LUZ ESPÍRITA
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Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo

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Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo - Página 5 Empty Re: Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 26, 2020 7:30 pm

De repente, virando-me para meu irmão, indaguei:
- É verdade, Esmérdis, que estás loucamente apaixonado por uma jovem belíssima?
Ele voltou-se surpreso e bem-humorado:
- Quem te disse tal coisa, Cambises?
Não me lembro de nenhuma mulher que tenha visto ultimamente e que possa ser assim tão bela como afirmas.
Mas se a conheces, suplico-te que me apresentes essa jóia, e, assim, quem sabe, poderei deveras ficar enamorado dela?
Nas imediações, todos caíram na risada, não ignorando a reputação do príncipe.
- Infelizmente não a conheço, meu irmão.
- Alguém me contou sobre essa tua paixão avassaladora.
E disse mais: que a referida donzela não morre de amores por ti, negou-se a cair em teus braços, e, por isso, estás desesperado - conclui.
Não achando mais graça, irritado, o sangue subiu-lhe no rosto, enquanto eu intimamente me divertia com a cena.
- Quem anda semeando calúnias a meu respeito? - perguntou.
Alguém interferiu:
- A que calúnias te referes, Esmérdis?
A de que estás apaixonado ou a de que a jovem não quer saber de ti?
- Estás rindo às minhas custas, Cambises.
Posso garantir que sou irresistível entre as mulheres.
Afianço-te que jamais me interessei por uma mulher sem ser aceite por ela.
Afinal, irmão, eu preciso saber:
quem anda falando sobre minha vida e espalhando infâmias a meu respeito?
E quem é essa jovem que ninguém conhece?
Responde-me!
- Acalma-te, querido irmão Esmérdis.
Nem me recordo de quem fez o comentário, que também não tem importância alguma.
Com certeza quiseram apenas te provocar. Esquece!
Quanto à aludida jovem, não sei quem é;
disseram-me que se tratava de uma desconhecida em nossos meios.
E, se estás realmente apaixonado, meu conselho de irmão é que deves lutar por teu amor.
Tu és um rapaz atraente, tens uma bela reputação entre as mulheres, que, diga-se de passagem, fazes o possível para conservar.
Mas se é verdade que essa dama não te ama, esquece-a e parte para outra - considerei irónico.
Esmérdis mostrava-se sumamente encolerizado;
mais ainda ao ver que todos se divertiam às suas custas, rindo a valer.
Quanto mais ele tentava se justificar, mais os presentes riam, e isso o deixava mais nervoso.
Quando julguei que tinha feito o suficiente para lançar a ideia na cabeça de todos e que os comentários correriam como rastilho de fogo em capim seco, coloquei panos quentes:
- Basta, pessoal.
Não falemos mais sobre esse assunto.
Conversemos sobre outras coisas.
Aliás, aproveitemos nossa ceia e o belo espectáculo que algumas dançarinas novas nos apresentarão nesta noite.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 26, 2020 7:30 pm

Virando-me para Esmérdis, tranquilizei-o:
- Asserena tua alma, meu irmão.
Tudo não passou de uma brincadeira.
Não pretendia aborrecer-te.
Agora, delicia-te com a visão das lindas moças que darão início às danças.
A música começara a soar, rítmica e convidativa, envolvente e sensual, e todos se voltaram para a porta de acesso, curiosos para ver as dançarinas.
E eu, discretamente, fiquei a observar meu irmão, que se esforçava para voltar ao normal, exultante com o resultado da minha investida.
Tudo isso me causava infinito prazer.
Na verdade, eu sempre tivera dificuldade em atrair as jovens, o que me levava a sentir inveja e ciúme de Esmérdis pelo seu sucesso com as mulheres.
Sim, meu irmão teria o que merecia.
Dali para frente, os dias dele estariam contados.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 26, 2020 7:31 pm

20 - A queda de Ciro 2º, O Grande
Bem distante dali, Ciro encontrava muitas dificuldades rumo ao objectivo que estabelecera com seu Estado Maior.
Para cumprir sua meta, de subjugar os povos nómadas da Ásia Central, teria que fazer longo trajecto.
Em parte, sua passagem era facilitada pelos povos que admiravam o grande conquistador e seu exército invencível.
Supriam-no de géneros alimentícios e de água, davam-lhe informações preciosas sobre a topografia do terreno, alertavam-no dos perigos da região, e, não raro, engrossavam-lhe as fileiras.
Quando da passagem do exército persa, muitos homens se entusiasmavam e seguiam juntos, seduzidos pelo carismático Imperador.
Eles guerreavam havia longos meses e éramos sempre informados das batalhas e conflitos por mensageiros, encarregados de nos colocar a par dos acontecimentos.
Na Pérsia, a situação mudara bastante.
Aos poucos, eu tinha me deixado envolver por Ratan, que subtilmente me dominava com suas ideias.
O desaparecimento de meu irmão Esmérdis causou espanto na população.
Em palácio, não se falava de outra coisa.
Procurei demonstrar meu sofrimento e preocupação com o sumiço de meu irmão, mais novo que eu, mostrando uma tristeza que estava longe de sentir.
Dei ordens para que os seguranças saíssem à procura dele;
expedi homens buscando informações; estabeleci vultosa recompensa para quem trouxesse alguma notícia do desaparecido, por menor que fosse.
Todavia, nada.
Esmérdis parecia ter sido tragado pela terra.
Roxana chorava pelos cantos, o que me fortalecia a presunção de que fossem amantes.
Jamais passou pela minha cabeça que, gentil e carinhosa, minha esposa gostasse realmente de Esmérdis de forma fraternal, uma vez que eram também irmãos, tal qual ela e eu, e muito ligados um ao outro.
Inúmeras teorias e suposições surgiram tentando explicar o facto:
afirmavam alguns que meu irmão fora morto por algum marido traído;
uma outra parte achava que fora alcançado pela vingança de alguma mulher abandonada, inconformada por perder seu amor;
outros ainda supunham que fora levado por um bando de desconhecidos, cuja passagem naqueles dias pela cidade causara preocupação;
outros mais imaginavam que Esmérdis, profundamente apaixonado, acompanhara certa donzela que havia deixado a Pérsia em busca de outras regiões;
os demais membros da população acreditavam até que, em virtude da beleza e encanto de Esmérdis, alguma deusa tivesse se apaixonado por ele, levando-o para a Morada dos Deuses.
Dessa forma, as opiniões se dividiam, e comentários os mais bizarros, engraçados e estranhos surgiram no meio do povo.
A verdade, porém, é que só três pessoas conheciam o destino de Esmérdis:
Rafiti, Malec e eu.
Ratan, em conversa comigo, sugerira delicadamente que eu sabia o segredo que se escondia por detrás do sumiço do príncipe.
Neguei veementemente, ordenando-lhe que jamais repetisse tal infâmia a quem quer que fosse.
Com leve sorriso, ele inclinou-se, reverente, pediu-me desculpas, e nunca mais falamos sobre isso.
Intimamente, regozijava-me com o sumiço do irmão, respirando mais aliviado e tranquilo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 26, 2020 7:31 pm

Com o passar do tempo, à medida que outras notícias surgiam e novos factos vinham a despertar interesse do povo, as pessoas acabaram por esquecer o desaparecimento de Esmérdis.
Em poucos meses ninguém mais tocava no assunto.
Durante esse período, não deixei de notar olhares estranhos, enviesados, de dúvida, dirigidos à minha pessoa.
Ninguém, porém, jamais se atreveu a acusar-me abertamente, até porque eu não dava oportunidade.
Sempre me mostrei extremamente pesaroso pela perda do irmão, ordenei actividades religiosas nos templos, tanto de Mitra quanto de Ahura-Mazda, por intenção de sua alma, às quais comparecia choroso e desolado.
Preocupava-me o momento em que a notícia do desaparecimento do filho Esmérdis chegasse ao conhecimento de Ciro, e eu fosse obrigado a enfrentar sua ira.
Estava eu entretido a ver brincar as crianças do palácio, num jardim próximo ao harém, quando um servo veio avisar-me de que chegara um mensageiro real.
Dirigi-me para meu gabinete particular, e ordenei que o mandassem entrar.
O portador vinha empoeirado, vestes em frangalhos e acusava extremo cansaço.
Com certeza teria viajado durante muitos dias para apresentar-se naquele estado.
Ao ver-me, jogou-se no chão de joelhos.
- Fala! - ordenei.
- Trago uma mensagem da parte de Creso, meu senhor.
Fiz um gesto para que prosseguisse, antevendo alguma má notícia, ao saber que a mensagem provinha de Creso e não de Ciro.
Emocionado e trémulo, ele prosseguiu:
- O Imperador foi ferido em batalha contra os massagetas.
Sua majestade está sendo trazido de volta para Ecbátana, no estrito cumprimento de sua vontade.
Sumamente surpreso, fiquei parado sem saber o que fazer.
Exclamações de horror surgiram dentre os ministros e conselheiros, que, avisados da chegada de um portador, ali se faziam presentes.
Com um gesto pedindo silêncio, interroguei o mensageiro:
- É grave o estado do nosso Imperador?
- Ignoro, senhor.
- O que pensa o Estado Maior que o cerca?
- Seus generais e assessores mais directos mostram-se preocupados, meu senhor - respondeu humildemente.
- Como Ciro está sendo transportado?
O exército o acompanha?
- Com relação ao Imperador, ficou resolvido que, apesar de ferido, iniciaria a viagem em seu próprio cavalo, apenas com seu séquito, a guarda imperial e a equipagem indispensável, para maior agilidade e mais rápido retorno a Ecbátana.
Quanto ao exército, ignoro.
Todavia, se me permites, senhor...
Com um gesto de complacência, dei-lhe liberdade para externar sua opinião.
- O exército, que se movimenta de maneira mais lenta, embora deva estar a caminho, provavelmente ficará para trás.
Quando parti, o acampamento já estava sendo desmontado para a viagem.
- Mais alguma coisa?
- Não, meu senhor.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 26, 2020 7:31 pm

