LUZ ESPÍRITA
Gostaria de reagir a esta mensagem? Crie uma conta em poucos cliques ou inicie sessão para continuar.

Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo

Página 4 de 8 Anterior  1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8  Seguinte

Ir para baixo

Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo - Página 4 Empty Re: Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Abr 23, 2020 8:24 pm

Podes ficar descansado.
Ficarei atento.
Ciro colocou a mão em meu ombro com expressão séria:
- Confio em ti, meu filho.
Depois, como meu pai me dispensasse para cuidar de outros assuntos, agradecido beijei-lhe a mão direita, afastando-me.
Respirava mais aliviado.
A verdade é que, em hipótese nenhuma, sairia de Ecbátana nesse momento.
Desse dia em diante, iniciaram-se os preparativos para a partida.
Verificavam-se os materiais bélicos, afiavam-se as armas, providenciavam-se os equipamentos de campanha, as tendas, os víveres, a água, que seria transportada em barricas, aprestavam-se os animais e tudo o mais necessário para um trajecto de longo curso.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo - Página 4 Empty Re: Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Abr 23, 2020 8:25 pm

15 - Ligeiros dados históricos
Para entender os factos em curso, faz-se necessário deslocarmo-nos, no tempo e no espaço, a época em que tudo começou.
Ciro 2º, o Grande, da Pérsia, fundador da Dinastia Aquemênida, era um príncipe com ascendência na casa real dos medos, povo que dominava o planalto iraniano.
Astiages, seu avô, herdou do pai, Ciaxares (625-550 a.C.), o maior rei da Média, um extenso território, que compreendia a Pérsia, a Assíria e a Média.
Os povos medos e persas, habitantes do planalto iraniano, pertenciam ao grupo dos indo-europeus, que viviam nas estepes orientais do mar Cáspio e denominavam-se ários (isto é, nobres).
Os povos medos estabeleceram-se na parte setentrional dos montes Zagros, próximo da Assíria, por volta do século 9 a.C.
Eram de estatura elevada, valentes e bons cavaleiros.
Dedicavam-se à agricultura e ao pastoreio.
Trabalhavam vários metais, entre eles o ouro, o cobre, a prata, o bronze.
Astiages, sucessor de Ciaxares, recebendo a herança, resolveu gozar a vida.
Diante do exemplo do Imperador, o povo abandonou a moral severa e a vida simples que levavam.
A riqueza, conquistada muito rapidamente, subiu-lhes à cabeça, fazendo com que não a usassem com sabedoria e parcimónia.
As classes altas passaram a ter gastos desmedidos com luxo, festas, roupas, e as mulheres não dispensavam cremes e jóias.
Com a decadência dos valores morais, a justiça passou a ser desprezada.
Astiages, conforme relata o historiador Heródoto, desentendendo-se com seu mordomo, mandou matar-lhe o filho.
Harpago, cheio de dor e revolta, manteve seu ódio pelo tirano através dos anos e vingou-se, muitos anos depois, ajudando Ciro, o brilhante rei da dependência meda de Anshan, na Pérsia, a depor Astiages, seu avô, déspota de Ecbátana, derrotando-o.
Levado Astiages para julgamento, Ciro, generosamente, poupou-lhe a vida.
Marchando para a capital da Média, Ecbátana, entrou como conquistador, e os próprios medos festejaram sua vitória, e sem maiores problemas receberam-no como o novo soberano.
Por acordo, a posição entre os remos se inverteu, e a Pérsia, que era submetida à Média, passou a ser senhora, preparando-se para dominar também todo o Oriente Próximo.
A parte ocidental da Anatólia era ocupada pelo reino da Lídia, ao qual estavam submetidas às colónias gregas da costa da Anatólia, cujo rei Creso (570-546 a.C.) conspirava contra a Pérsia.
Sabendo disso, Ciro, com uma hábil estratégia, dominou a situação em virtude da maior resistência dos seus camelos, contra os quais a cavalaria adversária não podia lutar.
As tropas lidias debandaram e o rei persa ocupou Sárdis, sua capital, depondo Creso, seu rei, em 546 a.C.
Humilhado, o rei lidio mandou erguer uma grande pira funerária, na qual subiu com a família, sua esposa e os filhos, e com os demais nobres sobreviventes do combate, ordenando aos servos que a acendessem.
Não queria sobreviver à terrível derrota.
Nos últimos momentos, arrependeu-se de tudo o que havia feito, Ciro, que era generoso, apiedou-se da tragédia de Creso e mandou apagar o fogo, levando o antigo rei lidio para a Pérsia e fazendo dele um de seus melhores e mais leais conselheiros.
Tendo conquistado a Lídia, não lhe foi difícil, mais tarde, dominar as cidades gregas, que resistiram durante vários anos, desde Cnido até o Helesponto, excepção feita a Mileto, que preservou sua independência por ter-se recusado a ajudar os outros estados gregos, seus irmãos.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo - Página 4 Empty Re: Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Abr 23, 2020 8:25 pm

Ambicioso e incontentável, Ciro lançou seus olhos sobre a Mesopotâmia, partindo para a conquista da Babilónia, a poderosa cidade que dominava toda a região entre os rios Tigre e Eufrates.
Para isso, aproveitou-se da impopularidade de Nabonido, rei babilónio, que não se ocupava da administração do reino, deixando o governo e dedicando-se à arqueologia e à escavação das antiguidades da Suméria, enquanto seu reino se desfazia.
O povo, mergulhado nos prazeres, abandonou as artes da guerra, e a desordem invadiu o exército;
os homens de negócios partiram para actividades financistas com outros povos, esquecendo-se da pátria.
Os sacerdotes usurparam todo o poder real, acumulando imensas riquezas nos templos, a tal ponto que o povo passou a rejeitá-los.
Era essa a situação que Ciro encontrou ao investir contra a Babilónia.
Quando o rei persa aproximou-se da grande cidade com seu disciplinado e invencível exército, em fileiras intermináveis, causou viva impressão em seus habitantes.
Aqueles que eram contra os sacerdotes coligaram-se e abriram-lhe as portas da cidade, recebendo-o como libertador.
Ciro, magnânimo por natureza, tinha uma postura diferente dos outros soberanos de sua época.
Não saqueava as cidades, não destruía seus templos e, ao contrário, mostrava respeito pelos vencidos e por suas crenças.
Os babilónios, que haviam resistido por tanto tempo, acalmaram-se quando lhe viram as nobres atitudes para preservar os templos babilónicos e honrar seus deuses.
Após dominar a cidade (539 a.C.), o rei persa mandou preparar uma cerimónia em que ofereceu sacrifícios às divindades locais, e consagrou-se rei no templo de Marduk, o que o tornou simpático e confiável aos vencidos.
Líder carismático, destacava-se invariavelmente por sua generosidade perante os vencidos, gerando gratidão e lealdade dos povos.
Foi o que aconteceu também com os judeus.
Conforme registam os textos bíblicos, Isaías profetiza afirmando que a Pérsia será o instrumento da libertação dos judeus.
Ciro é invencível; tomará a Babilónia e os libertará.
Teria o rei persa recebido uma mensagem de origem divina que o ordenava a enviar de volta à Palestina todos os judeus cativos que viviam na Babilónia, o que se confirmou por meio de uma famosa declaração de Ciro que, em 537 a.C., autorizava os judeus a regressarem à Judeia, terminando com o período do Cativeiro Babilónico, iniciado quando Nabucodonosor tomou Jerusalém, queimou toda a cidade, destruiu o Templo de Salomão e levou para a Babilónia, como escravos, toda a população da cidade.
Ciro restituiu aos judeus o que restara dos tesouros públicos que Nabucodonosor saqueara do Templo de Salomão e ordenou que as comunidades em que viviam os judeus lhes fornecessem recursos para a grande viagem de retorno à pátria distante.
Apesar de seu gesto generoso, certamente Ciro decepcionou os judeus com sua maneira diferente de ser.
Os cativos, incontentáveis, desejavam mais.
Esperavam que o conquistador destruísse a cidade que os mantivera escravos, mas, ao contrário, ele havia respeitado os babilónios e suas crenças, deixando os judeus indignados, embora agradecidos.
Ciro só teve a ganhar com sua magnanimidade.
A Palestina, situada em posição estratégica nas rotas comerciais do Egipto, ficou guarnecida por um povo agradecido ao soberano persa e disposto a defendê-lo.
Esse episódio da tomada da Babilónia ainda lhe rendeu a lealdade dos fenícios, povo hábil na arte da navegação, respeitado e admirado por todo o mundo conhecido e que viria a se constituir na base da marinha persa, anos depois, tornando-se factor decisivo na acção pelas conquistas na Trácia e nas guerras contra os gregos.
Era essa a situação política no momento em que transcorre a nossa história.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo - Página 4 Empty Re: Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Abr 23, 2020 8:25 pm

