LUZ ESPÍRITA
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Os Sinos Tocam - Erick/Célia Xavier de Camargo

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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb maio 30, 2020 10:48 am

Os Sinos Tocam
Célia Xavier de Camargo

Pelo espírito Erick

A trajectória evolutiva do Espírito é sempre longa, difícil e dolorosa.
Como seres imortais, estagiamos desde as formas mais primitivas de vida, atingindo a condição de criaturas humanas, embora rudes, desprovidas de sentimentos e guiadas pelos instintos.
Todavia, no espaço e no tempo que medeia esses milhões de anos, quanto sofrimento, quanta dor, quanto mal causamos ao próximo e a nós mesmos.
Na época de Carlos IX, houve na França um trágico episódio que ficou conhecido como "A Noite de São Bartolomeu"'.
Ainda hoje, quando os sinos tocam, repercutem desagradavelmente no íntimo, daqueles espíritos que participaram do trágico acontecimento, lembrando - os as torturas e os crimes praticados naquela terrível noite.
Esperamos que as experiências aqui relatadas sirvam de exemplo e alerta para todos os que vierem a ler esta obra, escrita sem qualquer pretensão, mas com muito amor e dedicação.
Erick
(Trecho extraído da introdução do livro)

Margarida de Valois, Henrique de Navarra e ao centro, Francisco, Duque D’Anjou.
Na Noite de São Bartolomeu de 1572, os católicos massacraram os huguenotes.
Somente em Paris, três mil protestantes foram exterminados nessa noite.
A violência estava espalhada por todo o país, o número de huguenotes mortos foi de dezenas de milhares.
Poucos dias antes, era calmo o ambiente na capital Paris.
Celebrara-se um matrimónio real, que deveria encerrar um terrível decénio de lutas religiosas entre católicos e huguenotes.
Os noivos eram Henrique, rei de Navarra e chefe da dinastia dos huguenotes, e Margarida Valois, princesa da França, filha do falecido Henrique II e de Catarina de Medici.
Margarida era irmã do rei Carlos IX.
Alguns milhares de huguenotes de todo o país - a fina flor da nobreza francesa - foram convidados a participar das festas de casamento em Paris.
Uma armadilha sangrenta, como se constataria mais tarde.
A guerra entre católicos e protestantes predominou na França durante anos, com assassinatos, depredações e estupros.
E agora, um casamento deveria fazer com que tudo fosse esquecido?
O casamento não foi realizado na catedral.
O noivo protestante não deveria entrar na Notre Dame, nem assistir à missa.
Diante do portal ocidental da catedral, foi construído um palco sobre o rio Sena, no qual celebrou-se o casamento.
Margarida não respondeu com um "sim" à pergunta, se desejava desposar Henrique, mas fez simplesmente um aceno positivo com a cabeça.
Como era comum na época, o casamento tinha motivação exclusivamente política.
O plano diabólico teve início.
O rei Carlos foi pressionado por sua mãe, Catarina.
Carlos vacilou, ficou inseguro.
Mas cedeu, finalmente, e ordenou a execução de Coligny.
E exigiu, de repente, um trabalho completo:
não deveria sobrar nenhum huguenote que pudesse acusá-lo posteriormente do crime...
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb maio 30, 2020 10:48 am

Sumário
Preâmbulo
Informações Necessárias


1 - Vida Campestre
2 - Abertura no Tempo
3 - O Compromisso
4 - O Encontro
5 - A Fuga
6 - Destino Incerto
7 - O Casamento
8 - Rumo a Paris
9 - Confirmando Suspeitas
10 - Os Cônjuges
11 - O Herdeiro
12 - A Chegada
13 - Reencontro
14 - A Reunião
15 - O Cerco se Fecha
16 - Cai a Máscara
17 - Na Corte
18 - Ameaças no Ar
19 - Compromisso Desfeito
20 - Investigando o Passado
21 - O Chá
22 - A Correspondência
23 - No Louvre
24 - Vergonha e Humilhação
25 - Nas Sombras
26 - Os Sinos de Saint-Germain
27 - O Massacre
28 - Na Espiritualidade
29 - Retorno à Terra
30 - Na Prisão
31 - Dura Realidade
32 - Lembranças
33 - Enfrentando a Verdade
34 - Encontro Inesperado
35 - Novos Rumos
36 Epílogo
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb maio 30, 2020 10:48 am

Preâmbulo
Caros Irmãos,
Que o Senhor da Vida nos ilumine!
A trajectória evolutiva do Espírito é sempre longa, difícil e dolorosa.
Quando nos detemos a pensar na fieira das reencarnações que ficaram esquecidas na poeira dos tempos, um sentimento de condescendência e de carinho nos toma o íntimo pelos veículos físicos que nos foram concedidos pela misericórdia do Pai, viabilizando oportunidades de crescimento e de aprendizado.
Como seres imortais, estagiamos desde as formas mais primitivas de vida, atingindo a condição de criaturas humanas, embora rudes, desprovidas de sentimentos e guiadas pelos instintos.
O tempo, celeste benfeitor, transmuda criaturas em seres conscientes, por meio do esforço individual e colectivo do progresso.
Aos poucos, aprimorando-se, o Espírito ascende em conhecimentos, desabrocha em sentimentos e parte para conquistas sempre maiores, até atingir, na actualidade, evolução jamais imaginada.
Todavia, no tempo e no espaço que medeiam esses milhões de anos, quanto sofrimento, quanta dor, quanto mal causamos ao próximo e a nós mesmos!
Até onde sei, Espírito orgulhoso e rebelde, prejudiquei a quantos tiveram a infelicidade de conviver comigo.
Construí amizades, mais pela bondade e pela generosidade deles do que pelo meu esforço de criatura egoísta e egocêntrica.
Conquistei posições de relevo e administrei países, fui soldado, religioso, camponês e muito mais.
Sempre, porém, mantendo as pessoas sob meu tacão, governando pelo terror e maquinando nas sombras.
Na época de Carlos IX, vivi na França e participei do trágico episódio que ficou conhecido como "Noite de São Bartolomeu".
Não me identifiquei, talvez porque o orgulho - parte integrante do meu carácter e do qual ainda não consegui me libertar inteiramente - não o tenha permitido.
Ainda hoje, apesar do tempo transcorrido, é extremamente doloroso expor-me ao julgamento da sociedade, além do meu próprio.
Não obstante, já consegui rever os factos, fazendo um retrospecto e analisando os acontecimentos que marcaram a vida de milhares de pessoas, o que representa uma conquista.
Tudo está muito vívido em minha memória.
Ainda hoje, quando os sinos tocam, o som repercute desagradavelmente em meu íntimo, lembrando-me as torturas e os crimes praticados naquela terrível noite, sob a protecção da Igreja Católica.
Ao tomar para si o papel de legatária do Evangelho de Jesus, ela teria por missão amar, proteger e amparar as criaturas, segundo os ensinamentos do Cristo.
O ambiente que cerca esse episódio continua carregado de vibrações nocivas e doentias, em virtude de existirem ainda Espíritos, prejudicados na época, inconformados com a situação e desejando vingança; cultuam o monoideísmo, vivendo em pleno século XVI de Catarina de Médicis.
Por essa razão, enfrentamos muitas dificuldades durante a psicografia do livro.
Quando lembramos uma história, não estamos apenas desvendando factos, mas mexendo com sentimentos, emoções, interesses e vibrações de quantos se achem até agora psiquicamente envolvidos com o assunto.
Com excepção dos personagens históricos, os demais tiveram seus nomes alterados para se evitar uma identificação prejudicial.
Extremamente benéfico e gratificante comprovarmos o crescimento moral e espiritual de muitos que participaram da trama.
Com a visão algo distendida pela compreensão que agora nos felicita o ser, entendemos que cada um agiu de acordo com suas condições e possibilidades à época.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb maio 30, 2020 10:48 am

Actualmente, grande parte dos personagens encontra-se em franca recuperação, procurando vencer suas inferioridades; engajados no movimento espírita, eles trabalham a favor do próximo, não raro das pessoas que prejudicaram outrora.
Outros procuram reconstruir o que destruíram, colaborando nas fileiras da reforma protestante, como meio de reparação e entendimento.
Felizmente, estamos hoje comprometidos com o pensamento cristão em sua maior pureza, tentando disseminar os ensinamentos evangélicos e propagai-a Doutrina Espírita, Consolador Prometido por Jesus, que veio, por meio dos Espíritos do Senhor, aclarar o caminho da humanidade, acendendo luzes em nossas vidas.
Esperamos que as experiências aqui relatadas sirvam de exemplo e alerta para todos os que vierem a ler esta obra, escrita sem qualquer pretensão, mas com muito amor e dedicação.
Nossos agradecimentos a quantos colaboraram na concretização deste projecto.
A Jesus, que tanto nos tem amparado e fortalecido através dos tempos, imorredoura gratidão pela oportunidade de crescimento e de aprendizado que nos proporcionou.
Que Deus os abençoe e os fortaleça no trajecto rumo ao progresso.
Muita paz!

