LUZ ESPÍRITA
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Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ

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Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 8 Empty Re: Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jun 04, 2014 8:11 am

Esse estado íntimo marcou profundamente o seu Espírito que, a partir daquele período, deixou-se amargar num ódio despropositado contra todos os homens que cruzassem seu caminho, arrastando uma existência de desajustes e desencontros afectivos que acabaram por minar seu equilíbrio mental, terminando seus dias em um calabouço para loucos, típica terapia para os alucinados naqueles tempos.

Essas profundas marcas se mantinham indeléveis em seu interior, escondidas no mais sigiloso escaninho de sua personalidade que, esmo sem relembrá-las de forma consciente, repercutiam sobre seus sonhos de felicidade ao lado de alguém, reconhecendo-se, entretanto, despida de atributos ou atractivos, como se isso lhe fosse um castigo ao Espírito vaidoso e abusado, maneira de corrigir suas perigosas inclinações à vaidade e à irresponsabilidade afectiva, reprogramando as tendências interiores.

Em função disso é que se atirara, na presente encarnação, aos esforços intelectuais, como forma de compensar a ausência de beleza.

No entanto, por mais que o fizesse, sofria sempre por não ser tão requisitada quanto outras mulheres.
E acompanhando suas experiências, como efeito de suas escolhas do passado, a debilidade emocional se apresentava como resultado dos traumas da solidão, contendo os traços da loucura final, desequilíbrio que se achava, agora, ligeiramente contido pela adopção de um procedimento mental compensador de frustrações.

À medida que Letícia escolhera superar sua falta de beleza pela eclosão de sua inteligência, havia organizado sua personalidade para enfrentar as horas duras de uma vida sem muitas ou maiores emoções, amargando a solidão para aprender a respeitar o afecto alheio, recusando-se a construir a sua felicidade arruinando os relacionamentos dos outros.

Só com a solidão poderia ser testada nesse desafio.
No entanto, a presença de Marcelo fizera nascer em sua vontade as antigas emoções de mulher, somando frustrações do passado à tentação de conquistar um homem que pertencia a outra mulher, o que lhe alimentava a vaidade feminina.

Entregara-se ao redespertar dos vulcões adormecidos, imaginando ter chegado o momento de ser feliz, apesar dos compromissos alheios.
Marcelo não fizera parte de seu passado de erros nem a ela estivera ligado de alguma forma.

Entretanto, ao permitir-se usufruir sexualmente de Letícia com a desculpa de que não a estava iludindo com palavras doces e fantasiosas, desconsiderava o facto de estar sendo, na verdade, a pedra de tropeço no caminho da jovem, favorecendo-lhe a retomada das antigas emoções famintas, quando, em realidade, não podia nem queria corresponder ao seu sonho de felicidade conjugal ao seu lado.

Por causa dos traumas passados, em Letícia, a sexualidade sempre fora algo muito difícil de ser exercitada.
O medo de homens, o horror ao seu contacto amargava seus dias, confundindo suas ideias.
De igual forma sentia também um certo horror de mulheres porque, no fundo, sabia que haviam sido as mais perigosas oponentes e causadoras da agressão que havia sofrido naquela existência passada.

Por isso, quando se sentiu atraída por Marcelo assim que checara ao escritório, atracção essa guardada em segredo e só revelada anos depois, a esperança de uma vida normal ressurgiu em seu horizonte

Havia sido o único com quem aceitara envolver-se intimamente e, uma vez tendo isso acontecido, a hipótese de felicidade amorosa fora reconstruída em seus sonhos de mulher, arruinados no ontem.

Ao estabelecerem o contacto carnal, sua energia feminina se vira estimulada, e os momentos de intimidade que se sucederam, como que libertaram as acumuladas forças sexuais de seu Espírito, produzindo-lhe uma sensação de bem-estar e de maior interesse em repetir tais experiências.

No entanto, os que pudessem observar as coisas pelo lado do Espírito, facilmente constatariam que Letícia estava prestes a entrar acentuado desequilíbrio, remontando aos antigos traumas do passado, abeirando-se da insanidade já experimentada e que lhe havia marcado terrivelmente o perispírito nas linhas da afectividade desajustada.

Enquanto as coisas continuassem daquela forma, acontecendo eventualmente em sigilosos encontros, de forma ocasional, nada de muito grave poderia acontecer, a não ser o natural aumento da ansiedade e da dependência de Letícia em relação a Marcelo.

Entrevendo, porém, os desdobramentos que o breve futuro produziria na vida de tais personagens, os Espíritos amigos já se antepunham para amparar a jovem nos golpes a que estaria exposta durante os testemunhos difíceis que enfrentaria.

Enquanto o tempo passava, acelerado, Marisa, a esposa legítima de Marcelo, e Luiz, o irmão de Gláucia, se engalfinhavam em um relacionamento quente e intenso.
As novas emoções vividas entre os dois fizeram com que o rapaz se esquecesse do futuro cunhado por algum tempo, passando a dedicar-se ao aproveitamento da companhia daquela mulher que entrara em sua vida numa situação constrangedora e que, justamente por isso, a boa sorte a transformara em experiente amante.

Marisa, cada vez mais emaranhada nas teias obsessivas que o Presidente e Jefferson teciam ao redor de ambos, passara a ver no companheiro de prazer o ideal antes encontrado satisfatoriamente no marido.

Ao entregar-se a outro homem, Marisa atendia ao desejo de ferir Marcelo que, como já vimos, a traía com suas colegas de escritório, ainda que ele não imaginasse que seu comportamento infiel já fosse do conhecimento da esposa.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jun 04, 2014 8:11 am

A satisfação do ego ferido através da traição retribuída, dava bem a ideia do nível pouco elevado do Espírito de Marisa, semi-enlouquecido pelos excessos e novidades ao lado de Luiz, personagem que a ligava, igualmente, à mulher que passara a odiar tanto quanto ao noivo que tentara seduzir.

Nesse clima de gozo, insensatez e vontade de fazer sofrer o marido infiel, Marisa carregava consigo todas as provas do delito, conseguidas através das gravações, das fotografias e das pesquisas que realizara.

Saber que o marido a traía era uma constatação que, a princípio, não era um problema, já que havia planeado usar isso como arma para conseguir aproximar-se de Glauco.
No entanto, depois que seus planos se frustraram pela acção decisiva do rapaz, aceitara a carapuça de vítima, reagindo como reagiriam normalmente as pessoas que se vêem enganadas na inocência de seus sentimentos.

Ao invés de aproveitar o envolvimento com Luiz e reconstruir seu afecto ao lado do novo companheiro, passara a cultuar um desejo de prejudicar Marcelo, única forma de ser plenamente feliz.
Mas para que tal vingança se fizesse plena, deveria saber quem era a sua companhia naquela tarde/noite fatídica, no motel.

Em verdade, não visualizara a mulher que o acompanhava.
No entanto, revelando as fotografias tiradas naquele dia, atentou-se para o facto de que o carro e a respectiva placa eram muito claras na chapa fotográfica.

Falando com o novo companheiro sobre o assunto e demonstrando seu interesse em saber com quem o marido a traía conseguiu que Luiz a ajudasse como forma de compartilhar suas angústias nesses momentos de amargura, demonstrando o seu devotamento de companheiro interessado.

E graças a Luiz, que recorrera a amigo que trabalhava em uma agência bancária e tinha acesso aos cadastros de veículos e respectivos antecedentes, descobriram que o carro suspeito estava lançado em nome de Sílvia, a amiga de escritório do próprio marido.

Sabendo da identidade da amante do esposo, explodiu:
— Bandido, sem-vergonha...! — exclamava, irritada, Marisa.
Justamente com aquela safada é que ele foi se meter...
Ela sempre me pareceu uma mulher perigosa..

Vendo a alteração de seu estado emocional ao conferir os dados do veículo, Luiz tentou ponderar:
— Calma, querida, quem sabe não seja ela, realmente.
Pode ser que outra esteja usando o carro dela....

— Calma nada, Luiz, mulher sente o cheiro de outra a quilómetros de distância e sabe identificar uma vulgar mesmo quando esteja vestida de princesa.
Essa Sílvia nunca me desceu.
Tive pouco contacto com ela, mas desde o primeiro momento em que a vi, um alerta interior se acendeu.
Sabia que não era inocente e que, por debaixo daquelas roupas de doutora, ocultava-se um corpo de víbora.

Luiz percebera que não deveria contrariar Marisa naquele momento.
Deixou, então, que a mulher desse curso às irritações e desajustes naturais e permaneceu em silêncio ao seu lado.

Envolvida pelo estado de desequilíbrio, o que abria campo fácil ao ataque das entidades perseguidoras, Marisa foi abraçada pelo Presidente que acompanhava a cena e, desde o sumiço de seus homens de confiança, dela passara a se ocupar com especial atenção.

— Vamos, Marisa, você não deve deixar seu marido sair dessa sem levar chumbo... — era a palavra ardilosa da inteligente entidade, despejada na acústica de suas ideias.

E correspondendo ao pensamento insidioso e sugestivo que lhe era plantado na mente, Marisa exclamou:
— Marcelo e Sílvia precisam ser desmascarados.
— Como assim, Marisa? — exclamou Luiz, interessado.
— Ora, eles não podem ficar na vantagem, enquanto que eu amargo essa condição de mulher traída.

Vendo a aceitação de sua ideia sinistra, o Presidente continuou plantando ideias no pensamento aberto da invigilante mulher:
— Mande as fotos para Alberto, em um envelope lacrado.
Vamos... Alberto... mande as fotos para ele...
Alberto... mande as fotos... Alberto...

A repetição das palavras eram seguidas pela acção mental imperativa do Presidente, a fazer surgir diante da visão mental de Marisa, a figura do dono do escritório.

— Já sei, Luiz...
Marcelo sempre teve muito cuidado com o dono do escritório, um tal de Doutor Alberto, que sempre policiou a todos no sentido de impedir que qualquer tipo de intimidade comprometesse o serviço.
Tanto é que Marcelo sempre disse isso para me tranquilizar, com relação à presença de mulheres no ambiente de seu trabalho.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jun 04, 2014 8:12 am

— Sim, e daí?
— Ora, como Marcelo e Sílvia estão flagrados no motel, ao mesmo tempo em que nem imaginam que fui eu quem os flagrei, irei enviar tais fotos para o dono do escritório a fim de que todos acabem sabendo de seus encontros fortuitos nesse "fórum dos prazeres".
Mas e se o homem achar que não é caso para ser transformado em problema?
E se não der importância a tais flagrantes?

E o Presidente continuou o plano, intuindo:
— Mande para Ramos também...
Ramos, o outro dono...
Ramos o outro sócio... Mande para os dois....

— Ora, Luiz, a sua intervenção me faz pensar na conveniência de que as mesmas fotos possam ser mandadas para o outro sócio de Alberto, de forma que, com os dois sabendo das coisas, será mais difícil que não ocorra alguma represália, ao mesmo tempo em que como concorrentes que são nas lides do escritório, poderão ter as armas para apresentar no momento que lhes seja mais adequado.
— Bem, parece que se trata de uma ideia horripilantemente... inteligente.
— Você acha mesmo?

— Sim, querida.
Com isso, você pode fazer seu maridinho idiota amargar a vergonha de uma descoberta ultrajante no meio de seu trabalho, considerando-se, ainda, o facto de ele estar casado e ninguém saber que você também sabe de tudo.
Além do mais, ao mandar os documentos de forma anónima, você se preserva, continuando a ter o trunfo de ser a vítima da conduta adúltera do marido.

Entendendo que as vantagens para tal comportamento eram inúmeras, a sustentar, inclusive, a imaginação de uma acção de separação judicial com base na conduta irresponsável do marido, apresentando-o como o déspota, o fraudador da união, Marisa sentiu a satisfação da prática do mal, própria das pessoas que estão afastadas do seu equilíbrio perfeito, do ajuste com as forças do Amor do Universo.

Na verdade, Marisa equivalia a uma astuta serpente, alimentada pela víbora vingadora que a ela se justapunha nos desejos de destruição que moviam as suas intenções, representada aqui pela figura do Presidente.

E este Espírito precisava que as atitudes de Marisa fossem tomadas com rapidez porquanto se aproximava o momento fatídico da reunião dos integrantes do escritório na qual tudo seria colocado na mesa: tanto as fotos de Marcelo, acusando Leandro, quanto todas as possíveis revelações que estariam engatilhadas na manga dos jogadores que acorreriam a tal arena de astúcia e maldade para retirarem alguma vantagem das fraquezas alheias.

À parte de todos eles, os instrutores espirituais observavam e acompanhavam, identificando que, na atmosfera invisível do escritório de advocacia, onde o outro escritório trevoso se organizava, uma acentuada movimentação de entidades dava sinal de que se preparavam para um importante encontro, como se uma grande arquibancada estivesse sendo edificada ao redor da sala de reuniões humanas, na qual as entidades inferiores estabeleceriam o ponto de participação na concretização dos objectivos longamente alinhavados pelo Presidente, usando os diversos mecanismos de interferência para a conquista de seus ideais inferiores.

Movimentavam-se os asseclas do mal, organizando e separando os melhores lugares para as entidades mais importantes, fazendo o lugar parecer-se aos antigos tribunais da Santa Inquisição, nos quais a autoridade máxima se via distinguida por uma cátedra de realce, colocada em nível superior e isolada dos demais membros da assembleia tenebrosa.

O espectáculo que se preparava iria comportar lugares para todos os mais importantes integrantes da Organização presidida por aquela alma mesquinha e ardilosa, mas que, aos olhos dos Espíritos superiores, era apenas mais um enfermo a sofrer os reajustes necessários, ao mesmo tempo em que suas condutas também serviriam de doloroso espinho na carne dos que, envolvidos na invigilância e na ilusão, precisariam acordar de seu longo estado de letargia e indiferença, ainda que esse despertar se desse pela acção directa e implacável da dor, a mesma que quiseram espalhar, mas que, agora, teriam que colher.

O Presidente desejava transformar aquela reunião em um espectáculo demonstrador de seu poder e da sua capacidade de manipulação, a justificar a sua condição de líder trevoso daquele grupo, mantendo-o submisso e amedrontado em face dos exemplos de competente perversidade que haveria de dar, a não deixar dúvidas em quaisquer deles.

Ao mesmo tempo, ele sabia que precisaria dotar o ambiente das vibrações mais pesadas possíveis, o que facilitaria a implantação do clima de medo, de desequilíbrio e de ódio entre os participantes, influências que já pudemos ver no ambiente degenerado que imperava nos quartos daquele motel.

Por isso, quanto mais entidades perversas arregimentasse, melhor o resultado de seus esforços.

Longe dali, as conversas clandestinas prosseguiam:
— Estamos indo muito bem.
No dia, deixe tudo por minha conta.
Não se apresse em qualquer palavra ou atitude que revele suas ideias ou sua participação.