16 - Reencontro
Aliviado por convencer o Imperador a deixar-me permanecer em Ecbátana, seguido por Rafiti caminhei pelo palácio atravessando salas e galerias, corredores e terraços, até descer uma escadaria que conduzia a um pátio.
Dentre as inúmeras portas que davam para esse pátio, parei diante de uma maior e mais pesada.
Rafiti retirou da algibeira uma chave e a colocou na fechadura, destravando-a.
A porta se abriu rangendo nos gonzos.
Em seguida, entramos, e ela se fechou novamente, após o que Rafiti guardou cuidadosamente a chave.
Respirei fundo e caminhei pelo corredor que se me deparava.
Cerca de duzentos passos adiante, descemos uma escadaria em caracol, chegando a outro corredor com portas de ambos os lados.
Diante de uma delas, aguardava-nos Malec.
- Como está ela? - indaguei.
- Mais calma, senhor.
- Muito bem. Abre a porta, Malec.
Ambos deverão aguardar-me aqui.
Peguei uma tocha que ele me entregou e, com o coração disparado, entrei.
Era uma cela limpa;
como mobiliário, havia apenas um leito, uma pequena mesa sobre a qual fora colocada uma candeia de azeite e um banco tosco de madeira.
No ar, um cheiro de humidade e mofo, pela falta de sol.
Num canto, espremida contra a parede, de cócoras, eu a vi tremendo de medo.
Dirigi-me a ela com voz mansa, tentando tranquilizá-la:
- Nada temas, linda donzela.
Não te farei mal algum.
Ansiava apenas conhecer-te e, como te recusaste a vir, meus homens foram obrigados a trazer-te contra tua vontade.
Peço-te desculpas pela grosseria deles.
Puxei o banco e sentei-me, desejando parecer descontraído, enquanto a observava disfarçadamente.
- Como te chamas?
- Neila - respondeu em voz baixa depois de alguns segundos.
- Aproxima-te, Neila.
Não tenhas receio. Vamos conversar.
A jovem pareceu pensar por alguns segundos, depois, decidindo-se, ergueu-se lentamente e deu dois passos em minha direcção.
Ergui os olhos e só então, à luz do archote, vi seu rosto.
Ela estava toda desarrumada, as roupas em frangalhos, a cabeleira em desalinho;
seu porte, porém, era elegante e os braços, roliços e bem torneados, terminavam em delicadas mãos.
Seu peito arfava, de medo e raiva com certeza, e o colo que surgia sob o decote da blusa mostrava uma pele lisa e veludosa.
Cheio de emoção, fitei o pescoço fino e longo que se abria qual uma flor, numa cabeça soberba, cujo semblante era lindo.
Na pele perfeita e delicada, branca como leite, a boca surgia rosada, carnuda e bem-feita; o nariz era pequeno, e os olhos dois lagos de um verde profundo, que longos cílios tentavam esconder;
tudo isso cercado por uma moldura de cabelos vermelhos e sedosos, cujos cachos caíam-lhe pelos ombros.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo - Página 4 Empty Re: Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Abr 23, 2020 8:25 pm

Prendi a respiração.
A emoção era tanta que eu não conseguia falar.
Naquele momento, difícil definir as sensações que me tomavam de assalto.
Um sentimento de vitória por tê-la ali, um imenso prazer pela sua presença, mas também um misto de repulsa e desejo de fazê-la sofrer, agora que a tinha sob meu poder.
Mas, por quê?...
Parecia-me que semelhantes sentimentos eram muito antigos e longamente acalentados, como se eu a houvesse conhecido antes.
No entanto, jamais a tinha visto!
Como conciliar essas sensações?
De repente, notei que a jovem caía a meus pés, súplice:
- Senhor, pelos deuses, liberta-me.
Sou apenas uma donzela do povo, de família paupérrima, e que só deseja sua liberdade.
Piedade, meu senhor!
Sua voz, que eu ouvia pela primeira vez, agitou-me as fibras mais profundas.
Coisa estranha!
Vê-la a meus pés, suplicante, enquanto lágrimas corriam de seus lindos olhos, causava-me incontida satisfação.
Tomando de sua mão, eu falei, afinal:
- Levanta-te, minha bela.
Comigo terás tudo o que nunca tiveste:
presentes, roupas luxuosas, jóias, tudo.
Viverás cercada de escravos cuja única obrigação será satisfazer todas as tuas vontades.
Vem comigo. Esta cela é indigna de ti.
A partir deste instante viverás na opulência.
- Senhor, misericórdia! Não sou só.
Meu pai, velho e doente, precisa de mim.
Deixa-me cuidar dele. Não temos nada.
Ser livre é nosso único bem!
Piedade, senhor!
- Jamais! A única coisa que não poderei conceder-te é a liberdade.
Mas não te preocupes, minha bela.
Teu pai será bem tratado e terá tudo o que precisa.
Acompanha-me.
De repente, notei em seus olhos um brilho rancoroso e vingativo, conquanto fugaz.
Era como se os verdes lagos tivessem sido agitados por uma tempestade.
No momento seguinte, a expressão havia mudado, voltando à calmaria.
Por certo me enganei, pensei, enquanto batia na porta, que logo se abriu.
- Leva-a para as acomodações que conheces.
Mais tarde irei vê-la - ordenei a Rafiti.
Saímos. Chegando ao pátio, tomei o caminho de meus próprios aposentos, enquanto meus guardas a acompanhavam rumo a uma nova vida.
Depois de algumas horas - dando o tempo necessário para que a preparassem devidamente -, encaminhei-me para as régias instalações que mandara preparar especialmente para ela.
Levantei a cortina e Neila surgiu mais bela do que nunca.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo - Página 4 Empty Re: Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Abr 24, 2020 8:01 pm

As escravas a haviam banhado e perfumado;
vestia um magnífico traje verde-água que lhe realçava a cor dos olhos;
a bela cabeleira de fogo fora penteada e trançada com mimosas flores.
Jóias e adereços contornavam-lhe o alvo pescoço e os braços, tornando-a ainda mais linda.
Ordenei que ela se sentasse em macios coxins, no que a acompanhei.
Bati palmas e, com um gesto, ordenei que nos servissem.
A prisioneira mantinha-se calada e melancólica.
A um ligeiro sinal, duas bailarinas puseram-se a dançar ao som de instrumentos tocados por eunucos.
Em seguida, escravas aproximaram-se trazendo bandejas com carnes frias, frutas diversas, ao natural e açucaradas, e bebida.
Ela mal tocou nas iguarias; comeu apenas uma tâmara e bebeu um pouco.
Após algum tempo a seu lado, tentando conversar e ouvindo apenas monossílabos em resposta, percebi que estava cansada.
Resolvi deixá-la repousar.
Levantei-me e ela me acompanhou.
- Neila, descansa.
Foi um dia estafante para ti.
Amanhã voltaremos a nos ver.
Se desejares alguma coisa, qualquer coisa, não hesita em pedir; os escravos têm ordem para satisfazer-te todas as vontades.
Que os deuses te propiciem bons sonhos.
Ela inclinou-se, calada, e eu saí, buscando meus aposentos.
Era tarde e sentia-me exausto.
Precisava repousar também.
Pensar em tudo o que acontecera, colocar meus sentimentos em ordem.
Naquela noite voltei a ter pesadelos terríveis, sonhando com aqueles seres demoníacos que tanto me perturbavam.
Despertei no dia seguinte cansado e com o corpo todo dolorido, como se tivesse sido torturado.
Por alguns dias não pude ver Neila.
O Imperador requisitava-me a presença a todo instante, em virtude dos preparativos para a partida.
Queria saber minha opinião sobre esse ou aquele assunto, dava-me tarefas que ele julgava importantes e que só eu poderia executar.
Colocava-me a par de assuntos pendentes, cuja solução ficaria sob minha responsabilidade.
Tudo isso me impedia de ver minha bela cativa.
Contudo, saber que em poucos dias ficaria livre, sozinho, dono de meus actos e da minha vontade, fazia-me criar ânimo novo e, por isso, obedecia às exigências de meu pai com atenção e devotamento.
Era sempre um espectáculo digno de nota a partida do exército persa.
Um ambiente de euforia e entusiasmo tomava conta do povo.
Uma multidão se aglomerava para ver a apresentação pública da imponência e do luxo do Imperador, seguido da guarda imperial, os pelotões formados pelos descendentes das mais ilustres famílias do reino;
os soldados simetricamente postados em fileiras;
os artefactos de combate, os animais, as carroças com géneros alimentícios e tudo o mais que pudessem precisar numa viagem de longo curso.
Tudo isso ao som de tambores que marcavam a cadência dos passos da soldadesca.
As bandeiras desfraldadas, os símbolos do império persa reluzindo ao sol, produziam verdadeiro frenesi na multidão, que aplaudia aos brados de vitória.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo - Página 4 Empty Re: Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Abr 24, 2020 8:01 pm

