LUZ ESPÍRITA
Gostaria de reagir a esta mensagem? Crie uma conta em poucos cliques ou inicie sessão para continuar.

SEMEANDO E COLHENDO - Atanagildo/HERCÍLIO MAES

Página 6 de 7 Anterior  1, 2, 3, 4, 5, 6, 7  Seguinte

Ir para baixo

SEMEANDO E COLHENDO - Atanagildo/HERCÍLIO MAES - Página 6 Empty Re: SEMEANDO E COLHENDO - Atanagildo/HERCÍLIO MAES

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Jun 29, 2021 6:30 pm

Parecia formado por fios de seda tenuíssimos e orvalhados em mistura com suave lilás mostrando o perfil endocrínico; depois tudo se transformava num tom de alaranjado resplandecente clareando de modo surpreendente a matriz perispiritual da vida humana.
Zelita sentia-se cada vez mais tonificada, efervescendo-lhe no corpo uma sensação estuante de vida!
Mas a região hipogástrica ainda se mostrava algo dolorosa, como se tivesse sido comprimida e persistindo a sensação de vácuo atroz, que lhe castigava há muito tempo.
Mas aquela carga vitalizante e cheirando gostosamente a amêndoas maduras preenchia-lhe organismo combalido.
O tacto, a visão e audição refaziam-se de modo rápido e surpreendente.
Em breve, ela começou a distinguir, com maior nitidez, os contornos do quarto simples
as florinhas miúdas, em matizes castanho e granada, a cintilarem no forro róseo sob a claridade doce e macia.
Percebeu melhor a senhora de cabelos fartos, luzidios e louros, enfeixados num coque de aspecto severo, curvada sobre ela, enquanto os jovens continuavam o seu trabalho vitalizante.
Em seguida, num esforço quase heróico para focalizar a receptividade psíquica, ela conseguiu ouvi-la:
— Zelita, sei que já se sente mais desperta e disposta, pois observo o desentorpecimento da circulação psicossomática.
Por enquanto não se preocupe; deixe-se ficar assim, nesse repouso inefável e tranquilizante; apenas ajude-nos com pensamento em prece, o verdadeiro alimento de nossa alma — a essência divina que eleva a nossa faixa vibratória à sublimidade espiritual do Criador! Sim?
Num gesto maternal passou-lhe a mão pela fronte.
Depois, apanhando um frasco de líquido fluorescente, cor de morango, ajudou Zelita a ingerir parte dele.
Isso propiciou-lhe um novo calor reconfortante em todo o tecido do seu corpo perispiritual.
Da primeira vez, o fluido alaranjado desentorpecera-lhe o organismo exausto naquela região tenebrosa dos charcos; agora, a substância cor de morango proporcionava-lhe uma nutrição reconfortante e sensação de descanso.
Pouco a pouco seus olhos foram se fechando sob um desfalecimento gostoso e repousante.
As faces, antes pálidas e ceráceas, punham-se róseas e prazenteiras.
Então os dois jovens mostraram-se mais animados e alegres, enquanto a senhora lhes dizia fraternalmente:
— Bem, meus queridos; eis uma prova de que vocês já entendem o processo efusivo e vitalizante do perispírito vampirizado nos charcos, como aconteceu à nossa querida Zelita.
Ela só despertará dentro de dois dias e até lá confiemos, também, nas suas próprias forças criadoras!
— E mudando de tom, acrescentou:
— Também, ainda, não é conveniente a nossa identificação, a fim de evitarmos comoções que desintegrem as energias vitalizantes do seu perispírito.
Deixemo-la no limiar de suas lembranças terrícolas, convicta de que foi amparada em qualquer instituição hospitalar do mundo físico! Vamos!
Transcorrido o prazo previsto, Zelita acordava-se bastante refeita.
Ao seu lado estava aquela senhora loura e prestativa, que lhe havia assistido na companhia dos dois jovens enfermeiros.
Num gesto afectuoso e maternal, ela então lhe disse:
— Zelita, em nossa moradia espiritual não costumamos lamentar os nossos equívocos ocorridos na vida física, para não gastarmos os valiosos recursos da mente em lembranças enfermiças.
O que nos importa é a recuperação eficiente das forças dispersas e malbaratadas nas imprudências das paixões humanas!
Silenciou alguns segundos, e, depois de alguma reflexão séria, decidiu-se acrescentando.
— Naturalmente você já percebeu: não é mais da carne, não é assim?
E ante o embaraço e a surpresa de Zelita, ela insistiu, novamente:
— Sabe que já desencarnou, não é assim? ,
Zelita passou a mão pela fronte, no esforço mental de reunir os fragmentos das reminiscências dos principais acontecimentos de sua vida.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

SEMEANDO E COLHENDO - Atanagildo/HERCÍLIO MAES - Página 6 Empty Re: SEMEANDO E COLHENDO - Atanagildo/HERCÍLIO MAES

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Jun 29, 2021 6:31 pm

Mas agora sentia-se vitalizada e capaz de raciocinar com clareza; apenas uma ténue cerração parecia impedi-la de distinguir com nitidez os contornos exactos das imagens que ainda se moviam confusas na sua memória sideral.
A senhora veio em seu socorro, pondo-lhe a mão direita sobre o occipital e a esquerda na fronte, como se quisesse fechar-lhe um circuito magnético em torno do cérebro.
Notava-se o seu esforço de coesão mental com Zelita, pois, realmente, dali a minutos provou-se o bom êxito da providência benfeitora.
Súbito, dominada pela mais viva surpresa, Zelita arregalou os olhos num entusiasmo infantil, murmurando as primeiras palavras naquele aposento:
-Sim! Sim! Mãe Eulália!
E num gesto afectuoso de júbilo, sem demonstração de pesar ou amargura, abraçou a senhora idosa e aninhou-se no seu colo, a fisionomia radiosa e feliz.
— Ah! como é bom voltar, mãe!
E fitou-a inteirinha dos pés à cabeça, os olhos lavados de lágrimas ditosas, acrescentando:
— E eu não cheguei a conhecê-la em toda a sua ternura e afecto, mãe!
Você esteve tão pouco comigo; na Terra!
Dois anos apenas, não foi?
Sim, Zelita! — respondeu-lhe Eulália, disfarçando a custo a sua emoção.
— Eu apenas fui ajudá-la na confecção de um corpo para você cumprir a prova dolorosa e imprescindível para a sua rectificação cármica.
Vê? Agora usufruiu da ventura de haver cumprido o programa redentor das dívidas mais graves com a carne.
De repente Zelita lembrou-se:
— Jobel?
— Ainda não se preocupe com os espíritos que viveram a seu lado, pois "cada um colhe de acordo com suas obras".
Jobel, também, se encontra bastante aliviado de sua desventura terrena.
E depois de alguns instantes de silêncio, Eulália não pôde furtar-se de uma leve queixa muito humana.
— Bem que você poderia ter dispensado a purgação drástica dos charcos absorventes no umbral.
Não se mostrou muito sensível às minhas intuições, pois do contrário os seus velhos comparsas não a teriam conduzido à vida nefanda do meretrício.
E mudando de tom, como a sacudir de si as lembranças tristes, completou com voz persuasiva.
— Bem, apesar da influência das "sereias das sombras" nos seus últimos tempos de vida, você ainda conseguiu encerrar a sua conta devedora de maior vulto com o planeta Terra, e não fugiu das provas redentoras nos momentos psicológicos.
Eu temia o suicídio e fiz tudo para livrá-la de sina tão funesta.
Os nossos mentores a felicitam pela sua conformidade dos primeiros anos de existência conjugal na matéria, prometendo-lhe para o futuro ensejos educativos mais suaves e ditosos na Crosta, em companhia de algumas almas de sua afeição espiritual.
Quando Eulália silenciou, Zelita, sem mágoa, apesar de pesarosa, rogou-lhe:
— Mãe! Podia ajudar-me na reminiscência dos motivos que geraram um carma tão gravoso na minha última existência?
Relembro fragmentos, frases, fisionomias esparsas e uma sensação de culpa interior muito grande.
Gostaria de atar todos os fios do passado, avaliar as imprudências e também ajuizar os ensejos de recuperação espiritual.
Ajuda-me?
Eulália reflectiu, alguns momentos, parecendo solicitar intuitivamente a autorização superior do esclarecimento prematuro. Em seguida, assim se expressou, em breve síntese:
— Zelita: eliminemos particularidades inúteis.
Lembre-se, apenas, de que em vida anterior, no século passado, você foi Janina, a enfermeira-chefe da "Maternidade Verónica", em Lorena, França.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

SEMEANDO E COLHENDO - Atanagildo/HERCÍLIO MAES - Página 6 Empty Re: SEMEANDO E COLHENDO - Atanagildo/HERCÍLIO MAES

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Jun 29, 2021 6:31 pm

Era mulher formosa, bastante volúvel, e que em troca de uma vida luxuosa não hesitou em se associar aos médicos Pierre La Font e Honoré Thibaut, infelizes industriais do "aborto provocado", cuja tarefa criminosa também se prestava a atender os objectivos dos espíritos diabólicos inimigos da vida humana!
Ambos especulavam o "aborto provocado", essa nefanda mercadoria condenada por todos os mestres espirituais, e, você, qual máquina viva, como enfermeira e amante, ajudava o pleno funcionamento da indústria de anjos, para elevar a renda da maternidade.
Como você não é espírito primário, sabe muito bem que a "Lei de Causa e Efeito" ajuntou todos os faltosos numa existência carnal de reparação tormentosa, de conformidade com os erros praticados no pretérito.
A verdade é que todos vocês lutaram com o máximo esforço para merecer a mesma "onda de vida", que tanto subestimaram no passado e a desviaram no seu impulso criador positivo.
E fazendo uma pausa significativa, prosseguiu:
— Mas a vida fugia-lhe ainda sob o estímulo negativo da inversão criada no passado, e apesar do esforço heróico de se corporificarem no seu ventre, Pierre e Honoré abortaram oito vezes, antes de nascerem paralíticos e imbecilizados.
Faltava-lhes o fluido ou prana vital suficientes para a composição correta do corpo físico, e, também, o prana mental(2) para modelar a contento o equipo cerebral.
Eles vampirizavam você até à exaustão na ansiedade de atingir o final da gestação e renascer na carne, e quando você não possuía mais energias para ajudá-los a se desenvolverem no ventre, eles abortavam, como fizeram com inúmeras criaturas, abusando dos direitos legais humanos e divinos.
Eulália queria evitar que Zelita se deixasse dominar por qualquer impressão demasiadamente confrangedora, e assim amenizou:
— No entanto, graças aos Mestres sempre tão pródigos na oferenda de novos ensejos para a nossa reabilitação espiritual, foi traçado o programa redentor para vocês se unirem nesse carma cruciante do "aborto provocado", pois Honoré, Pierre, Jobel e você, suplicavam incessantemente a vida na carne para descarregarem as toxinas repulsivas aderidas ao perispírito desequilibrado.
Jobel, embora o menos comprometido no passado, pecou pela cooperação de encaminhar as infelizes gestantes à "Maternidade Verónica", onde livravam-se facilmente de suas próprias aventuras imprudentes.
Você foi assistida por almas prestativas durante o parto trabalhoso dos gémeos, e, por esta razão, os médicos terrenos surpreenderam-se ante a inexplicável eclosão de energias vitais, que brotaram no seu organismo à hora final.
Deste modo, Pierre e Honoré conseguiram atingir a fase final do nascimento, livrando se de retardarem a prova em futura existência.
Contudo, eles não puderam mobilizar o prana mental suficiente para uma vida racional.
Aliás, não faziam jus à graça de uma vida carnal, mesmo imperfeita, nessa existência de rectificação ,cármica colectiva.
O Pai, entretanto, não cobra juros de seus filhos e ainda os favorece para a liquidação mais breve das próprias dívidas.
Assim, Honoré e Pierre, deficientes em energias astrais e mentais, não conseguiram um intercâmbio consciente com o mundo físico e tiveram apenas o necessário teor vital para sobreviverem na forma de paralíticos.
O processo rectificador ajudou-os a esgotarem para o "mata-borrão" vivo do corpo humano os fluidos tóxicos que lhes impregnavam a contextura delicada do perispírito.
Zelita estava pensativa, mas não amargurada.
O seu espírito reajustava-se outra vez à verdadeira vida do Além-túmulo, e, por isso, sentia o júbilo de comprovar que o sofrimento na carne havia lhe proporcionado melhor condição espiritual e abrandado o remorso crepitante de saber-se espírito indigno da vida.
Malgrado as angústias e equívocos na existência terrena de penitência e a sua repulsa pela configuração dos filhos paralíticos e imbecis, reconhecia-se ligada a eles por alguns séculos.
Honoré e Pierre, não haviam sido apenas os seus comparsas daquela vida malograda, mas acima de tudo, espíritos afins, almas gémeas.
Comovida, e numa voz onde a saudade misturava-se ao afecto, ela então suplicou:
— Mãe! Onde estão eles?
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