— Está bem... farei como você quer.
O espectáculo vai ser inesquecível.
— Ah! Se pudéssemos filmar tudo para, depois, nos divertirmos....
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Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 8 Empty Re: Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jun 04, 2014 8:12 am

37 - O CASAMENTO E A GRAVIDEZ

Enquanto as coisas iam nesse pé, entre Gláucia e Glauco o entrosamento se havia consolidado, de forma que, nas semanas seguintes aos factos acontecidos no motel, ao mesmo tempo em que ambos deliberaram se acercar dos trabalhos voluntários na casa espírita, resolveram transformar o noivado em casamento.

Desejavam estar, agora, mais próximos e mais definitivamente unidos, uma vez que, tanto para o rapaz quanto para a moça, os testes já haviam demonstrado que o sentimento que experimentavam um em relação ao outro, eram verdadeiros e duradouros.

Diferentemente do que tem acontecido na actualidade, quando as pessoas se permitem a união sem a base do conhecimento e sem o desejo de se entenderem, tão somente motivados pelos interesses sexuais e pelas satisfações de caprichos temporários, os dois jovens já haviam compartilhado diversas etapas de suas existências, superando os problemas e as crises mais delicadas, ultrapassando as barreiras do pieguismo, do romantismo alucinado, da tentação sexual, do ciúme doentio, do medo da traição, da consciência invigilante.

Gláucia amadurecera seu afecto, entendendo os momentos delicados que o seu companheiro havia passado, desde os tempos da faculdade, sem se deixar abater no verdadeiro sentimento, aprendendo a reconhecer as limitações do namorado e, ao invés de usar de artifícios de revide, de vingança ou de afastamento, descobrira em seu coração um amor sincero e real o suficiente para ver as antigas quedas como processos de crescimento, tanto quanto a mãe vê nas traquinagens do filho, não só defeitos que precisa punir, mas, sim, pontos onde a correcção deve ser feita, na personalidade que amadurece, para que o filho se torne homem de Bem, devendo mais ser orientado do que intimidado.

Depois, as lutas de recuperação, as necessidades emocionais, a correspondência afectiva que Glauco mantinha nas semelhanças de ideais, tudo isso foi solidificando a convivência, coroada com a situação difícil por ele enfrentada no motel e que, apesar de todas as indicações contrárias, fora vencida pela noção da responsabilidade afectiva.

Certamente, Glauco conseguira superar as inclinações eróticas que o haviam arrastado às aventuras juvenis.
A presença de Marisa seminua, oferecida e fácil ante seus olhos, foi o teste indispensável para suas próprias convicções.

E, ainda que a maioria masculina ou feminina, observando-o naquelas situações, pudesse colocar em dúvida a sua masculinidade ou a sua atracção pelo sexo oposto, a verdade é que Glauco nunca houvera sido um representante tão viril dos animais racionais quanto naquele dia, quando soube honrar seus compromissos com sua noiva, mantendo-se fiel ao seu afecto.

Noções de valor e de honradez jamais poderão ser malbaratadas pelo sorrisinho irónico dos imorais que, na situação delicada de Glauco, teriam rasgado seus códigos de conduta e se fartado até o esgotamento nas facilidades do prazer ilícito.

Ilícito não porque estivesse ferindo leis e cânones da tradição matrimonial, no caso de Marisa.
Ilícito porque não correspondia, verdadeiramente, às escolhas de seu sentimento.

Teriam sido, apenas, manifestações animais da atracção dos corpos, com a diferença de que, nos bichos, isso se dá por força da emissão de feromonas ou odores próprios das fêmeas, para atraírem os machos da espécie, enquanto que, nos seres ditos racionais, acima do sistema mecânico dos odores, passou a existir o da consciência, do sentimento e das realizações morais valorativas.

Jamais, antes, Glauco houvera sido tão homem quanto naquele dia em que se recusou a ser, apenas, um macho na satisfação instintiva da relação carnal com outra fêmea.
Ali ele demonstrou que, sobre o instinto brutal, a sua capacidade de discernimento pôde escolher, com base no sentimento e sem negar a sua opção sexual, o caminho que o afecto verdadeiro lhe apontava.

Que adiantaria ter um orgasmo com aquela mulher, comprometida com alguém que ele conhecia, para, logo mais, ter que voltar para os braços de sua noiva dizendo que a amava?

E a noção da moralidade, da verdade, quanto pesaria em sua consciência?
E se fosse Gláucia quem tivesse feito isso com ele, como se sentiria ao descobrir que a noiva amada se havia deitado com outro homem, somente para exercitar o prazer mecânico e hormonal?
Que valor teria ao seu coração a palavra da mulher amada a dizer-se apaixonada por ele, mas que, apesar de desejá-lo, quando a maré se mostrasse favorável estaria se entregando a qualquer desconhecido que lhe inspirasse o apetite sexual?

Certamente lhe doeria profundamente este comportamento naquela que logo depois recorresse aos seus braços de companheiro, fingindo que nada houvesse acontecido.
Assim, tendo adquirido a noção da responsabilidade do afecto, Glauco e Gláucia viram ter chegado a hora certa para se unirem em definitivo, adoptando as medidas necessárias junto aos órgãos responsáveis para que a escolha consciente se materializasse em facto.

Haviam optado por se casarem apenas no civil, uma vez que, como adeptos sinceros da Doutrina Espírita e sabendo não possuir ela nenhum tipo de ritual, estavam convictos de que a oração humilde corresponderia à chancela divina para a aproximação legal que adoptavam.

Depois de terem firmado os papéis no respectivo cartório, rodeados apenas de alguns parentes e amigos próximos indispensáveis para a condição de testemunhas do acto, reuniram-se em casa de Gláucia para que Olívia, a mãe e sogra, invocasse, através da prece singela, o amparo do mundo invisível para aquele casal que iniciava a jornada, formando uma família.

Por óbvios motivos, nesse dia não estavam presentes nem Luiz nem Marisa.
A reunião familiar foi simples e, depois da oração, o casal dividiu um lindo bolo que haviam encomendado para a data tão importante.
Fotos e abraços selaram a união, definindo o casal que não iria sair em viagem de lua-de-mel, por causa dos compromissos profissionais e espirituais que já haviam assumido nos trabalhos, tanto os ligados ao escritório quanto aos voluntários junto à casa espírita.
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Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 8 Empty Re: Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jun 04, 2014 8:12 am

Gláucia passou a morar no apartamento de Glauco e as relações de amizade que mantinham com o grupo de Marcelo esfriaram, notadamente pelas novas actividades que o casal passara a desempenhar.

Estudo, aprendizagem, doação de si mesmos no atendimento aos que sofriam, visita aos hospitais, entrega de cestas de alimentos para os famintos em favelas, tudo isso tomava o tempo disponível de ambos que, entrando em uma fase de ventura, construíam para si mesmos o mundo de regeneração no qual viveriam, felizes e satisfeitos.

Nada lhes faltava, da mesma forma que não se deixavam levar pela criação de necessidades artificiais.
A sobra de seus recursos era destinada, anonimamente, ao atendimento de sofredores, fora da casa espírita ou, então, eram canalizados para doações aos interesses comuns da instituição na manutenção de suas tarefas de consolação aos aflitos do mundo.

Olívia os acompanhava nas tarefas espirituais e contava com eles nas orações semanais em família.
No entanto, apesar de estarem juntos na casa de João e Olívia nesses dias, Glauco e a esposa passaram realizar em dia diferente e no ambiente da própria casa, o momento de elevação através da prece, já que sentiam necessidade de manter o padrão vibratório do próprio lar dentro do tónus elevado que somente a prece é capaz de conferir e proteger.

Com o passar do tempo e em decorrência de seus esforços sinceros, da aceitação das disciplinas da instituição kardecista a que se filiaram, pela perseverança e equilíbrio que mostravam, foram colocados como cooperadores no trabalho de recepção dos que chegavam à casa espírita, incumbidos de acolherem com carinho e atenção os desarvorados ou confusos, escutando-lhes as necessidades e, dentro das possibilidades da instituição, encaminhá-los para o atendimento adequado, explicando as rotinas e procedimentos da casa, os horários e as regras gerais, além de esclarecerem algumas dúvidas dos visitantes.

Tais tarefas eram desempenhadas em conjunto ou isoladamente, cada um dos dois atendendo quando o volume de necessitados o exigisse.
E essa possibilidade de servir abasteceu-os de alegria e satisfação, principalmente pelo fato de, nessa faina, estarem em contacto com dores ocultas, dissabores e tragédias morais e materiais com as quais comparavam-se, a fim de perceberem o quanto eram felizes e bem aquinhoados, estimulando-os ainda mais ao trabalho.

As palavras em desabafo, as lágrimas dos que não sabiam como resolver os problemas nos quais haviam se inserido, o pensamento de auto-aniquilamento, de crime como instrumento da vingança, as frustrações afectivas, as quedas morais, a dor da traição ou do abandono, a decepção com a falha de carácter do ser amado, a fuga aos deveres, o veneno do ciúme desvairado, a falta do autoconhecimento, entre tantos outros problemas, transitavam pelos seus ouvidos em todas as oportunidades de serviço, que sabiam escutar, humildemente, sem se colocarem como os solucionadores de tudo, sem se imaginarem aptos a tornar-se oráculos que revelam a Verdade e impõem as atitudes.

Entendendo as disciplinas espirituais que regulam o trabalho de uma casa de atendimentos como aquela, passaram a agir como os que fazem o melhor sem desejo de aparecer.

Não pleiteavam nenhuma promoção, não reclamavam do peso de terem que escutar os depoimentos dolorosos, de que tiveram um longo trabalho diário e que estavam cansados para o exercício daquelas tarefas....

Agiam como aqueles que sabem seu lugar e não se comparam com os outros trabalhadores nem questionam os motivos de estarem ali e não em outro local.
Granjearam a simpatia dos directores espirituais e materiais daquela instituição que, entendendo a maneira séria e respeitosa, comprometida com os ideais fraternos daquele grupo, passaram e envolver aqueles dois servos por amor em vibrações de carinho e de iluminação, como forma de lhes garantir maiores recursos intuitivos e vibratórios para as tarefas que estavam desenvolvendo.

Como se fizeram trabalhadores espontâneos e dedicados, conquistaram o direito de possuir ao seu lado, Espíritos devotados os quais, nos dias de trabalho normal da instituição e até mesmo fora da casa espírita, os acompanhavam e protegiam das investidas de entidades ignorantes.

Eram entidades que, sabendo das suas e das necessidades de inúmeros outros Espíritos, ocupavam-se em estabelecer o contacto dos que sofriam, com os pensamentos iluminados e as condutas rectas do casal, ajudando, assim, numerosos Espíritos infelizes a encontrarem boas vibrações e, ainda que confundidos pelas coisas do mundo, voltassem ao convívio do bom exemplo, do trabalho desinteressado e do amor fraterno.

Por isso, mesmo em seus locais de trabalho material, quando nada os vinculava aos labores da casa espírita, ali compareciam Espíritos protectores, amigos invisíveis, acompanhando seus pensamentos e sentimentos, protegendo-os dos ataques de entidades ignorantes.

Isso se fazia necessário porque, se eles não eram tão atacados antes, quando não tinham nenhum compromisso com a tarefa amorosa depois que aconteceu o engajamento de ambos nos trabalhos do bem e passaram a fazer de seus ideais um gesto efectivo e palpável na vida dos outros, tornaram-se alvos dos atacantes invisíveis, visando abater-lhes o ânimo, diminuir o interesse pela maneira de agir no bem, buscando descobrir brechas em seus ambientes mentais com a finalidade de induzi-los ao desencanto.

Por isso, pelo Bem que faziam, mesmo que jamais o imaginassem ou solicitassem, passaram a ser inseridos pelos Espíritos dirigentes e trabalhadores na instituição no rol dos que mereciam ser mais protegidos, grupo este que era composto por aqueles encarnados que mais expostos se encontravam pelo maior esforço que faziam.

Não nos esqueçamos, queridos leitores, de que a vida dá para nós, o que damos para a vida.
Usando essa mesma regra, algumas semanas depois das aventuras sexuais com Marcelo, encontraremos Sílvia retornando ao médico para ouvir seu diagnóstico.

Continuava apreensiva porque, em seu íntimo, as modificações biológicas demonstravam algo muito diferente e que, mesmo sem ser alarmista, em uma pessoa saudável poderia significar a ocorrência de alguma enfermidade grave e inesperada.
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Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 8 Empty Re: Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jun 04, 2014 8:12 am

Entretanto, voltaria ao médico sozinha porque, naquele dia, Marcelo não teria condições de lhe fazer companhia.
De posse dos resultados, o clínico notou a existência de algumas alterações sanguíneas, mas que eram inconclusivas, não indicando, de nenhuma forma, a origem do problema.

A esse tempo, as duas entidades — o Chefe e Juvenal — já estavam solidamente magnetizadas ao grupo de células que se multiplicava para lhes servir como futuro corpo, no útero materno.
Atolados em um mar de confusas sensações, ambos se viam mentalmente perdidos, com as fixações de ideias que caracterizavam os seus padrões inferiores, notadamente aquelas que os levaram ao prazer desenfreado junto daquela mulher leviana que lhes seria a mãe biológica.

Depois de tantas aventuras juntos, comungando das emanações fluídicas do prazer sexual, criaram para si os factores espirituais de atracção magnética que os levava a imantarem-se reciprocamente, partilhando não apenas os orgasmos explosivos, mas, também, as emoções de se verem unidos por um longo tempo.

No entanto, durante o sono normal de todas as noites Sílvia se via, fora do corpo físico, atormentada pelo pavor de tal contacto, sentindo no íntimo o crescimento daqueles corpos que, diariamente passava a odiar ainda mais.

A convergência dos interesses sexuais nas noitadas anteriores não correspondia ao antagonismo absoluto que imperava em seu sentimento, ante a mais simples possibilidade de receber os antigos sócios como carne de sua carne.

Não deixaram de ser adoptadas, pelos Espíritos amigos que se ocupavam do processo reencarnatório em andamento, medidas que favorecessem o despertamento dos sentimentos maternais no coração de Sílvia, aproximando-a dos dois futuros filhos.

Recordaram em sua mente as emoções observadas ao lado do único filho e a possibilidade de voltar a sentir as mesmas coisas por aquelas duas criaturas.
Sílvia, em Espírito, debatia-se, decidida a não aceitar qualquer aproximação, não guardando, quando desperta, a ideia de que poderia estar grávida, fixando sua preocupação na hipótese da enfermidade.

Nada desconfiava porque, quando da relação sexual mantida com Marcelo, estava segura de que suas cautelas seriam suficientes para prevenirem-se adequadamente no sentido de desfrutarem do prazer sem os riscos da gravidez.

Experiente no sexo, confiava plenamente na eficácia dos métodos químicos, sem lhe ocorrer a ideia de que um comprimido poderia falhar na função de prevenção.
Assim, até aquele momento, jamais admitira, nem por hipótese, a ideia da gravidez, concentrando suas preocupações na questão da misteriosa doença.

