LUZ ESPÍRITA
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O Sol voltou a brilhar - Erick/Célia Xavier de Camargo

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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Nov 26, 2022 8:19 pm

O Sol voltou a brilhar
Célia Xavier de Camargo

Pelo espírito Erick

Prezado (a) leitor (a),
Caso encontre neste livro alguma parte que acredita que vai interessar ou mesmo ajudar outras pessoas e decida distribuí-la por meio da internet ou outro meio, nunca deixe de mencionar a fonte, pois assim estará preservando os direitos do autor e, consequentemente, contribuindo para uma óptima divulgação do livro.

PALAVRAS DO AUTOR
1 - VIDA EM FAMÍLIA
2 - VOLTA AO LAR
3 - EM BUSCA DE INFORMAÇÕES
4 - JORNAIS VELHOS
5 - PETER CUSHING
6 - NOVOS CONHECIMENTOS
7 - OS ESPÍRITOS SE MANIFESTAM
8 - O DIA SEGUINTE
9 - A RECEPÇÃO
10 - DÚVIDAS
11 - DOMINADO PELAS EMOÇÕES
12 - TEMPESTADE FAMILIAR
13 - HORIZONTES QUE SE EXPANDEM
14 - REFAZENDO CAMINHOS
15 - CONVITE
16 - A REUNIÃO
17 - DESDOBRAMENTOS DA REUNIÃO
18 - DECISÕES
19 - MUDANÇAS ÍNTIMAS
20 - O GRANDE DIA
21 - A FESTA
22 - A VERDADE VEM À TONA
23 - HERBERT WILLEMONT
24 - DIANTE DA PRÓPRIA CONSCIÊNCIA
25 - NO ESCRITÓRIO
26 - MUDANÇAS
27 - OLIVER
28 - A FLORISTA
29 - A DAMA DE COMPANHIA
30 - A PROPOSTA
31 - REENCONTRO
32 - ESTRANHOS ACONTECIMENTOS
33 - ATAQUE DAS TREVAS
34 - ESCLARECIMENTOS
35 - A AGRESSÃO
36 - ENCONTRO COM A VERDADE
37 - O SOL VOLTA A BRILHAR
38 - CONCLUSÃO
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Nov 26, 2022 8:20 pm

Palavras do autor
Entrego ao público esta obra, que representa um esforço de longo tempo e o relato de episódios ocorridos no extraordinário século 19, de notável progresso para a humanidade. Além das conquistas tecnológicas propiciadas pela Revolução Industrial, também as áreas da ciência, da filosofia, da psicologia, da economia e das artes gráficas geraram grandes mudanças para o ser humano.
A religião não ficou imune a esse surto de progresso. As pessoas, desacreditando da religião tradicionalista em virtude dos males causados pela "Santa Inquisição", partiram para o materialismo ou para a Reforma. Nesse momento, surgem as Vozes do Além, de seres que haviam habitado o mundo terreno e que se encontravam no mundo espiritual.
As relações entre encarnados e desencarnados, que se processavam desde priscas eras1, no século 19, ganharam notável impulso, uma vez que chegara a hora de o Espírito da Verdade, conforme promessa de Jesus, se fazer presente entre os homens para trazer a Nova Revelação. Essa Doutrina — o Espiritismo — viria a assinalar novo ciclo de progresso, inaugurando uma era de intensa ligação entre os dois planos da vida, o material e o espiritual.
As manifestações iniciaram-se em 1848, na localidade de Hydesville, Estado de Nova York, nos Estados Unidos da América, na residência dos Fox, onde duas meninas, Kate (11) e Margareth (14), ouviam ruídos de pancadas, arrastar de móveis, golpes na madeira e muitos outros. O que levou as pessoas a julgarem a casa mal-assombrada, soube-se depois ser causado por espíritos. Assim, como que obedecendo a uma ordem superior, os espíritos começaram a se manifestar em toda parte, dali se espalhando para o mundo e causando espanto e frisson na sociedade, especialmente em Paris, onde as pessoas se dedicaram às mesas girantes. O eminente professor francês Hippolyte Leon Denizard Rivail, chamado a inteirar-se dos fenómenos, de mentalidade racional, a princípio não os aceitou. Posteriormente decidiu-se a participar de uma reunião e começou a fazer perguntas inteligentes, lógicas, às quais a mesa respondia com a mesma seriedade e elevação. A partir daí, o professor Rivail passou a estudar o assunto de maneira séria e metódica, acabando por tornar-se o Codificador do Espiritismo, com a publicação da monumental obra O Livro dos Espíritos, em 18 de abril de 1857.
Como ele era bastante conhecido em Paris e não queria influenciar os leitores — e também porque considerava que a obra fora realmente escrita pelos espíritos —, Rivail adoptou o pseudónimo de Allan Kardec, como ficou conhecido mundialmente.
Vários pesquisadores surgiram à mesma época, dando notáveis contribuições ao Espiritismo, como Robert Dale Owen (embaixador e membro do Congresso Americano) e Willian Crookes (inglês), físico e químico, que alcançou grande repercussão por ser um dos maiores cientistas do mundo. Crookes fez experiências com a médium Florence Cook, de apenas quinze anos, possibilitando-lhe estudar fenómenos de materialização, comprovando a sua veracidade por meio de dezenas de fotografias e outras experiências que atestavam a imortalidade da alma. Além desses, outros estudiosos deram sua contribuição ao Espiritismo, como o biólogo Alfred Russel Wallace, o físico inglês Oliver Lodge, o filósofo Ernesto Bozzano, o astrónomo Camille Flammarion, Charles Richet, Gustave Geley e outros que se tornaram companheiros de Allan Kardec, trabalhando na implantação da nova doutrina, tais como Gabriel Delanne e Leon Denis.
Na época em que se desenrola a presente história, em Londres, vários grupos se reuniam para estudar o Espiritismo ou para fazer pesquisas, trabalhando anonimamente e passando despercebidos para a posteridade. O caso relatado, que focaliza o drama da família Baker, todavia, é diferente, uma vez que mostra avanço maior. Não focalizando a ciência experimental, que buscava a comprovação por meio de fenómenos, deu início ao que hoje, mais apropriadamente, chamaríamos de trabalho de desobsessão. Dessa forma, abriu o entendimento entre o plano material e o espiritual, aclarando a concepção do princípio da reencarnação. As comunicações mostraram na prática que somos todos espíritos em evolução, que tivemos outras existências nas quais cometemos erros gerando inimizades, e que cabe a nós reparar os danos causados a outrem, por força da Lei de Acção e Reacção.
Digna de nota, também, a transformação moral de alguns personagens, especialmente de George Baker, o que vem testemunhar um dos objectivos da Doutrina Espírita, que é fazer com que nos tornemos progressivamente melhores, a caminho de uma perfeição relativa.
Aquela época, conquanto eu houvesse participado do romance, mantinha-me ainda em situação espiritual bastante difícil, tormentosa e refractária à ajuda dos benfeitores espirituais, até que comecei a apresentar alguma melhora.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Nov 26, 2022 8:20 pm

Assim, como fizesse parte do grupo de desencarnados, pude usar meus humildes préstimos como espírito batedor, obedecendo a ordens dos meus superiores e auxiliando no despertamento espiritual dos encarnados.
Agradeço a oportunidade que o Senhor me concedeu de poder colocar no papel a experiência desse grupo de espíritos, que julgo interessante por focalizar uma época em que o Espiritismo iniciava sua trajectória de luz a benefício da humanidade, descortinando a realidade do mundo espiritual e sua interacção com o mundo material. Além disso, tive a oportunidade de desmistificar o pavor que a "morte" sempre causou nos encarnados, ao mostrá-la apenas como um retorno à verdadeira vida do espírito que, após cumprir sua tarefa na Terra, volta para casa, e mostrar o "nascimento" como oportunidade de aprendizado e reparação que nos chama à responsabilidade diante de nossos erros do passado e nos possibilita crescimento moral e intelectual.
A nossa gratidão perene:
A Deus, Pai Maior, que nos tem acompanhado a trajectória rumo à evolução, sem jamais desanimar, estendendo-nos braços compassivos e ajudando-nos sempre, apesar dos erros escabrosos.
A Jesus, protótipo do amor incondicional, na esperança de que tenhamos sido fiéis aos nossos propósitos de ajudar os necessitados e iluminar-lhes a mente.
A todos que nos ajudaram a concretizar este trabalho.
E aos que vierem a folhear estas páginas, votos de uma boa leitura.

ERICK
ROLÂNDIA, 12 DE SETEMBRO DE 2013.

1. Tempos remotos. (Nota do Revisor)
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Nov 26, 2022 8:20 pm

1 - Vida em família
Londres dormia ainda. A madrugada fria e nevoenta não era um estímulo a deixar o conforto do lar. Não obstante, o cavalheiro saiu de seu palacete e, aconchegando-se mais ao sobretudo de fina lã, ajeitou o chapéu na cabeça e pôs-se a caminhar pela calçada molhada. Suas botas ressoavam no piso de forma lúgubre. Nesse horário, difícil seria encontrar uma carruagem de aluguel, salvo alguma que retornasse após conduzir alguém que voltasse de uma festa ou algum cavalheiro que deixasse os amigos, já vencido pela bebida. Assim, teria de prosseguir a pé.
Enquanto o vento gelado zunia em seus ouvidos, mãos nos bolsos, ele pensava em tudo o que acontecera e na situação que enfrentava agora com tanta dificuldade.
Londres dormia ainda. A madrugada fria e repassando na memória os factos, reconheceu que jamais imaginara, em toda a sua existência bem vivida de homem próspero e actuante na sociedade, deparar com esse tipo de problema.
A filha, jovem bem-nascida, de esmerada educação, que poderia fazer um casamento à altura da sua classe social, passara a demonstrar um comportamento absolutamente inusitado, desagradável e inadmissível, considerando-se a maneira como sempre procedera.
A imagem da filha surgiu-lhe na mente, e ele se entristeceu. Antes, dócil e meiga, sorriso cativante, gestos suaves e voz delicada, elegante e distinta, era muito requisitada nos saraus, onde os cavalheiros a rodeavam, disputando a honra de obter-lhe a concessão de uma contradança. Agora...
O cavalheiro suspirou inconformado, inclinando o corpo ainda mais para proteger-se do frio, enquanto as mãos enluvadas achegavam o sobretudo ao corpo.
"Afinal" — ele se questionava —, "o que aconteceu para que minha filha adorada mudasse de repente? O que a levou a assumir maneiras tão diferentes, quase que... de outra personalidade?
Sim, porque aquela não é a filha que eu conheço e com a qual convivi desde o nascimento."
Levado pelas reminiscências, ele lembrou-se do seu primeiro choro. Estava na sala fumando um charuto, a andar de um lado para outro, impaciente e preocupado, quando ouviu um fraco vagido. Surpreso e aliviado, apagou rapidamente o charuto e correu até o quarto. Abriu a porta num átimo e viu a esposa, entre os lençóis de linho branco bordado, a cabeça repousada em travesseiros, os belos cabelos escuros e ondulados espalhados em torno. Pálida e desfeita, cansada, mas feliz, ela sorria ao contemplar a pequena trouxinha de carne agasalhada na manta de renda.
A midwife2, madura senhora empertigada, de semblante calmo e sério, sorriu ao vê-lo chegar e informou:
— É uma linda menina, milorde!
Ele aproximou-se do grande leito de dossel e envolveu nos braços mãe e filha com gratidão e afecto. Iniciava-se ali um relacionamento entre pai e filha, que só cresceria ao longo dos anos.
A recém-nascida recebeu o nome de Helen, como a avó paterna.
A parteira retirou a criança dos braços da mãe para que esta pudesse descansar, levando-a para o quarto ao lado, preparado para recebê-la. Depois dos primeiros cuidados, colocou-a em um lindo berço perfumado e cheio de rendas, deixando-a aos cuidados da nurse3, Dorothy.
Sentado ao lado da esposa, na quietude do ambiente, ele murmurou:
— Nossa filha é linda, meu amor!
— Muito linda, querido! Miss Parker assegurou-me que é perfeita!
— E como poderia deixar de ser, sendo sua filha? Mas, e você, como está se sentindo, querida Jane? Precisa de algo?
Ela fitou-o cheia de ternura e respondeu com voz fraca:
— Não, meu querido. Estou exausta; preciso apenas descansar. Logo estarei bem de novo.
— Então, vou deixá-la para que possa repousar.
Ele apagou as luzes, deixando apenas a da mesa de cabeceira e, dando-lhe um último beijo, saiu do quarto.
Desse dia em diante, o tempo passou célere, sem que George e a esposa, felizes e descuidados, o sentissem. Logo o bebê transformara-se numa encantadora garotinha, que passou a exigir a presença do pai para tudo. Foi contratada uma preceptora, que lhe dava as primeiras aulas. Com frequência, pedia ao pai que, após os estudos, a levasse a passeios no parque, comprasse roupas, guloseimas e tudo o mais que desejasse. Ela amava muito a mãe, mas nutria especial devotamente ao pai, que lhe fazia todas as vontades.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Nov 26, 2022 8:20 pm