Rolândia, dezembro de 2001.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb maio 30, 2020 10:49 am

Informações Necessárias
Antes de passarmos ao texto psicografado - romance ambientado na França da segunda metade do século XVI -, necessário se faz retroceder um pouco no tempo, para que possamos entender melhor a situação religiosa da época.
Os desmandos da Igreja Católica, desde séculos anteriores, afastando-a dos ensinamentos de Jesus, geraram focos de contestação em diversos países europeus.
Líderes religiosos, com suas ideias, críticas e posições, romperam com a Igreja.
Esse movimento ficou conhecido como Reforma.
Na Inglaterra do século XIV, a imoralidade do clero - amante da boa comida e de mulheres -, a riqueza da Igreja e a constatação de que ia mais dinheiro inglês para o papa do que para o Estado ou para o rei, levaram John Wyclif (1320-84), padre e professor de teologia em Oxford, a posicionar-se contra a Igreja. Indignados, os ingleses formaram um partido anticlerical na corte.
Wyclif construiu seu credo com base nos seguintes pontos:
1. Doutrina da predestinação, segundo a qual Deus concede sua graça a quem Ele desejar, salvando uns e condenando outros.
As boas obras não ganham a salvação, mas indicam que quem as executa recebeu a graça divina e é um dos eleitos.
2. A relação do homem com Deus é directa, e não pede intermediários; por isso, é repelida a ideia de que os padres representam Deus.
3. Todos os bens são de Deus, e se a Igreja e os padres possuem propriedades estão violando o mandamento do Senhor.
4. Os frades não podem pregar a pobreza e acumular riquezas.
Como Cristo e seus apóstolos tinham vivido na pobreza, assim deveriam viver seus vigários.
5. Cristo e os apóstolos não haviam ensinado a doutrina das indulgências, usada pelos prelados para iludir os homens com perdões falsos e lhes roubar grosseiramente o dinheiro.
6. A confissão auricular é desnecessária. Imprescindível a volta à confissão pública voluntária.
João Huss (1369-1415) nasceu na aldeia de Husinec, na Boémia, e era conhecido como João de Husinec, que mais tarde abreviou para Huss.
Foi ordenado padre e reformou a vida, conferindo-lhe uma austeridade quase monacal.
Designado para o púlpito da capela de Belém, em Praga, em 1402, tornou-se o mais famoso pregador daquela cidade.
Adoptando as doutrinas de Wyclif, foi excomungado.
Em 1411, o papa, precisando de dinheiro para uma cruzada contra Ladislau, rei de Nápoles, anunciou uma nova oferta de indulgências.
Quando isso foi proclamado em Praga, João Huss e seu principal adepto, Jerónimo de Praga, protestaram publicamente contra o facto de a Igreja arrecadar dinheiro para derramar sangue cristão, chamando o papa de "cavador de dinheiro" e até de anti-cristo.
Seu tratado "Dg Ecclesia", em parte inspirado em Wyclif, condenava a veneração de imagens, a confissão auricular, os inúmeros ritos, a simonia do clero, o recebimento de dinheiro pelos padres para baptismos, crismas, missas, casamentos ou enterros.
Afirmava que Cristo, e não o papa, era o cabeça da Igreja; a Bíblia, e não o papa, deveria ser o guia dos cristãos; o papa não era infalível, mesmo na fé e na moral; o papa só deveria ser obedecido quando suas ordens se conformassem à lei do Cristo.
Por defender suas ideias de forma irredutível, foi condenado à morte na fogueira, como também seu companheiro Jerónimo de Praga.
Renasceria mais tarde, no início do século XIX, em Lyon, na França, com o nome de Hippolyte Leon Denizard Rivail, tendo a sagrada missão de codificar a Doutrina dos Espíritos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb maio 30, 2020 10:49 am

O monge Martinho Lutero (1483-1546), nascido em Eisleben, na Alemanha, depois de ler um tratado de John Huss e meditar sobre as epístolas de São Paulo, deteve-se no texto:
"O justo viverá pela fé", o que resultou na doutrina de que o homem pode se tornar justo e se salvar, não pelas boas obras, mas somente pela fé em Cristo.
Descontente com os abusos da Igreja, afixou na porta da catedral de Wittenberg 95 teses que condenavam esses abusos, entre os quais a venda de indulgências.
Como não aceitara retractar-se, o papa o excomungou.
Foragido, traduziu a Bíblia para o alemão.
Muitos príncipes alemães o apoiaram porque desejavam libertar-se da influência do papa e do imperador Carlos V, que era católico.
Tal apoio foi decisivo para a difusão do luteranismo.
Esses príncipes tomaram as terras da Igreja Católica, que passaram a ser consideradas propriedades do Estado.
Em 1529, através da Segunda Dieta de Spira, tentou-se impor o catolicismo aos príncipes luteranos.
Como se rebelassem, foram chamados de "protestantes".
Através da Dieta de Augsburgo, em 1555, ficou estabelecido que cada príncipe decidiria que religião adoptar em suas terras.
Na França, João Calvino (1509-1564), nascido em Noyon, filho de Gérard Chauvin, secretário do bispo, depois de estudar em Paris, transferiu-se para Orléans a fim de estudar advocacia.
Formado em 1531, retorna a Paris.
Quando, por volta de 1534, começou a se preocupar com os problemas religiosos na França, já havia no país numerosos adeptos de uma reforma dentro da própria Igreja, tanto de luteranos como de humanistas, que eram muito importantes na França.
Em decorrência de sua pregação reformista, foi convidado a morar na cidade de Genebra, na Suíça.
Lá implantou as Ordens Eclesiásticas - leis rígidas e intolerantes baseadas na sua crença.
Organizou a Igreja Calvinista em termos de fiéis, pastores (dirigentes do culto) e um conselho de anciãos (grupo de fiéis idosos que orientava a prática da religião).
Ele imprimiu na teologia e na moral a lógica, a precisão e a severidade das "Instituías" de Justiniano.
Assimilou os ensinamentos de Lutero, mas propôs reformas mais radicais ainda.
Para Calvino, somente as Sagradas Escrituras são bases da crença.
Também acreditava que a salvação é conseguida pela fé; porém, dizia ele, ter fé não depende dos homens e sim de Deus, que a dá a seus eleitos.
Simplificou ainda mais o culto:
apenas comentários da Bíblia, feitos por sacerdotes sem paramentos, em igrejas sem imagens.
Só os sacramentos do baptismo e da comunhão foram conservados.
Na França, os seguidores de Calvino foram chamados de huguenotes.
Desde a época de Francisco I, e durante décadas, as lutas prosseguiram e acordos de paz foram firmados, ora dando vitória aos protestantes, ora aos católicos.
Todavia, o movimento reformista crescia a olhos vistos na França e centenas de igrejas protestantes se espalhavam por todo o território, sem que se pudesse evitar essa expansão.
Catarina de Médicis, mãe do rei Carlos IX, fervorosa defensora da Igreja Católica, não tolerava o almirante Gaspar de Coligny, huguenote com grande influência junto a seu filho.
Essa era a situação religiosa da época.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb maio 30, 2020 10:49 am