Quando tudo já estava em ordem, cada qual no seu lugar, parados para a partida, só então surgiu Ciro, no cume das escadarias do palácio imperial, encaminhando-se com passos firmes para seu posto no comando das tropas, sob a ovação frenética do povo, que delirava de entusiasmo.
E, então, a imensa caravana pôs-se em marcha.
Por algum tempo ainda, parte do povo os seguiu com entusiasmo depois de deixarem a cidade, talvez com a sensação de que, naquele momento, também fazia parte do exército.
Depois, as pessoas retornaram aos poucos, cansadas, mas satisfeitas com o espectáculo que viram e do qual participaram.
Ecbátana voltava à vida normal, tranquila e morna.
Com imperceptível suspiro de alívio, girei nos calcanhares ao ver o exército desaparecer ao longe.
Estufei o peito e caminhei para o interior do palácio.
Agora, eu sou o Imperador, pensava, enquanto o orgulho inundava-me o coração e dominava-me a mente.
Reconhecia-me o mais poderoso soberano do mundo.
Ninguém poderia contestar-me a vontade e as ordens.
Roxana, minha esposa, aproximou-se desejando falar comigo.
Todavia, eu não suportava sua presença.
A gravidez, que já aparecia nos contornos do ventre, incomodava-me.
- Impossível. Tenho assuntos urgentes a resolver.
Agora, sou o Imperador! - respondi cheio de soberba.
Passei por ela sem ao menos dignar-me lançar-lhe um olhar.
O ódio consumia-me por dentro.
"Não aceitarei um rebento bastardo", pensei com ódio, enquanto meus passos fortes ressoavam no piso de mármore.
Os ministros e conselheiros cercaram-me, cada um desejando expor seus problemas e dificuldades nas áreas que lhes estavam afectas.
Com um gesto enérgico ordenei que se calassem:
- Amanhã resolveremos todas as pendências.
Não estou com cabeça para trabalhar.
Agora tenho outros assuntos a resolver.
Dei-lhes as costas e caminhei para os meus aposentos, satisfeito comigo mesmo.
Eles dispersaram-se frustrados, mas sem contradizer-me, certamente ruminando que assuntos seriam esses que eu precisava solucionar e que eram mais importantes que as pendências de governo.
Com um toque da campainha chamei meus guardas.
- Quero notícias da prisioneira.
Como está ela?
- Rebelde como sempre, meu senhor.
- Óptimo! Dobrarei seu orgulho e curvarei sua espinha.
Aquela fronte altiva terá que me receber como desejo e mereço.
Caminhei pelas galerias até chegar diante de determinada porta.
Tirei a chave das dobras do manto, coloquei-a na fechadura e entrei.
Eu a instalara luxuosamente.
Os aposentos que lhe foram destinados eram dignos de uma rainha, alegres e bem decorados.
Grande porta aberta dava acesso a um terraço repleto de arbustos, plantas exóticas, flores coloridas e perfumadas.
Trepadeiras floridas subiam graciosamente pelas paredes, entranhando-se pelos vãos das janelas e pelo balaústre, enfeitando e colorindo o local.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo - Página 4 Empty Re: Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Abr 24, 2020 8:01 pm

Bancos de mármore postavam-se em lugares reservados, servindo para o descanso e a meditação.
Num desses bancos, eu a vi.
Recostava-se, escondendo o rosto com o braço.
As vestes brancas caíam-lhe molemente pelo corpo, marcando-lhe os contornos voluptuosos;
uma abertura na manga permitia ver-lhe o braço roliço de pele alva e cetinosa, que lhe sustentava a cabeça, enquanto a massa de cabelos incandescentes espalhava-se ao redor do seu corpo.
Aproximei-me com o coração aos saltos.
Desejei tomá-la em meus braços e aconchegá-la ao peito.
No entanto, algo me tolhia.
Um misto de amor e ódio, de sedução e repúdio me deixava incapaz de agir.
Ao perceber a presença de alguém, ela se assustou.
Ergueu a cabeça rápido.
Ao reconhecer-me, expressão de desprezo e desgosto surgiu em seu rosto.
- Oh, senhor! - exclamou com olhos flamejantes.
- Perdoa-me, Neila.
Não quis perturbar-te o recolhimento.
Ela levantou-se, erguendo a fronte altiva e bela.
O corpo tremia de indignação e raiva.
Interrogou-me com voz contida:
- O que desejas?
Já não basta me manteres confinada nesta gaiola de luxo?
Devo também ser obrigada a suportar-te a presença?
O sangue subiu-me à cabeça, colorindo-me as feições.
De olhos injectados, reagi:
- Pois quê! Tu ousas desafiar-me, criatura insolente?
Sabes que posso destruir-te com um simples estalar de dedos?
Sou o soberano do império persa, imenso e invencível.
Se não me respeitares por bem, dobrar-te-ei com o uso da força.
Neila fitou-me com ar irónico:
- Bem típico de ti.
A força é o argumento dos fracos.
A verdadeira coragem dispensa violência. Convence.
Sua resposta perturbou-me.
Incapaz de revidar à altura, virei nos calcanhares e afastei-me bufando.
- Veremos quem é o fraco.
Inacreditável!
Verdadeiramente insuportável!
Ela era minha prisioneira!
No entanto, por que me sentia tão singularmente humilhado perante ela?...
Nesse momento, mais do que nunca, senti-me atraído pela prisioneira, ao mesmo tempo em que a rejeitava.
Tinha gana de matá-la com minhas próprias mãos, bem devagarzinho, para vê-la sofrer.
Na mesma hora, desejava cobri-la de beijos, vendo-a sem defesa em meus braços.
Rodei nos calcanhares, com o rosto em fogo, voltando para meus aposentos sem saber que atitude tomar.
Deixei-me cair sobre as almofadas e ali permaneci, pensativo.
Não saberia definir o sentimento que me dominava.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo - Página 4 Empty Re: Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Abr 24, 2020 8:01 pm

Aos poucos, relaxei o corpo e fechei os olhos.
De repente, sentei-me, confuso.
Do mais fundo do meu ser, uma sensação doentia de medo começou a se apossar de mim.
Medo? Que absurdo!
Por que teria medo de uma prisioneira, de alguém incapacitada de me fazer qualquer mal?
No entanto, o sentimento lá estava e permanecia crescendo em meu íntimo.
Do mais recôndito do meu ser, sentia como se ela já me tivesse prejudicado, traído, levando-me à desonra e à destruição.
Esses pensamentos, liberados pela presença de alguém que conhecera no passado, torturavam-me a mente.
Após algumas horas exausto, acabei adormecendo.
Despertei no dia seguinte sentindo-me diferente.
Os receios da noite anterior haviam desaparecido.
As servas se aproximaram para ajudar-me a trocar de roupa.
Trouxeram-me a refeição matinal e comi com prazer.
Assim alimentado, comecei a ver tudo com outros olhos.
Bobagem! Que receio deveria sentir de uma reles prisioneira que eu poderia destruir no momento que quisesse?
Após vestir-me convenientemente, como exigia o protocolo caminhei até a sala do trono.
Precisava resolver as questões da administração, que seriam levantadas pelos ministros e conselheiros do reino.
Mais tarde, decidiria minha pendência com Neila.
Ela que me aguardasse.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo - Página 4 Empty Re: Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Abr 24, 2020 8:01 pm

