LUZ ESPÍRITA
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Do Calvário ao Infinito - Victor Hugo/Zilda Gama

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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 15, 2023 7:28 pm

Livro VII - Eterna aliança

I

Richard e Yvan, abnegados e congraçados pela mais lídima e fraterna afeição, prosseguiram no seu apostolado. A saúde do fidalgo artista não ficara, porém, plenamente restabelecida. Ele já não executava ao piano, como outrora, as admiráveis sonatas que enlevavam a Duruy.
—Dir-se-ia — falou uma noite o castelão — que Súplicas de Além-túmulo estava destinada a ser o meu canto de cisne...
Uma vez, porém, ao anoitecer, sentiu-se subitamente influenciado pelas potências siderais. Dirigiu-se ao piano e dedilhou tão surpreendente marcha, que, ao terminá-la, o médico o abraçou com os olhos fúlgidos de lágrimas, e disse-lhe:
—É digna de ser executada nos recitais divinos a música de acabais de compor! Que expressão, que harmonia, que rumoroso regozijo ressumbra dela!
Vossas inigualáveis composições são todas merencórias, excepto está... Tive a impressão de haver ouvido uma canção entoada por centenas de guerreiros que, tendo estado prisioneiros muitos anos, tratados com dureza por um vencedor crudelíssimo, conseguissem demolir a Bastilha em que morriam lentamente, e, então, libertos, vitoriosos, entusiásticos, no momento de transporem as fronteiras da Pátria bem-amada — onde os aguardavam corações ansiosos — deixassem seus lábios, ou suas almas, traduzir-lhes o júbilo intenso, por meio de uma Marselhesa sublime e incomparável... Cuidei ouvir, vocalizada por querubins o “Allóns, enfants de la Patrie, “Le jour de gloire est arrivé!”
Penso ter visto, ao longe, flâmulas douradas tremulando em festões de rosas orvalhadas... Estou ávido por lhe saber o nome...
Dizei-o, amigo!
—O Quebrar dos Grilhões...
—É simbólico o título.. . Para qual de nós dois será esse prenúncio de liberdade?
—Talvez para ambos — murmurou profeticamente o Sr. d’Aprémont.
Sem haver uma causa justificada, estavam entristecidos. É que a alma, antes dos grandes cataclismos morais, tem a antevisão do qual vai padecer, e, por uma faculdade mais divina que humana, pressente a sua aproximação, qual marujo adestrado nas lides oceânicas, que, sondando o horizonte, prevê com segurança as mais temerosas borrascas...
Era quase o final de 19... Por essa época, uma notícia alarmante, formidável como um trovão universal — logo após os sanguinolentos sucessos de Sarajevo, em que foram imolados, aos ódios populares, descendentes reais dos Habsburgos, do Império dual Austro-Húngaro, — ribombou pelo Velho e Novo Continente: às hostilidades da chamada Entente, constituída pelos Impérios Centrais, seguiu-se a invasão da Bélgica pelos teutos, com o fim de esmagar a França, a execrada adversária de muitos séculos, que chorava em surdina, havia muito, a perda de dois pedaços do seu coração duplamente apunhalado — a Alsácia e a Lorena. — Em pouco tempo os acontecimentos se precipitaram.
Algumas regiões belgas, como as de Liège, Mons, depois as flamengas, foram taladas.
Houve um êxodo para os territórios ainda não conflagrados, das famílias belgas que, sem olhar para trás, como Loth e suas filhas fugindo de Gomorra incendiada, aterrorizadas, abandonaram os lares até então fartos e ditosos, que jamais veriam, para Se lançarem à sorte adversa, pelas estradas e aldeias abandonadas, sem recursos pecuniários, sem conforto, pés sangrantes, alma em luto, levando na retina os sítios amados onde nasceram, calcados pelas legiões aguerridas, impiedosas, como que possuídas de ódio tigrino pela Humanidade inteira, sem atender as lágrimas de mães, lamentos de crianças famintas, às vezes massacradas, desespero de jovens conspurcadas em sua dignidade de virgens... Nos ares planavam dirigíveis rumorosos, como abutres de aço, desovando no Espaço obuses formidáveis, que, caindo nos campos e nos pacíficos núcleos de gentes laboriosas, deixavam-nos ravinados, escavados, solapados, em ruínas, em escombros fumegantes, como se a face da Terra houvesse sido varrida por um ciclone infernal...
Esse estado angustiado da Bélgica e da França, resistindo ao choque dos beligerantes como os antigos Lacedemónios, não era alheio a Yvan e Richard.
Repercutiu-lhes fundamente n´alma sensível de esforçados paladinos do Bem.
Uma tarde, foram avisados da aproximação dos prussianos.
Os aldeões e camponeses válidos apresentaram-se às autoridades militares em defesa da Pátria, e suas famílias precipitaram-se, em algazarra desordenada, para os lugares não flagelados.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 15, 2023 7:29 pm

Pelas estradas arrastam-se velhos trôpegos, curvados para o solo, ao peso eril do coração que, qual bússola misteriosa, lhes aponta o sepulcro, de que desejam fugir, arrimados aos braços uns dos outros, nessa aliança suprema dos aflitos e desventurados; mulheres espavoridas, tendo os olhos nevoados de pranto, em que há um adeus derradeiro aos lares que abandonaram, para não mais rever, apertam ao colo arfante tenros filhinhos, que choram de temor, de fome e de frio; jovens de ambos os sexos sobraçam trouxas que, então, constituem para eles o único tesouro do Universo, porque, em breve, tudo quanto lhes pertencia será transformado em pirâmides de destroços... que levarás para um lugar seguro, e, se não mais me vires, saberás o destino que lhe tens a dar... O notário de... acha-se de posse do meu testamento...
— Senhor — retorquiu dignamente Morei —, se pensais em morrer, que vim fazer a estes sítios, senão morrer ao vosso lado?
—Agradecido, Jaques, meu companheiro de infância; bem sei quanto és generoso e bom, conheço bem o nobre coração que possuis, mas, tens família e seria um crime sacrificares tua vida, a não ser pela família unicamente...
Guarda, pois, no vestíbulo o que te entrego, como se o fizera a um irmão querido, e, assim que repousares um pouco, parte sem mais detença...
—Senhor, cumprirei as vossas determinações como servo e amigo, indo levar, logo que amanheça, estas malas às autoridades de..., mas, esta noite, não vos abandonarei... Pressagia-me o coração sucessos gravíssimos ... Se quiserdes, porém, que eu parta tranquilo, não permaneçais mais neste castelo alvejado pelos aviões prussianos, certamente com o intuito de destruí-lo! Vinde com o Dr. Richard para uma zona menos perigosa. Espera-vos um automóvel aprestado de antemão. Podemos atravessar a fronteira belga antes do amanhecer.
Yvan, depois de ouvi-lo atentamente, voltou-se para Duruy e disse com amargura:
— Ouvistes, amigo, o que disse o bondoso Jaques? Sois livre. Estais dispensado, por enquanto, dos vossos encargos no Hospital d’Aprémont. Eu vos agradeço, sumamente, tudo quanto por mim fizestes, com desvelo inexcedível. Deus vos galardoará! Podeis seguir o nosso abnegado Morei; eu ficarei, para que se cumpram os desígnios do Alto... pois não ignoro que está quase finda a minha missão terrena — Cindem os ares as águias de aço! É o ímã do dever que me prende a esta região... Quero cumpri-lo até ao último alento!
Richard replicou, com energia e nobreza:
—Que amigo supondes seja eu? Que vos abandone à hora da adversidade?
Vós me tirastes, outrora, dum abismo; quereis que vos deixe no momento em que corre grave risco a vossa vida? Meu destino está ligado o solar, ia irromper um Stromboli{89} incomensurável e abater toda a crosta terrestre.
— Deus! — exclamou Jaques, assomando a uma das ogivas, num espasmo de terror pelo espectáculo que observara — o castelo está desmoronando e começou a arder... Fujamos!
Um clarão sanguíneo, de cratera ignívoma{90}, iluminou fortemente a caligem que enfeixava o edifício. Os três amigos, tacteando a penumbra existente no interior — pois as poucas lâmpadas eléctricas conservadas acesas extinguiam-se bruscamente — procuraram uma porta exterior, que atingiram com dificuldade indescritível. Bradaram pelos servos que ainda não haviam abandonado o alcáçar, mas nenhum lhes respondeu, certamente soterrados no entulho da ala direita, completamente destruída. Conduzindo as malas que continham as derradeiras preciosidades dos Aprémont, disse Morei:
—Vou aprestar o automóvel. Deixei-o acolá, supondo pudéssemos passar aqui, incólumes, esta noite... Esperai-me alguns instantes.
— Seja feita a vontade do Omnipotente! — disse Yvan. — Partamos, se for permitido por Ele. Vai, Jaques, cuidar do que desejas. Nós te esperamos no Hospital. Obedeço à voz da tua dedicação sem par, a fim de não imolar, por minha causa, duas vidas preciosas — a tua, imprescindível à tua família, e a do Dr. Richard...
Enquanto Morei ia em busca do veículo, Yvan e Richard, de mãos enlaçadas, dirigiam-se ao ponto convencionado.
—Abriguemo-nos lá — disse o castelão ao médico. Os enfermos hão-de estar alarmados. Vamos confortá-los com a nossa presença.
Imobilizaram-se ambos, por momentos, a contemplar a secular habitação invadida por torrentes de labaredas sanhudas, como serpentes irritadas, sentindo estuar-lhes no peito os corações magoados, tendo os olhos enxutos, como por efeito de uma flama interior que lhes secasse o pranto.
Depois, unidos, trôpegos, com as vestes enegrecidas, iluminados pelos rubros revérberos do incêndio, pareciam dois espectros dolorosos, evadindo-se de um dos ciclos infernais fantasiados do Dante.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 15, 2023 7:29 pm

—Este solar, muito amado — murmurou Yvan —, era, talvez, o símbolo de nossas iniquidades praticadas em prístinas eras, meu amigo... Ei-lo, agora, como o nosso pretérito, prestes a ser derrocado, calcinado, e, assim, como os nossos delitos, demolidos pelas labaredas redentoras do sofrimento, da contrição, dos mais austeros deveres cumpridos, não tardará a desaparecer na voragem vertiginosa do tempo...
Richard, comprimindo-lhe mais a destra gelada, actuando-o pela primeira vez, disse gravemente:
—Yvan, meu amigo, segreda-me o coração que a nossa existência terrena atinge o momento supremo; por isso, já que lembraste o passado sombrio, eu te confesso o que há muito devia ter revelado, mas me faltou o ânimo preciso para o fazer: a primeira vez que vim a Aprémont, foi com o fito de te tirar a vida... e tu salvaste a minha! Há muito me fere a alma este atroz remorso; chegou o instante bendito de rogar o teu perdão, para poder morrer tranquilo...
—Cala-te, meu irmão, não te mortifiques mais pelo que já foi consumado e dignamente remido, em anos de devotamento! Suspeitei o que acabas de confessar; mas, nunca te odiei por esse assomo de loucura; abençoei, antes, a ideia que tiveste, pois julgo foi o próprio Eterno quem te inspirou vires aqui, para nos reconciliarmos, transformando-se, desde então, a nossa mútua animosidade em perpétuo e indissolúvel amor fraterno...
Há muito, Richard, estás perdoado...
Nesse instante um obus, atirado como que do Espaço ou de um abismo negro emborcado no solo, explodiu junto aos dois amigos, alcançados mortalmente por diversos estilhaços.
Dois gritos lancinantes repercutiram nas muralhas exteriores do castelo, fazendo vibrar fortemente os ares, proferidos pelos fugitivos que, ainda de mãos ligadas, caíram pesadamente de bruços, como que osculando a terra antes de serem, por todo o sempre, confundidos no seu seio. Mais parecendo um lamento angustioso, um gemido de agonizante do que voz articulada, os moribundos ainda dialogaram debilmente, pela derradeira vez, naquela profícua e dolorosa existência:
—Yvan...
—Richard... foste ferido ?
—Sim...
—Também eu... Vou morrer... meu irmão...
—Pensemos... em De...
Calaram-se, estertorando, mutilados, confundidos os sangues, como dois arroios que, depois de percorrerem extensos álveos, unissem suas águas por todo o sempre.
Quando, uma hora após, Jaques surgiu guiando um automóvel e bateu à porta do Hospital, ninguém lhe dera notícias do fidalgo e do médico.
Morei, com mais oito asilados no estabelecimento pio, foi à procura de ambos. Meio alucinado, começou a fazer pesquisas para encontrar os desaparecidos. Não longe do solar, numa pequena depressão do solo, ao fulgor do incêndio que o devorava, fazendo desprender-se dos escombros um bulcão rubro, que parecia ameaçar o próprio Firmamento enlutado, viu estendidos ao lado um do outro, já inteiriçados, os cadáveres de Yvan e Richard. Grande desespero apoderou-se de Morei quebrantando-lhe todas as energias. Caiu genuflexo, estorcendo-se em convulsões de dor moral, como se fora pungido por áspides de fogo; depois, soluçante, braços erguidos ao céu, que se diria incendiado como o alcáçar, clamou justiça ao Supremo Juiz universal.
Eflúvios magnéticos, suavíssimos, desprendidos pelas mais impolutas entidades que, invisíveis, esvoaçavam naquelas cercanias, saturando-lhe a alma desolada, penetraram-lhe no coração, ouvindo não longe o cerrado tiroteio dos atacantes e defensores da aldeia de..., disse, consternado:
—Não os deixemos insepultos até amanhã, camaradas: a Morte anda a nossa espreita... Quem sabe se no amanhecer não nos será mais permitido levá-los ao sepulcro? Estão irremediavelmente mortos e mutilados, os nossos queridos benfeitores! Vamos prestar-lhes nossa humilde e derradeira homenagem, levando-os, nós mesmos, às suas campas no cemitério d’Aprémont. Irei, depois, entregar às autoridades de... as malas em meu poder e relatar-lhes o ocorrido. Apressemo-nos, camaradas e amigos!
Foram buscar duas padiolas, nelas depuseram os cadáveres cobertos por alvos sudários, e afastaram-se do tétrico lugar em que os encontraram, deixando o castelo — que se lhes afigurava um carcinoma de chamas ulcerando as trevas — em direcção à Necrópole dos Aprémont.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 15, 2023 7:30 pm