- Pareces muito cansado.
- Sim, meu senhor. Sinto-me exausto.
- Muito bem. Cumpriste bem tua missão - disse ao mensageiro.
Depois me dirigi ao meu secretário:
- Cuida deste homem. Leva-o para que seja tratado como merece.
Quando estiver mais refeito, quero vê-lo.
Preciso que me dê todas as informações possíveis.
- Sim, meu senhor.
O secretário saiu acompanhado do portador, e nós ficamos ali a fazer mil conjecturas sobre o estado de saúde do rei.
Calado, eu reflectia sobre a trágica notícia.
Em parte, a informação não me desagradou.
Se Ciro morresse, eu seria o todo-poderoso Imperador da Pérsia, e iria governar um imenso território.
Por outro lado, não deixava de sentir-me algo pesaroso, pois o relacionamento com meu pai sempre fora bom.
Lembrava-me dele em nossos diálogos, quando me educava, orientando-me, esclarecendo-me, sempre com a intenção de fazer de mim alguém capaz de assumir sua posição e bem administrar o imenso Império que havia conquistado.
De vez em quando chegavam novos mensageiros, trazendo notícias das condições do Imperador.
Assim, fomos informados de que seu estado de saúde se agravara, e que já não conseguia cavalgar em virtude da dor.
Estava sendo transportado em uma carroça, com o conforto possível nessas circunstâncias.
Permanecia febril, e, muitas vezes, delirava.
Em virtude do agravamento de sua saúde, viajavam mais lentamente, não raro sendo obrigados a parar para que os médicos o atendessem.
Em palácio, os súbditos mantinham-se em suspenso;
não se falava de outra coisa.
Preocupavam-me, no entanto, esses comentários, e até dera ordens explicitas para que cessassem de todo, temendo que os países tributários da Pérsia, ao saberem das condições de Ciro, se rebelassem acreditando-nos mais enfraquecidos.
Certo dia, os soldados que vigiavam das torres, nos limites da cidade, avistaram uma grande nuvem de poeira que se levantava ao longe.
Era um cavaleiro que vinha a todo galope.
Tratava-se de um correio avisando que a saúde do Imperador era crítica.
Fomos informados de que estavam acampados em território conhecido, depois de vencerem grande parte do trajecto, estando próximos da fronteira da Pérsia.
Os ministros e conselheiros ali presentes foram unânimes em que um grupo deveria partir o mais rápido possível ao encontro do Imperador.
Pela localização, com cavalos velozes e sem parar, em dois dias estariam com Ciro.
Ciaxares ficaria na capital com alguns ministros e conselheiros, enquanto eu seguiria com um pequeno grupo de assessores e a minha guarda pessoal.
Rapidamente nos preparamos para a viagem e, levando apenas o indispensável, partimos duas horas depois.
Viajamos a todo galope o dia inteiro, parando apenas para cuidar dos cavalos e descansar um pouco;
anoiteceu e continuamos durante a noite, à luz da lua, e no dia seguinte a jornada desesperada para encontrar Ciro com vida.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 26, 2020 7:31 pm

Até que, com alívio, vimos, já ao anoitecer, as luzes do acampamento persa.
Estávamos extremamente cansados, mas satisfeitos por ter conseguido chegar.
Na penumbra que invadia a Terra, ao perceber cavaleiros se aproximando, a princípio os soldados se posicionaram para combate, temendo um ataque.
Identificando-nos, porém, fomos saudados com euforia e imediatamente levados à tenda do Imperador.
Entrei. O ambiente era de consternação.
Aproximei-me do seu leito e contemplei-o.
Aquele homem forte, decidido, enérgico, era apenas uma sombra do que fora.
Bastante emagrecido, pálido, não dava sinal de vida.
Ciro perdera a consciência no último trecho do caminho e permanecia inconsciente.
As horas se passavam e ele não reagia.
Creso aproximou-se, fez uma reverência, e pude notar como estava abalado.
Levei-o para um canto da grande tenda.
Precisava conversar com ele, obter todas as informações sobre a viagem e o que tinha realmente acontecido.
O fiel conselheiro explicou-me:
- Cambises, nosso amado Imperador foi atingido por uma fatalidade.
- Como assim?
Onde estavam os homens da guarda imperial que não o protegeram?
- Conheces Ciro, teu pai, melhor do que ninguém.
Na hora da batalha, é o mais valente e audaz dos soldados.
Não admite interferência em suas acções.
E, naquele dia, nada poderia fazer prever o que sucedeu.
Estávamos no término de uma batalha.
Os massagetas eram inferiores em número e não representavam páreo para nós.
Tudo já estava tranquilo, os inimigos haviam-se retirado, e Ciro sentara-se numa pedra, ao lado de uma árvore, para repousar.
Nossos homens também, mais relaxados, descansavam após o combate falando sobre as peripécias do dia.
Em determinado momento, surgiu um massageta que estava escondido ali perto.
Ciro ouviu ruído de folhas secas, e levantou-se, virando-se para ver a razão do ruído.
Também nós, que estávamos não muito longe, vimos quando ele se ergueu e corremos para perto dele.
Não deu tempo, porém.
Creso fez uma pausa, passou a mão pelos cabelos brancos, como se quisesse expulsar de sua vista aquela cena.
- Continua - ordenei, impaciente.
- O inimigo, ao notar que era o grande Imperador que estava ali tão perto, e que tinha a oportunidade de acabar com ele, não hesitou.
Arrancou sua adaga e cravou-a no peito de Ciro.
Nosso Imperador se moveu, e o ferimento, felizmente, não atingiu o coração.
Num instante, os soldados mataram o inimigo, enquanto eu e mais dois persas nos apressamos em socorrer Ciro.
Ao mesmo tempo, um massageta, provavelmente companheiro daquele que feriu Ciro, tendo ficado para trás, vira o Imperador ser atingido e cair, e afastou-se a gritar de alegria:
Ciro está morto! Ciro está morto!
Vencemos! ... Vencemos!
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 26, 2020 7:31 pm

- Então, os inimigos pensaram que Ciro tinha morrido.
- Sem dúvida.
E nosso exército bateu em retirada o mais rápido possível para prestar socorro a Ciro.
- Entendo. Mas, se o ferimento não foi grave...
- Compreendo tua dúvida.
Mas poderás informar-te melhor com o sacerdote-médico - afirmou Creso, fazendo um sinal para um religioso ali presente, que se aproximou.
Solicitei explicações a respeito do ferimento de Ciro e ele disse:
- Meu senhor, a ferida era grave, mas não mortal, e talvez, se nosso Imperador tivesse concordado em permanecer por lá, em algum esconderijo, sob tratamento médico, quem sabe poderia ter sido diferente?
Todavia, Ciro exigiu que o trouxéssemos para a Pérsia.
Disse que não queria morrer longe do seu palácio, de sua gente.
- E seu estado agravou-se no trajecto.
- Exacto. As condições não eram as melhores: a poeira, o Sol inclemente, o calor, as dificuldades normais de uma viagem, tudo contribuiu para que seu estado de saúde piorasse.
- E agora? - indaguei, aflito, fitando Creso.
- Confiemos nos deuses.
Ciro é dotado de grande resistência.
É forte e nunca foi dado a doenças.
Sempre teve saúde de ferro.
Além disso, é valente e lutador. Jamais se entrega.
Aguardemos a vontade dos deuses.
Creso tinha razão.
Nunca vira meu pai doente ou sem forças.
Estava sempre de pé, enérgico, animado, mente ágil a planejar novas acções.
- Tens razão, Creso.
Os sacerdotes-médicos sabem o que fazem e estão cuidando do Imperador.
Vamos aguardar.
Voltamos nossas atenções para o leito, onde meu pai permanecia no mesmo estado.
Nesse momento, lembrei-me de Ratan, que viera connosco.
Fiz um gesto para meu fiel segurança Rafiti, e ele entendeu, acompanhando-me até um canto do aposento, mais discreto.
- Viste Ratan?
- Está lá fora, senhor - afirmou Rafiti.
- Trá-lo aqui.
Rafiti saiu discretamente e voltou acompanhado de Ratan.
Assim que chegou, o anão dirigiu-se a mim, fazendo uma reverência.
Naquele exacto momento, os sacerdotes-médicos haviam saído para conferenciar.
A hora era propícia.
Conduzi Ratan até o leito, onde Ciro mantinha-se do mesmo jeito, como se dormisse.
Os oficiais do exército e súbditos que ali estavam, estranharam a presença do anão, mas nada disseram.
- Examina-o, Ratan.
Diz-me qual o estado do Imperador.
O anão fitou-me demoradamente.
Depois, virando-se para o doente, examinou-o com cuidado, da cabeça aos pés, sem tocá-lo.
Em seguida, colocou as mãos sobre o corpo dele e, fechando os olhos, permaneceu alguns minutos concentrado.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 26, 2020 7:31 pm

