LUZ ESPÍRITA
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PERDOA!... - Jèsus Gonçalves / Célia Xavier Camargo

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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 10, 2010 11:08 am

PERDOA!...
Célia Xavier Camargo

Jèsus Gonçalves

Este romance mediúnico é mais uma obra magistral que vem enriquecer a Literatura Espírita neste importante período evolutivo do final do século XX.

Em linguagem clara, estilo sonoro e cadenciado, a médium psicógrafa Célia Xavier Camargo veicula uma das vidas de Jesus Gonçalves, quando foi o soldado Ciro do exército de Belisário no Império Bizantino, no ano de 535 da nossa era, contada em detalhes por ele mesmo.

É mais uma oportunidade de enlevo e penetração nas tramas do passado de cada um de nós, pelas evocações que o enredo suscita, provocando a abertura de nossas comportas emocionais.

E é também uma mensagem de libertação espiritual, mostrando-nos as belezas da vida futura após a vitória sobre erros de sofrimentos dolorosos, nas palavras históricas de Jesus Gonçalves, que encontrou a redenção de seu espírito em sua última encarnação como portador da hanseníase em terras paulistas.


PALAVRAS DO AUTOR ESPIRITUAL

Paz em Jesus!
É sempre com grande emoção que relembramos factos ocorridos no passado, os dramas por nós vivenciados e os erros cometidos.

Também é com gratidão que nos lembramos dos momentos em que iniciamos a nossa reabilitação frente à Justiça Divina.

Jesus, Nosso Mestre Todo Misericordioso, concedeu-me a permissão de algo relatar do meu pretérito de lutas e sofrimentos para que servisse de lição aos companheiros encarnados.

A intenção ao escrever a obra não foi relatar com fidelidade os factos da História tal como se desenrolaram, mas apenas situar no tempo e no espaço o drama vivido pelos personagens e proporcionar, à luz da Doutrina Espírita, oportunidade aos leitores de aproveitarem as experiências e lições que possam ser extraídas d texto.

Alguns dos personagens com nomes fictícios, em nome da caridade que se deve ter para com todos, pois encontram-se presentemente encarnados e é possível que venham a ler a presente obra.

E não é intenção nossa acordar em seus espíritos lembranças adormecidas indesejáveis quão funestas.

Que o drama desenrolado, quase que totalmente tendo por palco a esplendorosa cidade de Ravena, possa calar fundo nos corações e que sintam a magnanimidade de Deus que, não obstante a enormidade das nossas faltas, nos faculta sempre meios de reparar os erros cometidos e retomar o caminho do bem.

Que o rancor, o ódio e a vingança possam ser extirpados do coração do homem, como terrível chaga cancerosa de difícil cura que é, bem assim o orgulho, a vaidade e o egoísmo, que nos jogam nos resvaladouros da queda moral.

Que aprendamos a seguir os Caminhos do Amor, como Jesus nos ensinou, e nós que fazemos parte da falange do Consolador Prometido, que acreditamos nos postulados da Doutrina Espírita, possamos seguir sempre em frente, com o coração aberto e a mente elevada, conscientes de que nunca é tarde para recomeçar.

Deus nos concederá sempre novas oportunidades.

O nosso agradecimento ao Mestre pela dádiva do trabalho que nos foi concedida, e que Deus nos abençoe os esforços no rumo do bem.

Do humilde servidor de todos.


Jésus Gonçalves
Rolândia, 6/12/85


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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 10, 2010 11:09 am

PALAVRAS DA MÉDIUM

Qual não foi a minha surpresa quando, durante as lides psicográficas a que me entrego regularmente na sede da Sociedade Espírita Maria de Nazaré, em Rolândia (PR), percebi às primeiras linhas que estava sendo ditada uma história.

A princípio, julguei que fosse um conto, mas o relato do companheiro espiritual estendeu-se por quase quinze meses, num período que vai do dia 23/2/84 a 10/5/85, ininterruptamente.

Depois de muito esforço e trabalho árduo chegamos ao final.
Durante todo esse tempo a influência amorosa dos mentores espirituais se fez presente, auxiliando-me poderosamente nos momentos difíceis.

TRABALHA. . . CONFIA. . . ESPERA. . .

Em meus ouvidos vibravam sempre essas palavras, que me fizeram prosseguir sem medo e que valem por todo um programa de vida, e, confiante, prossegui até o término da tarefa que Jesus me havia concedido.

O resultado aqui está.
O meu agradecimento aos Mensageiros de Jesus que me auxiliaram no recebimento da obra.

Ao Amigo e Companheiro Jésus Gonçalves, sob cuja assistência amorosa e vontade firme desenvolveu-se o trabalho, o meu agradecimento sincero e imorredouro pelas lições de vida que soube transmitir e pela paciência que teve para comigo frente às minhas muitas deficiências.

Ao Mestre dos Mestres a gratidão pela oportunidade de elevação e reajuste que me foi concedida através do trabalho redentor.

E aqueles que, porventura, vierem a folhear estas páginas, que as lições contidas no texto possam auxiliar de alguma forma, servir de exemplo e meditação, e que seja de algum proveito as experiências aqui relatadas.

Espero ter conseguido captar o ambiente, o clima e a emoção que o autor espiritual procurou transmitir no desenrolar das cenas e que senti durante a psicografia.

As falhas que por acaso surgirem devem ser debitadas à falta de condição da médium em transmitir com fidelidade e clareza as ideias do autor espiritual.
Que Jesus possa nos abençoar a todos.

CÉLIA XAVIER CAMARGO
Rolândia, 6/12/85


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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 10, 2010 11:09 am

CAPÍTULO I

REENCONTRO


Quero deixar aqui, para que sirva de exemplo e alerta, a minha experiência dolorosa de vida.

Nasci em ambiente fraterno e amigo. Tive pais que me rodearam de amor, tornando-me a existência uma bênção de paz.

Amigos generosos, do plano espiritual, auxiliavam de todas as maneiras, propiciando-me condições de renovação interior.

Não obstante, cercado de benditas oportunidades de elevação que a misericórdia de Deus me oferecia a todo instante, cedo comecei a mostrar minhas tendências para o mal.

Meus pais eram criaturas de índole boa e temente a Deus, indo regularmente à igreja.

Desde a infância, demonstrei meu desagrado por qualquer tipo de disciplina, especialmente a espiritual.

Não contente em fazer chacota de tudo o que meus progenitores consideravam sagrado, que era a fé em Deus, enquanto iam à igreja rezar e pedir por mim, ficava pelos campos a maltratar avezinhas indefesas ou a brigar com os companheiros menores e mais fracos do que eu.

Sentia estranho prazer em fazer sofrer, como se minha felicidade adviesse do sofrimento alheio.
Minha mãe, alma boa e generosa, percebia minhas más inclinações e sofria com isso.

Advertia-me brandamente, talvez intuída por seres angelicais, mas suas meigas palavras não faziam pousada em meu coração.

O tempo foi passando. Cresci forte e robusto.
A vida ao ar livre fazia-me muito bem, dando-me saúde e agilidade.
Os habitantes da nossa pequena aldeia não deixavam de admirar-me o porte atlético.

De estatura elevada, possuía o rosto belo, cuja fisionomia acusava o carácter forte da minha personalidade.

Os olhos eram claros, encimados por sobrancelhas cerradas, dando-me um ar algo severo; os cabelos louros e encaracolados reluziam ao sol.

As jovens da aldeia demonstravam seu interesse por mim através de olhares dissimulados, de gestos e palavras, daquelas pequeninas coisas que não deixam dúvidas sobre as intenções de quem as emite, mas jamais me interessei por qualquer uma delas, considerando-as insípidas e não sentindo mais do que tédio em suas companhias.

Passava o tempo a adestrar-me em jogos e lutas e, dentre todos os jovens da aldeia, eu era o melhor, o mais forte, o mais admirado.

Ninguém e vencia no lançamento de dardo, arremesso de flechas, na luta de espadas e no combate corpo a corpo.

Corria o ano 535 da era cristã.

Certo dia, em que me exercitava no passatempo favorito, que era a luta, junto de alguns companheiros tão desocupados quanto eu, ouvimos um tropel de cavalos.

Logo assomou à entrada do vilarejo um bando de cavaleiros suados e cansados da viagem.
Seus metais brilhavam ao sol forte da manhã.