Seguiam pela estrada — deserta e caliginosa para os galés da carne — conduzindo os venerados despojos de Yvan e Richard, calados e lacrimosos como Lacoonte{91} petrificada em sua dor imensa, mal distintos os vultos sombrios no crepe da noite; mas, quem os seguisse com a vista espiritual, veria acompanhá-los numeroso e selecto cortejo de entidades extra-terrenas, belas e fluídicas, com roupagens de escumilha prateada, imersas em névoa luminosa que transformara em Via-Láctea o caminho em que deslizavam docemente, tendo a encimar-lhes as frontes pulcras ondulações radiosas que ascendiam ao Firmamento, em busca do Inefável.
Empunhavam e tangiam instrumentos musicais desconhecidos neste orbe, a cujas sonoridades incomparáveis juntavam, em uníssono, preces pelos recém-desencarnados, e essas imprecações eram cintilantes como estames de estrelas, suave e harmoniosa como soem ser os sons dessas harpas celestes, dedilhadas nos recitais divinos — por almas evoluídas e cinzeladas pela Dor — e que, qual nevoeiro lúcido, demandavam o Espaço. Alguns daqueles seres helénicos, de clâmides flutuantes, níveas como brumas alpinas, os que mais amaram os dois campeões do Bem, acima das lúgubres padiolas formavam graciosa guirlanda, com as mãos agrilhoadas, umas nas outras, por grinaldas refulgentes de ciclamens{92} dourados e argênteos, dos quais pendia, horizontalmente, longa faixa azul, como que cortada do próprio céu em tarde venusina de Primavera, com esta legenda em caracteres diamantinos:
—Hosana aos redimidos! — Glória aos Heróis espirituais! — e, incessantemente, sobre os dois corpos hirtos, tombavam e se desfaziam, logo, pétalas de luz.
Deixemo-los, em direcção ao Campo Santo de Aprémont e voltemos ao momento em que os dois amigos foram mutilados por estilhaços de balas mortíferas. Quando seus corpos foram atirados ao chão — colando os lábios àquela terra em que, havia séculos, praticaram iniquidades nefárias e depois tornaram afortunada — através de suas roupagens negras, duas formas alvinitentes, duas efígies de névoas, com laivos radiosos, a princípio indistintas, dilatadas, diluídas; depois coesas e primorosas, exteriorizaram-se da matéria; ficaram, por segundos, imóveis, levitando, a pouca distância do solo, ligadas aos despojos perecíveis por liames fluídicos; logo após, amparadas por braços tutelares, começaram a sulcar docemente os ares.
Antes de serem arrebatadas àquelas paragens, ao redor dos invólucros carnais com membros quase decepados, havia uma legião de formosas entidades, cujas irradiações de diversos cambiantes — mesclavam-se formando imenso e policrómico arco-íris móvel, que se estendia pela estrada em fora. Ali se achavam os Espíritos radiantes de muitos afeiçoados — parentes, protectores e beneficiados — que haviam confortado os recém-desmaterializados em horas de tormentos morais, norteando-os para a Perfeição, para o Altíssimo, e, enquanto alguns singravam a amplidão cerúlea, conduzindo duas estátuas alvinitentes, os outros desfilavam como alabardeiros{93} reais ao longo do caminho em que levavam as funéreas macas, prestando, assim, aos luminares d’Aprémont, sinceras, comovedoras e afectuosas homenagens.
Um torpor invencível amorteceu todas as potências psíquicas de Yvan e Richard, a fim de que repousassem profundamente, após as refregas terrenas por que passaram. Sob eles, assim em letargia anímica, sulcando o Espaço com duas galeras de neblina lúcida, já haviam desaparecido a Bélgica, a França, a Mancha; e os seus condutores, bruscamente, detiveram-se à altura da Ilha de... E, como se lhes tivesse faltado o equilíbrio, baixaram subtilmente sobre ela, formando a sua trajectória uma perfeita vertical.
Aquelas inertes e níveas estátuas — plasmadas pelo Sumo Escultor — foram então depositadas ao lado uma da outra, num pequeno plano existente no topo de gigantesca serrania — como primeiro patamar dos que ascendem ao Infinito — banhada pelo Atlântico, e assim permaneceram longas horas, parecendo eternamente desmaiados. Velavam-nos siderais de excelsa formosura: os Mentores dos que haviam regressado ao mundo, os progenitores de Richard, Arlette, Jorge Duplat, que por ambos faziam férvidas orações. Alguns dias já haviam decorrido, depois que ali se achavam, como alvinitentes águias reais alcandoradas em degrau de pétrea escada nevoenta — que parecia mergulhar no próprio Firmamento esfacelado, deixando cair fragmentos à Terra inundada de farrapos subtilíssimos, da gaze divina — ensaiando o surto para a amplidão celeste. Subitamente, como se só então seus puros e melodiosos pensamentos houvessem atingido as esferas superiores, e de lá volvessem metamorfoseados em dulcíssima cavatina executada, veladamente, em citaras, harpas e violinos mágicos, por virtuosidade astrais, fizeram com que os dois alvos e inanimados corpos se movessem, agitassem as primorosas mãos, as frontes radiosas de estelar fulguração.
Todas aquelas impolutas entidades, excepto uma, desferiram voos às amplitudes cerúleas, em revoada de rolas mansas, deixando-os libertos da amnésia em que providencialmente haviam sido mergulhados, ficando entregues aos desvelos de um emissário do Criador.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Jan 15, 2023 7:30 pm

II
Richard e Yvan aprumaram-se naquele titânico dorso de mamute pétreo, inebriados com as maviosidades que, em cataratas luminosas, cintavam o Firmamento — pérola infinita, translúcida e suave, em cuja concavidade parecia ter o Criador engastado a Terra e todos os astros — já pincelado de nácar por um Apeles{94} celeste, que esboçava na tela do Levante{95} o rosicler de incomparável alvorada, para expô-la no Salon divino...
Uma frescura de lilases orvalhados pairava no ambiente semi-velado de brumas.— Onde estou? — disseram simultaneamente.
Fitaram-se, atónitos, custando reconhecerem-se, pois apresentavam um donaire e formosura surpreendentes.
Eram dois entes fluídicos, de contextura de gaze tenuíssima e diáfana, aos quais não faltava um colorido de sangue eterizado, o contraste de uma coma escura com reflexos áureos, aveludada e subtil, o fulgor dos olhos límpidos e diamantinos, tendo os corpos esculturais achegados a uma clâmide vaporosa de escumilha{96} com tonalidades róseas.
—És tu, Richard, irmão querido? — inquiriu Yvan extasiado pelo aspecto de Duruy. Como estás belo!
—Belo, eu, Yvan? — retorquiu o outro, passando a mão pelo rosto, desejoso de verificar o que lhe dissera o amigo. Será concebível tão grande ventura?
Não estás iludido, Yvan? Eu, que sempre admirei e invejei a tua beleza peregrina, rival de Apolo, relutei em reconhecer-te, pois nunca te vi tão formoso quanto agora... Estás quintessenciado, deslumbrante...
— ... qual também te vejo! — atalhou Yvan.
Essa metamorfose que ora notamos em nosso aspecto, Richard, denota que já transpusemos as lindes da Eternidade... Vamos, pois, elevar o pensamento ao Omnipotente, que, talvez dentro em pouco, nos vá julgar, como Magistrado clemente e justo...
—Espera, amigo, um segundo apenas... Diz-me: onde nos achamos? Que lugar é este? Parece-me que o reconheço...
—Também penso que já o vi, mas devemos estar iludidos: julgo que não estamos distantes do céu...
Esta sinfonia aérea, vibrada no éter, que nos enleva, semelhante à derradeira que me inspiraram — O Quebrar dos Grilhões — não é mais da Terra, Richard...
Dois braços radiosos enlaçaram-nos num só amplexo, e uma voz grave e melodiosa lhes disse:
—Despertastes, amados filhos, de uma das mais fecundas e abençoadas de vossas encarnações planetárias. Regozijemo-nos santamente. Antes de vos dar os esclarecimentos que almejais, unamos a estas sonatas siderais, a estas maviosas vibrações, as do nosso pensamento reconhecido à magnanimidade do Pai celestial.
Sejam esses primeiros acordes de vossas almas, que acabam de romper os
grilhões terrenos, dirigidos exclusivamente ao Criador do Universo, tributando-lhe eterno preito de gratidão, comprometendo-vos a continuar a amá-lo e servi-lo como súbditos dedicados, que já o sois há muito.
Os rouxinóis, quando despertam nas florestas róridas, gorjeiam hinos que os homens, não afeitos à espiritualidade, ainda não compreenderam: são preces consagradas à Suprema Harmonia... Imitemo-los, pois, agora que penetrastes novamente na selva espiritual, despertados do efialta da vida orgânica!
—Quero, também, agradecer ao Altíssimo — disse Yvan — a ventura de me ter conservado unido a Richard, meu consócio de lutas e alegrias por mais de um quartel de século, ao transpor as fronteiras do Além...
Enternecido, Richard tocou a destra de Yvan, depois de a ter osculado.
Voltaram-se os três para o Oriente, onde havia uma ideal floração de crisântemos de ouro e nácar, com os braços alçados e, por instantes, seus espíritos fremiram, deixando deles evolar-se uma prece veemente, que se tornara em melodia dulcíssima, ascendendo às alturas luminosas, confundindo-se nas maviosas sonoridades que de lá rolavam constantemente.
Ao terminarem, sentindo-se ungidos de inefável prazer psíquico, também cessara a música sideral. A entidade que abraçara os dois libertos da matéria, postou-se à frente de ambos e interrogou-os:
— Não me reconheceis, filhos bem-amados?
Fitava-os carinhosamente, assim falando, braços cruzados ao peito fulgurante, onde parecia pulsar um vivo coração de luz. Era de uma beleza e majestade excepcionais, mas, inopinadamente, ao poder da volição prodigiosa — que é um dos atributos dos seres superiores — houve uma brusca transição da luz para a penumbra, uma verdadeira mutação em todo aquele ente fúlgido, extinguira-se toda a radiosidade interior que lhe irradiava a fronte ampla; as vestes níveas tornaram-se negras e longas, surgindo, da primitiva, uma figura apagada, macilenta e esquálida, que nenhuma semelhança tinha com a eclipsada.—Deus! — exclamaram os dois, caindo genuflexos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jan 16, 2023 11:02 am

Deixai-nos oscular vossas mãos veneradas... Não sois vós... o abade Francisco?
— Sim, vosso mestre e protector, de muitos séculos; aquele que, na obscura existência que recordais, desejava guiar-vos para o Bem, mas que, infelizmente, não conseguiu, senão em parte, realizar o almejado desideratum; no entanto, não foram baldados os meus esforços, abençoados pelo Sempiterno: vossos espíritos, qual solo fértil arroteado pela charrua das provações e semeado de proveitosos conselhos, abrolharam em farta seara de virtudes e actos beneméritos. Exulto, agora, porque vos vejo redimidos, perpetuamente coligados, em marcha vitoriosa para a Suma Perfeição — Deus! — que, doravante, ligará no elo diamantino do seu amor e da sua bênção as vossas almas e os vossos destinos, por todo o sempre! Dilectos filhos, que esplêndido triunfo obtivestes! Como estou jubiloso, como bendigo todo o meu labor de milénios, em prol do vosso aprimoramento psíquico! Ouvi-me, queridos discípulos...
Tornou-se novamente luminoso, e, apontando o local em que permaneciam, prosseguiu:
— Não vos lembrais desta rocha, inolvidável para ambos? Não? É porque ainda se acha velada pelo sendal das névoas matinais... Estamos na Ilha de... cujas penosas reminiscências fizeram, uma vez, Richard desfalecer nos braços do seu último progenitor, o probo Gastão Duruy... Mais acerbas, porém, são as de Yvan... Estremeceis? Ouvi-me. Rememoremos os tempos idos. Podeis fazê-lo quando vos aprouver, vibrando os átomos imponderáveis de que se compõem os vossos corpos astrais, por meio do dínamo incomparável da volição, nos quais se acham fotografados, indelevelmente, todos os sucessos, registadas todas as acções, boas e nocivas, encerrados todos os pensamentos de vossos inúmeros avatares. Eu vos auxiliarei nessa romaria retrospectiva, para vos facilitar a ressurreição de remotas existências, a fim de que melhor compreensão tenhais da integridade da Têmis divina...
Voltando-se para Yvan:
—Filho querido, discípulo atento, que, na última encarnação ouviste todos os alvitres e os puseste em cabal execução, tão nítida, em tua mente, é a percepção do teu longo passado — de crimes assombrosos e de abnegações santificantes — desvendado por mim e por teus Guias psíquicos, naquele sonho-revelação de que te recordas ainda claramente, bem como Richard, a quem o narraste, que eu me eximo de te reproduzir neste momento. Vais revê-lo, contudo, em breve, juntamente com o teu estremecido companheiro, pois o pretérito de ambos se acha quase todo em comum, conjugado indissoluvelmente, forma um só filme emocionante em que sois, sempre, os protagonistas constantes; agora, apenas esclareço as conclusões positivas que não pudeste tirar — a afeição intensa que dedicaste a algumas criaturas, mormente a uma que, neste instante, inconsolável, chora sentidamente o teu passamento, vertendo lágrimas de saudade incoercível... Faz um esforço...
Assim. Concentra as potências anímicas, profundamente. Lembras-te da Rússia, de quando eras Pedro Ivanovitch, infortunado e delinquente, e quando, numa das quadras mais angustiosas da tua vida, te acolheste à choupana de teu irmão Frederico?
—Ai! sim... vejo-me fugitivo sobre as estepes glaciais... — murmurou penosamente Yvan, como se estivesse rememorando um incubo torturante.
Havia cometido um homicídio... Resvalara num abismo... Achava-me só, desgraçado, quando me estendeu a mão protectora esse amigo a que vos referistes!
—Sim, havias assassinado André Peterhoff, adversário crudelíssimo que, na revelação que tiveste certa noite em Aprémont, viste com um elmo sangrento, seguido de outro Espírito vingador, o de seu pai, que, rebelde e implacável, ainda te detesta. Queres saber quem foi André, em ulterior encarnação? Richard Duruy, a quem, agora, amas eternamente! Compreendeis, pois, a origem da aversão que um nutria pelo outro, quando vos encontrastes em casa de Aríete — outrora o pomo de discórdia, mais tarde o elo estelar que vinculou, indestrutivelmente, os vossos destinos? Tínheis, tu e ele, no recôndito d´alma, lembranças latentes das atrocidades reciprocamente permutadas.
Cúmplices de crimes abomináveis, rivais poderosos e ímpios, cevastes, por tempo longuíssimo, em vosso âmago, as víboras do ódio e da vingança, que, felizmente, estão calcinadas na pira do Dever, da Virtude e do Sacrifício...
Desvendo hoje todos esses arcanos do vosso tétrico passado, porque não receio mais ressurgidas essas animosidades, porque já reparastes as ignomínias que entenebreciam vossos Espíritos, há muito acrisolados pelo labor, pelo perdão, pelo sofrer...
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Do Calvário ao Infinito - Victor Hugo/Zilda Gama - Página 8 Empty Re: Do Calvário ao Infinito - Victor Hugo/Zilda Gama