A mãe sempre os observava atentamente, um tanto preocupada, alertando-o:
— George, querido, é preciso conter os impulsos de nossa Helen! Não deve atender a todas as suas vontades, pois acabará por estragá-la!
Ele sorria das preocupações da esposa, abraçando-a com carinho:
— Está com ciúme, querida! Por que não posso dar tudo o que nossa filha quer, se temos condições para isso? Dinheiro existe para se gastar!
Jane balançava a cabeça e suspirava:
— Espero que algum dia você não tenha do que se arrepender.
Ele a acalmava, ponderando que jamais o amor de um pai poderia ser prejudicial à filha, e tudo prosseguia como antes.
Assim, a pequena crescera voluntariosa, cheia de caprichos e de vontades.
Ao completar quinze anos era uma bela moça. Gentil, delicada, encantadora para com todos. Com o intuito de apresentá-la à sociedade, George preparou uma grande festa de aniversário, em que Helen obteve sucesso retumbante.
Estava assim perdido em suas lembranças quando levantou a cabeça e viu uma carruagem que se aproximava. Fez um sinal e ela parou. Aliviado, ele deu o endereço para o cocheiro e acomodou-se, relaxando um pouco. Agora, mais abrigado do vento e do frio, ajeitou-se melhor, olhando os lugares por onde passavam. Ao ver a placa de um restaurante que ele e a esposa costumavam frequentar vez por outra, tornou a recordar-se da filha.
A vida de Helen mudara completamente após o aniversário. Recebia inúmeros convites e, não podendo aceitá-los todos, separava os mais interessantes, atirando os outros no lixo. Assim, não parava mais em casa, sempre em festas, saraus, teatros e passeios com os amigos. No começo, ele e a mãe acompanhavam a filha, mas logo Jane não aguentou mais aquela vida de compromissos diários, e apenas o pai passou a acompanhá-la. Todavia, também chegou o momento em que ele estava cansado de tanto movimento. Então, Helen passou a sair em companhia de casais de amigos confiáveis que vinham buscá-la em casa e trazê-la de volta; depois, essa responsabilidade acabou por ficar para os filhos desses amigos.
Desse ponto em diante, a jovem começou a chegar altas horas da madrugada. Em uma das ocasiões, a mãe, que sempre a aguardava, inquieta, questionou:
— Helen, minha filha, onde esteve até agora? Está quase amanhecendo!...
E ela respondia com a maior naturalidade:
— Ora, mamãe, já não sou criança. Preciso me divertir!
Na manhã seguinte, ao desjejum, Jane falou com o esposo, alertando-o para o que estava acontecendo. George riu da esposa, enquanto passava geleia no pãozinho:
— Querida, nossa Helen é jovem e tem todo o direito de aproveitar a vida. Você também não saía quando solteira?
Jane voltou a servir-se de chá, colocando-o na fina xícara de porcelana, à qual adicionou um pouco de creme e, em seguida, dois torrões de açúcar; mexeu a bebida e levou-a aos lábios; depois, respirando fundo retrucou, fitando o esposo que aguardava sua resposta:
— É diferente, George! Eu saía acompanhada de meus pais ou de meus tios!
— É verdade, mas os tempos são outros, minha querida.
Ela calou-se para não gerar desentendimento entre o casal.
Helen despertou não antes das duas horas da tarde e apresentou-se com péssima aparência. Observando-a, a mãe procurou dar-lhe conselhos, a que o pai contrapôs:
— Deixe nossa filha, Jane! Ela está na melhor época da vida! E então, filhinha, como foi a sua noite?
A jovem, tomando um pouco de chá com torradas, respondeu:
— Foi óptima, papai! Aproveitei bastante. Meus amigos são muito agradáveis.
— Será que foi tão boa assim, minha filha? — retrucou a mãe. — Pelo seu estado, eu diria que houve muitos excessos. Você não chegou nada bem em casa.
George contestou, afirmando que Jane estava sendo muito drástica com a filha, e eles acabaram tendo uma séria discussão.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Nov 26, 2022 8:21 pm

A mãe levantou-se e deixou a sala, com o coração apertado, e foi chorar no quarto para que ninguém a visse. E ele prosseguiu conversando com a filha muito naturalmente, como se nada tivesse acontecido, inteirando-se dos detalhes da festa.
Pensando no assunto, George se questionou. Talvez sua esposa tivesse razão quando o alertava para os excessos de Helen.
A verdade é que, por esse ou outro motivo, a jovem mudara por completo. Passou a demonstrar comportamento estranho e agressivo, os gestos e vocabulário se tornaram de baixo nível; falava como gente sem instrução e sem cultura. E até mesmo seus sentimentos se alteraram. Passou a tratar o pai com agressividade, não se dignando a responder quando ele lhe falava, e, quando o fazia, era em tom mordaz, irónico. Muito estranho...
Helen foi se distanciando cada vez mais da família e exigindo sempre mais dinheiro para seus gastos pessoais, até que um dia não voltou mais para casa. Jane e George ficaram desesperados sem saber onde a filha estava e com quem. No entanto, ela não deu mais notícias.
Muitos meses se passaram... Os pais pareciam ter perdido o rumo. Jane nada dizia, mas seu olhar acusava o esposo pelas inúmeras vezes em que o tinha alertado sobre as liberdades que ele permitia à filha, contra a vontade dela, a mãe.
Procuraram em todos os lugares conhecidos, falaram com os amigos de Helen, mas eles também não tinham nenhuma notícia dela. Foram aos hospitais e nada encontraram. Alguém sugeriu:
— Já foram ao necrotério?
George e Jane disseram que não, trocando um olhar desesperado, e lá se foi ele para o local horroroso onde se guardavam os despojos de pessoas que ninguém reclamara. Ali também não estava. Quando ele voltou, balançando a cabeça negativamente, eles se abraçaram, e a mãe pôde, afinal, respirar fundo, aliviada.
Para não gerar maiores constrangimentos, eles evitaram levar o caso à polícia, até que não houve alternativa. Cientificada, ela também nada pôde informar sobre o desaparecimento de Helen, mas George deixou a descrição da filha, caso descobrissem alguma coisa. Dessa forma, agora com um caso nas mãos, a polícia começou a procurá-la.
E o tempo foi passando sem qualquer resultado.
Até que, naquela madrugada, alguém tocou a campainha da porta insistentemente. George tinha esperado que Arthur, o mordomo, atendesse. No entanto, Arthur deveria estar em sono profundo, pois não acordou. Então, George se levantou, vestiu o robe de chambre sobre o pijama e foi atender.
Era um rapazinho trajado muito pobremente que, ao vê-lo, estendeu a mão e lhe entregou um bilhete, dizendo:
— Milorde, sua filha está nesse endereço. Busque-a enquanto há tempo.
George, boquiaberto diante daquelas palavras, abriu o papelzinho e leu o endereço. Quando levantou a cabeça para agradecer ao rapaz e pedir-lhe mais informações sobre a filha, não havia ninguém. Ele desaparecera.
George fechou a porta e voltou para seus aposentos. Jane continuava dormindo e ele não quis acordá-la. Precisava informar-se primeiro. E se fosse uma brincadeira, uma mentira? Melhor ir sozinho.
Vestiu-se em silêncio, colocou um casaco, depois o sobretudo; pegou o chapéu, as luvas e saiu porta afora. O frio era intenso e o vento soprava forte, enquanto um leve nevoeiro cobria tudo. Logo percebeu que, pelo horário, seria difícil conseguir transporte. Então, após descer os degraus, começou a caminhar apressadamente pela rua, deserta àquela hora, até que apareceu uma carruagem...

2. Parteira. (N.R.)
3. Ama-seca ou mulher que cuida de crianças sem amamentá-las; babá. (N.R.)
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Nov 26, 2022 8:21 pm

2 - Volta ao Lar
Cansado, George cochilou um pouco, aproveitando o rodar da carruagem pelas ruas da cidade. O movimento rítmico das rodas em atrito com as pedras da rua, a voz monótona do cocheiro instigando os animais, o balanço do veículo e o calorzinho agradável fizeram com que ele entrasse numa modorra.
De repente, despertou assustado. A carruagem havia parado. O cocheiro avisou-o:
— Milorde, chegamos!
Passando a mão no rosto para espantar o sono e dar-se conta da situação, ele abriu a janelinha e olhou para fora. Não conhecia aquela região da cidade; era um bairro afastado e muito pobre. Na rua, algumas pessoas vestidas pobremente passavam, conversando, talvez se dirigindo ao trabalho. O cocheiro abriu a portinhola para que ele descesse e indicou:
— O endereço é este aqui, milorde.
Ainda atordoado, ele tirou a carteira da algibeira e entregou-lhe as moedas que julgou conveniente. O condutor olhou admirado para a própria mão, onde estava uma quantia bem maior do que ele cobraria pelo serviço.
— Aguarde-me. Não vou demorar.
— Sim, senhor.
Olhou para o velho prédio de vários andares, de aparência sórdida, e enchendo-se de coragem, entrou. A escadaria suja e desconjuntada não pressagiava nada de bom, mas ele subiu os lances, decidido, enquanto a madeira rangia sob suas botas, até
chegar, ofegante, ao quarto andar, próximo à mansarda. Apesar da luz mortiça, andou pelo corredor de muitas portas, estacando diante do número quarenta e dois, anotado à mão.
Respirando fundo, com mãos e pernas trémulas, coração acelerado, deu duas batidas. Não sabia o que iria encontrar lá dentro, e isso o deixava tenso e apavorado. Aguardou, mas ninguém atendeu. Bateu novamente, e nada. "Talvez não haja ninguém lá dentro", pensou.
De repente, ouviu alguém tossir. Era uma mulher! Como homem distinto e educado, jamais pensaria em entrar em algum lugar para o qual não tivesse sido convidado, mas, num impulso, puxou o ferrolho e a porta abriu, rangendo lugubremente.
Olhou em torno. O interior era ainda pior do que o exterior.
Poucos e velhos móveis compunham o ambiente sujo e descuidado: pequena mesa de madeira de pernas tortas, duas cadeiras, um maleiro grande. Não havia luminosidade, a não ser a que provinha de uma pequena janela de vidros quebrados, por onde entrava a claridade da madrugada, além do frio e do vento, naturalmente.
No canto, escondido pelas sombras, um leito. Aproximou-se e alguém tossiu de novo. Entre as cobertas velhas e rasgadas, insuficientes para proteger alguém do frio, estava uma mulher. Chegando mais perto ele se abaixou e, perplexo, teve dificuldade em
reconhecer naquela criatura macilenta e envelhecida, quase só pele e ossos, sua filha querida. Caiu de joelhos no piso, em lágrimas doridas:
— Filha querida! Minha pequena Helen! Afinal a encontrei!
Mas em que condição a vejo, pobre criança!
E, debruçado sobre o corpo frágil, caiu em choro incontrolável.
A enferma abriu os olhos lentamente ao perceber a presença de alguém. Vendo um cavalheiro elegante inclinado sobre ela, abraçando-a, reconheceu-o, pondo-se a chorar e também a dizer com voz fraca, quase inaudível:
— Meu pai! Como... me encontrou? Não... queria que... o senhor... me visse ... assim... neste estado...
Enxugando as lágrimas, ele reagiu. Precisava tomar uma atitude.
— Não importa, minha filha! Vou levá-la comigo agora mesmo.
— Não... meu pai! Já... não... sou digna ... de entrar... naquela casa. Deixe-me... cumprir... meu destino...
As palavras saíam-lhe entrecortadas pela tosse e pela dispneia. Ele precisava agir rápido. Algo lhe dizia que o estado de saúde da filha era muito grave. Tomando uma decisão, tomou-a nos braços e saiu correndo pela porta afora, desceu os lances de escada. Ao ver o cavalheiro carregando uma mulher, o cocheiro abriu a porta da carruagem para que ele pudesse acomodá-la. Depois, retirando o próprio sobretudo, o pai a envolveu nele com infinito amor.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Nov 26, 2022 8:21 pm

