LUZ ESPÍRITA
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Série Lúcius - Sob as Mãos da MISERICÓRDIA / André Luiz Ruiz

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Série Lúcius - Sob as Mãos da MISERICÓRDIA / André Luiz Ruiz - Página 2 Empty Re: Série Lúcius - Sob as Mãos da MISERICÓRDIA / André Luiz Ruiz

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 12, 2014 10:17 pm

Vendo-o emudecido, a jovem, que se permitira o arroubo da confissão, não desejando perder a oportunidade que podia lhe garantir algumas moedas, tentou aliviar o clima, dizendo:
- Desculpe incomodá-lo com minha desgraça pessoal e nossa desdita colectiva.
Mas é que ninguém nos escuta, ninguém pára para ver nossa condição e, à distância, todos pensam que somos vagabundos, todos nos acusam de banditismo, muitos me chamam de prostituta, outros nos cospem, e quantos não nos enviam caixas bonitas, como presentes, mas cujo conteúdo está repleto de excrementos ou lixo apodrecido.
- Não se desculpe, minha filha.
Não pense você que não conheço a sua dor através da dor de tantas outras mulheres injustiçadas como você.
Sem se ver repelida por aquele homem paciente e sereno, Serápis se sentiu aquecida por dentro, coisa que há muito não sentia.
Aproveitando-se desse clima positivo, Décio falou-lhe sincero e humilde:
- Se sua desdita é desse tamanho e se sua luta é cruel como parece pelo seu relato, talvez fosse melhor tentar um trabalho que a afastasse desse tipo de acolhida a que você se refere...
- Ah! Senhor, mas quem daria trabalho a uma mulher que tem quatro filhos, três dos quais são pedaços de gente, numa cidade onde qualquer doença é vista como maldição da sorte a contaminar tudo onde toca?
Tantas vezes tentei serviço, mas o peso dos filhos não mantinha aberta porta que minha beleza havia entreaberto.
Pensei em jogá-los fora, em abandoná-los, mas uma dor imensa visita meu coração somente em pensar que estarão entregues aos cachorros da rua, à chuva e à fome.
Ninguém dá serviço a uma mulher como eu... -falou tristemente.
Sentindo que havia chegado a hora, Décio arriscou:
- Mas e se lhe dissesse minha filha, que talvez eu consiga trabalho para você e amparo para seus filhos?
Você estaria disposta a deixar a situação de pedinte e se tornar uma trabalhadora?
Há muito tempo que os seus olhos não brilhavam de esperança.
Todavia, Serápis desconfiava de todos os gestos generosos, depois que Marcus a abandonara.
- Ah! Meu senhor, desculpe o que lhe vou dizer, mas nossa desgraça é muito grande para que acreditemos em ajuda que mais parece uma brincadeira de um destino cruel com a nossa miséria sem fim.
Se o senhor está desejando brincar connosco, tenha piedade de nossa dor e não nos acene com esperanças que não existem - falou
Serápis, debulhada em lágrimas de cansaço e angústia lamentosa.
Tocado pela emoção daquela mulher entregue à desilusão e incapaz de pensar que poderia haver esperança para seu futuro, Décio continuou falando-lhe, paternal:
- Não é brincadeira ou fantasia, minha filha.
Se você deseja trabalhar, tenho autorização para levar quem eu encontre pelo caminho com esse desejo para que se empregue em uma obra onde eu mesmo presto serviços e que está precisando de mãos eficientes.
É um trabalho simples, mas com o pagamento garantido.
Nosso patrão é o imperador e nosso chefe é um homem muito sério, rigoroso, mas muito bom.
Assim, estou autorizado a levar até ele qualquer pessoa que eu veja que preenche os requisitos de nossas necessidades e, como você tem saúde, tem forças e está sem trabalho, quem sabe se não será possível que você seja uma dessas candidatas.
Envolvida pela expectativa de sair daquela sarjeta suja ao pé dos palácios de mármore, Serápis respondeu, ainda não querendo acreditar:
- Mas senhor, meus filhos me impedirão de atender ao horário de trabalho, além do que, pela desgraça que vestem em seus corpos deformados, são um atestado de indignidade que me condena a vagar por aí, sem esperanças maiores do que a esmola.
- Não, minha filha, quanto a isso não se preocupe.
Para mim, o mais importante é que você deseje trabalhar e ganhar o salário sem depender mais dessa indústria da dor e da miséria.
- Mas o senhor acha que eu vou ter que me deitar com alguém para conseguir o emprego?
Desculpe perguntar, mas não aceito mais ser usada por homens que se aproveitam de nossas carnes para saciar seus apetites sem nos conceder nem o respeito nem o amparo de que necessitamos...
Percebendo os escrúpulos de Serápis no que dizia respeito ao seu interesse de homem ou ao de qualquer outro homem que estivesse desejando seus serviços sexuais acenando com a esperança do trabalho, Décio prosseguiu:
- Não se trata desse tipo de trabalho.
Aliás, nosso chefe é homem dos mais sérios e respeitosos e, se está solicitando a mão de obra feminina é porque se trata de trabalho que os próprios homens não poderão realizar por si mesmos, já que estão empenhados em terminar a obra antes que o imperador chegue de viagem.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 12, 2014 10:17 pm

Além do mais, eu mesmo garantirei a sua segurança junto aos eventuais ataques de que você possa ser objecto.
Quanto aos seus filhos, isso é algo que nós cuidaremos de forma a não impedir que possa trabalhar.
Nosso chefe é muito influente e, certamente, terá uma forma de garantir o atendimento dos pequenos enquanto você cuida de ganhar o salário.
Vendo que todas as suas ansiedades se viam atendidas, como se uma força poderosa lhe respondesse às preces aos deuses que sempre pareceram frios e distantes, Serápis passou a chorar de emoção, buscando segurar nas mãos calosas de Décio e beijá-las, orvalhando-as com suas lágrimas, como se estivesse agarrando à única esperança real que poderia retirá-la da desdita e da fome.
Sem saber o que dizer, mas desejando demonstrar o seu intenso desejo de trabalhar, rematou:
- Se tudo isso não é um sonho, se não é armadilha da sedução que vem me punir as condutas erradas que já tive; se não há interesse mesquinho e se a condição de desgraçados que carregamos não impede que prestemos para suar, a partir de agora o senhor é o benfeitor que os deuses enviaram para reerguer a nossa esperança.
Sim, meu senhor, trabalho é tudo o que eu desejo.
É, sobretudo, o que mais todos nós necessitamos.
Meu sonho é não ser chamada de prostituta, nem ser convidada por homens para que me deite com eles em troca de um pedaço de carne para a fome de minhas crianças.
Meu sonho é não ter que disputar com os cães um lugar à sombra dos palácios, esperando pelos ossos que jogam de suas janelas ou pela compaixão que nunca chega de seus corações fechados.
Ah!, senhor, se isso for verdade, esteja certo de que eu serei a mais dedicada operária dessa obra.
Falando isso, continuava a beijar as mãos que Décio insistia em retirar, mas cujo ímpeto de gratidão de Serápis impedia que o fizesse.
Era ele a fonte cristalina que vinha saciar-lhe a sede e reabastecer-lhe as forças.
Sobre ela, as mãos luminosas de Lívia acariciavam lhe os cabelos sujos, envolviam as limitações de Demétrio e as dores de Lúcio, ao mesmo tempo em que dirigiam a inocência de Lúcia para que todos pudessem se reequilibrar e seguir a trajectória de expiação e sofrimento que haviam, um dia, semeado nos próprios destinos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 12, 2014 10:17 pm

8 - O novo trabalho e novas alegrias

Sob os cuidados de Décio, logo no dia seguinte, pela manhã, Serápis se apresentava ao local onde seria admitida para prestar serviços gerais que incluíam o fornecimento de água aos operários, a limpeza das acomodações e dos escritórios e pequenas organizações que não importassem em excesso de esforço para a sua condição feminina.
No local, já existiam algumas mulheres como ajudantes nestas funções, mas tratava-se de servas ou escravas não remuneradas, obrigadas pela sua inferior condição social a servirem sem direitos maiores do que o da comida e do descanso.
Chegando ao Panteón, cuja estrutura imponente impressionava e cujo acabamento final se estava providenciando, a jovem mulher foi levada à presença de Cláudio Rufus, não sem antes ser informada de que aquele era o seu chefe a quem deveria obedecer cegamente, sem quaisquer erros de condutas que pudessem causar algum prejuízo ao andamento das coisas.
Sabendo que seria importante manter uma boa aparência a partir desses critérios, diante da oportunidade que lhe surgia pela frente, Serápis deixou de lado todas as posturas altivas próprias de seu espírito insolente, recordando-se das próprias necessidades, procurou assumir a conduta humilde e discreta, tão agradável aos olhos dos patrícios romanos.
Dessa forma, não ousou levantar o olhar na presença de Cláudio, que a observava com interesse sem saber por onde começar, admirando-lhe o porte físico e o desgaste imposto pelas agruras materiais e morais.
- Pois então você é a candidata ao trabalho, conforme Décio me informou - falou o rapaz rompendo a expectativa.
Com um aceno de cabeça a moça anuiu, mantendo o silêncio.
- Décio se responsabilizará por você aqui dentro, mas esteja certa de que, apesar de existirem muitos homens por aqui, nenhum deles terá coragem de investir contra a sua segurança, a não ser que você não saiba se conduzir, o que me obrigará a dispensá-la.
- Sim, meu senhor.
Não causarei problemas dessa natureza, e se algo se passar nesse sentido, comunicarei ao senhor Décio sobre tudo para que não seja de seu desconhecimento.
- Assim está bem.
Lembrando-se dos filhos e de Domício, o leproso que ela cuidava, Cláudio enveredou por esse assunto.
- Segundo meu funcionário me informou, você é mãe de quatro filhos, sendo que três deles são muito doentes.
Como é que pretende manter-se neste trabalho e conciliá-lo com os cuidados que eles pedem?
- Essa também, meu senhor, era a minha preocupação principal.
O filho mais velho, adoptivo, é o mais desditoso e, por isso, não teria como deixá-lo sob os cuidados da única filha sadia, também adoptada, como estão os outros dois neste momento.
Lúcia, minha pequena, se esmera em cuidar tanto do irmão cego, Lúcio, quanto do irmão aleijado Demétrio.
Todavia, o senhor Décio me informou que ele conseguiu uma pessoa que se incumbirá de zelar pelos meus filhos na minha ausência.
Como saio muito cedo de casa, deixo os pequenos sozinhos até a sua chegada e, ao meu regresso, segundo me informou o senhor Décio, as crianças já terão sido alimentadas e cuidadas, principalmente o maior, sempre mais sofrido, bastando que eu termine de cuidar das pequenas coisas que ainda restem a fazer, que, por sinal, são sempre muitas numa casa onde vivem quatro crianças.
Se não fosse essa disposição eu não poderia estar aqui para trabalhar.
Ouvindo-lhe as explicações, que não acrescentavam muito ao que ele próprio já sabia, Cláudio concluiu:
- Bem, algum dia desses gostaria de conhecer seus filhos, se isso não for algum problema para você, porque costumo procurar auxiliar as crianças que sofrem de alguma maneira.
Se não houver oposição de sua parte, marcaremos uma visita para que eu os possa encontrar na sua presença.
Surpreendida positivamente com o interesse de Cláudio, Serápis sorriu como que acedendo aos propósitos do novo chefe, na condição da pessoa que não tem como dizer não, apesar das mazelas que poderiam colocar em risco o seu próprio trabalho, quando da descoberta de que o filho mais velho era leproso e de aparência repugnante.
Com isso, foi dada por terminada a primeira entrevista entre os dois, encaminhando-se a mulher para as rotinas que a aguardavam, pelas mãos do próprio Décio que, depois de ter se livrado dessas tarefas, regressou para terminar de conversar com seu superior.
- Pois então, senhor Cláudio, desculpe-me a ousadia de já trazer a jovem para o trabalho, sem antes consultá-lo.
Mas as circunstâncias foram tão positivas que me senti compelido a aproveitá-las da melhor maneira, não deixando oportunidade para que a má sorte estragasse os seus planos.
- Fez muito bem, Décio.
Eu só tenho gratidão por seu empenho na solução dessa tragédia que me tocou o coração.
Você notou o constrangimento dela ao receber o meu pedido de visitar-lhe os filhos?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 12, 2014 10:17 pm

Certamente teme que a condição de pestoso de Domício a faça perder o trabalho, diante das inúmeras reacções contrárias que são tão comuns em nossos dias ao contacto com pessoas enfermas como ele.
- É, senhor, eu também percebi a sua postura reticente.
- E quanto ao restante, Décio, ela contou-lhe mais algum detalhe sobre sua vida?
- Ah!, senhor Cláudio, em boa hora as forças superiores cativaram seu coração em favor dessa família.
A moça estava tão desesperada que não precisou de muito para abrir o cofre de seu coração e relatar-me, ainda que por cima, o drama no qual se envolveu e que a levou da condição de quase senhora para o estado de mendiga vulgar.
E falando isso, relatou a Cláudio todos os pormenores da conversação, sem esconder nada, nem as impressões emocionadas que perpassaram pela alma da moça quando ele lhe propôs o trabalho como fonte de renda segura para a família.
Vendo os olhos de Décio também humedecidos pelo pranto da emoção, Cláudio se deixou invadir por um estado de elevação espiritual que lhe era próprio ao grau de evolução de sua alma, sentindo que a sua conduta estava de acordo com as vontades daqueles a quem chamava de deuses de sua tradição.
Na sua alma, vibrava a estrela da bondade que o tornava muito diferente dos demais homens desse período e, ainda que mantivesse sua vida dentro dos padrões da normalidade social de seu tempo, cultivava atitudes e sentimentos que o elevavam no conceito moral por demonstrarem suas qualidades.
Enlevado por tais vibrações, Cláudio disse a Décio, depois de retirar duas pequenas bolsas de dentro de uma caixa que lhe servia de cofre de segurança:
- Pelo estado da família, creio que será importante que você faça chegar às mãos de Serápis um adiantamento de salário, para que ela tenha recursos que compensem a falta das esmolas diárias que conseguia quando se dedicava a pedir nas ruas.
Como, agora, acredito, nem ela nem os filhos se acham nessa tarefa, faltará com o que comprar o necessário.
Assim, diga-lhe que, em nome do imperador generoso, ela receberá o adiantamento para que não se desespere e que, todos os meses você, Décio, estará incumbido de proceder ao abastecimento de sua moradia com alimentos para que os filhos não passem privações maiores.
Eis aqui as moedas necessárias para esse adiantamento e para a compra dos géneros indispensáveis.
Entregou-lhe a primeira bolsa com tais recursos para que o operário, no momento de levá-la de regresso à casa, pudesse lhe entregar, informando-a das determinações de Cláudio.
Segurando a segunda bolsa nas mãos, entregou-a a Décio, que não entendera para que se destinara aquele segundo montante de recursos.
Vendo o seu olhar de curiosidade e dúvida, Cláudio continuou:
- Esta segunda bolsa, Décio, é uma recompensa pelos seus bons ofícios junto dessa família de necessitados, auxiliando-me com a discrição que você soube manter e com o bom senso que seu espírito generoso soube desenvolver.
Não entenda isso como pagamento ou adiantamento.
É apenas um gesto de gratidão que gostaria que você aceitasse, já que pretendo valer-me de seus bons ofícios para novas tarefas.
Além do mais, há a despesa com a pessoa que vai cuidar dos filhos de Serápis em sua ausência...
Embevecido com a atenção de que se via rodeado, da consideração de que era objecto, Décio abaixou a cabeça e disse, emocionado:
- Senhor, nunca ninguém levou em consideração qualquer coisa que eu tivesse feito, raramente dirigindo-se a minha pessoa como se eu fosse gente de verdade.
A maioria me tratava como animal de carga, só isso.
Assim, o facto de o senhor ter-me considerado digno de uma tarefa tão nobre como essa já representa para mim um régio pagamento, porque me oferece um tratamento que eu achava que nunca mais iria receber de ninguém.
Esteja certo de que isso vale mais do que qualquer moeda que o senhor puder me pagar como prémio por algo que, estou certo, não o fiz por meus próprios méritos, mas, sim, por causa do apoio dos amigos divinos.
Além disso, a pessoa que aceitou me ajudar, nada está me cobrando para amparar as crianças.
Em nossa comunidade pobre, temos o hábito de os menos ocupados auxiliarem em pequenos serviços aos que mais necessitem.
Assim, a mulher que estará amparando os filhos enfermos de Serápis é pessoa bondosa que o estará fazendo por Amor.
Ela própria tem um filho e, sabendo quanto é difícil a criação de uma criança, imagina como o será, então, de quatro, sendo três tão doentes.
Vendo que Décio se preparava para recusar a oferta, Cláudio interrompeu suas desculpas, afirmando categórico:
- Eu compreendo seus escrúpulos e sua gratidão.
No entanto, não aceito não como resposta.
Já fui informado de que você é um homem generoso e que muitas pessoas o procuram por aqui para solicitar seus préstimos ou sua ajuda.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 12, 2014 10:18 pm

