LUZ ESPÍRITA
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Série Lúcius - Sob as Mãos da MISERICÓRDIA / André Luiz Ruiz

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Série Lúcius - Sob as Mãos da MISERICÓRDIA / André Luiz Ruiz - Página 4 Empty Re: Série Lúcius - Sob as Mãos da MISERICÓRDIA / André Luiz Ruiz

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Dez 16, 2014 10:15 pm

Pensando sobre todas estas coisas, querido leitor, entendemos por que Jesus nos ensinara a pedir, na oração que denominamos de “Pai Nosso", que fosse feita a VONTADE DE DEUS - E NÃO A NOSSA VONTADE.
Quando nos submetemos à vontade Dele, estamos seguros de que as coisas correrão pelo caminho menos amargo, menos infeliz, menos sofrido que existe.
No entanto, quando nos colocamos a "corrigir" as coisas segundo nossa compreensão do que seja certo ou adequado, geralmente passamos a piorar todos os efeitos que teremos que recolher de nossos actos, criando maiores dores e mais compromissos com os novos erros que cometamos.
Nossos caprichos são quais vendas que toldam nossa compreensão das essências e fazem parecer mais correctas certas situações mentirosas que se nos afiguram mais agradáveis.
A felicidade do vizinho, os bens materiais dos nossos amigos, as alegrias aparentes dos que convivem connosco como nossos parentes, as vantagens dos que são nossos chefes, os prazeres dos que mandam em nós, tudo isso são enganos ou engodos nos quais caímos por nossas ambições, nossa rebeldia, como o peixe, inconsequente porque despreparado para escolher que, guiado pelo estômago, não percebe que por detrás da isca está o anzol que o vai fisgar.
No entanto, diferente do peixe, já temos capacidade desenvolvida para analisar, para avaliar as opções, para perceber certas armadilhas e para escolher melhor, compreendendo as nossas necessidades.
Afinal, já estamos qualificados não mais apenas como animais, mas sim, como animais racionais, o que nos capacita ou deveria capacitar para agir de um modo muito diferente ou com uma lucidez muito maior do que aquela que caracteriza a vida dos bichos do mundo.
À distância, Marcus acompanhava o desenrolar de todas estas etapas na vida da mulher desejada e de sua prole.
Deixara passar as semanas e os primeiros meses de dificuldades para montar melhor o golpe final com o qual pretendia livrar-se dos estorvos e reter, em suas garras, tão somente a mulher querida.
Para isso, precisava livrar-se de Lúcio e Demétrio, acabar com a incómoda presença de Domício e, quanto a Lúcia, usá-la como isca para atrair Serápis de volta à sua companhia.
E para conseguir isso tudo, tinha planejado, passo a passo, tudo o que precisava fazer a fim de criar o cenário adequado para suas jogadas.
Contratara pessoas cruéis a quem pagaria pequena fortuna e que, naqueles tempos tanto quanto nos de hoje, eram capazes de tudo pelo brilho da moeda ou pelo tilintar da riqueza em seus bolsos.
Miseráveis e homens sem oportunidades, que se prestavam a todo tipo de serviço para que saíssem da condição de pobreza, sem questionarem a licitude ou a crueldade do que lhes fosse ordenado.
Bandos de malfeitores viviam pelas ruas de Roma, pagos por homens poderosos, a prejudicar seus desafectos, ameaçar as pessoas que possuíam bens que eles desejassem, a cometer atentados furtivos, graças aos quais, no dia seguinte, um cadáver surgia sem explicações, livrando algumas pessoas de sua presença incómoda ou dificultosa para a concretização de certos negócios lucrativos, etc.
Até mesmo os governantes ou os políticos possuíam como que uma milícia pessoal, desafortunados indivíduos que, arrojados e violentos, vendiam suas ousadas forças a quem melhor lhes pagasse e, indiscriminadamente, saíam a perseguir os que fossem contrários aos interesses daquele que os assalariava.
Acobertados pelos poderes e pelas influentes forças de seus tutores, estes indivíduos estavam acostumados à impunidade, o que lhes garantia um melhor exercício da ousadia arrogante, já que sabiam que não seriam alcançados pelo braço de uma justiça tão defeituosa naqueles tempos quanto nos actuais, quando as limitações de meios, os problemas administrativos, as tortuosas estradas dos interesses humanos, mesclavam-se com a rectidão dos conceitos de Justiça para desnaturá-los ao sabor dos interesses dos homens.
Marcus se ocupara de reunir pequeno grupo de homens desse tipo para que, no momento adequado, pudesse ordenar e ser obedecido som ter que dar qualquer explicação de seus actos, não pretendendo se ver comprometido como mandante, mas dependendo de seu exacto cumprimento para chegar ao destino que pretendia atingir.
Marcus estava brincando de Deus, como muitos de nós já fizemos e muitos ainda estão fazendo até hoje, na ilusão de que se pode impor a própria vontade pela força de dinheiro, sem que se precise, depois, prestar contas do que se está realizando.
Longe de entender a aceitação da Vontade de Deus, estava empenhado em fazer valer a Vontade de Marcus.
Para isso, já tinha procurado o auxílio de seu amigo de orgias, o prefeito dos pretorianos, Lólio, de quem conseguira documento escrito com salvo conduto autorizando o embarque em galera militar para qualquer destino longínquo que escolhesse, de quem portasse aquele alvará oficial.
Naturalmente que se valia de mentiras para conseguir tais documentos, afirmando tratar-se de uma medida necessária para a protecção de pessoas suas conhecidas e que, tendo-se comprometido perante certas fraquezas morais, precisavam ausentar-se da fúria de maridos traídos, ficando longe de Roma por algum tempo como forma de fazer a tormenta amainar.
Lólio, devasso e hábil amante, sabia como alguns romanos enganados costumavam se tornar impertinentes e perigosos por experiência própria, o que fez mais fácil as coisas para Marcus que, logo, já tinha em mãos os papéis oficiais para ingressar nos barcos militares que singravam o mar
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Dez 16, 2014 10:15 pm

Mediterrâneo em todas as direcções, levando consigo quaisquer pessoas e apontando ao capitão da embarcação o seu destino final, amparado nas ordens superiores e oficiais que não permitiriam qualquer questionamento.
Com isso, parte de seus problemas estava solucionada, fazendo, assim, com que pudesse se concentrar na execução da outra parte de seus planos.
O destino de Lúcio e Demétrio já tinha sido equacionado.
Através do sequestro simples, coisa que ninguém impediria fosse feita já que se tratava de dois jovens aleijados, seus sequazes os afastariam de Serápis e eles seriam embarcados na primeira galera militar que zarpasse do porto de Óstia, rumo ao local mais afastado, com ordens de que, durante o trajecto, os jovens fossem atirados nas águas, como que por acidente.
Assim, não apenas os dois rapazes seriam embarcados. Um de seus assalariados iria como responsável por eles e um outro, disfarçado de remador ou trabalhador da nau, seria incumbido de acabar com a vida dos dois infelizes durante a viagem.
Agora, era necessário resolver o problema de Domício para que ele fosse tirado do caminho.
Sabia graças à sua rede de informantes, que o rapaz, já crescido, não se ausentava de casa.
Necessitava agir de forma que seus braços exterminadores penetrassem no ambiente onde se abrigava e fizessem o serviço sem alarde.
Para tanto, elaborou um plano para usar do veneno como forma de matar Domício, o que, de resto, seria um grande favor, abreviando seus sofrimentos e poupando-o de maiores dores durante a vida de leproso deformado e infeliz.
Era assim que Marcus pensava, principalmente por não possuir qualquer vínculo directo com aquele jovem, não sabendo o motivo pelo qual fora ele inserido naquele contexto familiar depois de sua fuga aos deveres paternos.
Como Serápis trabalhava na padaria, prepararia uma das tradicionais iguarias tão desejadas pelos romanos, nela inserindo o veneno letal e, ele próprio se apresentaria na casinha como um enviado de Serápis, ofertaria aquele bolo ao rapaz como um presente da mãezinha que, mesmo no trabalho, se preocupava com o bem-estar dos filhos.
Para preservar Lúcia do risco do envenenamento e para que não fosse reconhecido pela filha, ainda depois de tanto tempo, se disfarçaria e esperaria que a menina saísse de casa, como acontecia todos os dias, quando ia levar comida para os dois irmãos que cantavam em alguma das ruas distantes, próximas dos bairros mais abastados da capital.
Não seria difícil, assim, conseguir entrar na casinha e fazer com que Domício comesse o bolo e, logo a seguir, depois de presenciar-lhe os primeiros estertores, sair sorrateiramente do ambiente e voltar incógnito para a própria casa.
Precisava estar presente pessoalmente, para garantir que nada viesse a sair errado.
Além do mais, tudo isso deveria acontecer no mesmo dia, ou seja, tanto o sequestro dos jovens quanto o envenenamento de Domício, deveriam ocorrer simultaneamente, para que Lúcia demorasse ainda mais procurando pelos irmãos e não voltasse antes que o próprio leproso estivesse morto.
O alvoroço que o desaparecimento dos filhos aleijados iria produzir tanto em Lúcia quanto em Serápis, a procurarem por eles por toda a parte, faria com que se esquecessem de voltar ao lar, coisa que, quando fosse feita, já seria tarde demais para modificar as coisas.
Pela acção rápida do veneno e pelas próprias condições de debilidade do enfermo, sua morte não levantaria suspeitas nem seria atribuída a qualquer coisa que não à visita inexorável da morte que não perdoará a ninguém.
Restaria, como estranha coincidência, apenas, o fato de ter se dado exactamente no mesmo dia do desaparecimento dos Outros filhos.
E enquanto as duas tivessem que se ocupar em dar sepultura ao filho e irmão morto, mais tempo teriam os ajudantes de Marcus para transportá-los até o porto distante e embarcá-los conforme suas recomendações.
Restariam, então, apenas Serápis e Lúcia.
E com as duas assim, tão vulneráveis, não seria difícil conseguir, por fim, recomeçara própria vida, tendo ao seu lado a mulher amada.
No plano espiritual, a acção trevosa de Druzila continuava sobre Marcus, enquanto que a plêiade de defensores do Bem se desdobrava para garantir aos infelizes, que se veriam espoliados de toda esperança, forças e amparo para que soubessem suportar mais esta etapa de suas vidas, sem esmorecer no crescimento necessário e no expurgo de todo acúmulo de enganos que cometeram no passado.
Por isso, a compreensão das palavras de Jesus quando falava que era necessário que o escândalo viesse, mas que não fossemos nós a pedra de escândalo.
Por tudo o que fizeram no pretérito, Pilatos e Suplício, agora Lúcio e Demétrio, deveriam se ver isolados, afastados dos entes queridos, sofrendo as privações do afecto e da protecção que negaram aos outros quando na função de administradores humanos.
Como outrora, seriam banidos do seio de seus únicos respaldos, afastados dos seres que amavam, privados de seus sonhos e da protecção materna e fraterna que Serápis e Lúcia representavam.
No entanto, espíritos amigos já estavam cuidando para que, ao invés de serem exterminados no mar, conforme os planos nocivos de Marcus, acabassem tendo um destino que lhes permitisse seguirem vivendo, ainda que enfrentando as dificuldades de sua condição de deficientes.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Dez 16, 2014 10:15 pm

Domício, igualmente, já se encaminhava para os derradeiros dias de sua jornada, não se justificando, por esse motivo, o comportamento criminoso daquele que iria antecipar-lhe a partida da vida física, já que toda acção nesse sentido é criminoso ato que comprometerá profundamente a existência daquele que lhe dá curso, mesmo sob a sedutora alegação de compaixão pelo doente.
Se olhássemos para todos os actos que Domício cometera quando estava encarnado no mundo e durante o processo de obsessão a que submetera Nero, facilitando-lhe os acessos de crueldade, entenderíamos melhor a exactidão dos mecanismos da lei espiritual que, ao invés de ver no sofrimento físico um castigo na forma de revide ou do olho por olho, permitia que cada minuto vivido de maneira resignada, mesmo na dor ou na doença, fosse interpretado como factor disciplinador do espírito a atenuar em anos ou décadas, a sua necessidade de corrigenda futura.
Por isso, privar o espírito de alguém dos momentos de agonia ao antecipar-lhe o desenlace por força de venenos ou crimes que passem ocultos aos olhos humanos, consubstanciar-se-á, igualmente, em delito grave daquele que o pratica ou que o favorece, eis que estará privando aquele espírito dos momentos que lhe seriam úteis no processo de depuração e de libertação, além de representar postura rebelde diante da vontade do Criador, o único capaz de deliberar quando a morte pode recair sobre o organismo daquele que Ele vitalizou.
Enquanto os homens não são capazes de dar vida por si mesmos, não possuem o direito de cortá-la, arvorando-se presunçosamente em poderosos senhores do destino dos outros.
Isso ainda é prova de arrogância, disfarçada pelo pseudo manto da piedade.
Marcus, assim, seria, no fundo, a grande vítima de todos estes equívocos que planejara e, dos quais, o mundo espiritual tudo fazia para que ele não levasse adiante.
No entanto, lúcidos e sábios, os espíritos amorosos que secundavam os destinos de todos eles sentiam em Marcus um afastamento de todo bom sentimento que o havia revestido quando, modestamente, fora partícipe dos processos de resgate dessas mesmas almas nos profundos ambientes trevosos, antes de reencarnarem para a nova jornada, já relatados no anterior "A Força da Bondade".
Amolecido pelas facilidades materiais e pelo exercício desbragado dos prazeres, seu espírito se afastou lentamente dos elevados ideais de nobreza da alma, entregando-se novamente às facilidades do mundo como se elas lhe pertencessem por direito de nascimento e não por singela concessão temporária de Deus.
Desgastando suas energias em aventuras e gozos, Marcus privara-se da ligação espiritual que entidades generosas mantinham com ele, principalmente depois que, por causa do envolvimento amoroso ilícito com Serápis, perdera o factor equilibrante que Licínio representava em sua vida.
É assim que, infelizmente, sempre costuma acontecer nas jornadas dos espíritos invigilantes, querido leitor.
Nos iludimos com os excessos da carne, nos prazeres e descansos, desfrutes e passeios, gastos e caprichos, nos afastando das linhas rectas que havíamos traçado para nós próprios e, por isso, aprofundamos nossas raízes na terra pobre de nossos defeitos.
Quanto mais enraizados no mundo, mais difícil será nos vermos arrancados dele para as coisas do Céu.
Seremos apenas árvores que crescem para o alto, mas que jamais deixam o solo.
Nosso destino, no entanto, é sermos AVES, aquelas que visitam o solo de vez em quando, caminham sobre ele, constroem seus ninhos, alimentam-se na terra, mas que, fagueiras e livres, podem bater as asas e voar para o Céu sem que nada as amarre no cativeiro do mundo.
Por isso Jesus ensinou:
Não se pode servir a Deus e a Mamon...
São dois senhores cujos interesses são absolutamente opostos e conflituantes.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Dez 16, 2014 10:15 pm