Em seguida, cobriu-a com a velha manta que a filha usava para se aquecer do frio e na qual ela se agarrara, aflita, não querendo dela separar-se; talvez por ter sido sua única coberta durante aquele período, ela temia passar frio de novo. Dando o endereço, ele ordenou:
— Vamos, rápido! Não há tempo a perder!...
A carruagem seguiu caminho. Aconchegando-a em seus braços, o pai desejava saber orar para poder rogar a alguém ou a um poder superior — talvez à Natureza, quem sabe? — pela filha querida, cujo estado pressentia muito grave. Todavia, até aquela data, ele não agasalhara nenhum sentimento de religiosidade íntima. Aliás, não acreditava nesse Deus que a religião tanto pregava. Acreditava, sim, no poder do próprio ser humano, na decisão da pessoa que queria realizar alguma coisa, na força da inteligência, mas não acreditava num Ente Supremo que governava o mundo, como tanto apregoavam.
Certa ocasião, instado pelo sacerdote confessor de sua esposa, começou a ler a Bíblia. Se já não acreditava num ser superior, divino, passou a desacreditar ainda mais ao inteirar-se das atrocidades cometidas em nome daquele Deus que agia de maneira diversa para com aqueles que seriam "seus filhos". Era um Deus injusto, violento, irascível, sujeito a negociatas com os mais espertos, que protegia os mais bem aquinhoados e que, inflexível, curvava a fronte dos infelizes e sofredores. Não que ele, George, se incomodasse com isso, de modo algum. Pertencia à melhor sociedade londrina e não tinha tempo nem disposição para pensar nos pobres, que julgava estarem na situação que mereciam estar, pois eram broncos, estúpidos, servis e ignorantes, não sendo aptos, portanto, para vencer na sociedade e galgar posições mais elevadas. Mas, sendo esse Deus tão poderoso, como confiar em alguém tão instável em suas decisões, tão temperamental?
Então, por tudo isso, infelizmente, não sabia como e a quem implorar ajuda para a filha querida às portas da morte.
Abraçado à jovem, ele chorava em silêncio para que ela não percebesse seu descontrole. A filha sempre o julgara forte, invencível, capaz de resolver todos os problemas; então ele não queria mostrar sua fragilidade de homem naquela hora dolorosa. Helen sempre confiara nele e precisava continuar confiando.
A carruagem parou no endereço, e o cocheiro desceu, abrindo a portinhola e tomando nos braços aquela frágil criatura, quase uma criança, para que o cavalheiro pudesse descer.
Logo a enferma estava acomodada em seus aposentos de luxo. George agradeceu ao cocheiro, entregando-lhe outra soma, e perguntou-lhe o nome.
— Chamo-me Martin, senhor. Se precisar de mim, estarei à sua disposição — e deu-lhe o endereço onde poderia ser encontrado.
— Agradeço-lhe, Martin. Foi-me de grande utilidade, e continuarei precisando dos seus serviços ainda hoje. Aguarde-me aqui.
Deixando a sala, George entrou em seu gabinete de trabalho, pegou um papel, uma caneta e, molhando a pena no tinteiro, escreveu um bilhete ao médico da família. Depois, voltando à sala, ordenou:
— Martin, vá até este endereço, entregue o bilhete o mais rápido que puder e não volte sem o médico. É questão de vida ou morte.
— Sim, meu senhor. Volto rápido.
O rapaz pegou o bilhete e saiu apressado para cumprir a tarefa. Tendo tomado essa providência, George respirou fundo e subiu as escadarias, dirigindo-se aos aposentos do casal para ver se a esposa havia acordado.
Na penumbra do ambiente, percebeu Jane ainda no leito.
Chegou-se a ela e ajeitou uma mecha de cabelos encaracolados que lhe caía sobre a testa. Apesar do tempo transcorrido desde que se conheceram, ela continuava muito bela. Abrindo os olhos, Jane sentou-se e o fitou com expressão inquieta:
— George, sonhei com nossa filha!
— Com Helen?!... — indagou surpreso. — E o que sonhou, minha querida?
Tentando lembrar-se, ela começou a contar:
— Está tudo um pouco confuso em minha cabeça. Eu via nossa Helen e não entendia. Estava muito diferente! Era ela e ao mesmo tempo não era; tinha o aspecto de uma mulher mais velha, acabada. Acordei bastante preocupada. Onde andará nossa filha, George? — perguntou com o peito opresso e os olhos cobertos de lágrimas.
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O Sol voltou a brilhar - Erick/Célia Xavier de Camargo Empty Re: O Sol voltou a brilhar - Erick/Célia Xavier de Camargo

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Nov 26, 2022 8:21 pm

Ele abaixou a cabeça sem entender como a esposa podia reconhecê-la, se não a via há longos meses. Pigarreou, ganhando forças para dar-lhe a notícia e, depois, procurando falar de maneira calma e pausada para não assustá-la, contou-lhe tudo o que tinha acontecido durante a madrugada, terminando por dizer:
— Querida, levante-se! Venha comigo!
Angustiada diante das notícias, Jane ergueu-se, colocou o penhoar, calçou as chinelas de veludo acolchoadas com pelos de lebre e correu até o quarto de Helen com o coração batendo forte, enquanto o marido tentava acompanhá-la. Abriu a porta e viu o leito ocupado. Aproximou-se tensa, coração batendo forte e, cheia de amor, inclinou-se sobre a filha, cujos cabelos espalhavam-se sobre as cobertas, olhando-a com infinita ternura.
Em lágrimas, passou a mão de leve retirando as mechas de cabelo que lhe escondiam o rosto e levou um susto ao ver sua aparência acabada e emagrecida. Voltou-se para George e fitou-o perplexa:
— Helen está como a vi no sonho!...
Abraçou-a e novamente dirigiu-se ao marido:
— George! Ela está doente, precisa de cuidados médicos!
Arde em febre!...
— Eu sei, querida. Já tomei providências. Dr. Stanford deve chegar a qualquer momento.
Cerca de meia hora depois, o médico deu entrada no palacete. Cumprimentou os donos da casa e, imediatamente, foi conduzido aos aposentos da jovem.
James Stanford conhecia todo o drama que o casal estava atravessando; acompanhara-lhes o sofrimento, as lágrimas, a incerteza quanto ao paradeiro de Helen. Sem demonstrar surpresa ante sua aparência, impassível, abriu a maleta de couro e retirou um cone oco de madeira que usava para auscultar os doentes, aparelho que antecedeu o estetoscópio. Sentou-se à beira do leito e começou a examinar a paciente. Primeiro os olhos, depois colocou o aparelho em seu peito para contar os batimentos cardíacos, verificou a pulsação; em seguida, pedindo que a virassem de lado, examinou-lhe os pulmões.
Ao terminar o exame, o médico tirou da maleta um pequeno frasco e derramou algumas gotas em seus lábios. Após essa providência, deixando Helen aos cuidados da criada, fez um sinal aos pais, e foram conversar em uma saleta contígua de modo a não serem ouvidos pela enferma.
— E então, James, como está nossa filha? — indagou George impaciente.
— Sim, dr. Stanford! É muito grave seu estado? — quis saber a mãe em súplica comovente.
O médico fitou o casal, que conhecia de longa data, com pena por ter de lhes dar notícias nada agradáveis.
— Caros amigos, o estado de nossa querida Helen é grave.
Não posso nem devo esconder-lhes a verdade. Ela está muito fraca, não tem se alimentado direito nem se agasalhado devidamente. Em virtude desses factores, houve comprometimento dos pulmões. Ela está com pneumonia e a situação é muito grave.
Em lágrimas e apertando as mãos, aflita, Jane quis saber:
— Diga-nos a verdade, dr. Stanford. Nossa filha vai morrer?
Preciso saber!...
Cheio de compaixão, o médico olhou-a, como um pai diante de uma filha querida, e respondeu, acalmando-a:
— Senhora, como médico, acredito que sempre onde há vida há esperança. Vamos fazer todo o possível para que Helen fique bem. Ministrei-lhe algumas gotas para abaixar a febre. É importante, também, que sejam colocadas compressas frias em sua fronte, trocando-as sempre que necessário. Mandarei aviar uma receita e voltarei no fim da tarde. Quanto ao mais, dêem-lhe alimentação leve, caldos, chás e água. E imperioso que se alimente.
Parece-me que há dias não coloca nada na boca. Então, aos poucos, de colherada em colherada, vamos fazer com que ela melhore.
E não se esqueçam de dar-lhe um banho.
— Ah! Mas, doutor, não vai fazer-lhe mal? Realmente, ela está precisando...
— Não, milady Jane. Só pode fazer-lhe bem.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Nov 26, 2022 8:22 pm

O médico despediu-se dos donos da casa e partiu levado pelo cocheiro. No retorno, Martin deu contas ao dono da casa:
— Senhor, deixei o doutor na casa dele.
— Muito bem. Então, está dispensado.
Depois, pensando melhor, George considerou:
— Se quiser trabalhar para mim, rapaz, o serviço é seu. O meu cocheiro ausentou-se da cidade para atender a problemas de família no campo e pediu dispensa do serviço por não saber quanto tempo ficaria fora de Londres.
Com um leve sorriso, Martin aceitou o cargo satisfeito:
— Se for conveniente para o senhor, ficarei muito honrado de estar a seu serviço, milorde.
— Muito bem, Martin. Então, pode começar a partir de agora. Dou-lhe algumas horas para fazer sua mudança. Volte a tempo de buscar o médico no final da tarde.
— Sim, senhor! Tenho poucos pertences. Logo estarei de volta.
Martin saiu eufórico. Com serviço fixo, teria mais condição de dar o que sua mãe precisava. O veículo que dirigia era de um homem que lhe pagava uma pequena parte das corridas que fazia, o que era uma miséria diante do que ele e a mãe necessitavam para viver. Os dois passaram por extrema dificuldade. O pai faleceu quando ele ainda era menino, e a mãe trabalhara muito e exaustivamente em casas ricas para que o filho não sofresse tantas privações. Agora, com esse serviço fixo, Martin teria como retribuir a dedicação da mãe, devolvendo-lhe um pouco do muito que dela recebera.
No palacete, em vista das recomendações do médico, Jane mandou a cozinheira fazer um caldo leve para a doente. Enquanto isso, Dorothy, que fora nurse de Helen e permanecera na casa por todos esses anos como criada de quarto, cuidando da jovem com carinho, acendeu a lareira para aquecer o ambiente; depois, trouxe uma bacia com água quente e um pano macio para lavá-la no leito, pois Helen não conseguia se levantar. A mãe, porém, não abriu mão da tarefa e, com extrema ternura, limpou o corpo e os cabelos da filha, enxugando tudo muito bem; trocou-lhe as roupas por outras limpas e mais aquecidas, terminando por agasalhar-lhe a cabeça com uma touca de lã. Após essas providências e o ambiente aquecido, a enferma mostrava-se menos prostrada. Colocaram-na apoiada em grandes travesseiros, e a mãe deu-lhe algumas colheradas de sopa quente, cujo calor coloriu sua face, acrescentando-lhe mais vida ao semblante jovem.
Exausta pelo esforço, a jovem voltou a dormir tranquila.
Ao cair da tarde o médico retornou com os medicamentos, explicando à mãe e à criada como deveriam ser ministrados. Examinou novamente sua paciente e considerou:
— O organismo de Helen mostra alguma reacção. A febre baixou um pouco, o que é muito bom. Vamos aguardar. Voltarei todas as tardes para visitá-la, mas caso precisem de minha presença fora desse horário, basta me chamar.
George e Jane agradeceram ao médico que, após tomar um chá em companhia dos amigos, partiu.
Marido e mulher se abraçaram mais confiantes, e Jane exclamou:
— Com a graça de Deus, querido, nossa filha conseguirá vencer essa enfermidade! Deus há de nos ajudar!...
Ele respirou mais animado e, sem querer contrariar a esposa, que colocava em Deus suas expectativas, completou:
— Tenho muita confiança no dr. Stanford, querida.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Nov 26, 2022 8:22 pm