Seus modos gentis e humanos me demonstraram ser verdade essa informação e, sabendo que essa conduta não é compatível com a de um romano da nossa tradição indiferente e egoísta, estou certo de que, ainda que sendo romano de nascimento, suas crenças o transformaram em algo melhor do que o normal dos nossos cidadãos.
Assim, estou seguro de que, dessa pequena bolsa, não haverá benefício que se restrinja apenas aos seus interesses, mas, ao contrário, sei que muitos outros aflitos encontrarão consolo em suas pequenas moedas com as quais, tenho certeza, você tratará de amparar-lhes as desditas, dando curso à bondade de sua alma.
A avaliação de Cláudio era um fulminante raio a desvelar todo o interior de Décio que, envergonhado perante as referências elogiosas, não sabia como esconder a vermelhidão de seu rosto.
Cabisbaixo, mantinha-se quieto, sem saber o que dizer ou fazer.
- Está resolvido e vamos acabar logo com esse assunto.
Há muito trabalho a ser feito e preciso de sua força tanto nas rotinas finais da obra quanto na atenção sobre a jovem para que tudo corra como estamos planeando.
Sentindo-se envergonhado perante a generosidade material de Cláudio, Décio secou os olhos húmidos na barra de sua roupa surrada de trabalhador braçal e só pôde dizer:
- Senhor, em nome dos famintos de Roma, eu agradeço a sua generosidade, que os irá aliviar em suas angústias.
Obrigado. Que Deus o abençoe.
E dizendo isso, retirou-se.
Ali permaneceu Cláudio, pensativo e sensibilizado pelas emoções que o alimentavam de ideais nobres e bons.
Enquanto isso, a rotina da família se alterava significativamente.
Indicada por Décio, a nova ajudante da casa, Flávia, se apresentara no ambiente do lar modesto quando Serápis já havia ido para o trabalho na companhia de seu benfeitor.
É que, também, ela precisava cuidar de seu pequeno abrigo antes de sair a ajudar nos cuidados para com as misérias alheias.
Décio já havia informado Serápis de como iriam proceder e, com Isso, Lúcia já sabia que uma mulher viria ajudar por algumas horas, nos cuidados com os pequenos.
Por sua vez, Décio também informara à sua colaboradora que o lar era o pouso de três crianças doentes e que ela não se espantasse com o que iria encontrar.
Estavam todos a serviço de Jesus no lar desditoso daquela família, para que, através do trabalho, todos pudessem encontrar um destino melhor.
Imbuída dessa boa vontade, apresentou-se a voluntária do bem na casinha que, outrora, havia sido o "pequeno palácio" de Serápis e Marcus, trazendo a boa vontade das criaturas que se alegram em fazer o Bem pelo Bem, com o privilégio de sentir o Amor de Jesus a iluminar seus actos desinteressados.
Décio havia feito menção de pagar-lhe os serviços, mas, recusando qualquer pagamento, a jovem mulher afirmara que devia muito a Jesus para trocar seu suor espontâneo por algumas moedas romanas.
Ela se doaria no horário disponível e, ainda que não conhecesse a mãe dessas crianças, já se sentia condoída por sua situação de penúria e angústia porque, ela própria, na idêntica condição de mãe, aquilatava com maior exactidão o que deveria ser o sofrimento materno diante da aflição de três de seus quatro filhos.
A compaixão que Flávia sentira pela história trágica daquela mãe enchera seu coração de vontade de ser útil, sobretudo pelo fato de a necessitada não saber quem a estaria ajudando, por não se encontrarem ao longo do período do serviço.
Relembrava, assim, do ensinamento de Jesus, que ensinara que a mão esquerda não deve saber o que a mão direita está fazendo, no sentido de que deveríamos fazer o bem sem que isso fosse do conhecimento dos outros ou proporcionasse a sua gratidão.
Assim, já no primeiro dia, depois de terminar os afazeres domésticos em seu lar humilde no qual vivia na companhia da mãe envelhecida e do filho, saiu em demanda da vivenda, conforme Décio lhe havia orientado.
Ali chegou pelo meio da manhã, batendo na porta conforme haviam anteriormente combinado, num código pré-estabelecido para que Lúcia permitisse o ingresso da nova ajudante da família, segundo as orientações de Décio.
Franqueado o seu ingresso ao novo ambiente de trabalho, a jovem logo pôde vislumbrar o tamanho das necessidades de todos e, vendo que somente a pequena Lúcia guardava condições de ser útil, passou a ajustar todas as coisas de modo a permitir que as demais crianças fossem atendidas em primeiro lugar, com a higiene física tão necessária para a diminuição dos odores fétidos que Domício emitia.
Ajudada pela pequena menina de quase cinco anos, levaram o mais velho ao banho, trocando-lhe as vestes por outras que se achassem limpas e disponíveis.
A partir daquele dia, os carrinhos não funcionariam mais como transportes de crianças pedintes.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 13, 2014 10:53 pm

Seria usado para facilitar o trânsito de Domício no interior do lar, bem como nas imediações quando necessário.
Depois de cuidar dele, chegou o momento de amparar os outros dois, seja com a mesma rotina de higiene física, seja, depois, com o preparo do alimento necessário ao sustento dos famintos infantes que, desde o dia anterior, nada tinham comido.
O pouco que encontrou, elevou em seu espírito o grau de compaixão para com as dores daqueles seres ali reunidos.
Imaginou a tragédia de uma mãe que se via desafiada por tais obstáculos e ainda tinha coragem de seguir vivendo, sem terminar tudo pela tragédia do infanticídio e do suicídio.
Dividiu a pequena ração entre os quatro e, condoída pela fome de todos eles, saiu à rua para buscar, junto a pessoas conhecidas e que compunham o círculo de solidariedade na miséria, alguma coisa a mais que pudesse completar o pouco que havia.
Voltou trazendo frutas e pães humildes para que todos pudessem se sentir sustentados de uma maneira um pouco menos precária.
Diante da mesa, na hora em que se preparavam para ingerir o que havia sido conseguido graças aos pedidos junto a pessoas de bom coração, a benfeitora daquele pequeno mundo se lembrou de agradecer a Jesus pelas dádivas recebidas, pela generosidade que não deixou faltar o pão aos mais necessitados.
Dizendo isso, Flávia pediu que as crianças fechassem os olhos e repetissem as palavras que ela ia dizer.
Obedientes e agradecidos, os pequenos se postaram conforme havia sido orientado e, palavra por palavra, repetiram a oração que escutavam.
- Senhor Jesus,
- Senhor Jesus...
- Nós te agradecemos,
- ...nós te agradecemos...
- o pão da vida e o alimento para nossas almas - continuava a prece, pausadamente, para que as crianças repetissem.
- Obrigado, senhor, por este lar, pelas crianças que aqui estão, pela sua mãezinha valorosa, que soube lutar por eles sem se deixar levar pelo desejo de morrer ou de matar.
Ajude-nos a vencer todas as dificuldades que, nem se comparam à cruz onde o Senhor foi pregado, injustamente.
Que assim seja.
Feita a oração com as crianças que a acompanhavam em reverente coro que silenciou ao final das últimas palavras, a jovem serviçal disse animada:
- Bem, crianças, agora vamos enchera barriga, que já passou da hora.
- Viva! - gritou Lúcia. - Hoje temos comida.
Vejam só, Demétrio, Domício, Lúcio, quanta coisa nossa benfeitora trouxe para nós.
Precisamos agradecer a sua dedicação, obedecendo e sorrindo para que ela se sinta feliz pela nossa alegria.
Vamos cantar nossa musiquinha.
E dizendo isso, colocou-se de pé diante de todos eles e, com sua voz infantil, passou a repetir os versos que havia escutado de sua mãe, convocando seus irmãos a cantarem juntamente com ela:
Na dureza ou na miséria, Somos sempre solução.
Quando temos, dividimos.
Quando não, viramos pão.
E quando a música terminava com essa frase curiosa, Serápis costumava dar mordiscadinhas nos braços de seu filhos e eles faziam o mesmo uns nos outros, como se estivessem se alimentando reciprocamente, terminando em gargalhadas, o que era um recurso para espantar um pouco a dificuldade e a tristeza.
Assim fizeram os meninos que, cantando junto com Lúcia, tão logo terminaram de repetir a estrofe final, começaram a se procurar para as mordiscadinhas de sempre, como se eles estivessem a se devorar uns aos outros.
A risada final não evitou que a jovem empregada derrubasse as lágrimas de admiração, vendo a tragédia daquela família ser enfrentada com tal coragem, que até mesmo as crianças não percebiam a crueldade da própria condição.
Secando rapidamente o rosto, dividiram entre si o pão e as frutas, sendo certo que Lúcia se incumbia de cuidar dos dois irmãos, dando-lhes a comida na boca enquanto que a voluntária do bem se acercava de Domício para levar-lhe o alimento, que era devorado pelos dentes podres daquele infeliz corpo doente.
Para os pequenos, fora uma aventura inspiradora aquele primeiro dia, fazendo com que exigissem da nova amiga, a promessa de que voltaria no dia seguinte.
Por volta do meio da tarde, a jovem fazia a promessa solene diante de todos eles e despedia-se, emocionada e feliz, pela possibilidade de ter aliviado aqueles corações aflitos em suas dores mais comuns, já que precisava dirigir-se à casa comercial onde trabalhava na limpeza até depois de anoitecer, para ajudar na criação de seu filho e nos gastos da casa.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 13, 2014 10:53 pm

Ficaram as crianças esperando a chegada da mãe para poderem contar as novas aventuras vividas ali, naquele ambiente agora mais arrumado e limpo.
Ao final do dia, Serápis chegava, escoltada por Décio que, conforme o combinado com Cláudio, depositava-lhe a bolsa em suas mãos como adiantamento de salário para as despesas imediatas, informando-a igualmente de que a família seria atendida por um amparo de comida para que não faltasse nada às crianças.
Serápis não acreditava naquilo.
Deveria estar sonhando um sonho muito bom e tinha medo de despertar na mesma realidade cruel a que fora acostumada, nas lutas, nas maneiras mentirosas e infiéis, nas competições e nas traições para conquistar postos ou posições de realce no afecto de pessoas ricas.
Tudo isso ela conhecia pessoalmente, como prática que fizera de sua vida a gerar a desgraça na qual estava inserida.
Esse novo mundo, essa forma diferente de ser tratada, onde pessoas se interessavam pelo Bem das outras custava-lhe entender como poderia existir ou ser real.
Agradecida por tudo e ansiosa para saber das novidades dentro do lar, combinaram a rotina do dia seguinte para que, ao amanhecer, Décio ali estivesse para seguir com ela para o trabalho que os esperava.
No entanto, as surpresas ainda não haviam acabado.
Dentro do lar, a alegria dos filhos que, pela primeira vez, haviam transformado aquele túmulo em um lar cheio de algazarras alegres e bem dispostas, esperava pela mãe que, solicitada por todos os braços, não sabia a quem entregar-se para ouvir as peripécias daquela nova jornada de aventuras e risos.
Lúcia era a mais tagarela, querendo falar tudo, contar como haviam se comportado, como os meninos tinham ajudado, tinham cantado a musiquinha na hora da comida, da fartura que eles tiveram naquele dia, do esforço da nova ajudante em lhes atender os menores pedidos.
Serápis estava ingressando num mundo novo.
Um mundo que ela já vivera quando se encontrava ao lado de Licínio e que, talvez, já há muito tempo estivesse vivendo, na felicidade e na paz, se o tivesse aceitado como o companheiro querido, ao invés de ter preferido as aventuras da conquista de bens e riquezas, ao lado do covarde Marcus, rico e fraco.
Sim, um dia, alguns anos atrás, ela tivera a opção de ser menos rica e mais feliz, ao lado de um homem cujo coração se parecia com o de Décio, com o de Cláudio e com o daquela mulher que, agora, mesmo como empregada sem pagamento, tratava seus filhos doentes com respeito e carinho.
A alegria das crianças era o atestado do Amor Verdadeiro de que foram objecto.
Amor que Serápis nunca conhecera porque sempre preferira as emoções das paixões desenfreadas e loucas, as sensações da sexualidade desajustada e a euforia da posse sem fundamento na sabedoria de contentar-se com menos para garantia da própria felicidade duradoura.
A bondade de Jesus e dos espíritos amigos começava a envolvê-la para que ela também descobrisse a bondade que estava guardada dentro de seu próprio coração.
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Série Lúcius - Sob as Mãos da MISERICÓRDIA / André Luiz Ruiz - Página 2 Empty Re: Série Lúcius - Sob as Mãos da MISERICÓRDIA / André Luiz Ruiz

