LUZ ESPÍRITA
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Série Lúcius - Sob as Mãos da MISERICÓRDIA / André Luiz Ruiz

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Série Lúcius - Sob as Mãos da MISERICÓRDIA / André Luiz Ruiz - Página 6 Empty Re: Série Lúcius - Sob as Mãos da MISERICÓRDIA / André Luiz Ruiz

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 19, 2014 10:22 am

Para tornar as coisas ainda mais candentes na emoção com que pretendia envolver Serápis, deliberara levar a jovem até o ambiente do tribunal para que o contacto pessoal entre ambas facilitasse o processo de vencer qualquer resistência da mulher amada que, assim, não poderia resistir.
Naturalmente, o peso da culpa pelo crime recairia sobre outra pessoa, mas isso era somente um pequeno detalhe no curso de todos os projectos de felicidade humana, geralmente bem elaborados por egoístas para garantir-lhes a felicidade pessoal em detrimento das lágrimas alheias.
Finalmente, dois dias antes da audiência, Tito chegava ao palácio de Marcus, relatando todos os factos e afirmando ter cumprido as diligências conforme havia sido determinado.
Não fizera nenhuma menção aos encontros com Décio e ao sonho impressionante que ele próprio tivera a bordo, dias antes do desembarque.
Muito menos fizera menção ao amparo que Décio passara a prestar aos dois desditosos sofredores, ressaltando, apenas, que os infelizes desembarcaram e que, quando foram abandonados no porto, apresentavam sinais de enfermidade que, àquela altura, certamente já lhes havia ceifado a existência.
As boas notícias afastaram um pouco a preocupação de Marcus que, com liberdade, abraçara o servidor fiel e o felicitara, prometendo-lhe o pagamento da vultosa recompensa, acrescida de outra parte significativa para daí a dois dias, quando ambos se apresentariam diante do juiz com a finalidade de encerrar todo o caso.
Relatou, então, o que é que Tito deveria dizer ao juiz do processo, afirmando que, na ocasião dos factos, ambos estavam em viagem, ausentes de Roma e, por isso, impossibilitados de praticarem qualquer crime.
Acertados os detalhes, não seria a primeira vez que Tito mentiria para receber vantagens materiais e agradar o poderoso patrão.
As horas se aproximavam rapidamente e, para ambos, as noites eram povoadas de sonhos estranhos.
Marcus, confundido por Druzila, e Tito, relembrando as afirmativas que escutara naquela noite fatídica, quando um ser luminoso lhe apontara os próprios desatinos do passado, falando da mulher abandonada, da consciência de culpa e exortando-o a começar ali mesmo a ser bom, a não se enganar sobre a impunidade é a estar preparado para o momento em que o Verdadeiro Tribunal fosse deliberar sobre sua condição.
Amanhecera, por fim, naquele que seria o momento importante para Marcus nos planos finais para a própria felicidade.
E para que não corresse nenhum risco diante de um magistrado tendencioso, inclinado a dar razão a miseráveis plebeus, apesar de todas as provas que ele próprio fizera questão de apresentar ao juiz, conseguira, com sua influência e seus contactos superiores, o compromisso de que aquele magistrado não deliberaria naquele processo.
Uma convocação de urgência, vinda do próprio palácio imperial, fizera com que o magistrado actuante naquela questão pudesse ser afastado, tendo recebido de César uma missão de representá-lo em importante homenagem que se lhe iria prestar em afastada região italiana.
Naquele dia, esquecido de todas as advertências espirituais que Zacarias lhe fizera solicitando a sua modificação, Marcus antegozava o momento da vitória de seus projectos e se alegrava intimamente pelo facto de que, afastada a última barreira para o sucesso de sua empreitada, na figura daquele magistrado duvidoso e pouco simpático às estratégias de seu espírito corrupto, agora era só uma questão de tempo para que tudo acabasse em sua declaração amorosa diante de uma Serápis vencida.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 19, 2014 10:22 am

26 - Colheita

Devidamente vestido para tão importante ocasião, desejando demonstrar sua estirpe de patrício romano para lembrar ao novo magistrado a sua condição de importante cidadão, diante da pobreza dos que o acusavam, Marcus tomou o rumo da casa da justiça na qual se apresentaria perante as vistas do juiz de forma a demonstrar-lhe toda solidez de sua reputação e a robustez de sua inocência.
Fizera-se acompanhar tanto do curandeiro que fora chamado no dia para atender às emergências de Domício quanto do servo de confiança que, desde muito tempo, lhe conhecia os desejos e lhe servia com canina fidelidade.
Tito, o referido empregado, desde que regressara da Gália, onde cumprira o infausto dever de abandonar os dois infelizes jovens para que morressem à mingua, carregava em seu íntimo um vulcão de confusão e desarmonias morais.
Certamente pelo contacto com Décio e, sobretudo, pelo sonho que tivera com aquela luminosa entidade que lhe falara tão directamente, trazendo-lhe à consciência os antigos actos irresponsáveis do passado, Tito se dividia entre a promessa de recompensa que ainda não lhe fora paga e o desejo de desaparecer daquela cidade, indo em busca de tentar reparar os males que sua conduta irresponsável haviam produzido na vida das pessoas que haviam confiado em seu afecto, no passado.
Essa situação se mantivera por todo o trajecto de volta a Roma, conforme o próprio leitor ainda se recorda e, segundo seus pensamentos, assim que Marcus lhe pagasse o prometido quinhão, deixaria seus serviços e daria outro rumo ao seu destino.
Quanto ao curandeiro, naturalmente bem remunerado pelo senhor a quem, agora, servia tanto por interesse quanto por gratidão, sua função era a de repetir diante do novo magistrado a mesma explicação que dera perante o outro juiz, a fim de impressionar o entendimento do julgador sobre as indicações da verdadeira culpada pelo envenenamento.
Assim que chegaram ao tribunal foram dirigidos para ambientes nos quais as pessoas aguardavam o chamamento para se apresentarem perante os magistrados responsáveis pela solução dos conflitos.
Às pessoas mais importantes, pela sua condição social, era conferida uma sala especial, apartada do populacho a fim de permanecerem preservadas das possíveis agressões dos desafectos, garantindo, assim, o seu sossego e a harmonia do ambiente da corte.
Ali ficaram Marcus e suas testemunhas.
Vencidos os trâmites preparatórios e atendidos os compromissos que compunham as audiências anteriores, Marcus e Serápis foram conduzidos à espaçosa sala, ficando as testemunhas em outros ambientes, à espera da convocação.
Assim, Serápis de um lado se mantinha naturalmente ansiosa e algo intimidada pelas cerimoniosas condutas dos funcionários da lei e, de outro, se apresentava Marcus.
A sua figura de patrício, trajado segundo as tradições de opulência e altivez da época, dominava o centro das atenções daquela sala e, por isso, canalizava para sua pessoa todas as atenções dos antagonistas.
Serápis percebia nele um certo ar de segurança e arrogância, como se já estivesse ciente de todos os detalhes, dominando as circunstâncias pelo jogo de influências que seu dinheiro poderia, facilmente, propiciar.
Aliás, lembrava-se ela da ocasião em que, graças à sua acção corrupta, quase havia conseguido mandar Lélia para o sacrifício, a fim de livrar-se da acusação de cúmplice no homicídio de sua esposa.
Agora, pensava Serápis, chegara o momento em que a Justiça seria feita, colocando-o como acusado diante de todos.
Lélia, enquanto aguardava a sua vez, examinava as condições estranhas daquele encontro diante do tribunal, lembrando-se da ocasião em que seu destino fora salvo pelo heroísmo de Licínio, que se entregara como culpado para evitar sua morte injusta.
No fundo, agora que se mantinha ao lado de Serápis para falar a verdade do que vira, percebia que as circunstâncias poderiam voltar-se contra ela.
Desse modo, passou a elevar silenciosa oração, buscando esquecer de todas as possíveis consequências negativas para si mesma, solicitando a Jesus que permitisse que Licínio a amparasse na hora do testemunho pessoal no qual falaria apenas a verdade.
Marcus observara as formas esbeltas de Serápis, sem imaginar que, em breve, depararia com aquela que fora a sua serva e que, suspeita de envenenamento de sua própria mulher, novamente se apresentaria perante a corte romana envolvida em uma questão de envenenamento.
Certamente, aquela seria uma audiência que lhe produziria imenso prazer, ao mesmo tempo em que o espírito Druzila, feliz e antegozando as desgraças que se abateriam sobre todas as partes, sentia que chegara o momento decisivo durante o qual, finalmente, iria fazer ruir todos os sonhos de Serápis e, num golpe de sorte do destino, faria vingança sobre a serva de confiança, aquela Lélia que lhe servira a água envenenada.
Encontravam-se postados na sala à espera do novo magistrado designado para dar cumprimento às determinações legais.
Não tardou para que fosse anunciada a sua entrada no recinto dos julgamentos.
A ansiedade de Marcus revelou-se acalmada quando percebera que, no lugar daquele magistrado pouco interessado na defesa de seus pontos de vistas, surgira um magistrado diferente, demonstrando que suas influências de bastidores haviam sido eficazes no sentido de afastar a autoridade anterior, que parecera antipática e hostil à sua condição de patrício, cuja palavra deveria servir de poderoso instrumento de convencimento a suplantar todas as demais provas existentes.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 19, 2014 10:23 am

No lugar do antigo magistrado, surgira simpático ancião, cujos cabelos brancos contornando a calva fronte, inspiravam respeito natural.
Os olhos demonstravam serenidade e firmeza e a idade avançada permitia imaginar que se tratava de um homem amadurecido nas questões da vida, de onde se deveria esperar a compreensão das estruturas do poder romano e a defesa dos antigos património sociais de sacerdócio da lei sobre todos os cidadãos.
Tão logo deu entrada no recinto, os olhares de todos o buscaram para captara primeira impressão.
Serápis achou-o simpático e confiável.
No entanto, Marcus se sobressaltou quando lhe fixou a figura encanecida.
Marcus se recordava dos lances mais decisivos da morte de Druzila e do processo que envolvera a apuração e a punição da culpada, visitando as autoridades, alegando a condição de marido ofendido e ultrajado por alguém de sua própria casa, detentora de sua confiança e que dela fizera o pior uso possível, transformando a liberdade em caminho para o crime.
Lembrara-se dos presentes que espalhara para conseguir a agilidade do julgamento tanto quanto das pressões junto aos amigos influentes, para que, durante a sua ausência de Roma, a justiça fosse feita com a morte da serva que as circunstâncias haviam escolhido como aquela que deveria pagar para que ele e Serápis pudessem ser felizes como tanto sonhavam.
Relembrara-se, por fim, do regresso a Roma, depois dos dias de ausência, quando fora procurar o magistrado para agradecer-lhe todo o empenho na solução do caso, ocasião em que fora informado pelo julgador de que quase havia condenado a pessoa errada por sua influência nociva.
À sua mente voltava, como num filme claro e real, o último diálogo que havia tido com aquele magistrado indignado a indicar-lhe a porta da rua e devolver-lhe os presentes com os quais pretendera comprar a sua parcialidade para condenar a inocente.
Marcus, agora, se inquietava novamente, uma vez que, apesar de se terem passado mais de dez anos sobre aqueles factos, ali, diante deles, se encontrava o mesmo Sérvio Túlio, magistrado que já o tivera frente a frente para a apreciação de um caso de envenenamento e sobre o qual já se fez menção nos capítulos finais de "A Força da Bondade".
Assim que assumira a função naquele caso, o juiz tomou a palavra e esclareceu:
- Prezados cidadãos, que o império da lei seja maior do que o império dos homens que sobem e caem do poder segundo o desejo dos deuses, enquanto que a lei permanece para guiar os rumos de nobre e plebeus, reis e súbditos, ricos e pobres.
Acostumado às questões legais que precisam ser resolvidas segundo a vontade magnânima da lei, por motivos estranhos à minha vontade, fui conduzido ao caso presente por surpreendente afastamento de seu titular, juiz probo e exemplar e, sem tergiversar ante os deveres que me cabem em qualquer processo, afirmo-lhes que tudo farei para que a defesa da verdade se faça acima dos interesses de qualquer parte.
Pelo que pude constatar, trata-se da disputa da tutela de pequena garota, solicitada pelo progenitor natural contra a guarda informal que vinha sendo exercida por antiga serva da família, já há mais de dez anos.
Concedida a retomada da tutela pelo detentor do direito paterno segundo nossas antigas tradições, apresentou-se perante esta corte a vencida, a levantar contra o pai pleiteante a séria acusação de homicídio, condição esta que levou o nobre juiz, ora afastado do caso, a marcar este encontro para a apuração das duas coisas ao mesmo tempo, já que se encontram elas ligadas entre si.
Por este motivo, pergunto à cidadã Serápis se ela trouxe as provas para apresentar a esta corte e que possam servir de base a tão delicada acusação.
Escutando-lhe a convocação, Serápis procurou falar com firmeza, a fim de que o estado de seu nervosismo não lhe traísse a convicção de que possuía fortes razões:
- Sim, magistrado soberano.
Aqui está aquela que poderá confirmar todas as acusações.
Trata-se de cidadã romana, modesta e pobre tanto quanto eu, mas que poderá responder às vossas indagações, demonstrando que o homem que pretende ter a posse de Lúcia não reúne condições para se responsabilizar por sua criação, já que é assassino de crianças.
A fala desassombrada de Serápis produziu em Marcus um impacto desagradável, já que, através dela, ele pôde perceber o quão difícil seria conseguir que a mulher amada aceitasse retornar ao seu convívio.
No entanto, pensava ele consigo mesmo, isso era só o começo da audiência e, portanto, ela estaria muito diferente quando, ao final, as coisas se voltassem contra seus próprios interesses, sentindo-se derrotada e infeliz.
Fazendo um sinal autorizador, a guarda pretoriana que servia naquele tribunal fez entrar a testemunha a que Serápis se referia.
Lélia foi levada para perto da mesa do juiz que, sem demonstrar qualquer surpresa diante de sua pessoa, deu-lhe a impressão de não guardar qualquer lembrança de sua pessoa.
E diante das perguntas directas do magistrado, relatou-lhe toda a história, sem aumentar nem alterar qualquer detalhe, falando de seu encontro com a família de Serápis, historiando o seu relacionamento de serviço em sua casa, o carinho que nutria por seus filhos aleijados, as circunstâncias daquele dia, quando fora levar-lhes o bolo que adquirira na mesma padaria onde a mãe dos meninos trabalhava e, o mais importante e suspeito, o fato de ter visto Marcus saindo da sua casa, coberto por capa rústica e carregando pequeno embrulho nas mãos que, facilmente, poderia ser o que restara do bolo envenenado.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 19, 2014 10:23 am