Chegaram levantando nuvens de poeira e frearam os cavalos na praça onde nos encontrávamos.
Eram uns vinte ao todo e reconheci o chefe pela luxuosa armadura e ar arrogante.

Pediram água e apearam para descansar um pouco à sombra das árvores.
Alguém aprestou-se em trazer uma bilha de água e beberam com sofreguidão.

Um deles pegou uma caneca e, enchendo-a com água fresca, levou-a até um cavaleiro que se encontrava sentado à sombra de uma árvore, separado dos demais e sem ânimo de se levantar.

Estranhando aquela atitude, comecei a observar melhor e só então me dei conta de que o cavaleiro era uma jovem disfarçada.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 10, 2010 11:10 am

Ela tirou o chapéu que lhe cobria quase que totalmente o rosto e seus cabelos escuros se espalharam pelos ombros.

Pegou a água que lhe era oferecida e bebeu-a avidamente.
Ao estender as mãos para entregar a vasilha, ergueu os olhos e pude ver que eram claros e tristes.

De sua pessoa emanava um ar de dignidade e orgulho.
Seus traços infantis eram belos e meigos; seus gestos elegantes traíam a posição social nobre, embora os trajes velhos e sujos.

Nada perguntei, mesmo porque o procedimento daqueles cavaleiros não encorajava conversação mais amigável.
Percebi, porém, por suas atitudes, pela maneira com que era tratada, que era uma presa de guerra.

Era uma prisioneira.
Mas quem seria ela?
O que teria acontecido para que se encontrasse presentemente em posição de escrava?


As perguntas choviam em meu cérebro que fervilhava.
Atracção incomum nasceu em mim por aquela moça.
Meu coração batia desordenadamente e desejei ardentemente acompanhá-los.

Em determinado momento percebi que o chefe observava-me à distância.
Chamou um subordinado, homem de fisionomia grosseira e rude e deu-lhe uma ordem em voz baixa.

Em seguida esse homem aproximou-se e disse-me que seu chefe e senhor destas terras desejava falar-me.

Aproximei-me algo temeroso, visto que jamais falara a alguém tão importante, mas sentindo no íntimo um raio de esperança.

Disse-me que ao chegar vira-me a lutar e lhe agradara o meu porte e habilidade.
A perícia que demonstrara nos golpes era surpreendente, principalmente em alguém tão jovem.

Não gostaria de engajar-me a seu serviço?
Necessitava de soldados, homens corajosos e fortes.

Voltava de uma campanha onde perdera muitas vidas e havia necessidade de suprir as lacunas existentes no contingente.

Sem contar que poderia continuar me exercitando, visto ter a seu serviço excelentes treinadores e poderia dessa maneira me aprimorar nos jogos e lutas de meu interesse.

Aquilo ultrapassava tudo o que sonhara até então.
Era o coroamento dos meus mais secretos desejos e aspirações.

Naturalmente, aceitei incontinenti seu oferecimento, balbuciando alguns agradecimentos.
Ficaria perto dela, afinal. Meu coração encheu-se de júbilo.

Ficou combinado que me reuniria a eles mais tarde, após resolver meus problemas mais imediatos.

Deram-me a localização do ponto de parada, para a pousada daquela noite, e aprestaram-se para a partida.

Tinham pressa. Os cavalos, descansados e refeitos, foram preparados rapidamente.
Notei, com desagrado, quando o chefe aproximou-se da jovem procurando auxiliá-la a montar.

Seus olhos se cruzaram e percebi, ao rejeitar o oferecimento, que nos dela havia revolta e ódio, e nos dele interesse indisfarçável.

O chefe afastou-se rindo da soberba atitude da prisioneira e senti pela primeira vez em minha vida uma dor aguda no peito;
uma agulhada de ciúme a par de inesperada aversão por aquele que doravante seria meu chefe e senhor.

Partiram numa nuvem de poeira, deixando nossa pobre aldeia novamente entregue à sua morna tranquilidade.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 10, 2010 11:10 am

CAPÍTULO II

NOVOS RUMOS


Arrumei meus magros pertences e parti, sem tristezas e receios, deixando minha pobre mãe inconsolável.

Ao entregar-me o pequeno farnel que preparara às pressas, limpando as lágrimas que teimavam em correr de seus olhos, com a fímbria das vestes, perguntou-me se tinha certeza de que era aquilo que desejava fazer.

Terminando de arrear o cavalo, virei-me, abracei-a e disse-lhe que não se preocupasse comigo; mandariam notícias.

Sim, era o que mais almejava no momento e estava feliz em partir.
Meu futuro estava feito, sob a protecção de um homem tão importante quanto aquele.

Quando tivesse ganho muito dinheiro, já com posição estabilizada, voltaria para buscá-la.

Ela suspirou, resignada, e abençoou-me.
Montei no animal e parti.
Apenas uma vez olhei para trás e vi que me acenava.

Nesse instante tive pena.
Achei-a tão acabada, parece que envelhecera de repente, seu rosto suave estava marcado pelas rugas, os cabelos já grisalhos e presos por um lenço escapavam aqui e ali, e as vestes que lhe cobriam os pés eram surradas.

Parece que pela primeira vez olhava realmente aquela mulher.

À distância, observava aquela criatura que envelhecera ao meu lado e meu coração endurecido e egoísta confrangeu-se.

Nunca me preocupara realmente com ela, nunca procurara saber o que sentia ou o que desejava.

Como uma escrava, servira-me a vida toda sem receber nada em troca.
E agora sombrios vaticínios tomavam-me de assalto e senti que talvez não mais a visse com vida.

Galopando pela mata, pouco depois meus pensamentos já haviam tomado outro rumo.
Esqueci-me completamente da velha mãe, da pacata aldeia que eu detestava e dos amigos.

Não via a hora de me encontrar com o contingente que seguira horas antes.
Sabia onde iriam acampar para passar a noite e aguardava ansiosamente o momento do reencontro.

A imagem da jovem prisioneira dominava meus pensamentos.

Algumas horas após parei para descansar e comer alguma coisa à sombra generosa de algumas árvores na beira do caminho.

Um riacho que corria manso, nas imediações, matou-me a sede.
Pouco tempo depois já estava novamente a caminho, incapaz de refrear a impaciência.

Com o passar das horas a temperatura tornou-se mais agradável, o ar mais ameno e a viagem mais fácil.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 10, 2010 11:11 am

Já era noite fechada quando atingi o acampamento. Dei-me a conhecer à sentinela antes que, na escuridão da noite, me julgasse um malfeitor e fui levado à presença do chefe.

Sua tenda ficava localizada no meio do acampamento e distinguia-se das demais pelo tamanho e formato.

Entrei. De momento nada consegui perceber.
A luz interior cegou-me.
Meus olhos acostumados às trevas só aos poucos foram se habituando com a claridade ambiente.

Luxo oriental caracterizava o interior da tenda.
Almofada de brocado e cetim espalhavam-se sobre os grossos tapetes presas.

Ao lado de uma mesa baixa, o chefe encontrava-se reclinado em almofadas, bebendo vinho numa taça de ouro cravejada de pedras preciosas.

À sua frente, sobre a mesa, iguarias diversas se espalhavam, bem como frutas e doces finos.

Pelo que pude observar, já havia bebido bastante.
À primeira vista pareceu não me reconhecer.

Tive que refrescar-lhe a memória, quando minha vontade era dar-lhe uns murros.
- Ah! Sim! O rapazinho da aldeia!

Senti que o sangue me ferveu nas veias.
Todo o meu orgulho se rebelou diante da sua maneira displicente e arrogante de tratamento.

Jurei a mim mesmo que ele me pagaria caro por isso.
Essa humilhação não ficaria impune.

Nada demonstrei, porém.
Era perito na arte da dissimulação e inclinei-me, concordando, com um sorriso.
Mandou que me instalassem numa tenda e despediu-me com um gesto.

Curvei-me, agradecendo, como era de se esperar num servo e, antes de sair, ao levantar a cabeça, olhei ao redor e só então percebi, a um canto, entre almofadas, a prisioneira de guerra.

Sua beleza entonteceu-me.
Haviam-lhe dado um bom banho, lavado os cabelos e, sem toda aquela poeira, sua beleza resplandecia.

Parecia mais jovem; teria no máximo quinze anos.
Estava vestida com um traje de tecido transparente, muito leve, de tonalidade azul-clara, que deixava seu colo descoberto.
O pescoço delicado encimava um a cabeça soberba.