SEMEANDO E COLHENDO - Atanagildo/HERCÍLIO MAES - Página 6 Empty Re: SEMEANDO E COLHENDO - Atanagildo/HERCÍLIO MAES

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Jun 29, 2021 6:31 pm

Onde vivem ou sofrem os meus filhos da última existência terrena?
Eulália sorriu, significativa, redarguindo:
— Eles reajustam-se, visando melhores dias futuros e só aguardavam o seu chamado espontâneo para abraçá-la!
Vou chamá-los!
E abrindo a porta, Eulália fez um convite amistoso para fora, penetrando no aposento os dois jovens enfermeiros, que anteriormente haviam ministrado a "carga vitalizante" de prana astralino e mental em Zelita.
Seus olhos tristes mostravam-se jubilosos como se houvessem sido perdoados de alguma falta grave.
Ambos se curvaram, gentilmente, e beijaram-lhe as mãos num tributo de elevado afecto, exclamando, Comovidos:
— Bênção, mãezinha!

(1) Vide cap. "Os Charcos de Fluidos Nocivos do Astral Inferior", pág. 202 da 2.a edição da obra "A Vida Além da Sepultura", de Atanagildo, em co-participação com Ramatis.
(2) Vide o capítulo "Algumas Noções Sobre o Prana", da obra "Elucidações do Além", de Ramatis.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

SEMEANDO E COLHENDO - Atanagildo/HERCÍLIO MAES - Página 6 Empty Re: SEMEANDO E COLHENDO - Atanagildo/HERCÍLIO MAES

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Jun 29, 2021 6:31 pm

15 - EXPURGO PSÍQUICO
A estrada poeirenta desdobrava-se por entre a vastidão do campo amarelecido pela falta de chuva.
A caleça(1) levantava o pó vermelho e o cavalo zaino trotava célere, de cabeça erguida, recortando-se à luz crepuscular, pois o Sol dava a sua última espiada por trás da linha do horizonte.
Começaram a surgir pinheiros isolados, depois em grupos, e, finalmente, alguns bosques encorpados marginando a estrada de ambos os lados.
Fabiano olhava a sombra da noite, que avançava aos poucos sobre a mancha púrpura do poente; então fustigava com o chicote o lombo do cavalo, na pressa de chegar.
O animal acelerava o trote e a espuma escorria-lhe por entre o freio e os cantos da boca.
A escuridão era completa, quando Fabiano susteve o cavalo diante da porteira e acendeu as lanternas da caleça, fazendo brilhar sob a luz mortiça do carbureto(2) uma tabuleta de madeira pregada sobre o portão, com o dístico:
"Fazenda das Magnólias".
Abriu a porteira, puxou o cavalo e o carro, fechando-a novamente.
Dali a pouco seguia a trote largo por um caminho descarnado entre o capim ralo e alcançou a orla do mato, cada vez mais denso, onde a estrada mergulhava acidentada, formando declives rápidos e curvas estreitas.
A luz mortiça das lanternas alumiava os cascos do cavalo a passo lento, bem seguro pelas rédeas devido ao chão escorregadio, e fazendo sombras que dançavam nos troncos de árvores.
Meia hora depois de marcha lenta e cuidadosa pelo terreno pedregoso, a mataria abriu-se, de chofre, numa clareira que se estendia por extensa faixa de terra descampada.
Sob a abóboda do céu pontilhado de estrelas surgiu uma várzea, onde corria livremente um vento frio, que uivava na crista dos arvoredos da mata escura.
Fabiano puxou a manta até as orelhas e fechou o casaco de "astrakan" preto, protegendo-se contra as lufadas de ar frio.
A estrada, à sua frente, era estreita mas recta, de um brilho esbranquiçado sob os primeiros fulgores do luar incidindo na areia branca própria da margem do rio Iguaçu.
Ao longe, luzes amarelecidas piscavam em diversos pontos, marcando a direcção de Fabiano, cujo cavalo, num galope ritmado, demonstrava conhecer perfeitamente o caminho.
As rodas do carro chiavam esmagando a areia miúda, enquanto os cascos do animal vibravam num estranho sonido contra as pedrinhas miúdas.
Enfim, a caleça penetrava ruidosamente num pátio espaçoso, estacando em frente de um casarão amplo e circundado de varandas iluminadas por alguns lampiões a querosene.
As janelas estavam fechadas, mas as cortinas afastadas deixavam vislumbrar um vasto salão com sofás, poltronas de fazendas coloridas, uma cadeira de balanço, além de outros móveis e bijuterias.
Do tecto de imbuia envernizada, pendia um rico lampião belga, de luz clara e límpida.
Em torno da vivenda alinhava-se uma dúzia de casas modestas, feitas de madeira rústica e fracamente iluminadas, cujos vultos sobressaiam-se na escuridão recortados pelos clarões do luar.
Fabiano descia do carro, quando se abriu a porta da frente e surgiu o vulto de um homem alto, erguendo a lanterna à altura do próprio rosto negro e luzidio.
Súbito, voltou-se para dentro e gritou, numa voz sonora e pausada:
—Seu Baptista, doutô Fabiano chegou!
E saiu para fora, atencioso a clarear o caminho para o recém-chegado.
—Boa noite e seja bem-vindo, doutô Fabiano! — disse o preto num sorriso largo.
—Boa noite, Pereba. Muitos problemas?
—Tá indo na ordem. Vassumecê recebeu o aviso?
—Recebi, sim! — respondeu Fabiano, silenciando um momento, para depois dizer num suspiro longo e doloroso.
Acho que foi melhor assim, apesar de sentir-me esfrangalhado no íntimo de minha alma!
—Acho que foi muito melhor, doutô Fabiano.
Antes morrer do que sofrer de modo tão judiado!
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

SEMEANDO E COLHENDO - Atanagildo/HERCÍLIO MAES - Página 6 Empty Re: SEMEANDO E COLHENDO - Atanagildo/HERCÍLIO MAES

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Jun 29, 2021 6:31 pm

Pereba era um pretalhão alto e robusto, de rosto lustroso, ingénuo e bom de alma.
Sua voz era pausada e com timbre de um baixo de ópera.
Falava movendo as mãos, estendendo-as num gesto largo e morosa.
Tinha os olhos grandes e ternos, lábios grossos e que se abriam facilmente num sorriso, onde mostravam os dentes branquíssimos e bem arrumados.
Devia andar para cima dos sessenta, pois à luz do lampião via-se a carapinha amarelecida nas fontes.
—Também estou rebentado, Doutô Fabiano! — disse Pereba, anuviando os olhos numa expressão sincera de tortura e aflição.
— Verinha também era a luz de minha vida!
Sacudiu a cabeça e apressou-se a abrir a porta para Fabiano, que raspou os sapatos no capacho do chão, dando o chapéu a Pereba.
Logo depois a porta interna do salão abriu-se aparecendo um homem gordo, nédio e baixo, tipo de caboclo moreno e tostado do sol, cuja barriga ameaçava rebentar a cinta a cada movimento.
Arfava quando se movia ou falava, num cacoete de enxugar a testa, a cada momento, devendo suar até em geladeira.
Respeitosamente estendeu a mão para Fabiano, numa saudação singela:
—Finalmente, doutor Fabiano; Deus apiedou-se da menina!
Que sua alma esteja em paz, pois se é verdade que o sofrimento leva a gente para o céu, acho que Verinha a estas horas está rodeada de anjos!
Fabiano sentou-se na poltrona de gobelim, jogando as almofadas ao chão.
Depois abriu a carteira e ofereceu um "Petit Londrino" ao capataz da fazenda, que estava silencioso, à sua frente.
Após longa baforada e sem disfarçar o tremor nervoso das mãos, ele falou:
—João Baptista, não, sei o que fiz no mundo para sofrer tanto assim.
Levantou-se, foi até à janela e moveu-se pelo aposento, num ar de desabafo.
—Onde eu deveria encontrar a justificativa para essa desgraça?
E num tom íntimo, dirigindo-se ao empregado, aduziu:
— Há famílias com cinco, dez ou quinze filhos, robustos e sadios até o fim da vida.
No entanto, eu tive apenas dois filhos!
Apenas dois filhos!
Voltou-se para a janela e ali ficou ensimesmado alguns segundos, olhando as estrelas a piscar no céu sob a luz crescente do luar.
Depois, num gesto brusco, desabafou:
— Eu tive apenas dois filhos, Baptista!
Dois, porém, ambos leprosos!. . .
João Batista mexeu-se, inquieto, rebuscando na deficiência cerebral uma resposta convincente.
— Acho que Deus quer assim, não é, doutor Fabiano?
—Deus!? — voltou-se Fabiano, quase agressivo.
— Deus? Perfeição? Bondade!
Justiça! Sabedoria infinitas!
Deus que criou o homem à sua imagem, mas o faz leproso!
Sacudiu a cabeça, obstinadamente, acrescentando.
— Não! João Baptista; não existe Deus.
Isso é apenas um mito criado pela imaginação humana, a fim de justificar a nossa própria covardia de existir!
Nada presta na vida!
Tudo é ilusão, fantasia e estupidez, pois o mundo está cheio de aleijões, homicidas, proxenetas e prostitutas, que vivem na miséria, da podridão e do desespero.
Noutro extremo, há felizardos nadando em fortunas, alegres, belos, com saúde e vida regalada, influindo até no poder administrativo e político do mundo!
Por que a fartura para uns, a miséria, a doença e a desgraça para outros?
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

SEMEANDO E COLHENDO - Atanagildo/HERCÍLIO MAES - Página 6 Empty Re: SEMEANDO E COLHENDO - Atanagildo/HERCÍLIO MAES