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 13, 2014 10:53 pm

9 - O ponto de vista de Marcus

Havia sido um dia muito difícil aquele em que ele descobrira a condenação do melhor amigo, Licínio, tanto quanto se obrigara a presenciar-lhe a execução depois do breve colóquio que mantiveram no calabouço do actualmente chamado Coliseu.
O choque e as dificuldades da vergonha, a incompreensão das coisas, a constatação de que o amigo estava morrendo para salvar uma serva que, à vista da maioria dos romanos importantes, não possuía qualquer valor como ser humano, era algo inusitado e absolutamente estranho àquela sociedade egoísta e o seria igualmente para Marcus, se não conhecesse o carácter nobre de seu administrador.
No entanto, conhecê-lo como se conheciam tornava ainda mais difíceis as coisas, no aspecto moral, já que Marcus, em realidade, acabara sendo aquele que gerara todas as consequências, ao tentar obrigar a condenação de Lélia como culpada da morte de sua esposa Druzila, subornando autoridades e usando de sua importância e de seu dinheiro para impedir qualquer julgamento demorado e justo.
Não tendo conseguido salvar a jovem pelos apelos directos que fizera, Licínio não se viu com opção outra a não ser a de assumir a culpa, forma que possibilitaria, inclusive, a liberação de seu amigo Marcus e de sua amante, Serápis, de quaisquer culpas, permitindo que, com o tempo, viessem a se unir e reconstruir um lar para Lúcia e para os filhos que ela carregava no ventre.
Tudo isso pesava na consciência do patrício imaturo quando presenciara o ato final de Licínio, a cantar o hino cristão com o qual se despedia da vida física, nos braços de seu velho amigo e tutor espiritual, Zacarias.
Não mais suportando a dantesca cena que apequenava aquela gloriosa Roma de mármores e sangue, leis e injustiças, Marcus deixou o recinto tenebroso onde a multidão exultava com o espectáculo e dirigiu-se para seu " pequeno palácio" onde se ocultava das vistas de todos os demais e onde passava instantes de idílio amoroso junto de Serápis.
Não nos esqueçamos de que, dentro dos planos de Marcus para a condenação de Lélia, logo após a morte de Druzila, encontrava-se a viagem dele e Lúcia para o interior, com a desculpa de sair do ambiente triste e funéreo que o falecimento da esposa instalara, buscando levar a filha aos parentes da falecida, residentes em distante interior agreste.
Serápis partiria antes dos dois, como se os fosse anteceder na viagem com as bagagens, mas, em realidade, assim que deixasse o palácio, seria levada para a vivenda onde estavam acostumados a se encontrarem clandestinamente, ali permanecendo até que Marcus voltasse sigilosamente da viagem para trazer-lhe a filha a fim de que permanecesse em sua companhia.
Somente Licínio saberia de todos os detalhes de seu plano e essa medida evitaria a constrangedora constatação da gravidez de Serápis por todos os demais empregados e serviçais do palácio enlutado.
E agora que o administrador estava morto, ninguém mais conhecia os segredos e o paradeiro nem de Serápis, nem de Lúcia nem de Marcus, todos os empregados supondo que se encontravam em distante região.
Ferido na alma, no regresso do Coliseu foi o pai agradável mente surpreendido pela chegada do momento mais importante em seus sonhos masculinos, aquele em que uma mulher lhe concederia um filho homem, para dar prosseguimento ao seu nome, às tradições de sua família e ao culto dos antepassados, surpresa essa que se mostrou ainda maior quando a mulher que fazia o papel de parteira lhe comunicou o fato de que ele, em realidade, era pai de dois meninos.
Tão logo fora recompensada, tratou a senhora de ausentar-se o mais rápido possível porque sabia que, em questão de poucos minutos, o mundo de sonhos e esperanças de Marcus desabaria quando da constatação dos filhos deficientes que o destino lhe houvera endereçado.
E assim aconteceu.
Ao vislumbrar as criaturas pequeninas e mal formadas, o golpe em sua alma atingiu proporções ainda mais profundas, graves e danosas.
Já se achava um indigno amigo, um desditoso companheiro que não soubera dirigir as cordas do destino a ponto de impedir o sacrifício de Licínio.
E o seu mais ardente sonho se transformava em pesadelo ao constatar que ele acabaria sendo motivo de ironia de toda Roma caso assumisse como seus aqueles filhos deformados, que o destino, a prudência e generosidade de Licínio haviam assumido como prole dele próprio.
Todavia, fosse pela crueldade presenciada no circo com a tragédia a que foram submetidos os cristãos no poste do martírio, fosse porque uma voz íntima o advertia dos compromissos espirituais para com aqueles que lhe chegavam ao lar, Marcus não se animou a providenciar o descarte daqueles corpos defeituosos junto ao lixo público da cidade que, costumeiramente, recebia os corpos deformados de inúmeras crianças que não eram aceitas pela família ou que, por seu estado de debilidade ou má formação, traduzir-se-iam em vergonha para aqueles que as haviam engendrado.
Uma vez que se tratava de um jovem despreparado para todas as dores dos testemunhos de honradez e maturidade, abatido pela morte de Licínio e atribuindo-se, ainda que em parte, a culpa pela prole defeituosa, acovardou-se perante o testemunho de ser pai daqueles filhos e, valendo-se daquilo que Licínio houvera feito para facilitar a sua união com Serápis, como um gesto de benevolência do administrador, considerou as crianças como órfãs de pai desde o nascimento e, ao invés de adoptá-las e trazê-las para o palácio, o que permitiria a sua união definitiva com Serápis, até então sua amada, preferiu valer-se da falsa paternidade de Licínio e torná-la verdadeira, afastando-se daquele ambiente e abandonando todos os filhos e a amante na condição em que se encontravam.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 13, 2014 10:53 pm

Regressou naquela mesma noite fatídica, tomando o rumo da propriedade rural para onde tinha se deslocado antes, deixando não apenas a mãe de seus filhos abandonada à própria sorte, mas, igualmente, a própria Lúcia que, nessas alturas, era a expressão de um passado que ele não desejava relembrar - Druzila - e de um futuro que ele não mais desejava construir ao lado de uma amaldiçoada produtora de aberrações - Serápis.
Lúcia, ademais, precisaria mais de uma mãe do que de um pai.
Esse pensamentos despropositados de Marcus eram fruto de seu despreparo para as lutas morais da vida, reduzido que se achava a um mero gozador das coisas materiais do mundo, acostumado a poder tudo comprar, tudo mandar, tudo resolver à sua maneira.
Garantiu à família desditosa a possibilidade de utilização daquela moradia e, depois que pôde meditar melhor nos fatos, já na sede campestre para onde regressara sozinho, escrevera a Fábio, o administrador que sucedera Licínio, relatando-lhe que descobrira o motivo do desaparecimento do antigo mordomo, seu antecessor, motivado pela sua união com Serápis que lhe esperava um filho.
Acrescentou para dar mais veracidade à história, o fato constante da confissão de Licínio, de que adoptara a fé cristã e que, por esse motivo fora preso e condenado, no intuito de libertar Lélia, a serva acusada de matar Druzila.
Segundo a versão de Marcus ao administrador Fábio, Lélia fora consumida pelas mesmas chamas que haviam matado Licínio.
Restara Serápis, mãe de dois filhos doentes, herança póstuma de seu melhor amigo, Licínio.
Assim, através da mencionada carta, Marcus determinava a Fábio que se ocupasse de atender às necessidades da família do amigo e que o fizesse ainda antes do seu regresso ao palácio.
Dessa maneira, Marcus pensava organizar o mundo ao seu redor segundo os seus mais interessantes e convenientes objectivos, afastando Serápis de sua companhia e mantendo-a como a amante de Licínio, abrigada em um local seguro, ainda que simples, ajudada pelo apoio de alimentos que ele mandara o novo administrador remeter através de seus servos de confiança até o local onde vivia a nova família.
Por isso, quando Marcus regressou da propriedade afastada ao seio de seu antigo lar, encontrou as coisas mais ou menos encaminhadas, com a garantia de Fábio de que havia adoptado as medidas exigidas pelo seu patrão no documento remetido antes e que, como amigo e subalterno de Licínio, jamais houvera imaginado que o falecido antecessor mantivesse um caso íntimo com Serápis tão bem guardado.
Na acústica de sua alma, Marcus se esforçava por manter
apagadas as mais ternas lembranças dos momentos de prazer e enlevo que houvera vivido ao lado da serva querida, agora caída em desgraça pela infausta maternidade que lhe colocara nas mãos dois seres amaldiçoados como filhos.
Proibira que se comentasse qualquer coisa sobre Druzila, sobre Licínio, sobre Serápis e sobre o triste destino de todos eles.
Em realidade, explicara a Fábio apenas parte da história sobre o afastamento de Serápis do palácio, já como medida de impedir que seu estado de gravidez, cuja co-autoria atribuía a Licínio, viesse a ser descoberto pelos demais serviçais e acabasse comprometendo a honradez tanto do importante funcionário quanto do próprio patrão, surpreendido por uma ocorrência que atestava uma intimidade e uma licenciosidade indignas da austeridade de uma casa patrícia como era a sua.
Por isso - explicava-se - a necessidade da viagem de Serápis antes dele e de Lúcia, medida indispensável para afastá-la dali, encaminhando-a para modesta vivenda que fora providenciada pelo próprio futuro pai, Licínio.
No entanto, as dores colheram a ambos de surpresa e este não pôde ver o nascimento de seus dois rebentos.
Como vários meses já se haviam passado e Fábio jamais houvera tido qualquer contacto com Lúcia, sendo incapaz de reconhecê-la agora, sobretudo com as mudanças próprias do crescimento infantil, Marcus evitou relatar o destino da única filha, tudo fazendo supor que a mesma estivesse entregue aos parentes afastados da defunta esposa.
Fábio e qualquer servo do palácio, com excepção de Lélia, seriam incapazes de reconhecer Lúcia, depois de tanto tempo sem encontrá-la.
Assim que tudo estivesse convenientemente explicado, Marcus via a necessidade de afastar-se dali, para que a farsa que promovera como maneira de se livrar da condição de pai de dois monstros, fosse efectivada como verdade.
Se permanecesse por ali, fatalmente Serápis surgiria para acusá-lo, exigir-lhe maior ajuda, apresentar Lúcia e impor-lhe a vergonhosa reputação de um pai mesquinho, abandonando tanto a filha do primeiro casamento quanto os da união espúria e ilegítima.
Marcus sentia que Serápis era detentora de muitas chaves para fazer abrir as portas ao sabor de seus caprichos e interesses.
Por isso, não havia outra maneira de fugir desse risco senão deixando Roma, sem destino e sem informar quanto tempo ficaria ausente.
Ao término dos trinta dias do nascimento dos rebentos desditosos, Marcus se afastava novamente da capital imperial, sem destino declarado sequer ao próprio administrador, ao qual se dirigiria através de mensageiros que lhe trariam todas as ordens e orientações necessárias ao andamento das coisas por ali.
Isso o afastaria de Serápis, da pressão psicológica de tomar qualquer outra atitude mais generosa, das lembranças de Licínio, das vistas aguçadas da ex-amante e da consciência de culpa pelo abandono de Lúcia, sentimentos estes que procurava combater e remediar com a concessão do direito de viverem juntas sob o antigo tugúrio de amor e de lhes garantir alguma provisão mensal.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 13, 2014 10:53 pm

Se na superfície esta versão possuía muitos pontos de apoio que a aproximavam da verdade, no conjunto de todas as provas e indícios, tendo sido um caminho dos mais bem arquitectados para livrá-lo da responsabilidade e da vergonha de ser pai, por outro lado, seu coração sabia que sua conduta era indigna de tudo, de seus progenitores já falecidos há muito tempo, de seu melhor amigo, Licínio, de um sentimento de nobreza que ainda não estava de todo morto em suas tradições familiares, de sua consciência que sabia que tudo aquilo era um deslavada mentira.
Mesmo o seu afecto ainda tremia ao fixar a figura de Serápis, a amante calorosa e explosiva, dócil e segura, frémito esse que Marcus procurava afastar de imediato, a fim de não se sentir amolecido em suas fibras masculinas que decidiram qual o caminho que sua vida tomaria.
Não permitira que fosse objecto de ironias naquela Roma ferina e teatral, afastando-se de tudo o que colocasse em risco a sua estirpe e sua tradição.
Afastou-se como quem sai para longa viagem que, de resto, não excluiria nem mesmo uma travessia do Mediterrâneo, em busca dos encantos da Grécia ancestral, com seus monumentos e tradições de beleza.
Por esse motivo, mesmo que abandonada na condição de vítima inocente da maternidade de filhos inúteis para a vida de glórias, Serápis não conseguiu restabelecer mais qualquer contacto com o pai de seus filhos, tendo buscado informações em todos os lados, solicitado a colaboração de pessoas que pudessem ajudá-la a encontrar Marcus, recebendo sempre a mesma notícia:
Marcus havia viajado sem data para voltar.
E por mais que já se tivessem passado mais de dois anos de todos estes factos, Marcus continuava carregando consigo todos os conflitos de um coração que sente saudades da mulher amada, mas não deseja, em hipótese alguma, dividir-lhe o fardo, aceder-lhe à companhia, comungar com ela das lágrimas que deveria estar derrubando.
Sua trajectória de turista não conseguia fazer com que sua consciência lhe desse trégua e, por mais longe que fosse, via-se perseguido por todos estes tormentos que o acusavam de culpado na morte de Licínio, culpado na fuga da responsabilidade paterna, culpado pela farsa bem engendrada, na qual enodoava ou conspurcava a memória do melhor amigo para livrar a própria moral dos julgamentos mais incisivos.
Por isso, nem as belezas da Grécia, nem os ares frescos de montanhas, nem as carícias de tantas outras mulheres passageiras nas quais pensava enganar os próprios sentimentos eram capazes de completá-lo ou amainar o vulcão que o perseguia e crestava por dentro.
Tinha saudade e medo, ansiedade e temor, solidão e carência.
Sua alma era um verdadeiro turbilhão.
Mais uma vez, queridos leitores, surge diante de todos nós as implicações de nossas condutas, no tocante à responsabilidade em todos os pequenos actos que realizamos.
Sobre tais questões, o já mencionado "Livro dos Espíritos", que a Doutrina Espírita oferece como o mapa para a compreensão de nossos destinos diante das leis que dirigem nossos passo, não deixa margem a dúvidas no tocante à nossa condição de seres responsáveis, que contamos com os instrumentos que nos colocarão no rumo, não importa de quanto tempo necessitemos ou que soframos o efeito doloroso a que dermos causa.
A já citada questão 642 da referida obra é muito elucidativa quanto a isso.
Para ser agradável a Deus e para garantir o próprio futuro, não basta não fazer o mal, como muitas pessoas imaginam e se justificam em seu egoísmo e indiferença disfarçado de escrúpulo e nobreza.
Não é pela inércia no mal que se conquistará qualquer benefício na ordem evolutiva.
É indispensável que possamos fazer o BEM, NO LIMITE DE NOSSAS FORÇAS.
A isso se dedicou o próprio Licínio, ao entregar-se na vida física para conseguir resgatar a inocente criatura da injustiça a que seria levada pelos estratagemas de Marcus e pela venalidade das autoridades humanas.
Fazer o Bem no limite não apenas de seus recursos, não apenas no limite de seu tempo, de seus interesses, de suas conveniências, de sua descendência, de seu feudo.
Fazer o Bem até que as suas forças não aguentem mais, empenhando nessa faina todos os seus valores e objectos, coisas e riquezas, potencialidades espirituais e virtudes.
E, logo a seguir, a resposta a essa pergunta prossegue afirmando quão abrangente é a nossa responsabilidade no mundo, como espíritos em evolução que somos, todos solidários com o crescimento de todos.
Assim, vaticina que seremos responsáveis por todo o mal que possa decorrer de um Bem que nós deixamos de realizar quando o poderíamos ter feito.
Essa era a fundamental diferença entre Licínio e Marcus.
O primeiro houvera sabido cumprir com a sua essência divina, aceitando fazer o Bem no limite máximo de suas forças, de seus ideais, de seus objectivos.
O segundo se limitara a tentar amparar à distância, fugindo à responsabilidade dos próprios actos, acovardado diante dos efeitos da semente que houvera plantando no caminho, sem nos esquecermos de que, na vida anterior, como Sávio, havia maculado as próprias mãos com o envenenamento involuntário de Zacarias, quando tinha a intenção de matar Pilatos, para agradar a então igualmente amante Fúlvia, a mesma amante Serápis de agora.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 13, 2014 10:54 pm