17 - Consciência culpada
Enquanto o exército persa avançava, aclamado e homenageado em todos os lugares por onde passava, eu cumpria com dificuldades o meu papel de Imperador.
A administração do reino não era o meu forte.
Achava tais actividades medíocres e monótonas.
Portanto, era sempre com má vontade e tédio, dificilmente disfarçados, que me reunia na sala do trono para resolver os problemas de governo, fazer justiça, decidir as questões mais graves trazidas pelos ministros e conselheiros, receber as delegações de países estrangeiros, e tudo o mais que fazia parte de minhas obrigações como soberano.
Demonstrando compreender meu estado de espírito, os assessores evitavam incomodar-me com problemas de pequena monta, temendo-me o mau humor e as reacções intempestivas.
Sempre gostei de acção, das estratégias de guerra, de participar dos combates.
Agradava-me matar e sentia verdadeira volúpia ao ver o sangue quente escorrendo de uma ferida aberta.
Agora, contudo, só pensava na prisioneira.
Desejava estar com ela o maior tempo possível.
Para minha frustração, no entanto, diante dela sentia-me tolhido.
Queria submetê-la aos meus desejos, mas um estranho respeito continha-me os arroubos de homem no vigor da masculinidade.
Então, inseguro, acabava por afastar-me de Neila, deixando-a em paz.
Intimamente, não compreendia minhas atitudes e, à distância dela, recriminava minha conduta.
Os sentimentos de orgulho ferido, de dignidade espezinhada, de singular humilhação perante a própria consciência, levavam-me a querer machucá-la, torturá-la, vê-la sofrer e chorar a meus pés.
Vencida. Entregue.
Mentalmente, via-me, não raro, enterrando o punhal em seu peito, antegozando o prazer de contemplá-la a sangrar até a morte.
Tais pensamentos causavam-me verdadeiro horror e procurava afugentá-los, sem entender as razões de semelhantes ideias que me brotavam do íntimo.
No dia seguinte, retornava a seus aposentos como se nada tivesse acontecido, e tudo continuava do mesmo jeito.
Certo dia, cheguei sem avisar, em horário não habitual.
Levantei o reposteiro da sala cheio de ansiedade por vê-la, e estranhei sua aparência pálida, triste;
percebi vestígios de lágrimas em sua bela face.
Esperei que ela reclamasse ou fizesse uma de suas cenas, mas Neila conservou-se calada.
Tomava a sua primeira refeição e sentei-me num coxim a participar com satisfação daquele momento.
Naquela manhã não me desafiou nem se dirigiu a mim com arrogância, provocando-me.
O que teria acontecido?
Observei-a por alguns minutos, mordiscando pequeno cacho de uvas, depois indaguei, sem conter por mais tempo a curiosidade:
- Estás diferente hoje.
Algo te aflige, bela Neila?
Preparei-me para vê-la jogar-me no rosto sua situação de escrava, cobrir-me de insultos, como habitualmente fazia.
Porém, ela suspirou e seus belos olhos verdes se encheram de lágrimas que não chegaram a cair.
Depois, confessou:
- Tive um sonho esta noite, meu senhor, que me deixou deveras preocupada.
- Pois me conta o que sonhaste, a ponto de deixar-te tão aflita.
Se puder ajudar-te, tudo farei que esteja ao meu alcance.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo - Página 4 Empty Re: Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Abr 24, 2020 8:02 pm

Menos conceder-te a liberdade, por certo.
Julguei que iria se rebelar contra essas palavras que lhe lembravam a condição de cativa, tema proibido em nossas conversações.
Contudo, com a expressão mais dócil e humilde que eu jamais vira seu rosto, relatou-me:
- Meu senhor, sonhei que chegava a minha casa e tudo estava escuro e triste.
Abri a porta, feliz por estar de volta e ansiosa por rever meu velho e querido pai.
Chamei-o por várias vezes, no entanto ele não respondeu ao meu chamado.
Inquieta, procurei-o pela casa e o encontrei caído no chão do quarto que eu ocupara desde a meninice.
Estava emagrecido, pálido e extremamente fraco.
Então eu lhe disse: meu pai!
O que aconteceu contigo?
Por que estás tão fraco?
Acaso adoeceste?
Ele abriu os olhos e, ao me ver, encheu-se de alegria.
Depois respondeu:
- Estou doente, filha, pela tua ausência, ralado de dor pela tua falta e pela solidão à qual fui relegado.
Tu me abandonaste e morro à mingua, enfermo e sem coragem de pedir ajuda a quem quer que seja.
Ao relembrar o sonho, as imagens surgiram em sua tela mental como se fossem reais, e Neila, emocionada, pôs-se a chorar sentidamente.
Só então me lembrei!
Ao trazê-la para o palácio, tinha prometido cuidar de seu pai velho e doente.
Esquecera-me por completo desse detalhe, que, aliás, não pretendia cumprir.
Ela levantou a fronte e pude ver o desespero nos olhos que me fitavam.
- Meu senhor, tu prometeste que meu pai não ficaria desamparado.
Por piedade, senhor, socorre-o, temo pela vida do pai a quem tanto amo.
Da nossa família, só restamos nós dois.
Não temos mais ninguém a quem recorrer.
Por piedade, senhor!
Não desejando mostrar indiferença ante sua situação familiar, procurei serenar-lhe o ânimo, afirmando:
- Por certo estás equivocada, minha bela Neila.
Foi apenas um sonho e nada mais. Acalma-te.
Dei ordens expressas para que teu pai fosse amparado.
Se minhas ordens não estiverem sendo cumpridas, o responsável pagará caro pela desobediência.
Mais tranquila, Neila enxugou as lágrimas, lançando-me olhar meigo e agradecido.
- Obrigada, senhor.
Enlevado por seu olhar, naquele instante percebi que estava tentando conquistá-la por métodos errados.
Deveria mudar de táctica.
Imediatamente, assegurei-lhe:
- Vou verificar pessoalmente o que está acontecendo e se teu sonho tem procedência.
Asserena teu coração, minha deusa, e aguarda notícias minhas.
Ela ajoelhou-se e tomando-me a mão depositou ali um beijo de gratidão.
Senti-me cheio de alegria com este simples gesto.
Saindo de seus aposentos, já havia arquitectado um plano para convencer a prisioneira de minhas boas intenções.
Reuni os dois fiéis componentes da minha guarda pessoal, Malec e Rafiti, e ordenei:
- Ao entardecer, Ramendi deverá ser levado aos aposentos da prisioneira.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo - Página 4 Empty Re: Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Abr 24, 2020 8:02 pm

Depois, como de hábito, serão tomadas as providências necessárias. Entendestes?
Após assegurar-me de que haviam compreendido minhas ordens, prossegui satisfeito pelos corredores do palácio até a sala do trono, onde era aguardado para a reunião de costume.
Pelo resto da manhã julguei alguns processos, condenei à morte dois comerciantes pelo crime de terem lesado outras pessoas, resolvi uma pendência de partilha de bens, entre outras coisas.
Depois, dirigi-me à minha sala de trabalho, onde me esperavam Ciaxares e outro conselheiro com diversos documentos de urgência, que eu deveria assinar.
Reconheci-me exausto por tantas actividades a que não estava habituado e que ocuparam toda a manhã, mas satisfeito, especialmente quando me lembrava do olhar doce e humilde com que a prisioneira me brindara.
Após a refeição, chamei meus leais guardas e, entregando-lhes uma pequena bolsa com moedas, ordenei que procurassem o pai de Neila e cuidassem dele, verificando-se estava tudo em ordem e suprindo-o do que fosse necessário.
Que levassem uma escrava e a deixassem a serviço do velho, com ordem de mandar notícias a cada sete dias.
Mais satisfeito ainda comigo mesmo, sentindo-me verdadeiramente generoso, desfrutei uma boa parte da tarde.
Quando o sol descia no horizonte, encaminhei-me para os aposentos da prisioneira.
Neila não me aguardava senão no dia seguinte.
Ao ver-me, porém, seus olhos brilharam e recebeu-me cheia de júbilo.
"Ó dia abençoado pelos deuses!
Que as dádivas do eterno continuem a cair sobre mim!", pensei.
Mal nos acomodamos nos coxins, as escravas nos circundaram, procurando tornar nossos momentos especialmente agradáveis.
A música ecoou no ambiente, suave e ao mesmo tempo envolvente, enquanto outras servas nos ofereciam bebidas, frutas e guloseimas.
Neila continha com dificuldade a impaciência, e eu agia como se nada percebesse.
Conversamos, comemos tâmaras e uvas e bebemos.
Às primeiras sombras da noite, quando os eunucos acenderam as tochas, ouviu-se um rumor vindo de fora.
Logo, um escravo anunciou a chegada dos meus guardas, que pediam para falar com o Imperador.
Com um gesto, ordenei que entrassem.
Rafiti e Malec, acompanhados por Ramendi, levantaram o reposteiro da sala onde estávamos, e, após entrar, permaneceram a uma distância protocolar, em pé, aguardando.
Acabei de mordiscar um bago de uva, levei a caneca aos lábios, tomei um gole, depois coloquei a caneca na mesinha ao lado.
Limpei a boca e, somente então, dignei-me olhar para o trio parado à nossa frente.
Ramendi, também membro da minha guarda pessoal, aguardava tranquilo, julgando que os três fossem ser encarregados de alguma missão importante.
- Tinhas razão, minha bela, em estar preocupada.
Os deuses, em sonho, revelaram-te a verdade - considerei, dirigindo-me a Neila.
Em seguida, voltei o olhar novamente para meus guardas:
- Com que então, Ramendi era o encarregado de atender ao pobre homem?
Assustado, percebendo ameaça em minha voz, ele gaguejou:
- Senhor, não sei a quem te referes.
Deve haver algum engano.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo - Página 4 Empty Re: Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Abr 24, 2020 8:02 pm