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Jun 29, 2021 6:32 pm

A vida é incoerente, João Baptista!
É injusta, inglória e creatina.
Há criminosos glorificados pela história e beneficiados com todos os bens da vida; mas há santos e virgens, cuja ternura e humildade são ironizados pelos sarcasmos do mundo!
E diz você que Deus assim quer?
Num desabafo muito humano, Fabiano acrescentou num tom de desforra.
— Eu teria feito o mundo mais coerente e justo do que esse Deus Sábio e Poderoso!
Sentou-se, nervoso, tragando longas baforadas, enquanto João Baptista, com a fisionomia bonachona e bem nutrida, torturava-se no esforço incomum de pensar além dos aconteci mentos do cotidiano.
— Bem, eu não sei o que pensar, doutor Fabiano, mas acredito que tudo vem de Deus.
Não tem dúvida; há coisas erradas e certas no mundo, mas, como sempre me diz padre Giuseppi, "isso são mistérios que só Deus sabe resolver."
Fabiano sentou-se e ficou absorto, olhando o tecto de imbuía, enquanto João Baptista, o administrador da "Fazenda das Magnólias", parecia respeitar o silêncio do patrão e o seu desespero.
—Como foi que souberam?
—Pereba foi à cabana de imbuia levar comida, doces e frutas para Verinha, como sempre fazia, pois não deixava faltar nada para ela estar contente.
Sabe o senhor como é o Pereba; nunca se importou com o contágio de lepra e garantia aos fiscais da Saúde que a menina tinha sido levada para tratamento em S. Paulo.
—E daí? — indagou Fabiano, comovido.
—Diz que Verinha estava morta, na cama, e Silvano ao lado soluçando de meter dó!
Quando ele viu Pereba gritou que não chegasse; e foi se escapulindo, aos poucos, pela porta do fundo, até sumir-se entre as guabirobeiras.
—Eu sabia que Silvano fugiria outra vez! — exclamou Fabiano levantando-se angustiado.
— Que adianta ele sofrer aí pelos matos, quando autorizei a lhe darem tudo no leprosário, do bom e do melhor.
João Baptista coçou a cabeça, embaraçado.
—Sabe como é, doutor Fabiano.
Os dois eram como se fossem namorados e talvez não aguentassem a saudade um do outro.
Lembra-se da vez em que trouxemos Verinha, quando ela quase se afundava na várzea de Pinhais decidida a ir até o leprosário ver Silvano?
E mudando o tom de voz, tornou-se mais explicativo.
— Pereba disse que Silvano já tinha posto duas velas ao lado de Verinha, e juntado as mãos dela.
A menina estava muito desfigurada desde a última vez que o senhor esteve aqui.
Faltava a orelha esquerda e os dedos...
—Basta, João Baptista; não adianta revermos coisas tão tristes e sem remédio.
Fabiano levantou-se da poltrona, sentindo um fogo ardente a queimar-lhe as entranhas e o sangue.
Uma vontade louca de destruir o mundo e a vida.
As mãos tremiam e ele as esfregava com esforço, para libertar a tensão que lhe crescia na alma e ameaçava fazê-lo explodir.
Voltando-se para João Baptista, num ar desolado, explicou:
—Atrasei-me, Baptista, pois quando recebi o recado já descia para Morretes!
E depois de alguns minutos de silêncio, indagou, pesaroso:
—Onde ela foi sepultada?
—Ainda não foi enterrada, o fiscal da Saúde esteve aqui devido à denúncia dos vizinhos e ele mandou pôr Verinha num caixão de zinco, que nós mandamos fazer lá no Maneco funileiro.
Andaram por aí fazendo uma defumações com desinfectante e garantiram não haver perigo de contágio.
Ninguém deve abrir o caixão de zinco, pois foi soldado.
Baptista levantou-se, dando passagem ao patrão.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

SEMEANDO E COLHENDO - Atanagildo/HERCÍLIO MAES - Página 6 Empty Re: SEMEANDO E COLHENDO - Atanagildo/HERCÍLIO MAES

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Jun 29, 2021 6:32 pm

—Ela está no depósito de forragem, com o pessoal daqui fazendo o guardamento.
Fabiano baixou a cabeça e encaminhou-se para a porta do salão de jantar.
—Bem, vamos lá!
Atravessaram o terreiro dos fundos da vivenda e seguiram directamente para o barracão recortado no escuro, cuja janela aberta deixava passar o clarão mortiço do lampião.
Quando Fabiano entrou, rapazes, mulheres e moças de aspecto pobre de trabalhadores, levantaram-se mostrando um ar de profunda comiseração nas faces.
Sobre um estrado de madeira estava um caixão de folha de zinco, de uns oito palmos de comprimento, coberto com punhados de flores.
Na cabeceira havia uma cruz de metal com Jesus crucificado, entre duas velas de cera enfeitadas com laços de fitas vermelhas nos castiçais.
Na extremidade inferior do caixão de zinco, havia uma coroa feita com rosinhas miúdas, brancas e vermelhas, entrelaçadas com "flores de noiva", goivos brancos e palmas de jardim.
Dela pendia uma fita roxa, em que alguém escrevera, num esforço heróico e com pó de ouro, o seguinte:
"A Verinha Saudades de Todos".
Num canto do paiol de forragem da fazenda, ardiam folhas de vegetais odorantes e alfazemas, numa tijela de barro improvisada como defumador. .
Fabiano achegou-se à caixa de zinco e ali ficou mudo e arrasado, num esforço incomum para conter as lágrimas.
Depois ergueu os olhos para os empregados e suas famílias, reconhecendo-lhes o preito afectivo, e o seu ar triste amainou-se um pouco.
Quase teve um sorriso de gratidão, quando exclamou, sinceramente comovido:
—Obrigado por tudo!
Isso ajuda um pouco!
—Descansou. Pobrezinha!
Depois de sofrer tanto! -- exclamou a mulher de João Baptista, com palavras enternecidas e a primeira em dar pêsames a Fabiano.
—E ainda há Silvano, leproso, caindo aos pedaços por aí, a esconder-se no mato como um cão!
A vida para mim não tem sentido, dona Leonilda; acredito que pouco valho neste mundo infame.
—Coragem, doutô Fabiano!
Deus sabe o que faz!
Quis reagir, escarnecer e refutar aquela ideia ingénua de que "Deus sabe o que faz", mas viu o rosário nas mãos das mulheres e a sua contrição em favor da alma de sua filha.
Que lhes ficasse aquela esperança de Verinha continuar viva, depois de toda carcomida ali naquele caixão.
Voltou-se para João Baptista, ao seu lado, confrangido, e pediu:
—Batista, me arranja um café forte com um pouco de pinga.
Enquanto seguiam para a cozinha do casarão, perguntou ao administrador:
E Silvano?
—Sumiu-se. Desta vez meteu-se pelo mato e não sei se volta para o leprosário.
Conforme doutor sabe, Verinha era sua vida e seu mundo!
Acho que depois dela morrer tudo se acabou para ele.
Que acha?
—Depois do enterro vamos procurá-lo; desta vez ele passa a morar na cabana de imbuia!
Num gesto desesperado, Fabiano deixou-se cair sobre a cadeira e pôs as mãos na cabeça:
—Por que nada posso fazer numa situação dessa? — indagou, como para si mesmo.
João Batista, na sua insuficiência intelectiva ali ficou parado, uns minutos, sem saber o que dizer.
Depois, inexpressivo, comentou:
—Há coisas piores, doutor Fabiano.
E curvando a cabeça, num gesto cortês, exclamou.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

SEMEANDO E COLHENDO - Atanagildo/HERCÍLIO MAES - Página 6 Empty Re: SEMEANDO E COLHENDO - Atanagildo/HERCÍLIO MAES

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Jun 29, 2021 6:32 pm

— Com licença?
Foi para a cozinha providenciar o café junto à cozinheira e dali a pouco voltava- com uma chocolateira fumegante, que pôs sobre a mesinha da sala numa bandeja de azulejos.
Abriu a porta de vidro da cómoda, retirou um litro de cachaça velha, "morreteana", e enchendo um cálice derramou-o no caneco de café.
Fabiano tomou um gole forte, que lhe queimou a garganta.
Recostou-se na poltrona, recomendando:
—João Batista, pode cuidar das coisas, que eu vou ficar repousando um pouco aqui na sala, para clarear a minha mente e ver o que farei amanhã.
Se precisar eu lhe chamo.
Quando João Batista abandonou a sala, ele se ergueu e reduziu a luz esbranquiçada do lampião belga, voltando à poltrona a bebericar mais goles de café acrescido de pinga.
Em seguida, passou a rememorar os acontecimentos de sua vida e a diferença de destinos, em comparação com os demais homens.
Aliás, ele fora o mais desventurado de toda a parentela.
O único estigmatizado, mesmo indirectamente, com o sinete da morfeia, além de perder muito cedo a sua companheira querida.
Sua mente recuou até o dia feliz do casamento; a igreja atapetada e de cada lado dos bancos pendiam buquês de copos-de-leite, cravos multicores e rosas entrelaçadas com ramos de avencas.
Fabiano seguia Marília em direcção ao altar, ela tão linda e faceira no traje de noiva com mil rendas e atavios de seda, enquanto o órgão tocava a tradicional "Marcha Nupcial", de Mendelsson, acompanhada .de um belo coro de vozes femininas.
Terminada a cerimónia retornara cingindo o delicado e esguio corpo de Marília, cuja fisionomia lembrava um anjo exilado na Terra.
Os olhos eram azuis como o céu límpido e os cabelos louros luziam à luz do sol com reflexos dourados, fazendo dela uma criatura irreal — uma flor raríssima no jardim humano.
Um ano depois nascia Silvano, guri robusto e atarracado, que parecia vender saúde por todos os poros, cujos traços firmes e resolutos revelavam o temperamento meridional de Fabiano, descendente de espanhóis.
Dois anos mais tarde surgia Verinha, boneca de porcelana com os olhos azuis e os cabelos louros de Marília, toda fragilidade e encanto na voz, no porte e nos gestos sempre tão meigos.
No entanto, Manilha jamais se recuperara do segundo parto.
Fenecia mês a mês exaurindo-se ante o menor esforço e subjugada por uma febre intermitente.
Em dia dolorosamente inesquecível o médico chamara Fabiano dizendo-lhe a verdade; Marília tinha pouco tempo de vida, pois era vítima de leucemia!
Meses depois ela estava deitada num esquife de seda azul-celeste, guarnecido de pingentes e bordados prateados.
As rosas mais lindas rodeavam-na como se fosse um enfeite de jardim.
Quando fecharam a campa, Fabiano teria estourado os miolos, se não fossem Silvano e Verinha, que espantados na sua meninice, olhavam para a caixa de tijolos e cimento, onde haviam fechado a mãe!
Fabiano sorveu uma longa baforada de fumo do cigarro e castigando-se naquelas recordações masoquistas, pôs-se a reflectir sobre o casal de filhos tão diferentes, no tipo e no temperamento, como eram Silvano e Verinha.
Pareciam dois namorados, em vez de irmãos.
Bastavam-se a si mesmos, numa vida de incessante euforia afectuosa.
Verinha corria pelos campos e apanhava florzinhas silvestres, trazendo pequeninos buquês a Silvano; este, por sua vez, trepava, lépido, pelas guabirobeiras e descia com o chapéu repleto de frutas cheirosas e douradas, misturando-as com as pitangas tão rubras como os lábios de Verinha, afogueada pela brincadeira.
Amavam-se e queriam-se tanto, a ponto de se sentirem molestados com a presença de criaturas estranhas, que se metiam em seus folguedos.
Fabiano considerava Deus um Ente mórbido e sarcástico, pois os acontecimentos mais trágicos de sua vida haviam sido emoldurados pela poesia e a beleza dos fenómenos naturais.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

SEMEANDO E COLHENDO - Atanagildo/HERCÍLIO MAES - Página 6 Empty Re: SEMEANDO E COLHENDO - Atanagildo/HERCÍLIO MAES