Não se tratava, portanto, de um inocente e primário trânsfuga da lei de Amor.
Era um reincidente, um repetidor de condutas desrespeitosas que, segundo suas próprias necessidades espirituais, lhe impunham o dever moral de receber, ao lado da nova companheira, a figura detestável daqueles que haviam se comprometido directamente pela cumplicidade sexual e política, Pôncio e Suplício, os mesmos Lúcio - cego - e Demétrio - aleijado, agora como os filhos da antiga amante, Fúlvia, agora, Serápis.
Na planificação originária preparatória da presente reencarnação, Serápis seria mãe de seus dois sócios de delitos sob o amparo de Licínio que, como já lhe havia revelado, interessava-se em tê-la como esposa legítima e aceitara, espiritualmente, ser o devotado progenitor dos dois filhos deficientes que o destino lhe encaminharia.
Ambiciosa, no entanto, preferiu aventurar-se em busca de dinheiro poder, acabando por perder o coração fiel e devotado de um espírito luminoso, aquele mesmo Lucilio que procurara ajudar Zacarias a proteger Pilatos, trocando o seu afecto pelo interesse carnal e a paixão de um Marcus rico e inconsequente, aquele Sávio tolo que se deixara dominar pelos seus encantos sedutores.
Trocara a segurança do afecto pela fraqueza do companheiro que escolheu, não com base em realidades virtuosas do espírito e, sim, baseada nos interesses mesquinhos de continuar mandando e vivendo faustosamente, tendências que seu espírito ainda não havia conseguido abolir de suas ambições mais profundas.
Agora, todos estavam recebendo de todos as decepções que suas fraquezas produziam, por fugirem igualmente dos deveres de fazer o Bem.
Todos recebiam o Mal pelo Bem que haviam deixado de semear quando poderiam tê-lo feito.
Serápis, que optara por Marcus, se via sozinha sem o companheiro volúvel que escolhera, enquanto que Marcus não conseguia acalmar seu afecto, atormentado pelas defecções e pelas acusações de sua própria consciência, vendo-se afectivamente atrelado a uma mulher que representaria a sua desdita para sempre.
Por isso, queridos leitores, entendamos os deveres que nos compete observar na jornada da vida e, por mais dolorosos e difíceis, não abdiquemos do esforço para que o Bem dos que estão ao nosso lado prevaleça sobre os próprios interesses.
Nosso sacrifício pessoal será o único advogado decente que se levantará para defender-nos.
Todo o mal que possa decorrer da ausência de um Bem que poderia ter sido realizado por suas mãos representará acusador inflexível no tribunal da Verdade, a apontar na sua direcção quando se buscarem os responsáveis pela dor, pela fome, pela vergonha, pela queda de alguma pessoa, pela lágrima de algum ser.
Por esse motivo é que a vida é tratada com tão elevada consideração por todos nós, espíritos que os amamos tanto, já que cada sentimento de bondade expressado em gestos ou palavras é riqueza de valor inestimável enquanto que cada minuto perdido, cada dia, cada mês ou cada ano, é a repetição das velhas sementeiras dolorosas que, até os dias de hoje, estão ferindo tanto suas roupagens físicas, na forma de tumores ou enfermidades, quanto suas almas imortais, na forma de consciências de culpa, cáusticos da mente e do espírito, a converterem-se, mais cedo ou mais tarde, em outras inúmeras doenças da matéria, se a nossa vontade de corrigi-las não nos encaminhar para o exercício do Amor de maneira redobrada e incansável.
Não se esqueçam de uma coisa, queridos leitores:
Entre todos os que estamos aqui, no mundo de hoje, encarnados ou desencarnados, não existem inocentes.
Só há culpados.
Por isso, lutemos para que nossas experiências no Bem nos defendam e para que nossa consciência imortal, Verdadeiro Juiz inflexível de nossas culpas, ...finalmente... ... nos absolva.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 13, 2014 10:54 pm

10 - Confissões no trabalho

As novas actividades de Serápis produziram uma transformação em seu espírito, uma vez que, deixando a condição de mendicância a que se impusera como forma de tentar solucionar os problemas da criação da prole sem recorrer ao assassínio ou ao abandono dos filhos desditosos, a sua alma passou a assimilar forças novas, aumentando a confiança na solução de todos os problemas materiais que tanto os afligiam.
Além do mais, a companhia constante de Décio e a solicitude de que se via cercada, fizeram com que Serápis sequer percebesse as gotas de suor que lhe escorriam pela face, no vaivém, no sobe e desce, no carregar água, no organizar objectos e no limpar os gabinetes improvisados nos quais Cláudio se reunia com seus principais ajudantes.
A alegria dos filhos ao contacto com Flávia em seu lar lhe produzia uma tranquilidade segura e, por tudo o que estava recebendo, ainda que o ódio que nutria por Marcus corroesse seus mais íntimos pensamentos, naturalmente se sentia ligada aos seus benfeitores, principalmente a Décio que, na sua maneira séria e respeitosa, transformara-se em verdadeiro pai, a observar-lhe as necessidades e preservá-la dos riscos junto a homens rudes e grosseiros.
Graças à sua vigilância, pôde se sentir segura ao transitar com sua beleza e vigor por meio de criaturas acostumadas a desrespeitar a condição feminina.
Décio era sua garantia e todos os homens ali não se animariam a ter que enfrentar a estatura e os músculos daquele obreiro firme que se impunha não somente pelos exemplos e pelas palavras, mas, igualmente, pelo tamanho.
Como lhe houvera garantido, sua condição de serviçal impunha um serviço que a calçada não exigia na situação da mendicância.
No entanto, ao cumprir suas obrigações correctamente, sentia-se capacitada a ganhar o pão indispensável para o alívio de seus sofrimentos e para a concretização de seus sonhos de, mais cedo ou mais tarde, retomar o que julgava ter-lhe sido tirado, ou seja, a condição de senhora no palácio de Marcus.
Por sua cabeça passavam meios de vingança, como, infelizmente, costuma ser a conduta de muitas mulheres que se vêem preteridas na ordem afectiva.
Se a condição emocional infantil de certos homens lhes impõe a dolorosa situação da solidão, ao invés de entenderem essa experiência como fonte de enriquecimento que lhe propiciará desenvolver maiores virtudes na luta e na superação das adversidades, resvalam, ao contrário, para o abismo da auto-flagelação, do vitimismo, da pessimista interpretação de que são injustiçadas criaturas a merecerem a desforra contra aquele que as abandonou.
E no seu psiquismo sonhador, quando o ferimento se instala sem o combate da fé e da razão esclarecidas, deixado ao sabor da ventania do rancor e do ódio, a fagulha da tristeza se incinera e se transforma no incêndio enfurecido da vingança, traçando planos nos quais pensa infundir àquele que tergiversou nos compromissos do afecto ajusta contrapartida da dor e da decepção, devolvendo-lhe ferida por ferida, como a se igualar no lamaçal da indignidade e do crime.
Como mulher sem fé mais elevada e acostumada a usar da razão como instrumento de conquistas, Serápis carregava em seu íntimo a planificação de conseguir retornar ao antigo posto material de onde fora retirada por força das circunstâncias.
Entretanto, tais cogitações eram seu segredo mais bem guardado, deixado para o momento certo, uma vez que, agora, o que lhe interessava era corresponder ao voto de confiança que lhe houvera sido oferecido tanto por Décio quanto por Cláudio Rufus.
Este, por sua vez, nas poucas vezes que encontrava a jovem, sempre se interessava por saber como iam as coisas, como estavam se comportando os seus homens a respeito da sua presença, e, naquele dia, já alguns meses depois do início de suas tarefas, Cláudio lhe questionava sobre o tratamento dos operários como forma de começar a conversa, ao que ela, prontamente, respondia:
- O senhor Décio é a minha garantia e, graças à sua protecção, estou em paz podendo fazer meu trabalho, senhor Cláudio.
- Isso é muito bom, Serápis.
Apesar de meus compromissos constantes, tenho observado que as coisas estão melhores, que o lugar está mais arrumado, que os homens estão mais atendidos, não precisando interromper o trabalho com a desculpa de se abastecerem de água.
Enquanto Cláudio conversava com ela, seu olhar perscrutava aquela jovem que, apesar de possuir os contornos físicos harmoniosos e inspiradores, se via, assim, tão prematuramente, levada à condição maternal difícil e complicada.
Sem desejar perder a oportunidade de se esclarecer, sobretudo com relação a Domício, que não lhe saía da cabeça, Cláudio perguntou-lhe:
- Até agora, Serápis, ainda não consegui compreender como é que, dentre todos os filhos que você já possui, uma menina que não foi gerada em seu ventre, mas que, na prática, sua alma acolheu como filha, e dois outros meninos que você gerou e que se apresentam doentinhos, ainda houve condições de acolher a Domício, tão sofrido.
Como foi isso?
- Ah! meu senhor, as desgraças, quando vem juntas, fazem delirar nosso pensamento e, quando estamos perto de fazer coisas piores, o destino ou os deuses, às vezes, nos alertam ou impedem, ajudando-nos de alguma sorte com as migalhas de sua preocupação.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 13, 2014 10:54 pm

- Continuo sem entender, Serápis.
- Bem, meu senhor - disse a jovem, passando as mãos pelo rosto suado - eu acabara de ser mãe de dois infortunados que, por si só, me tiraram todas as esperanças de felicidade. No início, cansada do parto, perdi os sentidos e adormeci profundamente.
O silêncio do ambiente e a condição do esforço físico prolongado me impuseram essa estafa que os homens, muitas vezes, não entendem ou aceitam.
No entanto, dormi profundamente, com a alegria íntima de ter correspondido ao máximo na felicidade do eleito de meu coração que, tanto desejando ter um filho homem, fora agraciado com dois.
O senhor deve imaginar a minha surpresa terrificante quando, ao acordar no dia seguinte, quando o Sol já ia alto, esperando receber o carinho e o devotamento do companheiro feliz e orgulhoso, a me considerar a sua devotada cara-metade, sou surpreendida pela tripla tragédia.
Mãe de dois filhos deformados e abandonada por aquele que, até então, considerava como a base de meus sentimentos mais puros.
Foi uma situação desesperadora para mim.
A visão de Lúcio, de órbitas murchas e de Demétrio, sem os braços, aliada à solidão como sentença injusta por tudo o que houvera suportado, sem um adeus, sem uma explicação, sem qualquer entendimento que pudesse garantir o futuro material a que estaríamos expostos, criou em meu ser uma vertigem de aflição e desespero até hoje difícil de suportar.
Tão logo recobrei as forças, amparada pela serva que ficara no lar no período da gravidez, pus-me de pé e deliberei convocar Marcus a uma conversa mais directa, enviando-lhe um bilhete através da empregada.
Referida mensagem retornou lacrada como houvera sido mandada, com a informação obtida pela serviçal de que Marcus tinha se ausentado já há alguns meses com a filha, como aliás, houvera sido combinado por nós mesmos, depois da morte de sua primeira esposa.
Como vê, Marcus não tinha se dirigido para o palácio.
Logo imaginei que houvesse tomado o destino da fazenda no interior, o que me causou mais desespero ainda.
Vendo o meu estado, a mulher que ali me servira até aqueles dias, acostumada às tragédias tão comuns como a minha nesta cidade sem compaixão, aventou-me a possibilidade do descarte dos filhos junto aos detritos da cidade, o que, ao meu espírito de filha quase enjeitada por pais indiferentes me doía ao coração.
Imaginar estes pequenos seres mordidos por formigas, devorados pelos ratos e pelos urubus antes mesmo que estivessem mortos, me arrepiava inteira e a repulsa de meus sentimentos me impediria de agir dessa maneira.
No entanto, aventou ela outra hipótese.
Falando-me de que não precisaria encaminhar à morte pelo abandono, lançou-me à mente a ideia de doar os pequenos, colocando-os junto à coluna lactária existente no "fórum das verduras" (local onde se comercializavam os produtos do campo na antiga Roma, nas margens do rio Tibre), onde os enjeitados são, muitas vezes, encontrados por pais ou mães que desejam filhos sem poderem obtê-los.
Eu já ouvira falar dessa prática tão comum em nossos meios, mas jamais havia presenciado o seu funcionamento.
Assim, disposta a dar esse destino, quis, antes de agir, ver como se davam as coisas.
Por isso, na primeira noite que se me apresentou favorável, vesti modesta capa que me protegia e dirigi meus passos ao local estabelecido para poder observar melhor o que se passava.
Oculta pelo véu da noite e da larga vestimenta singela e tosca, passei despercebidamente e me coloquei em um local de onde pudesse observar melhor.
Não tardou para que percebesse vultos escuros esgueirando-se por entre as pilhas de caixotes rústicos, carregando pequenos embrulhos e depositando-os no chão, junto à referida coluna que, naquela noite em que pude presenciar o destino de tais infelizes, recebera mais de seis desditosos enjeitados.
E se as mães que abandonavam valiam-se da mais absoluta penumbra para deixarem o fruto indesejado de suas aventuras no chão frio, por entre os legumes e verduras, vez por outra alguém surgia carregando pequena lâmpada de azeite, como quem procura vencer a escuridão e avaliar o tipo de criança ali depositada.
Pude perceber que despiam-na por completo para examinar seu estado geral e, mais de uma delas se viu rejeitada porque, ao que pude presumir, não eram perfeitas na forma ou tinham traços não muito típicos dos romanos, mais se parecendo com rebentos de estrangeiros, com suas características típicas.
Ali percebi que meus filhos não teriam qualquer chance.
E se o engano ou a escuridão os ajudasse a conseguir um pai ou uma mãe, tão logo clareasse o dia e se constatasse melhor o estado geral, o destino do lixo estaria, certamente, marcando o trajecto que lhes seria imposto.
Dispunha-me, assim, a deixar o local, quando tive minha atenção voltada para um gemido que vinha das redondezas. correspondido ao máximo na felicidade do eleito de meu coração que, tanto desejando ter um filho homem, fora agraciado com dois.
O senhor deve imaginar a minha surpresa terrificante quando, ao acordar no dia seguinte, quando o Sol já ia alto, esperando receber o carinho e o devotamento do companheiro feliz e orgulhoso, a me considerar a sua devotada cara-metade, sou surpreendida pela tripla tragédia. Mãe de dois filhos deformados e abandonada por aquele que, até então, considerava como a base de meus sentimentos mais puros.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 13, 2014 10:54 pm