Capítulo 1 - Vida Campestre
Os animais estavam inquietos.
A hora ia avançada e a rotina fora quebrada.
As galinhas cacarejavam no terreiro, ciscando aqui e ali; os patos e os gansos se estranhavam, arrepiando as asas e fazendo um barulho ensurdecedor; o galo, no alto do telhado do estábulo, esforçava-se cantando o despertar; as cabras baliam, sacudindo as sinetas e mastigando o que encontravam pelo chão; as vacas e os bois mugiam, enquanto os cavalos ruminavam o que restara da última ração.
O dia mal começava.
As primeiras claridades da aurora invadiam o céu em tonalidades róseas, quando a jovenzinha abriu o portão que dava acesso ao terreiro.
Arcada com o peso de uma bacia que carregava apoiada na cintura, e de um balde que segurava com a outra mão, caminhava com dificuldade.
Viam-se, estampados em seu semblante, o cansaço e o desânimo.
Não teria mais que treze anos.
Contudo, algo desenvolvida para a idade, deixava entrever, sob as vestes simples, os contornos arredondados do corpo, inclusive os seios, que surgiam no decote do corpete.
Os cabelos, castanhos e encaracolados, caíam-lhe pelos ombros, amarrados com fita vermelha.
Possuía rosto oval de contornos perfeitos e o perfil de uma Madona de Botticelli1; a pele, clara e macia, era um tanto pálida; e os olhos, cor de avelã, grandes e melancólicos, eram velados por longas pestanas; a boca, rosada, onde surgia uma fieira de dentes alvos, mantinha certa expressão de desgosto.
Trajava-se pobremente, como uma camponesa:
blusa branca, decotada, encimada por um corpete que lhe prendia o talhe, amarrado na frente com um cordão cruzado; saias fartas, que desciam quase até o chão, mal deixando perceber as botinas de couro, velhas e esburacadas.
Logo nos primeiros passos, praguejou baixinho.
Não gostava de pisar na lama e odiava quando, inadvertidamente, atolava os pés em excrementos, o que, naquelas circunstâncias, era costumeiro.
Vendo-a chegar, aves e animais correram-lhe ao encontro com vozerio estridente.
Apesar da voz cansada, ela murmurou, mostrando certa ternura:
- Calma!... Calma!...
Cada um terá sua vez.
Primeiro as galinhas, os patos, os gansos e os perus.
Assim dizendo, ia jogando punhados de milho que, avidamente, eram disputados pelas aves.
Depois foi a vez das cabras e do velho bode.
Dirigiu-se em seguida ao estábulo, onde estavam os muares, os equinos e os bovinos.
Portando um pequeno banco e um balde, aproximou-se das duas vacas.
- Primeiro tu, Princesse!
Depois, será a vez de Blanche.
Sentou-se no banquinho e começou a ordenhar uma delas, depois a outra.
Em seguida, colocou ração nos cochos e deixou o barracão, carregando com dificuldade o pesado balde, que transbordava de leite, até a grande e singela construção, residência da família.
Passou pela porta dos fundos, entrando directamente na cozinha.
Pegou uma grande caneca, ferveu o leite e estava arrumando a mesa quando uma senhora surgiu.
Gorda, rosada e faminta.
- Por que a mesa ainda não está posta, Elise?
- Hoje me atrasei um pouco, ma mère, mas logo tudo estará pronto.
Só falta colocar as canecas, o pão e o mel.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb maio 30, 2020 10:49 am

- Falta também a nata, sua desmiolada! - retrucou a senhora, examinando a mesa com ar entediado.
Sentou-se e, vendo a menina que se mantinha calada, prosseguiu:
- Certamente dormiste demais, como sempre.
- Acordei muito cansada, ma mère, e não consegui levantar-me.
A matrona fez um muxoxo, enquanto levava à boca um pedaço
de pão que, de tão grande, mal conseguia mastigar.
Ainda com a boca cheia, atacou novamente:
- Isso é porque, em vez de dormir, ficas a sonhar de olhos abertos com um príncipe encantado que te venha livrar dessa vida de desocupada que levas!
Os olhos da jovenzinha se toldaram ante aquela injustiça e ela retrucou em voz baixa:
- Não, minha mãe.
É que eu estava realmente cansada ontem; trabalhei muito e não consegui repousar o suficiente.
Despertei hoje com o corpo todo dolorido.
- Hum!... Só porque carregaste alguns pedaços de madeira?
Afora isso, quem mais, além de ti, poderia ajudar teu pai, visto que eu não tenho saúde para tal e teu avô está muito velho para fazer serviços pesados? - desfechou, lambendo os dedos besuntados de mel.
- Eu sei, minha mãe.
Mas não eram apenas alguns pedaços de madeira, como afirmas.
Eram mourões destinados à cerca que ajudei papai a fazer.
Nesse momento, entrou na cozinha um homem alto, forte e troncudo.
Traços angulosos, olhar firme, denotava nos gestos a condição de camponês, rude e inculto.
Sentou-se para tomar a primeira refeição e começou a conversar com a esposa.
Elise aproveitou a distracção de ambos para deixar a mesa.
Foi para o quintal e sentou-se numa pedra, desalentada.
Todavia, não demorou muito pois o pai apareceu, lembrando-lhe que o dia já começara e as tarefas estavam todas por fazer.
Calada, ela respirou fundo, foi até o barracão, passou a mão na enxada e acompanhou o pai rumo à lavoura, onde passaram boa parte do dia cuidando das plantações.
À tardinha, quando o sol desapareceu por detrás das montanhas, após a última refeição, Elise refugiou-se num canto do jardim para repousar.
Protegida de olhares indiscretos por um caramanchão de buganvílias, a menina pôde dar livre vazão a seus sentimentos.
Sentada num banco de pedra, mergulhou a cabeça nas mãos.
Entre as ramagens, os últimos raios de sol penetravam dourando as folhas, as flores e tecendo arabescos no chão.
Nesse momento, Elise ouviu passos que se aproximavam.
Levantou a fronte, assustada.
Ao ver o vulto de um velhinho que assomava à entrada, respirou aliviada.
- Ah! És tu, meu avô!
- Sim, ma chèrie. Imaginei que deverias estar aqui, no teu abrigo preferido.
O ancião sentou-se e comentou com delicadeza:
- Notei que parecias muito triste durante a ceia.
Mais triste do que de costume.
O que se passa contigo, minha neta?
Aconteceu algo que desconheço?
Meneando a cabeça, a adolescente respondeu, desconsolada:
- Não, vovô Maurice.
Nada de diferente.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb maio 30, 2020 10:49 am

As mesmas coisas de sempre.
Mas hoje estou particularmente sensível e desgostosa, e é exactamente essa monotonia que me incomoda.
Vovô, por que tenho que levar uma vida tão diferente da das outras moças da minha idade?
Por que me sinto tão infeliz?
Tenho treze anos, vejo-me ainda uma criança e já trabalho como um homem, embora ninguém reconheça meus esforços.
Acordo todos os dias cansada e sem vontade de me levantar e de começar um outro dia, que, não ignoro, será exactamente como o anterior, e como o outro antes dele, e assim por diante...
Deitou a cabeça no ombro do avô e começou a chorar.
Um pranto suave e dolorido, saído do fundo da alma.
- Se ao menos eu soubesse ler, vovô!
Meu pai, porém, sempre considerou desnecessário dar-me qualquer instrução, porque sou mulher e, naturalmente, porque ele também é analfabeto.
- Ele tem vergonha da própria ignorância, Elise.
- Eu sei, vovô.
Assim, quer manter-me ignorante, tal qual ele e minha mãe.
- Mas tua mãe não aprendeu a ler porque não quis.
Gertrudes sempre foi preguiçosa e fútil.
Bem que tentei ensiná-la, porém nunca aceitou o meu convite.
Pensa como teu pai:
não vê nenhuma utilidade para a mulher em saber ler e escrever.
- Sei disso, vovô.
Ficaram calados durante alguns minutos.
Elise prosseguiu:
- Sabe, vovô, gostaria de conhecer outras pessoas, porém não me permitem.
Mesmo quando vamos à igreja, no domingo, jamais admitem que alguém se aproxime de mim.
Não tenho amigas e não conheço nenhum rapaz.
Isso lá é vida?
Levantou a cabeça e mostrou a palma das mãos ao ancião.
- Olha, vovô.
Estas são mãos de uma donzela?
Estão calejadas e feridas pelo trabalho pesado que executo.
Ah!... Gostaria tanto de ser uma dama como essas que, às vezes, vejo passar pela estrada em carruagens de luxo.
Ou como aquelas que vão à igreja e sentam-se em bancos especiais...
O bom velhinho, que ouvia emocionado e que até aquele instante se mantivera calado deixando a neta desabafar, sorriu intimamente.
Agora, Elise não falava mais como criança, pois mostrava os desejos de mulher que lhe afloravam na alma.
Mas isso fazia parte das experiências que ela estava vivendo naquela fase, quando já não era criança e ainda não era mulher.
Com carinho, o avô consolou-a:
- Sei que sofres, minha querida, e gostaria de ajudar-te, mas sabes como teu pai é...
-Ah, vovô! Se pelo menos eu soubesse ler, teria uma distracção.
Papai tem um livro cheio de gravuras, que achou não sei onde e que mostra lugares lindos, paisagens belíssimas, pessoas bem vestidas, castelos... tudo o que eu gostaria de conhecer.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb maio 30, 2020 10:50 am