3 - Em busca de informações
Os primeiros dias foram muito difíceis. A enferma quase não reagia ao tratamento médico e aos cuidados que recebia. Dormia a maior parte do tempo, não raro sendo tomada por medos e alucinações. Nesses momentos, não reconhecia ninguém, nem mesmo os pais, pondo-se a gritar enlouquecida.
Muitas vezes, seus gritos e lamentos, à noite, deixavam horrorizados os pais e os criados da casa, que não sabiam o que fazer para acalmá-la. Nessas ocasiões, o médico era chamado às pressas, altas horas da madrugada, e prescrevia medicamentos e poções, chás e tisanas, sem qualquer resultado.
Certa noite, cansado, o profissional da medicina viu-se obrigado a confessar que haviam se esgotado todos os meios para socorrer a jovem. Naquela oportunidade, a doente estava particularmente incontrolável:
dizia coisas horríveis e gargalhava como louca. Horas depois, quando finalmente se aquietou e caiu em sono providencial, sendo deixada aos cuidados de Dorothy, sua criada de quarto, os pais e o médico, exaustos, dirigiram-se a uma pequena sala íntima, onde se acomodaram para conversar.
Questionado por George, que exigia uma posição quanto ao mal que atacara a filha querida, o médico declarou com expressão grave:
— Lamento informá-los de que, em virtude das dificuldades e dos sofrimentos por que passou, julgo que o estado mental de nossa Helen esteja irremediavelmente comprometido. Existem estudos e pesquisas que mostram a correlação entre o sofrimento e o desequilíbrio emocional.
Franzindo o sobrolho, George indagou perplexo:
— James, pelo que entendi, acha que nossa filha está louca?...
Dirigindo o olhar ao casal à sua frente, apiedado da angústia dos pais ante o estado da filha, o médico considerou com delicadeza:
— Digamos que Helen esteja desequilibrada mentalmente.
— E isso tem cura, dr. Stanford? — sussurrou Jane, quase desfalecendo de susto.
— Milady, acredito que o amor opera milagres. Durante todos esses anos de exercício da medicina, tenho visto de tudo. Pessoas aparentemente sãs vieram a falecer em consequência de um susto, de um intenso sofrimento. Outras, que pareciam fadadas à morte ou à loucura, se recuperaram após algum tempo com os cuidados amorosos de entes queridos. Então, nada é definitivo. Deus sempre encontra caminhos para auxiliar aquele que ora com fé.
O dono da casa pigarreou, analisando com cepticismo as palavras do velho amigo, e depois aduziu:
— Então, James, pelo que entendi nada há a fazer, se não cremos nesse Deus e se não temos fé.
— Não foi exactamente isso o que eu disse, meu amigo George. Considerei, em vista da experiência que adquiri como médico, que tudo é possível. Inclusive que a fé pode ser muito importante na hora da necessidade para reverter um quadro grave.
— Pois muito bem. Como você sabe, sou ateu. Dessa forma, não posso apelar para um ser superior no qual não acredito.
Então, o que "eu" posso fazer? Ou não existe outro caminho?
O honorável médico trocou um profundo olhar com o amigo, sentindo quase de forma palpável a dor que lhe invadia o íntimo pela expressão de desespero e pelas lágrimas que ele continha a custo, depois com seriedade propôs:
— Amigo George, tenho conhecimento de que, na actualidade, existem outros caminhos, que não os da medicina académica, para tratamento desses casos, conforme notícias que chegaram ao meu conhecimento. Sugiro que faça pesquisas, leia as últimas publicações e, sobretudo, abra sua mente a uma "outra realidade" que, embora não tangível, nem por isso deva ser menos real.
Intrigado, o outro questionou:
— Seja mais preciso, James. A que se refere especificamente?
— À existência de outro mundo, além do nosso, que vem sendo desvendado paulatinamente pelos estudiosos do assunto.
— Ah! Já sei... Isso diz respeito aos charlatães que apregoam a sobrevivência da alma e um mundo para onde todas elas irão após o túmulo. É nisso que espera que eu acredite? — concluiu com sorriso irónico.
— Não, George. Acreditar ou não depende de cada um. Recomendo apenas que pesquise. Pode ser-lhe muito útil.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Nov 26, 2022 8:22 pm

Quanto a mim, por não ser minha área, que é a medicina, nada mais posso dizer.
Em seguida, olhando o grande relógio de parede que acabara de dar cinco badaladas e considerando o horário avançado, o médico ergueu-se, despediu-se dos amigos e, após despertar o cocheiro, que dormia em um banco no vestíbulo, retornou para casa. Estava amanhecendo. As primeiras claridades da aurora se anunciavam brandamente no céu coberto de nuvens.
Cansado, o velho médico agradeceu a Martin, o cocheiro que lhe abrira a portinhola, ajudando-o a descer.
Como o rapaz continuasse parado à sua frente, parecendo querer dizer-lhe algo, ele aguardou.
— Doutor, como está a menina Helen, de facto? Por favor, diga-me, nada comentarei com ninguém.
Dr. Stanford fixou o olhar no moço, que parecia tão preocupado e comoveu-se:
— Gosta dela, não é?
— Sim, doutor. Gosto muito. Desde que ajudei a trazê-la para a mansão, em triste estado, não faço outra coisa senão preocupar-me com ela.
Observando que não era simples curiosidade, mas que o rapaz desejava mesmo ajudá-la, o médico informou:
— Meu jovem, a situação é realmente muito grave. Só Deus pode socorrê-la. Agora vamos dormir. Ambos merecemos.
Martin esperou o médico subir os degraus e abrir a porta da casa, depois retornou para a mansão.
Jane e George, calados, se prepararam para dormir; pouco depois, estavam deitados lado a lado. Remoendo cada qual os próprios pensamentos, eles não conseguiam conciliar o sono, apesar de bastante cansados. De súbito, Jane murmurou sem olhar para o marido:
— George, acha que o dr. Stanford pode ter razão?
— Sobre o quê?
— Sobre Deus, a fé e... outras coisas mais.
— Como o quê?
— Um mundo após a morte. Será possível?
Irritado, o marido respondeu, colocando ponto final na conversa:
— Jane, você sabe que não acredito em nada disso. São ideias absurdas! Agora, vamos dormir. Estou bastante cansado e está amanhecendo.
Ele puxou as cobertas e, virando-se de lado, fechou os olhos tentando dormir. No fundo, ele ficara desesperado ao ouvir o médico reconhecer que a medicina nada podia fazer pela filha querida. Naquele momento, as lágrimas rolaram de seus olhos em silêncio. Não queria que a esposa percebesse que chorava. No íntimo, bem que gostaria de acreditar nesse Deus de que tanto falavam. Pelo menos, teria a quem recorrer.
Horas depois, após ter cochilado ligeiramente, George levantou-se. A esposa ainda estava dormindo; sem fazer barulho, tomou banho para manter-se desperto e, em seguida, foi até os aposentos da filha.
— Como ela está, Lucy? — perguntou à criada que substituíra Dorothy, que ficara à noite.
— Milorde, desde que estou aqui Helen dorme tranquila.
— Óptimo. A qualquer mudança não deixe de me avisar.
— Sim, milorde. Fique descansado.
Deixando os aposentos da filha, George foi fazer seu desjejum. Mais calmo, ele serviu-se de um pouco de chá, torradas e geleia. Estava terminando quando Jane apareceu na sala de jantar, ainda de robe, colocado sobre a camisola de cetim. Ela sentou-se no lugar costumeiro e passou a mão pelos cabelos encaracolados.
— Quando não o vi no leito, George, pensei que nossa filha tivesse piorado e corri ao quarto dela. Fiquei aliviada ao saber que Helen dormiu tranquila o resto da noite. Graças a Deus!... Então, vim fazer-lhe companhia, querido. Conseguiu descansar?
Enquanto ela se servia, saboreando uma fruta, ele comentou:
— Apenas cochilei. Gostaria de dormir um pouco, no entanto, como tenho assuntos urgentes a resolver hoje, não poderia ficar por mais tempo no leito. E você, querida?
— Dormi relativamente bem. Por incrível que pareça, estou refeita.
George olhou-a curioso, estranhando a tranquilidade da esposa. O que ela não contou ao marido é que fizera uma oração a Deus pedindo que socorresse a filha ainda tão jovem e tão doente dos nervos. Após essa oração, dormira rapidamente, envolvida por grande bem-estar. Ele não entenderia.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Nov 26, 2022 8:22 pm

Estavam terminando a refeição quando o cocheiro surgiu à porta.
— Mandou chamar-me, milorde?
— Sim, Martin. Sairei daqui a pouco. A carruagem está pronta?
— Sim, senhor.
— Então, espere-me à entrada.
— Perfeitamente, senhor. Com licença.
O rapaz afastou-se e Jane considerou:
— Querido, aprecio esse rapaz. Parece de boa índole.
— Concordo com você, querida. Tem sido bom neste momento, prestando-nos excelente serviço. Ah! Jane, não me espere para o almoço; devo demorar. Como disse, tenho coisas importantes a resolver hoje. Se algo acontecer com nossa filha, mande
Martin avisar-me. Até mais tarde, querida — concluiu, dando-lhe um beijo.
— Sim, querido. Tenha um bom-dia!
Deixando a mesa, Jane dirigiu-se aos seus aposentos. Arrumou-se cuidadosamente, como convinha a uma dama do seu
nível, e, enquanto a criada de quarto ajeitava-lhe os cabelos, ela
pensava na filha. De súbito, sentiu grande vontade de ir à igreja que costumava frequentar, e que não distava muito da casa.
Retornou aos aposentos de Helen, que continuava a dormir. Curiosamente, Jane percebera que, após essas crises, a filha atravessava período de sono tranquilo, como se o organismo tivesse necessidade de recuperar as forças exauridas pelos excessos. Após beijá-la ternamente, avisou ao mordomo que ia sair e não pretendia demorar. Estaria na igreja ali perto e, diante de qualquer problema, que a informasse.
Deixando o lar, Jane sentiu a satisfação de caminhar pelas ruas, coisa que raramente fazia. Nessa época do ano, a temperatura estava em elevação, e o fato de ver outras pessoas, crianças a brincar nos jardins e o movimento de carruagens era profundamente agradável para ela. Representava vida, movimento, animação.
Chegando à igreja, subiu os degraus e entrou no ambiente preservado e silencioso. Estava quase vazia: apenas duas senhoras e um cavalheiro rezavam. Jane andou pela nave e chegou até a frente do altar, ajoelhando-se na primeira fileira.
Olhando para o altar, fixou a atenção, mais ao fundo, na imagem do Cristo crucificado, que parecia fitá-la com profunda compaixão. Os vitrais, recebendo a luz solar, o iluminavam em feixes de cores variadas. De mãos postas, orou sentida e comovedoramente, abrindo seu coração àquele Jesus amorável que acalmava todas as dores, resolvia todos os problemas, consolava os
sofredores e incutia esperança aos desesperados. Ela não entendia o Cristo de outra forma. Seu coração generoso nutria verdadeiro amor por Ele, que não trepidara em deixar-se imolar para que Seu exemplo permanecesse como um facho de luz para a humanidade, como coroamento da Sua passagem pelo planeta. Então, do fundo da alma, ela suplicava:
— Senhor Jesus! Ajuda-me! Sei que Tu podes socorrer a nós e à nossa filha tão desventurada. Não entendo o que está acontecendo com ela, Senhor, que mal a atinge tão duramente, mas sei que Tu podes resolver nosso problema. Também gostaria de rogar-Te por meu esposo, George, cuja falta de fé faz com que se sinta ainda mais desesperado, não enxergando solução para o problema da nossa querida Helen. Confio em Ti, Senhor, e sei que não nos deixarás ao desamparo. Amém.
Em seguida rezou um Pai-Nosso e fez o sinal da cruz, enxugando as lágrimas que lhe desciam pelo rosto.
Agora mais serena, após ter aberto o coração, Jane continuou ali, olhando a imagem de Jesus, como a pedir-lhe solução para os problemas que se abateram sobre seu lar e que tanto os afligiam. De repente, lembrou-se do que o médico dissera sobre novas pesquisas e estudos que poderiam ajudar sua filha.
Como se uma luz lhe acendesse no íntimo, mais animada, ela deixou a igreja e caminhou para casa, conjecturando um modo de conseguir essas informações. Não entendia como a existência de "outro mundo" poderia ajudá-la, mas sentia necessidade de conhecer o assunto. Assim pensando, retornou para casa com ânimo renovado.
Certamente seu marido não poderia saber. Mergulhado em sua descrença, George jamais aceitaria que ela fosse em busca das novidades a que o dr. James Stanford se referira. Mas ela estava cheia de curiosidade.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Nov 26, 2022 8:22 pm