A pele suave e macia tinha a tonalidade do pêssego e seus lábios vermelhos eram bem delineados;
os olhos azuis fitavam-me com arrogância e lia-se neles uma ponta de desprezo.

Ainda assim, eram os olhos mais tristes que já vira e de uma beleza sem igual.
Seus cabelos escuros, brilhantes e longos, caíam pelas espáduas numa moldura perfeita ao seu rosto.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 10, 2010 11:11 am

Tudo nela era harmonioso.
Meus olhos não se desviavam daquele conjunto encantador.

Ouvi uma gargalhada.
Olhei e percebi que o chefe sentira meu interesse nascente.
Corei ao ser apanhado em flagrante.

Com um gesto ordenou que ela se aproximasse.
A jovem fingiu não ter ouvido a ordem.
Após nova gargalhada divertida, determinou que um dos homens a trouxesse até ele.

Arrastaram a prisioneira e atiraram-na aos pés dele.
- Quero que dances para mim – disse, imperioso.
A jovem continuou de cabeça baixa ignorando a ordem.

Já colérico, ele repetiu a ordem: - Não estás ouvindo? Quero que dances para mim!

Não obtendo resposta, chamou um dos guardas e ordenou-lhe aplicasse uma chibatada.

Ao ouvi-lo não me contive e avancei, sendo impedido pelos guardas, mas foi o bastante para que ele também percebesse meu gesto de ameaça e se enfurecesse com isso.

- Já não te ordenei que saísses? Tirem-no daqui!
Ao sair ainda pude ouvir os soluços da jovem e a música que recomeçara.
Ela dançou para ele nessa noite.

A aragem fresca da noite acalmou-me o espírito.
O manto estrelado se estendia num convite à mansidão e à paz, mas em meu coração havia ódio.
Nessa noite não pude conciliar o sono, arquitectando planos sinistros.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 10, 2010 11:12 am

CAPÍTULO III

A GRANDE CIDADE


No dia seguinte, antes do amanhecer, nos aprestamos para a partida, colocando-nos a caminho.

Minha disposição não era das melhores, visto que não conseguira conciliar o sono à noite, mas tudo era novidade e engolfei-me no serviço que me entregaram, esquecendo os sinistros pensamentos nocturnos.

Mesmo porque a prisioneira e o chefe já haviam partido na frente com um grupo da guarda, deixando o pessoal do serviço para trás, arrumando as bagagens e utensílios.

A viagem foi agradável.
O dia estava magnifico e a natureza naquela região era pródiga.

Algumas horas depois divisamos as muralhas da cidade, ao longe, e logo nela penetramos, passando pelos portões de acesso.

À medida que avançávamos pelas ruas calçadas, extasiava-me com o burburinho existente;
jamais havia conhecido uma grande cidade e o ruído característico era-me estranho.

Observava interessado tudo o que ocorria.
Mercadores de diversas procedências ofereciam seus produtos em altos brados;

homens do povo regateavam no preço;
mulheres de vestes coloridas faziam compras que depositavam em grandes cestas;

garotos carregavam água paras as residências e estabelecimentos comerciais;
servos lavavam alimárias e muitas outras coisas.

De repente, surgia um grupo que, ao som de uma cítara, aplaudia uma jovem dançarina do povo, que revoluteava ao som das palmas e ditos chistosos.

Tudo isso acompanhado de sons e cheiros característicos.
Ao virar uma esquina, percebia-se odor de frituras de alimentos, carnes e doces, mais adiante, aroma subtil de perfumes e óleos aromáticos.

Durante o percurso até o palácio fiquei fascinado com a agitação da cidade, certo de que me daria bem dentro dela.

Chegando ao palácio nos dirigimos para os alojamentos dos criados e nos instalamos convenientemente.

Fiquei perambulando pelo pátio interno da propriedade, mas como nada tivesse para fazer e todos se houvessem esquecido da minha presença, saí para conhecer a cidade.

Andei pelos arredores, onde se levantavam residências senhoris, vendo os senhores, ricamente trajados, que saíam acompanhados de servos.

Percorri as ruas da cidade e meus passos me conduziram até as imediações do mercado.
Como tivesse fome, procurei nas algibeiras e encontrando uma moeda comprei uma guloseima e algumas frutas, que saboreei com agrado.

Andando a esmo, cheguei até os quarteirões mais pobres, onde o povo faminto e sofredor vegetava, sem participar da abundância de seus senhores.

Crianças quase nuas, desnutridas e macilentas se aglomeravam pelas esquinas, em meio à imundície geral e à lama.

O mau cheiro era nauseante, cheiro de sujeira, de excrementos humanos e de animais, de lodo apodrecido.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 10, 2010 11:12 am

Com o sol escaldante os odores desagradáveis se tornavam mais intensos, desprendendo-se do solo e penetrando nas narinas, acremente.

Mas o povo parecia nada perceber e nada sentir, pois continuavam as conversas e querelas, gargalhando a cada passo.

As crianças brincavam sem nada sentir, já acostumadas àquela ambiência putrefacta.

Retirei-me do local rapidamente, entontecido e nauseado.
Encontrei-me, sem perceber, perto dos portões da cidade e, passando pelos guardas, saí, dirigindo-me ao campo.

O ar tornara-se mais ameno, o sol iniciava sua descida pelos céus e reconfortei-me com o ar puro do campo, enchendo os pulmões com satisfação.

Já anoitecia quando retornei ao palácio.
Ingeri algum alimento e recolhi-me ao alojamento.
O dia movimentado e cheio de surpresas deixara-me exausto.

Adormeci quase que imediatamente.
Algum tempo depois (não sei precisar quanto), vi-me num lugar diferente
Branda claridade envolvia tudo.

Procurava reconhecer o local quando percebi ténue fumaça que se foi condensando até surgir uma criatura à minha frente.

Toda vestida de branco, parecia emitir delicada claridade que a envolvia completamente.

A cabeça era de um velho de barbas e cabelos brancos;
sua fisionomia irradiava simpatia e segurança;
seus olhos claros eram tranquilos e ternos.


Coloquei-me de joelhos, sem perceber o que fazia e emocionei-me até às lágrimas.

Não conhecia o homem que ali estava, mas senti que o revia depois de longo tempo e que o amava intensamente.

Saudade pungente dominou-me interiormente e abaixei a cabeça, com as lágrimas correndo livremente pelo rosto.

Suas mãos diáfanas tocaram minha cabeça e bem-estar indizível reconfortou-me o coração.

Com voz suave dirigiu-se a mim:
- “Não chores, meu filho. Coragem!
Estamos separados momentaneamente, mas graças à misericórdia do Criador posso estar ao teu lado, sempre que possível.

Procura cultivar os dons do espírito e poderemos nos comunicar com mais facilidade.
Não aumentes a distância que nos separa, distância essa causada pelos teus desatinos do passado.

Não te deixes envolver por ideias malsãs, que só poderão trazer-te malefícios.
Procura, ao contrário, levar uma vida sadia e útil, cultivando a paz interior.
O passado coloca-te presentemente frente aos teus desentendimentos do pretérito.

É preciso aproveitar a dádiva da oportunidade que a Providência Divina coloca ao teu dispor.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 10, 2010 11:13 am

Não deixes que a ambição desmedida e as paixões nefastas te dominem. Trabalha com afinco para domar tuas más inclinações, teu carácter impetuoso e rebelde. Aqui começa uma nova etapa para teu espírito.

A presença de teus comparsas do pretérito poderá conduzir-te a nova queda, principalmente porque o móvel de vossos interesses conjuntos também se reuniu ao grupo.

Tem muito cuidado.
Esta etapa reencarnatória poderá ser muito proveitosa, mas depende de ti.

Por outro lado companheiros vingativos e revoltados, do lado de cá da vida, tudo farão para arrojar-te a nova derrocada moral.

Pensa em Deus e ora.
Confia que estaremos unidos pelo pensamento. Que o Senhor te abençoe!”


Sentindo-me tocado por suas palavras, chorei convulsivamente, sem conseguir pronunciar uma palavra sequer.

Quando percebi já havia partido, deixando-me uma sensação de vazio no peito.
Acordei com a emoção a dominar-me o íntimo.
Olhei pela janela e vi o manto estrelado da noite.

Branda claridade da lua entrava pela janela e envolvia todas as coisas.
Fiquei meditando. Quem seria aquela personagem?
Por que tivera a sensação de que o conhecera anteriormente?