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Jun 29, 2021 6:32 pm

Soubera da doença de Marília quando se preparava para um dos mais belos fins de semana na "Fazenda das Magnólias".
Ela rói-a sepultada num dia de sol rutilante e primaveril de setembro.
Nos arvoredos próximos cantavam sabiás, rolas e azulões, de mistura com o gorjeio tremido das corruíras.
Quando surgiu o primeiro sintoma da doença nefasta de Silvano, os pessegueiros, as ameixeiras e macieiras floriam na fazenda inundando o ar de odores embriagantes.
Jamais pudera esquecer que um fato tão comum, fosse o início de irreparável tragédia!
Ele descansava na varanda do casarão, cercado de revistas, livros e álbuns da família, bebericando o melhor vinho brando da redondeza, quando Silvano e Verinha subiam a encosta de mão entrelaçadas e soltando algumas risadas divertidas.
Silvano tinha o cabelo preto e lustroso, os movimentos enérgicos, rápidos e decididos, exalando forças por todos os poros.
Verinha, a mimosa boneca de marfim translúcida de sempre.
Ela tinha o riso cristalino, a voz um pouco aguda e semelhante a de Marília; e se transfigurava, alegre, balouçando o corpo numa garridice faceira.
O maior encanto eram os olhos de um azul-celeste líquido à sombra das sobrancelhas finas e alouradas.
O negro Pereba e João Baptista assavam o churrasco do domingo e uma paca, presenteada a Fabiano por um dos empregados, enquanto Silvano, sempre prestativo e inquieto, pôs-se a ajudar ambos no assado.
A hora do almoço, João Baptista apontou-lhe os braços, exclamando, algo surpreso:
— Que é isso, Silvano? Parece que você se queimou, sem dar por isso!
Sob o espanto do rapaz e de todos, verificou-se que ele tinha as carnes dos braços queimadas até a altura do antebraço, mas não havia percebido tal acontecimento.
E o fenómeno ainda era mais estranho, porque há algum tempo Silvano vinha se queixando de hiper-sensibilidade nas carnes dos braços, que mal podia tocá-los.
Entretanto, o caso invertia-se; estava completamente insensível à dor.
Retornando à cidade de Curitiba, queixava-se amiúde dos braços, cada vez mais amortecidos, além de lhe surgir duas manchas pardacentas espalhadas aqui e ali.
A pele do rosto parecia mais grossa, o que preocupou Fabiano e o fez levar ao médico.
Como sempre lhe acontecia na vida, o céu estava azul e ensolarado.
A atmosfera vibrava suavemente sob a brisa provinda da Serra do Mar, quando o médico da família, após solicitar exame de sangue de Silvano, deu-lhe a aterradora notícia: o menino estava leproso!
A natureza abria-se em festas e alegria, para lhe dar um recado tão cruciante.
Então aquele menino lépido, sadio de corpo e animado de espírito, companheiro inseparável de Verinha, apodreceria dia por dia corroído pelo mal de Hansen, malgrado o vigor e a resistência que lhe eram peculiares.
O seu rosto saudável e corado, algum tempo depois revelava a tradicional "face leonina" própria do leproso.
O nariz, as bordas dos olhos e as orelhas intumesciam-se e também aumentava o tamanho dos dedos das mãos e dos pés, enquanto Silvano olhava-se no espelho, estarrecido de sua incompreensível e gradativa fealdade.
A doença minava-o celeremente contrariando todos os prognósticos médicos, parecendo ter pressa de lhe destruir o corpo viçoso.
Naquela época ainda não existiam as sulfonas na forma do "Promim", e o tratamento habitual da morfeia era feito à base de óleo "chalmoogra" ou de sapucainha, além do óleo indiano.
Não era mais possível segregar Silvano na fazenda das Magnólias, pois devido às denúncia da vizinhança, Fabiano viu-se obrigado a internar o rapaz no leprosário S. Roque, nas adjacências de Curitiba, retornando para casa com a alma em frangalhos.
'Mas Silvano fugia habitualmente para alcançar a fazenda nos fins de semana, na ansiedade de ver a irmã adorada, que o julgava internado num colégio, em S. Paulo.
Num domingo aziago, Verinha burlou a vigilância de Pereba, descendo para a clareira de guabirobeiras, onde vivera momentos de tanta alegria e divertimento junto com o irmão.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

SEMEANDO E COLHENDO - Atanagildo/HERCÍLIO MAES - Página 6 Empty Re: SEMEANDO E COLHENDO - Atanagildo/HERCÍLIO MAES

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jun 30, 2021 7:12 pm

Quis o destino que o infeliz rapaz, quando subia a encosta, às escondidas, desse de chofre com Verinha, não podendo esconder o rosto desfigurado e repulsivo.
Após o assombro de reconhecê-lo todo deformado, Verinha deu um grito lancinante
desfaleceu, caindo ao solo num baque surdo.
Assustado, Silvano correu em direcção à moradia gritando por socorro; mas vislumbrando a própria situação, desapareceu mata a dentro em desabalada carreira na direcção do leprosário.
Dali por diante, lembrava-se Fabiano na sua trágica memorização, sumira-se a alegria e a vontade de viver de Verinha.
Ela acordava à noite aos gritos aflitivos e corria a soluçar sobre o leito de Silvano, cuja realidade ainda lhe parecia pior que os pesadelos!
Definhava, pouco a pouco; mal tocava em alguns bocados de pão ou molhava os lábios num copo de leite.
A pele, anteriormente de uma cor de pérola azeitonada, perdia
viço e também apagava-se o brilho celeste dos seus olhos azuis tão meigos.
Consolava-se um pouco nas adjacências das guabirobeiras, na esperança de encontrar Silvano.
Ignorava que Fabiano mandara redobrar a vigilância no leprosário, impedindo o menino de qualquer outra fuga, pois estava cada vez mais desfigurado e se mostrava altamente contagioso.
Ao entardecer de um domingo formoso, Fabiano retornava com Pereba da barranca do rio Iguaçu, quando encontrou Verinha lavada em lágrimas sentidas.
Sentou-se, junto dela, e pegando-lhe a mão num gesto de paternal ternura, falou-lhe com um doloroso espasmo na garganta:
—Não chore, Verinha!
Só você me resta.
Não me deixe assim sem o seu carinho confortador.
Ajude-me a suportar as desgraças de minha vida, querida!
—Pai! Eu vi Silvano, hoje!
Ele fugiu de mim, mas ainda pude ver-lhe o rosto deformado e ele escondia as mãos de mim!
Dobrou-se toda sobre o colo do pai, num choro convulso.
—Onde você o encontrou?
Eu não quero vê-lo por aí, jogado.
Não deve sair do leprosário, onde está protegido e em tratamento.
Verinha cessou de chorar e teve um sorriso amargo; e apesar de sua pouca idade, no limiar da puberdade, exclamou numa ironia de adulto:
—Quem pode dar a Silvano a alegria e o desejo de viver sem mim?
Ontem, de longe, ele dizia que precisava ouvir minha voz e saber de minha felicidade, para ter forças de viver.
E disse que não seria desventurado, mesmo leproso, se eu pudesse estar perto dele.
Por que Deus também não me deixou doente da lepra?
Fabiano sentiu-se abalado em todas as fibras da alma, ante aquela veemência fraterna.
Era uma renúncia deliberada e pura por todos os bens do mundo, em troca do afecto de irmão.
—É impossível, querida!
Você não pode permanecer junto a Silvano.
A doença é terrivelmente contagiosa.
Isso em nada aliviaria a nossa desdita.
Tenha ânimo, Verinha, seja coerente, pois não existem palavras para expressar a dor atroz que me oprime.
Eu vivo somente para você!
Ajude-me, por favor!
E abraçara a filha num amplexo desesperado, dizendo, depois, num tom dramático que fê-la surpreender-se:
— Se você me faltar acabarei com a minha vida!
Levantando-se, pedira carinhosamente:
— Onde está Silvano?
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

SEMEANDO E COLHENDO - Atanagildo/HERCÍLIO MAES - Página 6 Empty Re: SEMEANDO E COLHENDO - Atanagildo/HERCÍLIO MAES

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jun 30, 2021 7:13 pm

Precisamos encontrá-lo, isso é para o bem dele, Verinha.
—Ele fugiu de mim, pai!
Corri atrás dele, mas fugia cada vez mais depressa descendo a encosta para o lado do rio
sumindo-se no milharal.
Fabiano pensava regressivamente no seu passado doloroso.
Não existia maior infortúnio do que o seu destino.
A desgraça infiltrara-se na sua vida tranquila e feliz, ferindo-lhe
lar onde havia compreensão, amor e encanto.
Depois da morte de Marília e da morfeia de Silvano, eis que sentira a alma novamente ferida num indefectível domingo prenhe de sol e júbilo.
Havia regressado do leprosário, onde fora visitar Silvano, quando estranhou a ausência de Verinha, no apartamento, indagando a Maria, a empregada:
—Verinha?
—Está deitada, com muitas dores nos braços.
—Dores nos braços? — retrucara Fabiano, com voz trémula e assustada, que Maria se impressionou.
—Ela diz que nem pode tocar nas carnes dos braços.
Sentira o coração saltar-lhe do peito.
Seria a hiperestesia da doença tão cruel?
Salvo se fossem dores reumáticas, porém Verinha era tão moça!
Infelizmente, na vida real as coisas acontecem de modo fatal e ninguém pode modificar o traçado do destino humano.
Algum tempo depois Fabiano ficara em pânico, ao verificar que Verinha fritava ovos expondo os braços aos vapores chamejantes, mas sem acusar qualquer sensibilidade.
E seu terror aumentara, quando lhe chamou a atenção as próprias palavras da filha, ditas com a maior naturalidade:
—Engraçado, pai!
Antes eu não podia tocar nos braços.
Sentia as carnes completamente doloridas.
Agora não sinto nada, quer ver?
E para confirmar a explicação, havia espetado uma agulha até a metade na carne insensível e pardacenta pela necrose superficial.
A lepra impiedosa e aterradora atacou Verinha com incrível rapidez.
Boneca frágil e de pouca resistência orgânica, logo lhe escureceu a pele.
Desfigurou-lhe o belo rosto, o nariz, as orelhas, os dedos das mãos e o dorso dos pés.
Ela já não podia mais calçar os delicados sapatos de Cinderela, ficando segregada em casa até Fabiano construir uma cabana de imbuia, junto às guabirobeiras, na fazenda das Magnólias, dotada de todo o conforto e esplendor dignos de uma princesa.
Ali deixou Verinha, em segredo e sob os cuidados de Pereba, negro de coração de anjo, que adorava a patroazinha e prometera, despreocupado:
—Deixe que eu cuido de Verinha, doutô Fabiano.
Eu não pego doença alguma pois até a morte foge de mim!
E teve um sorriso ingénuo, com os olhos rasos de lágrimas.
E acrescentou:
— A Luzia, minha filha mais velha, que é como eu, cuida da menina no que precisar.
Silvano, em nova fuga do leprosário, conseguira descobrir a irmã leprosa na cabana de imbuia.
Isso deu-lhe a condição vantajosa de a ver sem temor do contágio.
Paradoxalmente, a infelicidade de Verinha transformara-se em ventura para Silvano, que às ocultas, sob a conivência de Pereba, o leal amigo de sempre, podia visitar a irmã venerada.
A vizinhança logo descobriu o encontro dos dois irmãos leprosos na cabana e denunciou à fiscalização sanitária, que exigiu o imediato recolhimento de ambos ao leprosário.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

SEMEANDO E COLHENDO - Atanagildo/HERCÍLIO MAES - Página 6 Empty Re: SEMEANDO E COLHENDO - Atanagildo/HERCÍLIO MAES