Após isso, abriu os olhos, parecendo voltar ao normal.
- E então? - indaguei.
- O Imperador - que os deuses lhe concedam glória e saúde! - está sendo bem cuidado pelos médicos da corte.
Seu estado é grave e inspira cuidados, mas poderá ser revertido.
- Sim? E o que pode ser feito para reverter a situação?
- Meu senhor, não depende de nenhum de nós.
A decisão está nas mãos dos deuses.
Inclinei a cabeça, mais animado.
- Desejas algo mais, senhor? - disse ele, humilde.
- Não. Podes ir agora, Ratan.
Depois conversaremos.
Logo após a saída do anão, também deixei os aposentos de Ciro.
Precisava me refrescar, trocar de roupas e comer alguma coisa.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 26, 2020 7:32 pm

21 - Morre o grande Imperador
As palavras do anão ficaram martelando em minha cabeça.
Inquieto, na manhã seguinte procurei-o na tenda em que se abrigara;
precisava certificar-me de que nosso diálogo não teria ouvidos indiscretos.
Surpreso ao ver-me entrar, Ratan inclinou-se, reverente.
Fui directo ao assunto:
- Diz-me, Ratan.
O que significam as palavras que disseste junto ao leito do Imperador, isto é, que o estado dele poderia ser revertido?
Ratan respirou fundo, depois considerou:
- Meu senhor, o que percebi é que a alma de nosso Imperador continua ali.
Sofre por não poder se expressar.
Quer pedir ajuda, e não consegue.
Dei um pulo para trás, assustado:
- O que dizes? Será crível?
- Ciro luta bravamente para sobreviver.
Apesar de forte, resoluto, imbatível, ele sente que o corpo não responde mais às suas ordens.
Sentei-me.
Minhas pernas estavam trémulas e fracas.
Num sopro de voz indaguei perplexo:
- Tu o viste?!...
- Sim. Como te vejo agora.
Levantei os braços, meneando a cabeça num gesto de incredulidade.
Em seguida ponderei:
- Suponhamos que tenhas razão.
Apesar disso, tu disseste que o estado do Imperador poderia ser revertido!
- Exacto, se a fortaleza interior de Ciro prevalecer, se seu ânimo for mais forte e suplantar o mal que se apossa dele.
Não te esqueças, Cambises, que o Imperador tem a protecção dos deuses.
Ou...
- Ou... Existe alguma alternativa?
- Sempre existe, meu senhor.
Depende daquilo que se deseja - sussurrou com uma voz suave, de maneira intencional.
- Estás sugerindo...
- Não, meu senhor. Não sugiro nada.
Deixemos aos deuses a decisão:
se o Imperador deve morrer ou se ainda viverá muitos anos, para alegria e glória de todo o Império Persa!...
Afastei-me pensativo.
No dia seguinte, a situação permaneceu estável.
Não houve mudanças no estado do Imperador.
No outro dia, logo cedo, comunicaram-me que a saúde de Ciro sofrera alteração.
- Que tipo de alteração? - indaguei temeroso.
- Ignoro, senhor - informou o servo.
Mandaram-me avisar-te, apenas, que te aguardam na tenda real.
Apressando os passos, dirigi-me até a tenda de meu pai.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 26, 2020 7:32 pm

Ministros, conselheiros, oficiais do exército, sacerdotes-médicos, súbditos mais chegados, todos ali se congregavam.
Rompendo o cerco, aproximei-me do leito.
E o que vi me encheu de estupor:
Ciro estava de olhos abertos, consciente!
Acerquei-me do leito com o coração batendo forte.
Fitei-o. Sua aparência pareceu-me ainda pior, a magreza era extrema e uma palidez marmórea cobria-lhe o semblante.
Ciro olhou para mim, e pareceu-me que queria falar.
De súbito, cerrou os olhos num semblante carregado, gemendo dolorosamente.
Coloquei a mão em seu braço e ele abriu as pálpebras, fitando-me.
Seus olhos pareciam ainda maiores no rosto esquálido;
ele esboçou leve sorriso e tentou conversar, com dificuldade:
- Filho... meu.
O... que... acon... teceu... com... Esmérdis?
Suas primeiras palavras dirigidas a mim causaram-me estupefacção.
Não me dirigiu um cumprimento, como de hábito, nem permitiu que eu o fizesse.
Ante o impacto da pergunta directa, que eu não esperava, procurei ganhar tempo.
Como? Então ele sabia do desaparecimento de meu irmão?
- Meu Imperador e pai amantíssimo!
Não deves falar. Poupa tuas forças.
Depois, quando estiveres melhor, conversaremos.
Mostrando a força da sua personalidade, conquanto enfermo e debilitado, ele prosseguiu, resoluto:
- Nada... me... escondas.
Preciso... saber.
Durante esse tempo em que... estou enfermo... eu vi teu irmão e ele sofre.
Fiquei mais surpreso ainda.
No fundo, eu temia esse momento.
Mesmo doente, revelava sagacidade, o olhar que a tudo devassava.
Tentei manter o equilíbrio, não demonstrando nenhum tipo de fraqueza ou sintoma que pudessem gerar suspeitas no desgostoso pai.
No íntimo, procurava febrilmente uma solução.
De súbito, disse:
- Meu Imperador e pai magnânimo!
Somente diante de ti, soberano senhor, abrirei meu coração.
Esta conversa interessa somente a mim e a ti.
Entendendo esse pedido, feito em voz baixa, com um gesto Ciro ordenou que todos se afastassem.
Depois, voltou-se para mim:
- Ninguém... poderá nos ouvir.
Fala... meu filho.
Fugindo do seu olhar, respondi-lhe à indagação de modo que somente ele pudesse ouvir-me, mostrando-me verdadeiramente compungido ante a situação.
Falei-lhe do desaparecimento de Esmérdis, que nos surpreendera a todos, e dos esforços que empreendera para obter notícias de meu irmão, sem resultado.
Ciro manteve-se de olhos fechados, calado por alguns instantes;
depois, pensativo, interrogou-me.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 27, 2020 7:35 pm

Com espanto, notei que à medida que falava, parecia se fortalecer, como se readquirisse suas condições normais:
- Meu... filho... Kambújiya.
Existe algo que... não possas ou... não queiras me dizer?
Estás hesitante... reticente.
Não me olhas de frente... e isso me... angustia.
Fala... quero a... verdade.
Meu coração disparou ante esse ataque directo.
Febrilmente, procurei uma justificativa para meu comportamento.
Ciro aguardava pacientemente.
Eu não poderia evitar uma resposta.
Sabia dos comentários que corriam pelos corredores do palácio.
Julgavam-me culpado, embora não tivessem a coragem de me acusar frontalmente.
Por isso tinha que me defender perante Ciro, para que toda a corte pudesse ver-me com olhos diferentes.
Precisava convencer meu pai, para que todos também se convencessem.
Se o Imperador sobrevivesse, estaria a salvo.
Se não, iria precisar ainda mais do apoio de todos, ministros, conselheiros, juízes, súbditos, para permanecer no poder.
Então, finalmente, respirando fundo disse pesaroso:
- Meu rei e pai!
Sinto-me tocado pela tua complacência para comigo, que não mereço.
A vergonha cobre-me de lama.
Só a mim cabe a culpa pelo desaparecimento de teu filho e meu irmão Esmérdis.
Essa a razão de não poder suportar o teu olhar.
Ao partir, entregaste-me toda a responsabilidade pelo bem-estar da tua família e dos teus súbditos.
E eu falhei. Retornas e não encontras um filho: nosso querido Esmérdis.
Eu deveria ter cuidado melhor de meu irmão, sabendo-o jovem e amante de escapadelas nocturnas.
Considero-me fracassado perante meu soberano.
Por isso repito: não mereço tua complacência.
No auge da encenação, lancei-me no chão em lágrimas, ajoelhando-me aos pés do leito.
Num primeiro momento, ele ficou surpreso ante minha atitude.
Depois ordenou categórico, lançando um olhar de relance para a corte que observava tudo à distância:
- Levanta-te, Kambújiya.
Jamais te ajoelhes aos pés de pessoa alguma.
És um príncipe persa, herdeiro de todo um Império e deves sempre manter a fronte erguida.
Levantei-me, enxugando as lágrimas forçadas.
Em seguida, ele, mais brando, como se suas forças estivessem se esvaindo, considerou:
- O desaparecimento... de Esmérdis é doloroso... sem dúvida, mas... não te cabe a responsabilidade... directamente.
Os problemas ocorridos... durante minha ausência fazem parte... da vida e... aconteceriam de qualquer maneira.
Um soberano, filho meu, tem que saber enfrentar... igualmente os factos bons e os maus, como naturais da existência.
Assim, asserena teu coração, pois... ninguém pode afirmar que Esmérdis esteja morto... uma vez que seu corpo não foi encontrado.
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Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo - Página 5 Empty Re: Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 27, 2020 7:36 pm