Então, existiria uma outra vida?
E Deus, esse Ser superior que a tudo governa, existiria realmente?
Ou teria apenas sonhado?

Com tantas indagações na cabeça, adormeci novamente, só acordando quando era dia claro.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 10, 2010 11:14 am

CAPÍTULO IV

A PRISIONEIRA


Alguns dias se passaram sem que fossem dignos de nota.
Nada de interessante acontecia e aquela vida insípida começou a me incomodar.

Era encarregado de pequenos trabalhos domésticos e às vezes auxiliava nas cavalariças, alimentando e lavando os animais.

Já com conhecimento relativo da cidade em vista das minhas incursões frequentes, era encarregado de pequenas compras ou recados às pessoas mais influentes.

Sentia-me humilhado;
meu espírito rebelde e orgulhoso em excesso revoltava-se com aquela situação servil e degradante, segundo minha maneira de pensar.

Contando na época dezasseis anos, sentia o sangue estuar febril nas veias.
Toda a vitalidade e energia concentradas precisavam ser utilizadas, o que não ocorria no momento.

Em minha aldeia nata extravasava minhas emoções através de actividade constante, e ali, inactivo, fazendo apenas tarefas ocasionais, sentia-me irritado e nervoso.

Considerava-me um inútil, desprezado por todos, acolhendo em meu íntimo ideias nocivas de vingança que só poderiam conduzir-me para o mal.

Uma tarde, finalmente, vieram chamar-me. O servo levou-me através do pátio interno e conduziu-me até uma porta pequena, que até então não notara. Entramos e descemos uma escadaria que levava até o local onde era esperado.

O homem que lá estava era rude e forte.
Muito alto, para a época, possuía fortes músculos que saltavam sob sua pele morena e lustrosa.

Vestia uma túnica curta que lhe cobria os quadris, e seus pés, enormes, calçavam sandálias de couro cru, como de uso então.

Seus olhos penetrantes cruzaram com os meus e pude notar que não me facilitaria em nada a vida.

Submeteu-me a alguns testes de arremesso de dardo e lançamento de flechas e creio ter-me saído razoavelmente bem, embora na luta corpo a corpo tenha demonstrado ser muito superior a mim.

Deixou-me caído no chão com a sensação de ter quebrado alguns ossos, tal a dor que me acometeu.

Minha cabeça girava e foi necessária a sua ajuda para que me levantasse.
As costas, que se feriram de encontro ao chão, latejavam, e da minha testa corria um filete de sangue.

Notei que sorria ironicamente.
- Pensaste que podias me vencer, não é verdade?
Sua voz soou forte e grave. Não respondi.

Ele continuou:
- Como te chamas?
- Ciro –
respondi de má vontade.

- Pois bem, Ciro.
Já viste que as coisas por aqui não são muito fáceis.
Podes ir embora e voltar para a tua aldeia, se assim o desejares.

Se permaneceres aqui, porém, terás que te esforçar muito.
O meu senhor não gosta de fracos.
Tens possibilidades de te saíres bem, mas precisas aprender muito ainda.

Se ficares, teremos treinamento intenso, e posso apostar que, quando terminar o serviço, ninguém teria feito melhor.
Pensa e, se resolveres, procura-me amanhã logo cedo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 11, 2010 11:17 am

Virou-se sobre os calcanhares e saiu sem dar-me oportunidade de responder.
Intimamente sabia que ficaria, embora no momento meu corpo todo doesse terrivelmente.

Arrastei-me até o alojamento e deitei-me para repousar um pouco.

Ana, a única criatura que se preocupava um pouco comigo, não me vendo aparecer para a refeição da tarde e conhecendo minha fome voraz, foi me procurar, encontrando-me deitado.

- O que houve, Ciro?
- Submeteram-me a alguns testes e quase acabaram comigo.
- Ah! Já esperava por isso, o tratamento inicial de Tamba é assustador e muitos não resistem.
É a sua maneira de seleccionar o pessoal. Não te preocupes.

Ele não é tão mau como parece.
Diverte-se em aterrorizar os principiantes, mas no fundo é boa pessoa.
Vou mandar trazer algo para comeres.
Infelizmente o horário do jantar já passou, mas vou ver o que posso arranjar. Fica aí.


Desnecessário esse pedido para que não saísse, já que não conseguia levantar-me.

Não demorou muito e a porta abriu-se dando passagem a uma jovem morena com uma bandeja com comestíveis e uma caixa de madeira.

Estendeu-me uma caneca de vinho e colocou-me nas mãos um pedaço de carne, pão fresco e algumas frutas.
Enquanto comi ficou olhando-me com curiosidade.

Estava de mau humor e sem vontade de conversar, por isso comi em silêncio.
Quando terminei, ela abriu a caixa e percebi que trazia ataduras e unguento para passar em meus ferimentos.

Com um pano húmido limpou os locais machucados.
Não pude deixar de apreciar o frescor das suas mãos suaves.

Deitei-me de costas e ela pensou minhas feridas com agilidade e delicadeza.
Saiu silenciosamente, como entrara.

No dia seguinte, logo cedo, sentindo-me melhor, fui em busca de Tamba.
O dia inteiro treinamos sem parar, salvo as breves pausas para as refeições.

Percebi que ele queria me vencer pelo cansaço.
Redobrei minhas forças e intimamente decidi que Tamba não me faria desistir de tudo.
Veríamos quem seria o mais forte.

Com o passar dos dias o cansaço era tanto que mal conseguia me arrastar até o alojamento após um dia exaustivo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 11, 2010 11:18 am

Já não tinha tempo para pensar na prisioneira e só às vezes me perguntava o que teria acontecido com ela.
Mas como ninguém tocasse no assunto, não me animei a fazer perguntas.

O senhor levava vida à parte e quase nunca o via.
Os escravos que serviam eram sempre os mesmos e nós tínhamos uma vida que, até certo ponto, era tranquila.

Certa manhã, fui encarregado de levar comida para um prisioneiro de uma determinada masmorra.
Nunca penetrara no local e fiquei horrorizado.
Um guarda deixou-me entrar fechando a porta sobre mim, com lúgubre ruído.

Percorri um corredor e desci longa escadaria em seguida.
O carcereiro indicou-me a porta e para lá me dirigi.

O ar estava sufocante. A atmosfera era opressiva pela falta de ventilação.
Um arrepio percorreu-me o corpo e não pude deixar de pensar o que teria feito esse infeliz para merecer tal castigo.

O carcereiro abriu a porta, que gemeu nos gonzos.
Não pude perceber de pronto quem ali estava.
A claridade que chegava era insuficiente.

Percebi alguém que se movia em meio às palhas infectas que lhe serviam de leito.
O mau cheiro tornara-se insuportável.
Ofereci a tigela de comida e a caneca dágua e o prisioneiro estendeu os braços para apanhar.

Observei que era magro e de mãos delicadas.
Ao olhá-las lembrei-me da jovem prisioneira de guerra.

Assombrado, perguntei-lhe:
- Quem és tu?
Num sussurro emitiu um apelo, que demonstrava o seu desespero:
- Por favor, tira-me daqui. Não aguento mais.
Vou morrer sufocada e sem ver a luz do sol. Estou doente…

Dei um passo para trás, horrorizado.
Não pude responder porque já o carcereiro, que havia se afastado um pouco, aproximou-se incisivo e colérico.
- Não é permitido conversar com a prisioneira! Deixa a comida e sai.

Saí quase a correr daquele local infecto, ouvindo ainda o seu choro convulsivo em meus ouvidos.
O que teria acontecido para que ela se encontrasse num local tão tenebroso?
Que crime hediondo teria cometido?


Eu que julgava que a jovem prisioneira estivesse nas boas graças do Conde de ravena, que não escondia seu interesse por ela.

Imaginava-a sempre bem vestida e coberta de jóias, como a vira pela última vez, na tenda do acampamento.

A realidade deixou-me perplexo.
A luz do sol banhou-me o rosto, enchendo-me de alívio por estar em liberdade.

Mas meu coração ficara preso, dentro do calabouço.
Não conseguiria mais esquecê-la, tinha certeza.
Procurei não demonstrar meu estado de espírito, para que não me impedissem de vê-la novamente.

E resolvi que faria perguntas a Ana na primeira oportunidade.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 11, 2010 11:18 am

CAPÍTULO V

NOVO ENCONTRO


Durante alguns dias não pude realizar meu intento e conversar com minha amiga Ana sem despertar suspeitas ou desconfianças.
O Conde de ravena, que havia estado em viagem por alguns dias, retornara e a azáfama não permitiu que me aproximasse dela.