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jun 30, 2021 7:13 pm

Entretanto, isso não fora preciso.
A sina dolorosa de Fabiano parecia chegar ao fim, porque Verinha sumia-se, hora a hora, consumida pela morfeia que já lhe corroía as entranhas.
Aliás, logo depois da intimação para recolhimento de Verinha, Fabiano recebera a participação de sua morte.
E a diligência .sanitária só encontrou um cadáver para ser sepultado.
Fabiano ainda estava imerso em suas recordações trágicas, quando sentiu baterem de leve, na porta da sala de jantar ,onde repousava.
Deu conta de si e ouviu, outra vez, as rezas e as ladainhas das mulheres orando no velório de Verinha.
Ele era um homem rijo e duro, mas tinha o direito de chorar em silêncio, sozinho e sem ninguém ver.
Limpou o rosto, às pressas, e indagou, envergonhado:
—Quem é?
—Batista!
—Entre.
—O senhor quer comer alguma coisa?
Passa da meia-noite e alguns vão dormir um pouco.
Seu quarto está pronto e todo arrumado.
Deixe que nós velamos a menina.
—Obrigado, Baptista!
Não desejo nada. Ficarei acomodado aqui mesmo e chamarei se precisar.
No dia seguinte Verinha foi sepultada na própria fazenda por consentimento das autoridades.
Fabiano convocou Pereba e todos os peões, exclamando:
—Não precisam mentir; sei que Silvano está no mato, desesperado com a morte da irmã.
Não voltará para o leprosário.
Não quero deixá-lo viver como um cão surrado por aí, morrendo aos poucos. Silvano vai morar comigo nesta casa,
juro pela minha barba de homem de bem, que meterei uma bala no crânio do primeiro fiscal sanitário metido a valente.
E num sorriso onde traía certo vislumbre de perturbação, completou:
—Talvez eu também fique leproso; então seremos dois a defender-nos!
Pereba coçou a cabeça, meio confuso e apreensivo com o tom de voz do patrão. Todos os empregados se entreolharam, temerosos de viverem mais tarde sob o comando de Fabiano
Silvano, dois leprosos!
A seguir, dividiram-se em grupos, que sumiam-se por aqui e por ali, cautelosamente, sem muito ânimo de se arriscarem ao contágio perigoso da lepra.
Evidentemente, estavam mais preocupados em espantar Silvano do que trazê-lo para a fazenda.
Fabiano desceu para a margem do rio Iguaçu, com João Baptista, e, súbito, sem qualquer justificação, deu uma gargalhada longa, exclamando:
—Olha só, Batista, hoje nós somos caçadores de leprosos!
Onde foi que já fizemos isso?
E riu, novamente, um riso histérico, frenético, deixando o capataz receoso, para logo desaparecer pelos atalhos e lajeados escorregadios do orvalho da manhã.
Ao entardecer, Pereba encontrou o corpo de Silvano, caído de borco sobre as lajes do riacho de Morungava.
A queda contra o lajeado devia ter sido violenta e Pereba calculou que o rapaz perdera o controle na descida da encosta, movido pelo desespero de fugir sem rumo, pois tinha o crânio fracturado à altura da nuca, como se tivesse caído de costas.
A noite repetiu-se a mesma cena anterior.
O caixão de zinco coberto com flores de jardins modestos.
A coroa feita de cravos vermelhos e palmas, com o dístico borrado numa fita roxa:
"Ao Silvano saudades dos amigos de sempre."
Apenas o guardamento agora era feito na sala de frente da vivenda.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

SEMEANDO E COLHENDO - Atanagildo/HERCÍLIO MAES - Página 6 Empty Re: SEMEANDO E COLHENDO - Atanagildo/HERCÍLIO MAES

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jun 30, 2021 7:13 pm

As mulheres piedosas desfiavam o rosário num "miserere nobis". lamentoso, enquanto Fabiano, sentado no varandão da frente e •na meia escuridão, curtia a última tragédia de sua vida; seus olhos estavam secos de chorar durante a noite.
Depois de enterrarem Silvano junto a Verinha, ele mandou os empregados descansarem e dispensou até Nha Matilde, a cozinheira.
—Quem vai fazer comida para o doutor?
—Pode ir, dona Matilde.
Eu vou beliscar por aí e preciso pôr em dia uns documentos e contas da fazenda.
Amanhã devo voltar para a cidade.
Em seguida fechou-se no casarão e até ao anoitecer tratou de regularizar uma série de documentos.
Quase ao bater oito horas da noite, Pereba ouviu um estrondo na vivenda; correu com a alma em pânico e voltou berrando, para fora:
—Acudam gente!
Doutor Fabiano se matou!
* * *
Enquanto Fabiano desertava do mundo sob o peso do desespero e da desgraça, recuamos um pouco no espaço e no tempo até a cabana, onde havia terminado de agonizar Verinha assistida por Silvano inconsolável por perder o único motivo de sua vida infeliz.
Súbito, sem que ele pudesse perceber, a cabana clarificou-se sob a mais extasiante refulgência para a visão humana.
No seio da massa de luz verde-seda e esbatida de prata, formando um leque rendilhado de filigranas carmins, surgiu majestoso espírito, alto de porte, a fisionomia morena e tostada do sol, adornada por olhos esverdeados e fulgurantes.
Cobria-lhe a cabeça magnífico turbante de seda cor de topázio, encimado por magnífica pedra de rubi.
A fronte estava envolvida por um halo de luz suave lembrando o matiz do ouro velho. Vestia um manto principesco de bordados e volutas argênteas sobre o tecido sedoso cor de azul-safira.
Debaixo do manto luminescente surgiam a túnica de um branco puro, cingido por uma larga faixa cor de cereja madura e calções presos um pouco acima dos tornozelos pelas botas pequenas, em tom de suave castanho.
A entidade curvou-se cariciosamente sobre Verinha e estendeu a destra até a fonte de Silvano, que pousava o rosto entre as mãos deformadas molhando-as de lágrimas sentidas.
O rapaz ergueu a cabeça, como se tivesse pressentido o generoso toque espiritual afectivo.
Neste momento, junto à porta da cabana, postaram-se outros três espíritos, traindo a mesma procedência oriental em face dos trajes singulares.
O árabe majestoso fez-lhes sinal e os dois mais moços, cujos calções de seda azul-celeste também eram presos por botinhas da cor de havana, aproximaram-se ladeando o leito funerário.
Em seguida, erguendo os braços meio palmo acima do corpo chagado de Verinha, movimentou as mãos de um modo ondulante e suave, despedindo fluidos que iam desde o matiz verde-malva até o esmeralda, com fulgurações alaranjadas.
Em poucos minutos o perispírito de Verinha emergia acima do corpo carnal, e, num impulso espontâneo surpreendente, deixou a posição horizontal e pôs-se de pé à sua própria cabeceira.(3)
O árabe sorriu, satisfeito, e seus olhos esverdeados como os de um felino mostravam-se dóceis e amorosos; depois, efectuou diversas operações magnéticas, impossíveis de explicarmos satisfatoriamente aos leitores.
Sob o impacto de raios e relâmpagos, que partiam do perispírito de Verinha, desintegravam-se todos os chacras ou centros vorticosos energéticos do duplo etérico, cuja energia etéreo-física sumia-se absorvida no próprio ambiente.
A atmosfera ficou radiante, como se tivesse sido saturada por milhares de estrelas miúdas e fosforescentes.
Aina podia-se perceber o duplo-etérico apagadíssimo, que oscilava e esvaía-se do energismo do meio ambiente.
Em poucos minutos tinham sido desligados os cordões umbilical e o esplénico.
Verinha permanecia erecta, com um terno sorriso a lhe curvar o canto da boca bem feita, embora se conservasse de olhos fechados.
Após vigorosos passes longitudinais, ela pareceu despertar acusando forte incómodo, semelhante à ave que ao tentar alçar o voo é impedida pelo peso das próprias asas.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

SEMEANDO E COLHENDO - Atanagildo/HERCÍLIO MAES - Página 6 Empty Re: SEMEANDO E COLHENDO - Atanagildo/HERCÍLIO MAES

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jun 30, 2021 7:13 pm

O árabe refulgente juntou as pontas dos dedos na base do cordão prateado, no nível do cerebelo, os quais tremeluziam em fulgurações ou centelhas coloridas e ligeiras nuanças para a tonalidade do aço.
— Verinha! Verinha! Desperta! — exclamou ele numa voz persistente, que vibrava num diapasão hipnótico.
Pouco a pouco Verinha tomava conhecimento de si mesma.
Os lábios arquearam-se num sorriso confiante e fitando o benfeitor, pareceu reconhecê-lo pelo ar de gratidão.
— Vamos, Verinha!
Desligue você mesma o prateado.
Eu cooperarei. Vamos!
Você já fez isso antes!
Faça-o novamente! Mentalize o expurgo tóxico para o "mata borrão" do corpo carnal.
Você precisa se libertar limpidamente! Vamos!
Estendeu os braços em direcção a ela e desta vez fluíram-lhe pelas pontas dos dedos crepitações alaranjadas fulgurantes.
Verinha fechou os olhos e já mostrava nítida a sua configuração perispiritual.
O éter-físico do duplo etérico estava quase todo desvanecido.
Era um espectáculo surpreendente ver-se a menina fulgir esbatida por mil cores lucíferas, surgindo e desaparecendo no seio da massa de luz ofuscante.
Em seguida, com um grande esforço de concentração, ela atraiu e enfeixou todo o fluido projectado pelas pontas dos dedos do árabe.
Logo a massa cor de rosa com revérberos esbranquiçados atingiu um tom de carmim puro e convergiu despedindo faíscas na base perispiritual do cordão prateado, à altura do cerebelo, lembrando as centelhas que saltam do rebolo de pedra, quando o afiador afia instrumentos de aço.
A menina entrecerrou os olhos e o semblante tomou um aspecto severo, mas com certo ar de triunfo.
— Bem, agora vou ajudá-la, querida! — exclamou Ben Hamuh, colocando-se atrás dela e focalizando ambas as mãos sobre a região do bulbo-cerebral.
Fez sinal aos dois companheiros, a fim de ampararem Verinha pelos braços, e comandou sugestivo:
— Atenção, Verinha!
Suavize a mente!
Inunde-a de azul-celeste.
Absorva-se na fragrância do jasmim ou da flor que você mais aprecia e desprenda-se dos grilhões da carne.
Sua alma agora paira acima das formas físicas.
Você voa na tranquilidade de um céu límpido, como a gaivota no seu longo voo sereno.
Você é uma ave batendo asas na amplidão cerúlea do firmamento e mergulha num mar de arminho rosado, flutuando na doce paz espiritual!
Quando viu nas faces da menina um ar de serenidade e gozo espiritual, acenou para os companheiros e ambos, num só golpe e impulso, descolaram o cordão prateado luminoso, cuja parte mais densa foi absorvida imediatamente pelo corpo físico.
Verinha levou um choque e seu perispírito oscilou sob forte trovoada que lhe ribombou na mente.(4)
Abriu os olhos, entontecida e arfou como o pássaro livre da prisão, caindo venturosa nos braços do árabe.
E ali ela se acomodou, como a ave fatigada depois de um longo voo!
—Obrigado, mestre Hamuh, por ajudar-me a voltar tão rapidamente, — exclamou num suspiro de satisfação.
—Isso foi graças a você mesma, Verinha!
O seu auxílio consciente evitou-nos processos embaraçosos, dolorosas providências e desperdício de tempo na drenação tóxica.
Ajudou-nos com a mente positiva. Não é tão difícil desencarnar, quando já vivemos na matéria os princípios superiores da vida imortal!
Sentindo-se recuperada das energias espirituais, Verinha voltou-se para os dois jovens, ao lado do árabe, cujas auras eram de menor intensidade luminosa.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

SEMEANDO E COLHENDO - Atanagildo/HERCÍLIO MAES - Página 6 Empty Re: SEMEANDO E COLHENDO - Atanagildo/HERCÍLIO MAES