Um dia peguei o livro e fiquei admirando as gravuras sem entendê-las, porque não sei ler...
O ancião pensou um pouco e indagou:
- Isso te faria-feliz, minha pequena Elise?
- Sim, vovô! Muito feliz!
Seria a descoberta de um mundo novo, um mundo que existe lá fora e que desconheço.
O velhinho sorriu, enquanto acariciava o rosto da neta.
- Pois bem. Se é isso o que desejas, é pouco.
Tenho como satisfazer teus anseios.
Vamos combinar assim: todos os dias, após tuas obrigações, nos reuniremos no estábulo e passarei a ministrar-te aulas.
Elise deu um pulo de alegria, agarrando o pescoço do avô e envolvendo-o em seus braços.
- Muito obrigada, vovô!
Muito obrigada!
Meio sufocado pelo abraço, ele conseguiu dizer:
- Teus pais não deverão ficar sabendo.
Será um segredo nosso. Concordas?
- Claro, vovô!
Tens razão.
Meu pai não iria entender.
Além disso, não quero complicar tua situação em nossa casa.
Sei que ele iria ralhar contigo.
Aconchegada ao pescoço do generoso velhinho, ela dava vazão à sua felicidade.
- Ah, vovô, é a vida que me devolves.
Obrigada! Obrigada!
Levantando-se, ele sugeriu:
- Está ficando tarde.
Melhor nos recolhermos para que teus pais não desconfiem de nada.
Amanhã logo cedo, irei ao vilarejo e providenciarei material para escrita.
Antes do anoitecer, nos reuniremos no estábulo. Combinado?
Elise concordou e deixaram o caramanchão de mãos dadas, felizes.
A mocinha, porque ia realizar um sonho longamente acalentado.
O ancião, porque encontrara uma maneira de auxiliar a neta, cuja tristeza permanente o afligia sobremaneira.
A partir do dia seguinte, todas as tardes se dirigiam ao estábulo, sob a alegação de verificar as condições dos animais.
E, tendo como "assistentes interessados" os ocupantes do local, estudavam cerca de uma hora, deixando depois o material escondido no meio do feno.
Apesar da vontade, não podiam dilatar o tempo, para não despertar suspeitas.
Com o passar dos dias, resolveram variar de local, porque os pais de Elise já estavam ficando curiosos.
Assim, passaram a reunir-se no caramanchão, deixando o material oculto sob uma pedra.
Com o tempo, os tesouros do conhecimento foram sendo desvendados para Elise, que aguardava com ansiedade a hora da aula.
Certo dia, ao caminhar pelos arredores, ela descobriu uma pequena gruta, que serviria perfeitamente aos propósitos dela e do seu professor, pois poderia ser transformada em sala de aula.
Levou para lá uma candeia e azeite, e passaram a estudar com o auxílio da pequena luz, visto que, àquele horário, já estava ficando escuro com a aproximação do inverno.

¹ Sandro di Mariano Filipepi Botticelli, pintor italiano, nascido em Florença (1444-1510) - Nota da autora.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 31, 2020 10:40 am

Capítulo 2 - Abertura no Tempo
Recostada no leito, Elise examinava, encantada, o livro que repousava em suas mãos.
Aproveitando-se de um momento em que o pai estava no estábulo cuidando da pata machucada de um cavalo, e a mãe, entretida na cozinha a amassar o pão, entrara nos aposentos do casal.
Caminhara até um armário de mogno e, escondido entre os pertences do pai, encontrara o volume que tanto lhe interessava.
Ela se lembrava com emoção do dia em que seu pai chegara em casa contando a novidade.
Ele vira um objecto caído à beira da estrada, em meio à poeira, quando fora ao vilarejo; aproximara-se e tomara-o nas mãos.
Era um livro!
Sem dúvida, alguém o deixara cair sem perceber.
Henri, preocupado em devolvê-lo, ainda correra para ver se encontrava o dono do livro, mas nem sinal dele.
Assim, levara-o para casa, mostrando com orgulho seu achado para toda a família.
Afinal, àquela época, não era comum as pessoas, especialmente camponeses, terem livros em casa.
Elise, ao pegar o grosso volume, deu asas à imaginação.
Quem teria perdido tal preciosidade?
Um mercador, daqueles que costumavam percorrer as estradas, entrando em cada vilarejo e ofertando seus produtos?
Não, normalmente aqueles viajantes vendiam tecidos, objectos de toucador, panelas e quinquilharias, não livros!
Quem sabe algum príncipe encantado, jovem e belo, que, passando pela região com seu cavalo branco, perdera aquele tesouro?
Ou um monge, gordo e vermelho, que, transitando pelos caminhos com seu burrico, deixara cair o objecto do saco de viagem?
Essa última hipótese lhe pareceu mais provável, porque os monges eram reconhecidamente pessoas letradas.
Agora, satisfeita, Elise apertava o livro de encontro ao coração.
Ali estava contido um tesouro de incalculável valor, pensava ela.
O pai jamais deveria saber que ela se apropriara do livro, pois tinha sido proibida, terminantemente, de folheá-lo.
Todavia, pelo aspecto da obra, ela tinha certeza de que o pai não iria descobrir esse seu procedimento, porquanto ele a guardara no fundo do armário e, pelo visto, nunca mais se lembrara de apanhá-la.
Criado para o labor do campo, como também o haviam sido seu pai e seu avô, Henri vivia para cultivar o solo.
De visão estreita e mentalidade tacanha, julgava que o saber era absolutamente desnecessário ao homem e mais inútil ainda à mulher.
Nunca viajara ou saíra de suas terras.
Conhecia apenas o vilarejo mais próximo, onde vendia seus produtos e onde adquiria, ou trocava, o necessário para a subsistência da casa.
Também ali ele e a família, sempre aos domingos de manhã, frequentavam a igreja.
O mundo para ele se resumia àquele pequeno espaço territorial, bem inferior ao tamanho da sua ignorância.
Por isso, Henri temia que a filha visse as gravuras do grosso volume, que nada lhe poderiam ensinar de bom, e se pusesse a sonhar com o impossível.
A mulher, segundo ele, deveria ser temente a Deus, criada para ser boa dona de casa, boa esposa e boa mãe.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 31, 2020 10:40 am

Nada mais.
Elise, porém, tinha outros projectos.
Ansiava por coisas diferentes e sonhava com uma vida melhor.
Fechou cuidadosamente a porta do armário e, pé ante pé, deixou os aposentos do casal.
Já em seu quarto, não conteve a alegria.
Para ela, a felicidade custava tão pouco!
Satisfeita, sentindo as batidas fortes e aceleradas do coração, acariciou o livro coberto de poeira.
Pegou um pano e limpou-o com cuidado.
A capa surgiu-lhe ante os olhos espantados.
De cor originalmente castanha, apresentava agora um tom acinzentado.
Era uma rica encadernação, com as bordas trabalhadas em arabescos dourados; ao centro, em letras góticas, também em ouro, via-se o título, ilegível, desgastado pelo tempo, pelas manchas de bolor e pelas traças.
Mas isso não tinha a menor importância.
Com um frémito, abriu o volume.
Das páginas amarelecidas, um cheiro acre de bolor evolou-se, atingindo-lhe as narinas.
As figuras começaram a aparecer, uma após outra.
A jovem encantou-se com a beleza dos deuses da mitologia greco-romana.
Com alguma dificuldade, conseguiu ler as legendas colocadas sob as figuras.
As histórias deles a fascinaram.
Depois, passou para o Egipto, maravilhando-se com a imponência das pirâmides.
Eram tantas as informações, que Elise não viu o tempo passar.
Anoiteceu e as sombras invadiram o aposento.
Acendeu uma vela e prosseguiu na leitura.
Em dado momento, ouviu passos e escondeu o livro debaixo do travesseiro.
Bem a tempo.
Sua mãe abriu a porta do quarto, colocando a cabeça pela abertura:
- O que houve?
Não vens cear connosco?
Sabes que teu pai gosta de ver todos à mesa.
Pega de surpresa, inventou uma desculpa:
- Não tenho fome, ma mère.
A matrona pôs a mão sobre a testa da filha:
- Estás doente? Pareces febril!
Vou te fazer um chá, Elise.
Ficarás boa num instante.
A menina controlou-se para não rir.
Para poder ler com clareza, mantivera a luz bem junto da cabeça.
Certamente, a proximidade da vela aquecera seu rosto.
Sentia as faces afogueadas e os olhos ardentes.
Ou, quem sabe, seria apenas pela emoção do momento?
Elise agradeceu e disse que não era preciso, que a mãe não se incomodasse.
Mas a senhora insistiu.
Assim, um quarto de hora depois, voltou trazendo uma caneca de chá de ervas, um pedaço de pão e grossa fatia de queijo.
Deixando a bandeja sobre o leito, a mulher virou-se para sair, afirmando:
- Certamente, pegaste um resfriado, mas o chá quente te colocará de pé.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 31, 2020 10:40 am