Perguntada pelo juiz sobre os detalhes, informou que esperava encontrar ali a pequena Lúcia, que costumava ficar em casa para cuidar das necessidades de Domício enquanto a mãe trabalhava na padaria distante, mas que, naquele dia, não se apresentava no ambiente por causa do sequestro dos outros dois filhos deficientes, como veio a saber depois.
Afirmou, com riqueza de detalhes, todos os procedimentos adoptados, a procura por ajuda que foi encontrada na pessoa do curandeiro próximo que veio com ela até a casa, para tentar ajudar a salvar o jovem do estado desesperado em que se encontrava.
Valendo-se de pequeno estilete mergulhado em tinta, o magistrado produzia algumas anotações sobre pergaminho que mantinha à sua frente, ora rectificando ora acrescentando ao documento detalhes que o depoimento colhido por ele achava importantes ficassem grafados no conjunto das provas.
Terminada a indagação de Lélia, o magistrado convocara a defender-se o ilustre patrício Marcus.
Tomando a palavra, algo formal e tentando demonstrar segurança e superioridade, passou a dizer:
- Ilustre representante dos deuses e de César, que a sabedoria dos primeiros e a magnanimidade do último sejam unidas em vossa pessoa para a segurança de todos os cidadãos do império.
Surpreendido quando buscava exercer o inalienável direito de pai na retomada da filha querida, vi-me atingido na honra patrícia por uma acusação vil e sem nenhuma base.
Minha pessoa goza de histórica tradição de nobreza e serviços prestados ao império e, naturalmente, agrada ao populacho conduzir a tais situações de vergonha e desonra alguém que detenha recursos morais e materiais, expondo-a a julgamento com base em pérfida calúnia.
Tão logo fizera breve intervalo em seu discurso, que mesclava falsa humildade à declarada arrogância, Sérvio interveio, afirmando, sereno e incisivo:
- Nobre Marcus, não me consta ser nenhuma vergonha comparecer diante de um Tribunal Romano para esclarecer fatos importantes e decisivos, porquanto, transformar uma corte de justiça em uma casa de vergonha é aviltar e amesquinhar todos os que nela trabalham com honradez e seriedade, transformando-os em criaturas vis e asquerosas.
Percebendo a directa afirmativa a reconduzir suas palavras ao correcto rumo da prudência, Marcus retomou o discurso, cuidadoso:
- Agradeço a advertência e desculpo-me por qualquer mal-entendido perante a corte, mas, injuriado por acusações que logo se verão mentirosas, assumo a dignidade ferida de meus antepassados para opor-me a tais afirmativas levianas.
- Pois que o faça, nobre cidadão, apresentando provas do que pretende ver demonstrado - falou o juiz, sério.
- Pois então, meu senhor, trouxe comigo o curandeiro referido, a apresentar-se diante de vós para esclarecer tudo quanto seja de vosso interesse.
Abanando a cabeça, foi o referido indivíduo conduzido ao mesmo posto onde se encontrava Lélia, momentos antes.
E diante das perguntas do magistrado, procurou o homem afirmar os fatos segundo a sua óptica, agora naturalmente inclinada na direcção de Marcus, o benfeitor que transformara a pobreza de sua medicina em uma importante função dentro de seu palácio, facilitando-lhe a vida com recursos e conforto.
Diante das perguntas inteligentes, o curandeiro procurava fazer crer ao magistrado que a culpada pelo envenenamento era Lélia, a mulher que lhe havia antecedido no depoimento, única pessoa presente no local dos fatos e que ali estava como a transportadora do bolo envenenado, sendo que um dos pedaços tivera ele tempo de retirar da garganta do jovem infeliz.
Perguntado pelo magistrado por que a moça teria buscado ajuda para salvar um menino, se a sua intenção era a de matá-lo, tentou justificar-se com alegações genéricas, talvez para não levantar suspeitas, para não acabar descoberta, para vingar-se...
Depois de lhe ouvir as acusações, Sérvio Túlio fez com que a guarda pretoriana trouxesse diante dele a figura de Lélia, novamente.
- Minha jovem - falou o magistrado, solene - as acusações que você levanta contra Marcus recaem agora sobre você de tal forma e com tal intensidade que, diante do que vier a acontecer aqui, nesta audiência, possa ser você e não ele quem se veja condenada e punida.
Escutando-lhe as palavras firmes e directas, Lélia voltou seu pensamento para Jesus e respondeu, serena:
- Por mais que respeite vossas deliberações, magnânimo senhor, tenho comigo que a Verdade Real somente a Deus e a Jesus pertencem.
Já estive, um dia, às portas da execução injusta e esse Cristo amoroso enviou um anjo generoso e bom que me fez inocente.
Confiarei sempre nas deliberações de vossa sabedoria, mas, diante de meu destino, não hesitarei em enfrentar qualquer consequência por ter falado apenas e tão somente a verdade.
E quem fala a verdade nada deve temer.
- Sábias palavras, minha filha.
Quem fala a verdade jamais deve temer - repetiu o magistrado, algo tocado diante da coragem daquela mulher que, se fosse outra, talvez se debulhasse em lágrimas e acusações.
Acompanhando a cena emocionante, Serápis se via atormentada pela dor de ver, agora, a amiga conduzida à condição de ré depois de ter aceitado ser-lhe a testemunha. Um arrependimento profundo tomou conta de seu coração, confundido com o rumo que as coisas estavam tomando.
Marcus vira sua angústia transformada em alívio ao perceber a modificação do panorama e ao supor que Sérvio Túlio, depois de tantos anos, já não mais guardasse lembrança dos fatos desagradáveis acontecidos antes.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 19, 2014 10:23 am

Retomando o curso do interrogatório, o juiz voltou-se para o outro acusado, como a lhe perguntar sobre a outra testemunha.
Antes de falar sobre isso, desejando dar ao fato os detalhes da reincidência de Lélia nos mesmos delitos, Marcus aproveitou e disse:
- A vossa magnânima sabedoria haverá de entender se me sirvo deste momento para mais demonstrar minha inocência, antes que a próxima testemunha se apresente para colocar uma pedra sobre qualquer acusação leviana quanto ao meu carácter.
Acontece, senhor, que essa moça que me acusa, além de tudo, possui todos os motivos do mundo para me odiar.
Afinal, já servira em minha casa e esteve envolvida no envenenamento tanto de um servo de minha propriedade rural quanto no de minha própria esposa, Druzila, há mais de dez anos.
Recolhida ao cárcere, creio que não se apagou de vossa augusta memória o fato de dali ter sido tirada somente por força da confissão de meu servo Licínio que, assumindo a culpa por tudo, permitiu que essa jovem fosse devolvida à liberdade, naturalmente, cheia de ódios e desejos de vingar-se contra o senhor que a colocara na cadeia como a única responsável pelo envenenamento da patroa.
Novamente as circunstâncias a conduzem ao mesmo banco dos réus para pagar por delitos que se repetem por onde ela passa, deixando atrás de si um rastro de cadáveres, sejam nobres ou plebeus.
Assim, nobre juiz, reforço neste instante as acusações pretéritas a pesarem sobre Lélia, desde os remotos actos até os dias actuais, como culpada por todos estes crimes que procura atribuirá outras pessoas.
A palavra solene de Marcus criara uma atmosfera altamente electrizante no ambiente da corte, não sendo quebrada por nada a não ser a respiração dos presentes.
Lélia empalidecera diante das acusações directas e certeiras, contra as quais não tinha defesa.
Serápis carregava a consciência culpada pelos actos do passado, quando fora a primeira a levantar as suspeitas sobre aquela que, hoje, tentava defender seu direito sobre Lúcia.
Marcus respirava acelerado, envolvido pelas emoções daquele instante de teatral representação, como que a dar ênfase a coincidências que tornariam Lélia ainda mais culpada, revelando seu passado de supostos desatinos e suspeitas condutas.
O curandeiro se mantinha interessado na solução da questão favoravelmente ao seu patrão e protector, enquanto Tito se mantinha fora da sala, restando como última testemunha a definir a questão a favor de Marcus.
Enquanto isso acontecia no plano material, no mundo espiritual o pequeno grupo de espíritos generosos que acompanhava aquelas infelizes personagens se postava como plateia daqueles eventos decisivos na vida dos envolvidos.
Zacarias, Lívia, Licínio, Cléofas e Simeão estavam no ambiente em elevadas vibrações de prece a Jesus, enquanto Druzila e seu séquito de entidades trevosas e galhofeiras transformavam aquela sala em um verdadeiro circo de gritos e zombarias, algazarras e acusações, sem perceberem o que, realmente, estava acontecendo.
Licínio se mantinha ligado a Marcus e a Sérvio Túlio, Lívia acolhia Serápis e endereçava energias luminosas a Druzila.
Cléofas amparava o magistrado e Simeão envolvia Tito nesse momento decisivo para o destino de todos.
Com sua força amorosa, Simeão fazia Tito voltar aos meses anteriores, quando se via responsável pelo destino dos dois filhos de Marcus e Serápis, abandonados no vazio da província distante.
Lembrava-se, sobretudo, do sonho que tivera e das revelações que aquele espírito luminoso lhe fizera, como a demonstrar que todo o seu passado era conhecido pelas forças invisíveis que solicitavam a sua intervenção a favor dos desditosos seres.
E enquanto o mundo espiritual acompanhava a cena triste em que a mentira, mais uma vez parecia ter construído seu cenário de engodos para que viesse a triunfar sobre a verdade simples e cruel, eis que se escuta a voz do juiz a indagar do patrício:
- Pois bem, meu senhor. Antes que delibere sobre os fatos, impõe-se que a última testemunha seja escutada.
- E ao ouvi-la, magistrado - respondeu Marcus, demonstrando a indignação dos estelionatários do mundo fazendo-se de honestos e injustiçados - já não haverá mais dúvidas sobre minha ilibada reputação.
Foi então que os soldados conduziram Tito até o local onde, agora, se encontrava também a outra acusada, Lélia, bem diante do magistrado.
Para melhor orientar a testemunha sobre as novas circunstâncias do caso, o Juiz relatou, sucintamente, os contornos do problema, indicando que, agora, já não era mais apenas Marcus quem se via na condição de acusado, mas, igualmente, Lélia se via envolvida na denúncia de envenenamento e, por isso, o seu depoimento seria decisivo para a solução do caso de ambos.
Somente um dos dois teria razão.
Ou Marcus seria condenado ou Lélia o seria.
Para Tito, então, aquela situação era grave e delicada, tendo a sua atenção voltada, graças à descrição do magistrado, para aquela mulher que, até então ele não conhecera, não imaginando onde é que ela entraria nessa história.
Assim que passou a observar a jovem acusada, Tito foi tomado de um sobressalto súbito, pelo qual não pôde conter a palidez imediata tanto quanto o tremor dos membros que se fizeram visíveis.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 19, 2014 10:23 am

Na sequência, a turgidez dos olhos se pronunciaram em lágrimas espontâneas que começaram a descer pela face esbranquiçada.
Seus olhos não conseguiam mais fixar outra coisa senão o rosto triste e sereno de Lélia, ao mesmo tempo em que esta, igualmente surpresa, não sabia como se conduzir naquele momento.
Sem que os demais entendessem o que se passava, o juiz convocou a testemunha a que contasse tudo quanto tivesse conhecimento e que respondesse às perguntas que lhe iriam ser feitas.
- O senhor conhece os fatos e as acusações que pesam sobre seu senhor?
- Sim - disse Tito, voltando-se para o juiz, tentando controlar o vulcão prestes a explodir.
- O que o senhor tem a dizer sobre eles?
Nesse momento, todo o vulcão de seu passado se projectou sobre seu mundo presente e, não fosse o amparo vibratório de Simeão, naquele momento, ele teria desmaiado ou fugido dali.
Antes de responder à pergunta directa, no entanto, Tito começou a falar do passado, como a se lembrar de coisas muito distantes.
- Um dia, senhor juiz, num distante povoado do interior, um jovem irresponsável se apaixonou por uma moça bela e simples que lhe escutou as promessas e, na adolescência, se entregou a seus carinhos.
As promessas do rapaz eram sinceras, mas, imaturo, não tinha noção das responsabilidades que pesavam sobre os corações que se entregam às paixões da carne.
Assim, aquela moça, cujo nome era Sabina, apresentou os primeiros sintomas da gravidez e os comunicou ao rapaz amado que, sem saber o que fazer, fugiu e a abandonou ao descaso e ao desespero.
Percebendo que a testemunha divagava, o juiz cortou-lhe a palavra, sereno, mas firme, dizendo:
- Mas isso nada tem a ver com o caso que estamos julgando, meu filho.
- Sim, meu senhor, tem muito a ver, se vossa sabedoria permitir que eu termine - falou Tito, envolvido pela emoção e contendo as lágrimas.
Deixando que o mesmo continuasse, retomou a narrativa:
- O tempo passou e esse rapaz nunca mais apareceu para assumir aquela paixão, acreditando que o destino se houvesse incumbido de resolver as coisas.
Com o tempo, ficou sabendo que a jovem Sabina fora expulsa de sua casa pelo pai intransigente, jogada na rua como um cão sem dono, grávida e sem nenhum direito, por ter desonrado a tradição familiar.
Contra todas as posturas de humanidade, a moça, uma quase menina, se viu enxotada do único refúgio que possuía no mundo e, no abandono da rua, nada poderia ter impedido que a morte ou o suicídio a viessem livrar da vergonha da maldição paterna.
Esse rapaz ficou sabendo desses fatos e, ainda que continuasse irresponsável, sentiu por primeira vez um peso na consciência, decorrente de ter sido igualmente co-responsável pelos factos que infelicitaram a vida daquela menina.
No entanto, as aventuras o levaram a se esquecer da dor que, certamente, produzira na alma da jovem que nele confiara.
Mas o tempo não apaga da consciência nem o bem nem o mal que se cometa.
A vingança dos deuses não tarda a chegar e, quis o destino, que o dia de hoje fosse o do acerto de contas para aquele rapaz.
O tribunal seguia em silêncio emocionado diante da narrativa de Tito.
Serápis, pálida, Marcus, atarantado, Lélia, de olhos molhados, todos mantinham o espírito em suspenso, aguardando o desenrolar daquela confissão.
Simeão encorajava o coração de Tito que, à medida que ia se revelando aos ouvidos de todos, como que se visse libertado de uma estreita gaiola, ganhando o ar puro e podendo esticar as asas espirituais há muito amarradas aos grilhões da culpa, se enchia de mais força e confiança em si mesmo.
- Eu sou esse rapaz, senhor juiz.
Eu sou esse irresponsável culpado que abandonou aquela inocente menina ao mundo cruel e destruidor.
E não sei por que forças do destino, eis que sou colocado diante dela, nesta sala, esta mesma Sabina que não sei por que motivos está aqui com esse outro nome - Lélia - mas que se trata da mesma pessoa, credora de minhas desculpas, que serão extremamente pobres para compensar as dores que causei em sua vida.
E dizendo isso, ajoelhou-se diante de Lélia, que chorava de emoção pelas lembranças do passado e, tomando-lhe as mãos calejadas, passou a beijá-las em desespero, humilhando-se diante dela e de todos.
Essa cena durou alguns minutos que o próprio magistrado não ousou interromper.
Tito, transtornado, era outra pessoa agora. Seus olhos brilhavam o estranho brilho do escravo que volta à liberdade, do condenado que vence a barreira do cárcere, do doente que recebe a notícia da própria cura.
Depois, voltando-se para Marcus, Tito afirmou, resoluto:
- Desculpe-me, senhor, mas não posso infelicitar injustamente e por duas vezes a mesma criatura que outra coisa não fez senão confiarem mim.
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Série Lúcius - Sob as Mãos da MISERICÓRDIA / André Luiz Ruiz - Página 6 Empty Re: Série Lúcius - Sob as Mãos da MISERICÓRDIA / André Luiz Ruiz