- Cala-te, miserável!
Como ousas contestar minhas palavras - bradei, enérgico.
- Mas, senhor...
- Por tua displicência o pobre homem quase morreu.
És culpado, sim! Mas teu crime não ficará impune.
Pagarás pela tua falta de responsabilidade.
Recebeste ordens que não cumpriste e para isso não há perdão.
Apavorado, Ramendi transpirava e tremia, ao mesmo tempo que seus olhos injectados fitavam-me, compreendendo sua sina.
- Piedade, senhor! Piedade!
Não sei a que te referes! Poupa-me a vida!
Tenho mulher e filhos que dependem de mim.
Misericórdia, senhor!
Ajoelhara-se, inclinando a cabeça até o chão, em lágrimas.
Nesse momento, fiz leve gesto com a mão e Rafiti cravou a faca que trazia presa à cintura nas costas do acusado.
Ao sentir a lâmina rasgando suas carnes, o infeliz ergueu-se automaticamente, deu um urro de dor, depois lançou um olhar de ódio sobre mim;
em seguida caiu pesadamente no tapete.
Com presteza, os guardas o retiraram do recinto, enrolando-o no tapete sujo de sangue, que, todavia, respingara por todo lado:
nos coxins, em nossas roupas, nas iguarias, em tudo.
Durante a cena, não olhei para Neila.
Quando tudo acabou e o silêncio invadiu a sala, eu me virei para ela, com um sorriso nos lábios, certo de que estaria satisfeita comigo, visto que o irresponsável fora punido.
Todavia, uma surpresa me aguardava.
Neila tinha o olhar esgazeado e uma expressão de inaudito horror, enquanto suas mãos levantadas agarravam os cabelos, procurando arrancá-los no desespero que a invadiu.
Com a respiração ofegante, tremia toda, presa de grave crise nervosa.
Sem entender o que acontecia, assustado com sua reacção, procurei tranquilizá-la:
- Acalma-te, Neila.
Tudo já acabou. O criminoso foi punido.
Ela, porém, bradava incapaz de conter o ódio:
- O que fizeste, miserável? Foi horrível!
- Ele desobedeceu às minhas ordens, Neila.
Nossa lei ordena que seja executado.
Ninguém pode desobedecer às determinações do Imperador.
- Desgraçado! Miserável!
Continuas o mesmo animal!
Tiras do caminho todos aqueles que se opõem a ti.
Conheço-te muito bem. Não me enganas.
Quanta gente morreu por tua culpa!
Desfilam diante de mim as tuas vítimas, incapazes de encontrar a paz enquanto não te destruírem.
Vê a procissão das mulheres que tu seduziste, e de cujo peito aberto foi retirado o coração.
Vê as fileiras intermináveis de homens, de bocas abertas, sem língua, outros sem cabeça, outros sem as mãos e os pés.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo - Página 4 Empty Re: Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Abr 24, 2020 8:02 pm

Ah, maldito! Os deuses farão justiça a todos eles.
Acautela-te, infeliz criminoso, porque a vingança está próxima!
E Neila falava e falava, sem parar.
Sua expressão era de uma louca;
os olhos fixos pareciam perdidos no vazio, a divisar imagens que ninguém mais percebia.
As escravas, apavoradas, tentaram fazê-la calar-se, mas ela continuava gritando.
Elas compreendiam o perigo que representava para Neila e para todos os presentes tais acusações, dirigidas a mim, o Imperador.
Contudo, ela prosseguia, a delirar.
De todas as pessoas que ali estavam eu era o único que entendia perfeitamente o que ela dizia, porque eram as mesmas imagens que eu também via em meus momentos de crise, ou em sonhos.
Apavorado, não sabia o que fazer para que ela se calasse, para que parasse de vomitar tantas barbaridades.
Não suportava mais ouvi-la, queria desaparecer, esconder-me.
Encolhido num canto, acocorado, tremia e chorava, em pânico, temendo as legiões de seres fantasmagóricos que eu tão bem conhecia e que tanto me torturavam havia anos.
Mas Neila continuava:
- Vejo um belo e imenso jardim.
Todavia, as sombras tomam conta de tudo.
Uma melodia soa, atraindo a todos.
Ah!... A música fatídica e envolvente transforma-se em dança frenética, enquanto a procissão se dirige para uma grande estátua.
E tu, miserável, como um deus, és transportado numa espécie de trono.
Vede! Do seio dela saem labaredas que engolem uma vítima.
Pelos deuses! Que horror!
Não suporto mais, quero fugir deste lugar de loucuras e de maldades.
Preciso pedir socorro!
Mas a quem?
Socorro! Socorro!
Nessa hora, a voz de Neila tornou-se baixa, como se temerosa ser ouvida, embora continuasse falando.
Incapaz de suportar mais, acovardado diante do tribunal da própria consciência, desabei no chão, em terrível crise.
Tremia e revirava os olhos, enquanto de minha boca a baba escorria, viscosa.
Um eunuco, que já havia presenciado uma crise semelhante, ocorrida comigo em outra ocasião, pegou um guardanapo de linho e o colocou em minha boca, prendendo a língua para não enrolar.
Em seguida, ordenou às escravas que cuidassem para que eu não sufocasse.
Depois, correu a buscar socorro.
Quando o sacerdote-médico chegou, o pior havia passado.
Eu dormia profundamente.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo - Página 4 Empty Re: Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Abr 24, 2020 8:02 pm

18 - Um velho conhecido
A uma ordem do sacerdote-médico, aproveitando o sono profundo em que eu tinha mergulhado, transportaram-me com cuidado para meus aposentos.
Queria o religioso evitar que minha crise redundasse num escândalo para a corte, servindo de comentários maledicentes entre os súbditos.
Despertei no dia seguinte com o corpo todo dolorido, sem vontade de levantar-me do leito.
Sentia-me incapaz até de pensar; a cabeça latejava horrivelmente.
A um gemido meu, o escravo que dormira numa esteira a um canto do aposento, velando-me o sono, também despertou.
Imediatamente chamou o médico, que permanecera de plantão no aposento contíguo para qualquer eventualidade.
Temia que algo mais grave pudesse ocorrer durante a noite; sua responsabilidade era imensa, considerando-se minha condição de príncipe herdeiro, naquele momento representante do soberano persa.
Se o pior me acontecesse, Ciro não lhe perdoaria, e certamente o condenaria a pagar com a vida pela irresponsabilidade.
Entrando no aposento, o sacerdote caminhou com passos leves até o leito.
Inclinou-se como mandava o protocolo.
- Como te sentes, senhor?
- Muito mal. Péssimo.
- Dormiste bem?
- Sim. Acho que apaguei.
Todavia, acordei com o corpo todo dolorido, a cabeça a latejar e sem forças para nada.
Sinto-me fraco e desanimado.
Não consigo nem mesmo levantar-me - expliquei.
O médico balançou a cabeça, concordando:
- Senhor, tudo isso era previsto, em virtude da crise que te acometeu.
Fica tranquilo que a dor logo passará.
Vou ministrar-te algumas gotas de efeito calmante.
Assim dizendo, o sacerdote abriu uma caixa de madeira e tirou de lá um pequeno vidro com líquido esverdeado.
Pingou algumas gotas em minha língua, depois recomendou:
- Meu senhor, deves permanecer no leito.
O repouso é absolutamente necessário.
Quanto mais tempo repousares, melhor.
Depois, dirigindo-se aos auxiliares que ali estavam, preocupados com minha saúde, considerou:
- Nosso soberano deve descansar durante todo o dia.
Deveis manter a penumbra ambiente de modo que a claridade não o incomode.
Além disso, imprescindível colocar um punhado destas ervas no tripé, para expulsar as más influências e os seres maléficos, as quais deverão ser renovadas a cada três horas.
Aqui está um saco com as ervas.
Tende cuidado com ele, pois essas ervas são raras e extremamente valiosas.
Após essas recomendações, pegou sua maleta e, inclinando-se novamente diante do leito, despediu-se:
- Meu senhor, devo ausentar-me agora.
Tenho actividades no templo, onde rezarei pela saúde do nosso Imperador.
Retornarei mais tarde.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo - Página 4 Empty Re: Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 25, 2020 7:19 pm