Vê se ficas boa logo!
Amanhã tens bastante serviço.
- Oui, ma mère.
Não te preocupes.
Ao acordar, estarei bem.
Tão logo a mãe fechou a porta atrás de si, Elise pegou o livro.
Apanhou também a caneca de chá, o pão com queijo e começou a comer com satisfação, enquanto folheava as páginas.
Entretida na leitura, não percebeu as horas passarem.
Quando sentiu os olhos pesados de sono, as primeiras tintas da alva já estavam a colorir o céu, e a vela quase se consumira de todo.
Mal teve tempo de esconder o livro debaixo da cama e escorregar sob as cobertas, adormecendo placidamente, a cabeça repleta de imagens de personagens e lugares fascinantes.
Acordou dia alto.
Pulou da cama, vestiu-se às pressas e desceu as escadas, encaminhando-se para a cozinha.
Encontrou a mãe remendando algumas peças de roupa.
- Ma mère, por que o pai não me chamou?
- Hum!... - resmungou a senhora fazendo um gesto característico.
Bem que ele tentou, porém estavas dormindo tão profundamente que não acordaste.
Sabendo que queimavas de febre à noite, deixou que continuasses dormindo.
Como te sentes agora?
- Estou bem, ma mère.
Elise olhou pela janela e espantou-se ao ver que o sol já declinava.
- A tarde está pela metade!
Como pude dormir tanto?
Isso nunca me aconteceu antes!
- Também fiquei surpresa! - concordou a senhora, indagando em seguida:
- Estás com fome?
Ao sinal afirmativo da filha, a mulher mostrou as panelas sobre o fogão, onde as brasas permaneciam acesas.
- Come, minha filha.
Deixei a comida no jeito porque sabia que acordarias faminta.
A jovenzinha foi até o fogão, fez seu prato e voltou, sentando-se defronte da mãe.
A lembrança do livro retornou-lhe à mente.
Ficara quase toda a noite lendo.
Isso não poderia voltar a se repetir!
De ora em diante, executaria suas tarefas normalmente, mas reservaria algumas horas para ler.
Uma ideia surgiu-lhe na cabeça:
levaria o livro para a gruta e assim poderia lê-lo junto com o avô.
- É isso mesmo o que farei! - pensou em voz alta.
A mãe, que costurava, levou um susto e espetou o dedo com a agulha.
- Ai!... O que disseste, Elise? - indagou, limpando uma gota de sangue que surgira.
- Nada, ma mère... - respondeu, corando.
Lembrava-me de um serviço que preciso terminar.
Sabes, minha mãe, que os romanos acreditavam que a deusa Ceres era a responsável pelas colheitas?
- Onde aprendeste isso, menina? - surpreendeu-se a matrona.
- Alguém me contou...
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 31, 2020 10:40 am

Elise acabou de comer e foi executar as últimas tarefas do dia.
Tratou dos animais com carinho e cuidou do jardim, retirando as ervas daninhas.
Estava bem-disposta e animada.
Ao voltar do campo com Maurice, que nesse dia o acompanhara, Henri encontrou a filha alegre e sorridente.
- Vejo que já te recuperaste! - disse ele.
- Oui, mon père.
Perdoa-me não te ter ajudado hoje.
Amanhã trabalharei dobrado.
O avô sorriu, fitando-a com carinho:
- Não é preciso, minha neta.
Fiz tua parte hoje, não te preocupes.
Elise agradeceu ao avô, dando-lhe um abraço apertado e beijando-lhe o rosto.
Enquanto a mãe cuidava da ceia e os homens se lavavam, Elise correu para o quarto.
Pegou o livro e o jogou pela janela, no meio das folhagens, que lhe amorteceram a queda.
Depois saiu, deu a volta na casa, apanhou o grosso volume e, escondendo-o entre as dobras da saia, levou-o para a gruta.
Voltou correndo.
Ninguém tinha dado pela sua falta.
Após a refeição, saiu com o avô, como sempre fazia.
Com a desculpa de que iam passear, dirigiram-se para a gruta.
Lá, cheia de euforia, Elise mostrou ao avô a surpresa que lhe tinha reservado.
- Logo vi que algo tinha acontecido.
Estás muito mudada hoje.
Jamais te vi assim! - afirmou, satisfeito, o generoso velhinho, enquanto afagava o livro.
E puseram-se a folhear as páginas.
Elise demonstrava os conhecimentos que já adquirira com a fascinante leitura, e o avô explicava o que ela não tinha conseguido entender, enriquecendo ainda mais o conteúdo com seus judiciosos comentários.
Esgotado o tempo, Elise fechou o livro com desgosto.
- Vovô Maurice, gostaria de ficar lendo o tempo todo.
Se dependesse de mim, não faria outra coisa!
O ancião sorriu, retrucando:
- E o que aconteceria, ma chérie?
Dentro de pouquíssimo tempo, terias devorado o volume todo e não haveria mais o que ler.
Não! O que prezamos deve ser degustado devagarzinho, apreciado do princípio ao fim, aproveitando-se para entender e assimilar todo o seu conteúdo.
- Tens razão, vovô!
Terei paciência e sabedoria para aproveitar ao máximo tudo o que estas páginas podem me ensinar.
Retornaram de mãos dadas, admirando a beleza da noite.
A temperatura caíra e fazia frio, mas eles não se deram conta.
No céu sem nuvens, ao longe, as estrelas lançavam um brilho prateado, enquanto a lua cheia, grande e dourada, iniciava sua trajectória pelo firmamento.
Toda a natureza ganhava um colorido mágico e as folhas pareciam bordadas em filigranas de luz.
O ancião, olhos voltados para o alto, tinha uma expressão de respeito e veneração.
- Ainda há pessoas que dizem não acreditar em Deus, quando podemos vê-lo e senti-lo em toda parte! - comentou.
Ao ouvir o avô referir-se ao Criador, Elise lembrou-se de que o domingo estava chegando e que iriam à igreja.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 31, 2020 10:41 am

- Vovô, não consigo gostar dos sermões de frei Justin.
Quando falas de Deus, eu o sinto por perto, mas na igreja tal não acontece!
Por que será?
O velhinho meditou por momentos, como que estudando as palavras que iria dizer.
- É que Deus, Elise, deve ser entendido e amado, e isso se torna impossível quando não entendemos o que as pessoas falam.
Então, temos que procurar Deus na natureza para entendê-lo e senti-lo dentro de nós.
Procura observar bem tudo o que te cerca e, com o tempo, perceberás o que te quero dizer.
Fez uma pausa, não desejando alongar o assunto, e concluiu:
- Entremos.
Está frio e ainda ontem estavas febril.
Não quero que adoeças por minha causa.
Teus pais não me perdoariam.
Recolheram-se, mas Elise não conseguiu dormir logo.
Eram muitas as informações que tivera no pequeno espaço de vinte e quatro horas, e elas precisavam ser digeridas, armazenadas e catalogadas em seu cérebro.
O que não era tarefa fácil.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 31, 2020 10:41 am

Capítulo 3 - O Compromisso
Elise abriu os olhos e lembrou com satisfação que esse seria um dia especial.
Era domingo, e o domingo sempre era um dia diferente, quando ela deixava a monótona rotina das tarefas diárias para ir à igreja.
Não que ela tivesse particular interesse e satisfação em assistir à missa. Isso não.
Mas apreciava se enfeitar, colocar o traje de festa, arrumar os cabelos e, finalmente, sair de casa a caminho da aldeia, ocasião em que tinha oportunidade de ver outras pessoas e outros lugares.
Assim, ela arrumou-se com esmero e, quando todos estavam prontos, acomodaram-se na carroça e partiram rumo ao vilarejo.
Para Elise, criada no campo em meio aos animais e às plantas, era um deslumbramento entrar na igreja, sentar-se e observar tudo.
Gostava muito de ver as damas e os cavalheiros distintos, aristocratas residentes nas imediações e que possuíam seus próprios assentos - com os nomes gravados! -, bem na frente, pertinho do altar.
Isso, no entender dela, era o máximo do refinamento.
As famílias nobres chegavam em carruagens luxuosas, puxadas por excelentes cavalos, sempre um pouco antes de o ofício religioso começar, e quando toda a comunidade já se achava presente.
Entravam e, à medida que caminhavam pela pequena nave, ouvia-se o farfalhar das sedas, via-se o faiscar das jóias e sentiam-se deliciosas fragrâncias no ar.
Entravam aos cochichos e risos abafados por lencinhos de seda bordados, e certamente desejavam ser vistos e admirados, pois chegavam sempre mais tarde do que os outros moradores do lugar, pensava Elise.
E a presença dessas pessoas enchia os olhos e a mente da mocinha ingénua, que desejava ser tão bem vestida, feliz e alegre como elas.
Eram damas elegantes e trajadas luxuosamente; homens maduros, sisudos e empertigados; rapazes e donzelas vestidos no rigor da moda, com sorrisos displicentes e olhares distantes.
A atitude daqueles aristocratas era de profundo desinteresse e indiferença pelos demais integrantes da comunidade local, constituída de gente simples, plebeus:
comerciantes, ferreiros, carpinteiros, donas de casa e camponeses residentes nas imediações.
Quando o pároco deu início à missa, Elise tentou prestar atenção em suas palavras.
Isso não durou muito tempo.
Frei Justin falava em latim, e ela não conseguia entender nada, assim como os demais.
Logo, entediada, seus olhos vaguearam pela assistência.
Como que atraída por alguma coisa, olhou para trás.
Viu um rapaz que não tirava os olhos dela.
Era Bertrand. Ela o conhecia.
Certa vez, em que tinha vindo ao vilarejo com o pai vender legumes, uma das rodas da carroça quebrara e eles tiveram que parar no ferreiro para consertá-la.
O rapaz trabalhava lá.
Desde então, Bertrand não perdia ocasião de aproximar-se dela.
Mas vê lá se ela iria se interessar por um simples ajudante de ferreiro.
Nem pensar!
Se algum dia se casasse, teria que ser com alguém que tivesse condições de levá-la longe daquele lugarejo e proporcionar-lhe uma vida melhor.
Tentou fixar a atenção no pároco.
A missa deveria estar quase terminando.
Bocejou discretamente.
Nesse momento, observando as pessoas da nobreza, que acompanhavam a pregação do padre com o mesmo desinteresse que ela sentia, notou um jovem que a olhava, sorrindo disfarçadamente.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 31, 2020 10:41 am

