— Filhos, temos trabalho... — falou Olívia, dirigindo-se aos dois servidores do evangelho que lá estavam para o atendimento naquela noite.
— Pois não, mãe, pode mandar entrar — falou Gláucia, que se levantava para ir ao encontro dos que começavam a ingressar na salinha.
Por favor, venham e sentem-se aqui.

No entanto, assim que deram os primeiros passos no interior do modesto ambiente, Sílvia fez-se lívida e estacou o passo diante do rapaz que a esperava.
Ali, perante seus olhos, estava Glauco, o agora marido de Gláucia que, sem identificá-la de imediato, mantinha-se de pé, apontando as cadeiras à sua frente para que se sentassem.

Igualmente sem entender o motivo de tal reacção, imaginando que se tratasse de alguma repulsa alucinatória, Jamil exclamou:
— Vamos, querida, não é nada, é apenas o moço que vai nos ajudar.
Sente-se, eu estou aqui do seu lado.
— Jamil, bendita é a hora da Verdade, em nossas vidas.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122485
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 9 Empty Re: Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jun 07, 2014 8:30 am

E custando muito para conter-se naquele momento tão delicado, trémula, exclamou:
— Jamil, quero lhe apresentar o rapaz de quem lhe falei outro dia.
Estendendo a mão descarnada na direcção dele, revelou, aturdida:
— Este é Glauco, o jovem que eu tentei enganar um dia, falando que Alexandre era seu filho.

Como que um turbilhão tomara conta daquele ambiente preparado pelo mundo espiritual para os encontros existenciais daqueles quatro irmãos.
Bastou essa frase para que tanto Glauco quanto Gláucia se recordassem de suas dores mais profundas de muitos anos atrás, no amadurecimento forçado pelos desencontros e sofrimentos suportados.

Gláucia não a conhecera naqueles tempos.

Sabendo disso, o rapaz olhou para a companheira que se lhe fazia a esposa generosa de sempre e revelou, algo constrangido:
— Gláucia, esta, Sílvia, a jovem que conheci na faculdade...
Dirigindo-se a Sílvia, igualmente apresentou:
— Sílvia, esta é minha esposa, Gláucia.

Compreendendo os caminhos do reencontro que o mundo espiritual propicia para que todos nos defrontemos com nossos equívocos de ontem, Gláucia saiu de seu lugar e, antes que o casal se sentasse, acercou-se de ambos e, sorrindo, lhes disse:
— Sejam bem-vindos, irmãos queridos.
Nós já os esperávamos há muito tempo, para que pudéssemos começar uma amizade verdadeira e sincera. Que Jesus os ilumine.

Foi então que Gláucia, chamando o esposo, ofereceu o próprio marido para que Sílvia o abraçasse, sepultando para sempre o desencontro do passado e recomeçando a trajectória do crescimento espiritual.

Naquela casa, através dos passes magnéticos, Sílvia recuperaria o equilíbrio com o afastamento dos obsessores que, igualmente amparados em hospitais espirituais, seriam submetidos a tratamentos fluídicos para recomposição de suas forças, nos processos de preparo para novas experiências evolutivas.

Diante de tudo o que aconteceu, pode o leitor querido perguntar-se qual teria sido o destino reservado a Luiz e Marisa, o casal que se encontrou graças aos desencontros dos demais.

E como as lutas espirituais devem ser compartilhadas por aqueles que as procuram ou as fomentam, na trajectória de sofrimentos que haviam elegido para seus caminhos, ambos encontrariam, em breve, os espinhos que haviam semeado.

Depois de alguns meses de euforias, Luiz foi acometido de renitente estado febril que o levou a exames para a adopção de tratamento adequado, ocasião em que foi constatado ser portador do HIV, contraído nas noites de experiências sexuais fugazes, não se sabe se com homens ou mulheres, condição essa que, a esta altura da convivência, já era compartilhada com a nova companheira, igualmente contaminada pelo mesmo tipo de doença.