18 - O Destino de Décio

Por alguns momentos, querido leitor, deixemos Marcus e seus planos nefastos através dos quais ele desejava modelar o destino dos Outros segundo seus próprios interesses, e voltemos algumas semanas no tempo para observar a trajectória de Décio, depois de ter sido detido na reunião cristã e receber a pena de banimento para as províncias distantes.
Naturalmente que a sua ligação com o Cristianismo oriundo da distante Jerusalém impunha que seu destino punitivo fosse o mais afastado daquele centro civilizatório, o que levou os seus julgadores, sob a orientação directa do imperador a designar a península ibérica como o destino mais adequado para o seu isolamento, para acabar com o foco nefasto de uma crença que, sem fazer mal a ninguém, era de tal maneira transformadora dos costumes torpes e mundanos que afectaria os interesses de todos os que viviam mergulhados nas rotinas pervertidas daquele ambiente.
Além do mais, o imperador Élio Adriano mantinha ligações muito estreitas com a Ibéria, o que lhe permitiria receber informações mais detalhadas e confiáveis sobre os passos de tais exilados.
Não era do conhecimento dos julgadores, no entanto, a íntima ligação que havia entre ele e Cláudio Rufus que, como traidor da confiança de César, serviçal que se recusara a renegar a fé em nome dessa deferência imperial, também fora destinado às terras espanholas, nas quais deveria terminar seus dias na Terra.
Separados no cativeiro em função de suas diferentes condições sociais, Décio e Cláudio não mais se encontraram desde o momento em que este fora levado à presença de Adriano, de onde fora ordenada a sua partida imediata, carregando consigo apenas parcos recursos, suficientes tão só para a viagem e para o seu precário sustento na nova e difícil vida que o esperava.
Cláudio seguiu viagem primeiro, ficando Décio a esperar o transcurso do julgamento, na dependência de autoridades que, morosas, preguiçosas ou indiferentes, não se empenhavam na solução do caso segundo os ditames legais de rapidez e eficiência, já que precisavam conciliar a aplicação da sentença dos que foram presos no culto cristão com a data dos festejos de Adriano, ocasião em que os insurgentes fariam parte do espectáculo como vítimas de feras, como alvo para os arqueiros ou como postes incandescentes, para o furor e a exaltação descontrolada da multidão.
Assim, a decisão sobre o seu destino fora mais demorada, mas, uma vez em se tratando de cidadão romano, Décio fora poupado pelo imperador que, como já se falou, desejava manter-se nas graças dos cidadãos de Roma, aqueles que ele dirigia através da velha forma do pão e circo.
Deliberada a sua transferência para um destino tão afastado, Décio fora encaminhado para o porto de Óstia, no qual ficara encarcerado em modestas celas ali existentes que, de acordo com as necessidades, serviam também para abrigar uma que outra fera até o seu transporte para a cidade imperial.
Era necessário esperar a galera romana que tomaria o rumo da distante Espanha e na qual Décio teria assento em demanda de seu destino.
Seu porte físico robusto, que lhe garantira o trabalho nas obras do imperador, poderia inspirar temor em soldados, que o mantinham sob vigilância como se fosse um malfeitor comum.
No entanto, de sua pessoa emanava uma tal serenidade que seus olhos mansos inspiravam a conversação, diferente de outros condenados revoltados e agressivos.
Na sua resignação, Décio se mantinha tranquilo e amistoso, compreendendo que, se a sabedoria de Deus estava permitindo que ele passasse por tais situações, isso estava previsto para que, delas, o melhor se conseguisse.
Nessas horas, o preso se lembrava de seu paizinho, Policarpo, de quem sempre recebera as mais belas lições de equilíbrio e coragem, fé em Deus e fidelidade a Jesus.
Bem falara o ancião sobre os momentos difíceis que estavam esperando por todos os seguidores do Evangelho nascente.
Não sem motivo fora ele enviado de volta a Roma para falar à toda gente sobre as responsabilidades do cristão nos momentos do testemunho, alerta que somente 35 pessoas, no universo de mais de duzentos presos, tiveram em conta e se mantiveram fiéis às próprias convicções.
Os outros, frágeis na fé nascente, não conseguiram manter a fidelidade aos seus ideais até o sacrifício, mas, independentemente disso, eram dignos de um bom pensamento, já que se permitiam sentir uma inclinação por aquelas realidades espirituais.
Policarpo e sua coragem eram o sustentáculo de seus passos enquanto não lhe saía da cabeça a figura daquelas mãos luminosas de sua infância, a pairarem sobre sua cabeça enferma, como duas asas benditas e lhe trazerem a cura.
Seus momentos na prisão em Óstia eram dedicados à oração, elevando-se para que a vontade de Deus pudesse ser entendida e obedecida por ele, tanto quanto sempre o fora pelo velhinho que o criara como pai.
Encontraremos Décio, assim, ao entardecer do segundo dia de sua reclusão na cela do porto, posicionada bem diante do ancoradouro das galeras, em colóquio singelo com Deus, nas lembranças dos ensinos de Jesus:
- Pai querido, sei que não sou digno de pedir nenhum favor à vossa generosa sapiência que, conhecedora de tudo, já está inteirada de meu destino. Vós curastes minhas dores quando criança e, através de vosso emissário luminoso, destes a conhecer que meu pai e eu teríamos nossas lutas pessoais nos testemunhos da fé.
Aqui estou, Senhor, para que se concretize em mim o Vosso desejo.
Estou certo de que, se a Vossa solicitude salvou meu corpinho tenro da doença galopante que me poderia ter conduzido à morte, era porque me desejáveis vivo no mundo para realizar a Vossa vontade.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Dez 16, 2014 10:16 pm

Agora, que o destino parece incerto e que o horizonte desconhecido acena com seus perigos e dificuldades, inspirai-me para une não me afaste do Vosso caminho.
Sou muito ignorante para entender os Planos Celestes que envolvem cada pessoa no mundo, mas, nesta hora, rogo-vos que não me faltem a convicção dos passos na direcção de Vosso Interesse.
Sou Vosso servo endividado e sem condições de pagar pelas graças recebidas.
Por isso, tomai minha vida como penhor de meu sincero desejo de honrar tais compromissos no serviço humilde do Bem e, como fizera naquele dia no berço pobre, estendei Vossas mãos na direcção a ser seguida para que não me veja à mercê, apenas, da minha própria cegueira espiritual.
A emoção tomava conta de seu espírito enquanto as palavras iam sendo organizadas em seu pensamento, no silêncio daquela pequena cela, recebendo ele a brisa do oceano próximo a falar da estrada que o esperava na direcção do horizonte azul.
Ao seu redor se apresentavam os amigos espirituais de sempre, a fortalecerem-lhe os pensamentos e a preparar os seus passos no futuro.
A equipe de entidades luminosas que se haviam encontrado no mundo material pouco mais de cem anos antes, se mantinha unida para a continuidade da tarefa do Bem, no coração dos que sofriam por causa da própria ignorância.
Zacarias, Cléofas, Licínio, Simeão, Lívia revezavam-se entre Serápis, Domício, Lúcio, Marcus, Lúcia, Cláudio e outros encarnados cujas necessidades pessoais impunha ao amor de tais espíritos o doce dever de atender-lhes as necessidades do momento difícil por que passavam.
E como o Bem se serve dos que se esforçam para serem Bons a fim de fazer a Bondade vicejar no mundo de forma mais eficiente e plena, ali estavam eles, a receber as súplicas daquele que, havendo sido tosco gladiador em existência passada, agora se havia convertido em valoroso trabalhador de Jesus, encarnado como diamante no meio do cascalho humano, emocionados com sua sinceridade, com a sua coragem diante do desconhecido e com a humilde solicitação que, longe de pedir a liberdade, a modificação do seu destino, a alteração das sentenças humanas, pedia para saber servir em qualquer condição, em qualquer prisão, em qualquer exílio, no cumprimento da vontade augusta do Pai.
Enquanto todos se uniam ao redor de um Décio, de joelhos, suas mãos espirituais repousavam sobre a cabeça do antigo pedreiro como a lhe formar uma singela coroa, já que tais espíritos, mantidos de pé no recinto da prisão, o circundavam como se fossem pétalas luminosas de um núcleo floral.
As orações unidas eram banhadas por uma luminosa atmosfera, como se dos mais altos círculos espirituais, orvalho safirino respondesse às suas súplicas.
Enquanto Décio silenciava, lutando para controlar a própria emoção, olhando para as primeiras estrelas que marcavam o céu ainda azul, logo depois que o astro-rei se despedira, Lívia, a envolvê-lo com o Amor maternal que só as almas elevadas conseguiram sublimar, estimulada pelo olhar paternal de Zacarias, continua a súplica em nome do grupo de entidades que ali se postavam:
- Mestre, infinita é nossa gratidão pelo Amor que seu coração magnânimo e humilde nos dedica.
Estamos tentando aprender, na nossa estrada de erros clamorosos, a seguir suas pegadas, a não fraquejar nos testemunhos, a nunca negar ajuda ao coração fraterno que está diante do perigo.
Você sabe que não mediremos esforços para fazer sorrir seu coração e para não mais deixá-lo sem companheiros na jornada do Bem.
Outrora, seu esforço contou com a nossa indiferença, entre os que o acusaram, os que fugiram, os que lavaram as mãos, os que nada fizeram para impedir a sentença injusta.
Aqui estamos todos, unidos no erro para reparar tão nefasta conduta, amparando-nos uns aos outros.
E diante do cenário triste que se apresenta, quando as nossas fraquezas ainda nos empurram para o império dos defeitos que cultivamos por séculos, estamos a Lhe rogar que ampare não apenas este querido irmão, esta criatura cujo devotamento é tão conhecido de seu coração e que está sempre pronto para suportar os desafios na coragem do testemunho, mas a todos os de que nos temos acercado nos instantes difíceis de seus processos de resgate pela dor.
Afastados da Sua presença, somos como folhas entregues ao sabor da brisa depois que perdem a segurança da árvore protectora onde se agarravam, seguras.
Por isso, somos apenas pequeno grupo de folhinhas que tenta conter o furacão da maldade, visando envolver aqueles mesmos que falharam pela ignorância na atmosfera da paciência, da confiança no bem e na resignação diante da Justiça do Justo.
O mal prepara-se para fustigar os pequenos brotos de amor que nascem no coração dos nossos tutelados, buscando cobrar as dívidas pelo caminho mais cruel.
Demétrio, Domício e Lúcio estão à mercê da ignorância que é alimentada pelos que desconhecem as belezas do Seu Amor.
Serápis e Lúcia se vêem empenhadas na sobrevivência e nos cuidados fraternos e devotados que dedicam a estas almas vitimadas pelos próprios crimes, mas não têm condições de enfrentar as forças da ignorância que se orquestram para dizimar as esperanças de crescimento destes seres desventurados.
Marcus deserta do caminho da vigilância, abrindo seus sentimentos à influência de Druzila, igualmente hipnotizada pelo desejo de vingança.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Dez 16, 2014 10:16 pm

Bandos de espíritos trevosos lhe obedecem o impulso vingador, igualmente sedentos do sangue dessas vítimas.
Arrebanhou ela os espíritos que o antigo lictor Suplício sacrificou nos exercícios de seu autoritarismo, as mulheres violentadas e os pais infelizes que venderam suas filhas à sanha do governador Pilatos, para satisfazer seus desejos mais vis.
Encontram-se sob a sua influência as almas assassinadas pela crueldade do governador diante da morte de seu funcionário de confiança na antiga Samaria, desejando tomar parte nesta execução sumária, quando as lutas de Pilatos apenas começam no corpo doente de um Lúcio infeliz e cego.
Druzila arrebatou os infelizes e sofredores que sofreram a perseguição na condição de cristãos na arena e que não conseguiram se livrar do ódio, tanto quanto dos parentes que viram seus entes amados perecerem de forma tão cruel e os convoca para o exercício da vingança sobre Domício, o "grande imperador" de outrora, a quem apontam como responsável directo pelos actos grotescos de Nero.
Odiando Serápis, Druzila se empenha em fazer sofrer a antiga e astuta Fúlvia, agora reduzida a uma infeliz mulher, amargurada na solidão e na infelicidade onde tenta redimir-se aos próprios olhos, sem sonhos e na luta por criar filhos que ninguém deseja, reduzida à condição de trabalhadora braçal contando, apenas, com o coração juvenil da pequena Lúcia que, da forma como pode, tudo tem feito para amparar os irmãos mais novos, nos sofrimentos que poucas crianças de sua idade conhecem durante uma vida inteira.
Ela já os tem experimentado ainda na infância.
Veja, Senhor, todas estas tragédias são obra nossa e, agora que se orquestra o esforço do mal como a colheita dos espinhos que plantamos, estes pobres infelizes contam tão somente com a nossa insipiência de espíritos endividados para velar por eles.
Quando Você estava entre nós, encontrávamos a árvore frondosa capaz de abrigar em seu galhos e em suas raízes, de alimentar com seus frutos, de agasalhar com sua copa e proteger com sua sombra.
Mas os homens ignorantes deceparam a árvore e, agora, estamos todos á mercê de nós mesmos.
Não é apenas Pilatos quem lavou as mãos diante de seu destino.
Todos nós lavamos nossas mãos com relação ao nosso futuro e, agora, nos vemos surpreendidos pelas tragédias que regressam, cobrando o tributo desse gesto de indiferença, desse ato de fuga do dever, dessa demonstração de pouco caso connosco mesmos.
Até hoje temos lavado nossas mãos quando a obrigação de fazer o bem surge a nossa frente, quando somos chamados a acolher um infeliz, quando as dores alheias pedem nosso concurso, como se isso fosse uma obrigação dos outros e não nossa.
Temos lavado nossas mãos no sangue de nossas vítimas, nas lágrimas que nossos actos produziram na face de inocentes, nas bacias de moedas da corrupção e da usura, revestindo esse ato com as aparências de falsa sabedoria, como a nos livrarmos da culpa que nos pertence.
Hoje, Senhor, não desejamos fazer a mesma coisa que sempre fizemos.
Não queremos estar diante de Você como quem diz: fizemos o que pudemos, mas nada deu resultado.
Em que pese estarmos submetidos á vontade de Deus que acatamos e respeitamos, não desejamos regressar à Sua presença carregando os cadáveres destes irmãos e seus espíritos confusos, sem entenderem o por que foram recambiados ao reino da verdade tão cedo, sem que pudessem ter crescido suficiente.
É tão difícil, Jesus, regressar à vida física...
Ajude estes irmãos, ó Mestre Generoso e Bom. Proteja-os do mal do escudo de seu carinho.
Nós, os de boa vontade, que não desejamos senão o crescimento dos que falharam, pedimos isso ao seu coração amigo, já que não temos como interferir no destino desses nossos irmãos aflitos para modificar-lhes o curso segundo a nossa vontade...
Lívia derramava lágrimas cristalinas como diamantes preciosos e, enquanto proferia a oração comovente na qual, por inexcedível grandeza de seus sentimentos, se igualava aos malfeitores do mundo a rogar por eles como se fosse uma igual, os outros espíritos amigos, que se uniam às suas rogativas, tocados no mais fundo de si mesmos, sem que ninguém o tivesse solicitado, ajoelharam-se ao redor do mesmo Décio genuflexo, a acompanharem a oração daquele espírito límpido e celeste.
Zacarias se recordava de Absalão, o velho ao qual não aceitara doar um par de sapatos, apesar de sua miséria material e de seu sofrimento moral, limitando-se a vender o par em troca de seu casaco corroído.
Cléofas se recordava da desditosa caminhada infeliz, quando aceitara aventurar-se no mundo carregando ao seu lado a antiga esposa do próprio Zacarias, como se, naquele delito afectivo, fosse encontrar a felicidade eterna, convertida pouco tempo depois em miséria da lepra e do abandono.
Simeão voltava os olhos ao seu passado de jovem e para as inúmeras quedas na ilusão da vida, revendo os olhares das moças cuja esperança de união se frustraram quando de sua deserção dos deveres afectivos.
Licínio, o mesmo Lucilio, rememorava os abusos cometidos na prisão Mamertina, junto dos presos infelizes que mantinha em regime de tortura, de fome e miséria, pelo simples prazer de exercer sua autoridade sobre criaturas sem defesa nenhuma.
A oração de Lívia, naquele momento, os reconduzira à realidade de si mesmos e, ao se unirem a ela, não pediam apenas pelas desditas de Décio, de Domício, Lúcio, Demétrio e dos outros.
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Série Lúcius - Sob as Mãos da MISERICÓRDIA / André Luiz Ruiz - Página 4 Empty Re: Série Lúcius - Sob as Mãos da MISERICÓRDIA / André Luiz Ruiz