Elise nunca o tinha visto.
Calculou que deveria ter entre dezassete e dezoito anos, tez clara e olhos escuros; os cabelos, encaracolados e longos, caíam até o pescoço, emoldurando o rosto fino, de feições aristocráticas.
Não era belo, porém tinha alguma coisa de especial, talvez o sorriso, que o tornava tão simpático e atraente.
Elise desviou o olhar, encabulada, mas percebeu que ele continuava a observá-la discretamente.
Fingiu concentrar-se no padre.
Com surpresa, constatou que a pregação mudara.
Falava o celebrante de forma enérgica, acusadora, os olhos vermelhos impregnados de sacerdotal indignação:
- Tende cuidado com o demónio!
O demónio, que se veste de muitas formas para tentar o crente sincero!
Evitai contacto com os blasfemos e conspurcadores da honra da nossa santa e amada Igreja.
Eles desejam destruir a todos, espalhando mentiras e pregando a desunião.
São os falsos profetas da actualidade, aqueles que vieram para derrubar o edifício de nossas mais sagradas instituições, os dogmas milenares que constituem o alicerce e os pilares da nossa fé, lançando o descrédito e a confusão.
Querem conspurcar tudo o que já foi construído em nome do Cristo de Deus!
Fez uma pausa, enxugou a fronte suarenta, enquanto verificava o efeito de suas palavras nos paroquianos, fitando-os de forma ameaçadora.
Elise estava curiosa para saber a quem ele se referia.
O padre prosseguiu:
- Tendes a obrigação, todos vós, que sois cidadãos tementes a Deus, de rechaçar o inimigo:
os perjuros, os blasfemos, os hereges, os que pregam uma cisão na Igreja.
Deveis, como sagrado mandato concedido pelo Senhor, denunciar os fomentadores da discórdia e da blasfémia.
Todos eles serão excomungados, expulsos do seio das criaturas honestas e cristãs, segregados da sociedade e batidos como cães sarnentos.
Assim Deus o quer!
Assim será feito!
Terminada a arenga, toda a congregação estava sob o impacto das palavras ouvidas.
Os homens foram cumprimentar efusivamente frei Justin, hipotecando-lhe apoio.
Todos se levantaram para sair.
O avô, Maurice, apertou discretamente o braço de Elise, murmurando:
- Aquele moço, acolá, não tira os olhos de ti.
A jovem virou-se na direcção que o avô mostrava e respondeu com desprezo:
- Aquele?!... Sei quem é.
Chama-se Bertrand, e não me interessa, vovô.
A pequena distância, o ajudante de ferreiro ameaçava aproximar-se, porém visivelmente lhe faltava coragem.
Aproveitando a distracção dos pais, que cumprimentavam amigos, Elise correu para fora do recinto.
Desejava ver, ainda uma vez, o jovem aristocrata que, este sim, tanto a interessava.
Ele saíra por uma das portas laterais e ela o perdeu de vista.
Certamente, ele já tinha ido embora na carruagem estacionada nas imediações.
Voltando para junto dos familiares, viu Bertrand que, ganhando coragem, se aproximara e estava a palestrar com seu pai.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 31, 2020 10:41 am

Ficou intrigada e perguntou à mãe o que o ajudante de ferreiro queria.
- Não sei... - disse a senhora.
Por certo, é conversa de homens e as mulheres não devem se intrometer.
E tu, aonde foste correndo daquele jeito?
- Pensei ter visto Amélie, nossa vizinha.
Acho que me enganei.
Despediram-se dos conhecidos e rumaram para a herdade.
Após o almoço domingueiro, sempre um tantinho melhor do que o dos outros dias, Elise foi para o quarto descansar.
Henri tinha aberto um garrafão de vinho e ela bebera um pouco mais que o habitual, por isso estava sonolenta.
Contudo, a imagem do elegante rapaz não lhe saía da cabeça.
Quem seria ele?
Por certo não residia nas imediações; caso contrário, ela já o teria notado na igreja.
Talvez fosse alguém em visita a um dos castelos da região.
Precisava descobrir quem era ele. Mas como?
Apesar do desejo de permanecer no leito, tinha tarefas a cumprir.
Mesmo aos domingos, os animais e aves não prescindiam de cuidados.
Levantou-se, trocou de roupa e foi cuidar das obrigações.
Nos dias seguintes, com a volta à rotina, aos poucos se esqueceu do rapaz desconhecido.
Havia tanto serviço, que não tinha tempo para mais nada.
Por azar, seu avô caiu de cama, doente, e às suas somaram-se as tarefas dele.
Nem o prazer de estudar tinha mais.
Quando deitava a cabeça no travesseiro, adormecia imediatamente.
No domingo seguinte, arrumou-se com esmero.
Secretamente, agasalhava a esperança de rever o jovem aristocrata.
Todavia, ele não apareceu.
Sentiu-se triste e decepcionada.
Nesse dia, porém, algo inusitado aconteceu.
Terminada a missa, Henri anunciou:
- Bertrand irá connosco.
- Por quê? - estranhou Elise.
- Convidei-o para almoçar connosco.
- Por quê? - insistiu, perplexa.
- Precisamos conversar... - respondeu o pai, lacónico.
-Ah!...
A mãe puxou a filha para o lado, repreendendo-a em voz baixa:
- O que é isso, Elise?
Não deves discutir as determinações de teu pai.
A jovenzinha calou-se ao perceber algo estranho no ar.
No fundo, nada disso lhe interessava realmente.
Frustrada, só conseguia pensar no rapaz que não comparecera à missa.
Em casa, Bertrand só tinha olhos para ela.
Elise foi para a cozinha ajudar a mãe a terminar o almoço, enquanto os homens ficaram conversando no quintal.
Henri levou o visitante para conhecer a herdade, mostrando-lhe cuidadosamente as plantações, os animais, as aves e até o riacho que corria entre as pedras, na baixada.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 31, 2020 10:42 am