Calou-se por alguns momentos, recobrando forças, e concluiu:
- Mas, prepara-te, Kambújiya.
Irás enfrentar... inimigos ferrenhos que querem assumir... o poder... após minha morte.
Fez outra pausa e, com novo gesto, ordenou que os demais se aproximassem.
Agradeci sua generosidade, osculando-lhe a mão direita.
De fronte erguida, altivo, fitei os súbditos que ali aguardavam.
Os presentes maravilharam-se ante a súbita mudança de meu pai, após nosso diálogo.
Ciro era muito amado por seus súbditos e colheu, com essa recuperação espantosa, a justa satisfação de todos.
O Imperador pediu que se acercassem, e começou a falar:
- Não sei quanto tempo mais... os deuses me... concederão para viver.
Sinto que a vida se me esvai.
Desse modo... diante de todos os que me... são mais chegados, ministros, conselheiros, oficiais do exército, parentes e amigos... quero expressar minha vontade soberana.
A ti, meu filho Kambújiya, príncipe de sangue e meu primogénito, entrego-te minha coroa.
Serás o futuro Imperador da Pérsia.
Ouviu-se leve rumor de indignação entre alguns dos presentes, que se calaram ante a vontade do rei.
Ciro prosseguiu:
- Meu filho Kambújiya... tem mostrado competência na direcção de nosso reino... e é digno de toda a confiança.
Os presentes inclinaram-se numa reverência, mostrando assim a concordância ante a vontade real.
Conquanto o Imperador houvesse acusado grande melhora, demonstrava fraqueza, além de cansaço pela longa conversa e precisava repousar.
Saíram quase todos, permanecendo no aposento apenas os sacerdotes-médicos responsáveis, os criados e um conselheiro.
Aproveitei também o momento para sair, dirigindo-me à minha tenda, satisfeito com minha representação e com a solução do problema.
Sentia-me contente com o rumo dos acontecimentos.
O dia, que se prenunciava aziago, rendia seus frutos.
Ciro ficara convencido da minha inocência.
Mesmo se os presentes tivessem dúvidas e suspeitassem da minha participação no desaparecimento de Esmérdis - o que seria impossível por não existirem pistas - nada diriam ao Imperador, vendo como eu fora tratado por ele.
Durante o resto daquele dia e uma parte da noite tudo correu bem.
O estado de Ciro se mantinha sob as melhoras verificadas e todos relaxaram um pouco, certos de que o velho leão conseguiria vencer mais aquele desafio, recuperando-se, para alegria e satisfação de todo o Império.
Na madrugada, porém, a situação se agravou.
Como se Ciro houvesse se esvaído naquele contacto com seu herdeiro e com seus súbditos mais chegados, lá pelas cinco horas da manhã seu estado de saúde piorou bastante.
Às sete horas já havia uma multidão em torno da tenda do querido soberano.
Como a quantidade de pessoas aumentava sempre, uma vez que os soldados também desejavam vê-lo, o médico chefe resolveu mandar evacuar a tenda para que o Imperador pudesse ficar mais tranquilo e gozar de alguma paz.
Somente os mais chegados recebiam permissão para entrar na tenda real.
Em certo momento, Ciro respirou mais fundo, agitando-se no leito, como se lhe faltasse o ar.
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Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo - Página 5 Empty Re: Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 27, 2020 7:36 pm

Parecia querer dizer algo.
O médico correu para junto dele, tentou ouvi-lo, colocou algumas gotas na sua língua, porém em vão;
o soberano inteiriçou-se, e parou de respirar.
Cheio de dor, o médico verificou que nada mais poderia fazer.
Ciro 2º, o Grande, Imperador da Pérsia, estava morto.
Apesar da comoção daquela hora, era preciso decidir o que fazer com o corpo.
Ciro desejava sentir-se em casa, na capital do seu Império.
Reuni rapidamente os assessores mais directos e os médicos da corte, e os questionei:
- Há como levar o corpo do Imperador para Ecbátana?
O médico chefe trocou algumas palavras com os outros e respondeu:
- Se submetermos o corpo do Imperador a determinadas substâncias, tratando-o com processos especiais, que aprendi com os egípcios, podemos conseguir que chegue à capital em razoáveis condições, apesar da temperatura e do tempo, que é nosso inimigo.
- Muito bem.
Fazei o que for necessário, o mais rápido possível. O tempo urge.
Mandei um mensageiro para a capital com a notícia da morte do Imperador, e a informação de que seu cadáver seria transportado até lá, além de algumas recomendações quanto à cerimónia.
Preocupava-me o facto de que meu pai tinha pressa de ver concluída a futura capital, Pasárgada, assim como a construção do seu mausoléu, a exemplo de soberanos de outras terras que deixaram as marcas de sua passagem e de suas conquistas, para que no futuro outros povos pudessem conhecê-los.
Todavia, isso não fora possível.
Ainda assim, eu pretendia atender-lhe o desejo, colocando seu corpo em lugar provisório, para, posteriormente, exumá-lo e leva-lo para o lugar onde deveria permanecer para sempre.
Assim, após concluída a tarefa de preservação do cadáver, iniciamos a viagem de retorno em clima de imensa tristeza.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 27, 2020 7:36 pm

22 - O desafio egípcio
A notícia da morte de Ciro abalou profundamente a Pérsia e todo o Império que ele com tanto esforço construíra.
Julgado invencível, a notícia causou perplexidade e assombro.
Ciro, que tanto havia guerreado, que participara de combates sangrentos, dos quais sempre conseguira sair ileso, o que o envolvia numa aura de imortalidade, fazendo com que todos o considerassem um verdadeiro deus, caíra ferido, atingido por um obscuro povo nómada da Ásia Central.
E agora, estava morto.
Não se levantaria mais para brandir a machadinha, para lançar seu grito de guerra, incentivando os soldados à luta e levando-os à vitória.
Foi enterrado em Pasárgada, em terreno reservado para seu mausoléu.
Todos queriam vê-lo, prestar suas últimas homenagens ao grande Imperador.
Ciro era muito amado, Fundador da Dinastia Aquemênida, soube, com seu carisma, durante os trinta anos do seu reinado, congregar as pessoas em torno de si.
Tratava todos os povos com consideração e respeito, o que gerava um sentimento de confiança.
Não permitia o saque das cidades conquistadas e nem a destruição de seus templos.
Assim, os vencidos, conquanto se tornassem tributários, sentiam-se satisfeitos de estar sob seu Império, uma vez que ele acatava todas as crenças, mantinha a administração com líderes locais, o que gerava admiração e respeito, além de garantir-lhes a segurança contra outros povos inimigos.
Ciro, porém, não era perfeito.
Dentre as criaturas que viveram naquela época aqui na Terra, certamente era um espírito que conquistara maior dose de progresso.
Todavia, entre os seus defeitos, talvez o mais grave, contam-se os acessos de crueldade que vez por outra o acometiam.
Em geral brando e conciliador, às vezes deixava-se dominar pela ira, notadamente quando a justiça era lesada, quando alguém desejava sobrepor-se a outra pessoa, por ambição, provocando cenas terríveis de selvajaria.
Como herdeiro desse grande soberano, talvez eu tenha assimilado essas crises que se apossavam dele, sem ser beneficiado pelo que ele tinha de bom, era a maior parte.
Não pretendo com isso isentar-me da responsabilidade pelo mal que pratiquei.
Ao contrário, reconheço que a maldade faz parte da inferioridade do meu ser espiritual, ainda bastante atrasado.
O que sei é que tenho orgulho de dizer que recebi como herança um imenso Império, o maior que já existira no mundo, que ia da Anatólia ao Afeganistão, e do Cáucaso à Arábia, numa mistura extraordinária de povos diferentes, algo que a humanidade jamais vira.
Minha esposa seguiu-me, mostrando que desejava me falar.
Todavia, percebi, com desagrado, que Roxana me fitava de maneira estranha e vi uma réstia de dúvida no fundo de seus olhos. Irritado, necessitando ficar a sós, indaguei:
- O que desejas, Roxana?
Ela caminhou lentamente pelo aposento, como se não tivesse pressa e nem se preocupasse com meu mau humor.
Brincou com uma bela ave cantora, suspensa por uma gaiola de ouro, e depois, virando-se disse com ironia:
- Com certeza convenceste Ciro de tua inocência, na conversa que tiveste com ele após ter voltado do longo sono, conforme fui informada.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 27, 2020 7:36 pm