No mesmo luxuoso motel, algumas semanas depois, o casal voltava aos momentos de intimidade e diálogo franco:
— Pois então, o malandro do Alberto acabou ganhando aquela causa e não me falou nada, Camila?
— É, querido, assim as contas dele podem contar com um reforço de caixa.
— Que bom que você não me deixa ser ainda mais lesado por aquele velhaco...

E para dar outro rumo à conversa, Ramos, sorrindo, falou:
— Que sorte a nossa que aquele Marcelo já tenha encontrado o rumo da última morada, não é?
— Ah! Ramos, quando soube que tinha morrido, fiquei chocada, mas não posso negar que foi um alívio.
Graças a Deus, agora, as coisas vão ficar melhores para nosso sossego, querido.

Era verdade. Marcelo havia morrido misteriosamente.
Ninguém conhecia o assassino e o crime poderia, inclusive, ser interpretado como suicídio.

Ramos e Camila se divertiam, sem saber que, desde a sua morte, todos os documentos comprovando a participação dos dois sócios na morte de Josué e nos diversos tipos de crimes estavam sendo deslacrados por autoridades competentes graças à influência política do antigo amigo de Josué, depositário de tais documentos.

Ao tomar conhecimento da misteriosa morte de Marcelo, dera início à revelação dos factos criminosos, passando a provocar a apuração de todos os delitos, que, finalmente, redundaria na destruição da reputação dos dois poderosos advogados, matreiros e astutos, mas incapazes de justificar suas condutas ou esconder seus ilícitos, seja diante da Justiça dos Homens seja diante da Justiça de Deus.

Aquele encontro íntimo de prazer leviano seria o último entre Ramos e Camila.
Em breve, todos estariam desempregados, indiciados como réus nos crimes ou presos pelos delitos cometidos naquele antro de venalidades e mentiras que funcionava sob o nome de um importante escritório de defensores do Direito e da Verdade.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122485
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 9 Empty Re: Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jun 07, 2014 8:31 am

Estavam encerradas, por aqueles dias, as tarefas de atendimento espiritual àquele grupo desajustado.

Agora, Félix e Magnus iriam acompanhar a transição das milhares de entidades recolhidas que não haviam desejado se libertar com sinceridade das vibrações inferiores e que, deixando sobre a Terra o último suspiro, seriam levadas a planetas inferiores em evolução para o reinício de sua jornada em novos corpos carnais.

Para elas, a hora de partir tinha chegado.
Estavam despedindo-se da Terra.

E quando encerramos mais uma jornada de compreensão e conhecimento espiritual, trazendo a fotografia da vida actual, nos desmandos e indecências, algo atenuadas pelo dever de sobriedade que deve permear toda e qualquer obra literária que, ainda que simples, não deseje chocar pela exibição da nua e agressiva verdade, deixamos a você, querido leitor, material suficiente para as meditações de agora, como que a nos perguntarmos se as nossas condutas, nossas mentiras, nossas leviandades, não estarão perto de nos conduzirem ao destino semelhante de tais Espíritos também.

Se tal circunstância haverá de apresentar-se para todos os seres que habitam o planeta terreno, procuremos viver de tal maneira que as garantias do Amor, da Responsabilidade Afectiva, do esforço no Bem, correspondam aos sinais verdadeiros de que nossa partida para um mundo mais atrasado ainda não foi a derradeira escolha de nossos actos maus ou de nossa indiferença no Bem.

Não bastará ter uma religião, cumprir seus rituais, participar em suas cerimónias e desfrutar de seus privilégios, imaginando-nos seres vacinados contra o exílio moral.

Será preciso acatar o que Jesus solicitou, aceitando em Espírito e Verdade tudo quanto nos seja indispensável para a demonstração de que o Reino de Deus se instalou em nossos corações.