Depois, sentaram-se à mesa, e, erguendo uma caneca de vinho, aberto especialmente para a ocasião, Henri levantou-se e fez um brinde:
- Vamos brindar a um feliz acontecimento.
Acabo de conceder a mão de minha filha, Elise, ao jovem Bertrand!
Desde agora estão noivos e o casamento será realizado dentro de alguns meses.
Que sejam muito felizes!
A notícia caiu como um raio sobre a cabeça da infeliz Elise, que jamais poderia conceber tal facto.
Os demais, distraídos com o brinde, não perceberam a reacção da jovem.
Só ouviram um grito abafado:
- Não!...
No momento seguinte, Elise estava caída no chão, desacordada.
Foi um alvoroço.
Correram todos para socorrê-la.
Henri pegou a filha no colo, deitando-a num banco próximo.
Como não voltasse a si, a mãe deu-lhe sais para cheirar.
Abrindo os olhos, ela parecia não saber o que estava acontecendo.
Contudo, ao ver Bertrand que, como noivo dedicado, inclinava-se sobre ela cheio de preocupação, começou a chorar, lembrando-se do ocorrido.
O pai, tomando-lhe a mão, indagou aflito:
- O que houve, minha filha?
Enquanto ele falava, Elise pensava rápido.
Conhecia o pai, sabia da sua determinação.
Suas decisões eram irrevogáveis.
Não adiantava, portanto, colocar-se contra ele.
Resolveu aceitar a situação no momento, deixando para o futuro decidir o que fazer.
Teria tempo.
- Não estás bem, ma chèriel - insistiu o pai.
- Não sei o que aconteceu, mon père.
De súbito, me senti mal.
Mas, já estou melhor, não te preocupes - disse, com voz débil.
Levantou-se, auxiliada pela mãe, e, ao ver Bertrand, sorridente e animado à sua frente, sentiu-se fraquejar, e teria caído novamente se o avô não a tivesse amparado.
- Ainda não estás bem, minha filha.
Melhor que te recolhas ao leito - afirmou a mãe.
Henri, embora contrariado, não viu outra saída senão concordar, lamentando intimamente a demonstração de fraqueza da filha, justamente no dia do seu noivado.
- Desculpa a indisposição de tua noiva, Bertrand.
Asseguro-te que isso nunca aconteceu antes.
Ao contrário, Elise sempre foi activa, saudável e forte.
Trabalha como um homem, não é Maurice?
O ancião concordou com um gesto de cabeça, e Henri passou a discorrer sobre as qualidades da noiva, seus predicados e virtudes.
Conquanto vez por outra participasse da conversa, Maurice condoía-se da situação da neta, pois não ignorava que aquele não era o noivo com o qual ela sonhava.
Gertrudes desceu e tranquilizou a todos.
A filha estava bem, apenas necessitando de um pouco de repouso.
O almoço transcorreu em clima de melancolia, apesar dos esforços de Henri para animar o ambiente.
Logo após a refeição, não desejando impor sua presença por mais tempo, o noivo despediu-se, sem tornar a ver a noiva e sem ter conseguido trocar com ela uma única palavra.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom maio 31, 2020 10:42 am

Capítulo 4 - O Encontro
Nos dias seguintes, mortal tristeza abateu-se sobre Elise.
Temia ver o noivo aparecer a qualquer momento.
Durante toda a semana, felizmente, isso não aconteceu.
No domingo, porém, não conseguiu evitar um novo encontro.
A situação agora era diferente.
Com o peito inflado de orgulho, Bertrand exerceu seu direito de sentar-se ao lado da noiva na igreja, para desespero dela.
Justamente naquele dia, o cavalheiro desconhecido apareceu.
Elise notou-lhe a surpresa e o desagrado quando viu Bertrand a seu lado, inclinado sobre ela, a trocar algumas palavras.
"Ele ficou enciumado!", pensou Elise, sorrindo intimamente.
Ao mesmo tempo não o perdia de vista, analisando-lhe a reacção.
Quando deixaram a igreja, foi inevitável que Bertrand os acompanhasse até a granja.
Esquivou-se de permanecer ao lado do noivo, com a desculpa de ajudar a mãe na cozinha.
Almoçaram. Após a refeição enfadonha, o noivo convidou-a para um passeio.
Apesar do desagrado que isso lhe causava, não pôde se eximir de acompanhá-lo.
Saíram.
O rapaz tentava ser o mais agradável possível, sem muito resultado.
Elise mal o olhava.
- Vamos até o riacho? - propôs ele.
- Como quiseres... - respondeu, dando de ombros.
De longe podiam ouvir o murmúrio das águas que corriam por entre as pedras.
A princípio ténues, os ruídos foram se tornando mais intensos à medida que se aproximavam.
O ar ficou mais fresco perto das grandes árvores que marginavam o riacho.
Sob as copas verdes, abrigados do sol, podiam ouvir o canto dos pássaros, o coaxar dos sapos e os sons dos pequenos animais, moradores do local.
- Que frescor!
Como tudo aqui é lindo! - exclamou Bertrand, enlevado.
Virou-se para a noiva, que se mantinha erecta e distante.
O sorriso desapareceu do rosto dele.
- Queres descansar um pouco? - sugeriu.
- Sim. Estou cansada.
Elise acomodou-se à beira do riacho e Bertrand fez o mesmo.
Após pensar alguns minutos, com delicadeza ele tentou entabular um diálogo:
- Lamento que não estejas contente, Elise.
Sinto que minha presença te incomoda...
Fisionomia dura e amarga, ela pôs para fora tudo o que guardava no peito:
- Achas que deveria estar contente?
Minha vida e meu futuro foram decididos sem que eu fosse consultada!
Tua presença me foi imposta de maneira sórdida.
Ninguém se preocupou em saber o que penso ou o que desejo.
O rapaz baixou a fronte, pesaroso.
- Compreendo o que sentes, e realmente lamento, Elise.
Todavia, é assim que as coisas acontecem.
E costume ancestral os pais decidirem sobre o futuro dos filhos!
- Não ignoro que essa prática é de uso tradicional.
Tu, no entanto, poderias ter-me consultado!
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Os Sinos Tocam - Erick/Célia Xavier de Camargo Empty Re: Os Sinos Tocam - Erick/Célia Xavier de Camargo

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jun 01, 2020 11:58 am

Fui pega de surpresa; nem sequer fui comunicada com antecedência do que se pretendia fazer.
- Perdoa-me, Elise.
Desde que te conheci, não consegui tirar-te do pensamento.
Eu te amo, e acreditei que eu também não te era indiferente.
Certos olhares...
- "Certos olhares?" - ela repetiu, frisando bem as palavras.
Como ousas?
Certamente te equivocaste!
Jamais olhei para ti da forma como sugeres.
A expressão com que acompanhou essas palavras denotava tão profundo desgosto e desprezo que não poderia deixar margem a dúvidas sobre suas intenções.
Depois de uma pausa, ela prosseguiu:
- Além disso, o que me poderás oferecer tu, um simples ajudante de ferreiro?
Bertrand corou sob o impacto dessa ofensa.
As feições se lhe alternaram gradativamente entre a dor e a raiva.
Recompondo-se intimamente, considerou:
- Nada posso oferecer-te além do meu amor, que julguei suficiente para nós dois e grande o bastante para nos unir para sempre.
E uma vida digna e respeitável, naturalmente.
Fez um breve intervalo, enquanto analisava a reacção da noiva.
Depois concluiu com tristeza:
- Por certo, isso é muito pouco para ti, Elise; contudo, terás que te resignar, porque nosso compromisso, infelizmente, já foi selado e só será rompido com a morte.
Ao ouvir aquelas palavras e o tom incisivo com que Bertrand as havia pronunciado, ela sentiu um arrepio de medo percorrer-lhe todo o corpo, mas continuou calada.
Bertrand levantou-se, estendendo-lhe a mão.
- É melhor voltarmos.
Nada mais há para ser dito entre nós, e não quero te impor minha presença por mais tempo.
Ela ergueu-se e, em silêncio, retornaram lentamente.
Chegando à casa da noiva, Bertrand despediu-se normalmente, para alívio de Elise, prometendo voltar no domingo seguinte.
A família estava satisfeita.
Tudo parecia correr bem.
Elise aceitara o noivo e tinham até passeado juntos.
Henri mostrava-se eufórico.
Bertrand não era o que se poderia chamar de um bom partido, mas, numa pequena povoação como aquela, os rapazes em idade de contrair matrimónio eram raros.
E ele era um bom moço, digno, honesto, trabalhador.
Além disso, quando o velho ferreiro morresse, como não tinha descendentes, certamente deixaria seu negócio para Bertrand, a quem amava como se fosse seu filho.
Isso ele afirmara com todas as letras, num dia em que ele e Henri bebiam vinho juntos na taberna do vilarejo.
Elise seria feliz com ele!
No refúgio do seu quarto, a jovenzinha jogou-se sobre o leito, chorando convulsivamente.
Não aceitaria ser esposa de Bertrand.
Não fora isso que idealizara para sua vida.
Sobretudo depois que começara a ler o livro e vira que o mundo era muito maior do que os estreitos limites da propriedade em que viviam.
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Os Sinos Tocam - Erick/Célia Xavier de Camargo Empty Re: Os Sinos Tocam - Erick/Célia Xavier de Camargo