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jun 30, 2021 7:13 pm

—Oh! — disse ela, garrula e jovial.
Vocês, também, estão aqui?
Naquele momento, surgiu à porta outro espírito amorenado, tipo de beduíno do deserto, corpo volumoso e ar pachorrento, que se pôs a olhar timidamente para Verinha.
—Você, Shamed? — exclamou ela, numa voz admirativa e travessa.
Não podia deixar de vir, princesa!
E o beduíno curvou-se até o solo num imponente gesto de cortesia.
—Bobo! — brincou Verinha.
Deixa de salamaleques.
Não seja tão tradicionalista!
Princesa, princesa, que retorna da purgação morfética?
—Princesa quis viver morfética, na Terra, por amor de alguém!
O beduíno cruzou as mãos no peito, tornando a curvar-se„ gentil e maneiroso.
—Lisonjeiro! — E avançando até o beduíno, cuja fisionomia luzidia mostrava um ar de fidelidade canina, ela o beijou no rosto.
Comovido, ele caiu de joelhos e beijou-lhe as mãos.
Verinha ficou meio embaraçada, mas como rissem todos, o próprio beduíno falou:
—Não liguem; para mim será sempre a princesa!
A mais. bela recordação de minha ascese espiritual.
Então a menina pareceu dar conta de si, pois circundando o olhar em torno, fez um gesto aflito.
—Onde está Silvano? — indagou ansiosa.
—Um pouquinho de calma, menina. — Retrucou o árabe num tom brincalhão.
Se você se acomodar um pouco, logo poderá vê-lo.
Estendeu a mão para a direita e traçou longos passes no ar, como se rasgasse algum véu invisível.
Enquanto a fulgência de luz se reduzia em redor de todos, Verinha, comovida, deparou com o seu corpo material estendido no leito da cabana, entre duas velas trémulas.
Ao lado estava o querido irmão arrasado por sua tremenda dor.
Sua mente tumultuava.
Ele fazia mil projectos de auto-destruição, fixando o cadáver da irmã, sem parecer vê-lo.
—Quanto tempo faz que voltei da carne? — solicitou Vera, surpresa.
—Sob a convenção dos cronómetros terrenos, há menos de dez minutos! (5) explicou-lhe o árabe, sorrindo.
Sério e impressivo, esclareceu:
— Os que sabem viver e amar na Terra, podem deixar o corpo de carne em tempo mais rápido do que precisa um pássaro para achar a saída da gaiola aberta.
Verinha curvou-se e abraçou Silvano com veemente ardor espiritual, ditando-lhe palavras confortadoras e amorosas aos ouvidos perispirituais.
Ele chegou a erguer os olhos para o alto, como se de cima lhe fluísse aqueles pensamentos e intuições sedativas.
—Silvano sofre muito! — considerou Verinha.
Que podemos fazer?
—Por enquanto nada, querida.
Tenhamos um pouco de paciência e o seu próprio desespero talvez o conduza brevemente para nós.
Vigie-o atentamente, Shamed.
Enquanto -o beduíno fazia um gesto de compreensão, o árabe voltou-se -para os dois rapazes, a seu lado, ordenando-lhes:
— Activem-lhe o mecanismo do sono.
Vamos ganhar tempo e pensar no meio de ajudá-lo para não desperdiçar a prova derradeira.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

SEMEANDO E COLHENDO - Atanagildo/HERCÍLIO MAES - Página 6 Empty Re: SEMEANDO E COLHENDO - Atanagildo/HERCÍLIO MAES

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jun 30, 2021 7:14 pm

Os moços curvaram-se para Silvano, cingindo-lhe a fronte
o occipital, e iniciaram uma série de operações magnéticas, activando-lhe a produção de ondas de sonolência, que surgiam indisciplinadas e intermitentes na região do bulbo cerebral, para convergirem na forma de "espirais invertidas" até sincronizarem-se nos lobos frontais do cérebro.
Dali a pouco Silvano pendia a cabeça, quase tombando sobre o corpo gélido da irmã.
Cedo, acordou-se com o barulho de estalidos na mata, reconhecendo a voz de negro Pereba.
Deu conta de si e do cadáver de Verinha, sentindo-se tomado por um desespero incontrolável, pois julgara acordar-se de terrível pesadelo.
Quase ensandecido pela dor ante a realidade, voltou-se, agressivo, quando Pereba surgiu à porta e recuou, instintivamente, saltando para fora e desaparecendo mata a dentro.
Na correria alucinada e sem rumo, rasgava as carnes nos galhos acerados, espinhos das sebes e farpas de troncos apodrecidos.
Porém, a dor não lhe feria as carnes insensíveis.
Só o espírito exaurido pelo sofrimento recalcado no subconsciente ateava-lhe o desejo louco de libertar-se do fardo humano.
Batia nas árvores, gritava e soluçava, caindo nos caminhos escorregadios, enfraquecido pela fome e pela sede, pois não se alimentava há muito tempo.
Enfim, desfaleceu.
Ao entardecer, acordou-se, percebendo outra vez a mórbida realidade e levantando-se febril e fraco, com a garganta ressequida pela sede.
Lá embaixo, depois de um declive perigoso, corria tranquilo o riacho Morungava, cuja água cristalina brilhava à luz do Sol filtrado por entre a ramagem das árvores.
Trôpego e entontecido, Silvano arremeteu em direcção à fonte de água, impelido encosta abaixo pelo próprio desespero; entretanto, descontrolou-se na descida violenta e ao atingir o riacho tombou de joelhos sobre as folhas orvalhadas, escorregou velozmente pelo limo do chão, e tentou levantar-se num esforço supremo, movido pelo instinto de conservação.
Mas volteou o corpo num corrupio inesperado e foi cair alguns passos além, de costas, batendo violentamente a cabeça sobre o lajeado.
O seu corpo deslizou e chegou a tocar com o rosto na água límpida, manchando-a, pouco a pouco, com o sangue vermelho-rubro a verter pela profunda ferida feita na base do crânio.
Julgando despertar, não podia lembrar-se do tempo que ali ficou tombado.
Embora confuso da situação, percebeu os braços vigorosos a erguê-lo e a levarem-no a algum lugar.
Um vento frio mexia-lhe os cabelos e aliviava um pouco a febre escaldante.
Talvez ficara cego na queda, pois não enxergava coisa alguma, e apenas ouvia vozes, como num sono letárgico.
Mais tarde, ao abrir os olhos sentiu imenso alívio, quando verificou que se encontrava em pequeno aposento, cuja pintura azul suave parecia fosforescente.
Moveu-se com dificuldade, identificando o leito, a pequenina cómoda ao lado, com uma jarra de água rosada.
Havia, também, um par de cortinas verde-claro, decorando a única janela existente.
Na parede, defronte, divisou um quadro onde refulgia a figura de um árabe de rosto audaz e imponente.
Os olhos esverdeados impunham temor e ao mesmo tempo irradiavam meiguice.
Silvano ainda sentia os efeitos dolorosos da queda e da exaustão vital nas lajes do regato; mas a dor era suportável, como se tivesse acontecido só na alma e não fisicamente.
Distinguiu à esquerda do seu leito o braço de uma poltrona estofada, em cor cinza, e logo assustou-se ouvindo alguém tossir.
Ao seu lado estava uma criatura lendo algumas revistas de estranha luminosidade e interessante, porque as figuras saltavam num processo de terceira dimensão.
Era um beduíno gordo, bochechudo e de rosto lustroso, cuja roupa de listras brancas e castanhas devia ser de seda luminescente.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

SEMEANDO E COLHENDO - Atanagildo/HERCÍLIO MAES - Página 6 Empty Re: SEMEANDO E COLHENDO - Atanagildo/HERCÍLIO MAES

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jun 30, 2021 7:14 pm

Das orelhas pendiam dois brincos em forma de meia-lua.
Ele tinha os olhos miúdos e apertados no rosto amplo, porém, inofensivos e amistosos, confirmando o ar bonachão e humilde.
—"Salan Aleikun" — disse-lhe o beduíno, cuja palavra Silvano nunca ouvira, mas lhe parecia surpreendentemente familiar.
E ficou mais espantado pela própria resposta inesperada:
—"Aleikun essalãn". (5-A)
O beduíno sorriu, assentindo com a cabeça e demonstrando grande satisfação.
Silvano, movido por alguma intuição estranha, apontou o retrato do árabe na parede, indagando:
—Quem é ele?
beduíno primeiramente arregalou os olhos, surpreso, mas depois reconsiderou que o rapaz ainda não estava de posse de toda a sua consciência espiritual.
"Sahhed", não se lembra? — replicou, atencioso.
Levantou-se, curvou o corpo, pondo a mão na testa e fez uma longa mesura antes de dizer:
—Salve "Thaleb" Hamuh!
O santo dos santos! (6)
Silvano sentia-se acicatado por fugazes recordações.
Não podia identificá-las pela consciência em vigília.
Tinha a convicção de que lhe era familiar a figura imponente e majestosa do árabe sob a estranha refulgência de luz.
—Isto é hospital ou residência particular? — disse movendo as mãos significativamente.
Só então, ficou boquiaberto, estático e confuso, ao reparar que as mãos estavam limpas e os dedos perfeitos.
Temerosamente levou a destra à orelha e o beduíno adivinhou o resto.
Retirou um espelho ovalado, debaixo dos livros, e colocou em frente a Silvano.
Ele se mirou, estupefacto, e ergueu o espelho por várias vezes, ao nível do rosto e ficou revendo-se num gozo feliz.
O seu rosto era belo e sadio.
A pele limpa sem quaisquer manchas ou cicatrizes da terrível morfeia!
Quase sem fala, deixou cair o corpo no leito, num afrouxamento de nervos e alívio venturoso.
Apalpou-se, novamente, tornou a elevar o espelho, outra vez, mirando-se eufórico e beliscando-se satisfeito por sentir dores.
—"Allahus Akbar", — exclamou, intempestivamente, após um grande suspiro de alívio.(7)
— Que pesadelo horrível eu vivi!
E, num gesto familiar, voltou-se para o beduíno, dizendo, um pouco distraído:
— Imagine o meu sonho tenebroso!
Eu era morfético e assistia a morte de minha irmã Verinha, corroída pela lepra!
De repente arregalou os olhos, surpreso, e apontando o beduíno indagou:
—Qual é o seu nome?
—Shamed!
—Ah! Como é que eu pressentia isso?
O beduíno levantou-se da poltrona, mostrando a Silvano a sua figura atarracada e volumosa, enquanto disfarçava um sorriso misterioso:
—Hum! Hum! — respondeu, sibilino.
Talvez "sahhed" conheceu-me antes do terrível pesadelo de "viver leproso na carne!" Que diz?
Silvano sentiu um forte estalo no cérebro, sob o choque de veloz associação de ideias no seu mecanismo mental provocado pelas palavras intencionais do beduíno.
Commumente, às almas que sofrem expurgos violentos de suas toxinas perispirituais, como no caso da lepra, o corpo físico funciona igual a poderoso "mata-borrão" enxugando as impurezas do espírito desencarnado.
Tal acontecimento ou purgação rápida favorece a emersão das recordações do passado reajustando o ser ao novo ambiente onde passa a actuar.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

SEMEANDO E COLHENDO - Atanagildo/HERCÍLIO MAES - Página 6 Empty Re: SEMEANDO E COLHENDO - Atanagildo/HERCÍLIO MAES