4 - Jornais velhos
De retorno ao lar, Jane começou a pensar em como iniciar sua pesquisa. De repente, lembrou-se dos jornais recebidos todas as manhãs, os quais, depois de lidos, eram guardados pelo esposo. Certa ocasião, perguntara a ele por que os conservava, e George explicou que traziam notícias importantes e, às vezes, precisava consultá-los novamente para buscar alguma informação. Ela aceitara a explicação, embora nunca tivesse visto o marido voltar a procurá-los e, muito menos, relê-los. Decidida, chamou o mordomo.
— Arthur, para onde são levados os jornais velhos?
— Para o sótão, milady.
— Ah! E poderia trazê-los para mim?
O empertigado mordomo fitou-a com incredulidade:
— Tem certeza, milady?
— Sim. Por que, Arthur?
— É que milady não faz ideia da quantidade de jornais que há no sótão.
Ela ergueu-se, resolvida:
— Então, mostre-me!
E foi caminhando à frente do mordomo. Subiram as escadarias que levavam ao segundo andar e ao terceiro; após mais um lance de escadas, chegaram ao sótão. Jane estava exausta. Arthur pegou a chave, girou-a na fechadura e a porta se abriu.
Àquela hora do dia, não foi preciso acender a luz, pois, das pequenas janelas, a claridade era suficiente para enxergar tudo o que ali estava guardado.
Jane emocionou-se ao ver aquelas coisas tão antigas e das quais já nem se recordava mais: o berço que Helen usara nos primeiros anos, a pequena mesa de madeira pintada, com as cadeirinhas, onde se sentava para brincar, desenhar e escrever; os velhos brinquedos da filha, as bonecas, os bichos de pelúcia, o carrossel, os palhaços... Todo um passado de alegrias. Ela não pôde deixar de pensar em como eram felizes àquela época. Chegava a ouvir o riso ingénuo de Helen a correr pelo gramado, brincando e se divertindo. Respirou fundo, e, com os olhos húmidos, dirigiu-se ao mordomo:
— Tempos felizes aqueles, não é, Arthur?
— Sim, milady. Muito felizes. Mas não se aborreça. Tudo isso vai passar. Logo Helen estará bem de novo.
— Eu sei. Tenho de acreditar nisso, Arthur. E os jornais, onde estão?
O mordomo mostrou-lhe pilhas de periódicos, guardados por ano, e amarrados com pequenos cordões.
Assustada, ela exclamou:
— Mas é muita coisa!
— Foi o que lhe afirmei, milady.
— Se pelo menos eu soubesse o que procurar. Isso, todavia, não tem importância. Deus irá me ajudar, tenho certeza!
Jane conversava com o mordomo, olhando para as pilhas de jornais e as notícias. De súbito, ao correr os olhos por um deles, leu:
"PESQUISADOR DESCOBRE OUTRO MUNDO" .
Admirada, pediu ao mordomo que desamarrasse os cordéis e retirasse a poeira; depois disso, pegou nas mãos o jornal.
— Obrigada, Arthur. Pode descer. Há tanto tempo que não venho aqui que pretendo ficar mais um pouco imersa nas lembranças, e até ler algumas notícias.
O mordomo pediu licença e se retirou intrigado. "Que interesse milady poderia ter em jornais velhos?", pensou curioso.
Jane puxou uma cadeira, espanou-a e sentou-se. Que coisa incrível! Verdadeiramente inacreditável! Parece que me direccionaram para esta pilha, de modo que encontrasse a informação que desejava.
A matéria referia-se a um grupo de pessoas que, interessadas em assuntos do Além-túmulo, resolveram pesquisar e encontraram provas, na comunicação com um homem que havia falecido há mais de cinquenta anos e retornara para contar sua experiência, descrita pelo autor da notícia de forma breve. Era assinada por Vincent Mallory. Jane procurou a data: março de 1862.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Nov 26, 2022 8:23 pm

Perplexa, ela pensava na notícia tão extraordinária: "Mortos que falam?!... Mas isso é extraordinário! E quem será esse Vincent Mallory do qual nunca ouvi falar?".
Jane ficou reflectindo em como descobrir mais sobre o assunto. Com quem? Nisso, lembrou-se do médico: "Mas, claro! Dr. Stanford tentou alertar George para essa realidade. Que ligação terá essa notícia com o que está acontecendo com minha filha?
De qualquer forma, preciso saber. Agora não desistirei".
Com essa determinação, desceu as escadarias com o jornal. Como estivesse quase na hora do almoço, foi preparar-se e ficou em seus aposentos lendo a notícia que tanto a impressionara.
Logo vieram avisá-la de que o almoço seria servido, e ela se encaminhou para a sala de jantar. Almoçou sozinha, visto que o marido não viria. Ao terminar, mandou que o mordomo chamasse Martin.
Assim que o cocheiro se apresentou, Jane comunicou-lhe que precisaria sair.
— Sim, milady. Quando desejar. A carruagem está a postos.
— Pois, então, vamos agora mesmo.
Pegou sua bolsinha, o chapéu e avisou o mordomo de que faria algumas compras, informação que deveria ser repassada ao esposo, caso chegasse antes; e saiu pela porta lateral. No palacete havia a entrada principal e, umas vinte jardas4 depois, um grande portão, que dava entrada para o jardim, onde ficava a carruagem.
Ao cocheiro, que a aguardava, pediu que a levasse ao consultório do dr. Stanford, cujo trajecto ele já conhecia.
Rodaram pelas ruas da cidade até que a carruagem parou diante de uma construção antiga, residência do médico, que destinara as salas da frente para seu consultório. Abrindo a porta, entrou na sala de espera. Uma jovem loira e de longos cabelos presos em coque veio atendê-la. Identificou-se e disse que precisava falar com o médico.
— Sim, milady. Queira sentar-se e aguardar, por gentileza.
Jane sentou-se, examinando o ambiente. Na sala, apenas uma senhora idosa. Logo depois a porta se abriu e o dr. Stanford apareceu, despedindo-se da paciente que atendera. Ao ver a amiga, cumprimentou-a amavelmente, avisando que não iria demorar. Em seguida, pediu à senhora idosa que entrasse. Jane ficou sozinha. Agora, analisando melhor sua atitude, tinha receio de que o médico comentasse com George sobre sua ida à clínica.
Não queria que o marido soubesse. Ele não entenderia suas razões e, ao ser contrariado, costumava ficar particularmente difícil. Aliás, nem poderia dizer-lhe a verdade, pois era contra seu modo materialista de pensar.
Chegando-lhe a vez, Jane entrou e sentou-se diante da mesa do médico.
Trocaram algumas frases protocolares, em que ele, por vias indirectas, tentava saber o motivo da presença dela ali no consultório.
— Como está meu amigo George?
— Está bem, dr. Stanford. Hoje está ocupadíssimo com os negócios.
— Muito bom! E nossa Helen? Como passou o resto da noite?
— Dormiu e não teve mais crises. Até a hora em que saí de casa, estava dormindo tranquila.
— Excelente! Deve ser a medicação. Mas... a que devo a honra da sua visita, milady Jane? Está com algum problema?
— Não, dr. Stanford, minha saúde é excelente.
Depois, com determinação, tirou de dentro da bolsinha a página do jornal que guardara dobrada e mostrou-a ao médico:
— Gostaria que me explicasse algo a respeito desta notícia, dr. Stanford.
Ele passou rapidamente os olhos pela matéria jornalística, depois indagou:
— O que quer saber exactamente, milady?
— Foi sobre esse "outro mundo" a que se referiu na madrugada, doutor? Por favor, quero que seja bem claro comigo.
George não acredita em nada que não possa ver e tocar, mas eu sou diferente e quero ajudar minha filha. Só não entendo o que essa "outra realidade" pode ter a ver com o problema de Helen. O médico respirou fundo e afirmou:
— Vou explicar-lhe, senhora. Tem tudo a ver. Se o problema de Helen fosse físico, eu poderia ajudá-la com meus conhecimentos. Todavia, por tudo o que tenho visto, creio que se trata de algo transcendental: as reacções dela, as expressões, as palavras, as gargalhadas que ela dá em determinadas circunstâncias...
— E então, doutor?...
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Nov 27, 2022 11:04 am

— Milady, eu gostaria que conversasse com alguém que tenha mais conhecimento sobre esse "outro mundo" do que eu.
— Entendo. Não se sente à vontade para falar sobre o assunto. E quem seria essa pessoa, doutor?
Ele pigarreou, concordando:
— Exactamente, senhora Jane. Não é minha área e, se alguém ficar sabendo, não será bom para minha reputação. São pesquisas muito recentes e que causam medo e rejeição, em especial na sociedade londrina, extremamente conservadora.
— Compreendo.
— Mas creio que está tomando a atitude correta, milady.
Tenho um amigo, digno de toda a confiança, que está estudando esses assuntos. Se quiser, aqui está o endereço dele.
O médico escreveu algo num cartão e passou para Jane.
Ela leu o nome: Peter Cushing, seguido do endereço.
— E quem é este Vincent Mallory, que assina a notícia do jornal?
— Um jornalista. Não é importante. Vincent Mallory é apenas um jornalista que ouviu falar e transcreveu o que lhe disseram. Quanto ao meu amigo, é pessoa séria e confiável; pode procurá-lo sem problema. Ele raramente sai de casa; assim, pode ir à hora que lhe for mais conveniente.
Jane agradeceu ao médico e despediu-se. Como ainda tivesse algum tempo, deu o endereço para o cocheiro. Em breve estavam em um bairro distante, que ela não conhecia, defronte de uma casa simples, mas agradável, com lindo e colorido jardim. Nas janelas havia floreiras, também floridas, o que dava um aspecto de alegria e paz. Uma estreita calçada de pedras conduzia até a porta de entrada.
— É aqui, senhora — indicou o cocheiro.
— A que horas ficou de buscar meu marido?
— Por volta das cinco horas, milady.
— Muito bem, Martin. Temos tempo. Não pretendo demorar.
— Sim, milady.
Jane caminhou pela pequena calçada de pedras e viu uma curiosa sineta: uma pequena boca de leão, da qual saía uma corrente pendente. Puxou-a. Logo ouviu passos e alguém abriu a porta. Era um cavalheiro. Ela calculou que teria cerca de cinquenta anos, cabelos grisalhos e semblante simpático. Ao vê-la, ele sorriu, e seus olhos azuis cintilaram.
— Mr. Cushing?
— Sim! Seja bem-vinda, milady. Entre, por favor.
— Eu sou mrs. Baker, Jane Baker — disse, cumprimentando-o.
Depois, um pouco constrangida por estar sozinha na casa de alguém que não conhecia, ela gaguejou:
— Desculpe-me, mr. Cushing. Talvez não devesse ter vindo...
— Se a senhora veio, é porque deve ter um motivo. Então, não se preocupe, vamos conversar. Imagino que deve estar com problemas.
— Ah! Como sabe? Dr. Stanford falou-lhe sobre mim?...
— James? Não! Ele é um excelente amigo, e não o vejo há pelo menos duas semanas. Não, ele nunca me diz nada. Mas, quando dá meu endereço a alguém, é que viu razões para acreditar que eu poderia ajudar essa pessoa. Mas entre, por gentileza. Não vai querer que conversemos aqui fora, vai? — concluiu sorrindo.
Ela corou encabulada.
— Não, certamente.
Jane entrou e o cavalheiro ofereceu:
— Milady, aceita um chá? Acabei de fazer e ia tomá-lo, quando ouvi a sineta.
— Aceito. Obrigada — respondeu, até para ganhar tempo.
Ele a conduziu a uma pequena e encantadora sala. A parede do fundo, arredondada e toda de vidro transparente, permitia ver um jardim primoroso. Armários brancos decorados com delicados enfeites indicavam a presença de mão feminina.
Jane viu uma mesa arrumada para duas pessoas.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Nov 27, 2022 11:04 am