Sem isso, poderemos imaginar que ainda temos muito tempo, mas, em realidade, nos surpreenderemos dentro do comboio dos insensatos, despedindo-nos da Terra no rumo dos planetas primitivos.

Por isso, aprendamos com Allan Kardec na obra A Génese, que em seu capítulo XVIII — OS TEMPOS SÃO CHEGADOS — nos ensina com clareza, entre outras coisas importantíssimas para nossas reflexões, o seguinte:

A NOVA GERAÇÃO

27. - Para que os homens sejam felizes sobre a Terra, é necessário que ela não seja povoada senão por bons Espíritos, encarnados e desencarnados, que não quererão senão o bem.

Tendo chegado esse tempo, uma grande emigração se cumprirá entre aqueles que a habitam;
aqueles que fazem o mal pelo mal, e que o sentimento do bem não toca, não sendo mais dignos da Terra transformada, dela serão excluídos, porque lhe trariam de novo a perturbação e a confusão, e seriam um obstáculo ao progresso.

Eles irão expiar o seu endurecimento, uns nos mundos inferiores, os outros entre as raças terrestres atrasadas, que serão o equivalente de mundos inferiores, onde levarão os seus conhecimentos adquiridos, e terão por missão fazê-las avançar.

Serão substituídos por Espíritos melhores, que farão reinar, entre eles, a justiça, a paz, a fraternidade.
A Terra, no dizer dos Espíritos, não deve ser transformada por um cataclismo que aniquilaria subitamente uma geração.
A geração actual desaparecerá gradualmente, e a nova lhe sucederá do mesmo modo, sem que nada seja mudado na ordem natural das coisas.

Tudo se passará, pois, exteriormente como de hábito, com esta única diferença, mas esta diferença é capital, que uma parte dos Espíritos que nela se encarnam não se encarnarão nela mais.

Em uma criança que nasça, em lugar de um Espírito atrasado e levado ao mal, que se encarnaria, esse será um Espírito mais avançado e levado ao bem.

Trata-se, pois, bem menos de uma geração corpórea do que de uma nova geração de Espíritos, e é nesse sentido, sem dúvida, que o entendia Jesus quando dizia:
"Eu vos digo, em verdade, que esta geração não passará sem que esses factos tenham se cumprido."

Assim, aqueles que esperarem ver a transformação se operar por efeitos sobrenaturais e maravilhosos, serão decepcionados.

28. - A época actual é de transição;
os elementos das duas gerações se confundem.

Colocados no ponto intermediário, assistimos à partida de uma e à chegada da outra, e que cada uma se assinala já, no mundo, pelos caracteres que lhe são próprios.

As duas gerações que se sucedem têm ideias e vistas inteiramente opostas.
À natureza das disposições morais, mas sobretudo das disposições intuitivas e inatas, é fácil distinguir a qual das duas pertence cada indivíduo.

A nova geração, devendo fundar a era do progresso moral, se distingue por uma inteligência e uma razão geralmente precoces, unidas ao sentimento inato do bem e das crenças espiritualistas, o que é o sinal indubitável de um certo grau de adiantamento anterior.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122485
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 9 Empty Re: Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jun 07, 2014 8:32 am

Ela não será composta, pois, exclusivamente de Espíritos eminentemente superiores, mas daqueles que, tendo já progredido, estão predispostos a assimilar todas as ideias progressistas, e aptos a secundar o movimento regenerador.

O que distingue, ao contrário, os Espíritos atrasados, é primeiro, a revolta contra Deus pela recusa de reconhecer algum poder superior à Humanidade;
a propensão instintiva às paixões degradantes, aos sentimentos anti fraternos do egoísmo, do orgulho, da inveja, do ciúme;
enfim, o agarramento por tudo o que é material:
a sensualidade, a cupidez, a avareza.

São esses vícios, dos quais a Terra deve ser purgada pelo afastamento daqueles que se recusam se emendar, porque são incompatíveis com o reino da fraternidade, e que os homens de bem sofrerão sempre por seu contacto.