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Dez 16, 2014 10:16 pm

A prece daquele grupo, a dirigir-se a Jesus com a mais sincera unção de suas almas, abraçava a toda humanidade, envolvendo Judas, Simão, Tome, Tiago, Anás, Caifás, os soldados que O chicotearam, os transeuntes que cuspiram Nele, muitos dos quais tinham sido curados de suas doenças pelas Suas mãos abnegadas.
Sim, era pela humanidade inteira que eles oravam, afinizada aos mesmos erros seculares, ao comércio das mesmas emoções inferiores, nas alegrias dos ganhos, no desejo de vingar as perdas, na incapacidade de exercitar o perdão das ofensas, no interesse em manter os próprios privilégios, na satisfação de se fazer poderoso e humilhar os desditosos.
Todos ali se uniam ao redor do Bem que lhes cabia fazer pelos infelizes que se haviam comprometido tanto na última encarnação.
E, no entanto, não podiam alterar os rumos do mal que estavam sendo delineados para as personagens que pretendiam ajudar, prestes a se verem enredadas em crimes cruéis seja como agentes seja como vítimas.
Só Jesus tinha condições de modificar as coisas naquele momento trágico dos destinos de todos, uma vez que, por imperativo de submissão à Divina Vontade, nenhum deles poderia arvorar-se em reformador dos caminhos alheios, a não ser através da boa intuição, dos bons conselhos, da influência positiva, coisa que todos já tinham feito, de forma inócua diante da indiferença dos encarnados e da pressão psicológica da multidão de espíritos perseguidores e credores daqueles que estavam sendo conduzidos aos últimos dias de suas vidas na Terra.
Só lhes faltava o recurso da oração, a única força que tinha poder suficiente para interceder, para modificar os projectos, para alterar as circunstâncias diante das deliberações persistentes da maldade e da ignorância.
Assim, não restava a todos eles fazer outra coisa senão unirem-se a Lívia na unção e na esperança de que, escutando-lhes a rogativa, Jesus aparecesse no meio deles e, com seu olhar compassivo de cordeiro de Deus, resolvesse os problemas como um poderoso senhor é capaz de resolver, ordenando, mandando, modificando, refazendo.
Afinal, estavam eles buscando proteger aquele que, em suma, tivera singular participação em seu processo de condenação na Terra.
No entanto, ainda que a pequena cela se tivesse iluminado como se o Sol tivesse invertido o seu curso e voltado do poente para clarear o mundo, a figura do Divino Mestre, que certamente não se fizera surdo ás rogativas de todos eles, não dava sinais de estar em condições de se fazer presente ali, naquele instante.
Terminada a rogativa, Lívia foi até cada um de seus amigos e, com um gesto de carinho, ergueu-os do chão e, entrevendo a emoção que invadia cada um nas lembranças dos antigos erros, na rememoração das passadas quedas, agradeceu-lhes a amizade e desculpou-se por fazê-los voltar ao passado.
- É que eu mesma, Zacarias, falava de mim a Jesus, elencando minhas imperfeições, minhas lembranças vivas de mulher rica, criada à sombra da facilidade material das convenções desta Roma de mentiras, à força das quais, me considero igualmente culpada pelo destino triste de meu amado esposo, Públio, cujo espírito, por fim, poderei retomar ao encontro de meu coração em breves dias, quando dos sacrifícios colectivos na arena do circo, agora destituído de todas as honras, de todas as insígnias, de todos os favores do Estado ao qual tanto serviu na sua boa fé e no seu engano de homem do mundo.
Desculpem-me, meus irmãos. Não desejava fazê-los voltar ao passado, quando somente eu mesma tenho esse dever de não me esquecer das quedas pessoais para melhor saber me manter nas horas do reencontro com aquele que é o foco de meu afecto, desde longa data, e que, em breve, na figura pobre e honesta do escravo Nestório, vai regressar à Pátria da Verdade como vítima dessa Roma à qual serviu como Senador orgulhoso e devotado às suas causas materiais e políticas.
Entendendo-lhe a situação, Zacarias aproximou-se e, tomando-lhe a destra, depositou-lhe um beijo paternal, respondendo:
- Filha, nenhum de nós, em sã consciência poderia ter feito uma evocação mais bela e mais justa acerca de nossas necessidades como humanidade falida.
Agradecemos a sua pureza de sentimentos que nos deu a lição de que não devemos buscar nos elevar para nos afastar de nossos erros, mas, ao contrário, devemos sempre carregá-los vivos em nossas lembranças para que, nunca, em tempo algum, nos coloquemos como os que julgam o próximo, os que nunca falharam, os que não entendem suas dúvidas, suas tentações e fraquezas.
Somente quando nossas almas não se esquecem de seus deslizes é que encontramos forças para seguirmos no bem, enfrentando as armadilhas do mal nas quais já caímos antes, o que nos prepara para ajudar os outros a não caírem e a saírem delas.
E vendo que a luminosidade se amainava depois da intensidade de forças e belezas ali concentradas pela elevação de todos, Lívia retomou a palavra, dizendo:
- Agora, nosso primeiro e último recurso foi accionado.
Estamos aqui juntos a Décio e a todos eles para aceitar as ordens Daquele que, em nome de Deus, nos dirige.
Certamente Jesus está a par de tudo e, ainda que não se tenha feito presente entre nós, sentiu nossas preces e não se fará indiferente às nossas necessidades.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Dez 16, 2014 10:16 pm

Todos os que a ouviam concordaram com suas frases de fé e convicção, não sem antes afogarem uma pequenina ponta de receio ante a demora da manifestação Daquele cuja solicitude sempre se fizera presente no caminho deles no tempo certo.
- Vamos ficar aqui com Décio por mais um tempo, já que as horas nocturnas do sono físico ainda não se aproximaram, ocasião em que tentaremos nos aproximar novamente de Marcus, a fim de tentarmos modificar seus intentos homicidas - falou Zacarias, como quem se mantinha na condição do que era responsável pelos passos do grupo.
- Será que conseguiremos alguma coisa hoje, paizinho? - perguntou João de Cléofas, no seu carinhoso modo de se dirigir àquele que fora o primeiro Jesus em seu caminho, transformando-o para sempre pela compaixão e fraternidade.
São tantos os obstáculos para chegarmos até ele todas as noites!
Referia-se Cléofas, à malta de espíritos que montava guarda ao redor da moradia de Marcus e que o envolvia como uma escolta macabra, a fim de neutralizar todas as tentativas de aproximação do bem, coisa que Druzila - espírito - era capaz de dificultar, frustrando todas as suas tentativas de influenciação positiva.
Uma multidão de malfeitores, espíritos desfigurados, agressivos, revoltados, sedentos de vingança se congregava ao redor de sua casa física, como a construir um casulo de sombras no qual aprisionavam aquele que lhes seria o braço vingador, protegendo-o de qualquer modificação de curso ou de intenção, como se ele fosse o único meio de fazerem cumprir o desiderato de se vingarem de Suplício, Pilatos, Fulvia, do "grande imperador" e de tudo o que eles representaram de dor e miséria em suas vidas.
Cada um exibia um instrumento de tortura que iria usar assim que encontrassem libertos do corpo aqueles espíritos que perseguiam e que, de alguma sorte, guardavam semelhança com os instrumentos de suplício que lhes haviam sido aplicados, como expressão clara da lei de talião, olho por olho, dente por dente.
Isso dificultava a aproximação das entidades luminosas que não conseguiam encontrarem Marcus, qualquer disposição para pensar de outra maneira, não havendo nenhuma brecha na fortaleza do mal a permitir que fosse explorada para beneficiar aquele irmão desditoso que exercia, ali, o papel de ferramenta material e agente de tantos espíritos vingativos.
Ah! Se Marcus orasse...
Ah! Se as pessoas orassem, ao invés de planejar os actos cruéis que imaginam ser a solução de seus problemas...
A oração seria caminho luminoso que se imporia naquele ambiente de vibrações pestilentas para favorecer o ingresso de amigos invisíveis que viessem em resposta ao seu desejo do Bem.
No entanto, enceguecido pelo sonho de retomar aquela mulher com a qual manifestou as mais inferiores e calorosas sensações da sexualidade descontrolada, era uma lápide fria para qualquer modificação de vibrações íntimas, impossibilitando que os espíritos amigos que o buscavam, conseguissem chegar até ele pela imensa barreira vibratória que fora construída à sua volta, graças ao auxílio de sua invigilância.
E como os espíritos do Bem não se valem das mesmas armas que os espíritos ignorantes utilizam - a violência, a agressividade, a astúcia, a maldade, a ameaça, a imposição - viam-se eles afastados de qualquer influência directa sobre Marcus, outra coisa não podendo fazer senão orarem juntos pedindo ajuda a Jesus.
Enquanto se mantinham ali, na pequena cela de Décio, o silêncio se fez mais profundo e, ao mesmo tempo em que o preso se debruçava no parapeito vendo a noite que avançava, os espíritos se sentavam no mesmo local, de onde o atracadouro se fazia visível, algumas dezenas de metros adiante.
Perdendo o olhar no vasto lençol líquido, depois de alguns instantes, como se todos olhassem para o mesmo ponto, puderam divisar uma sombra espessa que se movia, iluminada à frente por um farol tão potente que, naquela época primitiva não se encontraria em nenhum local da Terra, muito menos no meio do oceano.
Os espíritos se entreolharam emocionados e os olhos espirituais de Décio igualmente vislumbravam a luz potente que caminhava no meio das águas escuras.
À lembrança de todos veio a passagem de Jesus quando, na escuridão da noite, caminhara na direcção dos discípulos que se encontravam flutuando no meio do mar da Galileia o que lhes tornou a emoção ainda maior.
- Será Jesus, caminhando sobre as águas novamente? - perguntavam-se todos, aumentando a expectativa.
E os longos minutos foram se sucedendo até que os olhos pudessem perceber, saindo da escuridão, a figura de imponente galera romana que se dirigia ao porto, valendo-se das luzes das tochas que permaneciam acesas durante a noite para auxiliarem na atracação de embarcações que chegassem depois do ocaso.
Na parte mais alta da proa, ainda que a visão normal dos homens nada conseguisse divisar, a brilhar como uma estrela rutilante vinham duas mãos luminosas, como que a puxarem aquele corpo de madeira imenso que estalava à força dos remadores e das amarras para que atracasse no local adequado em segurança.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Dez 16, 2014 10:17 pm

Não deixavam dúvidas:
Para Décio, eram as mesmas mãos luminosas que ele havia visto em criança, a trazer a embarcação que ele iria ocupar, demonstrando, assim, em resposta à sua prece, a vontade de Deus a amparar-lhe os destinos.
E para os outros espíritos emocionados, agora deslocados até a beira do ancoradouro, as duas mãos luminosas que guiavam a nau até o cais expeliam faíscas multicores e, ainda que não se fizesse conhecer na forma de uma imagem humana, não houve entre eles quem não tivesse certeza de que eram a resposta às preces de Lívia e de todos, mãos que traziam o barco até ali.
- Eis, por que, Lívia, Jesus não se apresentou em resposta às nossas preces.
Estava ocupado, de alguma forma protegendo o barco que, seguramente, será a solução que nós tanto buscávamos.
Enquanto a embarcação se preparava para aninhar-se junto às pedras do atracadouro, do alto do foco luminoso, uma centelha certeira partiu e penetrou profundamente o espírito das quatro entidades que ali estavam, enquanto que outra seguiu na direcção do prisioneiro, detido atrás das grades à distância.
Sentindo uma emoção mais intensa, como a relembrar das ocasiões em que havia encontrado Jesus na longínqua Palestina, Lívia respondeu, emocionada:
Sim, querido Zacarias, ... Jesus sabe...
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Dez 16, 2014 10:17 pm