Gostaria de saber o que lhe disseste para que se tornasse teu aliado, inocentando-te pelo desaparecimento de Esmérdis, quando grande parte da corte pensa diferente.
A traidora acusava-me de frente, coisa que nunca se atrevera a fazer.
Arrogante e orgulhoso, redargui:
- E em que isso te diz respeito, Roxana?
Certamente tens motivos muito maiores para lamentar o destino de meu irmão.
- O que queres insinuar, Cambises? - perguntou-me ela, surpresa.
- Ora, minha querida, aquilo que toda a corte sabe e comenta:
teu relacionamento espúrio com Esmérdis, teu amante!
Roxana levantou a cabeça altiva, mostrando toda sua indignação:
- Certamente divagas.
De onde surgiu tão infame ideia?
Provavelmente da tua cabeça desequilibrada.
Levantei-me, agressivo.
Tinha gana de matá-la naquele instante por sua ofensa.
Ergui o braço para agredi-la, mas pensando melhor, detive-me a tempo.
Não desejava demonstrar-lhe atitude de desequilíbrio, o que provaria sua razão.
Limitei-me a dizer:
- Respeita teu esposo, insolente.
Não te refiras a mim dessa forma.
- Então, Cambises, poupa-me de teus comentários maledicentes e mentirosos.
Havia tal arrogância em sua atitude que cai numa gargalhada.
- Por que estás tão irritada?
Provavelmente, porque carregas culpa dentro de ti.
Pensando bem, quem sabe conheces o paradeiro de "nosso" irmão Esmérdis?
Talvez enterrado em algum lugar secreto...
- O que dizes, infame? - ela gritou no auge da indignação.
- Sim, por que não?
Talvez teu amante houvesse te desagradado, interessando-se por outra, e resolveste matá-lo, por ciúme.
Ouvindo o comentário maldoso, que me aflorara à mente num impulso, Roxana titubeou.
Primeiro, tornou-se rubra como o sangue que corria em suas veias; depois, branca como o mármore.
As forças pareceram faltar-lhe e cambaleou, caindo no tapete.
Nem assim me movi de compaixão pela esposa, que atingira no mais profundo do ser com palavras torpes e injuriosas, produto de uma mente doentia.
Passei por ela sem mover um músculo da face.
Saí do quarto ordenando aos criados que a levassem para seus aposentos.
Depois, feliz da vida, deitei-me para repousar.
Agradava-me poder atingir Roxana, a mulher adúltera, com agudos estiletes dirigidos directamente ao seu coração.
Ela sofria - isso era visível - e, quanto mais sofresse, mais meu ódio aumentava.
Após dormir algumas horas, levantei-me, refeito e animado, para a cerimónia que iria realizar-se na sala do trono e da qual participaria toda a corte.
Creso, o conselheiro mais respeitado e o mais ligado a Ciro, ainda sob a comoção do falecimento do seu grande amigo, adiantou-se tendo nas mãos a coroa e, sob a atenção da assistência, deu alguns passos, postando-se diante de mim.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 27, 2020 7:36 pm

Depois, em voz solene e audível, disse:
- Em nome de Ciro 2, o Grande Imperador Persa, e dos deuses, recebes nesta hora o poder soberano e ficas investido como Cambises 2º, rei da Pérsia e de todo o Império Persa.
Em seguida, colocou a coroa sobre minha cabeça, entregou-me o ceptro e as insígnias que representavam o poder de mando que, a partir daquele momento, eram-me conferidos, conforme decisão de meu pai.
Todos se curvaram até ao chão, em sinal de fidelidade e subserviência.
Tentei conter a emoção naquele momento.
Eu amava aquele pai. Do meu jeito, mas amava.
Aprendera muito com ele e, hoje, tudo o que eu era devia a Ciro.
Naquele momento, meu peito se inflou de orgulho, conquanto mantivesse a fisionomia contrita, em respeito ao querido morto.
Ao meu lado, Roxana apertou-me a mão, dando-me forças, certamente compreendendo que - não obstante nossas divergências - ela não deveria fazer oposição ao novo soberano.
Agora, nem ela nem ninguém mais se atreveria a menosprezar-me.
"Eu" era o novo Imperador da Pérsia!
Um a um, todos os presentes vieram prestar-me obediência, assegurando-me fidelidade e respeito.
A informação de que a Pérsia tinha um novo rei correu como tempestade de areia no deserto que ninguém consegue deter.
Delegações começaram a chegar dos mais diversos povos e países, prestando-me obediência e fidelidade.
Presentes e mais presentes se acumulavam numa demonstração de subserviência:
tesouros em ouro, prata, pedras preciosas, jóias, objectos riquíssimos de decoração, cavalos raros e de estirpe, elefantes, camelos, ânforas de óleos aromáticos, armas habilmente lavradas, ervas raras de alto valor, acondicionadas em primorosas caixas de alabastro, entre outras coisas.
Passado o período de luto oficial que eu decretara tudo retornou à normalidade.
Aos poucos, o poder subia-me à cabeça.
Casara-me com outra irmã, Atossa, procurando assegurar minha linhagem, já que o filho de Roxana morrera com dois anos, vitimado por febre insidiosa.
Ciro deixara-me por herança um Império imenso, jamais visto.
Sua habilidade em organizar os territórios conquistados, entregando a administração a líderes locais, dava-me tranquilidade para governar sem demasiados problemas, deixando a cabeça livre para sonhar com grandes conquistas, a exemplo de meu pai.
Voltei a procurar Neila, a bela cativa, que agora se comportava de maneira mais cordata, evitando enfrentar-me.
Observava suas reacções com certa ironia e prazer, pois me sabia agora respeitado e temido pelo poder do qual fora investido.
Ratan, cada vez mais, fazia-se indispensável para mim, instruía-me diante de uma situação difícil, orientava-me nas decisões e, acima de tudo, despertava-me o desejo de poder sempre maior, instilando-me pensamentos de dominação e grandeza.
Em nossas conversas, falava-me de terras riquíssimas, de tesouros desconhecidos, que poderíamos conquistar.
Referia-se ao Egipto, que possuía uma civilização antiga e cheia de esplendor jamais igualado.
Desde que Ratan começou a falar sobre as terras egípcias, eu não conseguia parar de pensar nelas, como ideia fixa.
As imagens da beleza dos palácios, dos monumentos e templos, passaram a encher-me os olhos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 27, 2020 7:38 pm

Por intermédio da sua narrativa brilhante e detalhada, ficava a imaginar jardins maravilhosos, o luxo dos palácios, os templos sumptuosos, a maneira de ser e de viver desse povo que cultuava a morte, construindo pirâmides e túmulos riquíssimos.
Tudo isso me encantava.
Interessante é que as coisas que o anão contava me pareciam familiares.
Como o rio Nilo, com suas águas mansas que, na época das cheias, inundavam as terras ribeirinhas, fertilizando-as e gerando fartura para o povo.
Descrevia-me as barcas que singravam o grande rio, como estrada liquida que ligava as cidades, transportando géneros alimentícios, material de construção, animais e tudo o mais que fosse necessário, facilitando o entrosamento e o comércio entre os habitantes.
Aos poucos, deixei-me fascinar pelas imagens que vislumbrava, e um intenso desejo de conhecer pessoalmente o Egipto invadiu-me.
Sim! Por que não conquistá-lo?
Na Pérsia estava tudo em ordem, e eu trazia no sangue o gosto pela guerra de conquista, que herdara de meu pai.
Assim, resolvi atacar o Egipto.
Ao tomar essa decisão, um frémito de prazer agitou-me.
Consultei Ciaxares e Creso sobre minha decisão, e eles concordaram, afirmando-me que a conquista do Egipto seria uma vitória importante, fortalecendo ainda mais o poderio persa.
Como desde a morte de Ciro estávamos afastados dos combates, para executar esse empreendimento era necessário aumentar o número de soldados.
Com esse objectivo, expedi servidores fiéis para recrutar homens dentre todos os povos do Império para nosso contingente, homens esses que, devidamente treinados, iriam ser incorporados ao invencível exército de Ciro.
Por meio de um mapa grosseiro, que Ratan fizera mostrando habilidade de excelente desenhista e conhecedor de muitas terras, inclusive do Egipto, foi possível estabelecer o traçado, escolhendo meus generais o melhor caminho para atingir esse país.
Assim, além de um imenso exército que passamos a treinar, críamos uma esquadra aproveitando as habilidades dos povos navegadores do meu Império, que eram os gregos da Jónia e os fenícios do Levante.
Dessa forma, navegaríamos até a desembocadura do Rio Nilo.
Tudo preparado, certo dia nos pusemos a caminho de Gaza, considerada a última cidade de importância antes de entrarmos no deserto que separa o território da Palestina do continente africano.
A viagem foi longa e exaustiva, mas promissora.
Roxana seguiu comigo;
queria tê-la perto de mim para vigiar-lhe os passos.
Vários conselheiros de confiança estavam em nossa companhia e, dentre eles, Creso, já idoso, porém sempre importante por suas observações judiciosas e sensatas, motivo que me fazia recorrer a ele em última instância, no caso de dúvida.
Rafiti e Malec, meus seguranças, também faziam parte da minha comitiva, além de homens importantes pelos conhecimentos bélicos, inclusive Ratan que passava despercebido por todos, julgado pelos demais como apenas um escravo que ganhara minha condescendência por sua aparência grotesca.
Eu procurava evitar maiores ligações com ele, preservando-lhe a identidade, pois, a distância, o anão representava "os olhos e ouvidos do rei", relatando-me tudo o que diziam às minhas costas.
Entre as mulheres que seguiam com a tropa, estava Neila.
A princípio, não pensara em trazê-la connosco, todavia, a jovem prisioneira, ao saber que iríamos para as terras do Nilo, jogou-se a meus pés suplicando que a levasse junto.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 27, 2020 7:38 pm