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jun 30, 2021 7:14 pm

Silvano viu-se rapidamente de posse de toda a memória sideral, inundando-o de júbilo, ao reconhecer-se liberado da carne após a prova cruciante da lepra e livre dos charcos purgatoriais do astral inferior.
—Quer dizer que você é Shamed? — indagou, confuso.
—Evidentemente! — respondeu o beduíno movendo o corpanzil até o leito e apertando o rapaz num longo abraço afectuoso, próprio de velhos companheiros ao se reverem após longa ausência.
—Sem dúvida, ainda continua no cargo de "despertador"? — indagou Silvano, com ar travesso.
—E sem campainha! — glosou o companheiro, sorridente.
Silvano quedou-se, comovido, e ergueu os olhos para o quadro do árabe fulgurante, demorando-se a fitá-lo, num sentimento de profunda reverência espiritual.
Em seguida, exclamou, numa voz trémula e profundamente comovida:
—Hamuh! "O Chansseddin"!...
Salve, Mestre!(8)
E voltando-se para o beduíno, perguntou-lhe:
Ainda não abandonou o "cascão"? (9)
-- Não! Hamuh ainda permanece em "cascão", enfrentando as dificuldades e os sacrifícios de sempre.
Generoso, estóico e amoroso é um anjo; mas pela sabedoria e poder é também um sábio!
Ajuda-nos, sempre, independente de nossas ingratidões e teimosias.
Ultimamente acentuou-se a necessidade dos repousos energéticos mais freqüentes.
E o beduíno fez um gesto pesaroso, lamentando-se, em seguida.
— Creio que em breve não poderemos vê-lo, mas apenas senti-lo!
O desgaste é cada vez mais severo.
—E Verinha? — suspirou Silvano.
Como poderei pagar-lhe tudo?
Sem ela eu teria me suicidado outra vez, não é assim?
Quando o Senhor me concederá o ensejo de indemnizá-la de tantos sacrifícios, ternura e amor tão imaculado?
Seria o meu terceiro suicídio, não é mesmo?
—Seria a terceira vez, caro mano! — atalhou Shamed.
Bem, você não goza do mérito absoluto de desencarnação pacífica na última existência, e por pouco teria de passar pelos charcos!
Movendo o seu corpo amplo pelo aposento e juntando as pontas dos dedos, o beduíno acrescentou num ar de profunda reflexão:
Sabe, "sahhed", que por ordem de Hamuh tive de "empurrá-lo" um pouquinho sobre as lajes do riacho?
Ajudei-o naquele corrupio!
Sorriu, matreiro e depois rogou com certa bonomia:
— Desculpe-me o empurrão, caro Silvano ou querido El Zagreb!
E curvou-se, gentil.
—Por que? — surpreendeu-se Silvano.
—Hamuh previu que se você passasse o lajeado, sob aquele desespero incontrolável, poderia destruir-se deliberadamente, com graves danos para sua organização perispiritual.
Muitas criaturas tiveram um bom "começo" de vida ou mesmo um bom "fim" de vida, graças a um simples empurrãozinho! — glosou Shamed, sem esconder a malícia nos olhos.
Silvano estava sério.
Contudo, apercebendo-se dos acontecimentos da própria desencarnação, rompeu numa risada Feliz, replicando num tom de desforra:
— Estamos quites, Shamed!
Se não me falha a memória sideral, eu também já lhe dei um ligeiro empurrão naquela existência da Pérsia. Lembra-se?
— Hum! Hum! — fez Shamed.
O que é a vida!
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

SEMEANDO E COLHENDO - Atanagildo/HERCÍLIO MAES - Página 6 Empty Re: SEMEANDO E COLHENDO - Atanagildo/HERCÍLIO MAES

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jun 30, 2021 7:14 pm

E suspirou erguendo os ombros com displicência.
— O importante é que o epílogo seja conciliador, não é assim?
Desculpe-me!
E saiu do aposento, retornando minutos depois quando então refulgiu ali uma luz intensa rosa-lilás.
********
Não pretendemos alongar esta história verídica ocorrida no Brasil e possivelmente identificada por alguns dos leitores mais idosos, que tiveram ciência desses acontecimentos desventurados.
Mas é nossa obrigação explicar os motivos de sua origem.
De princípio, queremos externar a nossa gratidão ao espírito de Mohamed Al Zarah, actual chefe do "Departamento de Fichas Cármicas" da comunidade espiritual "Oásis do Coração", situada na região astralina do Líbano e da Síria, o qual, além de permitir-nos acesso aos arquivos da linhagem espiritual dos protagonistas, ainda nos forneceu esclarecimentos necessários para justificar o enredo e atender ao interesse espiritual dos leitores.
Em face do importante papel reservado ao Brasil, na divulgação do Espiritismo no século XX, muitos cooperadores de Allan Kardec já se encontram encarnados no vosso país, inclusive os principais personagens desta história, convocados para a divulgação sensata da doutrina.
Em geral, quase todos os trabalhadores espíritas são egressos do Oriente, porque a filosofia oriental é a verdadeira fonte dos ensinamentos da Lei do Carma e da Reencarnação.
India, Egipto, Caldeia, Assíria, Arábia e mesmo a Grécia, são fontes da maioria dos conhecimentos filosóficos, aceitas actualmente pelos brasileiros compondo a raça mais fraterna e intuitiva da Terra.
Silvano, Verinha, Manlia e Fabiano, são companheiros e componentes de um grupo de espíritos que vêm. ascensionando espiritualmente sob o comando de mentores peculiares da região asiática, como é Hamuh.
Antes da encarnação, no Brasil, os nossos personagens viveram na região da Turquia, dando origem a algumas consequências cármicas atuais.
Fabiano, em suas existências, na Ásia, fora bei, espécie de governador de província turca sob o controle do Sultão.
Homem despótico e vingativo, costumava concretizar seus objectivos a qualquer preço.
Sob imposição política e pressão administrativa, desposou Verinha, contrariando-lhe o sentimento e os ideais da família, que a destinavam para esposa de jovem oficial do exército sediado nas margens dos Dardanelos, o qual suicidou-se impossibilitado de reagir de outra forma.
Esse oficial foi Silvano, e que Verinha, no passado, negligenciou do seu amor sincero e digno, seduzindo-se pela posição de relevo e conforto que lhe proporcionaria a condição de esposa de um bei de província.
Foi um pecado de omissão, mas suficiente para comprometê-la em vidas futuras no auxílio daquele que traiu os votos de noivado.
Mas Verinha pôde ressarcir-se bastante das faltas quase involuntárias, quando em face de sua condição privilegiada de esposa do governador, ela abrandou muitos sofrimentos e atenuou algumas vinganças políticas ordenadas pelo bei, por cujo motivo, os beneficiados logo passaram a chamá-la de "princesa", alcunha lisonjeira ao seu tipo delicado e gene-rose.
Entre as tribos nómadas adversas à política do bei, na época, havia o grupo chefiado por Shamed, beduíno de boa índole, bonachão e algo desleixado, mas obstinado na lealdade aos seus princípios políticos e como líder.
Vítima de matreira cilada do bei, Shamed teve todos os seus bens sequestrados, a família exilada para além das fronteiras de sua terra, e ele metido no calabouço.
Entretanto, preferia a morte a trair amigos e subalternos.
Sofria dolorosamente por desconhecer a situação e o paradeiro da esposa e dos oito filhos menores, uma vez que, para torturá-lo, os adversários negavam-lhe a mínima notícia, deixando-o na dúvida e no desespero quanto a estarem vivos ou mortos!
Verinha, conhecendo a tragédia de Shamed, em cuja tenda ela havia se hospedado com o esposo nas suas andanças políticas, apiedou-se dele.
Socorreu-lhe a família através de servos fiéis e amigos situados além das montanhas.
Dali por diante passou a comunicar-lhe as notícias mais freqüentes com referência à família, quanto ao estado geral e segurança.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

SEMEANDO E COLHENDO - Atanagildo/HERCÍLIO MAES - Página 6 Empty Re: SEMEANDO E COLHENDO - Atanagildo/HERCÍLIO MAES

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jun 30, 2021 7:15 pm

Quando lhe nasceu a primeira filha, que na última existência no Brasil foi Marina, sua progenitora, Verinha distribuiu presentes régios aos pobres e conseguiu diversos indultos a prisioneiros vítimas do despotismo e das desforras do marido.
Finalmente, após a última romagem na Turquia, Hamuh reuniu todos os pupilos no Espaço e propôs-lhes encarnações no Brasil, durante o século XX, a fim deles participarem em conjunto no elevado empreendimento da divulgação do Espiritismo.
Todavia, a Técnica Sideral, após diversos "testes" em dezenas de componentes do mesmo conjunto espiritual, considerou apenas os espíritos de Marília, Verinha e Silvano, os mais capacitados para se situarem com relevo na seara espírita e desempenhar labores de severa responsabilidade, com mediunidade de cura, psicografia, psicofonia e mediunidade auditiva.
Os demais membros, inclusive Fabiano, não ofereciam condições favoráveis para o evento tão importante, devido aos reflexos cármicos desde os tempos da Assíria, Babilónia, Egipto e Turquia.
Cada um desses espíritos já possuía uma qualidade excepcional ratificada no seu carácter sideral e capaz de lhe garantir boa conduta e êxito da sua empreitada espiritual.
Manilha era a resignação suprema; Verinha, meiguice e bondade e Silvano, a fidelidade e honestidade absolutas.
Havia um empecilho, no entanto, de que adviria dificuldades a todos os três candidatos.
Era a carga desvantajosa de "toxinas, psíquicas" impregnando o perispírito, fruto dos momentos, de invigilância espiritual nas vidas pregressas, e consequente do ciúme, orgulho, da vaidade, cólera, indiferença, ira e luxúria.
Os males feitos ao próximo, eles tiveram de recebê-los de volta, sob a Lei do "choque de retorno", na forma de blasfémias, pragas, ódios, desforras, frustrações, magia mental e verbal destrutivas.
Para o êxito mediúnico futuro, a Técnica Sideral sugeriu-lhes uma prévia existência carnal purgativa, no Brasil, a fim de se processar a devida limpeza do perispírito e indispensável para assumirem compromissos graves em favor da causa elevada do Espiritismo.
Sem dúvida, os três espíritos escolhidos na família de Hamuh poderiam drenar as 'toxinas deletérias para a carne, aos poucos, existência por existência, corpo por corpo, em expurgos parciais e na forma de enfermidades comuns ou menos chocantes.
Mas como intérpretes, de responsabilidade dos princípio da doutrina espírita, no Brasil, ser-lhes-ia preciso uma limpeza total dos venenos perispirituais.
Doutra forma, a densidade do perispírito poderia comprometer o próprio contacto mediúnico com os mentores responsáveis pelo progresso espiritista na Crosta.
Os exames siderais comprovaram que a toxicidade de Marília e Verinha eram de um tipo muito radioactivo, cujo expurgo, rápido afectaria a medula óssea material, provocando. a leucemia pelo fenómeno de excitação de certas células da linha mielopática.
Silvano era portador de unia carga tóxica perispiritual, que o predisporia à infecção pelos bacilos de Hansen e assim ocasionaria a terrível morfeia. (10)
Diante dos exames de resultados tão graves e cruciantes para conseguir a limpeza perispiritual numa única descarga purgatorial, Silvano recuou da prova, receoso de frustração e deserção da carne, temendo suicidar-se antes de dezasseis anos de idade física, prazo fixado para o seu desencarne.
Alegou que anteriormente já havia usufruído de melhores condições e suicidara-se, por duas vezes, em desespero de causa.
Temia destruir a vida carnal novamente, ao sentir os primeiros efeitos da lepra.
Hamuh mostrou um ar desolado, sinceramente convicto da impossibilidade de situar Silvano no meado do século XX (11) como colaborador activo na divulgação do Espiritismo em terras brasileiras.
O suicídio ainda o tornaria mais comprometido na sua ascese espiritual, lançando-o fatalmente nos charcos purgatoriais.
Optou, portanto, por existências menos dolorosas e reajustes parcelados, para que Silvano prosseguisse na sua recuperação cármica em sucessivas reencarnações.
Verinha poderia drenar a carga nociva perispiritual até os 50 anos de idade, desencarnando pela leucemia.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

SEMEANDO E COLHENDO - Atanagildo/HERCÍLIO MAES - Página 6 Empty Re: SEMEANDO E COLHENDO - Atanagildo/HERCÍLIO MAES