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jan 16, 2023 11:03 am

Houve uma pausa. Depois de curto silêncio, a divagar o olhar pela vastidão do Oceano, a majestosa entidade fixou o rosto pulcro de Yvan e prosseguiu:
—Eras, na época a que me refiro, infortunado mujique, temeroso das bárbaras leis moscovitas, quando Frederico, compadecido dos teus infortúnios, te abriu os braços generosos, abrigando-te em sua humilde, mas tranquila cabana, até que pudesses partir para a França, onde te casaste com Catarina Smith, a extremosa progenitora de Sónia e Richard...
— Como recompensá-lo, Mestre amado? Dizei-me o seu nome!
—Já o fizeste, filho; esse irmão querido que te amparou em momentos aflitivos, é o dedicado amigo que se chama Jaques Morei...
—Jaques Morei? Não me surpreende o que dizeis, Mestre amado, pois sempre o considerei irmão estremecido! Quero, agora, dar-lhe lenitivo à saudade, reafirmar-lhe a minha grande afeição, a minha imortalidade, para que em sua alma surja a esperança de nos encontrarmos futuramente!
—Fá-lo-ás, quando daqui partirmos. Ouve-me primeiramente, dilecto filho!
Indemnizaste-lhe, generosamente, o teu débito de gratidão.
Continuarás a amá-lo e a inspirar-lhe elevados ideais...
Como expiaste aquele assassínio e todas as iniquidades praticadas quando eras senhor feudal, dizem-no estes penhascos e outros lugares terrenos. Aqui, esta região insular — coração de granito, que resiste aos arremessos das vagas rumorosas como o ser humano, enrijado pela Fé, resiste aos embates das paixões degradantes, em que sofreste acerbamente, remindo culpas monstruosas — é um dos teus Gólgotas redentores, onde, em horas de padecer tremendo, perdoaste adversários espirituais que te perseguiam inexoravelmente, em bárbara vindicta; aqui adquiriste méritos valiosos, hauriste forças para o desempenho da missão excelsa, que consumaste há pouco, e na qual triunfaste de todas as provas aspérrimas que te foram impostas sabiamente pelo Código celeste, para serem aquilatadas tuas energias e coragem morais... Foi aqui que teu Espírito resgatou crimes execrandos.
Ressarciste muitos flagícios; passaste pelo tormento da fome que infligiste, em remotas eras, a centenas de criaturas humanas, imoladas ao teu despotismo e à tua tirania. Foi aqui que Richard — então André Peterhoff — contrito, exausto da vingança que exerceu contra ti, apiedado de tuas angústias — depois de ter delas escarnecido atrozmente — quando proferiste palavras de perdão por teus inimigos, aquiesceu a que sua vida fosse conjugada à tua, a fim de vos reconciliardes mutuamente. Agora que um afecto ilibado escuda as vossas almas contra as investidas de vis sentimentos, afecto esse inabalável, diamantino, que desafia milénios, é grato recordar os evos transcorridos, vossas lutas, vossas quedas, vossas conquistas psíquicas, vossos surtos para Deus; e aqui é um local propício para fazê-lo, não longe de um ente igualmente adorado por ambos — Sónia Duplat — filha e irmã, um dos liames tecidos pelo destino para jungir vossas almas. Eis elucidada a afinidade que ela e tu, Yvan, sentiste reciprocamente, quando vos encontrastes no solar d’Aprémont, sob o mesmo tecto: elos sagrados, de amor filial e paterno, prendem um ao outro, vossos Espíritos evolvidos Antes de nos ausentarmos destes rochedos inesquecível, a fim de empreendermos valiosas e instrutivas peregrinações em orbes radiosos, iremos vê-la, já com a fronte aureolada pelos lírios de prata, que desabrocham aos prelúdios do Inverno da vida — mas sempre amada pelo esposo, encastelada no seu longo sonho de ventura, que parecia eternizar-se na Terra, onde tudo é falaz, mas já foi turbado pela notícia do vosso trágico passamento — transmitida por Morei — abalado pelo ciclone de dor que ameaça devastar todos os recantos do Velho e Novo Continente — a conflagração europeia, onde são desfolhadas todas as esperanças dos pais, das noivas, das esposas, esmagados os corações maternos, ceifada a juventude mundial... Pierre Duplat está no front da França heróica e flagelada, e o coração de Sónia desfaz-se em prantos de angústia...
Depois, dirigindo-se a Richard:
— Filho querido — que o foste, bem como Yvan, em remota época, desde a qual me fiz vosso satélite, ora encarnado, ora como Guia espiritual, amparando-vos e esforçando-me por encaminhar-vos a Deus — tiveste intuição do que foste antigamente, mas urge esclarecer-te o que, sempre, muito te preocupou a mente; o que constituiu penosa expiação para a tua alma de esteta, sedenta do Belo e da Harmonia das formas impecáveis: o desprovimento de atractivos físicos, o teu aspecto patibular, que a ti mesmo causava repulsa, e a falta de carícias de que andou sempre ávido e insaciado o teu coração, para que conheças a inteireza da Justiça divina.
Recorda, filho amado, o que já foste... Vamos! Sondar o teu passado é revolver a cinza e as ruínas das grandes urbes de antanho, antros dourados de devassidão e crimes inolvidáveis, hoje reduzidos a escombros e a pó — Sodoma, Nínive, Tiro, Laudiceia, Babilónia — onde reinaste ora como déspota, ora como arrojado conquistador, impudico e cruel...
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jan 16, 2023 11:03 am

Eras de formosura olímpica e inconfundível, como a que caracterizava os filhos da Hélade, e tu, envaidecido e orgulhoso, dela te prevalecias para inquietar os corações ingénuos e castos, seduzindo-os torpemente, para logo após abandonar as vítimas... Levaste, assim, a ignomínia e o opróbrio a muitos lares até então ditosos e honrados; desviaste da senda imácula do dever donzelas e casadas, fascinadas por tua beleza nefasta, quando algumas delas, tentando enternecer-te, te apresentava o fruto dos teus amores espúrios — um pequeno ser, lindo e inocente, que sorria estendendo-te os róseos bracinhos — tu o repelias enfadado e zombeteiro, sem um afago, sem um olhar compassivo; repudiavas, assim, os teus desventurados descendentes — que, às vezes, pereciam ao desamparo — e as míseras decaídas, as que muito te amavam e se desvirtuaram, sacrificando por ti a felicidade e a reputação...
Eras, pois, um sedutor perverso, desumano, vaidoso, jactancioso, que, qual Saturno{97}, seria capaz de devorar os próprios filhos...
Resvalaste ao sorvedouro das iniquidades em muitas danosas existências votadas ao Mal; motejavas da dor, física ou moral; gargalhavas à face da morte e do pranto; teu coração ficou empedernido, a tal ponto que, vassalo dos tetrarcas da Galileia corrupta, escolheste o ofício execrável de verdugo...
Foste o algoz cruel — sempre de cutelo em punho, ou ao pé dos patíbulos e pelourinhos — o carrasco insensível de centenas de criaturas humanas, das quais arrancavas a vida sem emoção, friamente, indiferentemente, como um canteiro a britar pedras; presenciavas, sem uma lágrima, agonias dolorosas; ouvias, a sorrir, lamentos e estertores... Viste muitas cabeças decepadas rolarem ao chão num rictus{98} de sofrimento, e rias-te dos seus esgares horripilantes, das suas macabras contracções faciais...
Foste um dos desumanos e mais temidos asseclas do sanguinário Herodes... Choras, filho estremecido? Benditas lágrimas as tuas, as de um redimido, que contrastam com a tua insensibilidade de outrora: elas, como um Jordão divino, purificaram-te o Espírito, tornando-o alvo como o arminho da consciência de Jesus!... Não te torturo com essas recordações atrozes senão para te mostrar a rectidão das Leis celestiais... Cessa, pois, esse pranto, filho querido!
Ele, como linfa hialina, já se derivou, abundante, da rocha de tua alma, tornando-a branda como a cera, nívea e perfumada como a açucena do vaiado; desfez todas as negras máculas que a ensombravam como um eclipse total...
Ouve-me, agora, com ânimo sereno e forte...
Foste um dos mais bárbaros e perversos carrascos da Palestina, e, quando o fero e ignóbil Herodes, suspeitando e temendo a vinda do Messias, decretou a degolação dos inocentes da Judeia, executaste, jubiloso, as suas desumanas ordens... Foste, assim, o assassino de indefesas criancinhas; ouviste, impassível, os clamores lancinantes das mães enlouquecidas de desespero e dor, as quais achegavam ao seio os mimosos e assustados filhinhos, que arrancavas de braços amorosos para massacrar, fazendo que rolassem ao solo formosas e louras cabecinhas ensanguentadas... Horror! Esse atentado às leis divinas e sociais, esse crime abominável foi, no transcurso de todas as eras, o mais repugnante e hediondo dos cometidos neste planeta!
Desde então, Richard, aqueles rugidos de delírio e sofrimento, vingança e maldição das mães dos pequeninos degolados, impregnaram-se em teus ouvidos... não, em tua própria consciência tenebrosa, como não abandonam a concha os rumores do Oceano... Tantos delitos assombrosos bradavam aos céus.
Bastava de iniquidades. As vociferações de tuas vítimas chegaram ao Infinito, ao conhecimento do Sumo Juiz, transformando-se em procelas de dor, que se desencadearam sobre ti... Soou a hora das expiações excruciantes. Odiado, maldito, repelido de todos os lares, morreste como um desgraçado hidrófobo, chagado, sedento, infecto, nauseabundo, e — punido no Espaço, durante séculos, com o isolamento; inconsolado, pungido de remorsos esmagadores, ouvindo ininterruptamente lamentos e encrespações de seres invisíveis — quando te reencarnaste, Richard, teu corpo físico tinha o vestígio iniludível dos teus crimes, porque vieste à Terra sentenciado a cumprir um severo mas integérrimo acórdão{99}, emanado do Supremo Tribunal divino: tua face pavorosa parecia estar imersa em pó e sangue — o muito sangue que derramaste — era quase sempre congesta e purpurina, com máculas cor do solo da Úmbria; eras horrivelmente zanaga{100}, de olhar turva e oblíquo como o dos abutres; tua boca — deformada, contraída sardonicamente, fendida no lábio superior, deixando a descoberto dentes pontiagudos, denegridos, mal plantados nas maxilas salientes — não podia beijar, revelava o sacrílego, o blasfemo, o profanador do templos, o infanticida, o ludibriador de donzelas, o escarnecedor de todas as coisas celestes e terrenas; teu nariz era adunco e proeminente como a garra dos falcões, assassinos alados; a barba e bigode ruivos e intensos como cerdas; cabelos fulvos e revoltos, davam-te uma aparência sinistra de Medusa, semelhavam emaranhadas serpes de fogo concreto, inextinguível; tinhas a cabeça monstruosa, como se fora de um bandido guilhotinado, colada em alvo torso de jaspe, conservando este a sua maravilhosa e primitiva beleza, a que tivera em pregressas e iníquas existências.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jan 16, 2023 11:03 am

Eras, enfim — em diversos avatares — qual o disseste certa feita, um produto híbrido, misto de formosura e hediondez, que te desgostava e aterrorizava; parecias a concepção extravagante de um estatuário que houvesse, a golpes de escopro, plasmado num bloco de Paros{101} um corpo de Adónis, e, tendo enlouquecido bruscamente, modelasse a cabeça da obra-prima, fitando o espectro de verdugo enfurecido, ou o rosto convulso de Gestas estertorando na cruz, no píncaro do Gólgota, ululando sarcasmos e impropérios, odiando a Humanidade!
Viveste obcecado pela própria imagem horripilante, só inspirando aversões e zombarias. .
Aquela execração das mães e das ludibriadas que, intangíveis, te circundavam, acompanhou-te até bem pouco tempo. Tu o compreendias e, quão acerba e longa foi a tua expiação! Percebes, agora, porque te emocionaram, até ao mais recôndito d´alma, aquelas carícias das crianças que, após a enfermidade de Yvan, te oscularam candidamente? Era o perdão do Criador que recebias naqueles beijos puros... Estava consumada a tua atroz sentença, que durou mais de um milénio...
—Quero novamente orar ao Eterno! — exclamou Richard, ajoelhando-se.
Quero agradecer-lhe a sua misericórdia para comigo, réprobo impiedoso e desumano, degolador de imbeles criancinhas!
Como andei afastado d’Ele e de suas Leis portentosas, de amor e fraternidade!
—Espera, filho amado, um momento apenas, e terei concluído o meu amistoso libelo; depois, em conjunto, faremos alcandorar os nossos pensamentos ao sólio divino ... Ergue-te, Richard! Tu te sentias precito e o eras de fato. Perseguiam-te, no recesso do Espírito, as reminiscências de tuas inúmeras perversidades, dos infanticídios, dos massacres que perpetraste, dos brados de vingança dos que torturaste outrora. Eras um revoltado, um insubmisso às leis humanas e celestes, tentando sufocar os bramidos da consciência com palavras injustas, com blasfémias e calúnias...
Viveste execrado e sem amor, por muitos séculos.
Expiação tremenda! Tântalo de afeições e de meiguices, vivias isolado, cobiçando a ventura alheia! Foste privado da partilha de uma das mais lídimas felicidades terrenas: a que consiste na efusão de dois corações afins, no conúbio de metades de almas que se integram na permuta de afagos e ternuras!
Tinhas avidez de amor, de beijos, de carícias, e, por toda a parte, tiveste de viver insaciado, isolado, repelido pelas crianças e pelas jovens, das quais te enamoravas loucamente, mas que motejavam do teu físico fenomenal, dos teus sentimentos, do teu próprio padecer...
Inspiraste raras afeições, sinceras e intensas, durante esse longo e amargurado percurso de tuas existências. Menciono, apenas, por serem dignas de registo, além das dos teus Mentores espirituais, a que te consagra um antigo cúmplice — que designarei por Nicolau Peterhoff, adversário secular de Yvan — teu progenitor em diversas encarnações, o qual te idolatra até ao delírio, mais que ao Criador do Universo; a de teus bondosos pais, Gastão e Catarina Duruy; e a de tua irmã Sónia; a de Yvan, ultimamente, e a minha, Richard, que sobrepuja a de todos, posso dizer-te, sem ofensa à verdade. Muitas vezes essas afeições heterogéneas conflagraram-se, influindo poderosamente no teu destino, pois a de Peterhoff, Espírito impuro e perverso, arrastava-te ao desvario, à vindicta, ao sorvedouro dos delitos, e as dos outros — tecidas de sentimentos excelsos e impolutos — tentavam erguer-te do caos em que tu conspurcavas, às esferas luminosas. E foram essas, felizmente, as vencedoras!
Atormentado pelo desprezo e aversão dos que te cercavam, também odiavas as colectividades; invejavas e perseguias os que se amavam, infamando-os, intrigando-os, separando-os, como o fizeste à mísera Sónia Peterhoff — irmã em precedente existência, e a Pedro Ivanovitch — dos quais te lembras agora e cujas personalidades conheceste depois com os nomes de Arlete e Yvan, teu desvelado amigo, que te norteou para Deus e com o qual estás ligado por laços indissolúveis de amor fraterno, para jamais se apartarem e juntos empreenderem missões de subido valor espiritual.
Como poderia amar-te a graciosa Arlete, na qualidade de noiva ou esposa, Richard querido? Como, se em sua alma dormitavam recordações atrocíssimas, de quando foi uma de tuas amantes, repudiada e infamada; de quando, irmã desventurada, no momento de se apartar de quem adorava, foi por ti vergastada? Felizmente, agora, o passado está morto. Na actualidade é ela um Espírito acendrado nas pugnas planetárias, está redimido pelo cumprimento de austeros e sacrossantos deveres; já se correspondeu invisivelmente contigo; perdoou-te; ama-te fraternalmente; consagra-te afecto imorredouro.
Foi ela quem escolheu a breve quão dolorosa missão de servir de ímã, de radioso vínculo entre a tua alma e a de Yvan, que se repeliam como polos isónomos{102}.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jan 16, 2023 11:04 am