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 19, 2014 10:23 am

Percebendo que o empregado iria traí-lo, Marcus gritou:
- Lembre-se do futuro que lhe pertence e o aguarda...
- Seu ouro não pode comprar a paz de minha consciência, e dia chegará em que o senhor mesmo vai precisar agir como eu o estou fazendo.
Quanto a mim, chega de carregar minha cela dentro de mim mesmo.
Levantando-se diante de Sérvio Túlio, Tito passou a relatar toda a verdade.
- Ilustre Magistrado dos Deuses, isto não é apenas o testemunho de um fato, é a libertação de um escravo diante de sua própria culpa.
O nobre Marcus sempre se mostrou generoso e amigo para com seus empregados.
No entanto, por nutrir um amor cego e não saber aceitar a derrota diante dos desafios, deliberou cercar a sua amada com um cenário que viesse a possibilitar sua reconquista.
Assim, contando com a ajuda dos que lhe eram mais chegados, entre os quais eu me encontrava, deliberou o sequestro dos filhos aleijados da amada mulher, afastando-os para longe, tanto quanto decidiu envenenar o filho adoptivo de Serápis, valendo-se do bolo envenenado para que fosse levado à casa da família, justamente no horário em que a pequena Lúcia, a filha de meu senhor e sua falecida esposa, estivesse ausente levando a comida para Lúcio e Demétrio.
Com isso, Serápis estaria livre de todos os compromissos com os odientos meninos e poderia, mais facilmente, aceder a retornar aos seus braços.
Como lance final desse plano, minuciosamente organizado, meu senhor decidiu retomar a tutela directa de Lúcia por saber o quanto Serápis e ela se encontram ligadas como mãe e filha, o que facilmente permitiria que a antiga amante voltasse ao palácio na condição de nova esposa.
Há suspeitas dentro de mim mesmo, senhor, de que os filhos sequestrados são fruto de encontro clandestino do senhor Marcus com Serápis, ao tempo em que esta servia em seu palácio enquanto sua mulher, Druzila, ainda era viva.
Estático diante de tais revelações da crueldade e do carácter horrendo de Marcus, Sérvio Túlio perguntou:
- Mas Serápis havia sido fecundada por Licínio, conforme o antigo processo assim o atestara - falou ele confundido.
- Não, meu senhor.
A gravidez se deu em decorrência de relacionamento que meu senhor e Serápis mantinham dentro do próprio palácio e de seus encontros íntimos em afastada residência mantida por ele para tais entendimentos, ao tempo da morte de Druzila.
Segundo ela mesma me revelou, a gravidez da serva amante e a morte da esposa deram origem à necessidade de seu afastamento daquele ambiente para que, da maternidade da serva não decorresse a suspeita do envolvimento de ambos na morte da mulher - afirmou Lélia.
A própria Serápis, aqui presente, poderá confirmar ou não o que vos revelo.
O senhor Licínio assumiu a culpa, ao que tudo indica, para poder salvar-me da morte certa, deixando ao futuro o dever de restabelecer a verdade dos fatos.
Marcus estava à beira do descontrole com tudo aquilo.
Finalmente, a verdade que ele conhecia era revelada a todos os ouvidos e os seus crimes, agora, eram patentes.
O que fazer?
Como se livrar de tais acusações?.
Pensou em fugir do recinto, o que demonstraria ainda mais a sua culpa.
Indignado, tentou mudar o rumo das coisas, gritando:
- É um mentiroso, senhor.
É um homem sem carácter, pretendendo me injustiçar para ganhar mais dinheiro...
- Guardas, prendam o senhor Marcus para que seja acalmado o seu ímpeto, pois o que se ouviu aqui neste dia é mais do que suficiente para condená-lo à morte por todos os crimes que cometeu contra pessoas, contra a justiça e contra os princípios legais do nosso direito.
Atendendo à ordem directa, dois soldados fortes se acercaram de Marcus, que os repelia com força, mas dos quais não conseguia se livrar, carregando-o ao interior do prédio onde uma cela o esperava e onde aguardaria as deliberações do magistrado.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 19, 2014 10:24 am

27 - Desdobramento

Depois de cessado o tumulto com a prisão de Marcus, os envolvidos se mantinham à frente do magistrado que, com a cabeça entre as mãos, tentava concatenar todas as informações e organizar os próximos passos diante de tantas e desconcertantes informações.
- Pelo que posso ver, senhores e senhoras, temos aqui vários crimes envolvendo todos os mesmos personagens.
Não se trata apenas da disputa da guarda de uma pequena jovem, mas, sim, de sequestros e homicídios.
Assim, com excepção de Túlio, o curandeiro, todos os demais aqui presentes estão envolvidos em um ou mais dos delitos.
Por isso, determino que todos permaneçam detidos para que sejam ouvidos e, por fim, todos os fatos possam ser esclarecidos.
Começarei por escutar mais detalhadamente os relatos da senhora Lélia, a remontarem aos idos de sua condição de serva da casa de Marcus e Druzila.
Depois, repetirei o interrogatório com os demais para que a Justiça possa ser efectivada de acordo com os interesses soberanos de nosso maior Juiz, o próprio Imperador.
E dizendo isso, deu ordem aos guardas para que procedessem à detenção de todos, em compartimentos separados, dispensando o curandeiro que em momento algum parecia envolvido em qualquer conspiração homicida.
Depois, voltou a interrogar Lélia, desde os tempos dos factos passados com Druzila, relembrando os pormenores daquele trágico evento e dela escutando todas as informações necessárias ao deslinde do evento em si.
Sem desejar conspurcar a verdade com distorções que não seriam mais condizentes com sua consciência, Lélia procurou ser fidedigna na descrição de todos os detalhes da vida que tivera antes, relatando, inclusive que, depois de ter sido expulsa do lar paterno em decorrência da gravidez, o desespero lhe havia aconselhado o assassínio da criança ou o suicídio, mas, graças à boa mulher que a retirou da sarjeta depois que chegou em Roma fugindo da perseguição dos próprios parentes, de comum acordo resolveu adoptar novo nome e acolher o sobrenome da mãe que a ajudara na solução daquele conflito moral, de onde deixou de ser Sabina e passou a ser Lélia Flávia, como já o conhecemos.
Necessitando criar o filho que nascera sadio, mas que era mais uma boca para ser alimentada, conseguiu o emprego na casa de Marcus e Druzila, onde se fizera mais próxima da patroa que, obcecada pelo amor de Marcus, tudo fazia para lhe chamar a atenção, inclusive cortejar e criar problemas difíceis para os demais servos, entre os quais o próprio Licínio, buscando seduzi-lo e conquistar seus carinhos, já que os do marido lhe eram totalmente escassos ou ausentes.
Com isso, ela própria pretendia enredar o pobre administrador de confiança de seu marido, em uma teia de tentações que tornasse muito árdua a sua resistência aos seus encantos e provocações.
Foi então que Druzila engendrou a excursão ao campo e na qual desejara criar situação embaraçosa a comprometer a integridade moral do fiel serviçal da casa, ocasião em que lhe forneceu o veneno, afirmando que se tratava de um sonífero potente para imobilizar pobre empregado que pretendia vender sua cumplicidade pelo preço dos seus favores sexuais.
Por isso, para se ver livre das investidas do rapaz, confiando nas afirmativas da patroa, ministrou o líquido crendo fosse inocente sonífero, voltando a Roma logo em seguida.
O tempo correu célere e, não muito depois, a desgraça da morte recaía sobre a própria casa principal, atingindo, então, a antiga patroa, com os estertores próprios dos que ingerem violento corrosivo, numa sinistra coincidência que ainda era de todo desconhecida da serva depoente.
Qual não foi sua surpresa quando, depois de investigação em seus pertences pessoais, foi encontrado aquele mesmo frasco, que ficara em seu poder como sendo simples narcótico, mas que, em realidade, tinha o conteúdo que se mostrou letal na própria Druzila.
A partir daí, o juiz conhecia bem o caso e ela não tinha nada mais a acrescentar, a não ser o fato de se ver surpreendida pela intercessão de Licínio a seu favor, sendo certo que, no calor dos fatos, havia sido a própria Serápis quem levantara as suspeitas contra sua pessoa.
Dando por encerrado o depoimento de Lélia, remeteu-a ao cárcere e mandou trazer Serápis, que interrogou da mesma forma, conseguindo extrair mais informações sobre os fatos vividos desde os dias de seu envolvimento com Marcus, ressaltando a circunstância de Serápis ter deliberado fugir da casa levando a filha do casal em seu poder, o que a estimulara a usar do malfadado sonífero que ela havia subtraído do frasco que Lélia lhe havia emprestado para combater a insónia que a atormentava devido ao estado gravídico em andamento.
Usando daquele sonífero - pensava Serápis - faria Druzila dormir e retiraria Lúcia para ferir o pai, amante que não demonstrava a intenção de aceitá-la na casa principesca como sua efectiva mulher.
Também ela não sabia que se tratava de um poderoso veneno, mas, quando percebeu que Druzila morria entre gritos e gemidos, deu-se pressa em abortar o plano de fuga para passar a esperar a oportunidade de assumir o papel de esposa de Marcus, em definitivo, coisa que não ocorreu, apesar de estar carregando no ventre aqueles que viriam a ser filhos do casal.
E vendo a necessidade de eximir-se da culpa ou da suspeita que, naturalmente, recairia sobre ela própria e o amante, esposo da vítima, tratou de inculpar Lélia, cuja prova material com a descoberta do frasco maldito em seus pertences apontava como a única e principal responsável pelo envenenamento.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 19, 2014 10:24 am

A esta altura, Serápis chorava convulsivamente, já que a lembrança de seus actos mesquinhos do passado faziam-na ver como sua conduta houvera sido imoral para com aquela que, apesar de tudo, se tornara sua benfeitora mais tarde, esquecendo seus erros e demonstrando a força do perdão sincero.
Lembrando-se dos exemplos de Licínio, dos ensinamentos de Décio e da bondade de Cláudio, Serápis recusou mentir a fim de beneficiar-se e inculpar Lélia novamente.
Agora que os fatos surgiam de inopino, não mais faria o que fizera um dia, sem pensar nas consequências desastrosas para os que são acusados injustamente.
Lélia era inocente de qualquer ato que a pudesse ligar a quaisquer dos crimes e, se dependesse de Serápis, seria libertada mesmo que toda a responsabilidade tivesse de ser assumida pela depoente.
Por fim, Serápis relatou ao juiz a sua condição de mãe sem auxílio, de mulher abandonada pelo amante depois que constatou o nascimento dos dois filhos enfermos e deformados, tanto quanto a saga de criar os quatro, sendo dois adoptivos e dois naturais.
As expressões de Serápis tocavam profundamente o coração daquele magistrado, que já parecia tão acostumado aos distúrbios sociais e pessoais, mas que, desde há muito não acompanhava tão complexo dilema, a envolver os interesses pessoais e colectivos de forma intrincada e delicada.
A perda do filho leproso, o sequestro dos filhos naturais e a perda de Lúcia representavam, para ela, a perda do sentido de viver.
Nada mais pareceria hábil a lhe restituir o viço e a vontade de seguir lutando.
Se tivesse de morrer na boca das feras, isso mais lhe pareceria um prémio ou um alivio do que uma punição.
Somente os bons exemplos dos antigos amigos que foram exilados e os conselhos de Jesus lhe serviriam de consolação e apoio nestas horas,
Reafirmou a inocência de Licínio, no tocante à paternidade dos filhos que, deforma indubitável, pertenciam a Marcus, o único homem com quem estivera intimamente desde que ingressara nos serviços daquele palácio.
E depois de dar os pormenores e detalhes, foi igualmente dispensada para regressar ao cárcere, onde todos os envolvidos passariam a noite até que o magistrado estivesse convencido de quem libertar e quem manter recluso para levá-lo a julgamento.
Enquanto os outros depoimentos iam ocorrendo, foi mantida na mesma sala destinada a servir de quarto às mulheres, na companhia de Lélia, cuja história triste ficara conhecendo naquele mesmo dia, pela boca do antigo e acovardado namorado.
Entre elas, as confissões se sucederam, procurando Serápis abrir todo o coração como nunca houvera feito para incriminar-se com toda a sordidez que fora lançada contra Lélia.
A amiga ouvia em silêncio toda a confissão dos pormenores e detalhes que, agora encadeados e ordenados, permitiam que fizesse sentido todo o contexto em que se vira envolvida como culpada de homicídio antes mesmo de qualquer julgamento.
Num exercício de autoflagelação moral, Serápis relatou-lhe os pormenores dos diálogos que tivera com Marcus a fim de que ele providenciasse a sua condenação e aliviasse as pressões que buscavam encontrar alguém responsável por aquele equívoco do destino.
Um homicídio sem culpas ou culpados, mas, sim, cheio de pessoas para as quais a morte favoreceria de maneira significativa, o que tornava tanto ela - a serva - quanto o marido infiel, extremamente vulneráveis a desconfianças e perseguições.
Por isso - continuava Serápis - havia sido conveniente que a justiça tivesse em seu poder aquela que poderia merecer o cárcere ou a morte, sem fazer diferença nenhuma para este mundo.
Condenar Lélia seria conseguir tranquilidade para que Serápis e Marcus pudessem dar sequência à vida afectiva, sem obstáculos ou suspeitas.
Este sentimento, contudo, não era mais o que ela própria nutria pela antiga colega de trabalhos domésticos.
O tempo havia transformado o coração de Serápis, e, os exemplos de Lélia no estender-lhe as mãos amigas na adversidade eram a maior vergonha que uma criatura poderia ter que enfrentar no mundo:
receber ajuda da própria vítima inocente.
Ambas choravam e se abraçavam como se desejassem se esquecer das dores múltiplas que se haviam causado desde os idos tempos da imaturidade moral e da falta de Jesus no coração.
E, assim, a noite do cárcere foi, em realidade, a noite da libertação de ambas no sentido de limparem a consciência e o coração de todas as mentiras e sordidezes acumuladas pelo tempo, agora expelidas pela revelação da sinceridade.
Todo lodo que se acumula no fundo permite que a água fique cristalina na superfície, mas não deixa de existir como lodo no fundo. Para purificar a água, é preciso retirar o lodo que, bem processado, poderá se transformar em adubo.
Saber fazer isso é um sinal de sabedoria porque é conduta que não deve ser realizada de qualquer forma, já que não se deve tisnar a água, sujando-a novamente.
Ao tratarmos das questões morais que representam o ideal cristalino de nosso ser, lembremo-nos de que o tempo funciona tanto a nosso favor quanto contra nós mesmos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 19, 2014 10:24 am