Foi uma situação desesperadora para mim.
A visão de Lúcio, de órbitas murchas e de Demétrio, sem os braços, aliada à solidão como sentença injusta por tudo o que houvera suportado, sem um adeus, sem uma explicação, sem qualquer entendimento que pudesse garantir o futuro material a que estaríamos expostos, criou em meu ser uma vertigem de aflição e desespero até hoje difícil de suportar.
Tão logo recobrei as forças, amparada pela serva que ficara no lar no período da gravidez, pus-me de pé e deliberei convocar Marcus a uma conversa mais directa, enviando-lhe um bilhete através da empregada.
Referida mensagem retornou lacrada como houvera sido mandada, com a informação obtida pela serviçal de que Marcus tinha se ausentado já há alguns meses com a filha, como aliás, houvera sido combinado por nós mesmos, depois da morte de sua primeira esposa.
Como vê, Marcus não tinha se dirigido para o palácio.
Logo imaginei que houvesse tomado o destino da fazenda no interior, o que me causou mais desespero ainda.
Vendo o meu estado, a mulher que ali me servira até aqueles dias, acostumada às tragédias tão comuns como a minha nesta cidade sem compaixão, aventou-me a possibilidade do descarte dos filhos junto aos detritos da cidade, o que, ao meu espírito de filha quase enjeitada por pais indiferentes me doía ao coração. Imaginar estes pequenos seres mordidos por formigas, devorados pelos ratos e pelos urubus antes mesmo que estivessem mortos, me arrepiava inteira e a repulsa de meus sentimentos me impediria de agir dessa maneira.
No entanto, aventou ela outra hipótese.
Falando-me de que não precisaria encaminhar à morte pelo abandono, lançou-me à mente a ideia de doar os pequenos, colocando-os junto à coluna lactária existente no "fórum das verduras" (local onde se comercializavam os produtos do campo na antiga Roma, nas margens do rio Tibre), onde os enjeitados são, muitas vezes, encontrados por pais ou mães que desejam filhos sem poderem obtê-los.
Eu já ouvira falar dessa prática tão comum em nossos meios, mas jamais havia presenciado o seu funcionamento.
Assim, disposta a dar esse destino, quis, antes de agir, ver como se davam as coisas.
Por isso, na primeira noite que se me apresentou favorável, vesti modesta capa que me protegia e dirigi meus passos ao local estabelecido para poder observar melhor o que se passava.
Oculta pelo véu da noite e da larga vestimenta singela e tosca, passei despercebidamente e me coloquei em um local de onde pudesse observar melhor.
Não tardou para que percebesse vultos escuros esgueirando-se por entre as pilhas de caixotes rústicos, carregando pequenos embrulhos e depositando-os no chão, junto à referida coluna que, naquela noite em que pude presenciar o destino de tais infelizes, recebera mais de seis desditosos enjeitados.
E se as mães que abandonavam valiam-se da mais absoluta penumbra para deixarem o fruto indesejado de suas aventuras no chão frio, por entre os legumes e verduras, vez por outra alguém surgia carregando pequena lâmpada de azeite, como quem procura vencer a escuridão e avaliar o tipo de criança ali depositada.
Pude perceber que despiam-na por completo para examinar seu estado geral e, mais de uma delas se viu rejeitada porque, ao que pude presumir, não eram perfeitas na forma ou tinham traços não muito típicos dos romanos, mais se parecendo com rebentos de estrangeiros, com suas características típicas.
Ali percebi que meus filhos não teriam qualquer chance.
E se o engano ou a escuridão os ajudasse a conseguir um pai ou uma mãe, tão logo clareasse o dia e se constatasse melhor o estado geral, o destino do lixo estaria, certamente, marcando o trajecto que lhes seria imposto.
Dispunha-me, assim, a deixar o local, quando tive minha atenção voltada para um gemido que vinha das redondezas.
Não parecia um gemido de criança recém-nascida.
Era um lamento, um choro triste que cortava com sua melancolia o coração mais duro e indiferente.
Acerquei-me para melhor observar e, ao clarão baço do luar, consegui divisar um amontoado de panos que se moviam.
A princípio pensei que fosse um malfeitor escondido.
No entanto, as suas dimensões eram reduzidas e seu lamento demonstrava dor intensa.
Ao me aproximar, ouvi um sussurro que cortou o coração que acabara de trazer dois seres ao mundo.
Uma voz gutural, quase incompreensível, suplicava:
- Água, um pouco de água...
Mas a voz não saía como a minha, neste momento.
Era um lamento, uma petição envolvida por lágrimas e dores de quem está desistindo de viver.
Encorajada pelo sentimento materno, me acerquei ainda mais e pude ver que se tratava de uma criança que pedia ajuda.
Naquele momento, não pensei que tipo de criança seria, se era sadia ou doente.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 13, 2014 10:55 pm

Apenas senti meu coração de mulher e de mãe me impor o dever de arrumar água para aquela criatura desventurada como se ele próprio fosse meu filho.
Esqueci tudo o mais.
Saí dali para buscar água a fim de diminuir-lhe o sofrimento e, no mesmo instante em que lhe deitava à boca os goles pausados do líquido santo, percebia o seu estado de abandono.
Tinha entre sete e oito anos e, assim que se viu atendido por mãos desconhecidas, dirigiu-me o olhar triste e falou, marcando-me para sempre:
- Obrigado, mãezinha.
Ah! senhor Cláudio, aquela voz rouca, balbuciada, que me chamava de mãezinha para agradecer-me por um copo de água, a mim, que havia ido até ali com a finalidade de me livrar dos meus próprios filhos doentes, produziu uma tormenta que me devastou os sentimentos. Senti-me indigna, senti-me uma bruxa satânica e era como se os deuses estivessem me dizendo: Você terá coragem de deixar seus filhos mendigando um pouco de água?
Lúcio, cego, e Demétrio, sem os braços, certamente morrerão à míngua.
E enquanto falava, procurando ser o mais honesta consigo mesma e com aquele que se apresentava como dos poucos benfeitores em seu caminho, Serápis não conseguia impedir que as lágrimas de vergonha escorressem por seu rosto.
- Sim, meu senhor, eu estava ali para desfazer-me dos rebentos aleijados e um filho alheio me suplicava um pouco de água e me chamava de mãezinha.
Não aguentei essa situação.
Soluçando de emoção, de vergonha, de dor moral, esqueci de tudo o mais e saí dali correndo, sem conseguir deixar para trás a imagem e o som da voz daquele menino infeliz.
Voltei para minha casa e encontrei a minha situação real.
Não poderia pensar em nada naquele momento.
Estava muito impressionada e o arrependimento me fazia sentir suja perante aqueles inocentes deformados que meu ventre carregara com tantas esperanças.
Os pequenos choravam.
- Estão com fome, senhora - falou a serva, mais experiente nas coisas da maternidade.
- Naquele momento, o choro de fome dos pequenos que nada imaginavam sobre as próprias realidades me faziam ouvir o choro daquele menino abandonado a me pedir um pouco de água.
Aproximei-me de Lúcio que, sem abrir os olhos, esticou seus bracinhos assim que sentiu o calor de meu seio aproximar-se dele.
E enquanto se alimentava, seus braços como que desejavam se prender ao meu corpo, segurando minhas roupas com a força de quem deseja viver, de quem precisa estar comigo.
Minhas lágrimas escorriam por sobre seu rostinho apagado e faminto e, por mais de uma vez, tive ímpetos de pedir-lhe perdão porque acabara de regressar do local onde pensara abandoná-lo, sem amparo.
Logo depois foi a vez de Demétrio que, do mesmo modo, desejava sentir meu afecto, mas a ausência de braços impedia que se expressasse na sua intenção de prender-se ao meu seio, cujo leite farto lhes servia de comida e água.
Depois da larga jornada, ambos adormeceram silenciosos e satisfeitos, como se não existissem mais problemas para eles.
Então, pensei comigo, para os dois, o maior problema que os incomodava era a fome, o estômago vazio.
Não tinham a noção de que seriam crianças diferentes.
Não choravam porque seriam repelidos no futuro, pelos homens ditos sadios.
Não se lastimavam porque nunca veriam a luz do Sol ou carregariam um copo d'água.
Choravam porque tinham fome e, agora, haviam parado de chorar porque alguém lhes dera alimento.
Lembrei-me de Domício.
Perdido no meio dos caixotes, talvez não soubesse da desgraça que a vida lhe vaticinava.
Talvez chorasse apenas porque tivesse sede, ou fome, ou frio e que, dessa maneira, não seria difícil fazer com que se sentisse confortável.
E vendo meus filhos dormindo em paz, senti meu coração apertado por imaginar aquela outra criança abandonada, talvez chorando de fome sem um seio de mãe a alimentá-lo.
Vesti minha roupa novamente e, ao fim de duas horas, trazia em meus braços aquele corpo doente e disforme também, cujos olhos pude ver brilharem pela primeira vez, ao calor da pequena casa que, daquele dia em diante, seria dele igualmente.
Eu, que havia ido até ali para despejar duas crianças, acabava voltando de lá carregando mais um infeliz.
Quando chegou em casa, procurei trocar-lhe as roupas para dar-lhe maior conforto.
Suas vestes estavam malcheirosas, desgastadas, quase apodrecidas.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 13, 2014 10:55 pm

Percebi que ele não tinha movimentos seguros nas pernas e que, pelo que via, não poderia se manter de pé.
Lúcia, pequenina, me ajudava em tudo, feliz como uma criança que ganha um brinquedo e quer cuidar dele.
Sobretudo porque esse "brinquedo", apesar de ser maior que ela, permitia que ela fizesse algo para amparar suas dores.
Uma vez que Lúcia teria que conviver com os irmãos deformados, tratei de fazê-la se sentir importante ajudando a cuidar daquele menino que, para nós, não tinha nome.
Foi aí que, precisando nomeá-lo, apesar de suas desgraças tão vastas ou até por causa delas, resolvemos coroá-lo com os nomes dos mais importantes personagens de nossa Roma, quem sabe se para atrair um pouco da boa sorte, quem sabe se para traduzir a trágica distancia que existe entre os que são poderosos governantes e aqueles que são vítimas de seus governos opulentos e injustos.
Enxugando as lágrimas para terminara história, completou:
- Daí, meu senhor, sem amparo de Marcus, apesar de ter recebido ajuda modesta durante algum tempo, não tive outra opção a não ser a de me dedicar a pedir com meus filhos, que a caridade nos sustentasse com suas moedas.
E até os dias de hoje, vinha tentando encontrar-me com o pai de Lúcio e Demétrio para que, vendo a nossa condição, ao menos se deixasse levar pela compaixão.
Por fim, acabei tomando conhecimento de que ele próprio não se considerava pai de ambos, atribuindo a paternidade a Licínio, o seu antigo administrador que, segundo fiquei sabendo depois, fora preso e executado para salvar aquela maldita Lélia, a empregada que fora uma das causadoras de toda esta tragédia.
Se essa mulher tivesse sido morta como deveria, eu já teria sido aceita no palácio de Marcus e nossos filhos nasceriam lá dentro, não tendo ele como nos expulsar nem como fugir dali.
Mas essa mulherzinha invejosa, amiga de Druzila, tudo fazia para me prejudicar quando eu trabalhava a seu serviço.
Era daquelas que bajulavam a patroa e lhe contava tudo, sempre procurando fazer intrigas.
Além disso, tenho certeza de que ela ou a própria Druzila desejavam me envenenar e, para isso, vieram com uma história de que tinham um sonífero poderoso que me aliviaria as tensões e me faria descansar melhor.
Já naquela época, pelo que posso imaginar hoje, depois de tudo o que se passou, usaram desse artifício para tentarem me tirar do caminho.
Bem, o estômago não espera que a injustiça seja reparada e, precisando comer e dar comida a mais quatro do dia para a noite, tive que me desdobrar.
Não houve quem não me aconselhasse a venda de meu corpo jovem, através da qual não nos faltariam recursos. Porém, quando pensava que ia dar esse passo terrível para uma mulher, via os olhos de Lúcia que brilhavam e sua voz a perguntar-me aonde ia.
Isso me desarmava.
Ao mesmo tempo, os pequenos pediam comida a cada três horas e ali eu tinha que me encontrar para amamentá-los.
Por isso, de uma forma ou de outra, meus filhos foram o seguro de integridade que me impediu de aceitar a falência moral, entregando meu corpo em troca do dinheiro, como acontece com tantas mulheres neste mundo, sem condições de conseguir alimentar a prole por outras vias.
Preferi, como já disse, tornar-me pedinte com eles, a tornar-me prostituta sozinha.
Então, para melhor aproveitar as oportunidades, passei a deixar Domício em um ponto não muito distante enquanto que eu e os outros três nos mantínhamos em outro, como forma de ampliar nossas chances de ganho.
E esta, resumidamente, é a minha ligação com Domício que, apesar de não ser filho de minhas entranhas, acabou sendo aquele que os deuses usaram para que eu não me desfizesse dos meus filhos infelizes, encorajando-me a seguir adiante, não sei por quanto tempo.
Se não fosse Décio ter me encontrado pelo caminho, me trazendo até aqui e se não fosse o senhor me aceitando como trabalhadora, certamente estaria mais próxima da derrota do que me encontro agora.
Emocionado com a luta daquela jovem que se mostrava sincera por um lado e reticente por outro, no que dizia respeito às suas relações afectivas com Marcus e no seu desejo de culpar a ele e a Lélia pelo seu infortúnio, Cláudio pôde avaliar melhor a complexidade daquela jovem que, infeliz por um lado, dispusera-se a tentar diminuir o sofrimento de Domício.
Se era abandonada por Marcus, tratava de Lúcia, a filha dele com a sua rival, como se fosse sua própria prole.
Ao mesmo tempo em que surgia generosa de um lado, trazia o coração hostil a acusar o amante que a deixou e a serva que fora inocentada.
Cláudio desejava como já houvera falado, aproximar-se mais de Domício e de seus outros filhos, para que conhecesse pessoalmente e com mais liberdade, a desdita da família.
Sem, no entanto, desejar impor-se no ambiente da casa, como um invasor que se vale de sua melhor condição social para penetrar no lar desguarnecido de qualquer protecção masculina, Cláudio engendrou outra estratégia para aproximar-se dos pequenos.
- Como já lhe disse, outrora - falou o administrador das obras de Élio Adriano - me interesso muito pelo destino dessas crianças.
Estamos nos aproximando das festas dedicadas aos deuses Castor e Pólux, devotados protectores da infância.
Com isso, gostaria que você aceitasse trazê-los à festa que organizarei para a comemoração dessa data, para que eles recebam as guloseimas e se sintam abençoados pelas referidas divindades.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 13, 2014 10:55 pm