Ela, teus nobres genitores — os esposos Duruy — Jorge Duplat e outros amigos de ambos, companheiros constantes na Via-crucis de muitas encarnações, protegeram-vos, já estiveram a vosso lado, assistindo-vos os derradeiros segundos de vida material, acompanharam vossos despojos ao sepulcro, aqui permaneceram até que se desvanecesse a nebulosidade que precede à desmaterialização ofuscando a mente, e aguardam-vos em mundo de serenidade e ventura, onde ireis enrijar vossas potências psíquicas, inebriar-vos com as Artes e o Belo superlativos, recebidos carinhosamente por muitos seres formosos, cujas vidas já foram entrelaçadas às vossas.
Granjeastes méritos incontestáveis nos últimos prélios terrenos.
Escolhestes, por intuição de vossos Guias, justamente os encargos que mais vos convinham: aliaram-se o médico das almas e o dos organismos enfermos, tendo ensejo de beneficiarem e balsamizarem os sofrimentos dos que haviam infelicitado em transcorridas etapas, férteis em delitos monstruosos...
É uma das mais elevadas e momentosas profissões humanas, Richard, a que exerceste — a de discípulo de Esculápio. Ser médico é tornar-se taumaturgo — ser apóstolo e santo, acender nos corações bruxuleantes de Fé o lampadário da Esperança, devotar-se ao Bem, ao alívio dos torturados da matéria. Não o é aquele que, ao transpor a soleira de uma habitação, antes de se apiedar dos gemidos do enfermo, cogita do modo de ser prestamente indemnizado, faz reparos nos móveis e ornatos domésticos, a fim de previamente saber se poderá ou não locupletar-se com exagerados proventos; não o é aquele que examina e opera um organismo contaminado pelo vírus de qualquer moléstia, com o gelo da insensibilidade no coração ganancioso e empedernido...
É, porém, aquele que se curva, compassivamente, para o leito de dor, com o nobre interesse de mitigar um padecer, salvar um ente adorado — tenha este a neve da senectude na fronte ou o ouro da infância na graciosa cabecinha.
Médico é quem mergulha a alma no Empíreo, ao auscultar um coração agitado ou prestes a paralisar, atraindo eflúvios salutares para os ulcerados, os entenebrecidos{103}, os definhados...
Tu, Richard querido, foste um médico sacerdote, consoante a vontade do teu generoso genitor. Nunca cifraste tua solicitude pelo ouro dos enfermos, mas pela compaixão dos padecimentos humanos. Por meio dessa profissão bendita é que adquiriste merecimentos inconcussos, fizeste jus à redenção espiritual. Quantas vezes tivestes os olhos nublados de pranto, ao assistires, impotente, uma agonia, ou quando, exultante, preservaste da morte um ente idolatrado, restituindo a calma e a ventura a um lar desolado! Quantas criaturas, que infortunaste e sacrificaste outrora, foram, depois, zelosamente tratadas por ti, salvando vidas que, antigamente, aniquilaste com requintes de ferocidade! Reparaste, assim, muitas atrocidades de pretéritas existências; alcançaste o perdão divino por meio do apostolado que exerceste com o pensamento no céu e não nos tesouros terrestres.
A missão do teu consórcio, Yvan, não é mister que eu a enalteça; tu a conheces de sobejo e a consideras valiosíssima: o antigo tirano feudal transformou-se em humilde Vicente de Paulo; servo submisso do Omnipotente, infatigável campeão do Bem, deixou, em Aprémont, um sulco estelar, cristalizado nas almas dos favorecidos por uma filantropia inigualável. Quem vos esquecerá, filhos meus, naquele recanto da Bélgica, onde fostes a consolação, o arrimo, a providência dos desventurados? Ninguém, por certo.
Richard era o complemento de Yvan. O nome de um está ligado ao outro, indestrutivelmente. Um era a luz; outro, a lâmpada: integravam-se na realização do mesmo grandioso objectivo, de arcanjos terrenos, que custodiavam, amparavam, abrigavam sob as asas espalmadas todos os desditosos de Aprémont.
A memória de ambos há-de perdurar, envolta em luminosidades, no coração dos reconhecidos; será bendita, perenemente, quanto foi amaldiçoada noutros tempos. Para vós não havia intempéries, noite, neve, procelas; eram bússolas a nortear-vos os espíritos compassivos — os gemidos e sofrimentos dos semelhantes, que vos atraíam como encantados ímãs.
Padecestes, no entanto, intensamente, fundos pesares, acerbos desenganos, calúnias, ingratidões, injustiças; mas, nada quebrantava o vosso ânimo varonil, não esmorecíeis nos instantes angustiosos. É que compreendíeis, lucidamente, o alcance remissor da adversidade.
Sabeis, por intuição dos vossos Mentores anímicos, o valor das expiações nobremente suportadas.
A dor, como a crisálida nauseante, cria asas de luz de suavidade etérea, e alça à amplidão sidérea as almas quintessenciadas por ela... Cada tribulação, cada pena dignamente suportada, é um cheque sacado sobre o Património divino, pagável semente aos Seres enriquecidos nas jazidas inesgotáveis do Dever e do Altruísmo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jan 16, 2023 11:04 am

Então, capital e juros acumulados, em séculos de tormentos e sacrifícios, tornam-se tesouros incalculáveis, assombrosos, e o Sofrimento — a moeda cintilante com que se adquire o ingresso nos Edens da Criação — que parecia eterno, transmuda-se em gozo eterno! Exultai, amados filhos! Entesourastes lágrimas, pérolas do sentimento, mais valiosas que as de Ofir. Emprestastes ao Miliardário Supremo, pois muito destes aos desgraçados: vosso Divino Banqueiro pagar-vos-á em dobro o que vos deve...
Sois Milionários do Espaço — enriqueceu-vos a virtude... Findaram-se, para vós, as provas planetárias. Sereis, agora, acolhidos festivamente em mundos bonançosos de paz e ventura, pelas quais, há muito ansiáveis: vossas justas aspirações vão ser satisfeitas cabalmente. Aqui, na Terra, orbe de trevas, as notícias sensacionais são constituídas pelos infortúnios ou escândalos mundiais; além, onde existe a solidariedade e os sóis, onde não há mais ódios nem rivalidades, as novas mais gratas a seus formosos habitantes são as que relatam a chegada dos Espíritos redimidos, os vencedores de árduas pugnas, os generais invictos de milhares de batalhas obscuras, travadas no recesso dos lares humildes e dos corações angustiados, tornando-os aptos para o início de outras campanhas mais gloriosas.
Já sois esperados e, em breve, sereis festivamente recebidos numa dessas mansões resplandecentes, que constituem maravilhas à visão dos míseros entes planetários.
Não ignoram eles, também, os infaustos sucessos mundiais; os emissários divinos e as entidades siderais estão a par de todos os fatos do Universo, e por isso deploram, neste momento, a luta fratricida que devasta e enluta o Velho Mundo, aguardando, com avidez, o seu término, como anseiam, com regozijo, pelo vosso ingresso em um dos globos felizes do Cosmos. Tivestes desejos irrealizáveis, cujo fracasso vos causara mágoas o decepções. Deus, porém, não estanca jamais, nas almas, as fontes inesgotáveis das aspirações de felicidade e paz — que as tem todo mortal — e, tornando-as inexequíveis na Terra, incita as criaturas a atingi-las alhures, nos arquipélagos de estrelas, e esses almejos incontestados é que fazem renascer a esperança, o desejo de progredir, de satisfazer anelos e ideais queridos, que os vão levando de etapa em etapa à Perfeição, para, depois, transportá-las, lusificadas, ao zimbório constelado!
Ide realizá-las, agora que conquistastes imorredouros e fulgurantes lauréis. Vereis, depois do triunfo espiritual que obtivestes, como foram justas as sentenças que vos condenaram a pungentíssimas expiações; aprendereis a abençoar as vossas lágrimas, as vossas desilusões, as procelas d`alma, que se transformam em perene bonança. Não está, porém, consumada a vossa missão terrena; vamos, coesos, laborar com afinco para conseguir a regeneração do implacável Nicolau Peterhoff, aquele que, a bordo de um navio francês, tentou apunhalar Sónia Doufour, filha do desditoso Pierre, hoje o abnegado Yvan; foi ele, Nicolau, quem, já desencarnado, te incitou a ires a Aprémont cometer um homicídio, a realizar uma vindicta há muito planejada. Todo o nosso empenho deve convergir para a execução desse desiderato.
Congregados, agora, ao Criador de todos os portentos do Universo, aqui nestes penhascos onde há a “Fonte das Lágrimas”, onde muito sofrestes, e onde, pela revelação de muitos agravos, vossos Espíritos assentiram em se ligarem por toda a eternidade, ergamos, como hóstias de luz, nossos pensamentos ao Senhor, agradecendo-lhe todos os benefícios recebidos por nossas almas, que eram de grilhetas planetários e já alcançaram a redenção definitiva. Antes, porém, permiti que novamente oscule vossas frontes de redimidos, de paladinos vitoriosos na Santa Cruzada do Bem! Uni-vos, também, num estreito, sincero e fraterno amplexo, agora que não ignorais quem sois e quem fostes, celebrando, Intimamente, o triunfo obtido nas gloriosas existências em que os vossos Espíritos, secularmente adversos, reconciliaram-se em nome do Pai celestial!
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jan 16, 2023 11:04 am

III
Suavemente deslizaram pelas escarpas rochosas — mais adejo que andar — as três luminosas personagens que acabavam de se identificar com o Altíssimo, dirigindo-lhes pensamentos consonantes de amor e gratidão!
— Oh! — exclamou subitamente Yvan — como me brotam d´alma, nítidas e integrais, todas as recordações pungentes do tempo em que passei exilado nesta região insular, numa das fases mais angustiosas e infortunadas de passada existência, em que fui homicida, e, para fugir à execração de um adversário, atirei-me de um transatlântico às ondas... Foi aqui que conheci Mr. Duplat, um inolvidável amigo, derradeiro consolo no fim daquela dolorosa odisseia, que só ele conheceu em todos os detalhes... Deixai-me beijar estas rochas, mais valiosas, para mim, que se fossem de diamantes, pois foi aqui que, graças ao buril de atroz sofrimento, meu Espírito de réprobo começou a ser facetado...
Pouco depois dessa meditação, em que ficara imerso Yvan — mergulhado no Oceano de reminiscências, que todos retêm em seu íntimo — acharam-se diante de sólido edifício, que, ao ser lobrigado, foi prestamente reconhecido como a antiga residência do abnegado Jorge Duplat. Aguardava-os comovedora surpresa. Ao penetrarem no jardim, florido e oloroso, engrinaldado de rosas, como para recebê-los em apoteose, esperava-os, de braços abertos — rejuvenescido, belo, trajando magnífica túnica de neve e ouro — aquele que fora lembrado por Yvan.
—Benvindo sejais! — disse Duplat, radiante.
Grande amigo, eu vos saúdo! — falou, enternecido, o ex-castelão d’Aprémont.
—Grande somente é a afeição que vincula, por toda a consumação dos tempos, as nossas almas, irmão querido!
—Como o é também a eterna gratidão que vos tributo, pelo muito bálsamo que, outrora, espargistes no meu agoniado coração... — Assim falou Yvan.
Depois, circunvagando o olhar, abrangendo tudo que o cercava, estreitou-o em fraterno amplexo, dizendo:
—É o ímã da saudade que aqui me traz...
Permiti que hoje, enfim, oscule a vossa generosa mão, inesquecível benfeitor!
— O reconhecimento é a moeda luminosa com que se resgatam os débitos do coração... Já saldastes, há muito, a vossa pequenina dívida, alma nobre e benfazeja! A lídima afeição que me consagrais, resgata e supera o pouco que me devestes...
Depois, mudando de entonação, Duplat murmurou, abraçando os outros fúlgidos visitantes:
—Entrai, irmãos bem-amados! Viestes em ocasião propícia. Nossos estremecidos filhos, Sónia e Henrique, fruíram por longos anos um dos maiores quinhões de felicidade permitida na Terra — o amor recíproco, esponsalício, fraterno e paternal — ventura sem máculas, focalizada em suas almas unidas por intenso afecto, mas, agora, têm-nas ensombradas de dissabores, pois abrigam em sua hospitaleira morada a mensageira do Omnipotente — a Dor — para que lhes seja aferida a coragem moral a cinzelar-lhes o Espírito, que já não possuem asperezas... Entremos, pois.
Richard, revendo o jardim, rememorou a noite de luar em que tanto sofrerá, presenciando a dita dos consortes Duplat. E era tão patente a sua melancolia, que o majestoso Antélio — denominação sideral do abade Francisco — falou-lhe docemente:
—Recordar é ressuscitar o passado. Sei o que lembraste, Richard querido, pois eu é que te inspirei o alvitre que tomaste naquela noite memorável nos fastos de tuas existências, para que diluísses, em teu seio, a inveja pela ventura alheia. Evoca os tempos idos sem mágoas. Hoje vês que não estavas abandonado, como supunhas, e não olvides que não tarda a soar a hora que, em mundos não sonhados pelos mais hiperbólicos idealistas deste orbe, compreenderás quanto és amado e aguardado com ansiedade por seres extremosos, que te hão-de lenir as agruras de reminiscências pungentes...
Formando dois graciosos pares — Jorge-Yvan e Antélio-Richard — ascenderam a escada frontal que dava acesso ao interior do edifício. Duruy desejou entrar no aposento que ocupara antigamente. Ao defrontar o amplo bisauté{104} — qual porta de luz aberta na parede azul — reflectindo a púrpura do Ocaso, fixou-lhe a vista apurada na superfície cristalina e teve um deslumbramento, ao enxergar a própria imagem nela projectada. Estava idealmente belo. Recuou maravilhado, agora, como outrora, aturdido e apavorado. Pareceu-lhe ter retrocedido um milénio. Reconhecera-se como havia sido, em transcorridas eras, mas a sua formosura estava quintessenciada e surpreendente. Sua alma exultou. Alegria e gratidão amalgamaram-se no 338crisol do Espírito redimido, e, prosternando-se, elevou o pensamento ao céu, tributando ao Sempiterno uma vibrante homenagem, modulando um hino de indelével reconhecimento, abençoando a dor que — por ele tantas vezes repelida, lhe esculpira o corpo astral, tornando-o de estética impecável, restituindo-lhe, aprimorada, a primitiva beleza, que ele cobiçava nos que eram dela dotados.
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Do Calvário ao Infinito - Victor Hugo/Zilda Gama - Página 8 Empty Re: Do Calvário ao Infinito - Victor Hugo/Zilda Gama