Eram almoços e jantares cheios de pratos exóticos, doces e refrescos durante todo o dia, carnes das mais variadas espécies para limpar, adicionar os temperos tão ao gosto do anfitrião e assar, carnes essas que, depois de ornamentadas condignamente, iriam para a mesa fazendo a alegria e admiração dos convivas.

Sim, porque, quando permanecia na propriedade, o senhor gostava de rodear-se de amigos e convidados.

O ritmo da casa ganhava novo impulso.
Todos tinham suas tarefas determinadas e moviam-se freneticamente durante todo o dia.

Minha vida não se alterara praticamente em nada.
Continuava os treinamentos diários, já agora sem me cansar tanto, adaptado ao novo ritmo.
Uma única vez consegui avistar-me com a jovem prisioneira de guerra.

Procurava sempre colocar-me nas imediações da entrada das prisões porque esperava, desejando ardentemente, que me dessem novamente a incumbência de levar a refeição à prisioneira.

Certo dia, sentado numa pedra do pátio, vi chegar o servo encarregado d elevar a comida. Era um rapaz com quem já travara conhecimento e com quem procurava ser agradável sempre que possível, atento às minhas intenções.

Logo que me avistou, cumprimentou-me e percebi que estava descontente. Aproveitando a oportunidade, perguntei solícito:
- O que te aflige, meu amigo? Parece que não estás no teu melhor humor hoje?

Como o rapaz era algo falante, o que eu não desconhecia, e só esperava uma oportunidade para alinhar suas queixas, não se fez de rogado:
- Tens razão, meu velho. Estou cheio de serviço e ainda incumbiram-me de levar a comida ao calabouço, coisa que absolutamente não me agrada.

- Bem, se puder servir-te em alguma coisa… sabes que podes contar comigo.
- Ah! Eu agradeço a gentileza do amigo, mas nada podes fazer para ajudar-me…

- Talvez! Estou desocupado no momento e nada me agradaria mais do que poder ser útil, para compensar de alguma forma as delicadezas que tenho recebido.

- Infelizmente, não é possível, embora eu te ficasse muito agradecido.
Mas, se alguém souber que deixei minhas tarefas, levaria boas chibatadas e tenho muito apreço pela minha pele.
- Tens razão! – respondi, concordando.

Mas como se a ideia surgisse repentinamente, completei pressuroso:
- …Se alguém ficasse sabendo, tua situação seria melindrosa de facto.
Mas, não há necessidade de ninguém ficar sabendo.

Ele entendeu minha sugestão e como era algo preguiçoso e tivesse pressa em empurrar sua obrigação para outro, não se fez de rogado e aceitou com olhos sorridentes, embora ainda algo temerosos.

- Farias isso por mim? Não contarias a ninguém?
- Por que não? Nada me custaria e teria prazer em ajudar um amigo.
E não temas, ninguém ficará sabendo.
- És realmente meu amigo e ficar-te-ei eternamente grato.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 11, 2010 11:18 am

Entregou-me a bandeja, agradecendo efusivamente, ainda com um resto de receio:
- Não digas nada ao carcereiro: ele pensará que fui substituído nas funções, mas se perguntar diga que estou doente.
Quando retornares, deixa a bandeja aqui neste canto, que depois levarei para a cozinha.

Afastou-se sem perceber o ar de satisfação que aflorara em meu rosto.
A prisioneira estava mais debilitada ainda.

Se não fizesse algo urgente ela morreria ali, sem ter esperança alguma, naquele lugar húmido, escuro e asqueroso, onde os vermes e roedores passeavam livremente.

A um descuido do guarda que vigiava constantemente, sussurrei:
- Tenha confiança. Verei o que posso fazer por ti.
Ela olhou-me com um vislumbre de esperança nos lhos tristes.
Nada respondeu, mas percebi que entendera a mensagem.

O carcereiro aproximou-se desconfiado:
- O que estás falando? Não sabes que não podes dirigir a palavra à presa?

- sim, amigo, eu sei.
Apenas disse para tomar cuidado e não derrubar a comida, pois não traria outra, tal o tremor de suas mãos.

Afastei-me apressadamente para não despertar suspeitas, respirando livremente apenas ao colocar os pés fora daquele recinto sombrio.

Decidi que teria de me apressar.
Ela não resistiria muito tempo mais, se ali permanecesse.
Ao término do dia, quando as primeiras sombras da noite se aproximavam, procurei Ana e disse-lhe que precisava ter uma conversa com ela.

- Fala, meu filho. Estou escutando.
- Agora não. Nem o momento, nem o local são propícios. Temo ouvidos indiscretos.
Mais tarde, após terminar o serviço, espera-me no pequeno banco, perto do alojamento dos escravos.

Ela concordou, algo surpresa, mas nada perguntou, reservando as indagações, para hora mais apropriada, percebendo que algo inusitado acontecera.

Esperei-a por uma hora, aproximadamente.
Aos poucos os ruídos do palácio foram diminuindo até cessarem de todo e as luzes se apagando uma a uma.

A noite esta límpida e podia-se ver as estrelas que brilhavam no firmamento.
Não havia lua, o que era realmente providencial.

Ouvi ruído de passos e movimento de folhagens e só percebi a mulher quando já bem próxima de mim.

Um tufo de folhagens e trepadeiras formava um refúgio natural e poderíamos conversar tranquilamente, sem que alguém do alojamento dos servos ou das janelas do palácio nos visse.

Sentou-se ao meu lado no banco de pedra e ficou esperando que eu falasse.
- Ana, preciso da tua ajuda. Só confio em ti neste lugar.
- Fala, meu filho. Ajudar-te-ei naquilo que puder.
- Trata-se da prisioneira que o Senhor mantém nos calabouços.

Estava nervoso e continha-me com dificuldade. Ela replicou, franzindo os sobrolhos.
- E o que tens com isso? Não sabes, meu rapaz, que é perigoso te meteres onde não deves?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 11, 2010 11:18 am

Anuí com um movimento de cabeça:
- Sei que é perigoso, por isso resolvi dirigir-me a ti.
Nada tenho com isso, reconheço, mas penaliza-me sobremaneira a situação da pobre moça. O que fez ela de tão terrível?

Ana respirou profundamente antes de responder-me, com voz pausada e suave.
- Sei pouca coisa também.
Ela chegou naquele dia que também chegaste.

Os servos comentaram que é possuidora de extraordinária beleza e o Senhor, como não poderia deixar de ser, interessou-se vivamente por ela.

Mandou instalá-la regiamente e colocou diversas serviçais à sua disposição, prontas a atender-lhe o menor capricho, desde que não fosse ausentar-se dos seus aposentos, evidentemente.

Mas ela mantinha-se sempre triste, com o olhar perdido ao longe, sem prestar a mínima atenção e todo o luxo que a cercava, aos objectos de toucador que fariam a felicidade de qualquer mulher e causariam inveja a todas as outras.

Cobriu-se de jóias e de trajes belíssimos.

Tocadores de alaúde cantavam para tornar seu sono mais agradável e dançarinas executavam bailados exóticos e sensuais para alegrar seus dias. Nada disso adiantou, porém.

Em meio às almofadas de cetim e brocado, só fazia chorar o dia inteiro;
quando não, dava-se a crises de desespero e raiva, quebrando tudo o que estivesse ao seu alcance…

Ouvia com a respiração suspensa as palavras da serva, que faziam com que as imagens criassem vida em meu pensamento.
Ela fez uma pausa e continuou:
- …mas, no dia seguinte, o Senhor repunha os objectos quebrados e trazia novos mimos ainda mais belos, mais exóticos e mais valiosos para presenteá-la.

Quando Ana fez uma pausa mais longa, aproveitei para perguntar se “ele” a visitava.

- Os servos disseram-me que sim, mas somente de vez em quando, pois ela o maltratava muito.
Não lhe dava a mínima atenção e não respondia quando ele lhe dirigia a palavra, o que o irritava sobremaneira.

- E o que aconteceu para que as coisas mudassem dessa maneira?

- Um dia “ele” se irritou com a frieza da jovem e tentou aproximar-se mais dela, já não contendo mais seus impulsos interiores e tentou agarrá-la.

Ele, que até então tinha sido paciente, esperando calmamente que ela mudasse o tratamento para com a sua pessoa, aproximou-se para beijá-la.