Quando a Terra deles estiver livre, os homens caminharão sem entraves para um futuro melhor, que lhes está reservado neste mundo, por preço de seus esforços e de sua perseverança, esperando que uma depuração, ainda mais completa, lhes abra a entrada dos mundos superiores.

29. - Por essa emigração dos Espíritos, não é necessário entender que todos os Espíritos retardatários serão expulsos da Terra, e relegados a mundos inferiores.

Muitos, ao contrário, nele retornarão, porque muitos cederam ao arrastamento de circunstâncias e do exemplo; a aparência neles era pior do que o fundo.
Uma vez subtraídos â influência da matéria e dos preconceitos do mundo corpóreo, a maioria verá as coisas de um modo muito diferente do que quando vivos, assim como temos disso numerosos exemplos.

Nisso, serão ajudados por Espíritos benevolentes que se interessam por eles, e que se apressam em esclarecê-los e mostrar-lhes o falso caminho que seguiram.
Pelas nossas preces e nossas exortações, nós mesmos podemos contribuir para seu melhoramento, porque há solidariedade perpétua entre os mortos e os vivos.

A maneira pela qual se opera a transformação é muito simples, e, como se vê, ela é toda moral e em nada se desvia das leis da Natureza.

30. - Que os Espíritos da nova geração sejam novos Espíritos melhores, ou os antigos Espíritos melhorados, o resultado é o mesmo;
desde o instante que tragam melhores disposições, é sempre uma renovação. Os Espíritos encarnados formam, assim, duas categorias, segundo as disposições naturais:
de uma parte, os Espíritos retardatários que partem, da outra os Espíritos progressistas que chegam.

O estado dos costumes e da sociedade estará, pois, em um povo, em uma raça ou no mundo inteiro, em razão daquela das duas categorias que tiver a preponderância.

31. - Uma comparação vulgar fará compreender melhor ainda o que se passa nesta circunstância.

Suponhamos um regimento composto, em grande maioria, de homens turbulentos e indisciplinados:
estes ali levarão sem cessar uma desordem que a severidade da lei penal terá frequentemente dificuldade para reprimir.

Esses homens são os mais fortes, porque serão os mais numerosos;
eles se sustentam, se encorajam e se estimulam pelo exemplo.

Os que sejam bons são sem influência;
seus conselhos são desprezados; são escarnecidos, maltratados pelos outros, e sofrem com esse contacto.

Não está aí a imagem da sociedade actual?
Suponhamos que são retirados esses homens do regimento um por um, dez por dez, cem por cem, e que sejam substituídos na mesma medida por um número igual de bons soldados, mesmo por aqueles que foram expulsos, mas que se emendaram seriamente, ao cabo de algum tempo, ter-se-á sempre o mesmo regimento, mas transformado;
a boa ordem ali terá sucedido à desordem.

Assim o será com a Humanidade regenerada.

32. - As grandes partidas colectivas não têm somente por objectivo activar as saídas, mas transformar mais rapidamente o Espírito da massa, desembaraçando-a das más influências e dando mais ascendência às ideias novas.

É porque muitos, apesar de suas imperfeições, estão maduros para essa transformação, que muitos partem a fim de irem se retemperar numa fonte mais pura.

Ao passo que se tivessem permanecido no mesmo meio e sob as mesmas influências, teriam persistido em suas opiniões e na sua maneira de ver as coisas.

Uma permanência no mundo dos Espíritos basta para lhes abrir os olhos, porque ali vêem o que não podiam ver sobre a Terra.
O incrédulo, o fanático, o absolutista poderão, pois, retornar com ideias inatas de fé, tolerância e de liberdade.