É um instrumento de esquecimento e de diminuição de tensões, permitindo que as tormentas do afecto e dos relacionamentos se abrandem. No entanto, cada um deverá saber que, quanto mais o tempo passe, mais estará perto o momento de consertar os equívocos, eis que as situações da vida ensejarão que os adversários se reencontrem, algumas vezes ainda em campos opostos, mas, muitas vezes, dentro da mesma prisão.
Pode ser a prisão da miséria, a prisão da enfermidade, pode ser o mesmo quarto de hospital, pode ser que o culpado esteja hospitalizado e sua vítima venha a ser o enfermeiro que o acaso levou até ali para o entendimento.
Pode ser o credor implacável que, num acidente qualquer, se veja à mercê do mesmo devedor que ele espoliou sem pena nem dó, a retirá-lo das ferragens do veículo acidentado, a expor a própria vida para salvá-lo.
Pode ser a alma luminosa da vítima a visitar a furna espiritual tenebrosa e dali retirar o espírito daquele que lhe foi o algoz infeliz, perdido na escuridão e na dor dos próprios erros.
O tempo, sábio educador de todos, saberá fazer com que os que deixaram coisas mal terminadas possam se encontrar mais tarde, mais amadurecidos pela dor e pelas experiências da vida, para que saibam reparar os erros, entendendo coisas que antes não eram compreendidas e sentindo o coração mais preparado para saberem perdoar, saberem ter compaixão e saberem superar as antigas diferenças.
A mensagem da Boa Nova, que havia sido semeada no espírito das duas mulheres graças aos exemplos de seus benfeitores materiais tanto quanto dos seus amigos invisíveis, havia tido ocasião para amadurecer e germinar, fazendo com que deixassem para trás toda a lamacenta corte de erros, interesses mesquinhos, ilusões materiais, desejos de grandeza, e igualarem-se nas tragédias do coração desiludido, da alma abatida pelo próprio orgulho e da perda de todas as antigas posições de importância ou poder.
Por isso, leitor querido, lembre-se de ser aquele que aproveita o tempo, antes de ser surpreendido por ele.
A seu favor estão os bons conselhos da consciência e os exemplos do Amor de Jesus que lhe pedem para perdoar, para reparar o mal, para pedir desculpa antes que seja tarde demais.
Contra você estão o inexorável transcorrer dos dias, a inflexível condição de mortalidade das criaturas, o arrependimento e a dor por não ter agido enquanto era possível agir, os efeitos nocivos da demora na correcção do mal e, com absoluta certeza, a circunstância de, mais cedo ou mais tarde, reencontrar o adversário ou a pessoa que você feriu como a única que lhe possa ajudar ou a única a quem você possa pedir ajuda.
Não escarneça do tempo que, em realidade, jamais passa em vão.
Talvez, como as duas personagens acima, chegue o dia em que você também tenha que passar uma noite em companhia de alguém que você prejudicou de alguma maneira e que, até agora, ainda não foi capaz de corrigir o mal nem de pedir desculpas.
Sábio é aquele que faz o próprio tempo, não deixando que o destino realize, através da lei de acção e reacção, aquilo que cada um pode fazer através da lei de amor
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 19, 2014 10:24 am

28 - As revelações de Tito

Depois de Serápis, naquele mesmo dia, dando seguimento ao interrogatório dos diversos envolvidos, foi a vez de Tito apresentar-se diante de Sérvio Túlio, revelando a sua versão de todos os factos.
Nesse sentido, buscou historiar, atendendo à curiosidade do magistrado romano, desde o início de seu envolvimento com Marcus, já que era do interesse do juiz, conhecer a sua participação nos casos anteriores que pudessem incriminar os demais envolvidos.
- Não, nobre magistrado, eu não conheci Licínio, a não ser pela sua fama de homem honrado e generoso com os empregados que comandava.
Quando fui colocado no serviço pessoal de Marcus, todos os fatos tristes da sua viuvez já tinham acontecido.
Aliás, alguns meses depois é que fui admitido, justamente quando o nobre senhor se afastou de Roma em viagens pelo interior onde permaneceu por mais de ano, recebendo eu a incumbência de ser auxiliar no transporte de sua bagagem, o que me permitiu ganhar a confiança do patrão.
Observando que não conseguiria qualquer detalhe sobre a circunstância da primeira morte, o magistrado solicitou que Tito continuasse seu relato sobre suas tarefas junto a Marcus.
Foi então que o servo pôde revelar detalhes interessantes do modo de proceder de seu patrão, relatando os diversos hábitos, sua conduta licenciosa, seu afastamento de Roma como que fugindo da responsabilidade paternal, como mais tarde lhe revelou o mesmo patrão, acusando Serápis de imputar-lhe uma culpa pela gestação que não lhe correspondia.
Queixava-se de certa mulher que o perseguia, exigindo que assumisse a criação de seus filhos aleijados, o que motivara a sua longa viagem, afastando-se da capital imperial.
O seu regresso, tempos depois, representara um mistério para Tito, já que o patrão voltara decidido a reencontrar certo amor de anos anteriores, com o qual pretendia reatar relações.
Isso fez com que ele instaurasse um processo de espionagem para averiguar o paradeiro da referida musa de seus sonhos.
Foi aí que ele - Tito - descobrira que referida fonte inspiradora era a mesma mulher que o acusava de pai de seus filhos doentes.
Naturalmente que não lhe cabia, na condição de servo de confiança, questionar ou solicitar explicações a seu patrão, eis que a função do servo é servir como se não tivesse olhos, ouvidos ou boca.
Foi assim que, obedecendo a Marcus, ele próprio organizara a referida rede de espionagem para descobrir que Serápis - a mulher desejada - estava vivendo junto de outro homem ou sob a sua dependência afectiva.
Tal informação produziu uma onda de revolta em Marcus, que deliberou arrumar uma forma de afastá-la do novo protector.
Assim, Tito passou ao relato da ida de Marcus ao cemitério da Via Nomentana, na reunião dos cristãos, na noite anterior ao aprisionamento de Policarpo, tanto quanto, do dia seguinte, ao seu comparecimento junto aos responsáveis pela administração pública como delator do referido encontro, com vistas a conseguir que os benfeitores de Serápis, que lá se encontravam reunidos também, fossem presos e executados, liberando seu caminho para a conquista do troféu de seu afecto.
Isso produziu a detenção de Cláudio Rufus e Décio, cujo destino, para ele, Tito, era desconhecido desde então.
No entanto, depois de ter sido bem sucedido no afastamento dos protectores da mulher, Marcus entabulara o sumiço dos filhos aleijados bem como a retomada da pequena jovem para que, com esse trunfo nas mãos, convencesse Serápis a voltara viver em sua companhia, sobretudo porque, em momento algum, seu nome apareceria envolvido nos trágicos acontecimentos, ocultado por subornos e protegido pela acção de seus servos.
Foi aí que lhe fora atribuída a função de acompanhá-lo no processo de envenenamento de Domício, tanto quanto lhe tocou seguir com os dois outros, sequestrados, para garantir que seriam exilados para muito longe.
O relato de Tito era assaz repugnante, a demonstrar a ardilosa conduta de Marcus, a sua astúcia viperina, o desejo de moldar todos os factos aos seus interesses, custasse o que custasse.
- E, por que você, agora, revela todos estes pormenores tão prejudiciais ao seu antigo benfeitor? - perguntou Sérvio.
- Como já lhe revelei anteriormente, senhor juiz, sempre chega na vida de um homem o momento da suprema vergonha ser encarada.
Eu mesmo sabia que as atitudes de meu patrão eram indecorosas, mas a condição de serviçal, na longa tradição de nossos ancestrais, sempre fora aquela de manter-se fiel e discreto.
Todavia, durante a viagem que levou os dois infelizes ao seu triste destino, algo estranho me aconteceu.
Parece que a voz interna de severos juízes se fizeram ouvir em meu íntimo, como a me prepararem para que começasse a pagar pelos meus erros do passado.
Eu também carrego comigo certas condutas que, agora, me fazem um homem menor diante de meus próprios olhos.
Tive um sonho - e o senhor sabe muito bem como nós devemos respeitar os sonhos que temos - no qual um juiz severo e bondoso me pedia para não prejudicar os meninos exilados, pois eu mesmo tinha severas contas para acertar com a Justiça Soberana dos deuses em decorrência do abandono a que eu próprio relegara certa jovem e o filho de nosso amor fogoso.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 19, 2014 10:25 am

A figura de Sabina me atormentava a consciência.
Engravidara a jovem por quem me enamorara e, fugindo dos deveres, abandonei-os à miséria.
Nunca mais voltei à sua casa, mas soube que ela fora expulsa do lar e precisara fugir para não ser morta pelos parentes, ultrajados com a gravidez sem pai declarado ou conhecido.
Considerada reles prostituta, ficava a imaginar o que seria de sua vida, sem que isso me desse coragem para ir em busca de ajudá-la.
Pensei em esquecer e, no cipoal dos prazeres da juventude, entre as bebedeiras e as outras mulheres fáceis, me permiti entorpecer a dor da consciência, procurando tornar esse fato como algo normal na vida de jovens imaturos.
Afoguei-me em gozos efervescentes, embebedando-me no vinho fácil das aventuras e conquistas que se sucediam para logo mais serem substituídas.
No entanto, a viagem silenciosa e lenta no barco, obrigara a ter que me manter sóbrio e lúcido, o que, certamente, fez voltarem à tona os fantasmas de minhas culpas.
Deixei o porto de Narbonne e regressei pelas estradas até a capital, perseguido pelos remorsos e pela lembrança de Sabina, moça que sempre amei, mas que não tive suficiente coragem para ajudar.
O ancião que me apareceu em sonho me dissera para que fosse bom para com todos, pois isso seria o início do meu resgate, pelo abandono do filho e da mulher amada, mas que eu me preparasse para o dia em que esse encontro pessoal, efectivamente, viesse a acontecer.
Que por mais que eu fugisse de tudo e de todos, jamais conseguiria escapar da Lei Soberana.
E foi mais cedo do que eu imaginara que o referido encontro se dera.
Tão logo cheguei em Roma, a buscar a esperada recompensa pelos meus serviços fiéis e meu silêncio, eis que Marcus me solicita o último ato de violência da própria consciência, a atestar, diante do tribunal, que o patrão não estivera em Roma no dia do sequestro dos meninos e da morte do outro.
Pessoas o haviam incriminado e ele necessitava livrar-se da acusação. Não seria a primeira vez que ele se valeria de seu dinheiro para construir a verdade que lhe fosse mais conveniente e que permitisse que uma outra pessoa, mais pobre, menos nobre, sucumbisse no pantanal da dor, fazendo com que a mentira se transformasse em realidade.
Ele me pagaria ainda mais pela confirmação, aqui, perante vossos ouvidos, do relato que o inocentaria de qualquer crime.
E eu vim para cá com a clara disposição de realizar mais este favor ao meu senhor, quando percebi que a pessoa que seria incriminada como assassina era a mesma moça que eu abandonara grávida na minha juventude tresloucada.
Meu coração não conseguiria ser, novamente, o algoz da mesma criatura.
Entendera, por fim, o carácter do sonho premonitório que tivera, a preparar-me para este encontro fatídico de meu destino.
Diante de meus olhos, estava Marcus com seu dinheiro, Sabina, com sua inocência e eu com a verdade dos fatos e minha culpa.
Entre eles, eu me punha como o que poderia começar a corrigir o erro do passado falando a verdade ou como o que abraçaria a mentira para ficar rico e infeliz pelo resto de meus dias.
E, nesse ponto do depoimento, Tito já não conseguia falar sem conter as lágrimas que lhe visitavam os olhos aos borbotões.
Sem controle diante da verdade amarga que revelava, não conseguira mais manter-se de pé diante do juiz.
Ajoelhara-se ante o magistrado, como a revelar a sinceridade de seu depoimento através da humilhação, a mesma a que se obrigava diante de Lélia, confessando seus erros como um sincero devoto dos deuses a abrir-se diante de suas estátuas, nos impulsos do pedir perdão para os próprios deslizes.
- Pensar em Sabina, presa, culpada por um crime que eu sabia não ter ela cometido, incriminada pela minha palavra ignominiosa, seria o pior de todos os venenos que meu ser poderia ingerir.
Já não bastava a dor pelo erro do passado a me pesar como uma montanha que me esmagava por dentro?
Então, meu senhor, não posso ser melhor do que já fui?
Se essa moça sofreu tudo o que sofreu por minha causa, não poderia eu, ao menos tardiamente, começar a corrigir meus actos nefandos, impedindo que sofresse mais ainda como culpada por um delito que não cometeu?
E se isso me custasse a própria vida, esteja certo, meu senhor, eu a entregaria feliz, libertando-me de meus próprios fantasmas.
Jamais a havia encontrado antes do dia de hoje.
No entanto, parece que nunca me afastei de seu ser.
Sua imagem me povoava os pensamentos todos os dias e a lembrança de seu rosto triste e preocupado do último encontro continuava a marcar minhas visões íntimas.
Estou certo de que, falando a verdade, não estou salvando apenas Sabina de um destino injusto e doloroso.
Estou salvando a mim mesmo da tragédia mais amarga de minha vida.
De joelhos diante de vossa autoridade eu estou me declarando livre, enfim, do martírio de ter sido covarde um dia.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 19, 2014 10:25 am