Estranhei esse seu desejo, mas ela disse-me que sentia uma especial predilecção pelo Egipto e imensa vontade de conhecê-lo, sem saber a razão.
Então, decidi-me. Tê-la na viagem seria útil e bom.
Certamente, meus guardas a vigiariam de perto, para evitar uma fuga, como talvez fosse sua intenção.
Outra figura importante era Dano, que fora recrutado e que, aos poucos, demonstrava seu valor.
Era corajoso, hábil no manejo das armas, dotado de grande habilidade táctica, raciocínio prático e lúcido.
Suas sugestões, quando solicitadas, eram sempre correctas, aliando-se a isso uma finura de trato para com todos, o que lhe permitia resolver diplomaticamente os casos mais intrincados com os soldados.
Por suas qualidades, cativara meu interesse, minha admiração e, por fim, minha amizade.
Além do que, era filho de Histaspes, governador (ou sátrapa) de uma das províncias do Império Persa, e descendia de ramo colateral da família real, o que lhe conferia uma aura de mais valor e respeito.
Dano, a exemplo de Ratan, assegurava-me que a época era propícia para a conquista do Egipto, cuja situação era bem incómoda.
Governado pelo velho faraó Ahmés 2, da 26ª dinastia, encontrava-se enfraquecido pelas lutas empreendidas contra Nabucodonosor, que há menos de um século dominara o exército egípcio.
Nesse período, o Egipto não conseguira aumentar seu poderio, reparando os estragos propiciados pela guerra.
O Império Persa, ao contrário, aumentava continuamente, o que gerava expectativa e tensão para os governantes egípcios, visto que o Egipto era o último grande reino independente do mundo conhecido.
O próprio Ciro sonhara em anexar as terras egípcias ao seu Império;
só não o fez por não ter tido tempo suficiente, colhido pela morte e obrigado a apresentar-se diante dos deuses.
E agora, sabedor de que o exército persa se movimentava para invadir seu território, Ahmés 2º tentava fazer acordos, obter ajuda com os povos amigos, sem nada conseguir.
Os gregos, em quem confiava, recusaram-se a tomar-lhe o partido, temerosos do poderio persa.
Fizeram mais:
os gregos de Samos juraram-me fidelidade e colocaram sua frota à nossa disposição.
Ahmés, porém, era um homem idoso e experiente, e, conquanto a situação não lhe fosse propícia, ainda tinha a esperança de conseguir vencer, rechaçando os invasores persas.
Eles tinham um grande trunfo.
Ahmés sabia que o deserto era um aliado poderoso, e confiava no deserto existente entre Gaza e o território egípcio, uma faixa que não era grande, mas se mostrava um terrível adversário para os que não estivessem habituados às suas peculiaridades:
a temperatura extremamente elevada, o que tornava as areias tórridas e difíceis de suportar;
suas tempestades de areia que impediam toda a visão, desnorteando os viajores;
além disso, era região árida em excesso, que provocava a morte com rapidez.
O exército persa teria que enfrentar esse inimigo implacável por muitos dias, desgastando-se na travessia - se conseguisse sobreviver - para enfrentar o contingente egípcio, que o aguardaria no final do trecho, descansado e resoluto.
Como o destino trabalha dando a cada um aquilo que merece, o exército persa foi favorecido "milagrosamente" pela deserção de um oficial egípcio.
Certo dia chegou ao nosso acampamento um grupo de nómadas do deserto, liderados por um mercenário, que se apresentou como oficial do exército egípcio.
Sua finalidade, afirmava o chefe do bando, era oferecer seus préstimos ao Imperador persa.
Encontrava-me nesse momento entretido em minha tenda com generais, conselheiros e oficiais mais graduados.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 27, 2020 7:38 pm

Recostados em macias almofadas, comíamos e bebíamos, conversando descontraídos.
No fundo, temíamos a faixa de deserto que iríamos enfrentar, mas nos tranquilizávamos jactando-nos de estarmos acostumados ao deserto.
Um dos guardas de plantão avisou Malec, que, imediatamente, comunicou-me a presença de estranhos no acampamento.
- O que fizeste? - inquiri.
- Estão presos, senhor, aguardando tuas ordens.
Já os teria matado, contudo insistem em falar contigo, alegando importante contribuição para o exército persa.
O que faremos, majestade?
Pensei por momentos, depois ordenei:
- Traz-me o chefe.
Cuida, porém, para não caíres em alguma cilada.
- Não te cause isso preocupação, meu senhor.
Rafiti está atento para qualquer eventualidade.
Dispensei-o com um gesto.
Alguns minutos depois retornou com um desconhecido alto, magro, com as mãos amarradas, ladeado por dois soldados.
Fiz um sinal para que se aproximassem.
Todos os presentes se calaram.
O egípcio rojou-se ao solo, curvando a cabeça até o chão.
No entanto, apesar da atitude humilde, havia nele um ar de orgulho que me incomodou.
- Fala, infeliz. O que desejas?
Como te atreves a entrar no acampamento persa, desafiando nosso poderio?
- Filho dos deuses!
Só pretendo ajudar.
Estupefacto, sorri com ironia diante da sua pretensão.
- Ajudar Cambises, o Imperador da Pérsia?
Por que farias isso? - indaguei.
- Tenho minhas diferenças com o faraó Ahmés, e desejo a vitória do teu exército.
- Petulante!
O que me garante que não me trairás, como fazes agora com teu soberano?
- Nenhuma garantia.
Precisas confiar em mim, majestade.
- Reconheço que, no mínimo, és corajoso, para teres ousado estar sozinho entre teus inimigos.
- Permite que eu fale, majestade, e não te arrependerás.
- Muito bem.
Considerando-se que eu resolva confiar em ti, que tens a nos oferecer?
O egípcio respirou mais aliviado.
Depois, pôs-se a falar:
- Majestade, não ignoro tua familiaridade com as areias do deserto.
Todavia, esse trecho que terás que atravessar com todo o exército, embora relativamente pequeno, é insidioso e tem causado a morte a pessoas bastante experientes.
Assim, ofereço-te a ajuda de meus homens, criaturas nómadas do deserto, e profundos conhecedores da região.
Relanceei o olhar pela tenda, abarcando a todos os meus homens que ouviam perplexos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 27, 2020 7:38 pm

Depois, voltei a fitá-lo com sarcasmo.
- E o que tem esse pequeno deserto de tão especial? - perguntei, caindo na risada e sendo acompanhado pelos demais.
Sem deixar-se influenciar, ele respondeu com tranquilidade, mostrando grande segurança e conhecimento de causa:
- Majestade, as temperaturas são elevadíssimas, as areias tórridas e não existe água.
As tempestades de areia ofuscam a visão e os menos experientes perdem o rumo.
Não farás a travessia em menos de dez dias e, até lá, todo o exército persa terá sido exterminado.
Deixando de rir, fiquei sério.
Um silêncio estranho se fizera na tenda.
Se esse egípcio falasse a verdade, teríamos um problema grave a resolver.
Então, lenta e subtilmente, indaguei:
- Como esperas nos conduzir para que cheguemos sãos e salvos ao final do percurso?
Mais animado, percebendo que conseguira finalmente despertar meu interesse, o egípcio explicou:
- Senhor, já pensei em tudo.
Meu plano é montar um comboio de camelos, que, em esquema de revezamento, transporte água até onde o exército persa estiver localizado, sem impedir, naturalmente, que as tropas continuem avançando.
Os soldados chegarão com condições muito melhores e com moral elevado para enfrentar no final do deserto o faraó, que o estará esperando para defender com ardor e coragem o seu território, e não deve ser subestimado.
Todavia, se o exército persa conseguir atravessar mais rapidamente o fatídico deserto, levará grande vantagem, pois Ahmés não conta com isso.
Fiquei maravilhado com a solução encontrada pelo oficial egípcio.
Então, Ahmés 2º contava com o extermínio do nosso exército?
Pois iria se surpreender!
Com decisão, ordenei:
- Como te chamas?
- Hartef, majestade, para servir-te! - respondeu, inclinando-se.
- Faça-se como o planeado.
Aprovo a ideia. Soltai-o! ordenei aos guardas.
Depois, dirigi-me ao egípcio:
- Pois bem, Hartef.
Terás a oportunidade de provar que estás com a razão, mas cuidado!
Não tentes me enganar ou fugir, porque meus homens estarão atentos aos teus menores movimentos.
Ele sorriu pela primeira vez, abrindo os braços, agora livres das correntes:
- Majestade!
Como poderei fugir, cercado pelo invencível exército persa de Cambises?
Também sorri diante do seu bom humor.
Com um gesto dispensei-o, ordenando a um de meus oficiais que lhe fornecesse tudo o que fosse necessário para dar sequência ao seu plano.
Aquela noite encerrou-se em meio a muita alegria.
Já considerávamos ganha a batalha contra o Egipto.
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Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo - Página 5 Empty Re: Asas da Liberdade - Jerónimo Mendonça/Célia Xavier de Camargo