19 - Todos para seus destinos

Depois que atracou sossegada no porto, a imensa galera
passou a descarregar o seu conteúdo e ser preparada para receber nova carga, no procedimento normal de qualquer embarcação, o que lhe tomaria alguns dias no atracadouro, delongando a presença de Décio no pequeno cárcere, a aguardar o momento de ser transferido para a embarcação.
Seus sentimentos, no entanto, estavam mais seguros diante da visão espiritual daquelas mãos luminosas que pareciam conduzir a nau suavemente até o porto.
Já não havia em seu espírito qualquer dúvida a respeito da protecção superior para que seu destino seguisse por caminhos abençoados, no trabalho e no sacrifício de um testemunho pessoal profícuo na sementeira do Bem.
Enquanto isso acontecia, retomemos a trajectória de Lívia e Zacarias que, sob o dossel escuro da noite, depois da atracação da galera e da sensação de êxtase decorrente da centelha luminosa que lhes penetrara o espírito, seguiram de volta para Roma.
No dia seguinte, os actos finais das festas de Adriano marcariam o momento derradeiro do assassinato cruel dos remanescentes estrangeiros do grupo de presos em decorrência do culto cristão nas catacumbas da via Nomentana, pelo exercício de actividade condenada pelos cânones romanos como infracção das tradições religiosas nacionais, entre os quais se encontrava o esposo amado de Lívia, o outrora altivo senador Públio Lentulus, reencarnado no seio da raça semita e levado para Roma como escravo culto para servir de preceptor das filhas de abastado patrício, que lhe concedera a liberdade definitiva.
Diante das leis espirituais cuja finalidade é corrigir os pendores negativos próprios da ignorância, Públio se viu recambiado ao mundo sob a veste humilde do escravo Nestório, agora cristão assumido, carregando consigo os mesmos cabedais de inteligência e maturidade que as experiências humanas anteriores permitiram que seu espírito angariasse, mas sem o poder de mando, a capacidade de dirigir, a força financeira para impor sua vontade.
Apenas um servo a educar com sua sabedoria as filhas romanas e a dedicar-se à mensagem de Jesus com o mesmo carinho e fidelidade que eram características de sua personalidade limpa e autêntica, ainda que, em outras áreas, seu carácter rígido o tivesse feito sofrer e fazer sofrer injustamente aos que se mantinham ao seu redor.
Assim, ao entardecer do dia seguinte, quando as luzes solares já esmaecidas colaborariam para criar o cenário desejado para os efeitos que encantavam o público, encontraremos o grupo remanescente dos condenados para os quais a fidelidade a Jesus mantivera o farol da fé aceso, apesar das ameaças da força bruta, a enfrentar o testemunho final do entregar-se a si mesmo, do qual foram poupados pela acção directa de Adriano todos os cidadãos romanos que, mesmo persistindo na crença perseguida, em vez de serem condenados ao suplício, foram banidos para províncias distantes, proibidos de regressarem à sede do Império, incluindo-se, entre eles, Cláudio Rufus e Décio, como já vimos.
E os vinte e dois estrangeiros, entre os quais se encontravam sete mulheres, foram atados aos postes escuros da arena, para servirem de alvo às flechas envenenadas que arqueiros africanos, avantajados e exímios, iriam desferir covardemente.
Ensandecida pela excitação de festas tão sumptuosas quanto arrepiantes, a multidão exultava ao som dos instrumentos musicais que procuravam criar o clima contrastante através de melodias ora estridentes ora suaves.
Isso não impediu que os condenados, como a sua fé lhes ditava ao coração, elevassem os cânticos de glória a Deus e de encorajamento solicitado a Jesus, Aquele que houvera também enfrentado galhardamente o momento máximo do exame verdadeiro do Amor.
Deixar-se matar sem odiar o assassino, entregar-se sem blasfemar ou se deixar enlouquecer pelo medo, sem se entregar ao espectáculo da covardia morai na hora decisiva.
Cantar era o recurso da fé sincera, a rogar as bênçãos do Pai amoroso e do Divino Mestre para as lutas acerbas daquela hora de ignominiosa crueldade.
E entre as feridas abertas no peito ofegante, vencido pela força das setas cáusticas, crivado à maneira de alvo fácil, Nestório/Públio se deixou perder entre as lembranças do passado.
Sua memória prodigiosa se ampliava, agora que mais liberta dos laços da matéria, permitindo que aflorassem, rapidamente, cenas da antiga existência, de seu encontro com Jesus ao redor do lago, sua emoção e suas desditas, ombreando como nobre entre outros nobres cidadãos para receber as homenagens de Nero, espectáculo sangrento de cristãos dilacerados e devorados por feras famintas.
Lágrimas o envolviam naquele momento em que já não mais via ou escutava os gritos e os vivas da multidão, a demonstrarem a Adriano a sua alegria louca.
Suas lembranças viam outro cenário, outro circo, outras pessoas, entre as quais ele próprio se identificava, a sentir angústia dolorosa mais profunda pela certeza de que, apesar de alvo de insignes homenagens, a arena guardava terrível surpresa ao revelar, mais tarde, a presença de sua amada esposa Lívia entre aqueles que se deixaram devorar.
Nestório já não tinha mais como se manter preso ao corpo e, ainda que lutasse para manter a lucidez e o controle, entregava-se ao confuso esforço de identificar qual das duas realidades seria a mais cruel ou dolorosa: se aquela que estava vivendo como Nestório, vitimado por tão triste execução, ou aquela em que se via orneado de rosas, a aplaudir a matança de cristãos em outra época, no meio dos quais, o ser amado igualmente perecia.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Dez 16, 2014 10:17 pm

Foi quando, para retirar seu espírito daquela situação delicada e confusa, Lívia, refulgente e translúcida, como se descida das estrelas, acompanhada por Zacarias que a aguardava a certa distância, se acercou do antigo companheiro que, por fim, se entregara ao mesmo destino que o dela pela força da fé em Jesus.
Seu coração exultava pelo reencontro tão esperado em que lhe fora permitido recolher, no meio dos despojos sanguinolentos, o espírito do amado esposo de outrora, a receber, como escravo, o prémio de sua fidelidade.
O contacto de suas mãos alvinitentes, ajoelhada no solo arenoso manchado de sangue, envolveu Nestório em blandiciosa emoção, enquanto Lívia, emocionada em preces silenciosas de gratidão, afagava os cabelos sujos e empastados de suor álgido onde depositava um beijo de reencontro e saudade.
Amor imorredouro, amor sincero, amor que transcende os impulsos da carne, amor que é mais que gozo ou domínio, que é amizade nas horas difíceis, compreensão nas fraquezas, coragem nas lutas, amor que é fé na bondade do outro, que sabe reconhecer suas virtudes apesar das inúmeras quedas ou defeitos.
Amor, força bendita do Universo a representar a impressão digital de Deus em toda a criação, a simbolizar a herança genética do Criador em cada um de nós; Amor - o governante da vida - era a força dominante naquele momento imorredouro para todos, quando, no meio dos derrotados do mundo, surgia o espírito livre do cárcere corpóreo, melhorado, enobrecido e amparado pelo Amor que, igualmente, jamais o esquecera.
Ao contacto de seu carinho, Nestório/Públio sentiu-se acolhido no colo materno quente e aconchegante que a alma amorosa de Lívia lhe oferecia, como se ela fosse, ao mesmo tempo, esposa e mãe, mulher e progenitora do sentimento elevado em seu coração, ao qual o escravo desencarnado se apegara como criança que encontra o refúgio seguro no qual adormeceu brandamente.
Assim que se vira novamente unida ao espírito do antigo marido,
Lívia sabia que poderia afastar-se e, com o impulso suave de seu desejo, foi retirando do interior daquele grotesco boneco de carne no qual se havia transformado o corpo de Nestório, o espírito do escravo que abandonava a carne, como se um segundo corpo perfeito e harmonioso saísse das formas do primeiro, desconjuntado e roto.
Guardando o tesouro junto ao coração, Lívia dirigiu o olhar para Zacarias que, nesse momento, se acercava dela para seguirem na direcção de mais Alto, onde depositariam o precioso fardo nos processos de recuperação naturais a que são submetidos os espíritos vencedores nos sacrifícios da fé.
Não tardou Lívia, no entanto, ao lado do antigo companheiro, uma vez que, na Terra, outros seres igualmente comprometidos com o erro estavam à beira da tragédia.
Enquanto as festas aconteciam, Marcus havia deliberado aproveitar-se das condições mais favoráveis, quando boa parte da cidade tinha suas atenções voltadas para as ocorrências e para o noticiário bizarro de cada espectáculo, a fim de colocar seu plano em acção.
Assim, determinara aos seus mais fiéis servos, regiamente pagos, que se dirigissem ao local onde os dois aleijados, seus filhos com Serápis, ganhavam algumas moedas oriundas da caridade pública em troca das músicas que improvisavam, para que fossem sequestrados e levados a destino previamente acertado.
A condição principal era a de que se mantivessem fechadas as suas bocas para que não as usassem delas a fim de pedirem socorro.
Como ninguém estava junto deles, não seria difícil conseguir o intento.
Ao mesmo tempo, esperaria o momento adequado para ir até a casa onde Serápis se abrigava com a família, a esperar que Lúcia saísse para ir levar aos irmãos o alimento de cada dia, aproveitando-se de sua ausência para envenenar o grotesco ser que, ainda que doente grave, recusava-se a morrer.
Por isso, preparou seu disfarce com roupas pobres e mantos nos quais se ocultaria em capuzes ou gorros até que pudesse dar por terminada a sua missão clandestina.
Tudo foi minuciosamente detalhado, supervisionado e avaliado pelos espíritos perniciosos que o envolviam, sob a directa fiscalização de Druzila que, por canais intuitivos, mais e mais se acercava de seu ex-marido, exaltando-lhe as vantagens de retomar a experiência carnal com aquela mulher desejada.
Esse era o ardil que ela usava para, exactamente, transformar o marido que não a desejara, naquele que iria ferir profundamente a mulher que ele tanto cobiçava.
Parecendo que seus desejos iriam se concretizar, alimentados pelo optimismo das ideias torpes de Druzila, Marcus não era capaz de vislumbrar os males que estava produzindo, nem se permitia pensar em coisas que pudessem sair errado nos planos que lhe pareciam perfeitos.
Precisava ter Serápis sozinha para si mesmo, ocasião em que a elegeria a rainha de sua mansão, como sempre fora o seu desejo.
Pensava ele que Serápis aceitaria perder tudo para voltar a viver no seu palácio de mármores raros.
Druzila, em espírito, o estimulava com mais e mais pensamentos nesse sentido, mantendo o estado de hipnose activado, como costuma acontecer a muitas pessoas nos dias de hoje, incapazes de sair de si mesmas para vislumbrar o ridículo ou o grotesco de suas ideias ou planos, comportamentos ou projectos, acreditando-se certos e infalíveis.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Dez 16, 2014 10:17 pm

Por detrás de todo pensamento fixo, certamente existem entidades negativas a estimular essa fixação, que poderá levar o pensador às decepções fatais nas experiências da vida.
E, depois de tudo planejado, o plano foi colocado em movimento.
Não foi difícil aos dois brutamontes recolherem da via pública os dois infantes desprotegidos que, sem saberem o que se passava, pouca resistência apresentaram à acção imperiosa dos que os abordaram, colocando-os em veículos fechados e levando-os a lugar desconhecido, tendo ficado pelo chão os instrumentos musicais usados para conquistarem a simpatia dos transeuntes.
Acompanhando os seus passos na realização dos eventos tão precisamente orquestrados, Cléofas, Simeão e Licínio seguiam, no plano espiritual, algo buscando fazer para minimizar ou para deslocar o rumo dos acontecimentos.
E se não podiam se fazer visíveis para impedir ou alterar as coisas, podiam, ao menos, usar as mesmas estratégias que Druzila estava usando para tentar ajudar as indefesas criaturas.
Assim, Simeão sugeriu ao grupo, que alguém fosse até Flávia, a mesma Lélia, aquela amiga de Serápis, a fim de fazê-la vir até a casinha onde Domício se encontrava, com o objectivo de produzir uma situação que impedisse a execução do nefasto crime que comprometeria terrivelmente o destino de Marcus.
Os dois sequestrados não estavam, ainda, em perigo de vida, já que não se cogitava de seu imediato assassinato.
No entanto, o pobre Domício ainda necessitava expungir, por mais algum tempo, as agruras que ele próprio organizara para seus dias, despoluindo-se das cargas fluídicas deletérias através das chagas purulentas de um corpo que ia sendo devorado lentamente pela lepra.
Aceita a ideia com unânime alegria, Cléofas se ofereceu para ir até Flávia, sugerindo que Licínio tentasse conseguir alguma coisa junto a Serápis, enquanto que Simeão buscaria acompanhar Marcus a fim de produzir algum tipo de impedimento que atrasasse sua execução.
Assim combinados, partiram os três espíritos nas direcções estabelecidas.
Ao chegar à casa de Flávia, Cléofas a encontrou às voltas com os afazeres domésticos, já que dedicava a manhã à arrumação bem como a ajudar sua velha mãezinha e cuidar da alimentação de todos, entre os quais, seu filho Fábio.
Em seu coração, o sentimento de bondade espontânea permitia que a moça fosse facilmente envolvida pela atmosfera amorosa de espíritos amigos que, mesmo nos momentos mais prosaicos da vida, procuram influir beneficamente sobre os encarnados, intuindo-os, ajudando na solução serena de problemas intrincados, valendo-se das sugestões, pensamento a pensamento, para que o encarnado possa melhor equacionar suas dificuldades.
No dia em que as pessoas não mais se deixarem arrastar pelas tormentas aflitivas da mente descontrolada, pelos impulsos nefastos das irritações, pela rotina cega e sem graça que consome os ideais mais sinceros, cada coração mais dominado e controlado pela serenidade será capaz de sentir a benéfica companhia dos amigos invisíveis e, dessa maneira, seja na pia da cozinha, no tanque onde a roupa espera a higiene regular, no preparo da refeição, no trânsito a caminho do trabalho, nas relações profissionais, nos espaços de tempo em que se possam permitir uma breve meditação, uma suave distracção ou uma elevação admiradora da beleza, nessas horas, a acção da bondade será mais facilmente sentida, e muitas coisas infelizes serão evitadas, muitos passos não terminarão em tropeço, muitas feridas não serão abertas, muitos perigos poderão ser conjurados, muitas intuições serão mais facilmente escutadas.
Ao acercar-se da jovem, portanto, o seu estado leve e isento de conflitos mais graves, nas disciplinas de uma fé sincera que trabalha e serve da melhor maneira que pode, fazia com que Cléofas pudesse ser mais facilmente captado, o que permitiu que, soprando-lhe aos ouvidos do espírito, o trabalhador do Bem a fizesse pensar na possibilidade de levar alguma coisa até a casa de Serápis que, já há algum tempo, vinha desempenhando as funções na mesma padaria.
Cléofas a fez recordar dos tempos em que era a tutora daquela família, na ausência da mãe e, daí, a sentir saudades, foi um passo curto.
Como se estivesse pensando consigo mesma, diante de uma ideia nova que lhe brotava na mente, Lélia sentiu vontade de ir fazer um agrado a Lúcia e a Domício que, ela sabia, ficavam sozinhos durante a ausência da mãe e dos irmãos.
Sim - decidira Flávia, agora feliz pela lembrança - ela iria levar um doce até a casa de Serápis.
Cléofas se vira agradavelmente surpreendido pela resposta favorável da jovem que, com tal deliberação, poderia se apresentar como um obstáculo aos intentos homicidas de Marcus, pelo menos naquele dia.
Só lhe cabia acelerar o processo, porquanto, se ela chegasse muito tarde, não seria algo eficaz a ponto de impedir o crime.
Enquanto isso, Licínio se acercava de Serápis, na padaria, envolvida em todas as actividades de limpeza, organização e produção, trabalhando afanosamente sob os olhares cúpidos do dono do estabelecimento que, desde o momento em que pôs os olhos sobre ela, se viu imaginando o momento em que se apossaria daquele corpo provocante, apesar de Serápis já não mais se dedicar ao triste labor de conquistar homens ou seduzi-los para tirar proveito.
Assim, sem poder recusar o trabalho diante da sua necessidade, a jovem desventurada estava às voltas com um assédio por parte daquele que lhe pagava o salário e a ajudava na manutenção precária de seu modesto lar.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Dez 16, 2014 10:17 pm