Rapidamente, ela cravou as unhas no rosto dele, deixando-o com riscos de sangue.
Surpreso, levou a mão ao rosto com um grito de dor.

Seus olhos fuzilaram de raiva e esbofeteou-a violentamente.
Ela foi arremessada ao chão com o golpe recebido e seus olhos encheram-se de lágrimas.

- Gata selvagem, eu te domarei! Deverias agradecer-me o que tenho te proporcionado e, ao invés disso, me agrides.
Terás o que mereces daqui por diante.

Saiu espumando de raiva, deixando-a caída no tapete.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 11, 2010 11:19 am

Uma das servas ajudou-a a levantar-se, pensando o ferimento que sangrava em seu rosto, produzido por um grande anel que o Senhor usava no dedo médio da mão direita.

Não continha minha impaciência, algo feliz com a reacção da prisioneira às arremetidas do amo.
- E então? – perguntei – O que aconteceu depois?

Com a calma que lhe era peculiar, Ana respondeu:
- Logo depois, dois guardas vieram buscá-la, levando-a para uma prisão bastante cómoda, até.

Simples, mas com certo conforto.
O local era asseado, os lençóis eram limpos e havia uma bilha com água fresca.

Por uma semana permaneceu isolada, sem receber visitas.
Ao cabo desse tempo, “ele” não se conteve mais e mandou que a trouxessem à sua presença.

Ao vê-la seus olhos se iluminaram, mas procurou demonstrar indiferença.
Mandou que se aproximasse e, indicando-lhe uma almofada, ordenou que se sentasse.

Tomando de uma taça de vinho que um servo lhe oferecia, perguntou-lhe algo irónico:
- Estás mais calma agora?
Espero que o isolamento tenha curado teu desejo de agredir-me.

Vê como sou generoso: poderia ter mandado açoitar-te e, em seguida, decapitar-te pela injúria que me fizeste, mas aqui estás como se nada tivesse ocorrido. Mas previno-te que minha paciência tem limites!

Não me obrigues a tomar atitudes mais severas contigo, porque não é do meu agrado.
Quero-te para mim, mas por tua livre vontade.
Vais voltar para os teus antigos aposentos, mas espero ser melhor recebido da próxima vez. Entendeste?

Ela abaixou a fronte, mordendo os lábios ligeiramente, num esforço para se conter e concordou com um gesto de cabeça.

O Senhor pareceu satisfeito com a docilidade demonstrada, sem perceber que ela apenas estava ganhando tempo.
Alguns dias ,aos se assara, e tudo parecia calmo.
Até que certa tarde ele foi visitá-la.

As servas repararam-na, enfeitando-a com jóias e adereços, pentearam-lhe os cabelos escuros e sedosos, entremeando-os de fios de pérolas.

Suas vestes brancas, de um tecido delicado e transparente, eram bordadas com pequenas flores em ouro.
Ao vê-la, ele extasiou-se.

Aproximou-se, tomando-lhe as mãos e levando-as aos lábios com delicadeza.
- Tua beleza empalidece o brilho do próprio Sol, minha querida.

Jamais estiveste tão bela como hoje e eu te felicito.
Vamos brindar este momento em que nos reencontramos.

Com um gesto característico, ordenou que trouxessem vinho e brindaram:
ele alegremente, ela com um meio sorriso enigmático no belo rosto, onde seus olhos brilhavam estranhamente.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 11, 2010 11:19 am

Solicitou que a jovem cantasse alguma coisa para ele e Tâmara, docilmente, tomou do alaúde e sentou-se entre as almofadas com gestos elegantes e delicados.

Sua voz ergueu-se melodiosa;
a canção era triste e falava da terra natal distante, de amores perdidos e tristezas infindas.

Quando as últimas notas soaram todos estavam emocionados, e nos olhos da pequena tocadora de alaúde havia duas lágrimas presas.

- Muito bela a canção que cantaste, mas muito melancólica também.
Quero que te sintas feliz aqui e proíbo-te de cantares melodias que lembrem o passado.
- Meu Senhor – disse num sussurro -, não se pode obrigar alguém a ser feliz!

Surpreso com a resposta inesperada, replicou colérico:
- Pois eu exijo que sejas feliz! Que te falta afinal?
Não tens tudo aqui neste palácio?

Não procuro satisfazer teus menores desejos?
Tens roupas que fariam inveja a uma rainha, tuas jóias, encantam a todas as mulheres.
Que te falta afinal? O que desejas?

E a voz da jovem se fez ouvir, baixa mas perfeitamente audível:
- A liberdade.

Aquela voz soou na enorme sala causando impacto.
Fez-se silêncio geral.

As servas pararam seus afazeres e aguardaram a reacção do amo, que, sabiam, seria terrível, tal a ousadia da prisioneira.
Ele recuou, surpreso.
Seus olhos demonstraram espanto incontido.

Aproveitando-se do momento, em face da hesitação de que ele dera mostras, ela rojou-se-lhe aos pés, suplicando-lhe entre lágrimas:
- Dá-me a liberdade e eu te serei eternamente grata.
Não me mantenhas prisioneira, que eu morro a cada dia que passa.
Deixa que eu volte para meu lar, para aqueles que me amam e choram a minha ausência…

- Isso nunca! A única coisa que não posso oferecer-te é a liberdade.
Amo-te, não entendes?
Quero-te para mim e serás minha nem que demore cem anos.

Tu me enlouqueces e não suporto mais a vida longe de ti.
Falas em amores distantes, mas ninguém te ama mais do que eu.
Nunca a liberdade, nunca! – bradou, colérico.

Ela recuou e, num gesto rápido quão inesperado, tirando das dobras da faixa que lhe circundava a cintura um pequeno punhal, cravejado de pedras preciosas, jogou-se sobre ele enterrando-o em pleno peito.

- Morre, então, miserável! Morre! Nada mais me importa.
Ser tua prisioneira, nunca! Prefiro a morte à prisão.

O homem caiu pesadamente no tapete, enquanto os guardas tentavam segurá-la, esperneando com fúria.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 11, 2010 11:19 am

Aproximaram-se para socorrê-lo. Com voz sumida, pediu que não a matassem.
Bem a tempo, pois um dos guardas já se preparava para atingi-la com a espada.

Rapidamente trouxeram o médico e trataram do Senhor, levando-o depois para seus aposentos, com todo o cuidado possível.
- Soube que o Senhor se ferira em combate! – retruquei, perplexo.

- É o que ele quer que todos pensem.
Ameaçou de morte aquele que dissesse o contrário.
Depois desse dia, a jovem prisioneira está onde a viste, esperando que ele decida a sua sorte.

- Pobre criança! Não teria alguma maneira de ajudá-la?
- Nem pense nisso! – retrucou, assustada.
– Jogarias a tua cabeça, sem a certeza de um resultado favorável.
Também penalizo-me da sua condição, mas nada podemos fazer.

Somos apenas criados, entendeste?
Não temos poder, amizades, glórias e riquezas.
Só muito trabalho.
E por falar nisso, vamos recolher-nos, que amanhã teremos um dia duro.

- Ana, obrigado por teres me contado.
Serei teu amigo fiel em qualquer circunstância.
Não contes nossa conversa a ninguém. Ate amanhã.

Após a mulher ter-se recolhido, fiquei ainda algum tempo pensando em tudo o que ouvira.
Tinha que fazer alguma coisa por ela. Ana tinha razão.

Não possuíamos meios para ajudá-la, mas teria que encontrar uma maneira.
Já a claridade da manhã se aproximava quando me recolhi ao alojamento, cansado de tanto meditar.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 11, 2010 11:19 am

CAPÍTULO VI

ENFERMIDADE PROVIDENCIAL


Nos dias subsequentes aos esclarecimentos de minha amiga Ana, não consegui deixar de pensar no assunto.

Desejava fazer alguma coisa, mas não sabia o quê e nem como.
Não consegui mais aproximar-me de Tâmara e a incerteza tirava a minha tranquilidade.

Andava irritado e descontente; o mau humor transparecendo na expressão fisionómica:
cenho carregado, testa franzida, olhos que expeliam chamas odientas.

Enfim, nada corria bem.
Ana observava-me à distância e eu percebia a preocupação e estranheza em seu olhar.

A imagem da prisioneira não deixava meu pensamento; tornara-se uma ideia fixa a dominar-me o íntimo tumultuado.