Após a saída do sacerdote-médico, os criados de quarto certificaram-se de que tudo estava em ordem e deixaram o aposento, permanecendo apenas os mais íntimos para caso de necessidade.
Mantive os olhos fechados e procurei repousar.
Logo a dor de cabeça desapareceu, concedendo-me alguma trégua, e o corpo também relaxou, parando de incomodar.
No entanto, logo percebi que isso não era o pior.
As dores físicas podiam ser facilmente sanadas com ervas, tisanas, gotas calmantes, unguentos.
A dificuldade maior eram os problemas do ser imortal, cujos sofrimentos prosseguiram cada vez mais fortes e duros de suportar.
Não saberia explicar a aflição e a angústia que me dominavam, e, como consequência, o peito opresso e um mal-estar constante.
Para esses males não havia remédio.
Incapaz de dormir, meu pensamento vagava, inquieto e amedrontado:
como Neila pôde inteirar-se dos meus sonhos?
Ter conhecimento dos seres infernais que me acompanham e que me torturam as noites?
Se tudo estava apenas em minha cabeça, como ela conseguiu penetrar em minha mente e ver as mulheres sem coração e os homens sem língua que me perseguem?
Pelos deuses! Como?
Ao lembrar-me de Neila e rever mentalmente as cenas ocorridas nos seus aposentos, um calafrio percorreu-me o corpo.
Ela parecia completamente diferente: olhos fixos, voz soturna, peito arfante e mãos que se agarravam aos cabelos, arrancando-os, enlouquecida pelo desespero.
A imagem da prisioneira aparecia-me agora sem a atracção costumeira, livre dos desejos ardentes que ela despertava em mim, do incontrolável impulso de beijá-la, de enlaçá-la em meus braços.
Nesse momento, a lembrança dela causava-me infinito horror e inaudito medo.
A beleza de Neila, que eu sempre admirara e que agora surgia sob uma óptica diferente, mas que continuava sendo a mesma, não me falava mais aos sentidos.
O que farei?
Não posso livrar-me dela, pois talvez venha a representar um perigo para mim.
Mantê-la ao meu lado, não desejo mais.
Será que Neila foi enfeitiçada, com o intuito de me destruir?
Se isso for realmente verdade, quem estará por trás desse feitiço? - continuava eu a pensar, sem conseguir o repouso necessário.
Com a mente num turbilhão, passei em revista todos os que tinham algo contra mim - e eram muitos -, sem conseguir encontrar alguém que pudesse atingir-me.
De súbito, lembrei-me daquele velho anão herborista, que atendia num bairro distante, em local próximo à moradia de Neila.
Até onde me lembrava, era criatura muito estranha.
Seria ele o responsável pelo feitiço que me fora lançado?
A esse pensamento, julguei ter encontrado a resposta a meus questionamentos.
Certamente, se fosse ele o mago, eu ficaria sabendo.
De qualquer forma, por uma boa recompensa, o anão poderia me ajudar a resolver o problema que me atormentava.
Decidi que, no dia seguinte, assim que estivesse mais forte, iria procurá-lo.
Se ainda mantivesse esse estranho estado de fraqueza e de incapacidade física, mandaria Rafiti e Malec com ordem de trazê-lo à minha presença, a qualquer custo.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo - Página 4 Empty Re: Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 25, 2020 7:19 pm

Após tomar essa resolução, relaxei um pouco e deixei-me levar pela medicação que já fazia efeito, induzindo-me ao sono.
Dormi o dia todo e a noite inteira.
Ao acordar, na manhã seguinte, estava refeito.
Sentia-me pronto para as actividades quotidianas.
O servo preparou-me um banho e aproveitei aqueles momentos de descontracção.
Em seguida, vestiu-me, enquanto me colocava a par dos últimos acontecimentos.
- Meu senhor, várias pessoas vieram saber da tua saúde, desejando-te vida longa e paz.
- Algo mais?
- Sim, senhor.
Ministros e conselheiros já passaram por aqui.
Têm assuntos urgentes a resolver.
- Falarei com eles. Só isso?
- Não, senhor.
Tua esposa Roxana também aqui esteve.
- Roxana? O que deseja ela?
- Não disse, senhor.
Ficou de retornar mais tarde.
- Bem. Provavelmente é algo sem importância.
Rafiti e Malec estão de guarda?
- Sim, meu senhor.
- Serve-me a refeição. Depois, fá-los entrar e deixa-nos a sós.
Estava faminto e enfraquecido, visto que no dia anterior não me havia alimentado.
Enquanto comia com satisfação, entraram meus leais guardas.
Após as cerimónias de praxe, permaneceram de pé, imóveis, aguardando lhes dirigisse a palavra.
- E então?
Desfizestes-vos do corpo de Ramendi?
- Sim, senhor.
Enterramos o corpo em local bem distante.
Nunca será encontrado.
- E a prisioneira?
- Recuperou a calma, senhor.
Está dócil e parece bem, o que poderás comprovar por ocasião de tua visita habitual.
Só de pensar em vê-la, meu corpo se revoltou.
Um arrepio percorreu-me dos pés à cabeça.
A simples ideia de me encontrar com Neila deixava-me trémulo e inseguro.
- Não pretendo vê-la hoje.
Tenho coisas mais urgentes a fazer.
E quanto ao seu velho pai?
Rafiti trocou um olhar com Malec, depois informou:
- Cumprimos tuas ordens, senhor.
No entanto, o velho estava realmente muito mal e não resistiu.
Não foi por culpa nossa.
Balancei os ombros, indiferente.
- Não tem importância.
Advirto-vos, porém, que a prisioneira não pode saber desse detalhe.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo - Página 4 Empty Re: Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 25, 2020 7:19 pm

Receberá notícias do pai normalmente, como se tudo estivesse bem.
Depois decidirei como informá-la do que aconteceu. E o corpo?
- Enterramos junto com Ramendi.
Não tínhamos como falar-te, pois estavas enfermo.
Então, tomamos a providência que nos pareceu melhor.
Fizemos mal, senhor?
- Não. Agistes bem.
Não correremos o risco de alguém os encontrar.
É só por enquanto. Ficai alerta.
Sobre qualquer novidade, desejo ser comunicado.
Dispensei-os com ligeiro sinal.
Após a saída dos guardas, encaminhei-me até a sala do trono, onde iria despachar com os ministros e conselheiros.
No corredor, deparei-me com Roxana, que voltava a me procurar.
A seu lado, conversando com ela, meu irmão Esmérdis.
Vê-los juntos voltou a despertar em mim os piores sentimentos.
Novamente recrudesceram as dúvidas de que eles traíam minha confiança.
Roxana veio a meu encontro, satisfeita.
- Sinto-me feliz, senhor, por ver-te recuperado.
- O que desejas, Roxana?
- Pedir-te que me acompanhes ao templo.
Orar e fazer oferendas aos deuses pode ser muito bom, tanto para tua saúde quanto para a minha e a de nosso filho.
Tomei a liberdade de marcar com o sumo sacerdote uma visita nossa ao templo sagrado.
Tudo está preparado para receber-nos ao entardecer.
Exasperado com sua ousadia, contive a custo a irritação.
Como se atrevera a marcar algo sem me consultar?
Esquecera-se, porventura, de que era eu o Imperador da Pérsia?
Diante do meu silêncio, Roxana completou:
- Vamos, querido?
Teu irmão Esmérdis, a quem acabei de noticiar nossa saída, aprovou a ideia e também se propôs a nos acompanhar. Não é excelente?
Não suportando mais tanta desfaçatez, reagi:
- Pois fizeste mal, Roxana.
Não posso acompanhar-te.
Mas não seja isso um empecilho.
Meu irmão Esmérdis, com certeza, terá imenso prazer em fazer-te companhia.
Parei de falar, observando a reacção de ambos.
Trocaram um olhar admirado, estranhando a proposta.
Em seguida, completei:
- Agora, devo retirar-me.
Tenho providências urgentes a tomar.
Sem esperar que se recobrassem, dei-lhes as costas e caminhei apressado pelo corredor, afastando-me.
Felizmente não me viram o semblante, onde a cólera se espalhava.
Continha-me com esforço, cerrando os dentes;
não desejava que alguém me notasse a perturbação e o mal-estar.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo - Página 4 Empty Re: Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 25, 2020 7:19 pm