E como não desejasse que o seu interesse fosse visto como forma de aproximação física indirecta, criando uma situação artificiosa para explorar a mulher desprotegida, acrescentou:
- Não se preocupe com nada. Marcaremos a data com antecedência, durante um sábado pela tarde e pedirei a Décio que os acompanhe até o local. Levarei outras crianças também e, com isso, não faltará companhia e festa para todos os pequenos.
- Ora, meu senhor - disse Serápis, constrangida com o convite - eu já sou muito feliz com o emprego e com a ajuda em alimento que tenho recebido.
Não acho justo pesar ainda mais nas suas preocupações.
Meus pequenos estão felizes com a protecção que têm recebido do senhor e de Décio e, em verdade, para todos nós, vocês tem sido nosso Castor e nosso Pólux, vivos.
- Eu não desejo que você decida pelos seus filhos, Serápis.
É para eles que faço o convite.
Quanto a você, só lhe resta, como mãe preocupada, acompanhá-los para que se vejam vigiados pelo olhar atento e carinhoso da progenitora.
E não pretendendo perder a chance com as escusas formais da mulher agradecida, deu por encerrada a conversa, dizendo:
- Tudo está decidido, então, Serápis.
Décio a procurará para falar dos detalhes e informar a data.
Quanto à festa em si, é algo muito simples e que tem por finalidade levar alegria aos pequenos infortunados que encontro sempre pelas ruas.
Não é algo que faço só para os seus filhos.
Costumo fazer isso sempre pelos pequenos e, por isso, todos os anos, aproveito essa oportunidade para festejar oferecendo aos nossos deuses respectivos a alegria dos pequenos como oferenda da minha gratidão.
É um compromisso que assumi desde há muito tempo e, para não perder as graças generosas dos deuses gémeos, não posso deixar de dar-lhe continuidade.
Agora, vá cuidar da tarefa porque, ao que me parece, já deve haver muito trabalhador com sede esperando pela sua provisão líquida.
Vendo-se dispensada para que não mais protestasse, Serápis abaixou a cabeça sorridente, em sinal de gratidão e respeito e, com breve reverência que lhe fazia lembrar os idos tempos em que servia no palácio de Marcus, retirou-se da presença de Cláudio, que ali permaneceu envolvido por uma atmosfera de sentimentos nobres e carinhosos.
Como acontecia ao coração generoso de Cláudio, interessado pelas crianças perdidas de Roma, aquela seria a oportuna ocasião de aproximar-se pessoalmente da família de Serápis, sem que isso pudesse ser considerado um ato deliberado para conquistar-lhe o coração.
Isso jamais lhe passara pela cabeça, desde o momento em que se viu derrubado por tropeçar em Domício.
No entanto, agora, com a convivência com a jovem e conhecendo-lhe as lutas pouco comuns nas mundanas moças daquela época, Cláudio não poderia negar a si mesmo uma certa emoção que lhe acelerava o coração quando se via na presença de Serápis, emoção essa que ele insistia em combater através da distância ou do exercício da autoridade que, sem humilhar a ninguém, o fazia sentir a distância que havia entre eles.
Guardando, no entanto, as emoções para si mesmo, Cláudio dirigiu-se a Décio para lhe comunicar a nova deliberação e pedir-lhe o auxílio a fim de que se concretizasse a ida dos filhos de Serápis, acompanhada dela própria e dele, Décio, até o local onde Cláudio os receberia para as festividades de Castor e Pólux.
Pretendia o jovem, além de Serápis e dos filhos, trazer para a comemoração aquelas mesmas crianças que se encontravam nas ruas e que pilhavam com ele, sempre a dizer que ele estava construindo uma ratoeira, entre as quais estava Fábio, o seu "funcionário", agora sem aquele emprego de proteger Domício que, sem mais necessitar ser usado como isca para a caridade fria dos homens, permanecia em casa, protegido da curiosidade e do descaso agressivo das pessoas.
Fábio, no entanto, ainda o servia em pequenas coisas, de tal maneira a se manter na folha de pagamento de Cláudio, ostentando orgulhosamente o título de seu empregado.
Fábio e mais alguns meninos seriam chamados também a participar da distribuição de doces e pequenos presentes.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 13, 2014 10:55 pm

11 - A história de Décio

Naquele período do império romano, prevaleciam as leis que proibiam a associação de pessoas para a defesa de seus interesses ou para a realização de actividades comuns.
Desde os remotos tempos de Augusto, os governantes romanos temiam que toda associação acabasse evoluindo para um embrião de rebeldia, porquanto desde então, os dirigentes públicos já sabiam que, sozinho, o indivíduo se vê inibido, mas, acompanhado, se fortalece e se torna mais arrojado.
Assim, leis múltiplas proibiam qualquer tipo de agremiação colectiva, excepcionadas, por óbvios motivos, aquelas cuja finalidade oram a de proceder aos cerimoniais fúnebres.
Houve ocasião em que um devastador incêndio na capital de uma de suas importantes províncias fez o seu governador pensar em estabelecer uma corporação de cento e cinquenta bombeiros fixos, os quais teriam combatido o fogo com eficácia, impedindo que o mesmo assumisse as proporções catastróficas como assumiu, mas foi desautorizado pelo imperador à época, por considerar preferível o risco do incêndio nos prédios ao risco de incêndio político que tal medida pudesse acarretar aos interesses romanos.
As actividades colectivas, muitas vezes, impunham aos seus integrantes a associação informal e não declarada, fazendo suas reuniões em lugares não públicos, furtando-se das vistas das autoridades.
Desde Trajano, o governo romano fazia vistas grossas a muitas dessas agremiações, apesar da proibição legal, pois seria impossível policiar todo o império, todas as casas, todos os lugares sob o domínio da águia imperial para coibir a reunião de pessoas.
Assim, desde então, os governantes se limitaram à política da aplicação rígida da lei quando a sua infracção fosse constatada ou quando qualquer delação ou denúncia levasse a milícia romana ao foco agremiativo.
Com os cristãos as coisas não eram diversas.
Depois de Nero que, na sua insanidade, fizera as perseguições cruéis que todos conhecemos, o movimento inaugurado por Jesus na longínqua Palestina se ampliava, principalmente, entre os desfavorecidos e miseráveis do mundo.
Todavia, as administrações posteriores à de Domício não se empenharam em uma luta devastadora contra os seus adeptos, levando-os aos circos quando eram flagrados nas actividades associativas proibidas, a maioria das vezes como condenados comuns, como indivíduos punidos por delitos variados, entregues à sanha da multidão que sempre pedia mais e mais sangue nos espectáculos.
Os cristãos continuaram a ser encarcerados e mortos, num processo intimidatório, mas desde Trajano, o antecessor do imperador Adriano, essas perseguições ou punições aconteciam quando, por denúncias ou flagrantes, eram encontrados reunidos ilegalmente ou se constatava serem adeptos da malfadada doutrina que, com seus estatutos morais representava um atentado à tradição paga dos romanos mais antigos, uma verdadeira ameaça às tradições orgulhosas e altivas dos herdeiros de Remo e Rómulo.
Para se protegerem de tais riscos, os cristãos entre si estabeleceram uma senha que servia de identificador da sua condição religiosa, seja traçando o símbolo de um peixe em alguma superfície, com duas linhas curvas que se cruzavam antes da extremidade, para formarem a cauda, seja se valendo do gesto que indicasse a cruz do sacrifício, desenhada com a ponta do dedo sobre algum local ou mesmo traçada no ar, com a mão espalmada, indicador de que tais pessoas eram adeptas da nova fé.
Com isso, os cristãos mais simples se saudavam e declinavam a sua condição de seguidores do nazareno, o que lhes facultava o ingresso nos locais onde os fiéis à nova fé se uniam em preces e exortações evangélicas.
Por ocasião do governo de Adriano, a religião cristã, graças ao ponho de milhares de adeptos e milhares de vítimas, ia penetrando em todos os ambientes da grande cidade, tornando-se uma prática que se misturava lentamente aos usos clandestinos não só dos verdadeiros cristãos, como também de muitos romanos, curiosos diante de uma doutrina que reconheciam capaz de suportar tantas perseguições infundindo tanta coragem nos seus seguidores.
Atraídos portal realização inusitada naquele meio colectivo, muitos romanos passaram a se dedicar ao estudo sigiloso, à frequência esporádica a algumas reuniões, levados por amigos, por romanos verdadeiramente convertidos.
Além desses, os cidadãos que sofriam de inúmeros problemas passaram a ver nas orações cristãs uma fonte a mais a que se poderia mi oi ror como forma de se conseguir uma melhoria diante dos próprios problemas.
As tradições ancestrais eram um conjunto de ritos frios e vazios, o os deuses de pedra, sempre a esperarem oferendas materiais ou fidelidade canina de seus adeptos, deixavam a sensação de indiferença e distância na alma do aflito que os procurasse.
Deuses dos poderosos, dos opressores, da guerra, da vida dissoluta, naturalmente não poderiam infundir à alma aflita a confiança que se busca num foco de esperanças ou de luzes.
Já as reuniões cristãs, simples e despojadas como era da essência do próprio cristianismo primitivo, eram a expressão da esperança verdadeira, da solidariedade mais pura, onde famintos e miseráveis, libertos e até mesmo alguns escravos se tornavam um único corpo, orando com um único objectivo, auxiliando-se reciprocamente, expondo seus sentimentos e conflitos a um único Deus e ao amado Mostre, na condição de embaixador do Altíssimo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 13, 2014 10:55 pm

Os cânticos singelos irmanavam os seres nas mesmas lágrimas e de certa maneira, todos os que buscavam esse consolo carregavam consigo dores íntimas que os aproximavam reciprocamente, não prevalecendo em tais ambientes as posições sociais, os títulos de nobreza e as tradições do patriciado romano.
Aliás, para se furtarem a qualquer compromisso constrangedor, próprios romanos importantes que aceitassem comparecer a essa reunião tipicamente de pobres e estrangeiros, faziam-no travestidos de pobres e ocultos por vestes que não lhes denunciassem a condição de nobreza ou de superioridade social.
Apequenavam-se em túnicas do povo, ocultavam jóias ou quaisquer atavios usados sempre como sinal de importância ou realce pessoal.
Os dirigentes anónimos dessas reuniões não eram doutores ou homens cultos em letras, segundo as tradições pedagógicas prevalecentes naquela época.
Eram estóicos idealistas, criaturas gratas ao Divino Amigo pelas bênçãos recebidas e que, desejosos de comungarem e ampliarem a generosidade do Céu a mais pessoas, se devotavam a expandir a mensagem, não como um movimento organizado, hierarquizado, mas como uma grande força que não consegue se enclausurar, qual luz que não se impede de brilhar.
Décio era um desses indivíduos que, beneficiado em momento de muito sofrimento, compreendera a grandeza daquela mensagem e, ainda que na condição de humilde trabalhador braçal, determinara-se a ser um modesto, mas firme semeador da doutrina de Jesus no coração dos aflitos.
Houvera sido enjeitado, como era costume se fazer naquela época, por apresentar a pele ulcerada, indicador de que padecia de enfermidade que o marcaria como imundo para sempre, além de comprometer a consideração e a respeitabilidade dos que o haviam gerado.
Abandonado no lixo, ali foi encontrado por um cristão que procurava alimento ou alguma coisa útil que pudesse usar em seu casebre, sendo, então, retirado do meio dos detritos e levado nos braços do generoso servo do Bem.
Identificado com a criança, Policarpo passou a dividir com o pequeno doente o pouco alimento que conseguia, fazendo com que o menino doente fosse recuperando o viço e, incluindo-o nas suas orações diárias, inoculou no espírito do filho por adopção, a chama da fé verdadeira, dessa que não precisa de dinheiro para revelar-se no Bem, dessa que não espera melhores condições para si mesma, dessa que nunca está cansada para seguir mais adiante, desde que seja para atender a dor ou secar uma lágrima.
Policarpo era daqueles que, tendo conhecido as diversas faces da miséria, delas assimilara os ensinamentos, desprezando a melancolia, a tristeza, o abatimento.
Assim, com tais valores nobres, modelou o carácter do filho a que deu o nome de Décio e que passou a ser aquele que o seguia por todos os lugares.
Diante dos infortúnios dolorosos que vitimavam a criança, na enfermidade que comprometia a sua epiderme, Policarpo não tinha uma palavra de queixa ou uma frase de insubordinação ante a vontade do Criador.
Sabia o devotado servidor da Verdade que cada um tinha que enfrentar seus percalços e que Deus jamais se equivocava.
Por isso, tanto carinho demonstrou com aquele que retirara do lixo e a tantas misérias humanas Policarpo se devotou, pela felicidade de seus irmãos de sofrimento que, escutando-lhe as preces em favor da criança, mãos luminosas, em certa noite de oração, se fizeram visíveis no pequeno casebre onde viviam os dois e, para espanto do improvisado pai que se prostrara de joelhos, encantado, o pequeno garoto, agora já com seus sete anos de idade, foi tocado em suas chagas purulentas e teve a saúde recuperada.
Igualmente impressionado com a luz suave e brilhante que se materializara no interior da casinha, Décio não sabia entender o mecanismo daquelas ocorrências, mas, à medida que as mãos luminosas o tocavam, exclamava impressionado:
- Paizinho, suas orações, paizinho... seus pedidos, paizinho...
A dor está passando, veja, paizinho...
Jesus ouviu nossas preces...
E chorava emocionado, enquanto ia relatando ao pai que seus padecimentos iam diminuindo tão logo a luz o acariciava.
Depois que pairaram sobre o menino, dirigiram-se sobre a fronte de Policarpo e, como a bendizê-lo, posicionaram-se uma sobre a testa do progenitor adoptivo e a outra penetrou-lhe o peito, afundando-se como a buscar o intimo do coração, expungindo-o de toda angústia, de qualquer sentimento de preocupação ou de aflição.
Policarpo, genuflexo, chorava emocionado diante da demonstração de tamanha generosidade e, falando em voz alta, agradecia como podia, ressaltando a sua miséria e seu demérito.
- Luz bendita - falava ele - graça te dou pela bondade que não mereço, mas que se compadece dessa criança para que ela seja, não mais uma enferma no mundo dos doentes, mas um sadio homem de Bem a serviço da Bondade.
Obrigado, mil vezes, obrigado... - falava Policarpo sem conseguir conter o pranto diante da grandeza daquela ocorrência.
Seu coração, visitado pela luz intensa se fizera uma fortaleza de confiança e de vontade de Amar a toda a humanidade, enquanto que sua mente, a partir daquele momento, se tornara uma lúcida fonte de ensinamentos e reflexões, a facultar a todos os que o escutassem, a palavra inspiradora e a compreensão espiritual a respeito das verdades do Evangelho.
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Série Lúcius - Sob as Mãos da MISERICÓRDIA / André Luiz Ruiz - Página 2 Empty Re: Série Lúcius - Sob as Mãos da MISERICÓRDIA / André Luiz Ruiz