A resposta do médico foi um pouco preocupante para suas ideias.
Como havia alguma alteração hemodinâmica, o profissional solicitara a pesquisa mais aprofundada dos possíveis factores geradores de tal modificação da rotina biológica.

E uma vez que as queixas da mulher se localizavam no ventre, sem saber indicar, com exactidão, de onde vinham, o ultra-som explorador do abdómen foi recomendado.
Ao solicitá-lo, influenciado por Félix, que passara a acompanhar o desenvolvimento dos dois Espíritos reencarnantes, o clínico geral pretendia afastar a hipótese da gravidez de Sílvia, ainda que não chegasse a cogitá-la diante da afirmativa da cliente de que não poderia ser verdade.

No entanto, o exame de ultra-som poderia encontrar algum tumor que justificasse as modificações sanguíneas ou alguma alteração de massa e contorno de órgãos da cavidade abdominal.
Se nada viesse a ser encontrado, o médico iria suspender a busca e manteria a cliente atenta à possibilidade de, apesar de todas as suas negativas, o seu mal-estar poder ser produto da gravidez.

— Impossível, doutor... nada que tenha feito poderia redundar na gravidez que o senhor sugere.
— Sim, doutora Sílvia, acredito em sua palavra.
No entanto, estou recomendando o ultra-som para explorarmos a cavidade ventral, já que é aí que a senhora aponta a existência de algum corpo estranho que justifique, inclusive, a alteração dos padrões sanguíneos.

— Tudo bem.
Eu farei os exames, mas gostaria que isso fosse rápido.
— A senhora pode escolher qualquer médico, mas se desejar não ter muito trabalho, temos em nossa clínica, o serviço disponível.
Se desejar, marcamos para a primeira vaga existente e isso tornará mais rápido o conhecimento dos resultados.

— Óptimo, doutor. Esta incerteza já está me matando.
Por favor, marque o mais rápido possível.

Consultando por telefone os compromissos de agenda de seu colega responsável pelo exame ultra-sonográfico, foi estabelecido para daí a dois dias.
A contar da data em que a relação sexual possibilitou a união dos Espíritos ao campo celular, os dois pequeninos corpúsculos já haviam ultrapassado o período de quatro semanas no ventre materno.

Dois dias depois, então, novamente acompanhada por Marcelo, Sílvia voltou ao consultório para o exame solicitado, que se realizou no horário marcado;
acto contínuo, foi encaminhado ao seu médico.
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Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 8 Empty Re: Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jun 04, 2014 8:13 am

Não tardou para que, depois de ter-se recomposto, limpando-se do gel que lhe recobrira o abdómen, Sílvia fosse chamada ao interior do gabinete médico.
Dessa vez, sabendo que aquele exame poderia revelar o problema ou a doença que tanto temia, pediu que Marcelo a acompanhasse.

— Doutor, este é meu amigo Marcelo, que trabalha comigo e está me acompanhando.
Meu esposo está viajando e, por isso, não tendo irmã nem amiga que me apoiasse, ele aqui está para servir de amparo moral.
Não precisa ocultar nada.
Marcelo tem toda a minha confiança.

Olhando para a moça que, aflita, contorcia a alça de sua bolsa em suas mãos, demonstrando ansiedade e nervosismo, o médico abriu os exames e se pôs a observá-los, atentamente.

Sua expressão demonstrava a identificação de algo diferente de um simples resultado negativo.
Virava as páginas, voltava às anteriores e isso só fazia aumentar a condição de nervosa de Sílvia.

Marcelo, ainda que sentindo o incómodo da situação, se mantinha sereno e despreocupado, sobretudo porque sabia que Sílvia era muito exagerada e que tudo não devia passar de uma bobagem sem maior importância.

Quebrando o silêncio atormentador, o médico se dirigiu a ela, falando:
— Bem, doutora Sílvia, pelo resultado de seus exames, tenho três boas notícias para a senhora.
— Como assim, doutor? — exclamou, já mais calma e aliviada a mulher.
— A primeira é que o resultado da ultra-sonografia não apresentou qualquer tipo de corpo estranho na forma tumoral em qualquer órgão de seu ventre.

— Ai, doutor, que alívio!
O senhor sabe o que significa descobrir com tanta coisa boa ainda para viver, que nossos dias estão contados e que vamos ter que nos perder em quimio ou radioterapias...?
— É verdade, doutora.
Essas notícias são verdadeiros desafios para os que se descobrem enfermos.

— Mas e as outras boas notícias? — perguntou a mulher, curiosa.
— Bem, a segunda boa notícia é que a senhora vai ser mãe novamente.

Fechando o sorriso do rosto, expressou um semblante de descrédito e perguntou, assustada:
— O quê? Isso é impossível, doutor.
— Não é o que o exame está dizendo, doutora Sílvia.
A senhora está grávida.

A estas alturas, o Marcelo despreocupado, que até então ouvia as palavras do médico com indiferença, passou a se mexer na cadeira não entendendo as palavras claras do clínico, Sílvia ponderava:
— Mas doutor, eu sempre tomei anticoncepcionais para não correr nenhum risco...
— Sim, eu acredito.
No entanto, posso lhe afirmar que não é a primeira vez que eu próprio tenho que comunicar a algumas mulheres que estão grávidas, apesar de todos os seus esforços em evitarem a fecundação.
Isso sem se falar em alguns medicamentos fraudados que acabam chegando à venda sem conter os princípios activos que anunciam.
Além disso, há o facto de a senhora poder ter-se esquecido de ingerir o remédio na regularidade adequada, o que pode invalidar os esforços de coibir a ovulação.

Sem prestar atenção naquilo que o médico dizia, tentando parecer a mais calma e clara possível, Sílvia repassava os possíveis e potenciais parceiros dos últimos meses e, sem nenhuma dúvida, existia apenas Marcelo a enquadrar-se na condição de co-responsável pela sua situação, se isso fosse verdade.

Pretendendo acabar logo com aquela entrevista, mormente agora que um vulcão explodira em seu íntimo, Sílvia quis saber, afirmando:
— Bom, doutor, depois dessa segunda boa notícia, a única boa notícia que me resta receber deve ser que não precisarei pagar a consulta, depois desse choque, não é?
— Não é bem assim, Sílvia.
A terceira boa notícia não tem nada a ver com o preço da consulta.
É que você vai ser mãe de gémeos...

Aquilo foi a bomba que faltava em sua mente.

— Isso não é possível... doutor... — disse a mulher, levantando-se da cadeira, violentamente, agarrando os papéis das mãos do médico.
O senhor é que é um incompetente... que não sabe ler exames como este.
Será que o senhor não escutou que é impossível que eu esteja grávida?
Ainda mais de gémeos?
Vou procurar um outro mais competente do que o senhor...
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jun 04, 2014 8:13 am

E deixando ambos os homens embasbacados com aquela reacção irracional, Sílvia saiu do consultório chutando as cadeiras e móveis que tinha diante de si, batendo a porta e proferindo todos os palavrões mais baixos que seu experiente e chulo vocabulário conhecia.

Vendo a sua reacção alucinada, Marcelo levantou-se pedindo desculpas ao médico e saiu para atender a mulher alucinada que, sem paciência para esperar o elevador, resolvera descer os quinze andares até o térreo pelas escadas.

— Não é possível... — falava ela, sozinha.
Isso é um castigo de Deus... não... não...
Tenho que achar um outro médico que vai corrigir esse erro.
Vou processar esse charlatão irresponsável que, além de tomar o meu dinheiro, ainda me vem com uma história dessas.
Que vou ser mãe e de duas criaturas, filhas de um cara que mal conheço.

— Sílvia, Sílvia — gritava Marcelo, ainda dois lances de escada atrás, tentando alcançá-la na correria.

A mulher não escutava nada...
Descia como uma bala e não havia ninguém que a pudesse impedir ou retardar o seu caminho.
Marcelo, depois de muitos tropeções e saltos, acabou por chegar até ela, já quase no térreo.

Assim que se viram no saguão, Sílvia explodiu:
— Seu traste miserável!
Eu que pensava que você soubesse fazer as coisas, seu inútil... ainda nem sabe ser homem!

Espantado com as palavras agressivas, Marcelo segurou a mulher pelos dois braços e lhe disse, aos gritos:
— Quer calar a boca, sua maluca...
Do que é que você está falando?
— Ora, seu verme... estou falando de você...
Pois não é que agora estou carregando dois filhos seus no meu útero?

E ao falar isso, os gritos de Sílvia eram ainda mais altos, atraindo a atenção de todos quantos ali se encontrassem observando a cena, sem imaginarem o que estaria por detrás daquela gritaria alucinada.

— Nem para arrumar um preservativo que prestasse, seu traste...
Vendo as acusações levianas e públicas, a humilhá-lo perante todos os presentes, Marcelo revidou:
— Você, que é uma prostituta de luxo, que dorme com tanta gente que nem tem como dizer quem é, realmente, o pai.

Aquelas palavras foram um verdadeiro tiro no sentimento abalado da mulher, naquela hora tão delicada de sua vida.
Nesse instante, vieram-lhe ã mente as dores do passado, as frustrações afectivas, a existência do marido o filho adolescente que, agora, acabariam por ter provas concretas de sua leviandade.

Numa mistura de dor e raiva, Sílvia entregou-se às lágrimas desesperadas, num desequilíbrio típico dos surtos psíquicos em que incorrem aqueles que recebem notícias dolorosas e inesperadas.

Sentou-se no piso do saguão, com a cabeça entre as mãos, enquanto as pessoas olhavam e Marcelo tentava ampará-la, pedindo ao zelador um copo com água e açúcar.
Sílvia chorava sem parar e, depois que aceitou beber o líquido que lhe fora oferecido, Marcelo colocou-a de pé, afastando-a do local e das vistas dos curiosos, encaminhando-se para o estacionamento onde o carro os esperava.

Agora, depois da crise, a mulher permanecia calada.
Somente as lágrimas atestavam que estava viva.
Entraram no carro, cada qual do seu lado, maquinalmente.

Ao lado dos dois, os Espíritos amigos Félix e Alfonso se esforçavam para preservar o ambiente uterino contra os assaltos da mente desvairada, insatisfeita com a condição maternal que, de agora em diante, iria marcar seus dias.

Passes magnéticos isolantes mantinham as duas estruturas celulares a salvo das vibrações de ódio que Sílvia passara a desferir contra a sua estrutura uterina.
A própria escolha de descer os quinze andares do prédio pela escadaria, aos solavancos e encontrões, fora fruto do desejo de ver-se livre daqueles intrusos em sua vida.

No entanto, as medidas vibratórias de defesa adoptadas pelos protectores que organizavam aquele processo de reaproximação, transformando perseguidores em filhos, eram suficientemente eficazes para proteger o ninho contra os assaltos da violência mental e emocional de Sílvia.

Durante o trajecto, Marcelo tentava contornar a situação desesperadora, desejando saber para onde ela gostaria de ir.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jun 04, 2014 8:13 am

— Quero ir para o inferno!
Quero ir para um lugar onde não exista ninguém.
Estou odiando o mundo, a começar por você, Marcelo.

Vendo que a mulher começava a falar, o rapaz procurou continuar o assunto, dizendo:
— Desculpe, Sílvia, mas você estava louca, alucinada...
— Estava, não. Estou...
— Como é que você pode se deixar levar por essa maluquice?
— É porque não é você que está com dois filhos na sua barriga, filhos que não são do seu marido.

- Eu sei que isso não é fácil.
No entanto, você me acusou de culpado.
Eu fiz tudo o que qualquer um faria.
Além do mais, você me afirmou que havia tomado seus remédios normalmente e que, dentro de sua experiente e agitada rotina, nosso encontro não foi o primeiro nem o único que possibilitaria a sua gravidez.

— É, mas depois que começamos a ficar juntos, Marcelo, nunca mais tive qualquer relacionamento sexual com nenhum outro homem.
Nem com meu marido que, aliás, já não me procura há um bom tempo.

Marcelo empalideceu.
Agora estava entendendo por que a revolta dela com ele.

— Ma... mmaaa... mmmaassss...
— É isso mesmo, Marcelo.
Só transei com você nesse tempo todo e estes dois filhos que estão aqui dentro são filhos nossos...

Sem querer dizer que Sílvia estava mentindo, Marcelo passou a imaginar que ela bem que poderia estar inventando aquela história para colocá-lo em uma situação delicada, culpando-o por tudo e desejando chantageá-lo.
No entanto, recusou-se a dizer isso na face da mulher já desequilibrada, preferindo contemporizar.

— Veja, Sílvia, esse exame pode estar errado.
As medidas de prevenção foram tomadas.
Isso não pode ter acontecido.
— Que tal se formos fazer outro exame?

Vendo que Marcelo começava a se preocupar também, Sílvia respondeu:
— Tudo bem, Marcelo.
Pare na primeira farmácia que eu vou comprar um teste para gravidez.

Assim que a farmácia foi avistada, Sílvia desceu e adquiriu o teste rápido.
Procuraram um local adequado para a sua realização, já que se fazia necessária a colecta de uma gota de urina de futura mãe e, diante dos olhares aparvalhados de ambos, a coloração da fita indicava a realidade da gravidez.

A partir daí, Marcelo se viu envolvido no dilema:
— Como assumir uma paternidade que poderia colocar em risco tudo o que ele estava conquistando? — pensava em silêncio.
Como ficaria diante de Camila, a advogada desejada, de Letícia, a colega apaixonada por ele e de Marisa, a mulher oficial e indiferente?
Não! Não poderia correr o risco de perder tudo.

Assim, para não causar impactos emocionais mais profundos e antagonismos maiores no coração daquela mulher ferida, Marcelo respondeu:
— Sílvia, a resposta do teste de gravidez é clara e, por isso, trata-se de um facto consumado.
Acho que por hoje nós tivemos surpresas muito grandes e estressantes.

Vamos para casa, colocar as ideias em ordem e pensar no que temos pela frente.
Quanto a mim, pode estar segura de que me colocarei ao seu lado para apoiá-la.
Existem muitas escolhas que podem ser feitas e, aquela que lhe parecer melhor, iremos contar um com o outro, está bem?

Diante daquelas palavras amistosas, bem diferentes da agressividade observada no rol do prédio, Sílvia se sentiu mais confortada e respondeu:
— Eu sei que para você, Marcelo, também é um problema grave e que, tanto quanto eu, você não desejava que isso acontecesse.
— Concordo com sua sugestão.
Vamos para casa e, amanhã, mais calmos, conversaremos.
Só quero que ninguém fique sabendo sobre isso porque, se a minha escolha for a de tirar, não será necessário que outros compartilhem dessa decisão.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jun 04, 2014 8:13 am

Sílvia se referia à prática drástica e violenta do aborto que, de forma clara, lhe surgira na mente como uma solução rápida e simples para a manutenção das suas rotinas, bem como para a preservação de sua falsa moralidade.

Marcelo, que nada sugerira verbalmente, mas que, de forma íntima também cogitava da mesma solução, apresentou-se mais conformado e sorriu, respondendo:
— Se precisar, eu conheço quem faz e até arco com as despesas.
Mas deixa isso para amanhã!