Naquela manhã minhas decisões foram duras e desumanas, reflectindo-me o estado de espírito.
Roxana não perdia por esperar!
Pretendia fazer-me de tolo perante toda a corte, mas receberia o castigo merecido, assim como Esmérdis, o irmão traidor - ruminava eu, acalentando desejos de vingança.
Deixei a sala do trono, cansado.
No meio do dia, após a refeição, repousei um pouco.
Acordei mais refeito e resolvi sair a cavalo, como se fosse passear.
Rafiti e Malec me acompanharam.
Tomamos o rumo do bairro onde estava localizada a pequena loja do anão.
Ao me aproximar do endereço, um estranho mal-estar me dominou.
Sentia-me tenso, ansioso, aflito.
Paramos junto de uma árvore perto da entrada, onde amarramos os animais.
Caminhamos alguns passos até a porta.
Após ligeiro sinal para que me aguardassem, entrei.
Novamente, vindo do Sol forte, a claridade ofuscou-me, impedindo-me de enxergar de imediato.
Depois, lentamente tomei consciência do ambiente, que me envolveu.
Como da outra vez, atingiu-me um cheiro forte de ervas.
Reconheci as prateleiras com potes de barro de diversos tamanhos, os tufos de ervas amarrados com fibra vegetal; os corpos de animais que pareciam vivos, e que certamente haviam passado por um processo de conservação.
No solo, grandes ânforas com óleos aromáticos e tonéis de substâncias que me eram desconhecidas, e muito mais.
Enquanto a visão se acostumava à penumbra existente, relanceei o olhar por todo o recinto, até que me deparei com o anão, postado atrás do balcão, e que me fitava aparentemente se divertindo com minha falta de acuidade visual.
Ao vê-lo, levei um susto.
Pareceu-me que surgira de repente das entranhas da terra, o que certamente não era verdade.
Era o mesmo ser repulsivo que tanto me despertara a atenção da primeira vez que nos encontramos.
Um misto de atracção e de repulsão dominou-me.
Seu corpo baixo, rotundo, sustentado por pernas curtas e finas; os braços delgados que terminavam em mãos semelhantes a garras.
Ao ver-me, levantou-se num gesto de boas-vindas, enquanto os pequenos olhos de ofídio estreitaram-se ainda mais.
- Tua presença honra minha humilde moradia.
Sê bem-vindo, meu senhor.
Eu te aguardava - disse, e sua boca em forma de fenda se abriu num esgar que pretendia fosse um sorriso.
Estranhei a petulância.
- Como?
Ousas dizer que me aguardavas, quando nem mesmo eu sabia que viria?
- Ah, senhor!
Lembra-te de que afirmei ter o de que precisas para atrair a bela jovem que está em teu poder?
Sem minha ajuda, jamais conseguirás seu amor.
Estupefacto, deixei-me cair num banco que ele depositara a meus pés.
Por alguns segundos não consegui reagir.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo - Página 4 Empty Re: Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 25, 2020 7:19 pm

Depois bradei, incapaz de controlar-me:
- Como descobriste um segredo tão bem guardado, e que bem poucos conhecem?
- Acalma-te, meu senhor.
Teu segredo está em segurança comigo.
Asseguro-te que ninguém me contou.
Possuo meios próprios de saber tudo o que se passa.
- És um oráculo, porventura? - indaguei irónico.
- Digamos que possuo a ciência do bem e do mal - respondeu-me com leve sorriso, levantando a cabeça com empáfia.
- Pois muito bem.
Já que és um sábio, responde-me: como a prisioneira pôde saber o que se passa dentro de mim, desvendando meus sonhos?
O anão sorriu novamente, meneando a cabeça.
- Tudo isso é simples e, ao mesmo tempo, complicado.
Esses acontecimentos regem-se por leis que estão acima do entendimento dos pobres mortais.
E tu também sabes disso, senhor, uma vez que a lembrança de factos ocorridos em outras eras, em terras estranhas, apoquenta-te a mente.
- Explica-te melhor - ordenei preocupado.
- Pois bem. Todos nós já vivemos outras vidas e não apenas a existência actual.
Somos uma fagulha divina que existia antes e continuará a existir após a morte do corpo de carne que ora vestimos.
Em determinadas circunstâncias, as lembranças de vivências do passado retornam, porque deixamos situações não resolvidas para trás.
Perplexo e apavorado, indaguei:
- O que dizes?
Então é verdade que já vivemos antes?
- Sem dúvida.
A prova é a procissão de mulheres sem coração de homens sem língua que te acompanham, e que vês em teus sonhos.
De boca aberta, eu fitava o anão à minha frente.
Depois, murmurei com voz rouca:
- Como sabes disso?
- Da mesma forma que a jovem cativa também sabe.
Algumas pessoas têm um verdadeiro dom para ver os mortos e conversar com eles.
Foi o que aconteceu com a bela Neila no dia em que mandaste matar Ramendi, da tua guarda pessoal.
As almas penadas ali estavam também, e ela as viu, tomando-se de infinito horror.
Dei um salto para trás, quase despencando do banco.
- Pois quê! Sabes sobre esse fato também?
- Sem dúvida.
- Mas por que tudo isso? - indaguei apavorado e perplexo.
- Terás que descobrir por ti mesmo.
Nada posso te revelar.
Asseguro-te, contudo, que Neila agora está normal e é possível até que não se recorde de tudo o que viu ou falou naquela noite.
- Tens certeza?
Causou-me verdadeiro pavor vê-la naquele estado.
Podes evitar que aconteça de novo?
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo - Página 4 Empty Re: Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 25, 2020 7:20 pm

- Não. Contudo, posso controlá-la com substâncias calmantes.
Calei-me por alguns momentos, entregue aos meus pensamentos.
Afinal, impossível esconder alguma coisa desse estranho homem.
Conformara-me em dividir meus segredos com ele, uma vez que não havia outro jeito.
O melhor, nessa circunstância, era tê-lo ao meu lado.
Calculei rapidamente as vantagens e desvantagens do que lhe iria propor.
Depois, decidido, indaguei:
- Bom homem, aceitarias minha protecção em troca de alguns favores?
Ele sorriu ironicamente diante da minha proposta - dando-me - a impressão de que já a esperava -, depois respondeu:
- Por certo, meu senhor.
Serei teu fiel servidor.
Asseguro-te que posso ser de muita utilidade para teus planos.
- Muito bem.
Então, mune-te do necessário e muda para meu palácio.
Providenciarei acomodações para ti, discretas e confortáveis, de modo a não atrair as atenções da corte e ainda para te preservar a liberdade de acção.
O anão inclinou-se respeitoso e agradecido.
- Não te arrependerás, meu senhor, de colocar-me novamente a teu serviço.
Incomodou-me aquela frase, que me ficou repercutindo nos ouvidos, bem como a fugaz expressão de vitória que surpreendi em seu rosto.
O que significavam aquelas palavras?
Como o anão havia falado em voz baixa, conclui que talvez eu não tivesse entendido direito.
Mas... qual o motivo da vitoriosa satisfação que ele demonstrou?
Preparava-me para inquiri-lo, enquanto dávamos alguns passos em direcção da saída, já cruzando a porta.
Como meus guardas se aproximassem, resolvi deixar para outro momento a explicação necessária, visto que teríamos bastante tempo para isso.
Caminhando ao encontro dos meus homens de confiança, ordenei-lhes em voz baixa:
- Tomai providências para instalar o anão no palácio.
As acomodações devem ser discretas e, ao mesmo tempo, fáceis de alcançar.
Após encontrar o local adequado, providenciareis uma carroça para transportar-lhe a mudança.
Desejo informações detalhadas de tudo. Entendido?
- Sim, meu senhor.
Depois, voltando à entrada da loja, despedi-me do anão.
- Mandarei buscar-te assim que tudo estiver pronto para receber-te.
- Estarei à espera, meu senhor - disse, inclinando-se.
Antes de me afastar, parei, pensei um pouco e voltei-me:
- A propósito, ainda não sei teu nome.
- Chamo-me Ratan.
- Ratan, também não me apresentei. Eu sou...
- Sei quem tu és, meu senhor.
Kambújiya, filho e sucessor de Ciro, Imperador da Pérsia.
O anão pronunciou essas palavras num tom de contida satisfação, que me impressionou.
Naquele momento, um arrepio gelado percorreu-me o corpo.
Teria acertado ligando-me definitivamente a tal criatura?
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo - Página 4 Empty Re: Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 25, 2020 7:20 pm

O interesse dizia-me que sim, mas a razão afirmava-me que não.
Agora, porém, não mais poderia voltar atrás.
Ele sabia muito sobre minha vida.
Senti um aperto no coração.
Novo e doloroso mal-estar envolveu-me.
Tentando libertar-me de semelhantes sensações, disse para mim mesmo:
"Que importa? Se me incomodar, sei como livrar-me dele"
Esporeei o animal, deixando que o vento morno me afagasse o rosto e agitasse as vestes.
Eu era todo-poderoso e nenhum mal poderia me atingir.
Olhei para o alto, onde o Sol já declinava, e as derradeiras tintas do crepúsculo tingiam o céu com cores róseas e alaranjadas.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo - Página 4 Empty Re: Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 25, 2020 7:20 pm