Finalmente, senhor juiz, hoje eu posso dizer que sou um homem.
Preciso fazer mais para que Sabina se sinta reparada pelos meus equívocos, mas, agora, aqui de joelhos, eu me sinto de pé diante do futuro, vencendo em mim próprio as mazelas da covardia, da venalidade, do servilismo, da ambição que faz homens serem ricos no bolso e miseráveis na alma ao mesmo tempo.
Já não temo nem a justiça de César, nem a presença de Marcus, nem a prisão que me pode encarcerar o corpo, nobre magistrado.
Hoje, já não tenho mais medo de mim próprio.
Talvez o senhor, homem que nunca errou como eu, não imagine o que é carregar o peso da culpa por tantos anos e, por fim, livrar-se dele...
E prorrompeu em uma mistura de lágrimas e sorrisos, batendo no próprio peito, como se desejasse expulsar de seu íntimo os últimos resquícios da própria indignidade.
Não sabia ele que, ao seu lado, o mesmo venerável espírito daquele sonho, o velho e querido Simeão, se encontrava fortalecendo-lhe a determinação, para que seu depoimento, pelo espontâneo e firme, apresentasse a marca da mais pura e lídima verdade.
Ao mesmo tempo, para que ele não se intimidasse diante das possíveis reprimendas decorrentes de sua participação pessoal nos delitos de Marcus, a presença espiritual de Simeão procurava garantir-lhe essa convicção intimorata e essa força espiritual que somente os que se escudam na verdade podem sentir para sempre, como força libertadora de todas as amarras, como porta de passagem para a luz de uma vida com sentido.
Ávida na mentira produz uma atmosfera turbulenta e turva, como as águas reviradas de um pântano.
Ávida na verdade se assemelha a um riacho pedregoso de águas cristalinas e transparentes, frescas e oxigenadas, onde todos podem beber até se saciarem, sem medo.
Essa era a opção que, finalmente, Tito estava fazendo naquele momento, ajudado pelas forças de Simeão que, sem intervirem em sua vontade, serviam-lhe de respaldo, de factor equilibrante, de ponto de apoio para que o rapaz não perdesse a lucidez diante da exteriorização das próprias culpas, comprometendo a integridade do depoimento com a suspeita de estar com as faculdades mentais adulteradas.
Entendendo o estado do servo de Marcus, emocionado igualmente por sua coragem, pelo seu testemunho naquela sala de audiências públicas, o ilustre magistrado deu-se por suficientemente esclarecido e determinou que ele fosse reconduzido ao local em que se via detido, afastado de Marcus, para não lhe receber as pressões directas ou indirectas.
Antes que Tito fosse levado ao seu destino, no entanto, o magistrado lhe disse:
- Engana-se você, meu filho, a pensar que dentro de mim não exista culpa decorrente de erros cometidos ou de condutas incorrectas.
Este julgamento, pelo que estou entendendo, também está sendo uma forma de me redimir diante de minhas próprias misérias e equívocos do passado, Tito.
Por isso, tão bem compreendo os seus motivos pessoais.
Eu também partilho deles nesta hora em que a vergonha das próprias fraquezas vai sendo transformada em força que nos faz reformar a própria vida, na construção de uma dignidade que não depende de cargos ou de aparências, mas que é pulsante e verdadeira, na riqueza ou na miséria, no poder ou no anonimato.
E assim dizendo, autorizou aos guardas que conduzissem o depoente até o cárcere, onde aguardaria a deliberação final do magistrado.
Restava ao juiz escutar Marcus, o maior implicado em todas estas teias abjectas e vis.
Enquanto esperamos o desenrolar do seu depoimento, entretanto, observemos como estão as coisas no mundo espiritual.
Antes do julgamento, Druzila, a antiga esposa, liderando os processos persecutórios de Marcus, Serápis e Lélia, mantinha-se toda eufórica, controlando a situação em todos os detalhes e fazendo com que Marcus não atendesse à solicitação de não levar as coisas até o limite, forçando a verdade, devolvendo Lúcia a Serápis ou, pelo menos, não pretendendo prejudicar as já tão infelizes mulheres.
Tal inspiração lhe fora transmitida em sonho pelo próprio Zacarias, com o fito de impedir que uma tragédia de grandes proporções se delineasse na vida de todos, simplificando o resgate de seus erros, modificando para melhor a jornada dos envolvidos e acabando com os conflitos.
No entanto, enovelado pelos próprios pensamentos viciosos e pelas interferências do espírito que aceitara como fonte de intuições criminosas, Marcus não dera qualquer valor às solicitações do Bem, preferindo seguir com suas planificadas estratégias, alimentadas pelo fato de descobrir que Lélia, a antiga suspeita de envenenamento, encontrava-se novamente no centro de outro crime da mesma natureza.
Até aí, Druzila também seguia soberana, acreditando que seus actos e projectos estavam dominando o panorama das personagens a quem devotava ódio mesquinho e desejo de vingança.
No entanto, sobre eles todos, pairava a Soberana Sabedoria que, permitindo que todos estes mecanismos mobilizassem forças inferiores, na verdade os estava usando para que a verdade de todos os crimes viesse à tona, restabelecida a efectiva ordem dos fatos, patenteando as reais responsabilidades por todos os crimes.
Foi assim que, sem controlar Tito nem Lélia nem Serápis, Druzila começou a ver ruírem seus castelos no mal.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 19, 2014 10:25 am

A prisão de Marcus correspondeu a um verdadeiro golpe em seus projectos, enfurecendo-a de tal maneira, que as próprias feições espirituais, por si só deformadas, assumiram a monstruosidade de difícil e imprópria descrição.
Pelo facto de estar jungida a Marcus, como aquela que dirigia seus pensamentos num processo simbiótico estranho e muito comum entre encarnados e desencarnados que se sintonizam, Druzila como que se vira detida também na mesma cela.
No entanto, em vão fazia esforços para sair dali, como um encarcerado que procura deixar os limites estreitos da prisão onde se vê encerrado.
Isso porque os espíritos superiores, que tudo observavam de mais alto, produziram também linhas de força que mantinham Druzila e a maioria dos seus mais próximos asseclas, detidos no mesmo ambiente.
E se as acomodações materiais eram desfrutadas apenas por Marcus, no mesmo ambiente, do lado invisível, havia uma verdadeira multidão de entidades presas, todas agitadas e surpresas com o fato de não poderem sair dali.
Pouco acostumadas ao processo de reclusão daquele tipo, voltavam-se contra Druzila, como a lhe exigir que desse um jeito naquilo.
Afinal, ela era aquela que os dirigia, aquela que os havia convocado para a vingança, aquela que se arvorara em cobradora de Fúlvia, Pilatos, Suplício, a transferir para a nova jornada carnal daquelas almas os processos de perseguição e de reparação violenta dos erros perpetrados.
As entidades, até então iludidas pelas suas promessas de vingança, sentiam-se enganadas, levadas a uma armadilha que não supunham capaz de detê-las.
Todas se voltavam contra Druzila, cobrando-lhe a liberdade.
- Tire-nos daqui, sua megera mentirosa, sua demónia traidora - gritavam uns.
- Você nos traiu, sua víbora - falavam outros, ameaçadoramente.
- Se você é tão poderosa como sempre disse e pareceu ser, saia daqui e nos leve junto.
Os desafios eram contundentes e chegavam às portas da agressão.
Tendo-se transformado em um monstro de expressão horripilante, muitos dos que se viram na mesma situação se intimidaram, buscando se afastarem o máximo possível.
No entanto, outros havia que não se importavam com o estado desequilibrado ao extremo daquela triste alma.
Ao se ver assim intimidada, Druzila percebera o problema que tinha pela frente, já que, ela própria não conseguia deixar o ambiente onde se via reclusa, não importava o que fizesse para sair dali.
Sem ter como resolver a questão, Druzila apresentou como único argumento a acção de forças do "Cordeiro" a impedir que a Justiça fosse feita.
No entanto, - prometia ela - assim que Marcus saísse para ir ter com o magistrado, todos sairiam junto com ele.
Nem ela sabia se isso seria possível, mas, como não tinha outro argumento, preferiu liberar-se das pressões insuportáveis de que vinha sendo objecto, usando tal perspectiva de fuga no momento oportuno.
Não sabiam eles, no entanto, que do mesmo modo que os homens haviam instaurado naquele local a casa da justiça terrena, a Bondade Superior havia, também, implantado naquele mesmo ambiente, a Casa da Justiça Celeste, de forma a apresentar a estrutura que lhes serviria de espécie de tribunal das próprias culpas, aproveitando-se do ensejo com que as culpas humanas iam sendo averiguadas e remediadas.
E do mesmo modo que as duas mulheres e Tito já haviam sido ouvidos pelo magistrado, começaram a ser retirados da cela espiritual, um por um, os diversos espíritos que se haviam acumpliciado com Druzila para as vinganças aos envolvidos naqueles crimes.
Eram levados a salas onde os processos de julgamento não se viam eivados pelas influências e interesses humanos.
Cada qual, antes de ser interrogado pelos três juízes que tinham diante de si, era postado diante de pequena tela individual, na qual sua vida era apresentada integralmente, num processo de rememoração rápida, nos lances mais dramáticos ou dolorosos, belos ou tristes, como a lembrar ao indivíduo dos compromissos que ele próprio assumira pelas atitudes já cometidas um dia.
Além do mais, certos lances de vidas anteriores também lhes eram rememorados para que as causas de ontem pudessem ser entrevistas nos efeitos de hoje e os porquês acabassem entendidos.
Cada um que visualizava a apresentação não consumia mais do que poucos minutos para inteirar-se dos fatos que lhe correspondiam e, em nenhum caso, um único espírito ousou questionar a correcção das cenas.
Quando terminavam de ver, geralmente, estavam em prantos de vergonha ou de arrependimento.
Depois disso, entidades generosas os levavam até a presença dos três magistrados.
Um deles, dando-lhe as boas-vindas àquele tribunal, perguntava se o indivíduo tinha alguma dúvida sobre o que havia visto ou se discordava de alguma coisa do que havia constatado.
E um por um, todos foram unânimes em reconhecer que não havia nenhuma mentira ou nenhum exagero.
Alguns perguntavam o que era aquilo, porque se tratava de uma forma estranha de relembrar.
Outros perguntavam se aquele era o tribunal dos deuses de Roma, acostumados aos seus modos religiosos tradicionais.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 19, 2014 10:25 am

Para todos os espíritos ali submetidos à avaliação, uma resposta fraterna e esclarecedora era dada pelo magistrado espiritual que lhes dirigia a palavra.
Nenhum dos averiguados, no entanto, se queixou de serem mentirosas aquelas imagens.
A seguir, o segundo magistrado lhes perguntava se achavam correctos ou justos os seus actos, adequadas ou boas as próprias atitudes.
Se eles achavam que o que haviam feito guardava alguma ligação com a Justiça Superior.
E, invariavelmente, a confusão, a perplexidade, a vergonha, o arrependimento, o erro, a culpa, eram as respostas que emitiam, ao perceberem que eles estavam fazendo coisas más contra pessoas que lhes haviam beneficiado de alguma forma, hipnotizados pelos tentáculos vingativos de Druzila.
Alguns haviam sido alistados pelo simples prazer da aventura de perseguir por perseguir, outros para conseguirem créditos que lhes permitissem solicitar ajuda em outros processos de vingança que lhes interessava instaurar.
Nesse momento, o choro convulsivo se tornava mais amargo, porque os espíritos se viam diante de si mesmos, sendo chamados a revelar o que eram pelas próprias palavras.
A um ou outro mais difícil ou menos disposto a compreender a própria condição, era-lhe facultado voltar ao aparelho para averiguar mais um pouco de si mesmo, coisa que poucos aceitavam fazer, antes de reconhecer a própria culpa.
Dali não havia como fugir.
O ambiente sóbrio e imponente daquelas entidades divinizadas, ao olhar despreparado dos espíritos imaturos, representava um factor magnetizador, como se não fosse necessária a presença de guardas, de grades ou de ameaças.
Não faltou quem, nesse momento, se ajoelhasse diante dos juízes, como que a se confessarem diante dos próprios deuses de suas crenças mundanas, surpreendidos na prática de coisas erradas.
Depois, então, que esta segunda etapa de despertamento acontecia, o terceiro juiz se dirigia ao averiguado, perguntando-lhe:
- Meu filho, qual é a punição ou o prémio que acha que merece pelos actos que você cometeu?
E, também, quase que invariavelmente, todos se reconheciam indignos de qualquer favor divino, dizendo que para os crimes que haviam praticado, a pena adequada seria a mais cruel e a mais dolorosa: o inferno a que chamavam de Tártaro.
- Ainda que você ache que mereça o inferno e que, se o receber, isso não o surpreenderá, vindo mais como o esperado prémio para lhe aliviar as próprias culpas do que como injusto castigo, porventura aceitaria uma outra sentença diferente dessa condenação que você está se dando? - perguntava o terceiro magistrado.
- Só se existir algo que seja pior do que os tártaros - respondia a maioria dos interrogados.
- O pior lugar para os culpados, ainda mais cruel do que o Tártaro, meu filho, você já está nele.
É a consciência de seus erros e a vergonha de os ter cometido.
O que Deus está oferecendo-lhe é a sublime oportunidade de você corrigir o mal que foi praticado, em vez de estar em aflições eternas no lugar dos suplícios.
- Mas isso é possível?
- Não é possível que o Sol nasça todas as manhãs?
Que o céu volte a ser azul apesar das tempestades que o enegrecem por instantes?
Que a Terra volte a produzir na primavera depois de ter estado coberta pelo gelo que mata toda a vida?
Que o corpo volte à saúde depois da enfermidade?
Por todas estas manifestações, meu filho, Deus deseja que aprendamos que é possível ser bom depois de ter sido mau e é esse o convite que ele lhe oferece no lugar do inferno que você sabe que merece por suas próprias culpas.
Você aceita trabalhar no bem para restaurar o mal que foi praticado?
E a cena comovedora se repetia sempre, quando as entidades viam brotar um brilho novo no olhar mumificado pela desilusão e pelo tempo desperdiçado no erro.
Alguns pediam para beijar as mãos de tão augustos representantes do deuses, outros ainda não se diziam merecedores da compaixão, alegando que havia muita culpa neles para que nova oportunidade lhes fosse concedida, mas que se isso fosse possível, eles a aceitariam e tudo fariam para corrigir o mal...
Esse era o julgamento que o mundo invisível proferia para criaturas naquela condição.
O processo, mais do que um amontoado de documentos e provas, era o arquivo de experiências contido em cada um dos espíritos tanto quanto em cada um dos encarnados.
A sentença não era proferida pelos magistrados, mas, sim, pelo indivíduo que se apreciava a si próprio.
E aos magistrados competia, tão somente, exercitar a misericórdia em nome de Deus.
Essa é a Justiça do Universo, queridos leitores.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 19, 2014 10:25 am

É a Justiça que nos perseguirá para onde formos, a nos apresentar, indelevelmente, a nudez do que somos.
Os Tribunais Celestiais são verdadeiras Cortes de Misericórdia, nas quais, espíritos sábios e amadurecidos nas tragédias das humanidades sabem avaliar as necessidades da criatura frágil e, aplicando o grau de misericórdia indispensável à sua recuperação, modelam e esculpem a alma aflita para que se transforme em um ser melhor por força do Amor e não por acção do Ódio ou da Vingança.
Por isso, querido irmão(ã), cada nível de evolução tem seus próprios processos específicos de avaliações, mas, em qualquer deles, não espere por um julgamento no qual você se apresente mais como vítima do que como réu.
Não pense que juízes inflexíveis estarão esperando-o como carrascos a extraírem, mediante tortura, as afirmativas mentirosas para usá-las como elemento de condenação.
Não espere algum tipo de cerimónia faustosa na qual apaniguados e gordos magistrados, investidos da toga negra, venham a esquecer seus próprios defeitos para se arvorarem em sentenciadores dos infelizes.
Não!
Os que esperam o dia do Juízo, como se fossem os inocentes e imaculados seres a aguardarem, dormindo, o momento de serem levados ao paraíso, serão surpreendidos tristemente, diante da celeridade e objectividade desse procedimento.
Tolice e ingenuidade que não os livrarão da realidade de terem que enfrentar o filme de sua própria vida, de seus próprios pensamentos mais ocultos, dos gestos de amor, de renúncia, de sacrifício, de coragem no Bem, tanto quanto de seus sentimentos mais pervertidos, mais mesquinhos, de suas ideias mais vis, de suas palavras mais torpes, como se uma testemunha oculta registasse não apenas as aparências dos actos ou condutas, mas, além disso, toda a essência dos pensamentos e sentimentos que geraram os comportamentos.
Como espíritos imortais, não imaginemos os Tribunais Celestes como cortes de acusação ou como dispensadoras de punições.
Esses são os tribunais humanos, por falta de outros recursos na averiguação da verdade real.
Os Tribunais de Deus são casas de despertamento, hospitais da consciência, onde espíritos generosos, em nome da Bondade do Pai, são os dispensadores do sublime remédio que salva da loucura, da insanidade espiritual aqueles que se descobrem mais culpados do que os que perseguem: o sublime remédio da MISERICÓRDIA.
São Templos Sublimes onde estaremos sempre como réus e juízes, encarcerados e carcereiros.
Os magistrados do Amor farão os papéis de médicos da alma e enfermeiros da bondade, a conduzirem nossa ignorância aos caminhos rectificadores do esclarecimento e não aos antros pervertidos e fumegantes do inferno.
Procure entender isso enquanto você não tem que assistir a sua vida passar nos mínimos detalhes depois que seu corpo perecer.
Enquanto seu corpo tem vida, comece a ser aquele que rectifica e esclarece, corrige e coopera no Bem.
Sabendo que essa é a lei da vida, você saberá como agir enquanto é tempo para que as boas atitudes sejam as únicas advogadas decentes e eficazes do seu carácter frágil e em crescimento.
De qualquer forma, desse tribunal, desse Juízo você não escapará, ainda que pense que seu espírito vai ficar dormindo por um tempo depois que a morte destruir seu corpo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 19, 2014 10:26 am