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Dez 13, 2014 10:56 pm

Qual a ocorrência conhecida como Pentecostes, a Policarpo também fora concedida a inspiração superior, naquilo que os antigos cristãos denominavam "dom", que mais não era do que o afloramento das suas capacidades mediúnicas, transformando-se em um veículo de entidades superiores que, através de seu desprendimento, de sua generosidade, de sua carinhosa solicitude, passariam a tornar mais luminosas as mensagens espirituais, no conforto das criaturas que as buscassem.
Roma necessitava de mais semeadores e, à época em que Décio era menino, poucos se aventuravam na entrega tão integral quanto Policarpo se dispunha a entregar-se.
Assim, a partir daquele instante, como que se sentindo despertar para as realidades mais transcendentes, Policarpo passou a vislumbrar no ambiente pobre do casebre, mais do que as mãos luminosas que pairavam na penumbra do ambiente.
Aos seus olhos, uma forma luminosa e indefinível foi surgindo de tal maneira brilhante que Policarpo não conseguia divisar os detalhes das linhas que a formavam..
Seus olhos, pouco acostumados a visões angelicais naquele ambiente de grotescas criaturas, se deixou perder no doce hipnotismo daquele instante, sem cogitar qual a origem daquela visão rutilante e irreconhecível.
Em um instante, o mundo perdeu todo o seu sentido.
Já não havia nada mais marcante do que aquele ser cujos contornos pareciam a expressão de estrelas reunidas, dando-lhe a forma difusa da qual brilho vivo e ao mesmo tempo suave emanava em todas as direcções. Apenas as mãos se viam perfeitamente definidas a pairarem no ar ambiente.
Roma já não significava nada.
Nem a dor, nem a fome, nem a miséria, nem sua pobreza, nem o imperador, nem todo o império tinham qualquer significado diante daquele ser inesquecível que, apresentando-se assim, irradiava um sentimento de bondade que jamais fora exprimido em todos os discursos sobre o Bem que os homens tivessem proferido em toda a Terra.
Policarpo, no entanto, não se achava digno de uma visão de tal magnitude, deixando-se confundir em sua inocência por pensamentos que questionavam ser ela real ou se era fruto de uma alucinação ou uma loucura enfermiça.
E, sem ousar emitir qualquer palavra, seu pensamento discursava para si mesmo:
- Não, Policarpo, isso não pode ser verdade.
Você é um traste.
Essa alma generosa não pode ocupar-se de alguém tão miserável...
E enquanto ia nessa direcção, o dono do casebre viu as mãos de luz dirigirem-se até o pequeno Décio, que continuava paralisado de emoção diante das mãos luminosas.
Tocando-lhe o peito como fizera com Policarpo, o menino voltou dizer para o pai adoptivo, ainda confuso diante de tal ocorrência:
- Paizinho, que luz é esta?
- Meu filho... deve ser um anjo de amor que se ocupa de gente tão inútil como nós por causa da compaixão que nutre por você, querido
respondeu o pai, em lágrimas.
Voltando-se para sua direcção, Policarpo escutou em seu íntimo, que as palavras precisassem ser pronunciadas:
- É preciso ser puro como uma criança para entrar no Reino de Deus.
Vocês são filhos bem-amados também. A seara é grande e os trabalhadores, escassos.
A ambos, cada um a seu tempo, estão confiadas tarefas junto ao grande rebanho dos aflitos.
Ama a Jesus o suficiente para aceitá-las, Policarpo?
Colhido de chofre por aquela pergunta de todo inesperada, como se a aparição lhe repetisse trecho do Evangelho que tão bem ele conhecia e precisasse escutar da sua própria boca a confissão do verdadeiro afecto, na elaboração de seus dias do futuro, Policarpo não titubeou:
- Não sei quem és, alma generosa, mas amo a Jesus mais do que toda a minha vida, do que todas as minhas aspirações, mais do que a mim mesmo...
Ele chorava sem conseguir dizer com clareza qual o tamanho do amor que sentia.
Dirigindo-se para ele, as mãos luminosas, que pairavam no interior do casebre e que Policarpo via, na forma de uma presença diamantina que se tornava um sol ainda mais intenso, acariciaram-lhe o rosto molhado e aos seus ouvidos íntimos, no interior de seu ser, uma voz trovejante e suave se fez ouvir:
- Então, filho, apascente as ovelhas sofridas...
E como a imagem começava a se esmaecer, Policarpo se pôs a pedir mentalmente que aquela visão lhe retirasse toda a dúvida sobre a sua realidade e a sua identidade.
Foi, então, que viu deslumbrado, a mão luminosa traçar no ar o sinal característico.
Uma cruz de luz inconfundível ficou pairando no ar, como se o espaço tivesse sido ferido pela destra do espírito luminoso e, ao invés de sangue, o ferimento produzisse um brilho refulgente.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Dez 14, 2014 9:34 pm

Era o sinal com que os fiéis se reconheciam adeptos do próprio Cristo.
E enquanto a imagem desaparecia na visão de Policarpo, a pequena cruz flutuante se tornava mais fulgurante e viva, como a dizer ao espírito do homem carnal que a referida entidade vinha da parte do Cristo de Amor.
Aos olhos de Policarpo, aquela cruz flutuou em seu casebre a partir daquele dia, instalando-se por sobre a pequena porta de entrada e visível aos seus olhos mediúnicos tanto no lado de dentro quanto no lado de fora da habitação.
Desse dia em diante, Décio nunca mais adoeceu e essa visão passara a ser o grande segredo que ambos guardavam entre si, não se cansando nunca de conversarem sobre as emoções daquele dia, das lembranças daquele instante.
O tempo passou e Policarpo jamais se afastou da promessa feita naquele dia no sentido de apascentar lhe as ovelhas.
Décio cresceu junto do pai adoptivo e, seguindo-lhe os passos, integrou-se no trabalho do Bem onde conheceu amorosa companheira que lhe viria a ser a esposa querida com a qual se uniu e constituiu modesta vivenda, acolhedora e fraterna, o que o levou a se afastar do progenitor na construção do próprio futuro.
A esposa, no entanto, depois de poucos anos de união, partira da vida em enfermidade fulminante, deixando-o sem filhos e com o coração ferido pela saudade.
Novamente a figura do pai adoptivo se fez presente, relembrando a noite inesquecível daquele encontro e trazendo-lhe à mente a lembrança de que tanto Policarpo quanto Décio, cada um a seu tempo, seriam convocados ao serviço do Bem.
- Assim, meu filho, se a sabedoria do Pai privou seu afecto daquele coração amigo que o alimentava de esperanças, lembre-se que devemos amar a Jesus mais do que a nós mesmos e que a companheira, de onde está lhe envia suas vibrações de amor imortal para que você cumpra a sua tarefa, agora que é chegada a sua hora de servir, enquanto que eu, envelhecido e desgastado, sigo esperando o ponto final da existência segundo a vontade do Pai e o amparo paciente de Jesus.
Faça a sua parte porquanto o chamamento do Bem, naquele dia, não o dispensou do trabalho, devendo a sua cura física, certamente, ser atribuída ao muito Amor que Jesus devota a você, meu filho.
Entendendo as exortações do progenitor amoroso, Décio deu novo curso à sua vida, deliberando aproximar-se dos aflitos do mundo, adquirindo a casinha onde passara a viver nas proximidades da desgraça e, desde então, devotando todo o seu existir a espalhar a mensagem evangélica e os exemplos de afecto recebidos de seu pai adoptivo que, apesar de encanecido nas lutas, seguia vigoroso e feliz, espalhando as notícias do reino da bondade não mais apenas pela Roma daquele tempo, ampliando suas pregações por outros lugares e regiões que a mão luminosa, a mesma que traçara a cruz no ambiente singelo de seu casebre naquela noite, lhe apontasse como direcção a seguir.
Ambos, desde então, passaram a pertencer a Jesus plenamente e a fazer, não mais a própria vontade, mas a vontade daquele que amavam e que obedeciam por amor irrestrito.
Foi assim que Décio transformou a sua modesta vivenda no ponto de luz, na instituição informal que amparava os necessitados que ali sempre encontravam alguma coisa para as suas próprias dores.
Sua casinha era visitada por doentes, pobres, famintos, crianças, velhos, sempre esperançosos de obter algum benefício de suas mãos calejadas nos trabalhos rudes.
Seu salário era compartilhado com todos os aflitos e suas preces eram disputadas por todos os que viam nele a expressão desse Jesus desinteressado e bom.
Era o semeador saído do lixo, do abandono.
Era a pedra desprezada que se tornara a pedra angular da edificação do Reino de Deus no meio do reino podre dos homens.
Você que se diz cristão, pergunte-se a si mesmo há quanto tempo não visita um barraco, não vela a dor de um enfermo que não seja seu parente, não se aproxima de um miserável nas bordas dos lixões de sua cidade.
Você, que sonha tanto com a ajuda de Jesus, há quanto tempo tem deixado Jesus sozinho nos ambientes sórdidos da miséria?
Quantas vontades pessoais você deixou de realizar para fazer apenas um dos desejos do Cristo?
Pense, sem ter medo de se envergonhar, há quanto tempo você não faz alguma coisa a mais do que dar uns trocados para ajudar, há quanto tempo se limita a dar cestas de alimentos a instituições sem levá-las aos famintos, há quanto tempo não vê uma criança pobre com o nariz escorrendo pedindo o seu lenço, há quanto tempo só se limita a rezar em templos, em centros espíritas, a conversar com entidades, a esclarecer obsessores, a fazer da sua fé, apenas um momento limpo e perfumado, nos ambientes protegidos das instituições religiosas, em cerimónias sumptuosas ou barulhentas?
Quando precisamos de Jesus sempre o localizamos. No entanto, por que, quando ele precisa de nós, raramente nos encontra e quando nos acha, nunca estamos disponíveis?
Como desejamos encontrar Jesus se dificilmente andamos pelos mesmos caminhos que Ele anda, carregando a nossa cruz sem reclamar e ajudando os que precisam?
Isso não é ser cristão.
É apenas fantasiar-se de...
Não nos esqueçamos:
Para os sepulcros caiados por fora, mas podres por dentro, haverá sempre pranto e ranger de dentes.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Dez 14, 2014 9:35 pm

12 - A passagem do tempo

Dentro dessa rotina de trabalho e convivência, os personagens de nossa história viram seus dias tornarem-se meses, e os meses sucederem-se em anos.
Para Cláudio Rufus, o trabalho junto ao Panteón havia sido encerrado com o sucesso arquitectónico encantando os olhares maravilhados do imperador nas cerimónias de inauguração, retumbantes e majestosas.
Certamente que suas habilidades de administrador de negócios públicos o capacitariam para outras convocações ante as realizações incessantes que Adriano mantinha em andamento por toda a Roma e por boa parte do império, em várias localidades distantes.
Na convivência mais estreita com Décio, o espírito aberto e naturalmente generoso de Cláudio, ainda que homem de raízes romanas, interessara-se por questões transcendentes.
A amizade entre os dois homens que ajudavam a família de Serápis e os pequenos enfermos que se mantinham vivos graças ao seu apoio crescera e, com o término das obras e dos trabalhos no Panteón tinham que buscar outras ocasiões para se manterem em entendimentos, passando Décio a frequentar mais assiduamente, na condição de convidado, os aposentos pessoais na moradia de Cláudio.
Apesar de contrária às tradições romanas, as práticas cristãs representavam novidade salutar que ia penetrando mais e mais a alma de inúmeros romanos, muitos entediados com a vida sem sentido que levavam, sofrendo as desditas da decepção, da perda de suas regalias, da desgraça que se abatia sobre aqueles que caíam dos pedestais mundanos, sempre objecto de ironia e sarcasmo dos outros tolos que se mantinham equilibrados sobre as mesmas estruturas miseráveis dessas falsas verdades vinculadas ao poder político, militar ou à riqueza e aparência.
A organização cristã não passava de um punhado de homens e mulheres dedicados com sinceridade à causa da simplicidade e do amor ao próximo, coisa que não havia mais em nenhum lugar além do coração dessa comunidade de adeptos anónimos, o que preenchia e consolava a muitos, inclusive romanos patrícios, caídos em desgraça.
Sem outro refúgio que lhes alimentasse as esperanças, muitos romanos e romanas encontravam nas forças morais que o cristianismo insuflava em seus adeptos a coragem necessária para a luta incessante contra as armadilhas do destino.
Além disso, por ser fé estruturada nessa ligação verdadeira e incessante com as forças do espírito, muito mais poderosas do que aqueles cultos formais e frios que os romanos adoptavam na sucessão de deuses pagãos, sempre interessados em dinheiro e oferendas, os cristãos se valiam da oração fervorosa como importante liame entre os abatidos seres humanos e o Pai generoso e compassivo, o que lhes permitia compreenderem melhor as agruras de cada hora, abastecerem-se de recursos espirituais para seguirem adiante e, sentindo a esperança na figura do Divino Mestre, abrirem-se para que a vida tivesse um sentido que, até então, não era entendido pelos homens.
Os romanos, acostumados a orações despidas de conteúdo elevado pelas tradições superficiais de um orgulho e um preconceito de casta ancestral, ao experimentarem as sensações inusuais que a oração cristã propiciava, com os benefícios naturais na esfera dos problemas pessoais que os afligiam, mais e mais reconheciam, na prática, a superioridade da nova religião e, encantados com a descoberta, mais faziam por trazer outros aflitos para escutarem as pregações.
Com a ajuda de Décio, Cláudio Rufus, estafado ao final do período da construção bem sucedida, pôde encontrar um pouco de tranquilidade e equilíbrio físico, recebendo o alvitre do amigo, que se oferecera em orações pelo antigo chefe, como uma demonstração de afecto e de valor da própria generosidade.
A esta altura, Décio e Cláudio já conversavam sobre as questões transcendentes da vida, sabendo este que o primeiro era cristão, ainda que se mantivesse sempre de maneira discreta e sem invadir a esfera da consciência dos romanos tradicionais.
Cláudio, ainda que admirasse Décio na sua fé, considerava-a ingénua crendice de criança, incompatível com a idade e a seriedade que seu antigo empregado sempre demonstrara.
Viu, no entanto, mudarem seus conceitos quando, nesse estado de abatimento próprio da estafa pelo exercício dos deveres incessantes, aceitou receber sua oração, mais para não desgostar sua boa vontade do que por acreditar nela.
Entretanto, qual não foi sua surpresa quando, em forma de ânimo renovado, de calma interior, de sono benfazejo, as mãos calosas de Décio puderam infundir-lhe as sensações da paz que há muito não sentia dentro de seu ser.
A oração era simples, porém de uma sinceridade e uma intimidade que poderia causar espanto pela informalidade e, sobretudo, pelo respeito e veneração com que se materializava nos lábios do pedreiro.
A força de que se revestia estava justamente nesse colóquio directo e singelo, que dispensava símbolos religiosos, estátuas e oferendas, porque era a manifestação pura do espírito, no sentido da autenticidade de sentimentos.
E a resposta era sempre a directa concessão, amplificada pelas dádivas da misericórdia que, necessitando revelar a mensagem do espírito aos indiferentes daquela capital do mundo, fazia além do que se estava pedindo, a fim de que os destinatários das bênçãos bem avaliassem o poder e a amplitude daquela fé que não se baseava no poder mundano, nas forças do dinheiro ou da tradição patrícia, nas bases das coortes militares e de suas conquistas sangrentas.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Dez 14, 2014 9:35 pm