Em seu retorno, encontrarão as coisas mudadas, e suportarão o ascendente do novo meio onde terão nascido.
Em lugar de fazer oposição às ideias novas, delas serão os auxiliares.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122485
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 9 Empty Re: Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jun 07, 2014 8:33 am

33. - A regeneração da Humanidade não tem, pois, absolutamente necessidade da renovação integral dos Espíritos:
basta uma modificação nas suas disposições morais;
esta modificação se opera em todos aqueles que a ela estão predispostos, quando são subtraídos à influência perniciosa do mundo.

Aqueles que retornam, então, não são sempre outros Espíritos, mas, frequentemente, os mesmos Espíritos pensando e sentindo de outro modo.

Quando esse melhoramento é isolado e individual, passa despercebido, e sem influência ostensiva sobre o mundo.
O efeito é diferente quando se opera simultaneamente em grandes massas; porque, então, segundo as proporções, em uma geração, as ideias de um povo ou de uma raça podem ser profundamente modificadas.

É o que se nota quase sempre depois dos grandes abalos que dizimam as populações.
Os flagelos destruidores não destroem senão o corpo, mas não atingem o Espírito; eles activam o movimento de vai-e-vem entre o mundo corpóreo e o mundo espiritual, e por consequência um movimento progressivo dos Espíritos encarnados e desencarnados.

É de notar-se que, em todas as épocas da história, as grandes crises sociais foram seguidas de uma era de progresso.

34. - É um desses movimentos gerais que se opera neste momento, e que deve trazer o remanejamento da Humanidade.

A multiplicidade das causas de destruição é um sinal característico dos tempos, porque elas devem apressar a eclosão de novo germes.
São folhas de outono que caem, e às quais sucederão novas folhas cheias de vida, porque a Humanidade tem suas estações, como os indivíduos têm suas idades.

As folhas mortas da Humanidade caem levadas pelas rajadas e golpes de vento, mas para renascerem mais vivazes sob o mesmo sopro de vida, que não se extingue, mas se purifica.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122485
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 9 Empty Re: Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Jun 07, 2014 8:33 am

35. - Para um materialista, os flagelos destruidores são calamidades sem compensações, sem resultados úteis, uma vez que, segundo ele, aniquilam os seres sem retorno.

Mas para aquele que sabe que a morte não destrói senão o envoltório, eles não têm as mesmas consequências, e não lhe causam o menor medo;
compreende-lhe o objectivo, e sabe também que os homens não perdem mais morrendo em conjunto do que morrendo isoladamente, uma vez que, de uma forma ou de outra, é necessário sempre lá chegar.

Os incrédulos rirão dessas coisas, e as tratarão por quimeras;
mas digam o que disserem, eles não escaparão à lei comum;
cairão a seu turno, como os outros, e, então, o que será deles?

Eles dizem: “Nada!”
Mas viverão a despeito de si mesmos, e serão, um dia, forçados a abrir os olhos.
Se servir de compensação, no mundo inferior que espera os indiferentes e para onde já estão sendo levados, também haverá sexo, pirâmides, choro e ranger de dentes.

Que saibamos escolher, enquanto há tempo.
Afinal, não é por falta de esforço do Criador, do Cristo e dos Espíritos amigos que ainda existe tanta lágrima nos olhos e nos corações da humanidade.

É por causa de suas escolhas erradas.
Assim, relembremos os ditos de Jesus, "Misericórdia quero, não o sacrifício!"

Brilhe vossa Luz

Muita paz!

Lucius

§.§.§- O-canto-da-ave

Caro amigo:
Se você gostou do livro e tem condições de comprá-lo, faça-o, pois assim estarás ajudando diversas instituições de caridade;
que é para onde os direitos autorais desta obra são destinados.


Muita Paz
Que Jesus o abençoe
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122485
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 9 Empty Re: Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Conteúdo patrocinado


Conteúdo patrocinado


Ir para o topo Ir para baixo

Página 9 de 9 Anterior  1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9

Ir para o topo

- Tópicos semelhantes

 
Permissões neste sub-fórum
Não podes responder a tópicos