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jan 16, 2023 11:04 am

Depois, que e os airosos companheiros foram em busca dos esposos Duplat. Era ao crepúsculo. A suavidade do Sol ungia a Natureza de tocante e sugestiva melancolia. Os vultos das árvores, das criaturas, das serranias — ainda distintos, eram envoltos no sendal de branda claridade. Encontraram os que buscavam inclinados a uma das janelas do dormitório, com as frontes quase unidas, já engrinaldadas por lilases de neve, ainda erectos, contrastando o alabastro da epiderme com as roupas lutuosas. Fitavam o Poente com os olhos nublados de pranto.
— Ânimo! — disse meigamente Henrique à consorte, enlaçando-lhe o busto — o nosso amado Pierrot volverá ao lar, após o cumprimento de um dever sagrado...
— Deus te ouça, Henrique! Bem sei que não podia ser perpétua a nossa felicidade, demasiada para um mundo em que tudo é instável, em que as trevas sucedem diariamente à luz solar, como para demonstrar que aqui nada é duradouro e imperecível, que o júbilo e o padecer revezam-se com frequência... Era mister pagássemos nosso justo tributo a Deus, como todos os que se acham neste cárcere terreno... Confortam-nos as carícias da nossa Anete e dos nossos adorados netinhos. Tenho esperança de rever o nosso bondoso Pierre. Não choro, porém, agora a sua falta, o que me punge é a saudade do pobre Richard e daquele nobre Yvan d’Aprémont, que nos acolheu fidalgamente no seu castelo.
Nunca, como hoje, tive tão vivas recordações de ambos!
— São companheiros de jornada que partiram antes de nós, querida, chamados pelo Criador... Os veremos ainda em regiões superiores.. .
Um rumor insólito fê-los voltar a cabeça apressadamente para a retaguarda, mas nada distinguiram que justificasse aquele suave ruído.
— Dir-se-ia — falou Sónia, estremecendo apreensiva — que se aproximou alguém de nós... Ouvi um afiar de asas...
— Quem sabe se não são eles que se despedem de nós, antes de subir ao céu?
— Quem sabe? Sofreram tanto! Praticaram tantos benefícios! São dignos das venturas celestiais... Vamos orar pelos que nos foram aguardar em mundos etéreos...
Ergueram o olhar à abóbada sideral, e, por instantes, oraram com fervor pelos recém-desencarnados na Bélgica.
Em pé, formando alas, se lhes postaram à direita e à esquerda os quatro amigos, invisíveis, juntando às deles as vibrações de suas almas, saturando-as de eflúvios balsâmicos, e, com as mãos diáfanas erguidas sobre suas frontes, parecia que os abençoavam ou faziam uma tácita aliança, um pacto cordial para não os abandonar em horas de borrascas morais, de rudes provas iminentes...
— Partamos! — murmurou Antélio com lenidade. Quero que assistais comigo à epopeia dolorosa, à tragédia máxima deste orbe, escrita com o sangue e as lágrimas de muitos mártires e heróis obscuros nas páginas imortais do Velho Continente.. . Aqui voltaremos sempre que as nossas lides espirituais nos permitam, atraídos pelos pensamentos dos entes que nos são caros e inesquecíveis...
Um surto rápido e prodigioso transportou-os para o outro lado da Mancha, e, como voejassem a pouca distância do solo, iam descortinando, celeremente, serras, aldeias e cidades, que começavam a ser ofuscadas num velário de trevas.
Repentinamente, um surdo ribombar, detonações uníssonas e retumbantes, produzido pelas descargas da artilharia de grosso calibre e das metralhadoras, semelhando trovões subterrâneos, chegou-lhes à audição apurada; frémitos metálicos de aeroplanos fendiam os ares enfumarados, como se corvos de aço, grasnando selvaticamente, lutassem muito acima do globo terráqueo, disputando, com ferocidade, alguma presa ambicionada; estrupido de ginetes; entrechocar de armas brancas; vozes imperativas de comando; ululos de dor e de loucura; ruídos de carretas arrastadas precipitadamente, aquém e além das trincheiras; fumo denegrido, como saído de crateras cujas lavas fossem sulfurosas; coriscos vomitados de canhões formidáveis — evolavam-se promiscuamente do solo, onde se agitavam massas compactas de seres aguerridos, olvidados do Criador e de todas as crenças religiosas, naqueles momentos angustiosos, empenhados em mútuo extermínio...
— Aproximamo-nos, irmãos — disse ainda Antélio, emocionado e entristecido — desta região, com o mesmo recolhimento como se a deixássemos sobre infinita Necrópole. Além deixámos Liège, Namur, Arlon, Malines, Dinant, Yprés, Louvain, Reinas — uma constelação de ruínas — para determo-nos em Verdun ou Noyon... Vistes a aversão dos homens, por onde passámos:
obras seculares, de Arte requintada, palácios, monumentos, catedrais que 340pareciam filigranas de pedra, lavradas por escultores divinos, jazem mutiladas ou arrojadas ao pó — que tudo confunde na Terra, excepto a alma...
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jan 16, 2023 11:04 am

Eis as obras do egoísmo e da cobiça, posta em acção pelos déspotas do mundo. Há pouco essas regiões férteis e pacíficas eram núcleos populosos onde o labor entoava o seu canto glorioso, onde imperavam, nos lares honestos, o amor, a ordem, a abundância; e, agora, estão destruídos quais ninhos arrancados aos braços tutelares das árvores, arremessados ao furor dos vendavais...
As formosas urbs que conhecestes, activas e industriosas, formam avalanches de escombros, parecem sepulcros profanados e não mais abrigos de homens laboriosos...
A treva reina onde havia as irradiações astrais das lâmpadas eléctricas; o choro convulsivo ou o silêncio tumular invadem as casas ainda não derrocadas, onde as criancinhas trinavam risos e ora se refugiam desnudas ou famintas; soluçam corações maternos que, nutrindo com beijos e afagos os filhos estremecidos, foram forçadas a entregá-los à pantera sanguinária que se denomina Guerra; os véus nupciais transformaram-se em crepe; as esposas veem orfanados os filhinhos, que já não têm mais tecto nem pão, como os párias; há um gemido em cada peito opresso, uma lágrima em cada olhar febril — que já não fita o céu, mas pende para a floresta de cruzes, assinalando o sítio em que tombaram os heróis anónimos, onde feneceram todas as esperanças e ilusões de muitas almas em flor...
Porque se desencadeou este furacão tremendo que ameaça derrocar a França, a Bélgica, a Rússia, a Sérvia — enfim, o Norte, o Sul e o Meio-dia da Europa?
Afirmaram-no a sequência da ambição de corações ávidos de poderio, de conquistas territoriais e de sentimentos ultrizes, sepultos durante decénios nos subterrâneos tenebrosos dos espíritos autocratas... Qual o pretexto? Asseveram-no a punição de quase regicidas. É justo que, por causa de homicídios realengos, se provocasse a hecatombe que estamos presenciando e ainda não terminará nestes próximos meses? A verdadeira origem dessa conflagração inominável não se acha no domínio dos povos. Estava, há muito, retida por fio subtil, sobre a Europa, como o gládio suspenso à cabeça de Dâmocles. Os assassinos de Sarajevo romperam-no, e a espada formidável do máximo prélio travado neste planeta ameaça decapitar o Velho Mundo, corroído de ódios mal represos, represálias seculares, degradações inqualificáveis... Detenhamo-nos alguns momentos. Estais apavorados? Nada observastes ainda. Vamos rumo de Verdun, onde hoje se trava uma das mais encarniçadas batalhas, em que tomam parte milhares de beligerantes. Pairemos, irmãos queridos, nos seus arredores. Os tiroteios não cessaram desde o alvorecer. Venerandos edifícios foram demolidos, pulverizados. Baterias poderosas, assestadas nos lares destruídos, não emudecem há muitos dias. Parecem uivos de lobos famintos, ou rugidos de leões que enlouqueceram em jaulas asfixiantes...
O fumo dos incêndios e da pólvora invade as ruínas, que se tornam crateras, onde flutuam bulcões{105} e se reúnem cúmulos infindos, apinhados no Firmamento, que dir-se-ia prestes a incinerar-se... Escutai os gemidos e murmúrios dos agonizantes, o estrugir ininterrupto das fuzilarias, as vozes alteradas de comando, o troar dos canhões, que parece mais intenso ecoado nos ares compactos e enegrecidos... Tem-se a impressão, amados companheiros, de que se ouve o incessante crocitar de um exército aéreo de abutres famulentos, chefiado pelo vampiro insaciável da Guerra, espanejando lugubremente sobre os campos de batalha, espreitando com insana alegria miríades de vítimas, para lhes sugar o sangue e dilacerar-lhes as vísceras...
Há gritos, lágrimas, suspiros amalgamados neste ambiente impuro; há, além, corações tangidos de saudade, lembrando-se dos entes caros que, aqui, longe dos lares, mas aproximados pelo pensamento, em campo raso ou adarvados pelas trincheiras, já deixaram pender as armas da mão gélida ou mutilada; há extermínio de monumentos e de esperanças; há bramidos de tigres indianos e agonias plácidas de cordeiros. .. Homens vesanos!{106} quereis fixar vossos ideais, vossas ambições sobre a Terra e haveis de, sempre, vê-los reduzidos a lama...
Tiranos cobiçosos! esquecei-vos de que não vos pertencem, neste mundo, nem sete palmos de terra, e desejais alongar vossos efémeros territórios com fragmentos de outras nações — onde não podeis dirimir as consciências, o civismo, a heroicidade de seus filhos, esquecendo-vos de que este mísero átomo do Universo — o orbe terráqueo — não é vosso, tem um único Soberano — Deus — ao qual tudo pertence e deveis prestar restritas contas de vossos actos?!
Quereis ampliar as fronteiras de vossas pátrias transitórias estreitando os horizontes de vossas almas imortais, que são partículas do Infinito? Insensatos!
Quereis solos vastos — usurpando a sangue e fogo — nos quais deixais vossos cadáveres putrefactos, olvidando que tendes mundos etéreos e radiosos — pérolas do Oceano celeste — para escalar e conquistar com o exército da virtude e do aprimoramento moral?! Quereis ser caudilhos da Terra quando podeis ser soberanos do Espaço?
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jan 16, 2023 11:05 am

Porque não preferis os assaltos gloriosos às plagas da Ciência, das Artes, da regeneração psíquica — mais valiosas que todas as batalhas napoleónicas e carlovingianas{107}, mais meritórias que a descoberta de Colombo, pois este descobriu apenas a fracção de um mundo e vós podeis ainda desvendar o Ilimitado?
Ai! é porque ignorais o objectivo do homem planetário — o verme da Terra, que se pode alar aos páramos siderais; é porque desconheceis as Leis divinas, que condenam o fratricídio, o assestar de armas contra irmãos e companheiros de jornada! Quando em vossos corações, deslembrados do Criador, penetrarem sentimentos de solidariedade e abnegação, não empunhareis mais carabinas e gládios, mas sim alviões, escopros, pincéis, penas, tudo quanto engrandece e imortaliza os povos e não os aniquila...
Vedes estes campos talados: o canhão substituiu a charrua; a fuzilaria emudeceu as canções dos campónios, o chilreio dos pássaros, o folguedo das criancinhas que, na actualidade, quando não são massacradas, estão famintas...
Parece que um ciclone violentíssimo devastou esta região, ainda há pouco próspera, produtiva, venturosa...
Ó Bélgica mutilada, tripudiada, espezinhada, vilipendiada, destruída, manietada, cativa, que tens a te escudar denodados filhos, como se foras tua própria nutriz, blindando o peito, pulsam corações invictos, com o aço de um civismo extremo, defendendo, ao mesmo tempo, a Pátria, a lei, a liberdade, o lar, a prole, os velhos, as crianças, as mulheres infamadas — verás soar a hora bendita da vitória!
Todas as tuas cidades devastadas, como a legendária Fénix, ressurgirão das cinzas fumegantes ainda.
O conflito sangrento, a que ora assistimos, inspira-me terror e compaixão, pois considero o homem — seja qual for a plaga em que tenha soltado o primeiro vagido — meu lídimo irmão em Deus; no entanto, não desconheço o direito dos povos; sei cultuar a Justiça; abomino a guerra; reconheço que a agressão é própria dos sicários ou das feras, é condenável; e a defesa permitida pelo Altíssimo, santifica a luta; e vós, heróicos belgas, repelis a incursão bárbara dos teutos na terra em que vossos maiores estão sepultos, onde tivestes o berço.
Coube-vos o papel preponderante, nesse drama cruento, de servirdes de atalaia e baluarte da que vos coadjuvou a estabelecer a aspirada Independência — a generosa França.
Julgavam-vos, os tedescos{108}, um pugilo de gente que, num milésimo de segundo, num célere relâmpago de armas, seria aniquilada por seus formidáveis batalhões, pulverizada em punição ao crime que cometera — o de não querer trair um pacto de honra; supunham-vos frágil represa de areia movediça, indefeso viaduto que seria abatido num átomo de tempo, e encontraram um dique de bronze, um rochedo resistente à sua marcha acelerada; Imaginavam galgar, num minuto, uma polegada de terra habitada por pigmeus — sonhando as glórias de Waterloo, onde, há precisamente um século, ofuscaram a estrela de Bonaparte esmagando-lhe as valorosas e destemidas falanges — e encontraram cerradas barreiras de intrépidos Cruzados; defrontaram fantásticas e invisíveis Termópilas{109}, com Leónidas à vanguarda de impávidas hostes de Titãs, reduzidas em quantidade, mas colossais em bravura, com arcabouços e arneses de aço, fundidos nas forjas do Dever, da Honra e do Denodo!
Suportai — ó Bélgica torturada e flagelada! — com a coragem dos antigos argonautas, a preamar prussiana, que inundou e purpureou vossas fronteiras e campos, barrando, com a rocha viva de vossos filhos, impetuosos vagalhões humanos que se arrojaram sobre vós, não os deixando unir aos do Atlântico, vedando-lhes o sector de Calais, a brecha suspirada que entreviam, com ardor, para estender as garras além dos mares...
Não lancemos, porém, in totum, o anátema sobre a culta e audaz Alemanha e suas compartes, pois a vontade de autocratas não é a dos povos que lhes obedecem magnetizados e inebriados ainda com almejos de grandeza e poderio, conquistas de regiões devastadas e incendiadas — como se aspirassem a reinar sobre infindas e profanadas Necrópoles...
Não; além, onde fulgiram os estros geniais de Goethe, Wagner, Hegel, Heine, Beethoven, Liszt, há também corações que sangram e desfalecem, arpoados de dor; há mães e esposas dedicadas que se estorcem de angústias vendo seus lares enlutados, suas esperanças fenecidas; há, além, crianças orfanadas que imploram pão, noivas que se vestem de crepe; há cérebros possantes, fecundos e esclarecidos, que abominam o massacre e só se preocupam com as ciências exactas, e, na penumbra de seus gabinetes e laboratórios, enriquecem a Humanidade com os seus estudos profícuos; há almas que anelam a paz e condenam a guerra injusta de depredações e conquistas cruentas, em pleno século XX, como se volvessem os povos às eras calamitosas do feudalismo ou das Cruzadas...
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jan 16, 2023 11:05 am