Procurando parecer carinhoso, segurou nas mãos de Sílvia e deu-lhe um beijo rápido nos lábios, antes que descesse do carro, como a reforçar suas palavras com um gesto de carinho físico.

Afinal, se tiveram intimidade para conceber os filhos, por que não ter para fortalecer e acalmar a louca da mulher?
Sílvia sorriu, mais calma, e desceu em direcção ao próprio carro que a levaria de regresso para casa.

Marcelo, nervoso e livre da companhia feminina, intrigava-se com o resultado do exame, pensando que se não estivesse no local e na hora em que o médico anunciou a situação, não acreditaria no que estava ouvindo.

Além do mais, afastado daqueles momentos de pressão emocional, voltou a pensar na possibilidade de fraude de Sílvia, ao lhe atribuir a paternidade, não tendo como provar que, efectivamente, ele havia sido o único parceiro, inexistindo outros encontros com outros homens.

Quem sabe, aos olhos de Sílvia, ele não seria o melhor partido para responsabilizar pelos filhos acidentais?
No entanto, com a aproximação da fatídica reunião geral do escritório marcada para a próxima semana, resolveu adoptar uma conduta prudente, sem acusar ou levantar suspeitas até que os resultados do encontro profissional se apresentassem favoráveis aos seus intentos.

Precisaria do apoio de todas as amigas até que tudo fosse resolvido.
Disfarçou, então, qualquer mostra de preocupação e, nos dias seguintes, compareceu ao trabalho como se nada o preocupasse.

Camila o envolvia com carinhosas demonstrações e, nas últimas semanas, parece que aceitara tornar-se mais quente nas intimidades, mesmo que não permitisse a consumação da cópula, na relação sexual completa.

Isso euforizava Marcelo que, preso ao carinho físico da mais bela de todas, antevia as alegrias ao impressioná-la com seu avassalador desempenho diante dos demais advogados, na reunião que se acercava.

Ao mesmo tempo, Letícia o procurava, discreta, convidando-o para jantares íntimos, nos quais esperava ver seus sentimentos correspondidos, ainda que fossem, apenas, sonhos de mulher apaixonada em uma relação platónica.

O problema maior era que a relação não se fazia tão platónica assim.
Entre a euforia do vinho e os perfumes que Letícia usava, Marcelo acabava se deixando levar ao exercício pleno das intimidades. satisfazendo a jovem que o desejava, ao mesmo tempo em que dava vazão aos seus instintos viris, vivenciando o papel de macho da espécie.

No entanto, agora não era hora de contrariar nenhuma das mulheres.
Tudo estava ajustado para o show.

No plano espiritual, a situação era a seguinte: no local da reunião o ambiente deletério já havia sido instalado pelo Presidente e seus asseclas, organizando um verdadeiro circo que armaram no local, trazendo a sala de reuniões do escritório como o picadeiro principal.

Afastadas de tais faixas, entidades elevadas haviam traçado discretos e potentes campos magnéticos de retenção, que permitiam a passagem de todos os convidados do Presidente que se dirigissem para o Show, a fim de presenciarem o sucesso das estratégias do seu líder no momento apoteótico do encontro dos envolvidos na perseguição, sem notarem, no entanto, que estavam ingressando nessa atmosfera.

Depois de terem ingressado nela, como lagostas que se vissem colhidas pelas armadilhas, não poderiam mais sair da área, contidas pelas defesas de energia.

Assim que se fizesse o momento, os Espíritos amigos tratariam de ir aproximando as linhas magnéticas do círculo central onde os factos se desenrolavam, mantendo todos os integrantes daquela agremiação trevosa, inclusive seu Presidente, em sua área de influência luminosa.

As coisas corriam como todos estavam planeando.
Marcelo estava feliz, com o sucesso de suas ideias.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jun 04, 2014 8:13 am

Sílvia estava decidida a se livrar dos problemas uterinos, como definia a gravidez indesejada.
Letícia sonhava com a possibilidade de conquistar Marcelo, que, aos seus olhos, se tornava cada vez mais real a cada encontro.
Camila estava ansiosa por se ver livre de Leandro, graças à iniciativa de Marcelo.

O Presidente se preparava para o grande momento de suas longas providências, no dia das revelações.
Marisa, na companhia cada vez mais intensa de Luiz, se euforizava com a perspectiva de ter prejudicado o ainda marido, enviando aos donos do escritório os documentos que provavam a relação sexual espúria de Marcelo e Sílvia.

Luiz, desfrutando das exaltadas emoções erotizantes que a companhia de Marisa lhe proporcionava, lutando para esquecer seus dias de aventuras promíscuas com mulheres e inúmeros homens com os quais havia se relacionado, leviana e animalescamente.

E por cima de todos, as forças do Bem se ocupavam em brindar-lhes a insensatez com o convite da transformação que remodela os caminhos, reequilibra as almas, corrige as falhas, retempera as forças, redirecciona os passos para que as dores maiores possam ser evitadas.

Sobre todos, Félix, Alfonso e Magnus se preparavam para cooperar com a acção do Amor em favor deles, indistintamente.
Entre eles, ainda existiam o Chefe e Juvenal, almas que padeciam a incerteza da reencarnação, tornada pior pelas ideias renovadas de serem expulsos do útero materno.

A partir do momento em que Sílvia aventara a hipótese de recorrer ao aborto clandestino, o Chefe e Juvenal passaram a sofrer os ataques do medo, do pavor da retaliação, do desespero de não poderem fugir dali, afastando-se do ambiente no qual suas novas estruturas físicas poderiam ser mutiladas sem que nada pudessem fazer, sem a menor chance de defesa.

Isso correspondia a um processo de enlouquecimento similar ao de Sílvia, longamente explorada por ambos nas obsessões sexuais de que fora vítima.
Entre os três, longas etapas de dor e desespero estavam sendo tramadas, apesar de todas as tentativas das nobres entidades em ajudarem a mulher para que honrasse os compromissos morais que estavam colocados sobre os ombros e o coração daquelas que, como mulheres, podem se tornar mães no mundo.

Mais uma vez fazia sentido a advertência de Jesus, alertando sobre as condutas humanas nos dias de sempre:
"É necessário que o escândalo venha.
Mas ai daquele que se tornar a pedra de escândalo."
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jun 04, 2014 8:14 am

38 - OS ENVOLVIMENTOS DO PASSADO E A TRÁGICA ESCOLHA

Como já dissemos, desde aquele dia em que o resultado dos exames apontaram para a existência de gémeos em seu ventre, Sílvia passara da inocente condição de uma pessoa que pensava estar doente, para a deliberada posição daquela que deseja livrar-se da dificuldade pela maneira mais simples.

Quando chegou em casa, longe de meditar sobre a questão, seus pensamentos já haviam escolhido o caminho mais adequado para a solução daquilo que surgia como um terrível obstáculo à sua felicidade pessoal.

— Ser mãe, novamente? Nunca.
Só eu sei o que me custou ter que passar por esse sacrifício, perder a forma, ficar enorme, com dores em todos os músculos, não encontrar posição, ficar parecendo um balão, não causar mais nenhum interesse nos homens, não ser objecto de seus olhares cobiçosos...

Ter que aguentar, de um lado, meu marido pateta, sem nenhuma possibilidade de entendimento e, agora, de outro, um "cara" comprometido, com família e tudo o mais.
Sem falar no escândalo, no julgamento das pessoas, na vergonha do meu filho, no que vão dizer sobre mim e minha família.

Tudo isso não pode se tornar público.
Meus parentes quererão saber quem é o pai e, naturalmente, meu marido não vai assumir esse facto.
Além do mais, com base nessa prova material, poderá me acusar de infidelidade, com razão.

A separação pode alterar a rotina da vida e meu filho ficará muito decepcionado com meu comportamento.
Não... esses dois estranhos não vão nascer.

Tudo isso era o que passava pela cabeça de Sílvia, esquecida de que aqueles Espíritos eram seus companheiros de longa data, não apenas desde a sua recente juventude, mas, sim, desde outras vidas, quando com ela haviam se ajustado pelos padrões inferiores das condutas levianas.

Haviam se conhecido há mais de quinhentos anos, quando Sílvia, na Espanha, dotada de grande formosura, mas com poucos recursos financeiros, aceitara unir-se a um fidalgo viúvo que por ela se apaixonara depois de lhe ter aceitado a oferta de uma noite de amor, mediante remuneração.

Atendendo em modesta estalagem à beira da estrada, onde as caravanas estacionavam para a troca de cavalos ou o abastecimento e descanso dos passageiros, não foi difícil para o cavalheiro encontrar meios de agradar a mulher que, experiente e sonhadora, logo entendeu a grande oportunidade de sua vida.

Encantado pelos atributos e performance da jovem, que possuía idade para ser sua filha, o velho e fogoso senhor levou-a para a sua cidade, às escondidas, dotou-a de roupas e jóias e apresentou-a à sociedade preconceituosa de seu tempo como uma distinta dama chegada de outra região e que fora, por ele, pedida em casamento. Os cuidados que recebeu, o tratamento para a melhoria de sua aparência, a alteração do penteado, as jóias e roupas diferentes, conferiram-lhe outra personalidade, quase nada mais existindo da antiga e miserável prostituta de bar.

No entanto, a jovem, que passara a ser conhecida como Felícia, ao mesmo tempo em que vira na figura do viúvo Ramon a solução para a vida difícil que levava, encantou-se com a figura jovem e vigorosa de Pablo, o filho único do marido, da mesma idade que ela e que, mesmo remoendo a inconformação com a conduta arrojada do progenitor, se deixou também encantar pelas belezas especiais de Felícia.

Ramon empreendia constantes e longas viagens para fiscalizar o andamento de seus negócios, administrando seus domínios.
Foi então que o triângulo amoroso teve início, com o envolvimento físico da madrasta com o rapaz, às escondidas do viúvo que, nem de longe, sabia do facto.

E esta situação prosseguiu até que a jovem viu-se grávida de Pablo.
Como mulher sem parentes e sem ter a quem recorrer, Felícia tudo fez para esconder do esposo o seu estado, tendo-o revelado apenas a Pablo, aquele que ela considerava ser o pai da criança, dizendo-lhe que esperava que adoptasse uma medida adequada para assumir a paternidade daquele filho, protegendo-a da ira de seu marido.

Pablo, assim, se viu envolvido em uma difícil situação.
Como diziam amar-se, Felícia esperava que o rapaz a levasse dali, passando a morar em lugar distante para que pudessem criar o filho que se anunciava.

Ramon, por sua vez, era um homem incapaz de gerar filhos, ainda que se mantivesse sexualmente activo. O seu casamento com Felícia se tornara, na verdade, uma forma de apresentar-se à sociedade de seu tempo ostentando uma jóia de rara beleza ao seu lado, além do facto de, é claro, poder desfrutar de seu físico jovem e estimulante.

Assim, a gravidez da nova esposa seria objecto de gracejo e ironia na pequena comunidade, já sabedora da impossibilidade de Ramon em gerar descendentes.
Como filho único, a ligação de Pablo e Ramon era muito estreita, de sorte que pai e filho eram cúmplices em muitos equívocos e se acobertavam mutuamente.

No entanto, as belezas da mulher fizeram com que o rapaz não suportasse o respeito que devia ao progenitor, envolvendo-se clandestinamente com sua nova mulher.

Então, para que tal estado de coisas não fosse modificado, Pablo imaginou um plano às escondidas de Felícia.
Comunicaria ao genitor o estado da gravidez da mulher, revelando-lhe que a mesma havia se entregado a um estranho, numa das viagens do pai.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jun 04, 2014 8:14 am

Recusando-se a acompanhá-lo, Felícia ficara no casarão sob os cuidados dos criados e sob a custódia de Pablo que tinha, nessas ocasiões, a perfeita oportunidade de manter as aventuras sexuais com a mulher desejada que tanto lhe correspondia ao calor.

Com essa história, Pablo comunicaria ao pai a prevaricação da mulher, a gravidez espúria, mantendo-se em bom relacionamento e, quem sabe, possibilitando a Felícia a oportunidade de definir sua vida.

Ao tomar conhecimento dos factos, Ramon foi acometido de um acesso de ódio brutal contra a mulher.
Desejava matá-la. Tinha ímpetos de fazer valer seus privilégios de fidalguia para recambiá-la à condição de meretriz, expulsando-a de casa.
Pensando em tudo, Pablo, que bem conhecia os ímpetos paternos, esperou que o mesmo se acalmasse e, depois, sugeriu outra reacção.
Por que não obrigar Felícia a se manter unida a eles, para pagar a afronta que lhes fizera?

— Não se podia esperar de uma prostituta que mudasse de vida só porque mudou de roupas — argumentava o rapaz.
— Eu entendo, senhor meu pai, que o seu interesse masculino por uma bela mulher é apreciável.
Afinal, não se trata de uma dessas que vivem emporcalhando nossas ruas.
Felícia é diferente, mais bonita, mas não deixa de ser uma prostituta.

O velho escutava, procurando se acalmar e manter o controle dos pensamentos.

— Se a jogamos na rua, isso vai soar como uma vergonha para ela e para nós, igualmente, depois de toda a encenação que foi feita sobre a sua chegada até aqui.
Da mesma forma, não acho plausível aceitarmos o nascimento de uma criança aqui em nosso meio, já que toda a cidade conhece o seu estado de incapacidade para gerar.
Assim, acho que poderíamos mantê-la aqui, como prostituta mesmo, depois de providenciarmos que essa criança lhe seja retirada e, então, nos sirva como empregada, podendo pagar por tudo o que recebeu.

Olhando com admiração para a sugestão do rapaz, sem imaginar que o que ele mais desejava era manter-se ao lado de Felícia, com a possibilidade de continuar valendo-se de seu corpo para o deleite de seu prazer, o ancião abraçou-o e lhe disse:
— Filho, você tem a quem puxar.
Sua inteligência, às vezes, me surpreende.

— Vamos fazer assim mesmo.
Mantemos essa vadia por aqui;
afinal, é difícil arrumar outra que seja tão boa nessa área, e a transformamos em uma serviçal.
Para nós, não será mais a esposa.

E se se permitiu deitar com um estranho, poderá ser usada por nós dois, que, pelo menos, temos sangue nobre.
Isso se for do seu agrado.

Vendo que o progenitor chegara ao ponto desejado, Pablo respondeu:
— Veja, meu senhor, não digo que me agrade como mulher, já que pretendo me unir a uma dama da nossa melhor nobreza, mas, como diversão, não posso negar que seja uma iguaria apreciável.
— Você cuida de se desfazer dessa criança e, para afastar qualquer suspeita, estou deixando a cidade na próxima semana, viajando por mais seis meses, atendendo aos nossos negócios.
Por esse tempo, você permanece aqui até a minha volta, administrando as coisas e mantendo a infeliz para que pague por sua prevaricação.