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jun 01, 2020 11:58 am

Existia ainda outra razão, que evitava admitir até para si mesma.
Não conseguia tirar da cabeça o rapaz desconhecido.
Pensava nele dia e noite.
Era para ele seu último pensamento antes de adormecer, e o primeiro ao acordar.
Estaria apaixonada pelo jovem aristocrata?
Ansiava por revê-lo, estar a seu lado, contemplar-lhe o rosto, ouvir-lhe a voz, conhecer-lhe os pensamentos.
Sentia falta de sua presença.
Em consequência, uma dor profunda, quase física, instalara-se em seu íntimo, como que motivada pela ausência dele.
Dessa forma, como suportar a presença do noivo?
Bertrand causava-lhe profundo asco.
Era simplório, desajeitado, vestia-se mal e cheirava mal.
Não, ela não se casaria com ele!
Jamais! Preferia morrer.
Pensaria numa maneira de livrar-se daquele compromisso indesejável.
Nos dias e semanas seguintes, Elise só pensava em buscar uma saída para sua situação.
Debalde, porém.
Certo dia, em que o calor era excessivo, dirigiu-se às margens do riacho.
Com satisfação, sentou-se na borda, retirou as botinas de couro e, levantando as saias, colocou os pés na correnteza.
A temperatura fria da água causou-lhe grande bem-estar.
Aquele lugar era especial.
Sob as árvores, os passarinhos cantavam, voando de um lado para o outro; a brisa suave e refrescante era uma carícia em sua pele; as águas, que cornam ligeiras entre as pedras, entoavam sua melodia perene; sobretudo a quietude e a tranquilidade da natureza davam-lhe sensação de paz e segurança.
Para Elise, aquele local era sagrado; nenhuma presença estranha costumava profaná-lo, a não ser ela própria.
Fechou os olhos e deixou-se embalar pelos sons que tomavam conta do ambiente.
Nisso, ouviu ligeiro estalido acompanhado do ruído de folhas secas.
Surpresa, olhou em torno.
Seria algum animal em busca de água?
Era possível, pois eles tinham o hábito de vir dessedentar-se na nascente.
Contudo, não percebeu nenhum bichinho.
Apurando a vista, esquadrinhou cada palmo da vegetação.
Nesse instante, do outro lado do regato, surgiu alguém entre a ramaria.
Era um homem.
- Quem és?
O que desejas? - perguntou, assustada, erguendo-se de um salto.
- Não te assustes!
Não desejo fazer-te mal! - disse o homem, mergulhando os pés na correnteza e transpondo a distância que os separava.
Sem fala, Elise fitou o recém-chegado com ar interrogativo.
Era o rapaz desconhecido!
Voltando a si da surpresa, indagou:
- O que fazes aqui, monsieurl
- Perdoa-me vir incomodar-te em teu retiro, mas desejava conhecer-te e não tive outro recurso.
Com o coração descompassado, perplexa, ela permaneceu muda, incapaz de falar.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jun 01, 2020 11:58 am

- Oh, Elise, se soubesses como tenho sofrido!
Desde que te vi em companhia de um certo cavalheiro, não tive mais paz.
- Sabes meu nome? - ela conseguiu balbuciar.
Ele sorriu.
- O que não se descobre neste vilarejo?
Além disso, andei fazendo perguntas.
Precisava saber quem eras, onde vivias.
Assim, cheguei até aqui.
Essa propriedade, do outro lado do riacho, pertence a um amigo meu.
Então, foi fácil aproximar-me.
Há dias rondo pelas imediações com a esperança de ver-te.
Entretanto, estavas sempre distante e não me atrevi a chegar mais perto, temendo a reacção do teu pai.
- Então sabes que sou comprometida...
- Sei também que não amas teu noivo, Bertrand.
- Como chegaste a essa conclusão?
Ele sorriu novamente, levantando os braços num gesto vago:
- É fácil. Pela tua maneira de agir.
Percebe-se de longe quando alguém está amando.
E tu não amas teu noivo.
- Como te atreves?
- Mas... estás apaixonada.
- Eu?!
- Sim. Estás apaixonada por mim! - concluiu ele, com ar vitorioso.
- Enlouqueceste? - retrucou Elise, tentando voltar-se e fugir dali, diante de tamanha desfaçatez.
Ele, porém, a deteve.
- Não é verdade?
Nega, se puderes.
O contacto da mão dele na sua, o olhar que ele lhe dirigia e a voz suplicante fizeram com que Elise ficasse plantada no mesmo lugar, tal uma avezinha que o visgo aprisionasse.
Percebendo que ganhava terreno e que era preciso aproveitar o momento mágico que se criara entre eles, prosseguiu o rapaz, súplice:
- Elise, eu te amo.
Sei que também me amas.
Sinto que laços profundos nos unem quando disfarçadamente me olhas, na igreja.
E mentira o que estou afirmando?
Diz: é mentira?
Ela não resistiu mais.
Concordou com um gesto de cabeça, corando de vergonha.
Ele a abraçou com imenso carinho.
- Eu sabia, ma chèrie, que não estava enganado.
Também me amas.
Escondendo a cabeça no peito dele, finalmente ela encontrou coragem para dizer:
- Não tenho feito outra coisa senão pensar em ti.
Ele a beijou repetidas vezes, sussurrando-lhe palavras de amor.
Entre uma carícia e outra, ela confessou:
- Jamais alguém conseguiu me interessar.
Tu foste o primeiro.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jun 01, 2020 11:59 am

De súbito, Elise lembrou-se do noivo.
- Mon Dieu! Estou comprometida com Bertrand!
O que faço?
Não podemos estar aqui, juntos.
Se alguém souber...
- Ninguém ficará sabendo.
Nem meu amigo Albert sabe que estou interessado por ti.
Acharemos uma saída, verás.
Enquanto isso, nos encontraremos aqui todos os dias, nesta mesma hora.
Combinado?
- Não sei se devo... - retrucou, em dúvida.
- Por favor, promete!
A fisionomia dele externava uma ansiedade tão grande, que ela acabou concordando:
- Está bem. Preciso voltar agora.
Meus pais devem estar estranhando minha ausência. Até amanhã...
Elise deu alguns passos, voltou-se, sorriu e, corando de prazer, exclamou:
- Somente agora me dei conta de que nem ao menos sei teu nome!
Ele deixou de sorrir e, com falsa expressão de seriedade, empertigou-se, fazendo uma mesura de estilo, ao mesmo tempo em que se apresentava formalmente:
- Tens razão, mademoiselle.
Sou Jean-Claude, filho do barão de Mornay.
- Enchantée, monsieur - respondeu Elise, curvando-se com elegância.
Após mais um beijo, despediram-se.
Gostariam de apressar o tempo para que o amanhã chegasse mais depressa.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jun 01, 2020 11:59 am

Capítulo 5 - A fuga
- Onde estão tuas botinas?
Era a mãe que perguntava ao vê-la chegar, descalça, esgueirando-se pela porta dos fundos.
- Ah, esqueci na beira do riacho!
Mais tarde voltarei lá para pegá-las - desculpou-se Elise, caminhando apressada para seu quarto.
Desejava ficar só.
Queria poder pensar sobre tudo o que tinha acontecido naquela tarde.
Fora tão surpreendente!
Jamais se lhe apagaria da memória a visão de Jean-Claude saindo do meio dos arbustos.
Jogou-se no leito de olhos fechados.
Queria recordar cada gesto, cada palavra, cada afago, cada beijo dele.
A felicidade era tanta que seu peito se dilatava ao experimentar aquele sentimento novo que a tomava de assalto: o amor.
Sorriu. De perto, achara-o muito mais bonito e atraente.
O sorriso e os olhos eram encantadores; os gestos delicados e os modos elegantes.
O oposto de Bertrand!
- Arre! Não quero nem pensar nele! - murmurou.
Saiu do seu alheamento quando a mãe veio lembrá-la de que logo estaria escuro e que era preciso tratar da criação.
Elise levantou-se e foi executar suas tarefas.
Nos dias seguintes, um ânimo novo parecia dominá-la.
Com alegria e disposição executava os piores labores, sem reclamar.
Os pais e o avô não puderam deixar de notar aquela mudança súbita.
Inquirida, respondeu:
- Acho que é a mudança da lua.
Apesar de não terem entendido bem, ninguém mais tocou no assunto.
No fundo, Henri achava que aquela alteração de humor era satisfação causada pelo noivado.
O avô tinha suas dúvidas.
A mãe não pensava nada.
Não fora criada para pensar.
A verdade é que, daquele dia em diante, Elise tornou-se outra pessoa.
Alegre, bem-humorada e satisfeita da vida.
Até as domingueiras visitas do noivo ela aceitava com paciência e resignada bonomia.
Todas as tardes desaparecia.
Às margens do pequeno rio, encontrava-se com Jean-Claude e trocavam juras de amor eterno.
Já não conseguiam mais viver um sem o outro.
As horas que passavam distantes eram um tormento e, com ansiedade crescente, esperavam a ocasião de se rever e de se abraçar.
Não achava mais tempo para as costumeiras aulas.
Quando o avô a lembrava do compromisso que tinham assumido juntos, ela desconversava:
- Hoje não, vovô Maurice.
Quero andar um pouco.
O ancião estranhava-lhe a atitude, mas respeitava sua vontade.
Percebia que alguma coisa de diferente estava acontecendo; como Elise não lhe fizera confidências, esperava com paciência que ela resolvesse falar.
E falaria, com certeza.
A neta não conseguia esconder-lhe nada por muito tempo.
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