Piedade, pois, Senhor, para os que, tendo tido por berço as nações incriminadas de haverem ateado o facho da discórdia e da luta mundial, conservando sentimentos dignificadores e puros, são alvejados pela odiosidade de quase todos os habitantes dos países civilizados!
Insanos são os que, não possuindo ideais generosos, incendem a pira dos prélios assassinos, dizendo que têm o Eterno a protegê-los.
Quem ousa dizer que o Criador é o Rei dos exércitos, profere uma grave blasfémia:
Ele condena cabalmente o homicídio, singular ou colectivo, do Decálogo, de cuja procedência celeste não é lícito duvidar-se. O Omnipotente deseja a concórdia e não as dissensões mortíferas; aspira a hastear em todos os orbes — como Arcas santas após o dilúvio das iniquidades — o ramo de oliveira, no estandarte níveo da Paz, e não empunhar o archote rubro das pugnas assassinas; quer a solidariedade universal e não as selecções de raças, prejudiciais à unificação dos povos; quer irmanar todos os homens e não alimentar em seus corações mútuos sentimentos ultrizes.
As hostilidades bélicas infringem suas Leis de amor, equidade e perdão. A espada é, para Deus, um punhal fratricida que os códigos sociais tornaram legal, e, portanto, sobre ela não pode incidir sua bênção luminosa. Quem quebrar o equilíbrio e a harmonia que devem existir entre as nações, nunca será para Ele um herói, mas um bárbaro, um corsário ou um precito!
Sobre ele recai todo o peso formidável das responsabilidades tremendas de uma luta mortífera. Poderá ser vencedor, cingido pelos lauréis corrosivos do mundo, — que lhe constringirão a fronte como as serpes à cabeça de Medusa - mas seu Espírito tornar-se-á denegrido, como que carbonizado; para se tornar novamente da cor lirial, são precisos milénios de ríspidas provas, oceanos de lágrimas... O agressor arca com todas as consequências funestas de uma liça inumana. Só a defesa dirime o delito da guerra, é justificável e permitida pelo Direito sideral, porque a criatura humana não possui, na Terra, maior tesouro que a própria vida, e deve conservá-lo intacto até que o Criador, que lhe concedeu, o reclame, não para sonegá-lo, mas para o ampliar no Além, a verdadeira pátria do Espírito, onde ela se intensificará, desdobrar-se-á, como radiosa e imensa espiral, que começa nos planetas sombrios e termina nos páramos acogulados de sóis!
A tragédia horrífica, que ora se desenrola no cenário do Velho Continente — a qual, como polvo gigantesco, estenderá seus tentáculos através dos pegos, até os cravar nas plagas colombinas — não é o produto de um único ser, mas da imperfeição humana, e — com pesar o digo — é punição colectivo que servirá de correctivo a muitos infractores dos Códigos social e divino. É lição dolorosa que o homem aprende com os olhos embrumados de lágrimas, e não olvidará jamais...
Há na Guerra — dragão de Lerna{110}, voraz e fero, que só se ceva com sangue, cujas cabeças decepadas renascem incessantemente, há milénios — às vezes, uma utilidade pungente; unifica os povos e as nações, congrega filhos daquém e dalém mar, estanca estéreis dissensões políticas e religiosas, termina divergências partidárias de crenças e de castas, torna os indivíduos, nascidos sob céus diversos, irmãos nos campos de batalhas renhidas, todos pelo mesmo objectivo, pelo mesmo desejo, enobrecidos pela bravura, pelo estoicismo, expondo dignamente a vida em socorro da família, da Pátria, dos seus dirigentes, ameaçados por cruéis adversários.
Só a defesa de uma causa justa e nobre dignifica o crime dos que se digladiam ceifando existências úteis; é um inconcusso direito humano, ao passo que a hostilidade e a agressão, fundados na cobiça ou no ódio, embrutecem os beligerantes, tornando-os chacais ou panteras. Quem desafia e provoca é delinquente ou bandido; quem se defende, vítima ou herói. Essa carnificina que, qual incêndio sem chamas, devasta os países, é consequência desastrosa da corrupção da Humanidade; é como borrasca, tanto mais violenta quanto mais condensadas estão as nuvens de vapores, impurezas e electricidade... As criaturas humanas descambaram para o ateísmo, para a dissolução da família, para a frivolidade, para o cepticismo, deixando correr a existência entre prazeres materiais nos alcouces{111}, nos cassinos, nos clubes suspeitos e, sem ideal, sem Deus, sem sentimentos nobilitantes, marchando para a voragem da decadência moral, para o cataclismo das iniquidades permitidas pela civilização hodierna... A grande luta surpreendeu-as nas proximidades do abismo, fê-las recuar espavoridas, ouvindo o ribombar da procela iminente, e, unânimes, congraçaram-se, vincularam-se às que nasceram além de suas fronteiras, para, de mãos dadas, culminar o almejado desiderato — a vitória da justiça, do direito dos povos, a defesa dos territórios assaltados.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jan 16, 2023 11:05 am

Ei-las, por algum tempo, confraternizadas para a consecução de uma causa grandiosa e comum. Foram a Dor e o perigo que conseguiram esse prodígio que, no futuro, será operado unicamente pelo Amor, quando todos compreenderem que, nascer aquém ou além de um mar, de uma serrania, de um lago ou de um rio, não é deixar de ser filho do mesmo magnânimo Progenitor, que criou o ente humano para elevados fins, com atributos psíquicos maravilhosos, e fê-lo herdeiro de suas inúmeras moradas luminosas, seus reinos radiosos, seus domínios siderais...
Duas borboletas, por serem uma jalde e outra rubra, deixam de ser gracioso insecto? Duas rosas, por serem de rubi uma e outra áurea, deixam de ter pétalas, fragrâncias? de ser a soberana das flores? Não. Pois assim, o homem. A raça a que pertence pode apresentar características distintas, epiderme diversamente coloridas; um nascer na Sibéria, outro no Congo, mas há um liame a prendê-los mutuamente — a alma, a cintila{112} divina, como asa e aroma 346que identificam as falenas e as rosas. Hoje estão os homens seleccionados pelas convenções sociais, pela distância geográfica; mais tarde serão eternos consócios, irmãos estremecidos, tendo o mesmo destino grandioso, o mesmo Jardim celeste — o Universo!
Quando compreenderem essa verdade sublime, deixarão de pugnar pela aquisição de terras, do lodo onde se corrompem os seus despojos materiais — estes lastros putrescíveis que a alma, liberta dos flagícios planetários, alija ao fundo dos sepulcros para se librar aos paramos estrelados...
Que vale à estulta vaidade de um monarca possuir infindos latifúndios, se a Morte apenas lhe concede, transitoriamente, sete palmos de terra para a decomposição dos tecidos?
Um conquistador pode usurpar territórios vastíssimos, encarcerar corpos carnais, fracturar ossos, trucidar, decretar leis despóticas, abarrotar de ouro saqueado às vítimas os seus erários fabulosos, mas não pode confiscar sentimentos nobres, rapinar consciências, imperar nos espíritos livres e dignos — os aeróstatos apenas cativos por algum tempo, mas que tendem a alçar-se, não na atmosfera, mas no éter, ao próprio Infinito!
Que vem a ser um país que os cobiçosos tanto desejam governar? Um retalho da Terra, um agregado de habitantes instáveis. Aumentando suas raias, deixará de ser a fracção de um mundo, pequeno e cheio de trevas relativamente aos outros que povoam o Espaço? Não. Haverá alguém que possa conquistar um Continente ou todo o orbe para nele dominar? Jamais! Insano quem conceber esses planos hiperbólicos!
O homem — verme anónimo enquanto rasteja nos marneis{113}, conspurca-se na vasa terrena, acorrenta-se à ambição e ao ódio; condor altaneiro quando sonha com a amplidão sidérea, quando fita os sóis — será mísero enquanto anelar destruir e hostilizar nações, escravizar irmãos, implantar o terror e a luta em seus domínios, possuir terras e ouro, e só se engrandecerá realmente quando entesourar virtudes no seu âmago, cinzelar a própria alma, atingir a Perfeição psíquica, que o torna herdeiro do Altíssimo, conquistador do Universo! Orgulhoso e estulto o que deseja arrogar-se o poderio do Criador — reinar em todo o orbe terráqueo! Ele, unicamente, foi e será o Soberano deste e de todos os mundos, aqui há-de reinar em todos os corações quando soar a hora bendita da Fraternidade, porque esta romperá todos os marcos limitativos, fundirá todas as fronteiras, consumará todas as desarmonias, unirá todas as mãos, fará de todos os lares um só, de todos os países uma só nação ilimitada! Quando todos os povos, coesos pelo pensar e por excelsos sentimentos, confederados pelas mesmas leis e pelos mesmos elevados ideais, pela mesma admiração pelo Altíssimo, emancipados dos preconceitos de raças e de hierarquias sociais fundarem a República Unitária Mundial — tendo por Supremo dirigente o Sempiterno e por seus representantes os mais conspícuos e esclarecidos cidadãos — hão-de laborar em comum para o embelezamento dos núcleos humanos e conforto de todas as classes; abolir os pleitos bélicos; adoptar um só idioma e um único padrão monetário com o mesmo valor inter-cambial em todos os países; cultuar as Artes liberais, as Ciências exactas, a Metafísica e o Psiquismo, — para se relacionarem com o Invisível; fundar Areópagos para arbitragem e decisão de todas as questões internacionais por meios diplomáticos e legais, reger-se pelo mesmo pacto fundamental, por uma só Constituição mundial; extinguir os exércitos e as armadas, aplicando as cotas fantásticas despendidas com ambos na manutenção de abrigos higiénicos, estabelecimentos pios, orfanatos, manicómios modelares, patronatos, penitenciárias regeneradoras; desenvolver a aviação, a radiografia e o aerófono{114} para facilitar e ampliar as conexões intercontinentais, e, então, nenhum braço se erguerá, jamais, para empunhar armas homicidas, que, por prescindíveis, apenas hão-de figurar nos mostruários dos Museus...
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jan 16, 2023 11:05 am

IV
Houve um interregno na alocução de Antélio, tomado de pungitiva tristeza. Depois, seguido pelos três amados companheiros, aproximou-se do reduto em que se travara uma das mais encarniçadas batalhas deste planeta. O fragor das pesadas peças de artilharia de campanha, arrastadas com precipitação, faziam tremer o solo; as detonações ininterruptas das metralhadoras e os toques de clarins haviam cessado repentinamente, à invasão da caligem nocturna, como enviada por Deus para dar tréguas às renhidas pugnas travadas desde o alvorecer. Elevava-se do solo — empilhado de cadáveres, de agonizantes, de alucinados e de feridos — um confuso rumor de gemidos, estertores, queixumes, gritos, que parecia exalado de macabro oceano ou de corações fendidos...
Espirais de fumo espesso e denegrido envolviam as falanges aguerridas, que se evolavam penosamente num pélago de sombras, e, o que os órgãos visuais dos combatentes não divisaram mais, a vista penetrante e apurada dos desmaterializados enxergava, com a precisão do rádio devassando até os tecidos orgânicos; miríades de corpos intangíveis pairavam a pouca distância da terra, flutuando como plumas ao vento, elevando-se do estendal de cadáveres, hirtos ou mutilados, acumulados uns sobre os outros, tantos eram eles, parecendo estátuas etéreas desgarradas dos pedestais e arrojadas aos ares por vendaval impetuoso — o mesmo que derrubara ao chão centenas de beligerantes...
Perto deles, seus protectores espirituais movimentavam-se, em atitudes dolorosas ou de preces; entidades fúlgidas como meteoros permanentes, sulcavam as ondas de vapores e gases que se evolavam do local onde se digladiaram as hostes adversas, algumas expedindo ordens, outras orando para consolar os recém-desencarnados de outras batalhas, os quais, soluçantes e angustiados, foram atraídos ao local por vínculos de simpatia e parentescos com os combatentes. Eram tão numerosos os intangíveis, que formavam um exército aéreo, subtil e infatigável, sobrepondo-se ao outro, vestido de fardas — que, então, eram tenebrosas — constituído de seres exaustos, com as armas pendentes das mãos ensanguentadas ... Soldados já no plano espiritual, 349esquecidos da realidade, tomados de furor, julgando-se ainda num campo bélico, lutavam uns contra os outros, corpo a corpo, soerguendo armas que relampeavam um momento para logo se esvaírem como névoas... Seus guias espirituais afastavam-nos, então, daquele local sinistro, para os chamar à realidade e dirigir-lhes salutares advertências .
A atmosfera estava irrespirável, quase compacta, tendo em promiscuidade o odor de gases sulfurosos, do sangue e de corpos putrefactos que, pela desagregação dos tecidos, a empestavam, saturavam de bactérias letais.
Empilhados, aqueles rígidos despojos humanos formavam pira descomunal, trágica e macabra, pois alguns conservavam os olhos semiabertos, esgazeados, reflectindo sofrimento e terror indómito; outros deixavam pender os braços hirtos, as mãos contraídas, como a quererem ainda brandir o gládio ou a carabina; outros tinham os lábios contorcidos, num rictus perene, eternizando um riso de suprema loucura...
“— Vede, meus amados — prosseguiu Antélio — este mar de cadáveres, de combatentes inertes...
Extinguiu-se, há poucos segundos, a sinfonia de Marte ou do pavor, vibrada pelos canhões e pelas metralhadoras ... É isto um campo de batalha: a desolação, a lágrima, o desespero, a podridão, a derrocada da juventude, esperanças e aspirações fagueiras! Como a alma se confrange e soluça ao se lhe deparar este painel tétrico e vivido, pincelado pela crueldade humana, em que os nossos irmãos, imbuídos de paixões malsãs, se trucidam impiedosamente, em vez de se estreitarem num amistoso amplexo... Ai! deles! Vede a realidade dolorosíssima neste reduto juncado de corpos, onde não palpitam mais os corações... Como estão irmanados sobre a terra que ensanguentaram! Quem distingue, neste instante, aqui ou além, os teutos, os austríacos, os franceses, os belgas, os invasores e os defensores, agora que Átropos e as trevas os identificaram nas fardas e no destino?
Parece que um ciclone os derrubou ou foram ceifados na seara da Guerra...
Chegou o momento em que o homem — seja qual for o lugar em que abriu os olhos no mundo — recebe o derradeiro baptismo terreno — o da denominada Morte: chama-se finado!
O primeiro, é o da vida orgânica... Dão-no os pais, entre sorrisos e carícias, olvidados de que receberam nos braços um candidato à dor e ao pranto.
Chamam-lhe criança — uma designação extensiva a todos os recém-emigrados do Espaço, de ambos os sexos indistintamente; o segundo é o do templo — transforma a denominação colectiva em nome adstrito a um só ente, que necessita criar a sua individualidade, é o baptismo da água; o terceiro é o de Átropos — perde a designação que lhe deu o sacerdote ou o registo civil — torna-se anónimo, chama-se cadáver. É a segunda nivelação de um ser humano na existência planetária, a derradeira neste orbe de iniquidades.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jan 16, 2023 11:05 am