— Está bem.
— Ah! Pablo, já que as coisas estão assim combinadas, informe à "minha esposa" que se prepare para mim esta noite, pois irei deitar-me com ela, antes de partir, aproveitando as possibilidades desse caro investimento.
— Está certo, meu senhor...

E, então, sem que Felícia entendesse o que havia acontecido, percebera a mudança de atitudes de Ramon, mais grosseiro e rude nos contactos íntimos daqueles dias, ao mesmo tempo em que observou em Pablo um distanciamento enquanto o pai permanecia em casa.

No entanto, assim que o ancião se afastou, em viagem, o rapaz informou-a de que não poderiam ter a criança, mas, se ela aceitasse abortar, ficaria morando ali, protegida.

Se, entretanto, não o aceitasse, as ordens do progenitor eram no sentido de tirar-lhe a vida e sumir com o cadáver.
Felícia assustou-se e, sem ter a quem recorrer, acabou por se submeter ao procedimento evasivo, promovido por pessoa experiente que, sob o pagamento régio financiado pelos recursos de Ramon, guardou o segredo do aborto criminoso.

A partir daquele momento, Felícia se tornara a mulher usável de ambos os homens, sabendo que não mais gozaria de qualquer regalia de mulher da nobreza e que estaria vinculada aos dois nas práticas levianas a que se dedicara desde o início da juventude.
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Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 8 Empty Re: Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jun 04, 2014 8:14 am

Assim, voltara a ser a prostituta, agora abrigada em uma casa faustosa e com dois clientes exclusivos, graças à consciência culpada tanto pela traição ao marido, usando o próprio filho, quanto pela gravidez e aborto cometido, ligando-se ao Espírito que houvera sido expulso de seu corpo e que se agregara, desde então, ao seu psiquismo de mulher como um factor mentalmente desequilibrante.

Sem mais qualquer pudor, Felícia passara a ser a prostituta de Pablo, por quem se apaixonara e ao qual imaginava unir-se como esposa um dia, e de Ramon ao mesmo tempo, servindo ao velho fidalgo, para compensar-lhe o investimento e produzir-lhe uma revitalização do interesse pela vida.

No entanto, em seu coração de mulher, as sensações de afectividade haviam sido substituídas pelo mecanismo sexual instintivo, viciando-lhe os centros do prazer e reforçando as suas tendências inferiores.

A devassidão, então, tomou conta daquele casarão que, agora, guardava em suas paredes o segredo daquele grupo, a produzir mais e mais exagerações e leviandades, incluindo aí a manutenção da prática sexual envolvendo os três, simultaneamente.

Todavia, a perseguição das entidades trevosas, seja as que se mantinham ali para aproveitarem dos eflúvios vibratórios daquelas cenas deprimentes, seja as que desejavam ser acolhidas como partícipes da orgia, foi estreitando os processos obsessivos recíprocos, produzindo perturbações nas três criaturas que, passados os anos, acabaram por se desgastarem profundamente e se associarem em processos de resgate de longo curso.

Agora, recambiados à nova experiência — ela, como Sílvia, encarnada e Ramon e Pablo como o Chefe e Juvenal, seus futuros filhos — a Justiça Divina possibilitava a reaproximação do trio viciado no exercício da sexualidade desajustada, para que essa perturbação do comportamento pudesse ser transformada em afectividade nascente, substituindo a excitação pela sublimação do amor de mãe.

Por esse motivo é que os Espíritos amigos tanto ajudavam Sílvia a que se sentisse abastecida por novas forças, por sensações elevadas, como costuma acontecer com as mulheres que se vêem beijadas pelas experiências da maternidade.

No entanto, apesar de todas as suas tentativas, as entidades generosas não conseguiam sobrepor-se ao livre-arbítrio da futura mãe, agora na posição de aceitar ou não os mesmos que a exploraram de forma tão vil nos séculos passados, de onde a perseguição e a imantação aos prazeres ignóbeis estendeu-se a inúmeras outras jornadas terrenas repetindo-se os mesmos delitos com uma ou outra diferenciação.

Sílvia, Espírito, não suportava aquelas duas almas que se uniam ao seu corpo, ainda que com elas tivesse aceitado viver uma vida de devassidão e intimidades na Espanha de outrora..
Não conseguia convertê-los de amantes em seus filhos, entregar-lhes o seio para que ali encontrassem não mais o prazer do sexo, mas o alimento que sustentasse suas vidas..

Não aceitaria perder as linhas corporais que a sua vaidade continuava a cultivar, apesar de já não ser uma mulher esplendorosa.
Além do mais, os compromissos sociais pesavam muito em sua mente, tanto quanto, naquela ocasião, todos os preconceitos haviam aconselhado Pablo a pleitear a mesma solução, compartilhada com a autorização e os recursos do progenitor.

Ramon e Pablo estavam espiritualmente comprometidos pela escravização sexual de Felícia, tanto quanto pela solução abortiva que lhe impuseram, não apenas uma vez.

Hoje, aquele primeiro filho abortado havia regressado à sua existência, correspondendo-lhe ao único rebento que adornava o lar e o coração de Sílvia.
No entanto, viera igualmente em situação delicada, fruto de uma aventura irresponsável com aquele se tornara seu marido, depois de suas incontáveis experiências levianas.

Quando se vira grávida do seu primeiro filho, também cogitara, igualmente, em afastar aquele problema de seu útero.
No entanto, como desejava usar a gravidez como arma para modificar o curso de sua existência, deixou-se ficar até que já não mais se apresentou viável a extracção da criança do seu ventre.

Resolveu, então, ter o filho e casar-se com o rapaz que a engravidara.
Foi assim que aquela primeira criança nascera.
No entanto, essas duas não teriam o mesmo destino.

Não aceitaria recolher o fruto de sua aventura, indesejável, transformando-se em uma trocadora de fraldas, administradora de mamadeiras, sem poder dormir, sem descansar, sem mais outra forma e continuar vivendo a sua rotina de mulher importante, advogada e prostituta de luxo.

Esse tormento passou a envolver os dois Espíritos que a ela se uniam e que, ainda que em estado de confusão mental, recebiam na acústica de suas almas, intimamente ligadas à da futura mãe, as ameaças de assassinato, os pensamentos repulsivos e os horrores da expulsão uterina, antes mesmo que ela acontecesse.

Em seus corações agoniados, o medo passara a ser a marca de seus minutos.
Agitavam-se, descontrolados, gritando para que Sílvia não os matasse.
Suplicavam-lhe a oportunidade, como que relembrando os momentos do passado, chamando-se pelos antigos nomes e referindo-se à jovem pelos apelidos de seu tempo.

Ao mesmo tempo, Sílvia, decidindo-se pela expulsão que resolveria todas as questões mais delicadas, parecia haver chegado a um ponto de equilíbrio e satisfação.
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Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 8 Empty Re: Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jun 04, 2014 8:15 am

Naqueles dias, comunicou a Marcelo a sua decisão e, como o rapaz lhe havia hipotecado o apoio necessário, sugerindo-lhe veladamente, a possibilidade da expulsão abortiva, a opção de Sílvia lhe serviu como uma luva, aliviando-lhe o Espírito preocupado, já que a paternidade, naquelas condições, causaria dissabores e prejudicaria todos os seus intentos, atuais e futuros.

Ele sonhava em aproximar-se ainda mais de Camila e sabia que não poderia ferir os sentimentos de Letícia.
Por isso, a sua estratégia deveria ser cuidadosa e bem encenada inclusive com o aborto livrando-o de qualquer suspeita, afastando a sua responsabilidade e os resquícios físicos que provariam sua leviandade.

Mais do que depressa, Marcelo mobilizou-se para arrumar a solução escolhida, obtendo o endereço, marcando a consulta e dispondo-se ao pagamento para que o trabalho fosse realizado com a segurança e discrição indispensáveis.

Nas decisões desse tipo, o Mundo Espiritual Superior tudo procura fazer para que a pessoa repense e reconsidere sua escolha.
Em cada caso, os Espíritos protectores não se colocam como juízes ou algozes dos seus protegidos.

Desde o início, tentaram impedir que as circunstâncias se produzissem, dando bons conselhos, actuando para que os encarnados não se deixassem dominar pela volúpia do prazer, que não se atirassem na lama dos procedimentos incompatíveis com a decência.

Depois que não são escutados, permanecem tentando ajudar para que, desse comportamento equivocado, as consequências seja as menores.
E quando elas não são impedidas, as almas amigas tentam ajudar os encarnados a assumirem seus erros, ao invés de tentar resolvê-los valendo-se de erros mais graves.

Por isso, na véspera da ida à Clínica onde esse procedimento seria realizado por pessoas inescrupulosas, que haviam conseguido o diploma de médicos, mas que deveriam exercer o seu ministério, na verdade, em um açougue, Sílvia foi retirada do corpo por ocasião do sono e levada ao mundo espiritual para um derradeiro entendimento.

Ao mesmo tempo, as duas entidades que se justapunham ao seu veículo físico e que, a esta altura, traziam no perispírito a aparência estranha de crianças com semblantes ainda adultos, espécie de anões em processo de miniaturização ou restringimento, foram igualmente conduzidas.

Ao seu lado, entidades amigas e companheiros de outras vidas compunham o cortejo carinhoso das almas empenhadas em amparar-lhe os passos nesta vida, cujo compromisso principal se estendia diante de seus olhos.

Quando do planeamento de sua actual encarnação, esta havia sido modelada, antes do seu início, para que, finalmente, todos os Espíritos que haviam sido vitimados naquela existência passada, reencontrassem o caminho do equilíbrio do afecto.

O primeiro filho, aquele que houvera sido abortado por Felícia, havia conseguido escapar ao homicídio e recebia o carinho de mãe, ainda que imatura para amar profundamente.

Os outros dois ali estavam, prontos para mergulhar na carne pelo constrangimento da reencarnação que não haviam planejado, mas que não tinham como evitar.
No entanto, a angústia, a inconformidade, a rebeldia e o semblante de medo e desespero eram patentes no Espírito de Sílvia e no de seus dois futuros filhos.

Presidindo aquele encontro no mundo espiritual, Félix acercou-se da futura mãe e falou, compassivo:
— Minha filha, tanto esperamos por este momento em sua jornada, que a Bondade Divina nos permitiu este encontro de entendimento.

Algo perturbada pela acção magnética das entidades inferiores que se justapunham ao seu corpo, ao mesmo tempo em que encantada pelas luzes feéricas que rodeavam os Espíritos amigos e que a envolviam no halo de forças positivas, Sílvia quis afastar-se, mas não conseguiu:
— Quem é você? Um magistrado, um desembargador?

A jovem assimilava as imagens e seus pensamentos tentavam descodificá-las pelos padrões de sua experiência física como advogada.

— Não, minha filha.
Eu sou apenas seu irmão, ainda que não devamos nos esquecer de que é um dever nos tornarmos magistrados de nossas próprias vidas.
— Como assim? — falou, áspera.
— Somos todos defrontados por nossos actos e, convidados a observá-los pela nudez da Verdade, seremos aqueles que julgaremos mais severamente tudo quanto fizemos.

— Você se coloca em uma privilegiada posição, minha filha.
Seu corpo é berço de vida para dois irmãos que precisam voltar à existência por seu intermédio.

Entendendo que se tratava da questão decidida em seus pensamentos, Sílvia respondeu:
— Esse assunto já está resolvido.
Não tenho mais que pensar nele.

— Acredito que seria bom que sua alma retomasse a lucidez de si mesma para que o entendimento de agora pudesse abreviar o sofrimento que já se desenrola há mais de quinhentos anos.
— Como assim? — perguntou, nervosa.
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Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 8 Empty Re: Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jun 05, 2014 9:38 am

— Estes irmãos — e aproximou Ramon e Pablo — são os que a usaram no passado, quando você também aceitou usá-los como mulher leviana à procura de posição, de realce social.
Você desejava mudar de vida e eles queriam prazer. Uniram-se os interesses e os delitos se sucederam, abundantes.

Consorciados no erro, passaram a se explorar e a se fazerem sofrer.
Dores e ódios, desgastes e vícios consumiram os séculos e, agora, eis que você os pode asilar no próprio ventre e torná-los os filhos que, bem criados, por sua vez poderão ser o seu arrimo no futuro, quando a velhice tingir os seus cabelos.

— Mas esses demónios me perseguem e fujo deles sem cessar.
Como viver em companhia daqueles que me exploraram?

Sílvia estava em prantos de desespero e ódio.

Entendendo a reacção de sua alma diante do testemunho que lhe cumpria dar, Félix ponderou:
— Os demónios não são criaturas perversas, minha filha. São almas ignorantes a caminho da transformação.
E essa transformação só pode acontecer com a modificação que a semente do amor incute no âmago dos que sofrem.

Para os dois, você também surge como demoníaca, Sílvia.
Eles se valeram de suas orgias para se alimentarem como no passado e, quando não tinham o que fazer, mais e mais se divertiam nas aventuras que você mesma procurava, sem necessitar da influência deles.

Sua volúpia para o prazer constitui nódoa difícil de ser limpada de sua alma, a não ser pela força do sentimento maternal, expressão verdadeira que pode fazer a mais depravada prostituta escolher uma vida de sacrifícios e devotamento para criar a prole que lhe chegou de surpresa, mesmo que contra a vontade.

Sabemos de seu desejo de matar a vida antes que ela se consolide com o nascimento.
No entanto, isso seria duplo crime que voltaria a pesar sobre os outros muitos que estão esperando pagamento.
Veja estes seres, Sílvia.

— São horrorosos...
— Você também tem culpa nisso, minha filha.
Somos todos o que fazemos uns para os outros.
E ao renascerem por seu intermédio, terão um novo corpo, um rosto diferente, uma organização harmoniosa para que recomecem novamente a trajectória.

— Mas eu não os quero como meus companheiros.
— Eles já são seus companheiros há mais de quinhentos anos.
Por que não transformá-los em filhos para sempre?
Não haverá como fugir do que você mesma praticou um dia.

Entendendo a necessidade da aproximação e da aceitação de sua alma, Félix deu um sinal para que os dois pudessem ser trazidos até onde estavam, o que agitou a mulher, que se mantinha contida pelas forças do ambiente espiritual onde esse encontro acontecia.

E quando chegaram nas proximidades do Espírito de Sílvia que, encolhido, procurava afastar-se, demonstrando repulsa instintiva, os dois antigos exploradores, transformados em comparsas e sócios de orgias sucessivas, traziam o olhar cheio de angústias, ainda mais torturados pelo filme de terror que a mente de Sílvia projectava para eles, no processo do aborto que se aproximava.

— Não mate a gente... não faça com a gente o que a gente fez com outros.
Não queríamos fazer mais mal a você.
No entanto, não sabemos como, acabamos presos ao seu corpo.
Teremos que nascer por você.
Por favor, não nos destrua.
Estamos sentindo as dores do medo e o pavor nos fustiga.
Não temos chance de sair dessa união, a não ser que você seja nossa mãe.

As súplicas eram apavoradas e emocionantes e as duas criaturas, parecendo dois anões, se esforçavam por aproximar-se de Sílvia, que os afastava com as mãos, como se não quisesse qualquer contacto.