Além do mais, diligente e operosa, logo ganhou a confiança do dono do negócio que, vendo sua capacidade de trabalho, várias vezes deixava o estabelecimento sob seus cuidados para ir tratar do outros negócios.
Era assim que as coisas estavam naquela manhã.
O patrão havia saído e Serápis era a única funcionária para fazer tudo, mantendo o forno aceso, abastecido de madeira, arrumando o local, atendendo as pessoas, actividades essas que impediam que ela se mantivesse ligada ao mundo espiritual, já que seus pensamentos corriam de um problema para outro, ora pensando na forma de evitar o assédio que se tornava cada vez mais persistente, ora imaginando como estariam os seus filhos no novo trabalho que o amigo Fábio providenciara para eles, tanto quanto Lúcia na organização das coisas em casa, junto a Domício.
Licínio, cujo sentimento sincero mantinha acesa a chama do verdadeiro afecto em seu coração, acercou-se dela para tentar infundir-lhe algum pensamento de preocupação com a família, que lhe permitisse ausentar-se como forma de evitar-se a tragédia.
No entanto, vendo a sua impossibilidade diante do assoberbado de seus afazeres, Licínio não achou justo criar algum sentimento de angústia em seu espírito, que poderia transtornar-lhe ainda mais a vida íntima e, em vez disso, depois de colher no pensamento de Serápis a informação sobre o paradeiro do dono da padaria, saiu ao seu encalço, a fim de tentar fazê-lo regressar mais rápido, para poder liberar a jovem para alguma escapada até o lar.
Depois de tê-lo encontrado no ambiente frouxo de uma casa de banhos, entregue a um dos prazeres predilectos dos romanos, Licínio pouco pôde fazer junto de seu pensamento desviado da rota segura, preso apenas às coisas da Terra e aos interesses imediatos do ganho.
Já ali por algum tempo, na tentativa de sugestionar o homem para que voltasse à padaria, usando de todas as boas influências, que se mostravam absolutamente infrutíferas, viu Licínio que precisaria usar de outra técnica.
Procurou, no interior da casa de banhos e no mesmo ambiente onde se encontrava o objecto de suas preocupações, por alguma pessoa que estivesse mais receptiva e que fosse mais sensível a fim de acercar-se e conseguir chegar até o banhista relaxado para sacudir-lhe o interesse naquilo que mais o preocupasse.
- Preciso fazer este homem sair daqui, rápido, pois o tempo está passando e as coisas não podem esperar - pensava Licínio consigo mesmo.
Identificada a pessoa mais propícia para receber suas influências, dela se acercou e, elevando o pensamento a Deus, iniciou um trabalho magnético de envolvimento de seus terminais nervosos ligados aos centros cerebrais que são responsáveis pela visão para, criando um atalho fluídico, fazer com que o cérebro daquele banhista, mais maleável às suas intervenções fluídicas, por algum momento, captasse não apenas as visões do mundo físico onde se inseria, mas as ideias produzidas por Licínio que, no ambiente magnético do mundo invisível ganhavam forma obedecendo à sua vontade.
Isso produziria uma espécie de transe ou descontrole visual no indivíduo eleito para ser o canal da mensagem, mas, ao mesmo tempo, ajudaria a que os que estivessem ao seu lado se sentissem impressionados com o fenómeno.
E como todos os romanos daqueles tempos, assim como os humanos de hoje, eram facilmente impressionáveis pelo carácter místico de seu psiquismo mais aberto às realidades do mundo invisível, a reacção estranha daquele que estaria servindo como médium a Licínio naquele momento, seria interpretada como um vaticínio, uma revelação.
Sem perder tempo, então, assim que foi se assenhoreando da área dos impulsos visuais no córtex do rapaz, que era de todo desconhecido do dono da padaria, Licínio fez projectar em seu mais íntimo, uma ideia firme que ganhara forma, volume e cores vivas: - a de uma padaria em chamas...
O torpor mediúnico levou o rapaz a se entregar a uma espécie de sonolência, ao mesmo tempo em que suas palavras, então desconexas, iniciando-se por alguns grunhidos ininteligíveis, passavam a chamar a atenção dos que ali se encontravam no desfrute de águas tépidas e massagens relaxantes.
- Um incêndio, fogo, fogo - passou a falar, agitadamente, o jovem desconhecido banhista, fora de si.
- Que fogo que nada, meu amigo, estamos dentro da água... -respondeu um outro, ironizando as palavras lançadas sem destino.
- Estou vendo um incêndio, algo está ardendo aqui em Roma...
E em que pese o fato de Licínio ter procurado dar todas os detalhes de uma padaria em chamas, os contornos do prédio, a localização na imagem que plasmara na mente do jovem, este não era capaz de gravar-lhe os detalhes nem de reproduzir as exactas características, ficando as informações ao meio do caminho, o que poderia impossibilitar o objectivo de Licínio.
Vendo que o rapaz precisava ser o mais exacto possível e, valendo-se de todas as suas forças magnéticas, agora já mais desgastadas por todo esforço, Licínio procurou fazer ressaltar na imagem mental que plasmava, um amontoado de lenha que se queimava rapidamente.
A mente do rapaz, desacostumada a esse tipo de reacção, indisciplinada para tais percepções, não era uma perfeita caixa de ressonância das intenções do espírito, o que tornava mais difícil a transmissão fiel das impressões, como costuma acontecer com os médiuns em geral.
No entanto, concentrada a ideia de Licínio em apenas um aspecto da questão, fora mais fácil ao rapaz seguir no relato.
E aquilo que começara como uma grotesca manifestação, agora chamava a atenção dos demais, acostumados todos à consulta a oráculos e aos templos para a solução de seus problemas e dúvidas.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Dez 16, 2014 10:18 pm

Acercaram-se por curiosidade ou por desejarem saber algo mais, enquanto escutavam o rapaz que repetia:
- Algo está queimando em Roma... uma casa, uma loja, alguma coisa assim, em um bairro distante daqui.
- Ora, meu amigo, Roma é muito grande e várias coisas pegam fogo por aqui, todos os dias - falou um outro banhista, menos impressionado.
- Não é qualquer coisa. Vejo um monte de lenha sendo incendiada... alguém aqui tem um lugar cheio de madeira que está pegando fogo... e as labaredas vão queimar tudo... tudo....
- Pode ser verdade - falou alguém, amedrontado.
- Deve ser o espírito de Nero que voltou dos tártaros para nos assombrar - replicou outro gozador, sob os sorrisos de outros ao redor.
- Brinquem quanto quiserem, mas não digam, depois, que não foram avisados - respondeu o jovem, inconsciente e de olhos cerrados.
Licínio afastou-se dando-se por terminada a sua acção sobre o rapaz que, agora aturdido, era objecto da curiosidade alheia sem entender o que havia acontecido.
No entanto, ainda que não desejassem dar atenção aos alvitres ali escutados, mais de meia dúzia de banhistas deu por encerrada a sua manhã de lazer e, sob as mais diversas desculpas, saíram às pressas porque se lembraram de que, de uma forma ou de outra, a descrição da tragédia anunciada se casava muito bem aos seus próprios cenários pessoais.
E no meio dos apressados, o dono da padaria saiu a correr pelas vielas de Roma, na direcção de seu negócio, com medo de que ele estivesse em ruínas até a sua chegada, destruído e transformado em um monte de cinzas.
Afinal, as pessoas não acreditam "nessas coisas", mas é sempre bom, por via das dúvidas se certificar de que elas não existem...
Simeão, por sua vez, havia sido o único que não tinha conseguido nada com o seu esforço hercúleo de tentar afastar Marcus do caminho do erro.
Por mais que tentasse se fazer invisível para ingressar no ambiente onde ele se encontrava, as barreiras negativas eram muito pesadas para permitirem o seu ingresso furtivo.
E para se apresentar diante das entidades que ali se mantinham como sentinelas trevosas, solicitando uma audiência, isso representaria uma inútil tentativa e já que, alertando tais espíritos, demonstraria o empenho das forças do Bem no sentido de frustrar a acção nefasta pretendida pelas entidades ignorantes, em prejuízo dos esforços de todos.
Resolveu, então, colocar-se no lar de Serápis, atendendo a
Domício e tentando fazer com que Lúcia não saísse para levar comida aos irmãos.
No entanto, a pequena e responsável menina tinha o compromisso lixado em sua mente e, por amar os irmãos com desvelo, não os deixaria riem comida nunca, rechaçando qualquer ideia que a levasse no caminho da distracção e do esquecimento.
Além disso, Lúcia estava nos passos finais do preparo do alimento de seus irmãos queridos, já que o horário em que se comprometera a levar-lhes o farnel diário se aproximava rapidamente, no final daquela manhã.
A saída de Lúcia até o local e a sua volta para casa consumiria aproximadamente uma hora na vigilância sobre o leproso, espaço mais do que suficiente para que Marcus concretizasse seu plano.
Simeão tentou, então, atrasar a saída da menina, causando-lhe pequenos embaraços, fazendo com que ela se distraísse, que não percebesse onde havia colocado os objectos, na esperança de que isso colaborasse para retardar as coisas.
No entanto, seus esforços não conseguiriam modificar a disposição de Lúcia, que já se preparava para sair, carregando o alimento para os irmãos os quais, sem que ela imaginasse, já há algum tempo tinham sido levados por desconhecidos para local distante e ignorado, sem que nenhum transeunte ou pessoa do povo se importasse com o destino dos aleijados artistas.
Ao sair de casa na hora prevista, Lúcia avisou Domício que se ausentaria, mas que, em breve, estaria de regresso, para que o jovem não se sentisse abandonado.
Deixaria a porta fechada já que não via motivos para trancar a casinha modesta, onde a miséria morava em companhia de um cego, um aleijado, um leproso, além de Serápis e dela própria.
Quem quereria entrar ali?
Foi assim que, sem maiores problemas, como fazia todos os dias, saiu a jovem carregando o saco com os alimentos costumeiros para os irmãos no que foi acompanhada pelos olhos argutos dos espiões de Marcus que, em uma rua próxima, aguardava dentro de uma liteira bem fechada, de onde sairia assim que lhe fosse dado o sinal indicador de campo livre.
Não tardou para que ele se visse dentro da casinha, carregando um bolo embalado à moda dos romanos da época, no qual, em um pedaço, deitara generosa quantidade de corrosivo para a produção da morte rápida.
Sem que pudesse ser identificado, e apresentando-se como o portador de um bolo que Serápis havia pedido que trouxesse para o almoço dos que estavam em casa, sua conversa suave não levantou suspeitas no espírito apático de Domício.
Diante da visão que tinha aos seus olhos, Marcus, no entanto, precisou controlar-se para não fugir espavorido.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Dez 16, 2014 10:18 pm

Precisava sair logo dali.
Fingindo urgência para voltar à padaria, disse ao jovem e disforme doente que precisava que ele provasse a guloseima a fim de levar a notícia até o coração ansioso da mãezinha, lá no trabalho.
Vendo que Domício não tinha como levar o bocado até a boca, Marcus procurou fazer o que Lúcia fazia todos os dias, ou seja, alimentá-lo pessoalmente, colocando a comida na cavidade bucal, já que o enfermo não tinha como agarrar os objectos.
Pedaço por pedaço, o veneno foi sendo transferido para o corpo de Domício.
E cada vez que um pedaço era introduzido, ouvia-se no mundo espiritual os vivas ao grande imperador.
As entidades infelizes que buscavam a vingança prometida por Druzila exultavam como se elas mesmas estivessem exercendo a tão esperada justiça que lhes satisfaria o desejo de retribuir o mal com o mal.
- Viva ... longa vida ao grande imperador - gritavam, irónicos, centenas de espíritos que se acotovelavam ao redor para verem a cena do envenenamento se concretizar diante de seus olhos.
- Morte ao maldito, é pouco veneno para um ofídio tão odiado, que até os infernos o recusam - eram frases que se escutavam no meio à balbúrdia que se seguia, como se todos voltassem às emoções do circo, nos seus dias mais festivos e cruentos.
Enquanto isso acontecia, Lélia Flávia, estimulada por Cléofas, passara na padaria para comprar um bolo que iria levar até a casa de Serápis, atendendo aos apelos do coração.
Surpreendendo a amiga sozinha no estabelecimento, informou-a de que iria até sua casa para matar as saudades dos pequenos e, assim que já o tivesse feito, voltaria para contar-lhe.
Agradecida e emocionada pelo gesto de carinho, Serápis forneceu o bolo que a amiga desejava e despediram-se.
Enquanto tudo isso ocorria, os dois sequestrados haviam sido levados directamente para a periferia da cidade, no caminho que ia para o porto marítimo, abrigados em casa alugada por Marcus para servir de temporário cativeiro, no qual ele próprio se apresentaria naquele mesmo dia, a fim de dar as últimas instruções aos seus servos.
Lúcio tremia de medo e as dores físicas se tornavam ainda maiores.
Demétrio, rebelde e agressivo, procurava com as pernas desferir algum golpe que pudesse causar dano aos seus algozes, o que era impossível tal a discrepância de forças entre eles.
Tão logo Marcus deu por terminada a criminosa execução junto a Domício, tratou de remover os resquícios de bolo que levara, colocando o restante em um saco tosco que levava consigo, para que nada ficasse no ambiente a denunciar o envenenamento e a morte, que acabaria sendo creditada ao estado de debilidade natural da doença insidiosa do jovem.
No entanto, assim que deu os primeiros passos, logo depois de fechar a porta, cruzou o caminho de Lélia Flávia que, vindo com o mesmo destino, trazia consigo o bolo que acabara de adquirir junto a Serápis.
Ansioso por deixar aquele ambiente pestilento, Marcus não cuidou de cobrir-se adequadamente, permitindo, assim, que a antiga serva de sua casa o reconhecesse, sem que, ele próprio, a identificasse, tal o apressamento de que se via tomado.
Da mesma forma não percebeu que a moça o acompanhava com o olhar curioso, tentando imaginar o que é que seu antigo patrão, que já há muitos anos não encontrava, poderia estar fazendo ali, ainda mais vestido de forma tão estranha para o seu gosto de homem apurado e vaidoso.
Viu quando, apressado, dobrou a esquina, seguido de outros dois homens que o esperavam lá fora.
- Será que Marcus está procurando por Serápis? - perguntava-se Lélia.
Mas então, por que o disfarce?
Sem entender, deu entrada no casebres percebeu que o mesmo estava somente com Domício em seu interior.
Vendo-o, em avançado estado de debilidade, Lélia Flávia se acercou dele com carinho e o fez sentir o perfume do bolo recentemente cozido.
Domício sorriu-lhe de forma triste e falou que havia acabado de comer um pedaço de torta que sua mãe lhe tinha enviado.
Lélia não entendeu a referência de Domício, imaginando que se tratasse de algum bolo que Serápis tivesse trazido no dia anterior e que ele houvesse comido.
- Ora, Domício, mas este é especial, porque sou eu que estou trazendo para você e para Lúcia.
Quero que você coma um pedacinho para ver como eu tenho razão.
E sem se fazer de rogado, o jovem abriu a boca para receber mais um pedaço de bolo das mãos daquela moça que tanto cuidara dele em tempos passados.
Enquanto ele comia e Lélia também se servia de um pedaço, a moça começou a perguntar quem era aquele homem que estivera ali, pouco antes dela.
E o menino explicou que não sabia nem o conhecia, mas que se identificara como um emissário de Serápis para trazer o bolo que ela estava mandando para o almoço dele e de Lúcia.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Dez 17, 2014 10:55 pm