19 - Ratan no palácio
Ratan se transferiu para o palácio imperial no terceiro dia após nosso acordo.
Meus fiéis guardas haviam encontrado um alojamento que atendia às minhas especificações.
Localizado numa ala do palácio sem grande trânsito, que fazia fundo com um dos jardins, próximo de pequeno portão que dava para a rua, saída raramente utilizada e sempre fechada, atenderia perfeitamente às necessidades do novo hóspede.
Fui visitá-lo na tarde seguinte à sua chegada.
Ratan recebeu-me com um sorriso, inclinando-se como mandava o protocolo.
Passei a vista analisando com olhos críticos as acomodações.
Gostei do que vi. Logo à entrada, uma sala aconchegante e agradável.
Após, dois aposentos:
o primeiro fora transformado em quarto de dormir;
o segundo guardava suas coisas, isto é, uma parcela pequena dos materiais necessários aos seus trabalhos (visto ser impossível trazer tudo), como ervas, unguentos, ânforas de óleo perfumado e tudo o mais;
a maior parte do seu tesouro permanecera na loja, aos cuidados de seu criado de confiança.
Após um corredor, havia a cozinha e um cómodo que poderia ser usado como despensa.
Nada era supérfluo; tudo tinha seu valor e utilidade.
O anão acompanhou-me, enquanto eu examinava as dependências.
Depois, com um gesto fez a vez do anfitrião:
- Senhor, é uma honra receber-te em meus aposentos. Acomoda-te.
Sentei-me em macias almofadas e perguntei:
- E então?
- Sinto-me satisfeito, meu senhor.
Obrigado. Que os deuses te concedam força e saúde!
- Talvez o local seja um pouco pequeno.
- Não, senhor.
As acomodações são perfeitas, especialmente para quem, como eu, não está habituado ao luxo.
Preciso de pouco para viver e sentir-me feliz.
- Óptimo. Estás de posse da chave do portãozinho?
- Sim, senhor. Rafiti fez-me a gentileza de entregar.
Assim, poderei ausentar-me quando for necessário, sem problemas.
- Exacto. E eu poderei visitar-te sem a presença de olhares indiscretos.
Tudo o que precisares, avisa Rafiti ou Malec.
São homens de minha inteira confiança.
Fiz um gesto para levantar-me, que ele impediu delicadamente, dizendo obsequioso:
- Senhor, perdoa-me o atrevimento, porém desde que aqui chegaste noto que estás preocupado, pareces descontente.
Se algo te aflige, fico muito honrado em poder ajudar-te.
- Não é importante.
Apenas um verme que se antepõe no meu caminho - respondi com enfado.
- Vermes esmagam-se com os pés, senhor - considerou ardilosamente.
- Não esses, amigo Ratan.
Não essa classe de vermes.
Ele pareceu pensar por momentos, depois sugeriu com voz suave:
- Na minha humilde concepção, senhor, existem vermes e vermes.
Depende da importância que cada um tem em nossa existência.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo - Página 4 Empty Re: Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 25, 2020 7:20 pm

Existem os que se podem destruir e os que somos obrigados a aceitar e a conviver com eles.
Às vezes, quando impossível esmagar um verme, quem sabe possa ele desaparecer de modo a não mais causar incómodos?
Examinei-o.
Olhava-me fixamente e pareceu-me imbuído de real desejo de ajudar-me.
Naquele momento, sua presença inspirou-me confiança, como se o conhecesse de longa data.
- Talvez tenhas razão.
Vou reflectir no que me disseste.
Levantei-me e ele inclinou-se diante de mim, servil:
- Senhor, sou teu criado.
Se algo necessitares, estarei pronto a agir.
Prometi voltar no dia seguinte.
Tínhamos muito o que conversar.
Após uma última passada de olhos em redor, despedi-me.
Por que aquela sensação estranha de estar sendo observado?
Sentira nitidamente, no final do nosso diálogo, que não estávamos a sós.
Impossível, porém, que alguém entrasse sem ser percebido, visto que eu me posicionara de frente para a porta de acesso.
Ora, que bobagem! Não havia ninguém no ambiente.
Caminhando de volta para o palácio, sentei-me num banco de jardim pensando nas palavras de Ratan.
Ele tinha razão. Não poderia matar Esmérdis, membro da família real e intocável.
No entanto, poderia fazê-lo desaparecer.
Ninguém poderia culpar-me, já que não havia motivo para querer livrar-me de meu irmão.
Todavia, teria de estudar bem a acção para não gerar suspeita.
Esse era apenas um dos meus problemas.
O outro - que eu fazia questão de manter absoluto segredo - dizia respeito à minha irmã e esposa Roxana.
Não poderia desenvencilhar-me dela.
O orgulho ferido exigia vingança, uma reparação.
No entanto, eu precisava de um herdeiro e ela estava para dar à luz.
Isso era mais importante do que acreditar que o filho fosse meu ou não, desde que ninguém viesse a conhecer a verdade.
Todas as pessoas teriam que receber essa criança como meu filho.
Após reflectir bastante no assunto, tomei uma decisão.
Voltei ao palácio e mandei chamar meus leais guardas, que prontamente atenderam.
- Preciso cavalgar. Mandai preparar meu cavalo.
Saímos da cidade e, num local deserto, paramos à sombra de uma rocha à beira da estrada.
Descemos dos cavalos e sentamo-nos na areia.
- Tenho um trabalho para ambos.
Escolhi este lugar por ser isolado e podermos conversar à vontade, sem interferência.
No palácio, as paredes têm ouvidos.
- Estamos às tuas ordens, senhor.
Respirei fundo, compreendendo a gravidade do que ia dizer.
- Preciso que arrumem um jeito de "desaparecer" com Esmérdis.
Ninguém poderá saber.
Fazei de modo que pareça um acidente.
Mas que meu irmão nunca mais volte para trair-me e atormentar-me os dias e as noites.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo - Página 4 Empty Re: Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 25, 2020 7:20 pm

Os guardas baixaram a cabeça, sentindo a responsabilidade que era depositada em seus ombros.
Se ao retornar Ciro descobrisse, estariam perdidos.
No entanto, a fidelidade que sempre me demonstraram superou o medo.
Mesmo porque eles jamais poderiam se escusar de cumprir uma ordem do Imperador.
Aguardei a resposta, sabendo exactamente o que lhes passava pela cabeça.
Afinal, inclinaram-se, concordando:
- Sim, meu senhor.
Quando devemos agir? - indagou Rafiti, o mais afoito.
- O mais rápido possível.
Não sem antes analisarem bem como será executado o serviço.
Advirto-vos: tenho pressa de ver resolvido o assunto.
Tendes ideia de como poderia ser feito?
Rafiti olhou para Malec, como se pedindo ajuda, pensou um pouco, depois sugeriu:
- Senhor, permite-me dizer-te que, se realmente desejas que o "desaparecido" não volte, não podemos contar com a sorte.
Uma atitude mais drástica faz-se necessária.
Conheço um lugar entre as montanhas, deserto e seguro, onde raramente passa alguma caravana.
É distante daqui. Malec e eu podemos levar o príncipe Esmérdis até lá, dar-lhe um golpe na cabeça e jogá-lo pela ribanceira.
Se for encontrado por alguém - o que julgo praticamente impossível -, já terá sido devorado pelos abutres e estará irreconhecível.
De qualquer forma, parecerá um acidente, pois, mesmo que vejam a pancada na cabeça, julgarão que foi proveniente da queda.
- A sugestão é boa, Rafiti.
Mas, como justificar a ida de meu irmão até o alto daquela montanha?
Nisso, Malec interferiu dizendo:
- Se me permites, senhor, a julgar pela vida desregrada que vosso irmão leva, podemos semear a notícia de que o príncipe Esmérdis estava com um problema amoroso.
Apaixonara-se perdidamente por uma jovem desconhecida - o que não será difícil de acreditar - e, tentando ganhar-lhe o coração, fez um acordo com os deuses: os imortais lhe concederiam o amor da donzela e ele, em troca, faria o sacrifício de subir àquela montanha, arriscando-se a morrer.
Reflecti um pouco sobre a sugestão.
Pareceu-me viável, mas seria crível?
Dependeria de como fosse plantada a ideia da nova e devastadora paixão de meu querido irmão Esmérdis.
- Creio que pode funcionar. Importante cuidar de todos os detalhes.
Nenhum pode ser esquecido.
Além do mais, se porventura ele for encontrado por alguém em condições de ser reconhecido, sempre se pode pensar na hipótese de ter sido morto por algum marido traído - completei, dando uma gargalhada, no que fui imitado por meus companheiros.
Satisfeito com o planeamento do crime, retornamos ao palácio.
Resolvi que começaria imediatamente a agir.
Na hora da ceia, Roxana e Esmérdis já haviam retornado.
Reunidos no grande salão, conversávamos descontraídos.
Os grupos se formavam, falando sobre negócios, política, guerra, questões do quotidiano.
A maledicência também era assunto, como tudo o mais que fazia parte da sociedade persa.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo - Página 4 Empty Re: Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo

Mensagem  Conteúdo patrocinado


Conteúdo patrocinado


Ir para o topo Ir para baixo

Página 4 de 8 Anterior  1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8  Seguinte

Ir para o topo

- Tópicos semelhantes

 
Permissões neste sub-fórum
Não podes responder a tópicos