29 - O julgamento de Marcus

Depois de longa espera, perdido entre a surpresa dramática de seu encarceramento e a agonia de estar, agora, revelado perante aquele magistrado, restava que Marcus se apresentasse ao salão onde lhe seriam tomadas as informações como o que aconteceu com os demais.
O pior era o facto de que ele não tinha ideia nenhuma do que cada testemunha havia falado a seu respeito nem possuía condições de avaliar como melhor se conduzir perante aquele que, agora, deveria ser quem o julgaria.
Conduzido à presença do nobre magistrado, procurou manter o ar de importância de sua condição, confiando que uma certa dose de ousadia o ajudaria a lembrar à autoridade a sua condição de romano, de importante ou de rico representante da casta mais respeitada da sociedade.
No entanto, apesar de sua empáfia, de sua arrogância, o seu estado denotava a sua deficiência geral, a condição de um indivíduo que se sabia em débito com a lei, com a verdade e com a correcção de proceder.
O velho orgulho, contudo, dava sinais de sua existência, mantendo os padrões de pensamento viciosos daquele homem que só crescera no corpo, esquecendo-se de se tornar adulto no espírito.
Colocado diante do julgador, cujo coração vinha navegando nos mares revoltos da repulsa diante de todos os fatos constatados, mas que buscava a serenidade indispensável para cumprir seu papel de forma consciente e responsável, Sérvio Túlio começou o interrogatório, sem olhar para o réu, mas percebendo sua aparência desafiadora:
- Quanto ao senhor, quais são as suas argumentações sobre os fatos em si?
- Ora, nobre magistrado, repito o que já lhe informei.
Sou aquele que é vítima de um complô de pessoas inescrupulosas que eu ajudei, que assalariei dentro de minha casa e que, não satisfeitas em matarem minha primeira esposa, agora pretendem acabar comigo.
- Senhor Marcus, quero adverti-lo de que, mais do que os crimes que já pesam sobre a sua pessoa, mentir perante um magistrado romano no exercício de suas funções divinas é a mesma coisa que fraudar os deuses que nos protegem, consistindo em um outro crime, cuja punição será mais dolorosa do que a das outras penas.
A sua posição de rico patrício não impedirá que tal justiça seja feita.
Observando que Sérvio Túlio não se permitia intimidar, Marcus procurou assumir o tom mais íntimo, não sem antes relembrar ao magistrado as antigas relações de amizade e os contactos que já haviam tido outrora.
- Veja nobre juiz, trazemos em nosso sangue as mesmas tradições que nos permitiram o entendimento no passado, que me franquearam a intimidade de sua casa, onde era recebido sem objecção e onde sempre pudemos nos entender diante das dificuldades que enfrentávamos nos problemas da justiça e das melhores decisões.
Percebendo a tentativa do réu em criar-lhe embaraços na aplicação da isenção, através da subtil lembrança dos pretéritos compromissos de cumplicidade, Sérvio Túlio levantou o rosto dos documentos que tinha diante de seus olhos e, com voz firme para que todos escutassem, respondeu, sereno:
- Nobre Marcus, nosso passado nada tem a ver com o que estamos discutindo.
Aliás, julgava-o digno de minha intimidade e, quando sua opinião se fazia importante, realmente, tivemos ocasião de nos entender sobre as questões do mundo, acreditando eu que tal privilégio fosse entendido como um voto de confiança de um magistrado romano em um outro romano que pensava digno de tal deferência.
No entanto, desde a fatídica ocasião em que, por desejar acelerar os processos de punição, estivera em minha residência a cobrar providências de assassínio e vingança, fiz questão de romper com a sua pessoa todos os vínculos de intimidade que pudessem fazer parecer que minha independência de julgamento estava, na verdade, dependente de suas pressões, de seus presentes ou de suas influências materiais.
Assim, por todas as palavras que neste instante sua boca profere, reconheço o acerto de minha conduta ao expulsá-lo de minha casa, declarando-o mal vindo em quaisquer ocasiões, tal a indignidade de suas conclusões acerca de minha pessoa e das possíveis fragilidades de meu carácter.
Se sou um ser cheio de equívocos, como não os faltam nesta cidade, estarei prestando contas aos seres que me garantiram a posição de magistrado nesta corte, réu da minha própria consciência, coisa que não costuma acontecer com os demais romanos, principalmente com os de melhor nível, cuja consciência moral está em piores condições do que a "cloaca máxima"( *)
Percebendo que sua posição piorava a cada momento, Marcus se viu atarantado, sem saber como agir.
Observando-lhe o mutismo, Sérvio voltou a perguntar:
- O senhor já esteve em uma reunião de cristãos, no cemitério da via Nomentana?
Acabrunhado com a pergunta directa, Marcus procurou afirmar a sua inocência, dizendo:
- Sim, uma vez, quando fui compelido a ali comparecer para desvendar uma situação que me prejudicava, a fim de denunciar os seus participantes ao governo da cidade, como o fiz, prestando um serviço ao nosso imperador, que muito tem feito para punir os que pertencem a esta seita cristã.
- Sobre a morte de Domício, o que o senhor tem a declarar?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 19, 2014 10:26 am

- Ora, sou inocente, nada fiz...
- Sobre o sequestro de seus dois filhos, o que tem a declarar?
- Eu não tenho filhos...- gritou ele, descontrolado - aqueles monstros são filhos de Licínio, como ele mesmo confessou perante o senhor.
- Sobre o exílio desses dois meninos - filhos de Licínio como você diz - qual é a sua alegação?
(*) Nome dado ao principal sistema de esgoto subterrâneo implantado em Roma.
- Eu não sei o que aconteceu com eles - já disse...
- Sobre o testemunho de Serápis, de que ambos foram amantes e que mantinham um local para os encontros amorosos, dos quais decorreu a gravidez da serva?
- É uma louca querendo meu dinheiro, fazendo chantagem.
- Sobre o testemunho de Lélia, que afirma tê-lo visto na casa de Serápis, carregando um embrulho e saindo apressado do local?
- Ora, meu senhor, isso é pura invencionice de quem tem raiva de mim por ter pedido a sua condenação como culpada pela morte de Druzila, coisa que se tivesse acontecido mesmo, nos teria evitado todo este tormento de agora.
Melhor que estivesse morta já há quase dez anos.
Vendo a crueldade e a frieza do depoente, que ainda não atinara para a condição de réu que assumira em toda a trama que se desvendara, Sérvio Túlio terminou o interrogatório indagando:
- E sobre o depoimento de seu servo de confiança, daquele que você mesmo trouxe aqui para livrá-lo das acusações e que, diante da verdade, não se acovardou e revelou todos os fatos, o que você tem a dizer?
- Que é um ingrato, que comeu do melhor, que se beneficiou de minha riqueza e que, agora, vendo-se em uma posição de importância, talvez tenha-se permitido vingar-se de alguma mágoa que carrega, da inveja de ser apenas um empregado que pode prejudicar o seu patrão.
Bem sabe o senhor, nobre juiz, como são as classes inferiores, quando estão na situação de poderem causar dano aos seus benfeitores.
Não se sabe o que vai na alma humana nestas horas, mas, com certeza, o despeito, a ambição, a alegria de fazer mal aos que estão acima deles é um poderoso estímulo para que se aproveitem dessa ocasião e mintam para livrar o próprio pêlo, como se fossem inocentes criaturas, singelos cumpridores de ordens desumanas, partidas dos seus superiores.
Essa é a única forma de entender o que se passou aqui, com esse infeliz bandido, traidor de minha confiança... - terminou de falar, trémulo, gaguejante, aparentando descontrole e desespero.
Escutando-lhe as palavras, o magistrado deu por encerrado o interrogatório e determinou que, no dia seguinte, todos os quatro componentes daquele julgamento fossem trazidos à sua presença para que escutassem a sua deliberação.
Marcus foi reconduzido à cela que ocupava e os demais, apreensivos, não sabiam o que os esperava.
Afastados os envolvidos, encerrou-se o juiz em sua sala de trabalhos para meditar sobre todos os detalhes daquilo que, a começar em uma querela sobre a guarda de uma jovem, tornara-se a ponta da meada, a elucidar tantos crimes, ocultos pelos interesses mesquinhos da alma humana, pelas lutas de poder, pela deficiência do senso moral naquela sociedade de podridões recobertas por mármores raros.
E o que acontecia em pequena escala nos ambientes privados, a envolver um senhor e seus servos mais pequenos, certamente se reproduzia em escalas mais volumosas nos níveis superiores da administração, onde a astúcia e a maldade tinham que ser refinadas e onde o poder era de vida e de morte.
O pensamento de Sérvio viajava sobre as questões filosóficas da vida, a imaginar a responsabilidade dos políticos que se apresentam como representantes do povo, mas que, sorrateiramente, às suas costas, manipula, vende, compra, corrompe para que sua estadia no poder lhe renda os dividendos materiais que lhes forneça uma "velhice honrada".
Quantos não morreram nas carências, nas dificuldades, nas lutas e na ausência das menores oportunidades para que apenas um espertalhão e oportunista pudesse conquistar a “sua aposentadoria tranquila”?
Ali, diante de seus olhos, estava a teia das ignomínias.
A morte de Druzila, envenenada, a morte do funcionário da fazenda, envenenado, a acusação injusta de Serápis e a igualmente injusta prisão e a quase condenação de Lélia, a morte de Licínio, martirizado injustamente, a morte de Domício, envenenado, o sequestro dos dois meninos e seu destino incerto, a sua aproximação do culto cristão, o jogo de interesses e as tramas de bastidores que redundaram na prisão de Cláudio Rufus e Décio, na prisão e execução de Policarpo e na desgraça de outros tantos, o esforço de se incriminar Lélia novamente, e tudo isso pesava principalmente sobre Marcus e, em segundo lugar, sobre Serápis.
Em relação a Marcus, estes seriam os delitos conhecidos, sem se falar ou cogitar dos outros que não estavam visíveis, fruto de sua conduta naturalmente corruptora, caprichosa e interessada no comando das coisas segundo seus desejos caprichosos.
Com relação à Serápis, a longa lista de sofrimentos e seu histórico de atendimento a crianças miseráveis se levantava a seu favor a indicarem uma certa punição para seus interesses asselvajados.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 19, 2014 10:26 am

Afinal, nenhuma vantagem conseguira e terminara por ver aumentados os seus prejuízos.
Além do mais, sobre Marcus pesava a sua condição de patrício, da qual se esperava uma conduta que pudesse servir de exemplo para os menos aquinhoados, como mandava a antiga tradição patriarcal, herdada dos ancestrais.
Lélia e Tito se apresentavam como criaturas úteis aos interesses de Marcus, a manipular suas vidas como um predador que se diverte com sua presa, apavorando-a antes de devorá-la.
Seu pensamento organizava as deliberações que se tornariam definitivas a partir de sua decisão, como o permitiam as leis e costumes de seu tempo, não sem antes se preocupar com a melhor opção, a que pudesse fazer a justiça não apenas na questão da pequena Lúcia, mas, sim, na punição de tantos e tantos crimes que se acumulavam e que, até então, pareciam nunca terem existido.
A noite correu para ele como se não tivesse existido.
A aurora do novo dia assinalava ao juiz o marco de sua própria reabilitação moral perante a consciência de magistrado, que o acusava de indigno representante da Verdade pela condenação injusta de Licínio, na teia de interesses que fora traçada pelo patrício romano.
Assim, logo pela manhã, Sérvio Túlio ultimou os detalhes da decisão mediante a qual procuraria realizar a punição de todos os crimes e a reparação de todas as injustiças, e rumou para a Casa da Justiça na qual haviam pernoitado os integrantes desse drama triste que a ele incumbia desvendar e resolver.
Por isso, tão logo chegou, instalou-se na sala principal e determinou que fossem todos trazidos à sua presença para que escutassem as decisões inapeláveis.
Perfilados e trémulos os homens, serenas e calmas as mulheres, todos esperavam pela palavra do juiz, rigidamente observados e separados por soldados que mantinham a ordem entre eles, impedindo qualquer tipo de conversa ou ameaça, intimidação ou briga.
Marcus, naturalmente, tinha ímpetos de esganar a todos os outros, principalmente a Tito e a Lélia, que, segundo suas avaliações, haviam sido os miseráveis que mais o prejudicaram naquele julgamento.
Já entrevia seus passos para depois de sair da corte e demandar suas amizades mais importantes para vingar-se, tanto daquele juiz insolente que o mandara prender, quanto dos que, como reles serviçais, o fizeram humilhar-se em uma casa de justiça como aquela.
Mesmo nessas condições, o pensamento de Marcus não conseguia fugir das antigas formas de proceder, embaraçando-se nas próprias amarras, pensando que as coisas materiais e as posições sociais durariam para sempre em sua vida.
Seu estado mental, assim, apresentava a alucinação própria dos que se encontram no limiar do desequilíbrio geral, afastados da perfeita avaliação dos fatos com a nitidez e o bom-senso mais comuns.
Não tardou muito para que o juiz desse início à deliberação para apreensão dos que, finalmente, tinham dívidas a acertar.
Depois de adoptadas as naturais condutas ritualísticas próprias da reverência aos deuses romanos, notadamente à que simbolizava a Justiça, o magistrado tomou a palavra e começou a pronunciar-se:
- Antes de informá-los sobre seus destinos, gostaria de preferir-lhes algumas palavras que, longe de serem ordens, são singelas exortações para o futuro de suas vidas.
A começar de uma disputa sobre uma quase criança, os caminhos da verdade trouxeram à tona toda a trama que foi urdida sobre a vida de muitas outras pessoas.
Homens e mulheres morreram, foram torturados, envenenados, crianças foram mortas ou sequestradas, pessoas foram injustamente condenadas, somente para que os caprichos humanos pudessem continuar desfilando suas poses e desfrutando de suas regalias.
Não pensem que a mentira poderá prevalecer para sempre e que, ainda que nada disso se tivesse apurado por força dessa "casualidade", isso ficaria impune nos tribunais celestes.
Nunca se esqueçam de que, se os homens não vêem seus crimes mais ocultos, os deuses sabem e os testemunham.
E tudo o que aconteceu aqui nestes dois dias é a maior prova de que a vontade dos deuses era a de que a Verdade surgisse e a Mentira trouxesse os seus nefastos efeitos sobre aqueles que a cultivam.
Nunca se esqueçam de que é melhor o reconhecimento do equívoco do que a ira dos deuses a fazer o mentiroso rolar do pedestal de sua pose para a poeira do nada.
Por isso, não imaginem que aquilo que escutarão aqui represente a minha vontade pessoal como um imperfeito representante dos deuses na Terra. Não.
O que vocês receberão é o fruto de seus próprios actos, nos comportamentos que semearam diante da lei que os avalia e os premia ou pune.
Eu sou apenas o singelo ajustador que, como um pedreiro, precisa cortar a pedra no tamanho do buraco onde deverá ser colocada, na grande estrutura da Verdade que a Lei tenta proteger e privilegiar para o bem de todos os cidadãos.
E por mais que ricos e pobres furtem ou matem, envenenem ou traiam, que nobres se hostilizem, que miseráveis invejem, que magistrados enganem, que sacerdotes fraudem, que imperadores corrompam, que reis espoliem seu povo, o que importa é que, hoje, cada um de vocês é que está sendo apreciado pelo padrão de suas próprias condutas.
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Série Lúcius - Sob as Mãos da MISERICÓRDIA / André Luiz Ruiz - Página 6 Empty Re: Série Lúcius - Sob as Mãos da MISERICÓRDIA / André Luiz Ruiz