No entanto, a moça sabia que aquela não era a verdade porque havia passado pouco antes na padaria e, se isso fosse real, Serápis a teria dissuadido de fazer a surpresa, dizendo que já havia enviado o presente.
Olhou ao redor da mesa e não viu nenhum pedaço da guloseima.
Mais uma coisa suspeita naquele comportamento sem testemunhas a não ser ela mesma.
Tentou obter mais alguma informação de Domício, mas sentindo já o efeito do veneno que ingerira, o jovem começava a dar sinais de incomodo e de mal-estar.
Vendo a sua condição de desequilíbrio orgânico, onde o suor começara a brotar de todos os poros e a respiração se tornava difícil, procurou abrir todas as poucas janelas da casinha e trazer água fresca pura que o menino pudesse se sentir mais confortável.
Todas estas medidas foram inúteis.
Diante do estado de desespero que tomava conta de Domício, saiu correndo à procura de ajuda, batendo de porta em porta, pedindo informações sobre algum médico ou pessoa que conhecesse uma forma de cuidar de alguém passando mal.
De porta em porta, desesperada, acabou encontrando um senhor cuja fama na redondeza era a de profundo conhecedor das plantas e que aceitou ir com ela até a casinha.
Tão logo chegaram, os olhos experientes do homem entenderam que Domício estava nos últimos estertores.
- Minha filha - perguntou ele, dirigindo-se a Flávia, aflita - você é a mãe do menino?
- Não, meu bom homem, sou amiga da família.
- Então vá buscar a mãe porque até que ela chegue aqui ele já estará morto.
Aturdida e surpresa, Flávia repetiu:
- MORTO? ... É tão grave assim?
- Isso é veneno dos piores, minha filha.
Esse menino está envenenado e não há como salvá-lo mais.
O que foi que ele comeu?
A pergunta do homem, desferida directamente aos seus ouvidos, causaram um choque em seu espírito porque, mais uma vez, ele havia comido um pedaço de bolo que ela trouxera e, provavelmente, um outro que Marcus lhe dera, mas que, em realidade, ninguém testemunhara nem havia o menor resquício.
Novamente sobre ela pesariam as acusações de envenenamento, sem que ela nada tivesse feito para disso ser acusada.
Vendo que os olhos do curandeiro buscavam nela uma resposta, preferiu ser rápida para poder ir chamar Serápis, dizendo-lhe:
- Eu acabei de lhe trazer esse bolo que está aí, enviado por sua mãezinha que trabalha na padaria, onde deve estar agora.
- Pois então, filha, vá logo chamá-la para que venha rápido.
Eu ficarei aqui.
E saindo em desespero no rumo de Serápis, Lélia Flávia pareceu escutar, no íntimo de sua alma, a gargalhada de Druzila, espírito que morrera envenenado também pelo cálice de água que recebera das mãos da sua outrora serva de confiança, Lélia, feliz por estar sentindo que chegara a hora de vingar-se da desastrada empregada, invigilante e desidiosa nos cuidados para com a patroa.
Druzila exultava com o efeito de seu plano, que ganhava extensão ainda mais interessante do que ela mesma havia imaginado.
Ao mesmo tempo em que isso ocorria com Domício, Lúcia constatava o sumiço dos irmãos e corria para a padaria carregando-lhes os pertences abandonados no solo pedregoso da rua, a fim de comunicar o desaparecimento a Serápis.
Com a chegada do dono do estabelecimento, aliviado por não ter caído sobre ele o vaticínio do rapaz nos banhos públicos daquele dia, Serápis obteve facilmente a dispensa dos seus deveres, para sair com a filha, em disparada, em busca de maiores informações junto a possíveis testemunhas dos arredores.
Em vão, Serápis passou horas batendo à porta das casas, falando com os transeuntes, perguntando coisas desconexas, chorando de desespero, até que, cansada, sentou-se no chão, abraçada a Lúcia, e deu vazão às lágrimas mais dolorosas que um ser pode chorar: as lágrimas dos pais quando perdem seus filhos.
Lélia, por sua vez, correra até a padaria para falar com Serápis, mas não a encontrou no lugar, não tendo sido informada pelo dono do negócio qual o destino de sua funcionária, que abandonara o posto, aflita, dizendo que precisava salvar seus filhos.
Escutando essa referência, logo imaginou que alguém tivesse vindo noticiar a condição precária de Domício e que, já avisada, Serápis tivesse tomado o rumo da sua casa por caminho diferente do que Lélia fizera, desencontrando-se na jornada.
Resolveu, então, voltar para a casa onde estava o corpo morto de Domício, vitimado por estranhas convulsões, que olhos atentos sabiam identificar como sendo fruto do veneno ingerido.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Dez 17, 2014 10:55 pm

Sem dever nada e com a consciência limpa, Lélia elevou uma prece a pedir forças para aquela hora de dor familiar e testemunho pessoal.
No entanto, não entendia por que Serápis tardava a chegar.
Enquanto isso, depois de sair da casinha, Marcus, acompanhado por Tito e outro de seus empregados de confiança, dirigiu-se até a periferia de Roma, onde os dois sequestrados infelizes eram ocultados pelos seus asseclas e, dando-lhes as últimas instruções, depositou em suas mãos vultosa soma que correspondia à metade do valor combinado, sendo certo que receberiam a outra parte quando tudo tivesse sido concretizado.
Segundo os planos, entregou o documento conseguido com Lólio Úrbico ao mesmo Tito que acabava de vir com ele da incursão pela casinha que abrigava a família de Serápis e na qual sabia que seu Senhor tinha comparecido para entregar o bolo envenenado.
O documento permitiria que ele, Tito, homem da absoluta confiança de Marcus pudesse deixar o porto carregando as duas crianças tidas como doentes, adormecidas por poderoso sonífero, a fim de que fossem despejadas em algum lugar distante pela primeira embarcação que levantasse âncoras.
Apesar da maldade do plano, Marcus recuara na ideia de matar os filhos como fizera com Domício, já que, por serem filhos naturais dele mesmo, temia que a ira dos deuses recaísse sobre a sua felicidade futura, atraindo maus augúrios com cato nefasto do infanticídio a manchar suas mãos e sua consciência.
Por esse motivo, embora houvesse planejado antes a possibilidade de matar os infelizes a bordo da embarcação e a ninguém revelasse que se tratavam de seus filhos naturais com a serva Serápis, determinara que o seu homem de confiança os desembarcasse onde a distância segura pudesse garantir que se manteriam afastados de Roma para sempre e que os abandonasse à própria sorte em algum local do vasto Império.
Com isso, ver-se-ia livre do estorvo e não atrairia a vingança dos deuses de pedra sobre o seu destino, nas crenças místicas que permeavam o imaginário dos romanos daqueles tempos.
Assim realizado, deixou os homens e regressou ao seu palácio, para a rotina normal, não sem antes, dirigir-se à magistratura local e, à luz das leis e do direito fundado no sangue," jus sanguinis", apresentar pleito perante magistrado, solicitando lhe fosse garantida a autoridade sobre a filha Lúcia que permanecia em poder de antiga serva que, por tanto se afeiçoar à criança, se recusava a devolvê-la ao seu poder paterno.
Lançava, assim, a última cartada para reduzir Serápis à solidão que, segundo seus pensamentos, a faria retornar aos seus braços de antigo amante e futuro esposo.
Enquanto isso tudo acontecia no seio daquela Roma perversa, no porto, a mesma galera que havia chegado um dia antes estava sendo abastecida para deixar a costa italiana em breves dias.
Cada um estava pronto para seguir o destino que haviam criado para si mesmos e, na dianteira da embarcação, o farol protector ainda se fazia rutilar aos olhos mediúnicos de Décio que, sem o saber, iria viajar na mesma nau em que Demétrio e Lúcio estariam.
Entenda, querido leitor, o quanto o Bem, através dos espíritos amigos, tenta tirar você dos enrosco em que sua imprevidência, sua imprudência, sua euforia tanto insistem em colocá-lo.
Nunca reclame da ausência de protecção, que está sempre disponível para atender às suas necessidades.
Reclame sempre de você mesmo que, poucas vezes, está preparado para receber a ajuda que Deus lhe envia, a exigir sempre um tipo de atendimento ou de benefício diferente, segundo os seus caprichosos interesses.
A culpa não é do Criador.
É sempre nossa mesmo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Dez 17, 2014 10:55 pm

20 - Tristes realidades

Enquanto os dois filhos sequestrados estavam sendo encaminhados aos seus novos rumos, em Roma, o desespero tomava conta de Serápis e Lúcia que, por mais que se empenhassem, nenhuma notícia conseguiam sobre o paradeiro de Lúcio e Demétrio.
Diante de tamanha demora em regressar ao lar, onde o cadáver do filho adoptivo seguia a esperar por elas, Lélia resolveu dirigir-se ao suposto local onde ela sabia que os dois pequenos se exibiam, a tocar e pedir algum auxílio.
Depois de muito caminhar, Lélia encontrou o lugar mencionado e, em suas redondezas pôde, finalmente, avistar Serápis e Lúcia, juntas, a percorrer casas suplicando informações que pudessem ajudá-las a desvendar o mistério do desaparecimento.
Vendo-as e sabendo da urgência da notícia triste de que era portadora, Lélia não observou a ausência dos pequenos e a aparência de descontrole de Serápis.
Tratou logo de acercar-se dela para lhe informar sobre a perda de Domício.
- Serápis, Serápis, - disse ofegante, tão logo se viu à distância suficiente para que seus gritos fossem ouvidos.
Ouvindo seu nome pronunciado com insistência, Serápis procurou corresponder ao chamamento, naturalmente imaginando que se trataria de alguém com notícias dos filhos desaparecidos.
Surpreendeu-se, portanto, quando observou a aproximação de Lélia que, rápida e abatida, corria em sua direcção.
- Lélia, estou aqui. Você tem alguma notícia dos meninos para mim? - perguntou a mãe, desarvorada, imaginando que Lélia a estivesse buscando para lhe comunicar o facto de os meninos terem sido encontrados em algum lugar.
- Não, Serápis. Dos meninos não.
Tenho uma notícia triste para lhe dar, mas é sobre Domício...
As palavras de Lélia, entrecortadas pela respiração ofegante e emolduradas pelo olhar triste e pesaroso fizeram com que Serápis antevisse outra desgraça acontecendo em sua vida.
- Ele está muito mal?... - perguntou a mãe adoptiva, ansiosa para saber se a sua condição poderia sustentar-se mais algum tempo para que ela pudesse continuar as buscas dos outros dois meninos.
- Não, Serápis, Domício já não está mais... - respondeu a amiga, procurando conter as lágrimas.
Procurando confirmar as insinuações de Lélia, Serápis segurou os próprios cabelos entre os dedos e, aflita, voltou a perguntar:
- Você não está querendo me dizer que Domício morreu, está?
- Sim, Serápis, Domício já se encontra no Reino de Deus há algumas horas.
- Meu Jesus, não é possível tanta desgraça num dia só! exclamou a mãe, sentando-se novamente na sarjeta improvisada por algumas pedras de calçamento, para chorar a sua desdita.
Vendo o estado de sua mãezinha, Lúcia, que continuava a bater nas casas pedindo informações, aproximou-se de ambas, esperando, tanto quanto Serápis havia imaginado também, que Lélia estaria trazendo notícias de seus irmãos.
Foi, então, que escutou a notícia do falecimento de Domício e, abraçada à mãezinha, procurava consolar sua dor unindo suas lágrimas às dela, naquele momento tão grotesco de suas vidas.
Ao longe, as festas de Adriano enchiam o circo com as algazarras e as exortações de sua grandeza imperial.
A tarde caía e o espectáculo da morte dos seguidores de Jesus, como já explicado antes, estava em andamento.
Ainda assim, ali se achavam ao seu lado os espíritos amigos que tudo tentavam fazer para que ela tivesse forças para enfrentar as dificuldades que lhe marcavam aqueles instantes amargos na jornada da vida.
Vendo que não adiantava perder tempo, as três mulheres tomaram o rumo da casinha de Décio na qual moravam já há alguns meses.
Com sua chegada, a modesta vivenda se fez pequena para abarcar todos os que se acercavam para se inteirarem do ocorrido.
Ali estava o ancião curandeiro que constatara o processo de envenenamento, os vizinhos e curiosos que, a esta altura, já tinham sido informados da morte do jovem, além de Serápis, Lélia, Lúcia e do próprio corpo deformado do defunto, esperando o destino inexorável.
Alguém amigo já tinha providenciado a ajuda dos demais cristãos para arrumar o local do sepultamento.
As lágrimas de Serápis e de Lúcia se juntavam às dos demais presentes, naturalmente mais comovidos com a dor da família do que com o destino do rapaz envenenado.
Sem entender o que se passara, já que Lélia não informara a Serápis os detalhes do ocorrido, em respeito ao seu estado de desespero e à falta de tempo para explicar em pormenores todos os factos, veio ela a saber, por parte do curandeiro que a própria amiga havia providenciado, que a morte do filho não se dera, segundo as suas fortes suspeitas, por causa de algum problema natural, mas, ao contrário, havia sido produzida por envenenamento.
- Veneno? Como assim?
Como ele conseguiu isso? - perguntava a mãe adoptiva, ainda mais ferida e sem forças.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Dez 17, 2014 10:56 pm

- Não sei, respondeu o homem.
Só sei que, quando aqui cheguei constatei o que acabo de afirmar já que o rapaz ainda estava vivo, com todos os traços de veneno letal e fulminante.
- Mas como é que ele ia beber veneno?
Ele não consegue nem se mover sem ajuda!
- Bem, senhora, o veneno lhe foi dado por alguém... - respondeu o homem, agora, mais constrangido diante da presença de Lélia no ambiente, a quem teria de acabar acusando, mesmo de forma indirecta, quando relatasse todos os fatos como encontrara.
Descontrolada e sem entender, faltavam forças a Serápis para qualquer rompante de indignação ou qualquer forma de agitação.
Apenas uma situação de impotência a invadira, dando-lhe a ideia clara da fragilidade do ser humano diante das forças misteriosas da vida.
Manifestando seu desejo de conhecer toda a realidade, já que também Lúcia assim se manifestava interessada e curiosa, pois o havia deixado pela manhã em bom estado geral, o curandeiro passou a relatar o que o leitor já sabe, fazendo menção ao facto de ter conseguido retirar do interior da boca do falecido um pedaço do bolo que, segundo ele supunha, havia sido o veículo do veneno.
O tóxico, então, estaria no pedaço de bolo.
Esquecida dos detalhes que antecederam aqueles tristes momentos, Serápis voltou à carga, como que perguntando-se a si mesma para organizar as ideias:
- Mas quem pode lhe ter dado o bolo com veneno?
Tudo estava pronto para o almoço que Lúcia iria lhe fornecer tão logo voltasse do lugar onde fora abastecer Lúcio e Demétrio?
Não havia bolo por aqui.
Por mais que se esforçasse para entender, seus pensamentos se embaralhavam com a dor do desaparecimento dos outros dois filhos.
Foi quando o homem, pesaroso, terminou de explicar.
- Bem, minha senhora, eu não conheço ninguém aqui neste tugúrio de aflição.
Vivo nesta região da cidade, mas sou mais procurado do que procuro as pessoas.
O certo é que esta moça que a acompanha, desesperada, compareceu onde vivo e me solicitou ajuda para atender um rapaz agonizante.
Ao chegar aqui, constatei-lhe o estado desesperador e pude ver que sobre a mesa havia uma grande torta da qual faltavam alguns pedaços, entre os quais, aquele que, suponho, tivesse a substância letal.
Não havia mais ninguém aqui e, assim, creio que esta resposta deverá ser melhor oferecida pela jovem que aqui se encontra e que, certamente, poderá aclarar melhor as coisas.
Quanto a mim, dou por terminada minha modesta tarefa junto a seu sofrimento e deixo-lhe minha solidariedade para este momento difícil.
Pedindo licença a todos, afastou-se, não sem antes dizer onde é que poderia ser encontrado, caso necessitassem dele novamente, por qualquer motivo.
Depois de ter se retirado, Serápis parece que conseguiu se lembrar melhor de todos os detalhes daquele dia, quando Lélia se manifestara saudosa dos meninos e passara na padaria para comprar um bolo e trazer-lhes como um agrado inocente.
Os preparativos do funeral, com a arrumação singela de Domício para o transporte até o local do sepultamento eram imperativos já que o tempo que passava, o calor aumentando, as tristes condições do próprio corpo doente já há tantos anos, impunham ao bom-senso a adopção de rápidas medidas sob pena de se tornar insuportável qualquer cuidado tardio, diante da decomposição e do mau odor reinante.
Por isso, apesar de ter sido apontada como aquela de quem se esperavam explicações mais detalhadas, Lélia se dirigiu a Serápis, dizendo, calmamente:
- Serápis, minha amiga, nosso irmão que atendeu, atencioso, ao meu pedido, tem toda a razão quanto ao fato de me caberem maiores explicações diante de tão trágica ocorrência.
No entanto, Domício está a precisar de cuidados urgentes, seja no seu espírito, que não morre, seja no corpo que apodrece.
Cuidemos dele e, logo depois, poderei explicar a você todas as coisas, para que seu juízo sobre mim se estabeleça com liberdade e consciência.
Notando a correcção das palavras de Lélia, tanto quanto a serenidade com que se posicionava diante da insinuação velada de que ela havia levado o bolo envenenado, Serápis se deixou convencer pelas suas razões, voltando-se, então, para o cadáver do filho adoptivo, aquele menino que, por tantos anos, lhe servira de companhia e respaldo, ao mesmo tempo em que representara para ela uma oportunidade de fazer o bem, cuidando de suas necessidades.
E, dessa forma, o tempo transcorreu até o sepultamento de Domício, no cortejo triste e quase desapercebido que tomava o caminho do local destinado a sepultar os pouco importantes cidadãos de uma cidade tão imponente, cujo poder, entretanto, não impedia que se igualassem todos os seus moradores, nobres ou plebeus, perante a realidade da morte.
Apesar das suspeitas que pesavam sobre ela, em nenhum momento Lélia assumiu uma postura defensiva ou que denunciasse suposta culpa, fazendo tudo ao seu alcance para que a dor da família viesse a encontrar consolação sincera, verdadeira, na sua presença.
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Série Lúcius - Sob as Mãos da MISERICÓRDIA / André Luiz Ruiz - Página 4 Empty Re: Série Lúcius - Sob as Mãos da MISERICÓRDIA / André Luiz Ruiz