Por esse motivo, inúmeras criaturas arraigadas aos antigos conceitos romanos iam sendo consoladas e amparadas pelas palavras de esperança dos vários trabalhadores do bem que, enfrentando os riscos das perseguições regulares e da ilicitude de suas práticas, insistiam em manter os encontros fortuitos, as reuniões da fé sincera, nos ambientes pobres dos casebres além Tibre, nos bairros mais afastados do centro populoso e rico, sempre ao cair da noite.
Cláudio, encantado com os efeitos de uma simples oração, não entendia como é que isso podia ocorrer e, nessa ânsia de conhecimento que lhe caracterizava o espírito indagador, passou a escutar de Décio as explicações sobre os princípios espirituais que a tradição cristã mantinha, na maior parte, em forma de relatos orais ou de cópias que se iam multiplicando entre os seguidores.
Uma delas foi entregue ao jovem administrador para que pudesse consultar e aprofundar suas reflexões, mantida entre eles essa prática como um segredo que lhes garantiria uma melhor oportunidade de entendimento sem os riscos das tragédias da perseguição.
Com o tempo, Cláudio já se sentia mais esclarecido pelos ensinamentos cristãos que bebia com avidez, estimando cada vez mais a presença de Décio em seu lar.
Ao mesmo tempo, Serápis já não mais trabalhava na obra do templo de Adriano e, restituída à convivência dos filhos, seguia sendo amparada por Cláudio e por Décio, que não deixavam faltar coisa alguma para a manutenção da família desditosa.
Os filhos cresciam enquanto as dificuldades do ambiente doméstico se tornavam maiores por ser, naturalmente, de dimensões cada vez mais apertadas.
Serápis, no entanto, não reclamava de nada, mantendo seu coração silencioso e aquietado, ocultando apenas o ódio que ainda sentia de Marcus e o profundo desejo de vingar-se dele pela condição que lhe havia imposto por sua covardia moral.
A convivência com Cláudio no trabalho fizera com que ela se interessasse por aquele homem que lhe parecia sincero e respeitoso.
No fundo de seu coração, ele lhe fazia lembrar a figura de Licínio, o benfeitor desprezado por seu afecto e que, se lhe tivesse merecido a correspondência afectuosa, naturalmente estaria ao seu lado nas horas difíceis de seu destino, sem desamparar a família, não importasse de que tipo de corpos ela fosse constituída.
Como aquele Licínio era diferente e melhor do que Marcus, o miserável desertor dos compromissos.
A dor dos pequenos a preocupava e consumia.
Já não mais a dor da fome e da miséria como no passado.
Agora, a dor da doença e das limitações que ela propiciava.
Demétrio e Lúcio, já com quase oito anos, tinham comportamentos diferentes diante de suas realidades.
Lúcio, cego, apresentando um ferimento na pele do ventre que insistia em não cicatrizar, trazia a alma inquieta com as limitações que o destino lhe havia imposto.
Era algo arrogante, mesmo na pequena atmosfera onde se mantinha, desejoso de impor suas opiniões e ser atendido em tudo o que solicitava.
Demétrio, o que nascera sem os braços, carregava no espírito as tendências da agressividade e da frieza, revoltando-se por não conseguir desenvolver com a devida eficiência, as actividades nas quais pudesse exprimir a sua intenção e o seu sadismo.
Entre as duas crianças havia algo de cumplicidade e de dependência, já que, sob os cuidados de Lúcia, a irmã mais velha e que já contava seus dez anos, ambos passaram a entender o teor de suas limitações e que, se se ajudassem, um ao outro, poderiam fazer coisas que não conseguiriam se dependessem, apenas, cada um de si mesmo.
O carinho de Lúcia por ambos era a única coisa que atenuava os seus achaques de revolta ou impaciência.
Lúcio não aceitava o fato de não poder enxergar, limitando seus afazeres a coisas que estivessem sob a esfera de controle de suas mãos.
Muitas vezes emburrava e não queria falar com ninguém, ocasião em que sua dor abdominal piorava e o obrigava a solicitar a ajuda da irmã, quando a mãe não se achava presente.
Lúcia tratava de seu machucado e, lembrando-se do carinho de Flávia, a antiga ajudante da família, orava pedindo a ajuda de Jesus para seu irmão.
Demétrio, sem os braços, dependia de todos para poder fazer as menores coisas, ainda que se esforçasse para realizar o que se fizesse possível, por seus próprios meios.
Acontece que, desde comer, banhar-se ou fazer qualquer trabalho, por mais simples que fosse, não havia como concretizar tais rotinas por falta de membros adequados para tanto.
Dependia sempre de alguém e estava sempre obrigado a pedir ajuda, o que o contrariava significativamente.
Ambos se sentiam muito felizes com a atenção de Lúcia que, com devotamento e carinho, mais se esforçava para aliviar o fardo pesado daqueles que a vida colocara como seus irmãos de jornada.
Principalmente em relação a Lúcio, a pequena se sentia extremamente ligada, o que atenuava a solidão que a cegueira lhe produzia, enquanto que gerava sentimentos de ciúme no coração de Demétrio, sempre requisitante de igual dose de atenção.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Dez 14, 2014 9:35 pm

Se Lúcia era a que lhes compensava as deficiências com seus olhos e seus bracinhos operosos, os dois filhos se sentiam atraídos fortemente por Serápis, a mãe que se pusera activa trabalhadora nas lutas para a sobrevivência de todos, além da ajuda dos benfeitores.
A presença de Serápis era, para os dois, motivo de alegria e esperança, cada qual desejando receber de sua solicitude materna o alimento afectivo que lhes abastecesse de afecto e nutrisse seus sonhos e esperanças.
As duas crianças disputavam a atenção da mãe, como se Lúcia não existisse naqueles momentos, o que a menina bem compreendia.
Com o término das tarefas na obra em construção, Serápis fora encaminhada para trabalhar algumas horas em modesto serviço de limpeza de padaria que se localizava não longe do ambiente familiar, graças ao cuidado de Décio, que conhecia o dono do estabelecimento e sua família, conseguindo, com isso, que Serápis não ficasse sem trabalho.
Amparado no prestígio de Cláudio, Décio pôde fazer ver ao proprietário, as vantagens de conceder o abrigo do trabalho à mulher que era objecto das atenções de tão importante funcionário do império.
Assim, nas ausências do lar, Lúcia fazia o papel da mãe devotada, cuidando daqueles três irmãos de infortúnio, entre os quais se incluía o filho adoptivo, Domício.
Enquanto o Panteón não havia sido terminado, o trabalho de Serápis e os compromissos de Flávia se apresentavam como factores que não permitiam o encontro directo, ficando, ambas, em contacto através de breves bilhetes ou recados que deixavam reciprocamente, recomendando ou solicitando, informando e combinando rotinas, tendo Lúcia como porta-voz de tais entendimentos.
Serápis sabia dos benefícios que a companhia de Flávia proporcionava ao ambiente de seus filhos e, assim, era muito agradecida a Décio por tê-la trazido até ali, naquele período em que se apresentara como irmã e mãe dos filhos.
Décio, abastecido por Cláudio, tudo fazia para ajudar Flávia que, na sua pobreza, aceitara servir Serápis e seus filhos sem nada cobrar como pagamento por seus serviços.
Era cristã e, por gratidão a Jesus que a havia amparado, se sentia em dívida com as bênçãos que recebera, dívida essa que procurava honrar, ao menos com os gestos de carinho que pudesse oferecer.
Todavia, também era mãe e carregava nos ombros o fardo difícil da responsabilidade familiar.
Com a ajuda de Décio, encontrara trabalho em casa comercial e conseguira equilibrar as necessidades com o que recebia, que dividia com a mãe, com quem morava, ajudada pelas acções do filho que, na sua juventude, sempre conseguia trazer para casa algum dinheiro, de serviços que fazia ou de ganhos que conseguia obter de algum coração generoso.
As recomendações de Flávia eram sempre no sentido de que seu filho jamais tomasse o que não lhe pertencia.
Que, se necessário, pedisse, mas que nunca furtasse o que era dos outros, como o faziam tantas e tantas crianças que viviam da indústria da miséria, tantas vezes a causadora das desgraças e a impulsionadora do crime.
Com isso, ela garantia uma mínima provisão e, aproveitando-se das oportunidades, ajudava a quem podia.
Com o término do Panteón, Flávia voltou à sua rotina, deixando a Serápis o encargo de seu lar e dos cuidados com os próprios filhos.
Assim estavam as coisas no outono daquele ano de 132.
Cláudio, já convertido ao cristianismo, pensava em algumas modificações no ambiente de seu lar para que as coisas se ajustassem de outra forma.
Não era desconhecido de Décio, que Cláudio nutria um sincero afecto por Serápis, afecto este que foi aumentado quando pôde conviver com sua maneira de ser, no trabalho da construção, tanto quanto com a dor de seus filhos legítimos e do filho adoptado, agora já às portas da fase adulta da vida, com seus 17 anos de idade.
- Estou pensando seriamente, Décio, - falou Cláudio com intimidade e respeito - em trazer a família de Serápis para viver aqui nesta casa, que é muito grande para um homem sozinho.
O que você pensa disso?
- Bem, meu senhor, - como insistia em chamar o antigo patrão, apesar da amizade verdadeira e sincera entre ambos - diante das agruras e dos apertos onde estão vivendo, esta larga vivenda representaria, para todos, o próprio campo dos eleitos, o paraíso para aflitos.
- Tenho receio de que Serápis veja nisso apenas o desejo do homem que oculte sentimentos escusos a seu respeito.
Você bem sabe que nutro verdadeiro carinho por essa mulher valorosa que, longe das doidas romanas, falenas viciadas pelas facilidades do dinheiro e do sexo a se tornarem vampiras e pragas em nossa sociedade de homens, é uma lutadora resignada, alguém cujos valores do espírito souberam acolher filhos de outras mulheres quando, em verdade, o normal das fêmeas de nossa sociedade é produzir o descarte de cada criança, mesmo as perfeitas e nascidas do próprio ventre.
- É verdade, senhor.
Serápis demonstrou verdadeiro desprendimento ao acolher tais desditosas criaturas.
Pelo que conheço de seu carácter pessoal como homem digno e correcto, sei que a sua intenção é nobre e, se me for permitido ajudar, tudo farei para que Serápis não interprete equivocadamente seu interesse por ela.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Dez 14, 2014 9:35 pm

- Contando com seu auxílio, conseguiremos fazer com que os meninos sejam melhor amparados, Domício seja encaminhado para um ambiente mais adequado e Serápis esteja por perto, se necessário, como servidora desta casa, para que não imagine que pretendo trocar sua presença por favores do corpo, como reles prostituta.
Com isso, poderemos também encaminhar a família para as realidades desse Cristo de amor e generosidade, principalmente os filhos enfermos que, sabemos, terão sempre maiores dificuldades em superarem tais obstáculos em uma sociedade como a nossa.
Penso que, colocá-los em contacto com a mensagem de esperança, será um dever ainda maior do que velar pelas condições de seus corpos.
Para tanto, conto muito com sua presença directa e suas alocuções, como um professor de todos nós, a nos edificar com suas aulas de bondade e de carinho.
Ouvindo a referência pessoal, Décio baixou a cabeça algo constrangido e respondeu:
- Senhor, o único professor que temos é aquele Divino Amigo que se deixou matar para transformar a própria morte em uma aula de humildade, a ensinar a responsabilidade por tudo o que fazemos e a demonstrar que a vergonha é o património dos que matam injustamente, ao passo que a glória é a coroa dos injustiçados que aceitam os fatos sem a revolta nem o ódio contra os agressores.
Pessoalmente, sou apenas um endividado, esfarrapado moral que tento ser aquele que segue os passos luminosos do Senhor, ainda que rastejando na lama dos meus defeitos.
Por isso, longe de mim qualquer pretensão ou desejo de ser professor.
Apenas falo o que o coração me tem ditado e, nessa condição estarei sempre disponível para ser útil onde quer que seja.
Aliás, o seu alvitre sempre generoso, senhor Cláudio, me faz lembrar que estou esperando, para breves dias, a chegada do paizinho querido que, segundo me comunicou em breve missiva, deverá estar aportando em Óstia nos próximos meses e passará uma temporada em meu lar conforme sempre fora do meu mais profundo desejo.
Surpreendido com a notícia e com a alegria de Décio, Cláudio indagou:
- Policarpo vai chegar? Aquele dos seus relatos tão cheios de emoção e elevação de ensinamentos?
- Sim, meu senhor, meu paizinho querido está planejando visitar-me, creio que como algum presságio para a partida não muito distante, conforme fez mencionar na carta que me enviou.
Não está doente, como ressaltou na escrita, mas sente que seus dias estão terminando e pretende cumprir as tarefas até o final, desejando partir desta vida somente depois que se desincumbir de deveres amorosos de um coração de pai junto ao coração de um filho adoptivo que muito o ama e de outras tarefas que julga indispensáveis ultimar, como forma de entregar seus dias a Deus, que o haverá de chamar na hora que julgar adequado, mas que, segundo seus anseios mais íntimos, espera que o surpreenda no trabalho da Verdade, na fundação do Reino de Deus no coração das pessoas.
Escutando, embevecido, Cláudio se deixou levar pelas recordações das histórias que ouvira da boca de Décio, relatando os seus momentos de convivência com aquele homem valoroso e bom, cuja vida se transformara em uma sinfonia de bênçãos, não mais a serviço de si mesmo, mas à disposição dos aflitos do mundo inteiro, peregrino da esperança a levar as palavras doces da consolação da Boa Nova por onde o Senhor apontasse o caminho.
A notícia alvissareira parecia casar-se com os planos de afecto por aquele grupo de almas aflitas às quais ele se ligava e às quais desejava ajudar com o melhor do que possuía.
Não teria que dar satisfação a ninguém mais, já que os próprios servos de sua casa confortável haviam sido substituídos por pessoas da confiança de Décio pelo devotamento à causa cristã, empregados humildes que ganhavam a vida no trabalho honesto, remunerados por um senhor que, na intimidade, havia se entregado igualmente ao culto da mesma fé que eles nutriam.
Serápis e os filhos seriam hóspedes aos olhos de todos os outros empregados, considerados como irmãos naquela casa em que todos podiam conversar sobre as coisas elevadas que sentiam, sem os problemas aterrorizantes das perseguições, prisões e suplícios daí decorrentes.
Se as bênçãos de Deus o permitissem, quem sabe não haveria de surgir entre ele e Serápis, o laço sagrado do afecto sincero, a autorizar a união que selaria com o Amor, aquilo que, até então, começara como gesto de generosa solicitude.
Nada fora planejado, preparado, preconcebido.
O interesse no Bem de Domício, levara-o até Serápis e seus filhos miseráveis.
As forças da vida trouxeram-lhe Décio.
Tudo foi sendo organizado pela força das coisas para que, nas convivências de todos, as realidades do afecto lançassem seus fundamentos em alicerces do respeito e da admiração que, agora, Cláudio imaginava tomar os fundamentos da própria felicidade pessoal, contrariando todas as mais antigas tradições, vivenciando suas experiências afectivas à distância dos preconceitos daquela Roma pervertida e cruel.
Quem sabe, com o apoio de Décio e, agora, de Policarpo, tudo não pudesse ser encaminhado a contento e para o bem de todos os envolvidos?
Naquele dia oraria com mais fervor, no recolhimento de sua intimidade.
Ave sem Ninho
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