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 19, 2014 10:26 am

Assim, não agradeçam a mim nem maldigam as decisões que se baseiam tão somente naquilo que vocês mesmos fizeram, na Mentira ou na Verdade que vocês próprios viveram.
Depois do intróito, Sérvio passou a individualizar sua decisão, para definir o destino de cada um dos envolvidos.
Dito isto, considero que Lélia merece as desculpas do Império e desta corte, tanto pela primeira reclusão injusta de anos atrás quanto pelos constrangimentos de agora, já que, em realidade, nada pesa contra sua pessoa e, ao contrário, sua sinceridade e sua correcção a tornam digna da mais alta consideração desta corte e de minha pessoa, estimando que todas as mulheres de Roma deveriam espelhar-se em seu perfil para que nossos costumes se purificassem.
Com relação a Tito, considero que a sua posição de servo vinculado aos deveres de sua casa e seu amo o obrigaram a manter a posição de obediência, como é da tradição de nossa sociedade, inclusive preservando o patrão de questionamentos que não lhe seriam próprios realizar.
Enaltecedora também a sua postura de arrependimento diante de seus erros passados, como o envergonhado que encontra a chance de se redimir diante de si próprio, se não corrigindo o mal de antes, evitando que um outro mal ainda mais grave viesse a se consumar sobre a mesma criatura desditosa que lhe recebera as promessas de amor dos tempos juvenis.
E como as acções indignas de seu amo estariam, agora, a produzir ainda mais males, considero justificadas as declarações do servo, a romperem o liame de confiança que deverá sempre existir entre ele e seu patrão, para que isso não signifique o acobertamento de crimes e de lesões a direitos muito mais sagrados do que os da fidelidade servil.
Quanto à Serápis, considero-a vítima de suas próprias ilusões, deixando-se levar pelos apelos da ambição e da carne, mas, apesar disso, assumindo as consequências dessa conduta.
Sua postura ardilosa em relação à Lélia correspondeu a um delito que precisará ser punido para que ela jamais se esqueça de não acusar sem provas e de reparar o dano que produziu através das dores, da vergonha e do medo que causou na antiga companheira de trabalho, salva da morte pelos esforços heróicos daquele que se entregou ao martírio em seu lugar.
Desse modo, condeno-a a servir como serva de Lélia por dez anos, na residência onde antes mantinha os encontros clandestinos com o amante Marcus, residência essa que confisco das posses deste último para entregar a Lélia como indemnização pelos sofrimentos que teve de suportar e que passa a lhe pertencer doravante, para sempre.
Assim, a mesma casa onde ela serviu como empregada não remunerada aos filhos da sua algoz, agora a receberá como a proprietária a ser servida por Serápis, como sua serva.
Declaro Lélia a tutora vitalícia de Lúcia, que se responsabilizará pela sua criação e pela administração de um legado de cinco grandes sestércios que lhe será conferido dos bens confiscados de Marcus, para que tenham um futuro sorridente.
Quanto a Marcus, como o agente destes delitos, directa ou indirectamente, considero-o culpado de todos os crimes aqui levantados, reconhecendo que, se pesa em seu favor a circunstância de ser patrício, pesa contra sua conduta a de traição da pátria, a de mentir perante os deuses, a de fraudar a lei, a de tentar corromper ou intimidar a justiça, a de produzir mortes e perseguições sem fundamento.
Além do mais, sua vida representará um risco para todos os demais romanos já que sua conduta deu mostras de que estará sempre tentando prejudicar aqueles que estejam em seu caminho.
Assim, por todos estes crimes, declaro a sua condenação à morte, com o confisco de todos os seus bens, a repulsa a seu nome e à sua tradição, a maldição dos deuses sobre sua memória, a proibição do culto à sua alma para que possa vagar pelos Tártaros e continuar a expungir os crimes conhecidos e os ignorados pelas autoridades.
E que se faça constar, em sua sentença de morte nas comemorações do regresso de Adriano que estão em andamento, que fora ele traidor do império até mesmo na condição de cristão, frequentador das reuniões clandestinas proibidas pelo Imperador.
- Mas eu não sou cristão - gritou, insolente, o condenado.
Contido com um golpe duro que o soldado presente lhe desferiu para que calasse, escutou do magistrado:
- Você esteve na reunião e confessou isso aqui perante minha autoridade. Isso é o bastante para condená-lo.
Se você é ou não cristão, isso já é um problema de sua consciência.
Afinal, você também não estava muito interessado em saber se Lélia era ou não a culpada pelo envenenamento de Druzila.
Bastava que morresse e isso já lhe serviria.
Não há diferença nenhuma.
Você morrerá no circo, junto do povo, como Licínio morreu condenado por mim, injustamente, exactamente por sua culpa, Marcus.
Tenha a decência de se fazer digno daquele verdadeiro amigo que não poupou a sua vida para salvar a de uma inocente que você queria matar a qualquer preço e que, se lhe fosse possível, hoje mesmo você repetiria a mesma acusação e o mesmo crime de outrora.
Você morrerá carregando sobre si mesmo os crimes que cometeu e a mesma alegação que Licínio apresentou, ou seja, a de que era cristão.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 19, 2014 10:26 am

Seus actos demonstraram que você, livremente, foi a uma reunião dos cristãos.
E depois que são presos por isso, todos os que lá estavam dizem que não eram cristãos, que estavam para espionar e delatar, que estavam fazendo um favor ao Imperador.
Esse é o mesmo caso.
Acha você que a Lei do Império pode considerar essas defesas para inocentar os que a desrespeitam por vontade própria?
Morrer como cristão será, apenas, um prémio para suas mentiras.
Já que você viveu sua vida em mentiras, que morra com elas, envolto em mentira também, uma mentira com aparência de verdade.
E obedecendo aos rituais normais, deu por encerrada a entrevista do julgamento, dispensando as pessoas, determinando o encaminhamento de Marcus à prisão, declarando a sua incomunicabilidade para que não fosse capaz de produzir qualquer tipo de conspiração, no aguardo de sua oportuna execução, nas comemorações da volta de Adriano da sua última viagem pelo Império.
A esse tempo, Lélia e Serápis se abraçavam espontâneas e amigas, felizes pela decisão do magistrado que, segundo elas, foi o mais justo e imparcial possível.
Todos foram encaminhados para fora, a fim de que voltassem às suas rotinas diárias.
Já na rua, fora da casa de justiça, davam vazão à alegria verdadeira da liberdade, sem se importarem com as novas condições que Sérvio lhes havia estabelecido, entre serva e senhora.
A um canto, sem saber o que fazer, estava Tito, também feliz e aliviado, mas aturdido diante da proximidade com Lélia que, em realidade, não o havia percebido fora do recinto.
Passados os momentos de êxtase, ambas as mulheres deram-se conta de sua presença discreta.
Agora chegara para ele o derradeiro momento de pedir desculpas pessoais à jovem injuriada.
Assim que as duas se voltaram para sua figura apequenada, Tito deu o último golpe de misericórdia no próprio orgulho e, aproximando-se de Lélia, disse, emocionado:
- Sabina - eu não sei o que vai ser de minha vida, agora, mas eu não quero seguir para o desconhecido sem dizer que nunca a esqueci e que me arrependo profundamente pelo mal que produzi em sua vida.
Eu não tenho ninguém mais no mundo, mas serei capaz de encarar minha solidão se você estender a este miserável pedinte a esmola de sua compaixão em uma única palavra, em um único sorriso de perdão.
Contendo dificilmente o sentimento, ante aquele desabafo e aquela conduta pública de humilhação sincera, Lélia acercou-se de Tito e, diante dele, abriu os braços para envolvê-lo num abraço silencioso.
Ambos choravam convulsivamente.
Ele, de vergonha pelos próprios erros e ela, por se lembrar das próprias dores do passado, por se lembrar do filho comum que crescera sob a sua protecção, mas, sobretudo, por agradecer a Jesus ter reencontrado aquele irmão que, no passado, tanto odiara, mas que, agora, cristã convertida, estava tendo a oportunidade de perdoá-lo de verdade.
- Obrigada por tudo o que você teve coragem de fazer por mim aqui, neste tribunal, Tito. Você salvou a minha vida.
E se não tem para onde ir, meu irmão, sinta-se convidado a morar na casa de Décio, a mesma casa que está abrigando Serápis que, doravante, mudará comigo para sua antiga residência, aquela que já nos acolheu outrora, de onde haveremos de reconstruir nossas vidas.
Você poderá partilhar de nossa convivência, visitará nossa família e, se lhe servir de algum estímulo para o amanhã, aproveite o tempo para começar a construir com o seu filho os laços que até hoje estão por se fazerem mais fortes.
Fábio está crescido, se parece muito com você e, em seu íntimo, sei que ele sempre quis conhecer o próprio pai.
Você aceita?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 19, 2014 10:27 am

30 - Seguindo para frente

A decisão do magistrado recolocou um pouco de ordem naquele caos em que todos viviam, sem falar nas modificações ocorridas junto aos espíritos que se acercavam dos envolvidos na tragédia humana e que, no momento exacto, também receberam o auxílio que a Misericórdia Divina lhes estendia, ainda que não solicitado.
Druzila estava alucinada, sentindo-se presa e cada vez mais sozinha nas dependências espirituais em que os liames vibratórios a mantinham reclusa para seu próprio bem.
Seus seguidores ou amedrontados colaboradores iam escasseando, cada qual sendo levado à presença daqueles três espíritos sábios que faziam às vezes de despertadores da consciência individual para os futuros projectos evolutivos.
Presa ao ex-marido, encarcerado de forma rude e sem qualquer tipo de contacto com o mundo exterior, seu espírito não entendia o rumo que as coisas haviam tomado, depois de ter edificado todos os passos para a tão esperada vingança de seu ódio.
Não entendia ela que os homens planeiam seus lances e suas estratégias, mas que, acima deles, e superior à maldade de seus intuitos, vigia a sabedoria do Criador, através da visão serena e lúcida de entidades elevadas que, permitindo que o mal prospere por um tempo, equacionam com antecedência os melhores caminhos para que todos, vítimas e algozes, encontrem neles mesmos os medicamentos necessários ao tratamento de suas feridas morais.
Por isso, no momento adequado e, através das ferramentas amorosas, as entidades superiores que, por muito amarem os ignorantes seres em evolução, possuem o governo da vida, intervém de maneira decisiva a fim de aproveitar as circunstâncias por eles criadas e, longe de permitirem que a maldade ofereça a última palavra, retiram de todo o ódio e de todo o mal o ensinamento que melhorará os errados e os maldosos.
Algo como o engenheiro que, percebendo a desavença entre dois vizinhos que outra coisa não fazem a não ser destruírem reciprocamente as suas moradias, com o propósito de levar o outro à ruína, planeia a construção de um edifício de grandes proporções no exacto local das duas casas velhas que seus moradores estão arruinando por ódio ou vingança mútuas.
Naturalmente que as agressões não se acham no rol dos melhores procedimentos. No entanto, nos atentados que vão derrubando as paredes, o sábio construtor encontra a colaboração valiosa que os dois adversários prestam gratuitamente na transformação daquele meio, substituindo as velhas construções por uma mais bela e útil, ampla e imponente edificação, na qual ambos poderão ser, igualmente, acolhidos como moradores.
Enquanto se desgastam em raivas, têm a sua força destrutiva utilizada pela sabedoria que, graças a elas, vai implantando o projecto de modificação para melhor.
Cansados de se debaterem e não tendo mais o que destruir, perceberão que são, ambos, os derrotados na contenda, não possuindo local de moradia e não conseguindo exterminar as suas diferenças.
Frustrar-se-ão pela conduta equivocada que tiveram e sofrerão os prejuízos que se impuseram de forma irracional.
No entanto, apesar deles, a obra do Bem projecta o melhor e, à medida que as dores fizerem o seu trabalho em suas almas, ambos aprenderão que não conseguiram nenhuma vitória verdadeira enquanto se hostilizavam.
E ao sentirem que, relegados ao abandono e ao desamparo, precisarão dormir de maneira precária em qualquer lugar, sentindo o frio da noite, o risco da chuva, o perigo dos ladrões, melhor avaliarão as suas escolhas baseadas no orgulho, na disputa mesquinha, na competição ilimitada para, a partir de então, sentirem a própria responsabilidade nos actos agressivos.
A dor os empurrará para o arrependimento e este os levará a uma modificação verdadeira de seus conceitos.
Precisarão trabalhar para ganharem recursos com os quais possam pagar por aquilo que, antes, tinham sem qualquer despesa: a moradia.
Enquanto isso, o sábio engenheiro está projectando a nova obra.
E necessitando de trabalhadores, acolhe os dois insensatos como novos operários, como novos pedreiros, ajudantes, serventes, carregadores de peso que, com seus esforços, poderão receber o pequeno salário honrado, com o qual aprenderão a valorizar os pequenos esforços da vida, as pequenas conquistas de cada hora.
E o prédio vai sendo construído, edificado com o concurso dos dois adversários que, agora, no esforço comum, reconhecem a tolice que os visitara naquele período de desavenças e conversam sobre a saudade da antiga e velha casa, que os protegia e lhes permitia viver em segurança.
O trabalho, no entanto, não permite divagações saudosistas, e o prédio vai sendo edificado para transformar aqueles mesmos terrenos que serviam apenas a duas famílias em um local onde possam morar centenas de seres e suas estruturas de vida colectiva.
E com a obra acabada, recebendo o salário justo por seus esforços no trabalho, qual não será para eles a surpresa ao receberem a chave de dois apartamentos no mesmo andar, um vizinho do outro, como um presente do Sábio Engenheiro que, graças à sua visão ampla, soube aproveitar os esforços da ignorância e transformá-los em degraus para a melhoria.
Agora viverão na mesma condição de vizinhança, amadurecidos pelos tormentos que criaram antes e aproximados pelo sofrimento comum que os irmanou durante a construção da nova obra, ao mesmo tempo em que, graças às suas discórdias, uma nova construção pôde surgir sobre as casas velhas em que viviam, dando abrigo a muito mais pessoas, que passaram a se beneficiar daquela transformação.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 19, 2014 10:27 am