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Dez 17, 2014 10:56 pm

A mente de Serápis era um vulcão tão ardente que não sabia para que lado verter o caudal de lavas incandescentes.
Nesse processo, Lélia fora informada do desaparecimento dos outros dois filhos legítimos de Serápis, o que a fez avaliar melhor o imenso drama moral daquela mulher que amadurecia ao peso de tantas desgraças.
Já não havia mais resquício daquela altiva moça que tudo fizera no passado para conquistar poderes e vencer obstáculos para chegar onde pretendia.
Agora era uma mulher aflita, incapaz de sonhar com as mesmas glórias porque se vira levada pela realidade das coisas a enfrentar as misérias que chegam na vida de todos como despertadores para a própria verdade.
Relembrou o fato de ter sido ela, Lélia, envolvida no envenenamento de Druzila pela acusação maliciosa de Serápis, entrevendo que não seria difícil que a mãe acreditasse na versão do assassinato do filho, através, novamente, do envenenamento, condenando Lélia apesar do que ela lhe falasse.
Diante desse quadro de dúvidas e suspeitas, os espíritos comandados por Druzila, alguns já felicitados pela morte de Domício e «eu regresso ao mundo espiritual no qual pretendiam tornar mais acres a perseguição e a vingança, mais e mais se acercavam de Lélia e Serápis para que, entre ambas, a suspeita deitasse raízes de discórdia.
Assim, tudo faziam para que os pensamentos de Lélia recordassem os momentos amargos que passou na prisão, gritando-lhe ao ouvido que Serápis fora a mazela de sua vida.
Não deveria deixar que ela viesse, novamente, a mandá-la para a cadeia como o fizera anos antes.
Ao mesmo tempo, valendo-se do momento de dor e de invigilância e Serápis, entidades maliciosas procuravam semear em seu íntimo ou pensamentos contraditórios que permitissem a ela acreditar que Ia era a assassina.
Tais entidades negativas a envolviam, dizendo, na acústica interna de sua mente:
- Veja, demorou muito tempo, mas ela está se vingando de você.
Lembre-se, é aquela que você mandou para a cadeia e que seria morta no circo se não houvesse sido aquele bobalhão do Licínio.
Outro vinha, encaminhado por Druzila, a dizer mentalmente através da intuição negativa:
- Não acredite nela, não.
Ela tentou matá-la oferecendo veneno quando você estava grávida, dizendo que era remédio para dormir, lembra?
E na mente de Serápis, a dúvida ganhava terreno, antes mesmo de ter sido dada à amiga, a oportunidade de se fazer escutar, na circunstância de relatar tudo o que aconteceu.
A confusão se tornava maior quando Serápis constatava a realidade da transformação de Lélia, que cuidara de seus filhos, que estivera presente dentro de sua casa e que poderia ter envenenado a todos se tivesse algum ódio no coração.
Estas lembranças eram produzidas pela acção generosa de Licínio que, em espírito, se postava ao lado de Serápis para contrabalançar as acções insinuantes das entidades perversas, buscando ajudar a antiga empregada de Marcus a não adoptar posturas precipitadas, como sempre o fizera e, das quais, sempre se arrependera.
Esse bombardeio aconteceu durante todo o dia, envolvendo as duas mulheres em energias que se combatiam através das ideias luminosas que tentavam se fazer ouvir e projecções mentais densas e trevosas que tudo faziam para que o mal, o sofrimento, a desconfiança, o ódio voltasse à tona de seus pensamentos para que ambas retornassem ao antigo caminho da acusação criminosa.
Como se vê, ao lado das duas, bons espíritos as assessoravam para o diálogo decisivo sobre seus destinos ao mesmo tempo em que, sem perceberem a acção da Bondade sobre todos, as entidades trevosas dirigidas por Druzila se orquestravam para criar a confusão, levantando impropérios, acusações, gritos de ódio, como forma de atacá-las impedindo que se harmonizassem.
Por fim, depois do sepultamento discreto, fizera-se o momento dos esclarecimentos entre ambas, na solidão sem testemunhas da casinha de Décio, para onde se dirigiram, contando, apenas, com a presença de Lúcia.
Enquanto isso, em Óstia, os preparativos seguiam seu curso e, para breves horas, a nau imperial seria posta em movimento para o destino que a aguardava.
Os materiais, o abastecimento adequado, a tripulação e a carga já estavam sendo embarcados, merecendo os últimos cuidados de amarração e acomodação nos porões escuros.
Também Décio já havia sido inserido na embarcação, mantendo-se atado ao madeirame da nau, que não possuía celas específicas para o transporte de prisioneiros e que, por isso, os mantinha detidos sob cordas enquanto não fosse lançada ao mar, ocasião em que se costumava soltá-los porque, aí o navio se transformava, ele mesmo, em prisão sem grades, encarcerado no meio do mar.
Foi então que, momentos antes da partida, subiu ao tombadilho o empregado de Marcus, de nome Tito, carregando documentos importantes à procura do capitão.
Depois de terem trocado rápidas palavras e de o comandante ter observado os documentos que lhe foram apresentados, autorizou a subida a bordo daquilo que parecia ser uma mercadoria de última hora, mas que, em realidade, se tratava dos dois deficientes, Lúcio e Demétrio, carregados nos braços fortes de dois homens contratados para o transporte, desfalecidos pela acção narcotizante de drogas que lhes foram ministradas à força pelos sequazes de Marcus, alguns momentos antes do embarque.
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Série Lúcius - Sob as Mãos da MISERICÓRDIA / André Luiz Ruiz - Página 4 Empty Re: Série Lúcius - Sob as Mãos da MISERICÓRDIA / André Luiz Ruiz

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Dez 17, 2014 10:56 pm

Imaginando tratar-se de algum banimento de criaturas perniciosas ao sentido estético tão cultivado em Roma, o capitão do barco não fez maiores indagações sobre os motivos de estarem aquelas duas crianças, unidas pelo destino trágico naquela mesma nau.
Sabia que sua função era a de levar e trazer o navio em segurança e que, no que tocava à justiça humana, esta deveria ser decidida pelas autoridades a quem incumbia o dever de levar e trazer o barco da sociedade igualmente em segurança perante as tormentas do mundo.
Deixados pelos carregadores no mesmo local onde se encontrava Décio atado à amurada do navio, Tito, que se responsabilizava pelos dois meninos, se posicionou nas proximidades da estranha carga, como a se preparar, igualmente, para a grande travessia.
Já na primeira olhada, Décio teve certeza de conhecer aqueles dois pequenos, uma vez que suas características pessoais inconfundíveis lhe afirmavam tratar-se dos filhos de Serápis.
Mas o que estariam fazendo os dois ali, naquele navio cujo destino era incerto, sem a mãe ou a irmã que tanto cuidavam deles?
Quem era aquele homem mal-encarado, desconhecido e misterioso que, nem de longe sonharia que Décio conhecia intimamente aqueles dois infelizes?
Pensando sobre tudo isso, o antigo lidador do Evangelho deliberou conseguir maiores informações tão logo o navio ganhasse o mar aberto, sem confessar qualquer conhecimento sobre os meninos.
Tentaria conseguir a confiança do desconhecido e penetrar, seguramente, nos mistérios que envolviam a presença dos três naquele navio.
Fatalmente, alguma coisa errada havia acontecido para que os filhos de Serápis ali estivessem e, também fatalmente, ele haveria de descobrir os verdadeiros motivos.
Pensando em tais mistérios é que ele se recordou da cena das mãos luminosas a trazerem o navio até o porto, noites antes, tanto quanto do farol que continuava aceso no alto da proa e que, agora que o barco se movimentava, nas despedidas morosas do porto acolhedor, se tornavam mais intensas, como se tivessem activado um mecanismo que ampliasse as vibrações, a sustentar o trânsito no mar desafiador.
O navio partira para seu destino e, tão logo se afastara, o capitão determinou que se cortassem as amarras dos eventuais prisioneiros que estariam sendo transportados para seus destinos em virtude de sentenças de banimento.
Décio viu-se livre, portanto, para poder esticar-se um pouco, caminhar por toda a extensão do barco e, ainda que não desejasse levantar suspeitas sobre suas intenções, traçar um plano para se aproximar dos viajantes tão peculiares.
Nesse sentido, foi ao capitão e lhe solicitou a autorização para servir no navio, trabalhando no transporte de água para as pessoas que remavam, para os que compunham a tripulação e para os viajores como ele.
Surpreendido pela demonstração de interesse pouco comum, o comandante quis saber o verdadeiro motivo daquele pedido:
- Ora, meu senhor, apesar de ter sido condenado ao exílio pelas leis romanas, isso não me transformou em um inútil.
Só quando fazemos alguma coisa de bom para alguém é que nos realizamos como seres humanos plenos.
Bem ou mal, eu chegarei ao meu destino e poderei seguir minha vida, mesmo como um condenado.
No entanto, observando as suas responsabilidades imensas no comando deste navio, fico a pensar que maldoso juiz o condenou a servir em uma tarefa tão áspera, na qual o encarcerou com a desculpa de honrá-lo com o cargo de capitão.
Apesar disso, todos dependemos de seus cuidados e de sua sabedoria.
Mesmo sendo, pois, um escravo de Roma nos mares por onde nos conduza, o senhor nos está sendo útil, não sendo correcto que eu me sente comodamente, vendo-lhe o esforço de não permitir que o barco afunde em qualquer incidente infeliz, e não faça nada para colaborar com o seu trabalho.
Como já disse mais algumas semanas e estarei em terra firme.
No entanto, o senhor continuará encarcerado na prisão flutuante, cumprindo uma condenação apesar da sua inocência e de sua reiterada demonstração de capacidade.
Impressionado com aqueles conceitos tão verdadeiros e ditos de forma tão paternal, o comandante Caio acedeu a Décio em seu pedido, estabelecendo certas rotinas para que sua acção não viesse a atrapalhar a tarefa dos demais tripulantes.
Ele carregaria um recipiente contendo água e, em horas estabelecidas da viagem, se dirigiria aos remadores para lhes diminuir os suplícios, já que se tratavam, igualmente, de condenados pela autoridade romana.
Ao pensar nos homens presos aos pesados remos, lembrou-se das palavras de Décio sobre os ferros invisíveis que também o prendiam ao navio, afastado do lar, distante das alegrias da família, até que, um dia, envelhecido e desgastado, viesse a ser dispensado dos serviços marítimos e colocado em qualquer lugar à espera da morte, isso quando ela não o surpreendesse em alguma tempestade marítima, em qualquer rochedo submerso ou coisa semelhante.
Com isso, Décio passou a ter a possibilidade de se aproximar dos passageiros e lhes entregar a ração de água potável para sustentar-lhes o corpo no percurso agitado do mar.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Dez 17, 2014 10:56 pm

O servidor do Cristo conseguira, então, uma forma de se acercar dos meninos adormecidos e de seu tutor estranho, para começar a se informar por que estariam ali aqueles três indivíduos tão díspares.
A viagem seria longa e produziria muitas surpresas na vida de todos, inclusive na do capitão e de alguns dos condenados.
Décio, ao mesmo tempo em que era visto como um preso pelas leis humanas, era visto como um libertador pelas leis divinas, sabendo aproveitar as oportunidades para semear o Bem, como lhe ensinaram Jesus e seu paizinho Policarpo, não desdenhando de qualquer momento favorável para falar do novo Reino a ser implantado por Deus no coração das pessoas.
Assim, querido leitor, lembre-se de que você pode transformar seu momento de dor em um instante de luz, semeando o Bem onde você estiver.
Esqueça-se um pouco.
Não dê tanto valor a seus problemas pessoais nem se permita resvalar para a compreensão de que você é uma vítima infeliz das circunstâncias.
Se você está passando por alguma coisa ruim ou difícil, realize esse milagre que é ser útil diante da própria adversidade.
Nem sempre será possível mudar o rumo que precisamos enfrentar, como não era possível a Décio alterar o curso do navio que o transportava.
No entanto, se as coisas eram dessa forma, impossibilitado de mudar a rota do barco, ele poderia se esforçar para mudar o próprio barco, melhorando as pessoas, servindo-as, falando com elas, estimulando suas virtudes, fazendo-as pensar, desejando que elas se sentissem mais próximas da Verdade do Espírito.
Isso você também pode fazer.
Se a vida o colocou em uma situação que não pode ser modificada por mais que se esforce, é porque seu trabalho não está tanto em alterar o rumo do barco e, sim, em ajudar os que estão na mesma embarcação. Você não é visto por Deus como um condenado, mas sim, como uma mensagem de Amor que pode se multiplicar para os que estão do seu lado.
Se você está doente, lembre-se dos que, indo visitá-lo, podem estar mais doentes do que você mesmo.
Se você passa por problemas emocionais ligados ao abandono afectivo, nunca se esqueça de que aquele ou aquela que partiu carregará consigo o germe da própria solidão, agravado pelo peso da fuga, do abandono, a perseguir-lhe a consciência pelo resto da vida.
Aos que ficaram ao seu lado, ajude a superarem seus problemas emocionais, apresentando-lhes uma conduta equilibrada e firme, confiante em Deus e em si própria.
Se seu testemunho é o da perda de entes queridos, lembre-se de que ninguém morre e que somente quando você se conduzir pelos padrões da fé em Deus e na imortalidade da vida é que os que o cercam se sentirão estimulados a confiar também na importância dessa Verdade.
Lembre-se: Deus nunca o vê como um encarcerado.
Por isso, não criou grades nos horizontes nem construiu celas que prendessem as criaturas.
O Pai espera de você todo o bem que possa ser feito pelas suas mãos, se sua consciência estiver à altura daquilo para o que Deus o criou.
Você não foi criado como um perdedor da vida que se compensa ganhando bens materiais.
Você foi criado como um espírito vencedor, mesmo que perca tudo na existência.
Nunca se esqueça disso.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Dez 17, 2014 10:57 pm