— O senhor estava esperando alguém?
— Sempre espero alguém — disse ele sorrindo. — Muitas pessoas vêm me procurar e me acostumei a ter a mesa arrumada.
— Ah! Entendo — murmurou, corando novamente.
Jane sentou-se e, enquanto o dono da casa trazia o bule de chá, perguntou:
— Mora aqui com sua família, mr. Cushing?
— Não. Moro sozinho, desde que minha esposa morreu — disse ele colocando o bule na mesa e acomodando-se também.
— Ah! Sinto muito! Não pretendia... — Jane não sabia como se desculpar.
— Não se preocupe. Está tudo bem. Não me incomodo de falar no assunto.
Ele serviu-a de chá, depois se serviu também, adicionando torrões de açúcar. Ela provou e achou-o uma delícia.
— Que chá é esse?
— Gostou? É uma mistura que eu mesmo faço com as plantas que cultivo no meu quintal.
— Pois está excelente, mr. Cushing! Meus parabéns!
Sorrindo após o elogio, ele propôs:
— Por que não deixamos de lado as convenções? Aqui, no meu mundo particular, que é a minha casa, costumo tratar todas as pessoas como amigas. Que tal chamar-nos apenas de Peter e Jane?
Embora julgasse um pouco fora das convenções sociais por estarem se conhecendo nessa ocasião, ali a sugestão pareceu muito natural.
— Concordo.
— Muito bem. Então, Jane, experimente estas rosquinhas de mel que fiz!
— Uma delícia! Parece-me que é bom na cozinha, senhor... isto é, Peter.
— Modéstia à parte, gosto de cozinhar. Aliás, em todas as minhas actividades, procuro fazer o melhor, com amor e dedicação. O tempo passa e não sabemos quando poderemos voltar a realizar a mesma coisa, degustar a mesma iguaria, fazer o mesmo passeio, conversar com a mesma pessoa...
Ela notou que ele, de repente, ficou pensativo. Talvez estivesse se lembrando da esposa.
— Não deve ser fácil morar sozinho com as lembranças.
Quando ele se virou para responder, Jane notou que seus olhos estavam húmidos e brilhantes.
— Não é fácil... quando julgamos ter perdido tudo o que tínhamos de mais importante e que representava a própria vida.
Mas não foi isso o que aconteceu comigo. Eu e minha esposa continuamos juntos em pensamento, mantendo a mesma união e o mesmo amor.
Aproveitando o ensejo, Jane tocou no assunto que a interessava particularmente:
— Acredita na vida após a morte?
— Não apenas acredito. Tenho convicção dessa realidade, e é o que me mantém firme e forte, confiando que um dia estaremos unidos definitivamente.
Ela agitou-se, trémula, com os olhos brilhando de emoção:
— Mas como pode ter tanta certeza, Peter?
A expressão dele era de encantamento ao responder:
— Vejo-a em todos os lugares, sua presença preenche esta casa e — o mais importante — sinto quando Emily se aproxima de mim, me faz uma carícia, me beija... Que mais posso desejar?
Jane também estava emocionada. Aquele amor que transcendia a morte era por demais comovente. Mas o dono da casa, voltando ao seu estado normal, perguntou com ternura:
— É esse assunto que a incomoda?
Subitamente trazida de volta ao motivo de sua presença
ali, ela, sem responder, indagou:
— É tão evidente assim?
— Não. Mas o dr. Stanford não lhe teria dado meu endereço se fosse outro o motivo — deduziu ele com seriedade.
— Entendo. A verdade é que tenho necessidade de informações.
— Muito bem. Então, creio que podemos conversar.

4. Unidade de medida de comprimento equivalente a 91,44 cm. (N.R.)
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Nov 27, 2022 11:04 am

5 - Peter Cushing
Convidando Jane a tomar assento na sala de visitas, Peter deixou-a bem à vontade para que falasse do motivo que a trouxera até sua casa. No começo um tanto tímida, sem saber como abordar o assunto, ela hesitava. Com o intuito de ajudá-la, perguntou:
— Jane, você está com algum problema de saúde?
Levantando a cabeça, ela respondeu vivamente:
— Não! Sinto-me óptima.
Depois, um pouco trémula, constrangida por tocar na questão que a preocupava, mas sabendo que precisava fazê-lo, venceu o pudor e murmurou:
— Trata-se de minha filha. Ela tem apresentado reacções e comportamentos bastante estranhos.
Nem sei como falar sobre isso...
Estava nervosa e Peter a acalmou:
— Não se preocupe. Qualquer coisa que me diga, saberei entender. Como começaram esses comportamentos estranhos?
Jane respirou profundamente, balançou a cabeça e concordou.
— Desculpe-me. Vou contar-lhe tudo. Afinal, foi por isso que o procurei.
Depois, com os olhos perdidos, fixados em imagens que só ela vislumbrava, começou a falar. Numa verdadeira catarse, lembrou-se da alegria que o nascimento da filha trouxe a ela e a George. Falou dos primeiros anos, da adolescência da filha e da atitude condescendente do pai, da aceitação incondicional dele a todas as acções de Helen, ao contrário do modo de pensar dela, Jane, preocupada com o comportamento da filha, necessitada de educação e controle. Narrou como a situação foi se deteriorando até o ponto de Helen fugir de casa; do sofrimento que eles sentiram por ignorar onde ela estaria, e até mesmo se viva ou morta.
Peter ouvia sem interromper. Nesse ponto, Jane parou de falar por alguns segundos, enxugou os olhos e, tomando fôlego, prosseguiu:
— Certa madrugada, George ouviu a campainha tocar e esperou que o mordomo acordasse e atendesse à porta. Todavia, provavelmente em sono pesado, ele não despertou. Como a campainha prosseguisse a soar com insistência, não obstante a hora, meu marido foi abrir. Era um rapazinho que lhe entregou um bilhete com um endereço, afirmando categoricamente: "Sua filha está neste endereço. Busque-a enquanto há tempo". Assustado, George abriu o bilhete e leu o endereço. Levantou os olhos, intrigado, para obter maiores informações do rapaz, mas ele já havia desaparecido. Então, meu marido não teve dúvidas. Arrumou-se e nossa filha num velho prédio de sórdida aparência, segundo me contou, e trouxe-a para casa em tristes condições de saúde; ela estava com problemas nos pulmões, além de extremamente magra e enfraquecida. Chamamos o dr. Stanford, nosso amigo há muitos anos, e, sob os cuidados dele e os nossos, ela foi se recuperando. Mas algo inesperado aconteceu: Helen passou a ter crises terríveis: gritava, dizia palavrões, gargalhava, assustando a nós e aos criados da casa. Parecia ser outra pessoa, alguém completamente diferente!...
Jane parou de falar, levando a mão ao coração, e respirou fundo. Peter notou que ela estava tensa, com a expressão angustiada, certamente pelas imagens evocadas, e aproveitou para perguntar suavemente:
— E vocês, o que pensaram de tudo isso?
Jane abriu os braços, mostrando a perplexidade de quem não conseguia entender.
— Não sabíamos o que pensar! Aquilo era inusitado para nós, completamente estranho e perturbador. Assemelhava-se mais a uma história de terror!... Dr. Stanford, certa madrugada em que fora chamado às pressas, confessou-nos sua impossibilidade de ajudar-nos, assegurando-nos que a medicina nada podia fazer nesses casos. Que, em virtude das dificuldades e sofrimentos pelos quais Helen havia passado, achava que o estado mental dela estivesse irremediavelmente comprometido; afirmou, também, que deveríamos procurar outros recursos, por meio de estudos e pesquisas novas que estabelecem a correlação entre o sofrimento e o desequilíbrio emocional. Terminou enfatizando que Deus sempre encontra caminhos para auxiliar quem ora com fé.
— Entendo — conjecturou Peter, percebendo que não se tratava de doença orgânica.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Nov 27, 2022 11:04 am

— Nesse ponto, dr. Stanford tocou na ferida. Devo dizer-lhe que meu marido é absolutamente materialista e ateu. É céptico acerca de tudo o que não possa ver, pegar e sentir. Apesar disso, fiquei interessada, pois lembro-me bem do que o médico disse:
"George, na actualidade, existem outros caminhos, que não os da medicina académica, para tratamento desses casos, conforme notícias que chegaram ao meu conhecimento. Sugiro que faça pesquisas, leia as últimas publicações e, sobretudo, abra sua mente a uma 'outra realidade' que, embora não palpável, nem por isso deva ser menos real." E, ao ser questionado por George, pedindo-lhe para ser mais explícito, falou sobre a existência de outro mundo, além do nosso, que vem sendo paulatinamente descoberto por pesquisadores e estudiosos.
Jane parou de falar, respirou fundo e concluiu:
— Confesso-lhe que essa possibilidade me deixou muito interessada, Peter.
— E, em virtude disso, foi conversar com James.
— Sim. Fui buscar mais informações. Como ele sugerira, procurei nos periódicos antigos e encontrei uma matéria sobre a vida após a morte. Dr. Stanford me confirmou a notícia e deu-me seu endereço. Bem, acho que é tudo que tinha para lhe dizer.
Peter, que a ouvira com extremo interesse durante todo o tempo, muitas vezes confirmando com a cabeça, assegurou-lhe:
— Cara Jane, fez muito bem em vir procurar-me.
— Peter, só que não consigo ver a relação que tem esse "outro mundo" com o caso da minha filha!...
Ele esboçou um sorriso compreensivo:
— Tem tudo a ver, Jane. Vou explicar-lhe direitinho. Mas, antes, deixe-me acender as luzes.
Jane levou um susto. Somente nesse instante ela percebeu que a sala estava envolta em ligeira penumbra. Estava escurecendo e ela nem notara.
— My God! Está tarde! Não percebi o tempo passar. Preciso
ir embora — disse, com ar temeroso e aflito.
— Compreendo perfeitamente. Volte outro dia para continuarmos nossa conversa. Sinto que posso ajudá-la.
— Obrigada. Voltarei.
Despediram-se e ela saiu. Na rua, Martin andava de um lado para o outro, preocupado. Ao vê-la, sua expressão distendeu-se, demonstrando indisfarçável alívio.
— Milady, estamos atrasados!
— Eu sei, Martin. Vamos rápido!
Ele ajudou-a a subir na carruagem e partiu apressado, exigindo o máximo dos cavalos. Ao chegar à mansão, não entrou pelo portão lateral que levava ao jardim e que, transitando por um caminho de pedras, parava defronte de uma grande porta interna. Não. Parou a carruagem na rua e, de cabeça baixa, apenas estendeu a mão para que a senhora descesse do veículo. Jane ajeitou as longas saias, depois se aprumou e, na calçada, deu dois passos no rumo da residência. De repente, ela parou, virou-se e ordenou ao cocheiro:
— Martin, nada diga a milorde a respeito de onde estivemos. Entendeu?
— Sim, milady. O que devo dizer, se me perguntar? — indagou constrangido.
— Que fomos às compras.
— Perfeitamente, milady.
Em seguida, Jane rapidamente subiu os degraus que a levavam à porta principal. Martin se adiantara, puxando a campainha e o mordomo veio abrir. Ela entrou apressada e dirigiu-se aos seus aposentos; o coração arfava, batendo descontrolado. Ela sabia que precisava apressar-se. Escolheu rapidamente um vestido, trocou-se com a ajuda da criada de quarto, que também lhe refez o penteado, um tanto desfeito por acção do vento. Após esses cuidados, olhou-se num grande espelho na parede. Estava realmente bela; somente precisava aquietar a expressão dos olhos, que denunciavam preocupação.
Desceu as escadarias e foi ver a filha, que passara o resto da tarde tranquila. Conversaram um pouco e, como a doente demonstrasse sono, Jane beijou-a e deixou seus aposentos, acomodando-se na sala de estar, a tempo de ver o marido entrar em casa, cansado. O mordomo imediatamente trouxe-lhe um cálice de bebida, exactamente o que o patrão apreciava antes das refeições.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Nov 27, 2022 11:04 am