Pablo, aquele que se apaixonara pela mulher e a transformara em prostituta dentro de sua própria casa, depois de muito esforço achegara-se mais e, num gesto de supremo desespero, agarrara-se às pernas de Sílvia, suplicando seu perdão, repetindo-lhe as frases de amor do passado distante e tentando, a todo custo, demonstrar um carinho que não fosse o exercício do sexo brutalizado.
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Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 8 Empty Re: Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jun 05, 2014 9:38 am

Sílvia sentia as emoções do pretérito fluírem novamente ao presente.
Aquela voz, aquelas palavras, aqueles sentimentos eram lembranças fortes adormecidas em sua alma.

Felícia reaparecia na superfície de Sílvia.
Seu rosto se transformara, suas roupas passaram a ser aquelas que a serva da casa aceitara usar e, até mesmo alguns dos traços do sofrimento físico que suportara ao longo dos anos se apresentou em seu semblante.

Ao vê-la ressurgida diante de seus olhos, os dois Espíritos que estavam magnetizados ao seu útero passaram a chorar de arrependimento.
Ambos se ajoelharam diante de suas pernas, como míseros culpados, como os que assumiam a gravidade de seus comportamentos, a rogar a complacência de uma nova oportunidade.

— Veja, pai, é ela mesma...
— Sim, Pablo, a mesma beleza de nossos dias de loucura.
Como pudemos fazer isso com ela?
— Sim, pai, como pudemos...

E no gesto mais dramático até aquele momento observado, Ramon abraçou-se a Pablo e, contendo o soluço que lhe dificultava a expressão, exclamou, vencido:
— Nobre mulher, nós... que a exploramos... até hoje... como prostituta... na nossa ignorância... agora... suplicamos,... humildemente,... lhe... rogamos... que... no... nos per... permita... cha... cha... chamá-la de... MÃE!

Existia tanta sinceridade naquela petição, que não havia ali quem não se emocionasse diante dos esforços de Ramon e Pablo em limparem suas consciências dos desvios cometidos ao longo de tantos séculos de iniquidades.

Sílvia, emocionada, não sabia como agir. Suas deliberações eram firmes e a repulsa que mantinha em relação aos dois continuava presente, ainda que a emoção também a envolvesse.

Vendo que chegara a hora das despedidas, Félix reencaminhou os dois à protecção de Espíritos amigos e falou à mulher:
— Agora, minha filha, as decisões estão em sua consciência.
Neste momento, você pode atender à súplica do desespero e, esteja certa de que não lhe faltarão mãos luminosas para honrar e santificar o seu sacrifício.

Diante da nobreza do coração materno, empalidecem todos os conceitos sociais de um mundo hipócrita e oportunista, que valoriza mais as que se prostituem do que as que aceitam se tornarem mães.

No entanto, tudo isso é, apenas, a loucura de alguns momentos na insanidade das sociedades.
Diante dos loucos internados num hospício, que pensar daqueles que os tomem como referências para adoptarem esta ou aquela escolha?

Ignore as palavras más, os conceitos errados.
Assuma seus erros pessoais e enfrente a consequência de todos os equívocos, porquanto Deus perdoa aqueles que se arrependem, mas a lei pune os que querem corrigir seus equívocos escondendo-os com outros piores.

Assuma com coragem e não lhe faltarão amigos invisíveis a lhe sustentarem os passos.
Em todos os momentos difíceis, estaremos autorizados a lhe estender o amparo do trabalho digno, do pão honesto, do descanso necessário e da alegria ao contacto com os antigos desafectos.

Suas noites serão repletas de sonhos de ventura e seus dias encontrarão dificuldades naturais, que serão superadas com o esforço e com a rapidez adequadas.

Se o companheiro se afastar, isso não modificará a natural convivência que você e ele mantêm, como dois estranhos na mesma casa.

Se se fizer necessário, mude de bairro, mude de cidade, mude de vida, e estaremos sempre com você.
Mas se optar pela estrada que lhe parece a mais fácil aos interesses imediatos, a lei a alcançará como aquela que traz ao agricultor os frutos correspondentes ao tipo da semente que colocou na Terra.

Tentaremos ajudá-la sempre, mas, nesta segunda hipótese, o sofrimento moral cobrará um preço que você precisará pagar pessoalmente.
Aos que se entregam no heroísmo da coragem, Deus sustenta como lutadores valorosos, apesar dos erros do passado, das covardias do ontem.

Aos que se pretendam manter nas aparências da coragem, escondendo a covardia por condutas que ocultem a fraqueza, Deus não as pode impedir na queda, remédio amargo que escolhem, a fim de que não se iludam a respeito do erro que cometeram, em ofensa frontal à Verdade.

Ajudará a que levantem também. Ajudará sempre na recuperação.
No entanto, esse será um procedimento de reparação ao mal praticado, enquanto que o outro, será um cântico da Providência ao soldado heróico que enfrenta a luta sem recuar nem fraudar o seu dever.

Pense nisso, Sílvia.
A decisão será sua.
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Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 8 Empty Re: Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jun 05, 2014 9:39 am

E então, Félix autorizou que a mulher fosse levada para casa, naquela noite perturbadora para seus sentimentos femininos, acordada no corpo com a noção clara daquele encontro, com as emoções à flor da pele e a lembrança daquelas duas criaturas que se agarravam aos seus pés, chamando-a de Mãe.

O amanhecer a receberia entre as noções elevadas do Espírito e as conveniências de uma mulher num corpo carnal.
E por mais que o mundo invisível tivesse se esforçado, a viciação mental e a ausência do hábito de orar haviam mantido em Sílvia as raízes da decisão infeliz, no sentido da extirpação da vida.

Na hora marcada, não importando a sensação de dor íntima, o raciocínio frio de que deveria terminar o que havia começado martelava em sua cabeça.

A clínica de aborto era uma outra sucursal daquela organização trevosa que tecia seus tentáculos em diversas direcções sobre aquela comunidade.
Como no escritório de Alberto e Ramos, ali também a atmosfera espiritual era das piores e os que ali trabalhavam carregavam em sua alma as marcas escuras dos comparsas de um mesmo delito.

Médicos, enfermeiros, atendentes, ajudantes, todos os que se locupletavam com a indústria da morte eram estigmatizados pelas forças negativas a que serviam, ainda que seus corpos, roupas e posições materiais lhes garantissem uma aparência de realce social.

Mancomunados com policiais e autoridades que conheciam o negócio e, muitas vezes, dele se serviam a custo zero, a instituição exibia uma fachada de consultório sério, a fim de que não transparecesse o que acontecia em sua intimidade. O seu interior era discreto e bem decorado, de maneira a tentar reproduzir uma clinica de certo nível social.

Senha prévia encaminhava as pessoas para o atendimento ginecológico durante o qual o procedimento seria realizado.
Sacos de lixo vulgar eram usados como receptáculos dos resíduos dos procedimentos, ao mesmo tempo em que entidades perturbadoras ali se agrupavam, ouvindo-se os gritos de desespero, de revolta, de ódio de tantos quantos tinham, estampados em si mesmos, os procedimentos dolorosos da dilaceração.

A atmosfera psíquica pesava intensamente, sobretudo pela agonia dos Espíritos que ali se dementavam nos momentos finais da agressão.
E o que mais angustiava à visão espiritual, era a presença de inúmeras entidades amigas, Espíritos valorosos no amor aos encarnados e desencarnados, seus tutelados, que mesmo naquele momento se mantinham presentes, buscando envolver a pessoa com outras ideias, quem sabe para ajudá-las a modificar a inclinação.

Espíritos dignos do nome com que se dão a conhecer — anjos da guarda — ali demonstravam o tamanho do próprio amor, acompanhando a mulher até o final, lastimando-lhe os actos, chorando pelas faltas que elas cometiam e considerando-se culpados por não terem conseguido impedir que elas caíssem nas teias da equivocação.

Se o leitor querido soubesse o que é ver esses Espíritos verterem lágrimas de dor moral, sentindo-se impotentes e envergonhados pele delito de seus tutelados, jamais se permitiriam cometer o mais pequenino dos erros.

Ao lado das almas que se dementavam no desespero de sentirem o dilaceramento de seus corpos embrionários e das entidades trevosas que os arrebanhavam para usar seu desequilíbrio como factor obsessivo dos mesmos que os haviam expulsado, as entidades amigas pareciam pombas pousadas no interior de chiqueiros, não se importando com os respingos de lama e o mau cheiro, desde que isso pudesse ser uma última tentativa de salvar do equívoco os seres tutelados por esse amor sem condições.

Quando não havia mais jeito, alguns se afastavam do local, esperando a saída de seus protegidos.
Outros se mantinham tentando ajudar os técnicos para que não se entregassem mais a esse tipo de anestesia mental e emocional, motivada pelos interesses materiais e as ambições de posição e conquistas.

No entanto, ainda que ombreassem com entidades perversas e desequilibradas, que as ridicularizavam pelo esforço de salvação, as entidades amigas eram sempre minoria naquele ambiente.

Quando alguma conseguia lograr afastar o tutelado dali, por alguns minutos que fosse, isso já poderia ser considerado uma vitória.

Não era o caso de Sílvia.
Disposta a ir até o final, lá compareceu sozinha, aguardando a sua vez e, assim, submetendo-se ao procedimento, sentindo, no fundo de sua alma, uma mistura de alívio físico e peso na consciência.

Depois de ter sido livrada das incómodas presenças, cuja repercussão nos Espíritos reencarnantes não detalharemos para que não tornemos ainda mais dramática e impressionante esta passagem, Sílvia ficou em repouso em pequena sala de recuperação, acometida por uma crise de choro e atendida por uma fria psicóloga, já acostumada a essa reacção na maioria das mulheres que se submetiam a tal procedimento.

As palavras metálicas e sem emoção procuravam trazer a jovem de volta a uma realidade cruel e sem graça.
Desde aquele momento, no entanto, os dois que haviam solicitado a oportunidade de chamá-la de mãe, apegaram-se a ela na condição de desequilibrados em atroz sofrimento, num misto de angústia e desejo de vingança.

Ao invés de afrouxar os laços inferiores que os unia, a conduta de Sílvia tornou-os ainda mais apertados e dolorosos.
A partir de então, a mulher passaria a sentir o peso da perseguição alucinada em um organismo que carregava, em sua consciência, a culpa pela escolha que fizera.
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Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 8 Empty Re: Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jun 05, 2014 9:39 am

Valendo-nos das lições contidas na mesma obra mediúnica já citada anteriormente4, vale lembrar os ensinamentos imortais a respeito das consequências da conduta abortiva, tanto para a mulher quanto para o homem que dela participa.

4 - Página 236.
[i]"É dessa forma que a mulher e o homem, acumpliciados nas ocorrências do aborto delituoso, mas principalmente a mulher, cujo grau de responsabilidade nas faltas dessa natureza é muito maior, à frente da vida que ela prometeu honrar com nobreza, na maternidade sublime, desajustam as energias psicossomáticas, com mais penetrante desequilíbrio no centro genésico, implantando nos tecidos da própria alma a sementeira de males que frutescerão, mais tarde, em regime de produção a tempo certo.

Isso ocorre não somente porque o remorso se lhes entranhe no ser, à feição de víbora magnética, mas também porque assimilam, inevitavelmente, as vibrações de angústia e desespero e, por vezes, de revolta e vingança dos Espíritos que a Lei lhes reservara para filhos do próprio sangue, na obra de restauração do destino.

No homem, o resultado dessas acções aparece, quase sempre, em existência imediata àquela na qual se envolveu em compromissos desse jaez, na forma de moléstias testiculares, disendocrinias diversas, distúrbios mentais, com evidente obsessão por parte de forças invisíveis emanadas de entidades retardatárias que ainda encontram dificuldade de exculpar-lhes a deserção.

Nas mulheres, as derivações surgem extremamente mais graves.

O aborto provocado, sem necessidade terapêutica, revela-se matematicamente seguido por choques traumáticos no corpo espiritual, tantas vezes quantas se repetir o delito de lesa maternidade, mergulhando as mulheres que o perpetram em angústias indefiníveis, além da morte, de vez que, por mais extensas se lhes façam as gratificações e os obséquios dos Espíritos Amigos e Benfeitores que lhes recordam as qualidades elogiáveis, mais se sentem diminuídas moralmente em si mesmas, com o centro genésico desordenado e infeliz, assim como alguém indebitamente admitido num festim brilhante, carregando uma chaga que a todo instante se denuncia.

(...)

Além dos sintomas que abordamos em sintética digressão na etiopatogenia das moléstias do órgão genital da mulher, surpreenderemos largo capítulo a ponderar no campo nervoso, à face da hiperexcitação do centro cerebral, com inquietantes modificações da personalidade, a raiarem, muitas vezes, no martirológio da obsessão, devendo ainda salientar o carácter doloroso dos efeitos espirituais do aborto criminoso, para os ginecologistas e obstetras delinquentes."

No actual momento social, é importante assinalar que, seja em função de uma decisão pessoal não protegida pela lei, seja por força de uma lei que autorize o extermínio de entidades inocentes, as consequências espirituais para quem se submete, quem pratica, quem autoriza, quem estimula serão inafastáveis, sempre.

Daí, não interessa se o aborto é cometido no escuro das legislações ou sob a égide de sua autorização, isso não retirará dele a marca de um delito nefasto praticado contra a Lei Divina, segundo interesses humanos, exceptuada a hipótese da sua utilização para a protecção da vida materna, em caso de risco.

Qualquer maneira, por mais sedutores que sejam os argumentos de ocasião, corresponderá à prática do delito moral e, as consequências espirituais e psicológicas advindas de sua realização, corresponderão sempre às do crime a macular aqueles que o praticam, de uma forma ou de outra.

Legisladores que o defendam, autoridades que o sancionem, profissionais que o pratiquem sob a garantia da lei que os autorize, pessoas que o estimulem ou defendam, estarão vinculados aos efeitos nocivos a repercutirem sobre si próprios, tanto quanto aqueles que defendem, abastecem, estimulam, preparam o assalto ao património alheio ou aos cofres públicos de uma nação, agravados, no aborto pelo fato de que, nele, a vítima está totalmente indefesa.

Não é por acaso que o fruto de boa parte dos delitos desse tipo, praticados pelas pessoas ao longo dos séculos, tenha sido a necessária perturbação emocional, a se manifestar na vida presente ou na vida futura, em esquizofrenias, neuroses, paranóias e enfermidades físicas limitadoras da capacidade reprodutiva dos seres, além de obstáculos à perfeita exteriorização afectiva.

Não se trata de um filme de terror, queridos leitores.
O que as pessoas estão fazendo, nessa área, é o terror ao vivo.

E alguns estão tentando legalizá-lo como se isso fosse virtude de uma sociedade liberal, esquecendo-se de que se trata de enaltecer a sociedade da libertinagem irresponsável, encaminhando-a para as dores do umbral e da consciência de culpa.
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Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 8 Empty Re: Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jun 05, 2014 9:39 am

39 - FINALMENTE, A REUNIÃO

Nos dois lados da vida, a reunião estava preparada.