Eis, pois, todos os antagonistas irmanados para todo o sempre, neste campo mortuário. Não há mais distinção de castas, de religião, de posições sociais..
Extinguiram-se todos os preconceitos humanos.
Estão todos nivelados e confraternizados pela lei irrevogável da Morte.
Pendem-lhes, inúteis, das mãos que se tornaram empedernidas, as armas homicidas...
Homens, meus irmãos, quando ouvireis as vozes de Jesus, que vos aconselha amar-vos uns aos outros? Não compreendeis que sois ovelhas de um só rebanho e que o celeste Pegureiro, das alturas consteladas, lança-vos um cajado de luz — o Evangelho — apontando-vos os apriscos cintilantes, engastados no Infinito, vossas futuras habitações? Desconheceis as suas leis sacrossantas, de amor e perdão? Sois feras cervais que vos nutris de sangue e carne?
Retrocedei, irmãos, voltai-vos para as glórias eternas, para os bens imperecíveis, os que não podem ser conspurcados pela calúnia, pela inveja, pela cobiça, os tesouros que não apodrecem como os vossos corpos, nos sepulcros, mas irão intactos aos páramos siderais — a virtude, a abnegação, a fraternidade, o cumprimento austero de todos os deveres morais e psíquicos!”
Houve nova pausa: depois, com estranha emoção, prosseguiu:
“— Ó França amada e magnânima! sempre na vanguarda das ideias generosas, meu Espírito, neste instante, chora os teus infortúnios, sente as tuas desventuras, mas, é forçoso dizer — e a voz da Justiça não treme quando profere a verdade — que, rememorando páginas trágicas da tua história imortal, tinhas a resgatar gravames perpetrados por teus filhos de antanho, — os mesmos que, hoje reencarnados, pelejam nas tuas fileiras, em prol do direito dos povos e da Liberdade, — quando teus esquadrões temerosos levavam a inquietação, o clamor, o alarma e o luto às nações limítrofes, e até às longínquas regiões asiáticas e eslavas, onde sofreste perdas irreparáveis, cavaste a ruína de teus exércitos — com que desejavas cobrir a face do globo terráqueo — foste a causadora do incêndio de Moscou e da hecatombe pavorosa nos gelos da Rússia...
Tu, sempre com ideias grandiosas, que tens como lema fulgurante — Liberdade, Igualdade, Fraternidade — te deixaste fascinar, outrora, por sonhos de poderio e conquistas infindas e, por isso, acendras, com paroxismos de dor, as atrocidades cometidas; estás reabilitando passados delitos, para que tornes em realidade a legenda bendita que escolheste, de acordo com as potências siderais...
Caminhas para a execução desses luminoso objectivo, que é o do próprio Criador do Universo. O teu martírio actual te redime de todas as iniquidades perpetradas no tempo do imperialismo, dos monarcas de ambição desmedida...
Já estão assestadas para o teu coração radioso — Paris — as bombardas{115} de longo alcance, já o sentes ferido, mas não cativo, porque tens a proteger-te amigos desvelados, falanges visíveis e invisíveis aos mortais, do Espaço, daquém e dalém mar, porque tens a contrabalançar acções condenáveis, feitos grandiosos e inesquecíveis! Suporta o teu suplício com denodo, a fim de fazeres jus a um triunfo sem jaça. Reivindicaras direitos postergados, serás escudada por paladinos leais do Velho e do Novo Continente, ávidos, alguns, por saldarem contigo os débitos sagrados de sua independência, de que foste auxiliar abnegada, mas não entenebreças a tua vitória com represálias soezes...
França querida, não é só o teu território que abriga os mais acerbos padeceres... A dor estenderá seus tentáculos além do Atlântico, disseminar-se-á por todo o globo: o cortejo sinistro da fome e de atroz pandemia seguirá a ceifa das batalhas cruentas, pois quase cessaram os labores agrícolas e dos operários e a atmosfera se acha intoxicada de exalações mefíticas, oriundas do morticínio em tuas fronteiras e nas da Itália, Bélgica, Sérvia...
Exércitos imperceptíveis aos encarnados — compostos dos que sucumbiram na hecatombe mundial, que se acha ainda nos pródromos — povoarão o Espaço e o ambiente terreno por algum tempo; receberão inolvidáveis instruções de humanitarismo, a fim de que abominem o assassínio colectivo ou individual, para que depois, aguerridos com as armas cintilantes da sinceridade, do amor ao próximo, dos ideais generosos, possam baixar a este planeta, profligando os erros seculares, combatendo pelas verdades imanentes do Alto, pelas coisas meritórias, pela implantação do regime da Justiça e da Equidade, iniciando-se, assim, a era das reivindicações sociais, do nivelamento dos povos; enfim, o reinado da Paz predita por Jesus — cujos ensinamentos os homens esqueceram...
A Terra — o mísero grão de areia que baila nos ares ao influxo do Sol, qual pequenina mariposa ao redor de intenso combustor — no transcurso dos evos futuros não terá, ao todo, senão três pátrias distintas — os Continentes, tendo por linhas delimitadoras apenas os Oceanos, cada um deles concretizando — ó França querida! — os dizeres do teu lema inspirado pelos mensageiros divinos — Liberdade, Igualdade, Fraternidade, tríade sublime que constitui o anelo das almas nobres e funde-se num só vocábulo — Amor — que, hoje, parece utopia, mas essa considerada utopia é o sonho do Criador, e, o que Ele sonha ou deseja, será uma luminosa realidade porvindoura!...
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jan 16, 2023 11:05 am

Então, ninguém mais será fratricida ou duvidará da pluralidade das existências, tendo de remir no futuro os delitos do passado obscuro e remoto.
Ninguém mais quererá saldar débitos que terá de saldar penosamente, com prantos e duras provas. Todos compreenderão que, aqui, as criaturas humanas se congregam, para laborar em comum por seu progresso espiritual, para resgate de dívidas tenebrosas, para se harmonizarem, e não têm pátrias fixas, são aves nómadas, partem para onde floresça a Primavera, esquecem os berços primitivos que lhes recordam o Inverno — a penúria, as expiações tremendas
— até que, depois de adquiridas todas as virtudes, cumpridos todos os deveres
sacrossantos, burilados os Espíritos pelo sofrimento remissor, recordam-se de
todos os seus estágios, de todos os países em que mourejaram e padeceram, fundindo-os em um só, que amam santamente, sem exclusivismo, como o Cristo amava a Humanidade — este planeta, um dos degraus que formam a escada incomensurável que todas as almas têm de galgar em busca do Ente Supremo!
Saberão que os Espíritos, quando libertos dos grilhões mundanos, andorinhas imortais, fugidas às ásperas invernias da Terra — onde deixam seus sudários putrescíveis — buscam asilo em ninhos distantes, isto é, em regiões suaves, onde poderão viver serenamente, sem os rigores polares das provas planetárias.
Essas pátrias de doçura inefável e sem estações frígidas, não existem neste orbe — e sim, além, onde pulsam os corações de ouro das estrelas...
Sonhando com essa Primavera, todas as almas que a ela aspiram sempre, desfar-se-ão do egoísmo, do sectarismo, da impureza, dos sentimentos ignóbeis — correntes brônzeas que as vinculam aos sofrimentos terrenos — e partirão exultantes, em demanda da Luz e da Felicidade eternas...
Que lhes importa, então, um fragmento de solo, larvado de sepulcros, ao qual se acham apenas aprisionados pelos liames de reminiscências pungentes?
Aqui virão, apenas, em cumprimento de excelsas missões, para guiar seus antigos companheiros de cativeiro às plagas da Liberdade eterna. Aqui, então, já não hão-de imperar mais as forças armadas, mas o Direito e a Justiça.
Os soldados destruidores serão rendidos pelos paladinos do Bem e da Paz...
e este orbe, maculado tantas vezes com massacres e morticínios inúmeros, será uma das mansões de harmonia e labor do Cosmos, à qual virão acrisolar-se os Espíritos secularmente votados ao Mal, rebeldes e ferozes, degredados, há muito, em mundos de trevas, em calabouços do Universo...
Partamos, agora, dilectos amigos, para a região que sempre viverá nos escaninhos de nossas almas — Aprémont — e, lá, longe deste cenário lúgubre (em que os pensamentos nobres e altruísticos ricochetam à mente, como fagulhas estelares interceptadas por abóbada de chumbo, murados pelas impurezas que desprendem os que se odeiam, os que sucumbem sem se voltar para o Pai celestial, sem uma prece, blasfemando, às vezes), faremos rogativas fervorosas por todos os combatentes, por todos os que se acham em agonia, por todos os desencarnados, indistintamente, vencedores e vencidos, nossos irmãos em Deus...”
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jan 16, 2023 9:38 pm

V
Ao impulso da vontade potente — que é um atributo dos Espíritos evolvidos — em breve chegaram ao local desejado, que custaram a reconhecer; uma aluvião de caliça, de pedras desgarradas, de paredes fendidas, de vigamentos carbonizados — eis o que restava do altivo solar dos ancestrais de Yvan... O antigo parque e o pomar haviam sido quase completamente destruídos. As árvores, quase centenárias, estavam mutiladas, pois as verdes frondes tinham sido cortadas para entulhar trincheiras, parecendo sentinelas decapitadas, rondando ainda os escombros de uma cidadela arrasada...
As ruínas das vetustas habitações têm uma alma — alma do Passado — que, como o espectro dum usurário, de atalaia ao local onde sepultou um tesouro, jamais as abandona... Têm a melancolia de um Campo Santo; parecem despojos imputrescíveis, ossários de pedras, membros comprimidos, transformados em caliça ou poeira; pairam sobre elas, como os das asas de estriges em revoada, os rumores dos tempos idos: ouvem-se, ali, promiscuamente, em surdina, anátemas, preces, soluços, risos; o entrechocar de armas, o retinir de arneses, módulos de canções nupciais e marchas fúnebres, oriundas de muitas gerações extintas; perpassam sobre elas, como sombras fugazes, quase esvaídas, os dramas ou comédias de que foram cenário; evocam nascimentos, idílios, agonias, ódios, despedidas, entrevistas, quedas e heroicidades ignoradas...
Enquanto um abrigo humano está à prumo, com o tecto amparado aos pedestais das paredes, convida o transeunte a acolher-se sob ele, oferece repouso e conforto, seu aspecto é humilde ou senhoril; quando, porém, a cobertura rui com fragor, as paredes ficam carcomidas pelas mandíbulas das intempéries, deixando desnudados rectângulos meio triturados — os antigos aposentos — adquirem a aparência de grandes sepulcros vazios para inumar gigantes; as pedras que se deslocam lembram um esqueleto desarticulado, e, então, a ex-vivenda dos que se dizem vivos confunde-se com a dos que se chamam mortos, inspira desolação ou pavor a quem as contempla...
A cobertura de telha ou de colmo, enquanto reveste os compartimentos, retém, comprime, asfixia, qual estojo cerrado, as reminiscências dos sucessos transcorridos; quando, porém, o tufão destruidor do tempo a abate, todos os acontecimentos que se supunham extintos, mas se achavam impregnados até nos calhaus e nos rebocos, desentranham-se como da profundidade do solo, criam vozes, corporificam-se, palpitam e revoam sobre os destroços, como seres fantásticos, mas imortais... O silêncio que erra nessas paragens e envolve as ruínas, qual sudário misterioso, impressionando desoladamente a quem os vê, é perceptível aos ouvidos apurados, metamorfoseia-se em murmúrio confuso, como o que se evola das volutas da concha marinha, ou como zumbido de colmeia desfeita.
No entanto, nesses tristes escombros, a vida os espreita — explode de todos os interstícios das pedras e de todas as paredes derrocadas, de todas as fendas do soalho: são as eglantines{116} e as silvas agrestes, que irrompem como verde mortalha; que, pela Primavera, se tornam de arminho, quando se cobrem de alvas pétalas, parecendo que os vegetais triunfam das asperezas das lajes, vingando-se assim de lhes ter o homem usurpado, por muito tempo, um pedaço de chão — sua pátria, seu tesouro — onde não podiam abrolhar. Eis a luta constante que se observa na terra, a sucessão ininterrupta dos três reinos que se revezam: os indivíduos utilizam-se dos minerais, roubam domínios aos vegetais, edificando habitações que desafiam os evos; estas, porém, são demolidas e os vegetais parecem vitoriosos, invadindo o território conquistado, mas a Terra-Máter, sorri, silenciosa, pois sabe que vencedora será ela — aguarda homens e plantas para lhes diluir os despojos no seu âmago cheio de arcanos, laboratório divino onde os corpos velhos ressurgem noutros, diversos e jovens, decompõem-se, assimilam-se e desassimilam-se, para a perpetuação de todas as espécies planetárias!...
Foi essa a impressão que dominou os lúcidos visitantes do derruído solar, com os pensamentos unificados, como se achavam. Dirigiram-se ao local onde existira o antigo parque, e, num banco rústico, onde Yvan, ao Sol posto, costumava devanear, fazer rogativas ao Omnisciente, distinguiram um vulto negro, mais prosternado que sentado, revelando no aspecto consternação e acabrunhamento, realçando-lhe a alvura do rosto as vestes lutuosas, como um nenúfar{117} desabrochando em lago sombrio.
Era Morei, combalido, recordando o bondoso castelão e sofrendo com o martírio da Bélgica. Yvan estremeceu, mal reconhecendo o companheiro de infância que, então, sabia ter amado em várias existências, e sentiu-se intensamente comovido.
— Quero abraçá-lo e lenir-lhe os pesares! — exclamou, encaminhando-se para Jaques.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jan 16, 2023 9:39 pm

— Poderás fazê-lo daqui a alguns momentos — disse-lhe Antélio. Espera.
Não sabes que os andrajos carnais são óbices à comunicabilidade com os libertos espirituais? Ignoras que o Sol dardeja numa rocha mas não a penetra?
Aproximou-se de Morei, e, elevando as mãos diáfanas e irisadas, estendeu-as sobre a sua fronte pendida. Eflúvios sutilíssimos delas se derivaram e saturaram aquele ser soluçante, que logo se imobilizou; e, pouco depois, brotava-lhe do organismo físico, vestido de trevas, um outro níveo e etéreo, que se ergueu ao lado do que tocava o chão.
—Podes falar-lhe — ordenou brandamente Antélio a Yvan. — Este se abeirou de Jaques e, enlaçando-o ternamente, murmurou de alma para alma, estabelecendo-se um diálogo tácito, mas do qual não era incompreendido um só vocábulo:
—Pois duvidas, irmão querido, de que a Morte não possa destruir o Espírito?
—A saudade supera a razão...
—Nossa separação será efémera. — Eis-me a teu lado para reiterar o que sempre te afirmei: a afeição sincera não é aniquilada no bojo dos sepulcros — é avigorada com a alforria da alma, quando os sentimentos são mais vivos e integrais que durante o cativeiro terreno. Vivo, pois, estou eu; lembro-me incessantemente de ti; viverei eternamente; virei ver-te sempre que os teus pensamentos saudosos me atraiam a este orbe. Consola-te com a vontade do Soberano divino, Jaques! Parti primeiro, mas aguardo-te alhures, para te proporcionar provas de dedicação...
—Como sou feliz neste instante, Sr. d’Aprémont, vendo-vos e abraçando-vos... como outrora, em nossa infância!
—Não mais me chames senhor — pois apenas um servo do Ente Supremo e teu irmão, Jaques! Podes actuar-me.
— Obrigado... Não sou digno de vos tratar doutra forma...
— Ofender-me-ás se o não fizeres...
Morei hesitou um momento, depois prosseguiu emocionado:
—Sempre a mesma alma nobre e magnânima! Obedeço-te. Ouve-me, Yvan adorado: quanto tenho padecido, desde que teu corpo baixou ao túmulo! Teu passamento encheu-me de consternações. Ai! quanta falta me faz o bálsamo das tuas expressões amigas! Meus pobres filhos empunham armas para defender o último pedaço de nossa Pátria... se é que ainda a temos!
—A verdadeira pátria do homem é o Universo. Quem t’a{118} poderá tomar, irmão?
—Bem o sei, mas ainda amo muito este pequenino torrão em que —Bem o sei, mas ainda amo muito este pequenino torrão em que nascemos, em que jaz teu sepulcro, e sofro por saber que não existe quase — é uma possessão prussiana... Ai! resta apenas um palmo de terra semi-cativa, onde nem é permitido a seus derradeiros filhos chorarem os seus infortúnios... Não sabes que a Bélgica quase não existe mais, Yvan querido?
—Estás iludido, meu Jacques. Soará a hora dos desagravos e das reivindicações. A Bélgica não desaparecerá jamais — existirá, sempre, indelével, nas páginas imortais da História, palpita no peito dos que a amam e a glorificam, como eterno padrão de estoicismo, tenacidade e heroísmo. Se continuar prisioneira, ficará repartida e gravada em tantos corações, que, se fossem reunidos, formariam uma extensão maior do que a do seu primitivo território... Está, pois, perpetuada num mapa vivo, forjado pelo Omnipotente. O seu martírio santifica-a e imortaliza-a. Joana d’Arc, a defensora de Orleães, nunca foi tão grande e sublime como no momento do seu suplício, sem exércitos, vencida, escravizada, torturada a carne por serpentes de fogo que a devoravam implacavelmente... Dentro da pira, um gesto de suas mãos denudas pôs em debandada adversários crudelíssimos... Desde aquele instante, deixou de ser uma glória francesa para ser uma heroína mundial e celeste... Assim a Bélgica. Ela diminui em território, mas aumenta em valor, amplia suas fronteiras na alma dos povos, além dos Oceanos, até aos páramos siderais ... Seu mérito torna-a ciclópica e inexpugnável. Seu denodo torna-a maior, agora que lhe resta apenas uma polegada de solo, do que se houvesse usurpado um mundo ou fundido todos os Continentes conquistados com a bravura de seus filhos... Seu flagelo aureola-a de fulgor inextinguível. Até há pouco, só os belgas a veneravam; agora, estendeu suas raias ao coração de todos os povos cultos.
Enganas-te, pois, Jaques. Ela não diminuiu — cresceu indefinidamente! A vitória caberá ao Direito e à Justiça. Não esmoreças, pois. Velarei por ti e pelos que são caros ao teu sensível coração. Não te esqueças de minhas palavras, Jaques. Espera e crê no porvir. Pensa muito na Bélgica, mas, ainda mais, no Céu — nossa Pátria invencível, que devemos conquistar com a Virtude, a fim de sermos paladinos do Soberano de todas as maravilhas — Deus. Não te mortifiques tanto pelo que tens de deixar na Terra, mas pelo que cumpre levar ao Empíreo, engrinaldado em pérolas de luz...
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jan 16, 2023 9:39 pm