Sobre o mal, é assim que o Bem age, valendo-se das forças desconexas e desequilibradas para usá-las a serviço de todos, extraindo benefícios que se multiplicam e melhoram a estrutura de muitas vidas.
Isso era o que acontecera com aqueles indivíduos, de acordo com a Justiça, mas, sobretudo, em atenção à Misericórdia, sempre atenta e pronta a intervir no momento adequado, não para fazer sofrer o maldoso, mas para fazê-lo acordar, ampliando os benefícios decorrentes de suas condutas mesquinhas para transformá-las em sementes de bênçãos.
Se você entender isso, leitor querido, muitos de seus problemas serão encarados de outra maneira, não como se o mal estivesse vitoriosamente atacando suas defesas generosas e boas, mas, sim, como se o Bem estivesse esperando a melhor hora para fazer o Mal esclarecer-se, resgatando aqueles seres que o praticavam não porque fossem, essencialmente, maus, e sim, porque eram, em verdade, ignorantes apenas.
Lembrar-se de que é o Bem quem dirige as coisas e que é o Amor que governa a vida, nos fará sentir que, por mais injustiçados que nos sintamos, forças generosas estão apurando os factos, preparando os caminhos e construindo o edifício mais belo e imponente para que todos, agressores e vítimas, nos vejamos beneficiados com os frutos de seus exercícios morais, os rudes recebendo a vergonha da constatação de seus erros e os resignados encontrando a paz da aprovação da consciência e o sorriso da evolução luminosa como prémio que lhe pertence por direito, conquistado por seus esforços pacientes e perseverantes.
Esqueça o impulso de ver seus desafectos sofrerem como forma de pagarem pelos desaforos que lhe fizeram.
Sua alegria não pode depender das lágrimas alheias porque isso seria a mais triste constatação de seu atraso moral e de sua iniquidade pessoal.
Não pode existir em seu coração qualquer resquício de vingança, para que a Misericórdia se levante em seu favor.
Se é o Amor que governa a vida, esse conceito é a maior força que você pode cultivar para que, no governo das realidades materiais você seja admitido como um bom e fiel servidor.
Druzila e Marcus haviam marcado seus destinos pelos mesmos erros que os tornavam jungidos um ao outro, de forma que, quanto mais seus impulsos de vingança cresciam, mais insanos ambos se tornavam, acontecendo, por fim, que, depois de algumas semanas no cárcere, privado de todas as facilidades e todos os recursos materiais, Marcus passou a dar sinais de loucura, falando coisas desconexas, rindo descontroladamente, como se duas personalidades se fundissem em um único corpo, conversando consigo mesmas em voz alta.
Era assim que, depois de algum tempo, Marcus daria entrada na arena festiva das comemorações da volta de Adriano à Roma, para deleite dos cidadãos, igualmente insanos e ignorantes, horrorizando-se espiritualmente com a cena dantesca a que também levara Licínio no passado.
Em suas lembranças espirituais mais ocultas, apesar da insanidade mental que o tomara nos dias derradeiros que antecediam seu martírio, a figura imaginária de seu antigo amigo surgia diante dele, como que afastada por um largo abismo que ele próprio não conseguia transpor.
Licínio dera a própria vida para salvar alguém, enquanto ele perecia exactamente desejando mandar matar a mesma criatura inocente do passado.
Como lhe havia advertido Zacarias anteriormente, uma vez escolhida essa estrada tortuosa e cheia de espinhos, a acção de seus amigos invisíveis se faria mais difícil no sentido de socorrê-lo, já que se tratava de um reincidente na mesma conduta, deliberadamente desejoso de ferir, apesar de todas as advertências em sentido contrário.
É da lei que, assim tendo escolhido, se faça indispensável que a pessoa aprenda, no sofrimento solitário, quais os efeitos de sua conduta livremente aceita e praticada.
Nem mesmo a influência de Druzila seria capaz de diminuir a sua responsabilidade já que essa acção negativa se implantara à sua volta graças ao seu próprio consentimento, sem que tivesse feito qualquer esforço para opor-se a ela.
Era mais uma convidada em sintonia com o dono da casa mental do que uma intrusa a forçar o anfitrião a agir contrariamente aos seus bons desejos ou luminosos valores.
Somente o resgate doloroso de muitas décadas poderia fazer aquele Marcus/Sávio e aquela Aurélia/Druzila depurarem suas culpas e acordarem para suas efectivas necessidades morais.
Durante esse tempo receberiam a visita dos amigos invisíveis através de suas preces e exortações intuitivas, mas não poderiam contar com o alívio de suas acções directas até que, efectivamente, dessem mostras de real modificação de seu íntimo, eis que ninguém consegue burlar a Lei do Universo com falsos gestos de arrependimento ou simplistas condutas rituais.
Enquanto isso, a vida das demais personagens ingressara num período de calma depois da tormenta de angústias e dores.
Graças à riqueza que lhe fora colocada sob a administração, Lélia acolheu Lúcia naquela mesma casinha na qual aprendera a cantar as músicas que Serápis ensinara aos filhos no passado, diante da fome, enquanto fizera ampliar a vivenda a fim de que se transformasse em pousada de amor espiritual.
Trouxera para morar ali a própria mãezinha adoptiva, além de manter o grupo familiar harmonizado, graças à convivência baseada no afecto e não na força da sentença do juiz.
Por isso, não tratava Serápis como sua serva e tudo fazia para que aquela fosse a moradia suave e benfazeja de todos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 19, 2014 10:27 am

Fábio passara a morar em confortável acomodação que Lélia fizera construir no jardim que circundava a casa, e as quatro mulheres se mantinham juntas no interior da vivenda, protegidas pelos braços firmes do filho e pela solicitude de Lúcia, crescida e ingressada na condição de mulher.
Tito se fizera devotado amigo da família e, sabendo transformar os erros do passado em esforços de serviço no presente, ia ganhando lentamente o coração de todos, principalmente o afecto do filho que abandonara no ventre de Sabina nos tempos da imaturidade juvenil, mas que, agora, representava o seu ideal de viver.
Entre os dois foi sendo construída uma simpatia que o tempo se encarregaria de transformar em amizade, nos processos de escultura que o Amor vai fazendo, lentamente, no coração das pessoas.
Continuava a viver na casinha que pertencera a Décio, mas que, em momento algum, imaginava se tratar daquele mesmo indivíduo que compartilhara com ele os balanços da galera romana, que aportara em Narbonne e que se demonstrara propenso a cuidar dos dois infelizes.
Serápis, desde a juventude, jamais tivera um período de tamanha calmaria, somente comparado ao breve tempo em que vivera sob o teto de Cláudio Rufus, ainda que na condição de serva.
No entanto, para todos pesava no coração a ausência dos dois meninos sequestrados e banidos do convívio comum.
Lúcia havia perdido seus dois irmãos.
Serápis, seus dois filhos legítimos.
Fábio, seus dois amigos e companheiros.
Tito era o único elo que havia entre a família romana e o seu paradeiro e, mais do que nunca, agora, carregava na consciência a dor da conduta irresponsável que aceitara a troco de recompensa.
Lélia se lembrava dos dois meninos a quem aprendera a estimar sinceramente, nas oportunidades em que pudera atender às suas necessidades de alimentação e higiene quando em serviço naquele lar, a título de voluntária do amor.
Por isso, raro era o momento em que, ao se reunirem todos, a lembrança e os comentários familiares não girassem em torno do acontecido com os desditosos meninos.
- Meu coração sente que eles ainda estão vivos - falava Serápis, como mãe que se liga aos filhos pelos laços inquebrantáveis do afecto vibratório.
- Eu não sei por que, mas também sinto que eles vivem, mamãe - aduzia Lúcia, carinhosa e melancólica.
- Por minha vez, recordo-me de nossas idas às aulas de música e aos primeiros sucessos em público, nas apresentações ao ar livre, ainda que a indiferença dos transeuntes tivesse custado muito a ceder - expressava-se Fábio, saudoso.
Escutando essas referências, doía o coração de Tito que, sentindo-se responsável pelo destino infeliz dos jovens, iluminado agora pelas conversações sobre o Evangelho e pelo carinho daquela Sabina que seu coração não esquecera desde os tempos juvenis, a si mesmo se acusava, em silêncio, como responsável por aquela penúria colectiva.
O tempo passara e a alegria familiar contrastava com a ideia da infelicidade das almas que haviam recebido da vida tão pesado fardo, o que tornava tal ventura colectiva maculada por um quê de amargura.
Corria o ano de 139, o imperador Adriano já tinha morrido e outro lhe ocupava o mais importante cargo na condução da nau romana, a execução de Marcus já tinha-se dado há um bom tempo e as marcas de toda tragédia já se haviam esmaecido nos corações.
No entanto, a consciência do erro e a ideia da possível dor dos entes amados pesava em todos.
Entendendo que se tratava da única pessoa que poderia resgatar esse elo, buscando informações ou elementos para conhecer o destino dos ausentes queridos, Tito manifestou-se em uma das reuniões do grupo, apresentando um projecto para que o coração de todos se pusesse menos apertado.
- Estive pensando e decidi compartilhar com vocês meus planos, nesta tarde - falou ele ao grupo que se reunira para as trocas do afecto sincero.
- Ora, bons planos são sempre bem-vindos quando podemos, com eles, melhorar o mundo que nos cerca - respondeu Lélia, apoiando a sua fala entusiasmada.
Aproximaram-se e se puseram a escutar as ideias e explanações de Tito que, depois de breve avaliação da situação favorável que a todos sorria, demonstrou o acúleo doloroso que fustigava, impedindo que a felicidade do grupo se tornasse plena.
- Sim, o desconhecimento do paradeiro dos meninos é um ponto de infelicidade em todos nós.
Na irmã que sente falta, no amigo que os ajudou a lutar honestamente, na mãe que se martiriza em silêncio por desconhecer seu destino, na amiga que tratou deles como se mãe fosse.
No entanto, todas vocês são visitadas pela tristeza do amor que não é capaz de se expressar.
Em mim, todavia, a dor é a da vergonha, da consciência que acusa, do arrependimento, do crime compartilhado, do abandono, do descaso ou indiferença.
E se dói em cada uma de vocês a ausência dos corações juvenis, em mim, além da dor deles dói também a dor de vocês, a quem passei a amar como minha própria família, relevando meus erros do passado.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 19, 2014 10:27 am

Todos lhe protestaram estima e, emocionados, diziam que ele deveria esquecer os equívocos de ontem, já que não havia, ali, nenhum inocente: todos já haviam errado muito.
Entendendo a tentativa de lhe aliviar a consciência responsável, Tito aduziu:
- A nobreza de seu perdão somente aumenta o tamanho de minhas culpas.
Por isso, e não havendo o que fazer para que meus erros se vejam corrigidos perante minha própria consciência, pensei e deliberei que, se puder contar com o apoio de vocês, na próxima semana partirei para refazer o mesmo caminho que fizera de regresso a Roma, anos atrás, a fim de procurar notícias dos jovens, e não descansarei enquanto não regresse aos seus pés com algum indício de seus paradeiros ou destinos.
A deliberação de Tito fora pronunciada com decisão irrevogável e não como quem lança uma ideia tíbia para observar a reacção dos ouvintes e, aí então, tentar ou desistir do intento.
Sua palavra vinha aureolada da atmosfera de esperança que nutre todos os ideais no bem, mesmo aqueles que, num primeiro momento, parecem impossíveis de se concretizarem adequadamente.
E sem que os ouvintes pudessem disfarçar a reacção entusiasmada, um brilho novo percorreu o olhar de todos.
O coração de Serápis acelerou-se diante da emoção de poder encontrar um rastro, uma pista de seus filhos.
Os olhinhos de Lúcia marejaram, o semblante de Lélia se tornou terno e a expressão de Fábio se encheu de orgulho na admiração que nascia em favor daquele que se redimia aos próprios olhos.
Um instante de silêncio foi suficiente para entender que todos se encantavam com a perspectiva.
Foi Serápis quem rompeu o cenário de êxtase:
- Tito, você acha que é possível encontrar alguma informação de meus filhos?
Muitas vezes quis perguntar isso a você, mas me continha para que não se imaginasse cobrado ou acusado, quando não era esse o meu desejo.
- Sim, minha senhora, acredito que qualquer coisa que façamos é melhor para produzir algum resultado do que a própria inércia.
Nada fazer e nos mantermos sempre recordando a memória daqueles que podem estar vivos até hoje, é uma conduta contraditória dos nossos sentimentos.
Poderei nada encontrar e isso, apesar de não mudar o nosso ponto de partida, ao menos poderá nos servir de triste consolo para o nada que vínhamos fazendo.
No entanto, se tivermos alguma notícia, isso nos permitirá estender-lhes nossas mãos, quem sabe para trazê-los de volta.
- Seu oferecimento, Tito, é o espelho do verdadeiro amor que já faz morada em seu coração e em nossas mentes.
Se já não existia mais espaço para a figura do jovem fugitivo dos deveres, agora surge o exemplo de devotamento e coragem que haverá de nos inspirar em todos os momentos - falou-lhe, com emoção, a antiga noiva abandonada.
Observando o quadro e percebendo o esforço do pai em não ceder à emoção, Fábio interveio, igualmente entusiasmado:
- Pois eu só concordo se puder ir junto com você.
Desde o dia do reencontro, o filho se esforçava para reconstruir a imagem paterna, sempre maculada pela conduta irresponsável da juventude, sem conseguir aceitar que aquele estranho se lhe apresentasse como o progenitor a quem prestasse devotamento filial.
A atmosfera de covardia lhe cercava a aura e Fábio, ainda que lhe concedesse um voto de confiança, sentia-se incapaz de chamá-lo de pai.
Todos percebiam os esforços do rapaz e a dedicação de Tito no sentido de manter conduta correcta e sincera, com a finalidade de conquistar, mais do que o respeito, o sincero afecto do filho.
Vendo o propósito de Fábio, declarado de inopino diante de todos, Tito buscou não concordar, visando poupar o jovem da estafante jornada.
- Veja Fábio, a viagem é muito longa para um jovem.
Seguiremos enfrentando perigos, viajaremos por estradas ermas, passaremos privações, poderemos ser assaltados, e eu não desejo que você venha a se ferir.
Afinal, sua juventude é promissora na perspectiva de uma vida adulta de sucesso e alegrias.
Compreendendo os escrúpulos do interlocutor, Fábio não esmoreceu em seus intentos e respondeu:
- Não vejo em mim nenhum requisito que falte, eis que aprendi a sobreviver nas ruas desta cidade, em meio aos bandidos de todos os tipos, precisando saber aceitar as privações, aprendendo a passar frio, a encarar as árduas subidas das colinas e, depois de dezassete anos de vida, posso dizer que sobrevivi.
Os tormentos citados produziram no espírito de Tito uma dor aguda, porquanto, ainda que de maneira indirecta, se referiam a situações que surgiram exactamente por sua falta como pai ao lado do filho.
Mas quebrando esse primeiro impacto de suas palavras directas e verdadeiras, Fábio completou:
- E se eu pude aprender isso quando você estava longe de mim, gostaria, agora, de aprender mais ao seu lado, de conviver mais tempo com você e de acompanhar seus passos depois de longo tempo de afastamento.
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