Aos poucos, ideias menos felizes foram-se assenhoreando do meu espírito, activadas pelos companheiros espirituais desejosos de me destruir, e encontrando eco nas raízes de meus desejos profundos.

Vezes sem conta via-me discutindo com o amo e agredindo-o violentamente.

Ouvia sua voz “em meu pensamento”, humilhando-me com satisfação, dirigindo-me palavras em que traduzia todo o desprezo de que se sentia possuído, como se me conhecesse de longa data.

E eu reagia, agredindo-o.
Via-o caído no chão implorando o meu perdão e rogando misericórdia e eu rindo escarninhamente, aproveitando o momento da vingança.

Não satisfeito em vê-lo a meus pés, levantava o braço homicida cravando em seu peito a espada e deliciando-me ao ver o sangue correr aos borbotões do seu peito aberto.

Essas imagens repetiam-se amiúde e comecei realmente a agasalhar dentro de mim o desejo de matá-lo.
Porque não? Meus problemas estariam resolvidos.
Ela ficaria livre e poderíamos ir embora juntos.

Essa alternativa parecia-me mais viável porque não tinha meios de subtraí-la ao seu domínio e, mesmo que conseguisse libertá-la e fugir, ele não daria tréguas.

Sim, era preciso que ele morresse para que pudéssemos ser felizes.
E eu, em minhas divagações, imaginava-a a meus pés, trémula e agradecida.
Fitando-me com amor infinito e dócil à minha vontade.

Nesses momentos, meu coração batia desordenadamente no peito e sentia que, por ela, seria capaz de qualquer coisa, de qualquer crime, por mais torpe que fosse.
Só o que me importava era tê-la junto a mim pelo resto da vida.
Nunca mais nos separaríamos e seríamos muito felizes.

Mas havia “ele”, o tirano, que era preciso retirar do caminho, como a uma serpente venenosa.

Certo dia minha amiga aproximou-se, vendo-me com o olhar perdido no vazio, e colocando a mão em meu ombro falou-me com delicadeza, mas deixando transparecer a preocupação em sua voz:
- Meu filho! Posso chamar-te assim, não é?

Afinal, poderia ser tua mãe, se o Senhor de Nossas Vidas não tivesse te colocado em outro lar, e estimo-te como se o fosses.
Abre o teu coração! Vejo-te e sinto-te desnorteado e meu coração se entristece.

Já não és o rapaz alegre e folgazão que aqui chegou.
Quem sabe posso ajudar-te?
- Nada podes fazer por mim – respondi com amargura.

- Se não sei o que acontece, realmente nada posso fazer, meu filho!
- Estás preocupada à toa. Estou muito bem.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 11, 2010 11:20 am

- Desculpa-me contradizer-te – respondeu com um sorriso triste -, mas não é verdade!
Andas muito irritável ultimamente e discutes por um nada.
Os outros servos têm até medo de dirigir-te a palavra, receando tua reacção.

Lembras-te da briga de outro dia?
Amaro quis apenas gracejar contigo e, enfurecido qual animal selvagem, o agrediste com teus fortes punhos, deixando-o todo machucado.

- Ele bem que mereceu aquela surra, o idiota.
Assim talvez aprenda a não se intrometer na vida alheia – retruquei agressivo.

Ana baixou a cabeça, triste:
- Ele pagou bem caro a brincadeira que quis fazer contigo! Mas percebes como estás diferente?
Pareces desequilibrado, como se fora da realidade das coisas.

Teus olhos estão baços e um brilho mau o envolve, como se estivesses planeando algo de muito terrível.
Sinto, sem saber como explicar, que seres revoltados e odientos dominam-te o pensamento.
Às vezes parece que os vejo ao teu redor e um arrepio percorre meu corpo.

Suas palavras assustaram-me.
Seria verdade? Como sabia o que me passava pela mente?
Talvez fosse advinha.

De qualquer forma, aborreceu-me e respondi irritado:
- Ora, deixa-te de asneiras, mulher.
Cuida da tua vida que já fazes muito e não vejas problemas onde não existem.

Saí apressadamente, deixando-a sozinha, sem ver a perplexidade em seu olhar.
Não conversamos mais.
Ela me irritava profundamente, como todos os outros, por sinal.

Um dia pediram-me que levasse a refeição ao cárcere e fiquei contente, vendo na ocasião uma oportunidade que me competia aproveitar.

O carcereiro abriu a porta, que rangeu lugubremente sobre os gonzos.
Chamei-a, mas não respondeu.

Não se via movimento algum dentro da cela e a escuridão tornava tudo mais difícil, para quem vinha da luz do Sol.

Entrei na cela, olhando atentamente, e aos poucos pude perceber um corpo no chão, em meio das palhas infectas.

Estendi os braços e levantei-a do chão.
Quase não senti o seu peso, tão leve me pareceu.
Chamei o carcereiro e retirei-a da cela, levando-a para um local mais claro e mais arejado.

Enfureceu-se comigo:
- Como ousas retirar a prisioneira da cela, sem ordem?

- Não vês o seu estado? Parece morta!
Queres ter a responsabilidade da sua morte em tuas costas?
Como darias conta ao Senhor?
Por acaso te é desconhecido o interesse que ele nutre por ela?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 11, 2010 11:20 am

Pareceu reflectir por breves momentos e aceitou meus argumentos, preocupado com sua situação pessoal:
- Achas que está muito mal? – perguntou-me, apreensivo.

- Tenho certeza! – respondi, colocando-a num banco largo sob uma janela.
Aproximei meu ouvido do seu peito, tentando ouvir as batidas do coração.

- O coração ainda bate, mas muito fracamente.
Mal se percebe. Temos que chamar um médico!
- Estás louco?

- Louco estás tu se não fores já fazer o que estou mandando!
Não tens amor à vida? Vamos, avia-te! – falei com autoridade, jogando uma cartada decisiva.

- Mas, não posso abandonar o meu posto! – respondeu aflito, torcendo as mãos, ainda relutante.
- Não te preocupes. Tomo conta de tudo.
Avisa teu amo e volta rápido com o médico.
Além disso, bem vês que essa infeliz não poderá ir a parte alguma na situação em que se encontra!

Pareceu tranquilizar-se e saiu como uma flecha.
A sós com a jovem, no silêncio que envolvia tudo, pude analisar melhor o seu estado.

Era uma sombra do que fora.
Seu rosto emagrecido e pálido nada fazia lembrar a beleza de outrora.
Seus cabelos estavam sujos e emaranhados; suas vestes, rotas e imundas, exalavam mau cheiro.
Toda a sua figura era um atestado mudo dos sofrimentos a que fora submetida.

Olhava-a e não via imagem do presente que causava repugnância.
Lembrava-me da jovem bela e bem tratada, irradiando saúde por todos os poros.
O amor tomava todo o meu peito, prestes a explodir.

Segurei sua mãozinha entre as minhas e levei-a aos lábios num transporte de felicidade inefável.
Nunca estivera tão perto dela, nunca a vira tão indefesa, tão desprotegida.

Naqueles momentos de paz e intraduzível felicidade para mim, pareceu-me ver uma figura diáfana e ouvir a voz do ancião que já vira em sonhos falar-me com doçura:
- “Detém-te enquanto é tempo.
Ajuda-a naquilo que puderes, mas não compliques a tua evolução espiritual com novos desatinos.
Pára e pensa. Ora e medita.

Pobre de ti se te deixares envolver mais profundamente nas malhas do crime e da insensatez.
Procura ouvir nos recessos de tua alma a consciência que te adverte.
Lembra-te que todos somos filhos do mesmo Pai.

Não adiciones à ingratidão o crime nefando que planeias.
Acorda, insensato, enquanto é tempo.
Ora a Deus e confia na Sua justiça e misericórdia. Adeus.”


Fiquei assustado e olhei ao redor com medo de que alguém pudesse ter ouvido as palavras que me eram dirigidas.

Tranquilizei-me, lembrando-me de que estava sozinho.
Os conceitos de alerta martelavam-me a mente, fazendo-me reflectir melhor.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 11, 2010 11:20 am

Quem sabe, realmente poderíamos fugir juntos, sem ocasionar danos maiores?
Um suspiro abafado escapou-me do peito.

Nesse momento, o esculápio entrou junto com o carcereiro, e vendo a paciente estendida no banco examinou-a sem proferir palavra.