Nenhum dos encarnados que dela participaria tinha condições de avaliar a complexidade daquele encontro.
Todos eles, em realidade, tinham os pensamentos e atenções voltados para a oportunidade de desferir seus golpes, no esforço de manter seus domínios ou de conquistar seus objectivos.

As realidades invisíveis, no entanto, eram mais preponderantes do que as arrumações rotineiras que a sala de reuniões daquele escritório solicitava.
Como se explicou antes, periodicamente se faziam estes conclaves colectivos, nos quais os dois grupos que militavam no escritório se encontravam para conversarem sobre problemas gerais, rotinas que precisavam ser alteradas, discussão de casos mais delicados, entre outros assuntos que estariam na pauta principal, elaborada pelos dois proprietários.

Era um dia agitado para todos os envolvidos, principalmente porque nessas reuniões se comunicavam mudanças de rumo, modificações de posição na hierarquia de comando, além de se estabelecerem procedimentos avaliatórios que levavam os participantes ao máximo de estresse.

Inseridos num sistema de produção, a considerar como aceitáveis somente os lucros e as vantagens conquistadas nas diversas acções que haviam sido propostas, acima até mesmo do teor das sentenças obtidas, os integrantes do escritório sempre se viam sujeitos a tais cobranças ou a concretização de metas, de onde a lucratividade do conjunto se verificava, com o pagamento das quotas parte para cada participante, de acordo com o acerto prévio quando do ingresso de cada um naquele sistema de trabalho.

Em realidade, a reunião era conduzida pelos dois proprietários que, depois de abrirem o encontro, explanavam sobre os principais objectivos e sobre a pauta que haviam fixado para o seu desenvolvimento, garantindo, depois, aos demais, o direito da palavra livre, quando outros tipos de assuntos poderiam ser tratados.

Todos estavam presentes, sem excepção.
Letícia, Camila, Sílvia e Marcelo, reunidos em um dos ângulos da sala escutavam as orientações e comentários.
Ao lado deles, Leandro e Alberto mantinham o tom sério e sisudo do encontro, enquanto que, do outro lado, Ramos, Clotilde e seus poucos auxiliares se ocupavam das mesmas medidas, apresentando números e estatísticas.

Até então, nada de diferente das anteriores reuniões.
Cobranças por melhores desempenhos, questionamentos directos sobre a queda da produtividade e das receitas, críticas sobre o aumento das despesas e a diminuição de clientes, tudo isso eram argumentos que os dois proprietários sempre usavam para poderem extrair o máximo de seus colaboradores, ao mesmo tempo em que demonstravam sua liderança e a definição dos objectivos a serem buscados pelos seus funcionários.

Sempre dependentes das remunerações obtidas de sua clientela, os dois proprietários não se limitavam a queixar-se das receitas.
Eram mesquinhos a ponto de acusar frontalmente os próprios colegas, fazendo-os sentir o peso da desconfiança e da dependência económica que mantinham em relação ao próprio escritório que, aliás, haviam encontrado pronto e instalado, quando chegaram para o trabalho.

A fama e a competência daquela agremiação jurídica se fizera graças à astúcia e ao suor dos dois proprietários ali presentes, o que seria suficiente para que todos os demais se sentissem extremamente felizes pelo fato de terem podido ser aceitos para o trabalho que se lhes oferecia, de maneira a que a contrapartida que se esperava de cada um era a absoluta fidelidade e a observância das ordens e disciplinas internas.

Os salários vantajosos que todos recebiam eram suficientemente gordos para comprar todo tipo de idealismo que viesse a colocar em risco a posição dos advogados, sempre dependentes de ganhos incertos para a manutenção de suas vidas e seus caprichos pessoais.

Como todos conheciam os procedimentos de ambos os donos, os outros advogados evitavam contestar qualquer injustiça que se pudessem ser cometidas nas avaliações que eles fizessem sobre o desempenho geral, permanecendo calados para que suas ideias pessoais, suas opiniões e pensamentos não passassem a ser conhecidos dos donos do negócio.

Entretanto, naquela tarde as coisas não seriam como antes.
Envolvido pela afectividade que lhe parecia devotar a jovem e exuberante colega Camila, Marcelo estava pronto para desfechar o golpe contra Leandro, a partir do qual, com o apoio das outras companheiras, conquistado com a utilização de suas fragilidades emocionais e carências, conseguiria atingir o posto cobiçado, tanto quanto impressionar com sua coragem o coração da amada companheira de escritório.

Seu estado era um misto de nervoso e ansiedade.
Ao mesmo tempo, as exortações de Alberto e Ramos iam acrescentando indignação e repulsa ao seu Espírito, pronto para desmascarar aqueles que ali se fantasiavam de honestos, mas cujo desejo era sempre lesar um pouco mais, retirar mais e mais recursos, aproveitar as oportunidades para a vantagem financeira.

Dentro desse clima, Marcelo era consumido pela volúpia de desempenhar o seu papel salvador e purificador da consciência, desmascarando Leandro através da apresentação das provas.

Letícia se mantinha neutra, já que estava confiante nas palavras de Marcelo e sua cumplicidade afectiva estaria sempre pronta a dar a sustentação adequada aos factos apresentados por ele.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jun 05, 2014 9:39 am

Camila aparentava uma nervosa tranquilidade, já que em seu íntimo, sabia que aquela seria a estratégica oportunidade de tudo vir à tona, de todos os factos se apresentarem na sua nudez verdadeira, actuando como grande faxina que acabaria com as perseguições de Leandro e suas desonestas investidas contra seus documentos e pastas.

Sílvia estava um pouco aérea, desatenta.
Carregava no íntimo a lembrança trágica dos momentos vividos dias antes, quando sua decisão acabou com a vida de dois seres que já tinham seus corpos instalados em seu ventre, ainda que estivessem extremamente pequeninos.

Ao seu lado, grudados em sua atmosfera psíquica, como que a inundarem sua consciência com acusações e gritos, os dois antigos sócios de devassidão haviam-se tornado em duas inteligências devotadas ao ódio e à exploração de suas energias.

Para justificar-se perante os colegas, nos últimos dias Sílvia alegava cansaço profissional, coisa que, aliás, era muito natural em todos os que tinham que enfrentar as inúmeras circunstâncias da vida forense.

No entanto, na atmosfera emocional da jovem, as lutas internas, a sensação de ruptura de compromissos, a falta de perspectiva para seguir vivendo nessa mesma insana e desagradável rotina, aliadas à sangria vibratória que lhe era produzida pela ligação com os antigos comparsas, era a causa verdadeira para o seu estado de apatia e indiferença.

Sílvia, na verdade, estava ingressando numa faixa de desequilíbrio emocional, da qual só sairia se adoptasse conduta que pudesse neutralizar tal influência, modificação essa que não seria possível encontrar naquela forma de ser e viver que eram tão comuns e levianas, nas suas rotinas de vida.

Já no ambiente espiritual, as coisas eram muito piores.
Na faixa mais próxima dos encarnados, onde imperava a acção do Departamento que se consolidara na região astral do escritório, as inúmeras entidades se divertiam com as palavras dos donos e, nessas ocasiões, tratavam de influenciar a todos indistintamente, para que as respostas, os comportamentos, as dúvidas e conflitos acabassem produzindo desavenças mentais com as quais todos se alimentavam e desfrutavam a valer.

O Presidente se sentava numa cadeira especial, colocada como se fosse a autoridade clerical nas antigas cerimónias da inquisição.
Ao seu lado, os asseclas se apinhavam, todos os seguidores imediatos e responsáveis pelos intrincados processos de perseguição dos encarnados, desempenhando as actividades que lhes haviam sido seleccionadas pela administração geral.

Tais homens de confiança se sentavam logo ao lado do Presidente e haviam sido, quando encarnados em sua última existência, na sua maioria, políticos, autoridades e advogados notabilizados pela astúcia e precariedade moral.

Faziam coro com eles, os funcionários que os serviam.
Considerados Espíritos de categoria inferior, tais empregados eram aqueles que se mantinham na prestação de serviços à Organização, depois de terem conseguido obter alguns favores.

Entidades perseguidoras e intimamente ligadas aos encarnados se sentavam ao lado deles, responsabilizando-se pela condução da interferência negativa na esfera da vida daquela pessoa, todos com direito a descreverem os factos e a demonstrar a estratégia adoptada na concretização de suas tarefas junto de cada um dos encarnados que vigiavam.

Marcelo era acompanhado pelos homens de confiança do Presidente que, depois de ter perdido os dois que cuidavam de sua influência, substituiu-os por Espíritos ligados a ele próprio.

Camila era observada pelas mesmas entidades, atentas a todo tipo de modificação de roteiro e cientes de todos os desdobramentos decorrentes da importante participação que teria no desenrolar dos factos.

Letícia vinha acompanhada de Gabriel, na indumentária monstruosa com que se apresentava aos olhares assustados dos outros desencarnados, que nem de longe desconfiavam de sua real condição espiritual.

Sílvia carregava a atmosfera aturdida e pardacenta, como já comentado.
Leandro, perfeitamente sintonizado com Alberto, era conduzido pelas intuições inferiores e sabia ser rápido e cruel sempre que necessário, directamente submetido pela influência do Presidente que, supervisionando tudo pessoalmente, controlava Marcelo, Alberto, Ramos e Leandro, sabendo manipular-lhes as inclinações viciosas e conhecendo a sua fraqueza de carácter.

Com excepção de Marcelo, cuja faixa etária menos avançada ainda não lhe permitira afundar tanto no lixo moral como os seus oponentes, os quais haviam conquistado a riqueza material com mais facilidade, os outros três eram pessoas frias, calculistas e perigosas, acostumadas ao jogo do poder, susceptíveis de quaisquer coisas para que se mantivessem na aparente condição de pessoas honradas e ricas.

Marcelo, contudo, como já dissemos, desejava correr o risco para impressionar Camila e galgar um patamar social mais compatível com suas ambições.

Da mesma maneira, Jefferson, o Espírito perseguidor de Luiz e Marisa, ali se fazia presente, observando o resultado das sugestões espirituais que plantara no pensamento de seus perseguidos, com o envio das fotografias e demais documentos incriminadores, no sentido de ferir as pretensões de Marcelo, arruinando a sua reputação na frente de todos os demais.

As demais entidades inferiores que compunham aquele departamento trevoso se apinhavam ao redor da arquibancada ampla que se instalou naquele ambiente, estabelecendo torcidas a favor e contra os integrantes daquele conflito e preparadas para continuarem a agir para a manutenção das influências negativas sobre todos.
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Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 8 Empty Re: Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jun 05, 2014 9:40 am

Eram os empregados, os ajudantes, os membros menores e os inúmeros convidados de outras agremiações inferiores a se congregarem no local, atendendo à convocação da direcção trevosa daquele núcleo.

E graças às medidas do Presidente, com a reunião de inúmeros representantes da tarefa persecutória naquele ambiente, para o qual fora igualmente transferido o centro das decisões da Organização, a atmosfera fluídica espessa interferia no equilíbrio emocional dos participantes daquele certame de ideias e de interesses.

Ao mesmo tempo em que Alberto e Ramos alternavam a palavra sob os olhares atentos dos demais integrantes do escritório, as almas ignorantes que se mantinham ligadas às suas palavras gargalhavam de suas expressões de respeitabilidade, atirando-lhe na face as misérias que ele mesmo já havia cometido ou mandado cometer.

Apupos da plateia cortavam o ar daquele ambiente, sob o escárnio constante dos que, testemunhas invisíveis das condutas inferiores de todos os participantes, sabiam divertir-se à custa das mentiras e da hipocrisia humana, revelando aos demais integrantes daquela inusitada assistência, os lances mais picantes, mesquinhos e podres a envolverem as condutas dos homens que se pretendiam ver respeitados por conta de suas aparências mentirosas.

Eram apenas criminosos mais velhos, diante dos criminosos mais novos aos quais iam passando as artimanhas, as estratégias de seus golpes, as tácticas de sobrevivência, entre outras aulas criminosas.

Estas eram as expressões que se gritavam das galerias.
Alguns dos vivos no corpo podiam contar com uma plateia organizada, de forma que não apenas no ambiente físico é que se podia observar a divisão de interesses entre os de Alberto e os de Ramos.

Também entre as entidades, havia aquelas que aplaudiam um enquanto criticavam ou ridicularizavam o outro e suas equipes, respectivamente.
No mundo invisível, não faltavam os que aplaudiam as falcatruas, as safadezas jurídicas, relatando-as como exemplos de conduta ideal, demonstrando a capacidade profissional daqueles que ali estavam, como modelos de péssimos profissionais, descompromissados com a Verdade.

As notícias de equívocos ou negociatas que ali se divulgavam não tinham o condão de diminuir a consideração desses Espíritos em relação aos seus agentes humanos.
Seus crimes eram notificados no mundo invisível, como forma de se enaltecer a inteligência e a esperteza, levantando expressões admirativas entre os que ali se ajuntavam, no espectáculo deprimente de inteligências que negam a si mesmas as condições da racionalidade.

Marcelo, inexperiente, pensava que seu plano seria vitorioso, sem supor que para se derrubar um rinoceronte são necessários mais do que alguns espinhos.

E eram somente espinhos que ele possuía como provas de suas acusações.
Algumas fotografias e o depoimento de algumas das amigas de escritório contra outro colega ali presente.
Na arena daquele circo, nos dois lados da vida, não faltavam os acusadores, os defensores, o público insano, as feras prontas a devorar os incautos.

De igual sorte, envolvendo a todos e por cima da estrutura espiritual inferior, a teia luminosa do Bem se estendia.
Assistindo a tudo aquilo, guardando a serenidade possível para aquele momento, tão importante, de definições, Félix, Alfonso, Magnus e toda uma pleiade de almas luminosas se mantinham em oração, rogando a Jesus que os ajudasse a conseguir modificar o rumo das vidas humanas, sem que isso correspondesse à violação de suas vontades e de suas liberdades.

Limitados pelo respeito à Lei do Universo, os Espíritos superiores tinham que amparar aos que ali se achavam sem usarem dos mesmos métodos de que os maus se utilizam, valendo-se da persuasão e do convencimento, da demonstração da verdade e do reencontro com as almas amadas, as quais continuam, ainda que de longe, vibrando pelos que amaram.

O ambiente acima daquele escritório se tornara especial, com o envolvimento subtil das linhas de energia a impedir que as mais de duas mil entidades inferiores ali reunidas, incluindo aquele que as dirigia, pudessem dali se afastar, garantindo assim que, na pior das hipóteses, aqueles que não aceitassem a modificação de conduta, seriam envolvidos pelos fluidos anestesiantes e encaminhados a processos de recuperação lenta da consciência, possibilitando um alívio ao ambiente material e psíquico da sociedade terrena onde exerciam seus intentos de perseguição e domínio.