21 - As forças do bem

A acção de Décio fora de um devotamento e de uma diligência pouco constatável em criaturas colocadas na condição inferior como a dele, ali, naquela embarcação.
Ao mesmo tempo em que se fazia interessado pela descoberta do mistério que envolvia os dois meninos e o desconhecido que os transportava, sua solicitude natural atendia a todos os integrantes da jornada marítima a bordo da galera romana que, lentamente, se afastava da costa italiana, depois de fazer escalas nas ilhas e portos da região.
A embarcação seguia lentamente, sem perder de vista, ao longe, a linha costeira que representava o mais importante pedaço de terra que se conhecia sobre a Terra naqueles dias.
Décio se desdobrava, em prejuízo mesmo de seu descanso, ganhando com isso a simpatia de todos e a tolerância dos oficiais romanos que, diante de sua submissão serena e respeitosa, nele não viam nenhum perigo para as leis do império.
Valendo-se da consideração natural que se estabelecera nas relações entre ele e os tripulantes, não lhe foi difícil descobrir que, segundo versões, os dois pequenos seriam seres banidos da cidade, conforme o sentenciaram autoridades responsáveis que, em vez de condená-los à morte, uma vez que já tinham conseguido viver mais de uma década, determinaram a sua transferência para distante colónia, enquanto o progenitor lhes desejava a morte física.
Naturalmente que não era essa a verdade, mas essa era a história que Marcus havia aconselhado a Tito relatar a qualquer curioso que se apresentasse com perguntas inconvenientes.
Fazendo-se de desentendido, Décio indagou do desconhecido sobre a mãe das crianças.
- Bem, me parece que morreu recentemente, executada no circo e, por isso, não possuem ninguém mais que vele por eles - respondeu o homem, aparentando não pretender fornecer maiores explicações.
Incomodado com a informação sobre a possível morte de Serápis, mas não tendo como confirmar tal alusão genérica, Décio procurava uma forma de continuar o assunto e ganhar algum tempo para organizar as ideias, já que, desde sua prisão, não mais tivera nenhuma notícia da família que adoptara como a sua própria, para poder ajudá-los nos momentos difíceis pelos quais estavam passando.
- Que tristeza estar no mundo sem ter ninguém como apoio, ainda tão pequenos, não? - exclamou Décio, indagando.
Ainda bem que eles podem contar com o senhor para lhes oferecer os cuidados necessários.
Com certeza há de ser um parente próximo...
Irritado com as perguntas, Tito foi muito rápido em refutar as suposições de Décio, dizendo:
- O senhor está muito equivocado.
Desempenho aqui apenas o papel de responsável por ambos até o destino que os aguarda.
Depois de entregá-los, volto a Roma onde me esperam novas ordens de meu patrão.
- Ah!, quer dizer que pelo menos existe alguém que está esperando pelos dois pequenos!
Ainda bem. Será alguma tia, algum parente próximo?
E ainda mais alterado com o cerco subtil que lhe empreendia Décio, o homem retrucou:
- Que parente que nada.
Minhas ordens são as de desembarcar os dois infelizes no porto de Narbonne, uma das escalas da viagem, deixando-os à própria sorte, já que foi essa a decisão oficial a respeito de seus destinos.
Ao escutar tal revelação, Décio sentiu um abalo percorrer o seu corpo, como um calafrio que lhe dizia da necessidade de dar amparo àqueles pobres condenados.
No entanto, para não produzir maiores antagonismos no ânimo do viajante, Décio se deu por satisfeito, voltou a oferecer-lhe uma nova porção de água e despediu-se prometendo voltar para lhes atender às necessidades, tanto as do temporário tutor quanto as dos meninos adormecidos.
Saindo dali, dirigiu-se ao interior da nau que rangia à força dos remos movidos pelos escravos e condenados a serviços forçados.
Lá o esperava o comandante em seu estreito gabinete onde se mantinha recolhido, enquanto que os seus subordinados cuidavam dos detalhes menores do deslocamento.
Movimentando-se serena e silenciosamente, Décio renovou a porção de água do recipiente de barro utilizado para o seu acondicionamento na modesta cabine do romano que já lhe era conhecido, ocasião em que o comandante aproveitou para dirigir-se ao serviçal com certa intimidade:
- Qual é o seu nome, aguadeiro?
- Todos me conhecem por Décio, meu senhor, para servi-lo -exclamou, educado.
- Vê-se que seus modos indicam que você já se fez serviçal de gente importante...
- Bem, meu senhor, para mim todas as pessoas são importantes, mas, no sentido específico de seu comentário, posso afirmar que aprendi muita coisa ao longo da vida, desde a criação de meu amado progenitor até na oportunidade de servir sob a direcção generosa do ilustre Cláudio Rufus, nas obras do Panteón, quando aprendi a nobreza de carácter e a rectidão dos princípios como factor preponderante para a correcta realização de todas as coisas.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Dez 17, 2014 10:57 pm

A menção a Cláudio Rufus fizera brilhar os olhos do comandante.
- Quer dizer que você conheceu o administrador das obras do império em Roma?
- Mais do que isso, meu senhor, eu fui honrado com a possibilidade de servir sob o seu comando sábio e diligente e, posso afirmar que tive a alegria de privar de sua confiança, apesar de meus deméritos pessoais.
- Mas que boa surpresa, meu amigo.
Conheço Cláudio desde muito tempo e sou-lhe muito grato pelas oportunidades que me favoreceram, porque, graças à sua decisiva intervenção junto às autoridades do império, consegui minha colocação neste posto.
- Muito me alegra, então, senhor comandante, saber que ambos temos em comum mais do que a sede que me alegra tanto combater no serviço humilde que lhe presto, mas que nos sentimos mais próximos por admirarmos as virtudes de carácter do mesmo homem de bem.
- Infelizmente, não sei entender quais os motivos, Cláudio se viu envolvido em um negócio complicado e acabou caindo em desgraça, como aliás tem sido tão comum nesta Roma contraditória a cada dia que passa.
Em minha última viagem soube que fora banido da capital para, se não me falha a memória, a distante Hispânia.
Parece ser o mesmo destino que o seu e, se não estou enganado, ambos seguem para o exílio pelas mesmas causas.
Sentindo que a curiosidade do capitão poderia ser útil aos seus objectivos, Décio procurou ser o mais autêntico que as condições o permitissem.
Além do mais, por estar se apresentando como um amigo íntimo de Cláudio, Décio poderia estar sendo sondado pelo experiente comandante a fim de que o mesmo pudesse avaliar o tamanho da intimidade que dissera haver entre eles.
Por isso, achou conveniente revelar parte da verdade para que o capitão não viesse a desconfiar de suas intenções.
- Sim, meu senhor.
Pelo que pude saber, tanto Cláudio quanto eu fomos detidos pelo simples fato de nossas crenças pessoais se manterem em certo descompasso com a religião de nossos ancestrais.
Quanto a mim, que nunca passei de um reles pedreiro, este fato não apresentou conotações especiais.
No entanto, quanto ao senhor Cláudio, a escolha da nova fé se mostrou tão sincera que, nem mesmo diante do Imperador que fizera questão de escutar sua defesa, animou-se ele em desertar de sua crença, mantendo todas as acusações e reconhecendo que se apresentava em desacordo com as regras religiosas do Império.
- Cristãos..... - exclamou o comandante, antecipando as informações.
- Sim, meu senhor.
Declaramo-nos cristãos e estávamos prontos para morrer por esse "delito", como se em Roma não houvesse delitos mais graves e mais vergonhosos do que este.
- É verdade, meu bom homem.
Eu estou a par de todos estes factos.
- Que boas notícias suas palavras me fornecem, diante da incerteza do destino do querido patrão.
Afinal, depois que ele foi apartado de nossa presença para ir ter com Adriano, nunca mais nos encontramos e não sabia de seu paradeiro.
- Sim, Décio, o capitão que o transportou me revelou que ele se mantinha sereno, ainda que com uma certa melancolia nas palavras, sem que isso o fizesse infeliz.
Suas palavras eram sempre muito sopesadas e seus actos se assemelhavam aos que você vem desempenhando.
Pessoa tão importante e tão conhecida pareceu tão inocente pela ausência de qualquer perigo para os poderes romanos, que o próprio comandante se dispôs a arriscar a autoridade no barco a fim de deixar que ele escapasse da maneira que o desejasse, sem que empreendesse qualquer perseguição ou busca mais detida.
Dá-lo-iam como morto no seio das águas e tal informação não teria como ser apurada pelas autoridades marítimas romanas.
No entanto, Cláudio se recusou a receber qualquer favor que pudesse comprometer a lisura no comando da embarcação.
Preferiu chegar à Hispânia e desembarcar com as precárias provisões que possuía.
E eram de tal forma incipientes, que o próprio capitão amigo o obrigou a aceitar um pequeno farnel de alimentos e algumas moedas que lhe serviriam para qualquer emergência ou imprevisto.
Visivelmente emocionado com a recordação e a grandeza daquela importante personagem em sua vida, o comandante se calou, esperando que o comentário de Décio viesse a quebrar a atmosfera de emoção que se fizera.
Este, por sua vez, só pôde expressar sua admiração pela conduta do amigo, afirmando:
- Se o senhor me tivesse contado tal fato sem revelar o nome do cidadão que o protagonizou, eu lhe teria perguntado, sem duvidar um só momento, se esse homem não se chamaria, porventura, Cláudio Rufus.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Dez 17, 2014 10:57 pm

- Como é bom saber que ambos estão sendo punidos por serem homens de bem.
Às vezes fico me perguntando, no silêncio destas noites no mar, se o mundo não estará de ponta cabeça, diante de tantos abusos e absurdos que sei que ocorrem à nossa vista, onde os malfeitores prosperam e os benevolentes cidadãos são perseguidos e banidos de seu berço natal.
- Todas estas discrepâncias, meu senhor, foram prenunciadas por Jesus e é por isso que sua palavra merece tanto nosso acatamento e nosso empenho por segui-la.
Em nada Jesus mentiu, em nada deixou que a Verdade fosse iludida.
Quando o governador romano se fez seu julgador, em atenção à solicitação dos judeus, interessados em levá-lo ao martírio, indagou do Divino Mestre se ele era Rei.
A primeira resposta foi a de que se o seu reino fosse deste mundo, seus exércitos não o deixariam naquelas condições de abandono material, mas que inúmeras legiões se atirariam sobre os agressores para defender-lhe a vida.
Sem desejar escutar a profundidade dessa resposta, Pilatos voltou a perguntar:
Quer dizer que sois, efectivamente, Rei?
Foi então que Jesus se revelou em toda sua pureza e sabedoria, não para fraudar a verdade a fim de livrar-se de qualquer punição, mas para dar testemunho do que viera fazer no mundo.
Foi aí que o Senhor afirmou que não viera ao mundo senão para dar testemunho da Verdade e que fora o próprio Pilatos que o chamara de Rei.
E enquanto o ilustre e poderoso romano, dirigente de exércitos e zelador da ordem pública permitia que um inocente fosse crucificado, adoptando o singelo gesto de lavar as próprias mãos como a isentar-se da culpa de tal sacrilégio, o inocente condenado não levantava a voz para defender-se e carregava consigo todo o peso da infame acusação, do sinistro julgamento e da nefanda execução.
Sim, meu senhor, Jesus viera ao mundo para restabelecer todas as coisas, afirmando ser ele o Caminho, a Verdade e a Vida e que entre os homens e o Pai, somente o seu exemplo e a sua jornada se apresentavam como a estrada recta que tiraria os homens dessa luta cruel e sem sentido, nas competições, nas divisões e nas tragédias morais, e os levaria para um mundo de compreensão sublime, onde a Justiça é iluminada pela Verdade e onde a conveniência e o interesse de Estado não têm nenhum poder real.
Um momento em que os que sofrem e os que os exploram, impiedosos, serão avaliados pelos seus feitos segundo as leis verdadeiras da alma e não os cânones romanos, sempre prontos a serem torcidos pela acção interesseira de algum grupo de senadores que defendam certas vantagens.
Esse é o Jesus perigoso para Roma, porquanto os romanos se perderam no cipoal dos interesses e mentiras enquanto que o Cristo representa a negação de suas orgias, de seus prazeres sórdidos, de seu falso poderio militar, da escravização dos inocentes, do abandono dos aleijados.
E ao falar disso, lembrou-se do drama dos dois pequenos conhecidos seus e se sentiu estimulado a revelar algo dos fatos ao romano que o escutava, surpreendido e algo emocionado pelo teor das palavras de Décio, que casavam tão apropriadamente aos seus próprios conflitos íntimos.
- Veja, Senhor, uma sociedade que expulsa de seu seio os inocentes meninos que estão a bordo desta embarcação, cujo destino, não sei se o senhor conhece, mas é o do abandono no porto estrangeiro, para que sejam devorados pelos cães famintos até que consigam algum meio de defesa, não pode ser uma sociedade de homens bons.
Impressionado com a informação, o comandante se fez mais interessado, afirmando, pasmo:
- Mas eu pensei que esse homem que está com eles fosse seu pai ou algum parente mais chegado!
- Eu também, meu senhor.
Todavia, acabo de vir de uma conversa informal com ele na qual me revelou se tratar de uma execução de sentença cruel, a condenar uma criança cega e outra paralítica ao banimento por interesses escusos do pai verdadeiro que, certamente, desejaria matá-los para se livrar do peso de sua criação.
Talvez sem coragem ou sem o desejo de se ver responsável pela execução dos próprios filhos, diante da maldição que tal ato poderia produzir no seio desses deuses que nossas crenças nos apresentam, tenha optado pelo abandono, a fim de que venham a morrer por conta da própria sorte ou do próprio azar.
- Mas isso é uma crueldade infame. São somente crianças...
- Pois é, meu senhor.
E o que é pior, é o fato de que o tutor que os acompanha não guarda nenhum grau de parentesco, estabelecendo para si apenas o dever de despejar os menores no porto para, imediatamente após, regressar a Roma a fim de informar o cumprimento de tais deveres.
Horrorizado com tais revelações, o capitão do barco demonstrou que não permitiria que isso fosse feito dessa forma e que determinaria alguma medida para que o destino dos dois pequenos fosse modificado.
Percebendo a inclinação generosa de sua alma, Décio declarou também ser seu desejo o de ajudar os dois pequenos e que, em momento oportuno, gostaria de concertar com o comandante uma forma de proteger os desditosos meninos, abandonados no mundo.
Entendidos quanto a este fato e como o porto da capital da Gália Narbonensis ainda tardaria a chegar despediram-se para que, no dia seguinte, voltassem a conversar sobre a melhor maneira de resolver o problema.
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