- Temos que retirá-la daqui!
Este ambiente sufoca! – disse, olhando em torno com desagrado.
- Não tenho ordem para isso. Trata-a aqui mesmo, respondeu o carcereiro.

- Não é possível medicá-la aqui.
Respondo por isso perante meu Senhor.
O Senhor Conde está em viagem, mas incumbo-me de notificá-lo. Vamos levá-la.

Tomei-a nos braços, obedecendo a uma ordem dele e nos dirigimos ao interior do palácio.
Percorremos salas e corredores sem fim, cheios de quartos.
Subimos uma escadaria que levava aos pavimentos superiores.

Andamos bastante até chegamos defronte a uma porta que o médico abriu, ordenando-me que a depositasse numa cama macia e de lençóis limpos e alvos.

Chamou duas escravas e ordenou que a banhassem.
Depois dirigiu-se a mim, dispensando-me os serviços.

Com lágrimas nos olhos, rojei-me a sues pés, suplicando-lhe que me permitisse auxiliá-lo no tratamento da doente.
Faria qualquer coisa, desde que pudesse ficar ao seu lado.
- Qual é o teu interesse no caso? – perguntou-me, surpreso.

Não respondi de pronto.
- Já conhecias esta jovem?
Meneei a cabeça, concordando.
- Teu interesse por ela é muito grande, suponho.

Ergui a fronte, fitando aqueles olhos lúcidos que me olhavam com profunda compreensão.
- Muito. Eu amo esta jovem.
Daria minha vida por ela e não posso perdê-la.
Deixa-me ficar e serei teu escravo.

- Infeliz! Não sabes o perigo que corres confessando teus sentimentos por uma mulher que é propriedade do teu amo e senhor?
- Sei de tudo isso, mas não posso evitar.
Ajuda-me e eu te serei grato pelo resto de minha vida.

- Não posso permitir que aqui permaneças sem o consentimento do Conde, mas prometo manter-te informado, sobre o estado de saúde da minha paciente.
E, quem sabe, vez por outra, poderás vir até aqui verificar por ti mesmo os progressos que tenha feito… se resistir, porém.

As últimas palavras pronunciou com entoação de apreensão e tristeza.
Tomei suas mãos e beijei-as, agradecido.
A esperança voltava a bafejar-me o íntimo.

Retirei-me dos aposentos do médico com o coração em festa.
Uma etapa estava concluída.

Conseguira retirá-la do calabouço, mesmo que fosse em tristes condições de saúde, mas já era uma vitória. E que vitória!
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 11, 2010 11:20 am

CAPÍTULO VII

MISERICÓRDIA DIVINA


Tratava-se de Godofredo, Conde de Ravena.

Na verdade, ele não era mau, mas, acostumado a ter tudo o que desejasse desde a mais tenra idade, habituara-se a não ser contestado.

Seus pais, de família muito rica e descendência nobre, cumularam-no de carinho estragando-o com excesso de mimos.

Fora uma criança rebelde e egoísta por culpa dos progenitores;
nada era demais para aquele filho que viera quando estavam já desanimados de esperar.

Fora o Sol a iluminar-lhes a existência até então monótona e sem alegrias.
Cresceu entre afagos, sem jamais ser castigado, mesmo ligeiramente.

A criança. Linda e rechonchuda, “à semelhança dos anjos do céu”, como costumava dizer sua mãe, tornou-se um jovem prepotente, egoísta, déspota, embora soubesse ser agradável quando necessário.

Com a morte dos pais, viu-se dono de colossal fortuna e, já não tendo qualquer freio a respeitar, freio que na realidade já não existia, diga-se de passagem, mergulhou numa vida de prazeres e excessos de toda natureza, só a abandonando quando se fazia necessário defender seus direitos e vantagens conquistados.

Sentia-se bem lutando e se empenhando em lutas fratricidas.

Com o conflito que surgira em suas fronteiras, ameaçado pelos flancos por um inimigo figadal que ambicionava seus haveres, relegara os prazeres para um segundo plano, dedicando-se a defender seus interesses.

De carácter fogoso e apaixonado, estava sempre envolvido com mulheres de todas as classes sociais, fossem nobres ou plebeias, camponesas ou escravas.
Mulheres que abandonava sem qualquer explicação, assim que seus desejos estivessem satisfeitos.

Sabia, porém, tratá-las segundo sua educação e classe, demonstrando-se muitas vezes delicado, gentil, atencioso e encantador, desde que a dama merecesse um tratamento diferente, pela sua posição social.

Envolvera-se com quase todas as servas, que precisavam submeter-se a sues caprichos, embora muitas o fizessem de bom grado.

Uma delas, porém, tomou-se de amores pelo amo, apaixonando-se perdidamente.
Quando foi excluída do seu convívio, pensou enlouquecer de dor e revolta.

Possuidora de tendências negativas muito pronunciadas e dona de espírito irascível e vingativo, não se conformou com o desprezo daquele a quem amava acima de tudo na vida, embora na realidade sofresse também pelo amor-próprio ferido e ambição desmedida insatisfeita, e jurou vingar-se.

Passou a observá-lo seguidamente, vigiando todos os seus passos.
Sentiu que existia uma mulher por detrás do desinteresse demonstrado por sua pessoa.

Quando viu a jovem prisioneira pela primeira vez, sentiu uma fisgada de ciúme.
Percebeu os olhares cúpidos do amo, seu interesse não dissimulado e sempre crescente.

Aquilatou o perigo que aquela mulher representava em sua vida e odiou-a com todas as forças do seu coração, desejando afastá-la do seu caminho de todas as maneiras.

Não passou despercebido também à sua argúcia e percepção meu interesse para prisioneira, analisando-me o comportamento.


Última edição por Ave sem Ninho em Sáb Jul 23, 2022 11:10 am, editado 1 vez(es)
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 11, 2010 11:21 am

Sentiu que em mim teria um aliado a seu favor, mesmo porque meus sentimentos em relação ao Senhor eram difíceis de serem encobertos.

Resolveu que me usaria nos planos que já se delineavam em sua mente doentia.

Certo dia aguardou-me nas proximidades da porta que conduzia aos aposentos interiores do palácio; sentou-se nos degraus e, quando me aproximei, abordou-me com um sorriso irónico a bailar nos lábios rubros:
- Como vai ela?

Corei instantaneamente, incapaz de controlar-me.
- Ela quem? Não sei a quem te referes.
- Falo da jovem e linda prisioneira de guerra que tanto te agrada!

- Cala-te! Como te atreves? – respondi algo agastado. – Toma cuidado com o que dizes!
Alguém pode nos ouvir e interpretar mal tuas palavras.
O médico mandou chamar-me e vou ver o que deseja.

Ela riu sarcasticamente.
- Teu Senhor sabe do teu “interesse” por sua prisioneira de guerra?

- Não te atrevas a insinuar nada, maldosa criatura, e muito menos para teu Senhor.
Se souber que abriste a boca sofrerás o peso de meus braços em teu lombo.
Cuida da tua vida e deixa-me em paz – respondi, irritado.

- Tranquiliza-te! – respondeu, conciliadora.
Não pretendo prejudicar-te.
Acho até muito simpático e gostaria de ajudar-te.

- Em que poderias ajudar-me, serpente venenosa?
- Talvez facilitando teus amores com a escolhida do teu coração!
Tenho interesse em afastá-la deste local, pois não me convém que aqui permaneça – concluiu com raiva contida.

- Entendo. Já soube da tua ligação com o Conde.
- Sim, eu o amo e não quero perdê-lo. Se quiseres ser meu aliado procura-me…

- Embora não simpatize contigo, creio que poderemos unir nossos esforços num interesse comum.
Agora não é o momento propício, alguém pode nos ver.
Conversaremos em outra hora e local.

Afastamo-nos satisfeitos, tendo concluído o acordo que resultaria em tanto mal.
Dirigi-me aos aposentos do médico para saber notícias da minha deusa.
Sua vida continuava em perigo.

A pneumonia irrompera gravemente, propiciada pelo ambiente em que permanecera tanto tempo, e o esculápio lutava por amenizar seus sofrimentos.

A febre, rebelde, não cedia e notei-o bem preocupado.

Desci algo desanimado, sentindo que perdia a única coisa que me interessava no mundo, e que nada podia fazer.

Sensação de impotência, revolta e dor dominou-me o íntimo.
Sentei-me num banco do jardim, com a cabeça entre as mãos.
O meu mundo desabava e sentia-me impotente para ajudar.
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