Interessado nesta questão, sobretudo no dilema de coibir o mal e de respeitar o livre-arbítrio das entidades maldosas, Magnus indagou:
— Até que ponto os Espíritos superiores consideram necessário respeitar as deliberações negativas das entidades ignorantes?

Escutando-lhe a pergunta de aprendiz interessado e sincero, Alfonso salientou:
— Querido irmão, a sabedoria do Universo tem recursos para agirem todas as direcções, dentro de todos os padrões de concessão e responsabilidade correlata.
Se as leis estabelecem a questão da liberdade como património inalienável do ser, a Lei de Progresso estipula que a ninguém será permitido permanecer estacionário, por omissão, preguiça ou maldade.

E se as forças do Amor são capazes de visitar o cárcere do alienado no mal, que matou seu semelhante para tomar-lhe um par de sapatos, de forma ainda mais determinada se ocupa em garantir aos que lutam no caminho recto do Bem, as condições de trabalho e realização dos ideais que esposam honestamente e com desinteresse.

Sempre chega o tempo em que os que escolheram o mal por interesse encontram o limite da Lei Universal. Se lhes é permitido fazer o mal, isso não quer dizer que possam eternizar-se no mal.
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Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 8 Empty Re: Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jun 05, 2014 9:40 am

Diante das necessárias regras do Espírito, atendendo aos mecanismos de transição já instalados na Terra de agora, as forças do Bem estão autorizadas a promover as medidas necessárias à transformação pela conscientização quanto ao erro praticado.

Confrontados com seus crimes e surpreendidos em suas condutas mesquinhas, as almas que entenderem o tamanho de seus débitos, aceitando o convite da transformação, serão encaminhadas aos núcleos de auxílio preparados para recebê-las no plano invisível onde nos encontramos, aliviando a psicosfera do planeta e conduzindo para o tratamento os enfermos mais renitentes que aceitaram a terapia.

No entanto, franqueada a possibilidade do reajuste a todos, os que não a aceitarem já não poderão ter a oportunidade de permanecerem nas mesmas condições, como se pudessem ridicularizar as forças que governam a vida, impunemente.

Sem agir como quem se vinga, o Amor garante a cada um o direito de receber aquilo que semeou e que colherá, indefectivelmente.
Por isso, qual imensa transferência de um presídio velho que está sendo reformado, para outro que possa garantir aos detentos condições de recuperação, sem deixar de ser uma casa prisional, grandes comboios já estão retirando da superfície do planeta a massa disforme e inferior das entidades aqui enraizadas há milénios, encaminhando-as a outros planos adequados à transformação de suas mentes, ao contacto com as regras disciplinadoras da vida espiritual.

Assim, Magnus, aqueles que aqui não aceitarem a convocação superior para que se reajustem, estarão compelidos por suas próprias escolhas a seguirem nesse comboio de transferência, encaminhados para planetas semelhantes àquele que a Terra está deixando de ser, uma vez que se dirige para a transformação moral e vibracional que lhe facultará o ingresso nas faixas de mundo de regeneração.

Entendendo as referências claras, comparando-as às Verdades já estudadas em diversas outras situações, Magnus ponderou:
— Sim, é o processo da separação do joio e do trigo, não?
— Exactamente, meu filho.
Através das atitudes vivenciadas livremente nos dias de hoje, cada um de nós estará marcando seus passos com a lama ou com a luz que já possua ou tenha desenvolvido em seu íntimo.
Não mais a artificiosa conduta dentro das igrejas, no seio das religiões diversas.

O que vai imperar nesse processo é o teor de vibrações próprias de cada um, a autorizar a sua qualificação como a dos que aceitam a mudança ou a daqueles que a querem obstar, imaginando que um planeta lhes pertença para toda a eternidade.

Tais Espíritos, agora pressentindo a chegada da última hora, estão se agitando em todas as dimensões espirituais do orbe.
Não apenas na multiplicação de guerras e distúrbios sociais no ambiente encarnado.
Estão em todas as faixas inferiores que circundam a Terra e aquelas que, inclusive, se acham abaixo da superfície.

Em todos os lugares, como se fossem almas penadas levantando de seus túmulos, saem para defender os privilégios criminosos, as condutas permissivas e imorais, as forças mesquinhas que vitimaram multidões sob suas armas, chicotes e bombas.

A agitação é imensa em todas as áreas das faixas inferiores.
No entanto, de todos os lados acorrem almas nobres, no sentido de se martirizarem por amor ao Pai e aos irmãos encarnados, mergulhando na estrutura física do planeta, renascendo em corpos de crianças dotadas de outros padrões de energia, alterando, com sua bondade natural, seu pendor para as artes, seu talento para o belo e seu desejo de transformação, toda a paisagem social fumegante que tais Espíritos deportados estão tentando produzir no ânimo de seus irmãos vivos no corpo de carne.

Há, assim, Magnus, uma verdadeira estrada luminosa entre os dois planos, através da qual, seres melhores começam o processo de povoamento da nova Terra, com esforços na vivência das virtudes do Amor e da Paz, ao mesmo tempo em que os seres renitentes nas velhas fórmulas viciosas se vêem compelidos a abandonar a carcaça biológica que lhes serviu de protecção, antes que a possam reduzir a escombros, inutilizando-a ao mesmo tempo em que se matam.

Garante-se a todos os envolvidos, dessa forma, a oportunidade de escolha e a responsabilidade por aquilo que decidiram para seu futuro.
O que seria impraticável é imaginar que Deus, distraído, não estivesse ocupado em dar uma definição para as questões morais da sociedade humana em crescimento.

E se o Pai se serve do Amor para modificar o caminho, indicando a melhor rota, não nega aos que não o aceitem a possibilidade de prosseguirem pela estrada dolorosa da experiência sofrida, aquela que, da mesma forma, os reconduzirá à maturidade espiritual.

Por isso, aqueles que aqui se acham envolvidos nesta trama infeliz, encarnados e desencarnados, estão tendo suas derradeiras oportunidades de acção, não se lhes negando a última chance para arrependerem-se e aceitarem ingressar nos departamentos existentes em nosso plano para o tratamento e a desintoxicação dos fluidos deletérios do mal, inoculados em suas almas pelos pensamentos e sentimentos inferiores.

É assim, Magnus, que se caracteriza o fim dos tempos.
Estão se implementando as medidas para que cheguem ao final os tempos da Maldade.
Para que isso aconteça, os maus desejarão se transformar ou serão transportados para outros lugares com os quais se afinizem pela identidade de suas vibrações inferiores.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jun 05, 2014 9:40 am

Outros lugares que estão brilhando no céu nocturno como outras moradas na casa do Pai.
Outros mundos que farão o papel de mundos prisão e mundos escola, simultaneamente.
As orientações eram muito interessantes, uma vez que não se tratava, então, apenas de um procedimento para transformação daqueles que ali se achavam.

Era uma acção deliberadamente autorizada pelas forças superiores com a finalidade de cooperar com a limpeza vibratória do mundo físico, preparando a futura instalação do Reino de Deus no coração das pessoas.

E para que isso pudesse acontecer, importava que as estruturas velhas ruíssem e fossem substituídas por outras, mais novas, no curso das décadas.
Magnus entendia, então, que não se tratava de uma sucessão de cataclismos e acidentes telúricos, apenas, que iriam propiciar essa modificação.

Ainda que eles acontecessem em função das modificações ambientais, o movimento espiritual estava propiciando a alteração do padrão vibratório dos que seriam admitidos na atmosfera planetária, estimulando os bons a se manterem no caminho do bem e analisando nos outros se havia sincera disposição em desenvolver tais sentimentos, sob pena de, não se mostrando possível esse crescimento a curto prazo, a transferência se fazer, compulsória, para ambiente adequado e equivalente em barbárie e inferioridade.

Assim, queridos leitores, não imaginem que não existam, nas inúmeras estrelas e planetas que pendem sobre as nossas cabeças, aqueles onde a carne humana ainda é devorada, crua, nos rituais da alimentação antropofágica, nos clãs e tribos que cultuam os ritmos frenéticos dos batuques.

Nesses lugares, sempre haverá espaço para aqueles que, na Terra, gostam de participar de gangues, de arruaças, de violências.
Haverá espaço para os que se ocupam da destruição de construções, de estruturas sociais, a fim de que, utilizando todos os seus potenciais agressivos, se ponham a destruir rochas, a escavar cavernas e a pichar seus interiores.

Se observarmos bem, talvez pudéssemos encontrar em nossas pinturas rupestres as manifestações dos primeiros pichadores, transferidos para este planeta com a finalidade de corrigirem-se e de melhorarem as suas estruturas, num passado longínquo.

Aos que se dedicam à desordem haverá bastante espaço para ocupar.
Aos que se deixaram arrastar pela sexolatria, não faltarão fêmeas primitivas para lhes servirem de companheiras no exercício genético.

Aos que não resistiam aos bailes devassos e violentos, haverá possibilidades multiplicadas de reproduzi-los nas numerosas refregas entre tribos e grupos, à beira de lagoas barrentas, onde se fartarão da água salobra.

Aos que exercitam a violência como sinal de liderança, turbas primitivas estarão preparadas para seguir os brados guerreiros que tanto lhes agradam.

Aos que gostam de roubar o património dos governados, não faltarão pirâmides a construir, durante cuja edificação poderão malversar toda a série de recursos que desejem, até que sejam flagrados, presos, torturados e punidos.

E enquanto esse novo mundo vai saindo do primitivismo grotesco para as fases iniciais da civilização da barbárie, a Terra, expungida de tais elementos, poderá seguir em seu rumo de crescimento, como palco para novas realizações do Espírito humano, elevado à condição de Espírito luminoso e esclarecido.

Mas para que tais definições pudessem acontecer, seria necessário que todos, encarnados e desencarnados de nossa história, pudessem agir com liberdade e escolher seus caminhos, segundo seus interesses.

Por isso é que o mundo espiritual superior permite que exercitemos nosso livre-arbítrio.
Sem ele, nunca demonstraríamos quem, efectivamente, nós somos.

Alberto e Ramos haviam terminado a sua arenga irritante e provocadora.
Agora, a palavra estava franqueada aos outros integrantes da reunião.
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Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ - Página 8 Empty Re: Série Lúcius - Despedindo-se da Terra / ANDRÉ LUIZ RUIZ

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jun 05, 2014 9:40 am

40 - MARCELO, AS DENÚNCIAS E AS SURPRESAS

Em geral, poucos faziam uso da palavra depois que os mais importantes davam o seu recado.

Alguns assuntos internos ou problemas jurídicos mais intrincados eram discutidos e as rotinas não se alteravam.
No entanto, naquele dia, envolvido pela emoção e pelo nervosismo, Marcelo actuaria de modo diferente, trazendo na ideia a certeza de que aquele era o momento crucial de todos os seus últimos meses, dedicados à preparação do golpe fatal.

Imaginava que, com suas informações, cooperaria para a modificação de certos comportamentos tanto quanto para o alerta dos responsáveis pelo escritório, sobretudo no que dizia respeito ao tráfico de influências, à pressão psicológica, à extorsão de clientela.

Assim, com os documentos que trazia, como se os tivesse conseguido por sua própria iniciativa, Marcelo começou dizendo:
— Senhores, gostaria de sua atenção para trazer ao conhecimento de todos um assunto delicado tanto quanto muito grave.

Diante de sua iniciativa, os demais fizeram silêncio e se puseram a escutá-lo.

— Acabamos de ouvir à exortação de nossos maiores sobre o aumento de lucros, a acção mais diligente e a conquista de maior mercado para que o resultado final possa ser ampliado.
Todos temos nos empenhado nisso como a motivação de nossas vidas.
Afinal, é daqui que retiramos nosso sustento e concretizamos nossos ideais pessoais.

Longe se encontra o tempo em que nossa ingenuidade acreditava na lisura da Justiça, na isenção de autoridades, na correcção de condutas de funcionários, na exacta construção das instituições.

A prática e a experiência nos balcões de cartório e salas de audiência, nos departamentos administrativos e nas repartições públicas tirou-nos a ingenuidade que trazíamos no início, a respeito de que cada um cumpriria seu dever, sem nada pedir em troca:
o funcionário trabalhando eficazmente, a autoridade agindo com lisura, as instituições sendo governadas por homens íntegros.

Logo pudemos nos deparar com outra realidade, governada, em verdade, pelo deus dinheiro.
Em todas as partes, com raríssimas excepções, a conquista de objectivos esbarra nas necessidades de gratificação, de presentes, de propinas, enfim, naquilo que conhecemos por inumeráveis nomes, mas que, no fundo, são a mesma coisa: corrupção.

Quando tais procedimentos se impõem para que desempenhemos as tarefas que nos cabem, não devemos nos esquecer de que cabe ao cliente que nos contratou a responsabilidade efectiva por aceitar o jogo das propinas e financiá-las, a menos que o advogado faça parte do processo de corrupção de maneira consciente e livre.

Se o cliente aceita e nos autoriza a entrarmos no jogo para defender seus interesses nos valendo dessas práticas, a princípio isso é problema dele.
Ainda pesará sobre nós, entretanto, a questão ético-moral de nos inserirmos nessa ciranda de desonestidade, que cada um lida à sua maneira no foro da própria consciência.

No entanto, estamos nos vendo surpreendidos por procedimentos que trazem a corrupção para dentro destas paredes, a macular todos os nossos "currículos", expondo-nos a juízos perigosos e favorecendo que acabemos nos auto-destruindo.

O tom grave fazia o silêncio do ambiente ficar ainda mais pesado.

— Podem os senhores estar imaginando que se trata de um discurso teórico de indignação idealista, como se estivesse a falar das realidades filosóficas da vida jurídica.
No entanto, estou me referindo a factos concretos.

Certo dia, um cliente me procurou com a seguinte indagação:
“Doutor, porque o senhor não faz em meu processo, a mesma coisa que certo advogado do seu escritório fez com o caso do meu tio?”

E surpreso, então, pude descobrir que o advogado do tio havia marcado um encontro para receber dinheiro grosso a fim de que, com isso, comprasse as autoridades que deveriam decidir o seu problema.

Então o cliente que me procurava esperava que eu fizesse a mesma coisa no caso dele, porque a esse preço, conseguiria atingir o objectivo, direito esse que não tinha nenhuma base legal para ser conquistado.

Expliquei que não fazia tal coisa, mas, para minha surpresa, ele reforçou a informação e deu as cifras de quanto o tio pagou para ter o seu caso resolvido favoravelmente.
Alertado para esse estado de coisas, passei a adoptar algumas condutas que me pudessem respaldar nas afirmativas que estou fazendo nesse momento.

E graças a isso, pude reunir elementos de prova que trago à mesa para conhecimento de todos, afirmando que as nossas receitas não têm sido maiores porquanto elas têm permanecido nas mãos de alguns que as guardam para si mesmos, transformando-as em carros novos, viagens e outras vantagens que, conseguidas através de fraude, além de não beneficiar aos demais colegas desta sala, ainda comprometem a sua honradez e o seu carácter.
Ave sem Ninho
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