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Abr 28, 2020 8:12 pm

23 - Senhores do Egipto
Orgulhosos e confiantes, após os preparativos necessários para dar sequência ao plano do oficial egípcio, o exército persa prosseguiu no trajecto rumo ao seu destino.
As dificuldades eram imensas, os obstáculos quase intransponíveis e os problemas com o contingente surgiam vez por outra, obrigando-nos a uma parada de modo a resolvê-los.
Fomos beneficiados, porém, por um facto inesperado.
O velho faraó Ahmés 2º, no dia anterior ao ataque, subitamente ficou doente e morreu, deixando o exército egípcio desarvorado.
O sucessor de Ahmés 2º, seu filho Psamético, era jovem e inexperiente.
Assim, o novo faraó e comandante do exército egípcio, Psamético 3º, foi obrigado a enfrentar, como primeira acção do seu governo, um grande desafio: a ameaça persa.
Para ser justo, devo dizer que, apesar da sua falta de experiência e de conhecimento de estratégias bélicas, agiu correctamente.
Quando nosso exército emergiu do deserto, eles nos esperavam desafiadores, prontos para o ataque.
Os carros de combate enfileirados brilhavam ao Sol;
essas bigas, puxadas por dois cavalos, estavam ocupadas pelo condutor, portando armadura e capacete, que segurava as rédeas;
um arqueiro e um lanceiro, além de um ajudante para suprir as necessidades dos demais em combate;
o faraó vinha num desses carros, incentivando os soldados à luta;
depois, os pelotões da infantaria.
Avançamos lutando bravamente e com inaudita coragem.
A verdade é que não podíamos retroceder.
Dentro de nós estava esculpida em imagens ardentes a travessia do deserto que acabáramos de fazer.
Sabíamos que não poderíamos voltar, no caso de uma fuga, pois nosso único caminho seria retornar para o terrível deserto, o que era absolutamente impraticável.
Assim, era preciso avançar sempre, sem medo e com determinação.
Os egípcios, por outro lado, lutavam com bravura, apaixonadamente, defendendo seu território, propriedades, negócios, famílias, a liberdade enfim.
Tudo o que o Egipto representava para eles estaria perdido se nós conseguíssemos a vitória.
No ardor do combate, víamos os indícios desse medo nos olhos febris, nas respirações ofegantes; sabíamos que seus corações batiam forte, que seus reflexos trabalhavam com rapidez para frustrar um golpe certeiro, ao mesmo tempo que brandiam a machadinha com firmeza sobre o inimigo.
No entanto, após horas de um combate sangrento, estávamos vencendo.
O chão se encontrava juncado de cadáveres e feridos, cujo sangue era absorvido pela areia, grande parte deles de egípcios.
O faraó Psamético, também se dando conta desse facto, percebeu que a quantidade de seus soldados diminuía atingida pelos invasores persas, e, reconhecendo que perdia a batalha, tomou uma decisão que lhe pareceu a mais adequada no momento: deu ordem aos seus generais para a retirada das tropas.
Assim, a legião egípcia fez meia-volta e iniciou a fuga, enquanto nossos guerreiros soltavam gritos de júbilo comemorando a vitória.
Sim, ali, na região de Pelusa, no Delta do Nilo, derrotamos os egípcios!
Satisfeito, dei ordem aos nossos generais para prosseguirmos no encalço deles.
Agora, mais do que nunca, precisávamos aproveitar a fragilidade do inimigo.
Com ânimo novo e entusiasmo redobrado saímos em perseguição do exército de Psamético, que buscou a segurança na capital, Mênfis, onde se trancou, preparando-se para resistir ao cerco persa.
Quando vimos o que ele pretendia, exultamos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Abr 28, 2020 8:12 pm

Sua desesperada acção seria a nossa vitória.
O exército persa estava acostumado a vencer pelo cerco, o que já tinha provado sobejamente em outras oportunidades.
Sabíamos como fazê-lo.
Além disso, como estratégia de guerra, era regra básica que, acuar-se numa fortaleza, só fazia sentido em duas hipóteses:
a primeira, na falta de outra opção mais apropriada, preparando-se de antemão para essa eventualidade por meio do estoque de larga provisão de víveres, de água, de armamentos e tudo o mais que fosse necessário para resistir a um cerco, cuja duração era imprevisível; a segunda, se houvesse a esperança de socorro vindo de fora, caso em que os sitiados procurariam resistir até a chegada de reforços.
Diante da atitude do faraó, porém, nós nos alegramos e comemoramos.
Sabíamos perfeitamente que Psamético não poderia contar com reforços de fora; nenhum povo se arvoraria em prestar-lhe ajuda contra a legião do todo-poderoso Império persa.
Quanto ao resto do país, as outras cidades, não tinham como mobilizar um socorro, visto que todo o exército estava ao lado de Psamético, sitiado em Mênfis, e o povo egípcio não possuía armas nem condição para enfrentar os persas.
Dessa forma, só lhe restava entregar-se ou morrer com toda a cidade.
Não teriam comida nem água por muito tempo, por não terem se preparado para essa eventualidade, e certamente não deixaríamos que nada nem ninguém entrasse ou saísse da cidade.
Por outro lado, nossa situação no exterior era bastante confortável, pois nada nos faltava.
Como gatos a brincar com ratos, montamos acampamento a uma distância que nos permitisse ficar fora do alcance de suas armas, mas próximo o suficiente dos muros para controlar o isolamento da grande cidade.
E nos dispusemos a esperar.
À noite, acendíamos fogueiras e conversávamos ao redor delas, sem pressa.
Cantávamos e dançávamos, bebíamos e nos regozijávamos, aguardando a capitulação egípcia.
Aos poucos, começaram a se aproximar de nós comerciantes, malabaristas, malfeitores perseguidos pela justiça, e, como não poderia deixar de ser, também mulheres em busca de diversão.
Ofereciam-nos tudo o que o dinheiro pode comprar.
Essa parcela do povo egípcio não estava preocupada com a guerra em curso; vinha em busca de defender seus próprios interesses, seus negócios e suas vidas.
Passaram a conviver connosco, brindávamos juntos, davam-nos presentes em troca de protecção, vendiam seus serviços a peso de ouro, prestando-nos favores.
Mênfis, contudo, resistia bravamente.
Diante da fome, da sede, das doenças e das mortes dentro da cidade, a multidão se aglomerava defronte do palácio de Psamético, suplicando ao faraó que abrisse suas portas.
Indignavam-se diante das notícias de que, dentro do palácio real, havia fartura e ninguém se privava de nada, enquanto eles morriam à míngua.
Ao mesmo tempo, as informações que corriam sobre o inimigo tranquilizavam o povo; as notícias divulgadas era que os persas costumavam ser generosos com os vencidos, não lhes impondo restrições humilhantes;
que os povos que se submeteram ao Império persa viviam em paz e segurança; que os templos eram respeitados e que continuavam a manter sua fé e a cultuar seus deuses.
Diante do clamor da multidão cada vez maior que acampava à frente do palácio, gritando e suplicando por ajuda, embora a guarda real procurasse expulsar os manifestantes mais afoitos;
diante da devastação do povo, que morria aos milhares, de fome, de sede e de doenças, o faraó não teve mais como suportar a pressão.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Abr 28, 2020 8:12 pm