George aproximou-se da esposa e, beijando-a levemente na testa, indagou:
— Como foi seu dia, querida?
— Após sua saída, fui à igreja. Senti necessidade de rezar um pouco.
— Que desperdício de tempo! — balbuciou ele, saboreando um gole de bebida. — Há tantas coisas mais interessantes para se fazer, querida.
Jane retrucou educadamente:
— Pensamos de forma diferente, querido. Ir à igreja me fez muito bem. Voltei renovada!
— Mas não ficou o dia inteiro rezando, suponho.
— Evidente que não. Fui ver algumas lojas. Preciso de um vestido para a festa de nosso amigo dr. Stanford. É o aniversário de Mildred, lembra-se?
— Ah!... E demorou bastante. Acabei minhas actividades e fiquei esperando Martin, que não apareceu na hora combinada.
— Culpa minha, querido. Envolvida com os trajes de festa acabei me atrasando. Perdoe-me!
— Não se preocupe. Como está nossa filha?
— Teve um dia calmo. Dormiu quase o tempo todo. Conversei com ela há pouco e achei-a normal.
— Ainda bem!
Nesse instante o mordomo veio avisar que o jantar seria servido. George ergueu-se, ofereceu o braço à esposa e dirigiram-se à sala de jantar.
Conquanto um pouco trémula em virtude das perguntas do marido, ela procurou mostrar-se bem-disposta e sorridente.
Enquanto jantavam, conversaram sobre assuntos triviais.
De repente, Martin surgiu à porta. Ao ver Jane, sua expressão mudou e seus olhos fugiram dos dela.
— Milorde, está aí um portador com correspondência urgente para o senhor.
— Sim? Arthur, mande-o entrar e esperar em meu gabinete. Obrigado, Martin. Pode ir agora.
— Sim, milorde.
— Com licença, querida. Não me demoro.
Alguns minutos depois ele retornou e Jane o notou preocupado; indagou a razão.
— Parece-me inquieto. De que se trata, querido?
— É realmente preocupante, Jane. Um navio com carregamento que encomendei em Marselha foi atacado por piratas.
— Meu Deus! E agora?
— Não se aflija, querida. Foram mobilizados os órgãos competentes e já estão atrás deles. Espero que consigam prendê-los.
Caso contrário, meu prejuízo será grande.
Conquanto preocupada, Jane sentiu-se mais aliviada, pois o assunto desviara-se para outro que não lhe dizia respeito.
Conhecia bem o marido e sabia que ele estava desconfiado de alguma coisa.
Após o jantar, dirigiram-se a uma sala íntima e aconchegante, muito do agrado do casal. George pôs-se a ler um jornal, enquanto Jane tocava piano. De repente, ele tirou os olhos do jornal e comentou:
— Querida, estranhei a expressão de Martin. Você notou como ele está diferente? Parece estar com algum problema...
Jane, que tocava uma linda ária, desconcentrou-se e errou, parando de súbito.
— Não. Não notei, George. Estou cansada hoje. Acho que vou me recolher. Boa noite, querido — disse, dando-lhe um beijo rápido.
— Boa noite, querida. Não vou demorar; logo subirei também.
Depois, com expressão interrogativa, tirou os olhos da notícia que estava lendo e murmurou para si mesmo:
— Agora não é só Martin que está diferente. Jane também está estranha...
Fechando o jornal, depositou-o sobre a mesinha próxima e resolveu recolher-se também. Quando entrou nos aposentos, a esposa já estava deitada. George trocou de roupa e deitou-se ao lado dela. Sentiu-a tensa e uma sensação estranha pareceu envolvê-lo.
"O que estará acontecendo?", pensou. Mas como estivesse exausto, adormeceu em seguida, apesar dos problemas.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Nov 27, 2022 11:05 am

Na manhã seguinte, ao acordar, viu que Jane havia se levantado. Após fazer a higiene e vestir-se elegantemente, George desceu. Sua esposa estava fazendo o desjejum; quando ele chegou, ela mordiscava um biscoito de nata e nozes.
— Bom dia, querida! Dormiu bem? — indagou, sentando-se.
— Não muito bem. Só nas primeiras horas; depois perdi o sono e não dormi mais.
George fitou-a com estranheza. Jane sempre tivera sono excelente! Dormia muito bem e acordava bem-disposta e animada. Agora estava pálida, abatida.
— O que houve, querida? Está com algum problema?
— Não!... Creio que fui deitar preocupada com nossa filha.
Ontem não fui vê-la antes de dormir, o que não costuma acontecer, e esse fato deve ter mexido comigo.
— É provável. Após a refeição, procure descansar mais um pouco. Creio que nada tem para fazer, não?
— Tem razão. É uma boa ideia, querido. Farei isso.
George deu-lhe um beijo, despedindo-se, e saiu de casa.
Martin o esperava à porta da frente.
Jane dirigiu-se aos aposentos da filha e viu que ainda estava dormindo. Trocou algumas informações com a enfermeira e dirigiu-se ao seu quarto. Jogou-se no leito tentando conciliar o sono. No entanto, apesar de sonolenta, não conseguia dormir.
Sentia-se amargurada. Certamente a situação da filha a deixava preocupada. Mas, verdadeiramente, o que não saía da cabeça era a lembrança do jeito de Martin. Chegava a dar-lhe arrepios. No fundo, o que estaria ele pensando? Pareceu-lhe que ele a olhava como se a estivesse julgando, como se a acusasse de alguma coisa! Recordou as horas que passara fora de casa no dia anterior, e que não contara ao marido. Resolveu que precisaria conversar com o cocheiro e esclarecer tudo. Repassando na memória a situação, julgou que Martin poderia estar com dúvidas a respeito da sua conduta. Afinal, o cocheiro a levara até o consultório do dr. Stanford; depois, até aquele outro endereço estranho. Realmente, notou que ele mudou depois que ela entrara naquela casa. A situação piorou quando ela se esqueceu do horário, e ele foi obrigado a levá-la rapidamente de volta ao palacete e, em seguida, buscar o patrão na empresa. O marido certamente não gostara do atraso do cocheiro, o que a expressão dele tinha deixado bem claro. Quando dava uma ordem, gostava de ser obedecido.
Jane não sabia o que fazer. Se não contasse a verdade a George teria problemas; se contasse teria problemas do mesmo jeito. Ele nunca entenderia sua busca de informações acerca desse "outro mundo" no qual ele não acreditava.
Por outro lado, a lembrança daquela casa de periferia era-lhe grata. A presença de Peter, um homem especial com mentalidade aberta e instigante, figurava-lhe tão necessária agora como o ar que respirava. Tinha de voltar lá! Sua filha precisava de ajuda e ela confiava nele. Mas como? Teria de explicar a situação a Martin.
Se ele soubesse das suas intenções, talvez pudesse ajudá-la.
Tomou uma decisão. Como não conseguia dormir mesmo, levantou-se e foi caminhar um pouco no jardim. O dia estava bonito e claro. Ainda fazia um pouco de frio, mas a temperatura estava em elevação, o que a incentivou a sair de casa e passear.
Viu quando Martin retornou, colocando a carruagem no pátio interno, como sempre fazia após conduzir o patrão à empresa. Chamou-o. Ele aproximou-se de cabeça baixa e ficou esperando. Parecia muito desconfortável e não a olhava de frente.
— Martin, leve-me para passear.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Nov 27, 2022 11:05 am

6 - Novos conhecimentos
O cocheiro deu-lhe a mão, ajudando-a a subir na carruagem e depois fechou a portinhola, sempre muito sério e compenetrado.
— Aonde vamos, milady?
— Ao Hyde Park.
— Sim, milady.
Tomando assento na boleia, Martin pegou as rédeas e conduziu o veículo em marcha lenta. Quinze minutos depois, estavam entrando no grande e antigo parque real de Londres; rodou pelas ruas ladeadas de árvores e, naquela manhã de sol, no local sempre muito frequentado, havia pouca gente.
De súbito, ela deu uma ordem:
— Pare, Martin! Quero caminhar.
— Sim, milady.
Ele estendeu-lhe a mão, educadamente, e Jane começou a caminhar sentindo o ar fresco da manhã, enquanto observava as velhas árvores, as flores que surgiam aqui e ali nos canteiros, trazendo colorido e aroma nesse início de primavera.
Martin a seguia a alguns passos de distância. Ao ver um banco, cansada, ela sentou-se. O cocheiro não dizia uma palavra.
Disposta a esclarecer a situação, Jane chamou-o para junto de si:
— Martin, precisamos conversar e quero que seja franco comigo. O que está acontecendo?
— Não entendi, milady. O que quer saber?
— Não se faça de tolo, pois não é. Sabe muito bem a que me refiro. Desde ontem, está com um ar diferente, parece desconfortável na minha presença, não me olha e mal responde ao que pergunto.
O rapaz tirou o chapéu e ficou a rodá-lo nas mãos, olhando para o chão. Como ela insistisse numa resposta, ele ergueu a cabeça e esclareceu:
— Fiquei descontente por ter sido obrigado a mentir a milorde Baker, milady.
Jane olhou para ele com carinho. Reconhecia as qualidades daquele moço que chegara à sua casa em momento bastante difícil e que, embora completamente desconhecido, se mostrara sempre digno de confiança e fiel aos senhores, fazendo jus à oportunidade que lhe fora concedida de trabalhar no palacete.
Durante todos aqueles meses, jamais houvera qualquer problema que o desonrasse; ao contrário, se necessário, estava sempre a postos, a qualquer hora do dia ou da noite.
— Martin, tenho muita confiança em você; tanta confiança que ontem pedi que me levasse àquele endereço... que você conhece.
— Agradeço-lhe, milady. Mas não gosto de mentir. Sinto-me mal, acredite. Preferia que não me obrigasse...
Jane o interrompeu com um gesto.
— Sua postura só aumenta o respeito e a consideração que tenho por você, Martin. E por essa razão pedi que me trouxesse até este parque para podermos conversar mais à vontade. Preciso dizer-lhe o que fui fazer naquele endereço e por que preciso da sua ajuda.
Agora ele a fitava, e o constrangimento fora substituído pela curiosidade. Jane respirou profundamente e depois, com os olhos húmidos, suplicou:
— Não me julgue, Martin! Entenderá minhas razões. Não ignora as dificuldades que eu e meu marido temos atravessado com nossa filha. Aliás, foi você que o ajudou a trazê-la de volta para nossa casa em tristes condições...
— Realmente, milady. Pobrezinha da menina Helen! Não me sai da cabeça a situação em que a encontramos, quando ajudei milorde a reconduzi-la ao lar.
— Imagino, Martin. Mas, pelo que dr. Stanford nos assegurou, a doença de Helen não é da alçada da medicina. Ela precisa de outro tipo de tratamento, que George não aceita!
— Ah!...
— Talvez você não possa entender...
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Nov 27, 2022 11:05 am