Yvan desprendeu-se brandamente do amigo, após havê-lo beijado na fronte.
O corpo fluídico de Morei novamente mergulhou no que se achava tombado sobre agreste banco, o qual teve um brusco abalo e despertou.
—Vamo-nos! — convidou suavemente Antélio aos companheiros. Por alguns instantes apenas permanecemos neste ergástulo sombrio...
Dirigiram-se às ruínas d’Aprémont.
Uma tristeza avassaladora lhes pungia o Espírito no momento em que vislumbravam já a felicidade que os aguardava em mundos ignotos, de liberdade e paz. A caligem era intensa, como a da noite tétrica em que houve o desprendimento das almas de Yvan e Richard. Parecia que um velário de crepe descera do Firmamento aos escombros, envolvendo todos os astros num círculo de trevas.
Quando, porém, a eles chegaram, um revérbero esmeraldino, qual frechada de luz, fendeu a escuridão desde as alturas, convergindo sobre aquele acervo de destroços e sobre, aquelas entidades apolíneas, que se destacaram do caliginoso nevoeiro, como lótus em negro paul. Ficaram transfigurados como Jesus no Tabor.
—Dir-se-ia — obtemperou Yvan comovido — que se reacenderam os faróis d’Aprémont... que já não existem!
—São os semáforos do Espaço — invisíveis aos encarcerados nas masmorras da carne — que nos alvejam e se iluminam para nos receber em apoteose... Seguem-nos os passos, através do Infinito, como outrora aos Magos, na Judeia... Aqui desconhecem esses aparelhos portentosos, de que terão conhecimento os cientistas nos séculos porvindouros. Nossos irmãos do Além radiografam-nos, esperam-nos exultantes, amados companheiros!
Soaram clarins siderais, de sonoridade argentina, como se existissem naquele castelo derrocado filarmónicas encantadas ou aéreas, modulando uma ouverture surpreendente e arrebatadora.
—Vamos orar... — turturinou Antélio.
Estavam de uma beleza excepcional. As irradiações descidas do zimbório celeste, absorvidas por seus corpos astrais, tornavam-nos refulgentes como diamantes. Ficaram genuflexos, excepto Antélio.
—É das ruínas deste solar — começou ele a sua prece, com um dos braços erguidos ao céu e o outro pendido para os exícios{119} d’Aprémont — onde imperou a arrogância, o fausto, a crueldade, e, mais tarde, um dilúvio de paz e lenitivos santificantes, que vos dirijo meus pensamentos, ó Escultor de astros!
Este alcáçar desmoronado representa os sentimentos ignóbeis, os fastígios humanos, o orgulho, a tirania dos déspotas que, um dia, julgando-se no apogeu da glória e da opulência, veem todos os seus latifúndios, todos os seus reinos, todos os seus triunfos esvaídos, como se fossem pirâmides de cinza; e então, humilhados, desolados, compreendendo que os esplendores terrenos são falazes, deixam de fitar o lodo em que têm imersos os pés e voltam-se para o Firmamento, contemplam as constelações cintilantes, percebem que a Eternidade está sobre suas frontes e não sob suas plantas; reconhecem que, como o magnânimo progenitor do pródigo, abre-lhes os braços amorosos, aponta-lhes a áspera senda do Dever e da rectidão, e prepara festejos deslumbrantes para receber os conversos e evolvidos.
É daqui, Senhor, deste castelo desmantelado como corações desiludidos, onde já fostes venerado, onde vossas Leis sacrossantas, depois de haverem sido conculcadas{120}, foram executadas austeramente, que fazemos remontar nossos pensamentos até ao vosso sólio, agradecendo-vos todos os auxílios, misericórdias, socorros espirituais, alvitres valiosos, que, durante múltiplos avatares, nos dispensastes, por intermédio dos vossos tutelares Mensageiros, dulcificando as nossas merecidas provas de réprobos e supliciados morais, de algozes e de vítimas...
Deus, ímã e sol do Universo — cuja alma lúcida anda esparsa em todos os portentos do Macrocosmo, fragmentada nos crepúsculos e nas alvoradas; transfundida em cada estrela, de cujos fulgores inextinguíveis debalde todos os Flammarions investigam a origem e o combustível; evola-se de cada flor metamorfoseada em aroma suave ou inebriante; equilibra todos os astros e todas as asas no Espaço; nós, humildes ovelhas por vezes desgarradas do vosso rebanho infindo, disseminado em miríades de mundos; — nós, repito, centelhas vossas, vassalos de uma só Majestade Suprema, com Espírito ávido de Perfeição e amor, sequiosos de verdades imortais, de ciência, de progresso, vimos implorar pelos que sofrem, pelos transgressores dos vossos Decretos imperecíveis, pelos que andam afastados de Vós, como as estriges do lume solar...
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Do Calvário ao Infinito - Victor Hugo/Zilda Gama - Página 8 Empty Re: Do Calvário ao Infinito - Victor Hugo/Zilda Gama

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jan 16, 2023 9:39 pm

Ó Pai incomparável, Magistrado mirífico! os homens são precitos enquanto vos desconhecem; no entanto, Vós lhes dais a ler a epopeia sublime da Criação, revelais-lhes a vossa existência nas páginas da amplidão cerúlea, grafadas com caracteres de diamantes fúlgidos; eles se odeiam, porque desconhecem o seu destino glorioso — o de serem aliados, eternamente, em orbes em que impera a harmonia absoluta; julgam-se filhos da Terra, como os rastejantes répteis, porque não sabem que são condores, que se podem librar às alturas imensuráveis do Cosmos; consideram-se galés perpétuos, podendo conquistar liberdade perene...
Quando eles não desconhecerem que, nascidos na Guiné ou na Islândia, nos Trópicos ou nas Zonas polares, são filhos do mesmo radioso Progenitor, centelhas da mesma Alma inesgotável, campeões da mesma arena, soldados do mesmo exército incomensurável — do qual andam, aqui, desligadas hostes, vindas de orbes longínquos e ignotos, para travar torneios sagrados em prol do Bem, da Virtude e do Progresso anímico — jamais se trucidarão como feras famintas de carniça; unirão pensamentos e mãos, confraternizados, para a aquisição do mesmo objectivo grandioso e incomparável: a Regeneração Psíquica, a isenção de provas árduas, a integral cultura científica, moral e estética, a ventura perene sem ser baseada na inércia e na beatitude!
Senhor, Vós que, neste instante em que uma procela de Dor se precipita neste mísero planeta, talvez tenhais o coração de sol ofuscado de pesar e mágoa; (originados pela pugna fratricida que purpuriza um de vossos mais obscuros e minúsculos domínios, nunca esquecido por Vós, e ao qual enviais, no transcurso dos séculos, luminosos fanais, vossos Emissários e no qual já deixastes fulgir, qual estrela caída de alguma constelação, Jesus, um de vossos Embaixadores divinos), ouvi nossos sinceros e vibrantes rogos: Difundi no Espírito de todos os Caíns que massacram seus irmãos um átomo da vossa benignidade inesgotável, para que jamais se esqueçam de vossas Leis de fraternidade e amor, e convertam o metal de todas as armas em pacíficos instrumentos de labor; deixem de ser lobos vorazes para se tornarem mansas ovelhas do vosso aprisco, para que nos corações desolados, onde bruxuleiam a Fé e a Resignação, feridos por um vernáculo de luz da imortal Esperança, sejam fortalecidos nos momentos de angústia superlativa; para que os espíritos consternados recebam, a flux, o conforto da paciência, o orvalho celeste; para que o pranto dos órfãos, das viúvas, das mães, das esposas, das noivas, seja lenido por vossos abnegados Mensageiros, incutindo-lhes a ideia de que não há separação eterna; que os tombados ao solo, como novos Antêus, erguem-se redivivos para a vida imperecível das plagas espirituais; para que os entes empedernidos, os golpeados de dissabores, os espezinhados, os enfermos, os mutilados, sejam tocados de piedade por nossos semelhantes, de perdão, de crença em vossa Justiça imparcial e íntegra; para que os burlados, os traídos, os conculcadas sejam triunfantes; para que os sofredores sejam lenidos com a unção do consolo; para que todos, os que nesta era trágica e dolorosa para a Humanidade, baqueiam no furacão da Guerra, quase mundial, despertem no plano psíquico — onde não há mais ilusões, mas realidades grandiosas — sejam impregnados de sentimentos altruísticos, benévolos para com os companheiros de romagem terrena,..
Alteza inigualável, não temos, em nosso âmago, vocábulos bastantes com que vos possamos dirigir nossas súplicas, mas recebei nosso humilde preito de admiração e reconhecimento como flores rescendentes, colhidas no íntimo do amor divino, para vos ofertar!
Permiti, ó Pai celestial, que em cada ruína, feita pelo absolutismo, seja implantada por todo 0 sempre a bendita oliva da paz; erigidos novos e mais belos prédios, edificados por artífices livres e não mais sob o guante dos opressores de antanho... Que estas pedras, deslocadas das paredes e muralhas primitivas, sejam os sólidos alicerces dos abrigos futuros dos que hoje defendem o próprio espírito da incursão do Mal, dos adversários temíveis, que são as iniquidades!... Rogamos por todos os nossos irmãos deste orbe, pelos justos e pelos réprobos, pelos vencidos e pelos vencedores, pelos que se acham libertos da carne e pelos que estão encerrados no sarcófago material, a fim de que a vossa misericórdia se estenda a todas as almas como um plenilúnio vivificante.
Acolhei nossas preces, ó incomparável Benfeitor, em vosso âmago estelar, não cogitando da rudeza de nossa linguagem, que não pode expressar a nossa gratidão pelos infinitos benefícios que, no escoar dos milénios, nos vindes dispensando; perdoai e olvidai as nossas quedas e delitos; recebei, compassivo, as litanias de agradecimento, afecto, admiração que, neste instante, se evolam das almas dos conversos!”
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Do Calvário ao Infinito - Victor Hugo/Zilda Gama - Página 8 Empty Re: Do Calvário ao Infinito - Victor Hugo/Zilda Gama

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Jan 16, 2023 9:39 pm

Houve um súbito interregno na deprecação de Antélio; depois, deixando de fitar a abóbada sideral, voltou-se para os escombros, e, num gesto largo, que parecia abranger o mundo, concluiu:
“— Adorado Soberano do Universo, não deixeis de enviar a esta masmorra de trevas o Sol do vosso amor incomensurável, a fim de que em todos os espíritos abrolhem os mais excelsos sentimentos, como desabrocham açucenas ao influxo do rocio celeste; que os corações sejam altares palpitantes e vivos onde todos os entes vos tributem a sua veneração e os seus hosanas de reconhecimento; que, nestes exícios — úlceras ciclópicas afeando a face da Terra — sejam erigidos santuários familiares, onde o labor e a afeição recíproca consagrem um carme{121} à Fraternidade mundial; que o género humano, no galopar dos Evos, não seja mais seleccionado por ideias ultrizes, por crenças e castas diversas, mas forme um só povo, uma única nação, tendo por exclusivo e magnânimo Monarca Vós, o único do Macrocosmo e deste minúsculo planeta, que os homens teimam em fraccionar, mas há-de ser unificado por meio de sentimentos efectivos e piedosos.
Permiti, ó Altíssimo! — de cujo pensamento almo surgem constelações — raie essa era bendita, a do vosso Reino, predita pelo Messias como arrebol de rosas no horizonte dos próximos séculos; que este átomo da Criação, o mísero orbe terráqueo, envolto em penumbra, seja uma das teclas, uma das cordas sonoras da harpa do Universo que vibram, como as almas redimidas e os sóis resplandecentes, as melodias siderais, para que possamos — ó Pai inimitável, Árbitro inconfundível, Artista impecável que burilais astros e flores! — tributar-vos a nossa eterna gratidão!
Fraternidade! aspiração do Sempiterno, estendei vosso amplo e luminoso lábaro a todos os povos, para que jamais se digladiem como leões e panteras famintas de carne humana, unindo todos os Continentes como um elo, um hífen eterno de diamantes!”
Tremeluziam lágrimas — pequeninas nebulosas cintilantes — em seus olhos, e logo se desfizeram em bruma... Antélio emudeceu por momentos, como para melhor ouvir as protofonias celestiais que, lucificadas, desciam à Terra formando cascatas de ouro eterizado, como fulgores de dilúculos; depois, volvendo-se para os amados companheiros, ordenou brandamente:
— Partamos, irmãos queridos: chamam-nos das alturas luminosas!
Deixemos, por algum tempo, a escuridão terrena pelas irradiações astrais, aonde iremos, com inoculações de luz, retemperar nossas energias anímicas esgotadas nas pugnas planetárias... Permutemos, transitoriamente, este Calvário — onde o teve Jesus e nós carregamos o madeiro das expiações redentoras — pelo Empíreo constelado...
*
E no meio de suave fulguração, alaram-se ao Espaço as quatro entidades, parecendo que nele deixavam um rastilho fosforescente, uma Via-Láctea radiosa, que se ia extinguindo, apagando dulcidamente, à medida que eles ascendiam ao Infinito..

Obras do mesmo Autor, igualmente recebidas
Por Zilda Gama:
Na Sombra e na Luz
Dor Suprema
Redenção
Almas Crucificadas
Ave sem Ninho
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