Atendendo ao clamor dos súbditos, Psamético 3º acabou se rendendo diante da nossa persistência.
A entrada triunfal do exército vencedor na cidade de Mênfis foi um acontecimento retumbante.
Quando os grandes portões se abriram, o desfile persa encheu os olhos dos egípcios, maravilhados.
As fileiras disciplinadas e simétricas dos soldados, a quantidade de homens e de artefactos de guerra, mostrando nosso poderio, fizeram o povo curvar-se de admiração e respeito à nossa passagem.
De nossa parte, estávamos perplexos.
A grandeza, a magnificência e o luxo das construções, dos templos e dos palácios egípcios era algo jamais visto.
Aquilo que na Pérsia considerávamos como belo e luxuoso ali era tosco e grosseiro.
E eu, o grande conquistador Cambises 2, Imperador da Pérsia, apesar da vitória, senti-me humilhado diante de tamanha riqueza.
Naquele momento lembrei-me de Ratan.
Nas descrições que me fizera do esplendor egípcio nada havia de exagerado;
ao contrário, o que tinha sob meus olhos era superior a tudo o que imaginara.
Não ignorava que o Egipto era um país antigo, cuja história era soberba, mas a visão da realidade deixou-me tomado de verdadeiro assombro.
Não é preciso dizer que, a partir daquele momento, dominamos o Egipto.
A queda de Mênfis, no Baixo Egipto, determinou a derrocada do país.
Também não é preciso dizer que o povo iria se surpreender, pois tudo o que conheciam sobre os persas dizia respeito a Ciro, Imperador persa, mas quem governava agora era eu, Cambises 2º, que pensava e agia de maneira diferente.
Diante do palácio faraónico, joguei a cabeça para trás e soltei uma gargalhada.
Sentia-me jubiloso por ter os egípcios sob meus pés.
Um prazer demoníaco me dominou, como se aquele momento representasse uma vingança ardentemente aguardada por factos acontecidos no passado.
Como se eu já tivesse sido espezinhado por eles e agora tivesse a oportunidade da revanche.
Olhei para os lados e notei Ratan, que, no meio da minha guarda pessoal, fitava-me sorridente, de cabeça erguida.
Curioso é que percebi, em seu olhar, a mesma satisfação e o mesmo orgulho que eu sentia diante dessa conquista, que representava a queda do último dos remos antigos independentes.
Corria o ano de 525 a.C.
Subindo as escadarias do palácio real, meu peito se inflava de orgulho, considerando-me omnipotente.
Submeti o faraó, que depusera as armas, aos maiores vexames;
aprisionei-o, humilhei-o publicamente, e depois o deportei para Susa.
Mandei passar no fio da lâmina seus assessores mais directos, procurando preservar a lealdade à minha volta.
Desde que coloquei os pés naquele palácio, tudo o que havia de pior dentro de mim pareceu aflorar com mais intensidade.
Sob a assistência de Ratan, que me denunciava o menor deslize cometido pelos egípcios, eu punia os traidores com a morte.
O Egipto todo se rendeu, dobrando-se à minha vontade.
As festividades prosseguiam no palácio em honra à nossa vitória.
Vestido com o traje real e o manto, eu trazia a barba postiça; na cabeça a dupla coroa, branca e vermelha, símbolo do Alto e do Baixo Egipto, além do ceptro e da chibata nas mãos.
Os nobres egípcios vinham prestar-me obediência e lealdade, trazendo presentes em ouro e magníficos ornamentos; jóias belíssimas e valiosas como broches, colares, peitorais, brincos e braceletes; vasos riquíssimos, ânforas de óleos aromáticos, estojos de alabastro finamente lavrados, caixas em lápis-lazúli portando armas incrustadas de pedras preciosas, presas de elefante e tudo o que tivesse valor.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Abr 28, 2020 8:12 pm

Meu coração fervia de entusiasmo, julgando-me um deus.
Afinal, além de meus muitos títulos, acumulava agora também o de faraó do Alto e Baixo Egipto.
Adoptei como nome de trono Mesut-i-re, que significava "Descendente de Rá".
Nesse período, comecei a notar entre Roxana e Dano, agora meu amigo, indícios de uma relação mais íntima.
Interceptava olhares trocados entre eles, sorrisos e gentilezas que me faziam ferver o sangue.
O ciúme aplacado com o desaparecimento de Esmérdis voltou com todo o seu peso.
Mantendo-os sob vigilância cerrada, cheguei à conclusão que nada havia da parte de Dano, que parecia verdadeiro amigo.
O mesmo não poderia dizer de Roxana, cujos olhares o perseguiam onde estivesse.
Deixei-me dominar por um ódio feroz.
Certo dia, estando em meus aposentos, o guarda anunciou minha esposa Roxana.
Mandei que entrasse.
Nesse momento estava mordiscando algumas tâmaras e tomando uma bebida feita de cevada, confortavelmente instalado sobre um leito, recostado em almofadas.
Roxana levantou o reposteiro e entrou sorridente.
Sentou-se ao meu lado, e apanhou com delicadeza uma fruta, com sua mão longa e fina.
Acompanhei seu gesto, não deixando de admirar-lhe a mão, que sempre me fascinara.
Começamos a conversar.
De repente, ela disse-me:
- Meu esposo e rei!
Trago-te uma notícia auspiciosa que, espero, irá proporcionar-te muita alegria.
- Pois fala, Roxana!
- Estou esperando um outro filho teu - respondeu, sem rebuços.
Abracei-a, feliz, congratulando-me com ela.
- Sim, querida Roxana, a notícia que me trouxeste é verdadeiramente digna de comemoração.
Vamos anunciar à corte a chegada do meu herdeiro.
Faremos festas por três dias para homenagear o novo rebento.
Para quando aguardas a chegada do nosso filho?
Ela respirou fundo, sorriu, e informou-me:
- Não fiques tão ansioso, Cambises.
Minha gestação deve estar por volta do quarto mês ainda.
O bebé demorará a nascer!
Sentia-me orgulhoso pela vinda de um herdeiro, mas estranhei a demora de Roxana em me comunicar o facto, e a inquiri, severo:
- Por que não me anunciaste antes o evento, deixando correr tantos meses?
O sorriso desapareceu de seu belo rosto, enquanto me dizia:
- Conheço tua vontade de ter um herdeiro, e queria evitar que te frustrasses diante de um alarme falso.
Agora, tenho a certeza.
Sinto a vida pulsar dentro de mim!
- Ah! Não importa, Roxana.
Desde que venha com saúde e cresça para ser o futuro Imperador persa, já estou satisfeito.
- E se for mulher, meu querido?
- Não. Será homem, tenho certeza.
Notei que Roxana ficou um pouco pensativa, mas continuamos a conversar trocando ideias sobre nossa vida ali no Egipto.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Abr 28, 2020 8:13 pm

No entanto, algo aconteceu naquele momento que me tirou a paz daquela hora.
Logo em seguida, Roxana contou-me que cruzara com Dano no corredor e que este, ao saber que ela se dirigia aos meus aposentos, mandara-me votos de uma vida feliz e cheia de saúde.
Estranhei esse facto, que era absolutamente normal em nossos relacionamentos, mas que, no momento, suscitou-me dúvidas, despertando-me o ciúme doentio.
De repente, um ódio insano apoderou-se de mim, e acusei-a abertamente.
Ela negou, mas não com a veemência que eu desejava e esperava.
Discutimos. Levantei-me e comecei a andar pelo aposento, dizendo-lhe palavras duras, incapaz de me conter.
Roxana igualmente me atingiu fundo, assegurando-me no auge da exasperação:
- Não te amo, Cambises, nunca te amei.
Casei-me contigo por imposição de Ciro, nosso pai, e obrigada por minha mãe, que me desejava um futuro brilhante ao lado do herdeiro do trono da Pérsia.
Com o tempo, nosso relacionamento piorou porque passei a ver em ti alguém doente, um monstro de maldade e insânia.
Nunca te trai. Porém, já que pensas que sou uma traidora, este filho que espero não será teu.
A partir de agora será só meu.
Só meu! Eu te odeio, eu te odeio!
Naquele instante, o sangue subiu-me à cabeça.
Petulante! Imaginar que poderia tirar-me os direitos de pai!
Ou, então, tudo o que eu imaginava era verdade.
Aquele deveria ser o rebento de um outro homem.
De Dano, certamente.
Puxei a espada, que se encontrava apoiada num móvel, para atingi-la.
Não tive coragem, porém, e, com um grito exaltado, apliquei-lhe um terrível pontapé na barriga.
Ouvindo meus gritos, os guardas acorreram e viram a tragédia.
Roxana, caída no tapete, curvada sobre si mesma, mantinha as mãos sobre o ventre, denotando grande sofrimento, enquanto o tapete se tingia de sangue.
Creso, meu fiel conselheiro - que aguardava na antecâmara para ser recebido - entrou também, e, ao ver o estado dela, mandou chamar o sacerdote-médico, que atendeu com presteza.
O médico examinou-a com cuidado e não teve dificuldade em perceber que Roxana estava tendo uma hemorragia.
Mandou que a levassem rapidamente para seus aposentos.
Ao meu lado, Creso tentava serenar-me:
- Calma, Cambises. Tranquiliza-te.
Ouvindo-lhe a voz mansa, fui acalmando-me aos poucos.
Deixei-me cair num banco, enquanto os servos tomavam todas as providências para limpar o aposento, retirando os vestígios de sangue.
- O que houve, meu rei?
Com o rosto lavado em lágrimas, em estado de choque, respondi num sussurro:
- Ela disse que não me amava.
Que o filho era só dela. Roxana me traiu.
Creso, penalizado, pensou um pouco e, conquanto pelas minhas palavras não tivesse entendido direito o que acontecera, julgando até que ele se referisse ao filho falecido, considerou:
- Não, Cambises. Roxana não te trairia.
Certamente disse essas palavras num momento de raiva, mas ela sempre te foi fiel.
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