— Posso, sim, milady. Minha mãe outro dia esteve no palacete — peço-lhe desculpas, pois sei que não é permitido aos criados receber pessoas estranhas —, mas ela tinha urgência de falar comigo. Então, ela entrou pelos fundos e foi até a cozinha; conversamos ligeiramente, mas minha mãe estava inquieta, olhava para os lados, e ela pareceu temerosa. Perguntei-lhe o motivo e ela me respondeu: "Meu filho, esta casa tem 'almas do outro mundo' que estão querendo destruir a menina e os pais dela".
Jane estava perplexa! Olhava para Martin sem conseguir abrir a boca, até que gaguejou:
— É verdade isso, Martin? Não... está enganado?
— Não, milady. Com certeza não estaria falando sobre esse assunto se não estivesse seguro — respondeu com seriedade.
— Mas... mas... como sua mãe chegou a essa conclusão? Ela nunca entrou em nossa casa!... — considerou Jane incrédula.
Com ar de quem sabe o que diz, Martin respondeu firme:
— Milady, desde que eu era pequeno, minha mãe tinha visões, falava coisas que achávamos estranhas, absurdas, porém depois elas se confirmavam.
— Ela tinha visões? Que tipo de visões? O que você quer dizer com isso?
— Milady, se quiser, poderá tirar suas dúvidas directamente com ela. Não posso explicar o que não vejo nem sinto. Mas ela pode!
No auge da excitação, Jane pediu:
— Leve-me até sua mãe, Martin! Quero falar com ela.
Jane levantou-se num impulso, agitada. Tinha pressa de retornar à carruagem, que ficara um pouco distante. Diante daquilo que ouvira, sentia-se trémula e tensa; um misto de medo e curiosidade a dominava. Afinal, ela nunca conhecera pessoas que tinham contacto com esse "outro mundo".
Cerca de uma hora depois, chegaram à casa de Martin. O bairro era bastante pobre, e a casa, simples. Martin tomou à dianteira e ela foi atrás. A cinco jardas de distância, aproximadamente, Jane viu uma mulher que veio recebê-los. Deveria estar lavando roupas; trazia um pano para proteger a barriga, que, evidentemente, não cumprira sua missão, pois estava todo molhado. Com os cabelos escuros presos num coque na nuca, fisionomia risonha e os olhos brilhantes ao ver o filho, ela abriu os braços, recebendo-o com carinho. Somente depois viu a senhora.
— Mãe, esta é mrs. Baker. Veio conhecê-la.
A mulher corou de satisfação e vergonha.
— Conhecer a mim? Seja bem-vinda, milady.
Jane aproximou-se mais, cumprimentando-a:
— Queria muito conhecê-la, Violet, e pedi a Martin que me trouxesse até aqui.
Muito simples, a mulher inclinou-se diante da grande dama:
— Sinto-me honrada por recebê-la em nossa casa, milady.
Entre, por gentileza.
Os móveis eram poucos e já haviam conhecido dias melhores. Jane sentou-se numa cadeira que lhe foi oferecida e, sem preâmbulos, indagou:
— Violet, seu filho disse-me que esteve lá em casa e viu algo que a deixou assustada. O que foi?
A dona da casa lançou um olhar para o filho como se o repreendesse dizendo "você não deveria ter contado", depois confirmou:
— É verdade, milady! Martin não mentiu.
— Mas o que viu precisamente, Violet?
— Vi muitos vultos. Eles querem prejudicar a menina e seus pais.
— Ah! E o que são esses vultos demoníacos?
— Milady, desde pequena eu vejo aqueles que já morreram; as "almas do outro mundo", entende? Não quero ver, mas vejo!
— E foram eles que você viu em minha casa, quando esteve lá?
— Sim, milady! Posso lhe assegurar!...
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O Sol voltou a brilhar - Erick/Célia Xavier de Camargo Empty Re: O Sol voltou a brilhar - Erick/Célia Xavier de Camargo

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Nov 27, 2022 11:05 am

Jane estava apavorada e pensou: "Então não são demónios?
Sempre ouvi dizer que eles é que fazem o mal aos seres humanos!". Precisando de informações, prosseguiu:
— Então, Violet, pode nos ajudar?
A boa mulher arregalou os olhos aflita:
— Milady, eu só posso vê-los! Não sei o que fazer!...
Conversaram mais um pouco, mas como Violet nada mais podia informar, Martin e ela se despediram. Deixando a casa, o cocheiro quis saber:
— Para onde vamos agora, milady?
— Preciso ir à casa de mr. Cushing. Entretanto, temos de voltar para a mansão, porque deve estar quase na hora de buscar George para o almoço. Após a refeição e o retorno de mr. Baker, iremos àquele endereço que você conhece.
— Muito bem, milady. Então, após levar milorde, estarei às suas ordens.
-*-
O casal almoçou, trocou algumas palavras, e logo George despediu-se da esposa, voltando à firma. Jane ficou aguardando.
Ao retornar, o cocheiro informou ao mordomo:
— Arthur, avise milady que estou à sua disposição.
O mordomo franziu as grossas sobrancelhas, com ar inquiridor, mas o cocheiro já virara nos calcanhares, encaminhando-se para a saída. Arthur dirigiu-se à sala íntima, onde a senhora examinava alguns periódicos recém-chegados, e transmitiu-lhe o recado de Martin.
Jane levantou-se, sem notar a expressão de curiosidade do mordomo. Não conseguindo conter-se, ele indagou:
— Milady, posso saber aonde vai?
— Por que, Arthur? — ela estranhou a pergunta.
Ele inclinou-se com uma desculpa:
— Perdoe-me, milady. Queria apenas poder informar milorde, caso ele chegasse antes do retorno da senhora.
— Não se preocupe, Arthur. Voltarei em breve.
Jane deixou a sala sem ver a expressão de estranheza do mordomo que reconheceu, naquela saída da senhora sem dizer o destino, algo inusitado e surpreendente. "Terá ela algo a esconder?", conjecturou.
A caminho da casa de periferia, Jane ia contente. Ao chegar tocou a sineta. Logo o dono da casa veio abrir, satisfeito por vê-la novamente.
— Boa tarde, milady! Seja bem-vinda.
Jane fez questão de apresentar Martin, que a acompanhara até a porta, a mr. Cushing, explicando:
— Precisei contar a Martin a razão da minha vinda até sua casa, mr. Cushing. — Depois, dirigiu-se ao cocheiro: — Aguarde-me, Martin; não vou demorar.
— Sim, milady.
Martin afastou-se e eles entraram. Peter convidou Jane para tomar chá, que ela aceitou, sorridente. Na pequena sala, a mesa já estava arrumada para duas pessoas; ela acomodou-se, enquanto ele pegava o bule no fogão, trazendo-o para a mesa.
— E então, como está se sentindo após nossa conversa, Jane?
— Agradeço-lhe. Aquela tarde fez-me muito bem. Hoje, pela manhã, tive informações que me deixaram um tanto perplexa.
E enquanto saboreava o delicioso chá, ela contou o que Violet lhe dissera.
— Mr. Cushing... isto é, Peter, confesso-lhe que fiquei muito assustada!
— Compreendo. Mas tudo isso não passa da expressão de um mundo que ainda não conhecemos devidamente. Lembra-se de quando lhe falei sobre minha esposa, Emily?
— Sem dúvida. Fiquei comovida com o amor que os une.
Nunca pensei que os sentimentos prosseguissem após a morte.
Ele sorriu, tomou um novo gole de chá e colocou a xícara no pires.
— Não ficou assustada?
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O Sol voltou a brilhar - Erick/Célia Xavier de Camargo Empty Re: O Sol voltou a brilhar - Erick/Célia Xavier de Camargo

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Nov 27, 2022 11:05 am

— Claro que não!
— E por quê?
Ela pensou um pouco e respondeu:
— Por que teria medo? Emily me pareceu uma boa pessoa, amorosa, dedicada...
Peter balançou a cabeça, concordando, e exclamou:
— Mas Emily também é uma "alma do outro mundo", como as pessoas dizem!
— É diferente. Ela não causa medo, terror. Aqueles vultos que Violet viu em minha casa eram perversos; queriam prejudicar a nossa família, segundo o que ela me contou.
— Ah! Então, o que diferencia as almas é o sentimento?
Jane levantou os ombros, sem saber direito o que responder:
— Bem. Não havia pensado nisso. Mas, segundo o que me parece, sim. Pelo menos para mim, os sentimentos fazem diferença.
Peter sorriu e concordou com ela.
— Exacto. É o que os espíritos sentem que os torna melhores ou piores. Mas você entende, Jane, que todos são igualmente "almas do outro mundo"? No fundo são todos iguais! Afinal, são seres criados por Deus, como nós. Apenas a situação em que se encontram, pelos pensamentos e sentimentos difere da nossa.
Assombrada com essa ideia, ela retrucou:
— Você acredita realmente que Deus criou a todos iguais?!...
— Sem dúvida, Jane! Deus não é o Criador de tudo o que existe? Se não foi Deus, quem mais teria criado?
— Pensando assim, você tem razão. Mas... Deus teria criado almas perversas?
— Não, evidentemente. Deus criou as almas, ou espíritos, simples e ignorantes, com a finalidade de se desenvolverem com o passar do tempo, ganhando moralidade e conhecimento. Então, todos os espíritos terão as mesmas condições e oportunidades de progredir.
— Supondo que esteja com a razão, os que fazem ou desejam o mal são mais atrasados?
— Exactamente. No entanto, todos nós atingiremos a perfeição.
Jane ficou calada por alguns segundos, meditando naquilo que tinha ouvido e que era tão diferente de tudo o que aprendera na Igreja Anglicana.
— Aceita mais um pouco de chá, Jane? — perguntou, dando tempo para ela reflectir nas novas informações.
— Aceito, obrigada. Peter, por que então esses espíritos desejam nos fazer mal? Por prazer?
— Não. Existe outro princípio que é fundamental para se entender o processo evolutivo: a lei da reencarnação, ou das vidas sucessivas. Já ouviu falar?
— Sei que no Egipto eles acreditavam que podiam voltar outras vezes a habitar um novo corpo, mas é só.
Ele concordou:
— Tem razão. Os antigos egípcios acreditavam na reencarnação, não apenas eles, mas outros povos também. A verdade, Jane, é que só a reencarnação pode nos fazer crer na bondade, na misericórdia e na justiça de Deus. Caso contrário, como conseguiríamos evoluir, se em uma única encarnação quase nada conseguimos melhorar nossas atitudes? E como justificar as simpatias e antipatias que sentimos ao encontrar pessoas pela primeira vez?
— Senti simpatia por você assim que o vi, Peter!
— E eu por você, Jane! Com certeza somos espíritos que não estamos nos encontrando pela primeira vez!
— Faz sentido. E por que muitos querem nos destruir? — indagou, pensando nos espíritos que Violet tinha visto em sua casa.
— Quando isso acontece é porque, em algum lugar, em alguma época, nos desentendemos, causamos prejuízo a eles. O ódio que sentiram no passado eles o conservam até hoje e, por isso, buscam vingança.
— Meu Deus! Mas não me lembro de ter feito nada contra ninguém!
— Porque ao renascer, nos esquecemos do passado, para aproveitar a existência agindo no bem, de maneira correta, refazendo os relacionamentos danificados outrora. E, preste bem atenção, Jane! Não apenas com os que já partiram temos compromisso de melhorar, mas também com aqueles que fazem parte da nossa vida hoje.
Jane estava com tantas informações na cabeça que já nem conseguia pensar.
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