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jun 30, 2021 7:15 pm

Contudo, em face de sua generosidade, resolveu descer à carne e ser irmã consanguínea de Silvano, para ajudá-lo a sobreviver até, o tempo previsto pelos Técnicos Siderais, indispensável para proceder o expurgo total.
Amava-o há vários milénios e Sentia-se responsável por algumas frustrações dele.
Intercedeu junto aos mentores e ninguém conseguiu dissuadi-la da prova sacrificial além de suas-necessidades espirituais.
Reduzindo a duração dos tóxicos previstos para 50 anos em 14 anos de idade, ela poderia viver ombro a ombro com vario.
Ela então solicitou a interferência fluídica da técnica Sideral, para lhe substituir o residual tóxico do seu perispírito, previsto com a manifestação de leucemia, até aos 50 anos para o "residual tóxico morfético" (12)
Ainda a "Contabilidade Divina" creditar-lhe-ia em dobro as "horas heróicas" despendidas pelo impulso generoso do amor desinteressado.
Se Jesus, Anjo Imaculado, submeteu-se aos corrosivos fluidos grosseiros dos planos inferiores para aderir ao seu perispírito resplandecente e poder manifestar-se na carne, impelido pelo seu imenso amor à humanidade, não há desdouro, incoerência ou impraticabilidade, para espíritos de menor quilate sideral, como 'Verinha, em sujeitarem-se a sofrimentos imerecidos em favor de outrem.
Se considerarmos absurdo o recurso da "redução vibratória" dos espíritos livres a fim de socorrer os encarnados, teríamos de concluir que Jesus só conseguiu ligar-se à carne terrícola porque foi atraído magneticamente pela sua própria densidade perispiritual inferior, na lei de que "os semelhantes atraem os semelhantes".
Sem dúvida, ele; produziu em si as condições vibratórias para lhe reduzirem as vibrações siderais e permitir-lhe o contacto com a Crosta.
Se pensarmos diferente teremos de nos convencer de que Jesus foi crucificado para resgatar culpas cármicas semelhantes e praticadas em vidas anteriores.
Acontece que nas esferas espirituais junto à Terra não há, ainda, a precisão e a infalibilidade absolutas no planeamento e realização dos programas de recuperação de espíritos encarnados.
Os projectos minuciosos, às vezes apresentam falhas- na execução material, que exigem, à última hora, a mobilização de recursos inesperados pelos técnicos siderais.
Comprova-se isso no transcurso da vida de Verinha, cujo plano esquematizado da existência carnal e baseado nos ascendentes hereditários da família física, marcava-lhe o desencarne para os 14 anos,-dois ou três, meses depois da morte de Silvano, a quem ela deveria amparar até o final da prova e desviá-lo do suicídio nos momentos de desespero e solidão.
Contudo, contrariando os prognósticos dos técnicos siderais e firmados na resistência biológica do seu organismo, ela enfraqueceu e desvitalizou-se de modo tão acelerado, que foi preciso assisti-la continuadamente pela transfusão de fluidos energéticos do Espaço.
Era preciso mantê-la encarnada e fazê-la sobreviver a Silvano, mesmo por algumas horas, até que ele tivesse o seu desenlace através de violenta hemorragia consequente à corrosão pela lepra.
Felizmente, Silvano desencarnou sem praticar suicídio e livrou-se dos charcos de purgação perispiritual, embora na fuga trágica, após a morte de Verinha, tivesse procurado propositadamente a morte acidental.
Porém, conforme elucidou-lhe Shamed, ele não retornou ao Além gozando do mérito absoluto da empreitada, pois foi necessário dar-lhe o "empurrão" autorizado por Hamuh, para o ajudar na desencarnação livre de maiores prejuízos.
E o "empurrão" também se justifica, porque o desenlace de Verinha ocorreu antes do prazo previsto no esquema de vida de ambos os irmãos, devido a um pequeno equívoco da Técnica Sideral nos cálculos de resistência biológica.
Assim, uma coisa justifica a outra; o "empurrãozinho" de Shamed compensou o equívoco sideral da morte prematura de Varinha, pois a sua vida física estava vinculada emotiva e espiritualmente a Silvano, como garantia da permanência dele na Terra.
Em verdade, tudo ocorre no sentido de acelerar a ascensão do espírito e libertá-lo das seduções transitórias da matéria, até viver na comunidade angélica sem vibrar pelos desejos da vida carnal.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

SEMEANDO E COLHENDO - Atanagildo/HERCÍLIO MAES - Página 6 Empty Re: SEMEANDO E COLHENDO - Atanagildo/HERCÍLIO MAES

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jun 30, 2021 7:15 pm

(1) Caleça; tipo antigo de carruagem, de quatro rodas, dois assentos e de boleia descoberta.
(2) Gás de composto químico binário de carbono com metais, usado antigamente para produzir a iluminação nas lanternas das carruagens e dos primeiros automóveis, hoje usado na solda:
(3) N. de Atanagildo: — Não esqueçamos que Verinha, além de espírito bastante liberto dos desejos da carne, desencarnou com 14 anos, em cuja idade é bem mais fácil o desprendimento dos veículos mais densos.
(4) Vide o capítulo "A Caminho do Além", da obra "A Vida Além da sepultura" de Atanagildo e Ramatis. — Edição da "Livraria Freitas Bastos S/A."
(5) N. Atanagildo: — Não há uma desencarnação semelhante a outra, pois varia de acordo com o tipo espiritual. Seria fastidioso enumerá-las todas.
(5-A) N. Atanagildo: — Salan Aleikun, "a paz seja contigo". Aleikun essalan, "seja contigo a paz".
(6) Sahhed, "senhor"; "Thaleb", mentor.
(7) N. Atanagildo: Em árabe: "Deus é grande."
(8) N. Atanagildo: — Em árabe, significa "Luz da Religião.
(9) No Espaço, o vocábulo "cascão" refere-se a espírito superior manifestando-se em forma perispiritual, que já lhe serviu há tempos na matéria.
Na Umbanda, há elevadas entidades que baixam nos terreiros, usando os velhos cascões de pretos velhos, caboclos, vovozinhas ou mães-pretas.
10) N. Atanagildo: — Raros espiritualistas mostram-se esclarecidos quanto ao verdadeiro sentido da recuperação cármica, pois mesmo entre as espiritas ainda confunde-se o programa técnico de limpeza perispiritual, com a concepção de castigos, sofrimentos ou resgates de culpas pregressas.
Não existem departamentos correctivos nos pianos superiores para punir falta dos filhos de Deus.
Afora alguns arremedos' de tribunais de justiça, sediados nas regiões do astral inferior sob o comando de entidades malévolas do submundo espiritual, a dor, desdita, desgraça, tragédia ou infelicidade são apenas fases de um processo técnico benfeitor, traçado inteligentemente pelos "Senhores do Carma", com o objectivo exclusivo de proporcionar a felicidade breve aos espíritos ignorantes.
(11) N. Atanagildo: Verinha e Silvano estão reencarnados em S. Paulo; a primeira desempenha algumas funções de médium intuitiva e de curas; o segundo prepara-se para casar e sua mediunidade há de florescer dois ou três anos após o matrimónio.
No seu esquema mediúnico figura a faculdade psicográfica, cujo conteúdo deverá ser simples, coerente e seguro, mas sem desmentir o cienticismo do mundo.
Quando Silvano casar-se será profundamente influenciado pela esposa, médium excepcional, e, também, sem dúvida, por Verinha, Marília, mais idosa, é médium já conhecida nas esferas espiritistas do Brasil e desempenha o seu trabalho com precisão e carinho.
(12) N. Atanagildo: — Ainda não podemos esclarecer satisfatoriamente o processo de inserção de residuais tóxicos fluídicos, ou "residuais sintéticos astralinos", que podem acelerar a vida de certos germens vírus, além de suas cotas-mínimas de segurança existentes no organismo físico.
Esses residuais sintéticos podem provocar moléstias semelhantes às provenientes da toxicidade natural dos espíritos comprometidos com a Lei.
Nesse processo, só entendível no Espaço e dificílimo de traduzir pelos vocábulos terrícolas, ocorre algo semelhante ao uso e função deliberada das vacinas ou recursos da "meloterapia".
Apenas alguns iniciados do alto espiritualismo devem compreender melhor essa providência, que as almas piedosas as vezes requerem no sentido de compartilharem nas mesmas provas acerbas dos seus familiares na carne.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

SEMEANDO E COLHENDO - Atanagildo/HERCÍLIO MAES - Página 6 Empty Re: SEMEANDO E COLHENDO - Atanagildo/HERCÍLIO MAES

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jun 30, 2021 7:15 pm

16 - ANJOS REBELDES
Uma doce claridade banhava a formosa e terna paisagem imersa numa cor de suave rosa-lilás mesclado de alguns revérberos argênteos.
A clareira atapetada pela grama suave verde era cercada de pequenos bosques de arbustos anões, mas recamados de flores na forma de campainha, de um matiz azul turquesa e veludoso, decorado pelos estames de um branco lirial na corola, que exalavam o agradável perfume do jasmim terreno.
Inúmeros bancos recortavam-se caprichosamente na própria vegetação de um verde-escuro, cujas folhas miúdas lembravam sensitivas esmaltadas de estrias esbranquiçadas.
O conjunto formava delicado anfiteatro a convergir para um estrado de substância translúcida de cor topázio.
Sobre o mesmo havia uma espécie de mesa, num belo matiz salmão, com um jarro de líquido esmeraldino e ladeado por uma poltrona.
Ao fundo desse panorama do astral superior, percebia-se a moldura cinza lilás das colinas sobressaindo-se à luz cambiante irradiada pelo Sol.
A direita, pequenino lago de água prateada e marchetada pela irradiação das flores, recortava-se na forma de delicado coração emoldurado pelo cinturão de papoulas vermelhas a cintilarem como fogaréu vivo.
Algumas árvores de folhas sedosas e finas, num matiz verde palha lembrando aos chorões terrenos, pendiam a vasta cabeleira sobre o lago.
A esquerda, o solo descia em brando declive, pejado de arbustos pequeninos e carregados de flores miúdas, cujo miolo encarnado brilhava à semelhança de rubis vivos entre as pétalas rosadas.
Cariciosa melodia, em doce cavatina, esvoaçava sare a paisagem sublime e agradável, provinda de violinos e violoncelos invisíveis tocados por mãos angélicas e sob o contra-canto de vozes infantis, que fortaleciam a venturosa paz dê espírito.
A doce harmonia ainda vibrava no ar, quando se ouviu vozes aproximando-se acompanhadas de alguns risos e exclamações.
No cenário maravilhoso, junto ao lago e anfiteatro de bancos recortados na própria vegetação sedosa verdejante, surgiram doze espíritos nimbados de luzes coloridas.
A seguir rodearam um velhinho de cabelos esbranquiçados, compridos e cortados à nazarena, a barba curta e repartida ao meio.
As feições rosadas davam-lhe o aspecto de uma figura de porcelana translúcida.
Vestia uma túnica alva até os pés, cuja barra larga era bordada de relevos em azul índigo, lembrando as volutas e os rendilhados das roupas assírias.
Ele calçava sandálias franciscanas, mas pretas e bordadas com fios dourados.
Apesar da figura idosa era lépido e seguro nos movimentos.
Os olhos eram vivos e claros, como duas esmeraldas líquidas à sombra dos supercílios nevados.
Ele se distinguia dos demais espíritos pela intensidade de luz e dos reflexos de cores semelhantes ao arco-íris a refulgir-lhe até a altura do peito, esbatendo-se, depois, num amarelo dourado em torno da cabeça venerável.
As próprias mãos despendiam eflúvios safirinos e lilases, colorindo um comprido rolo que ele segurava, muito semelhante aos papiros egípcios.
Quando todos os presentes se acomodaram nos bancos verdejantes, o venerável ancião iniciou a palestra: (1)
— Eis as recomendações que enderecei à Terra, ao grupo espírita mediúnico "Os Nazarenos", a fim de se esclarecer, em definitivo, a questão do espírito só "ganhar luz" à medida que evolui.
A luz é inata a todo ser e não provém de qualquer condição gradativa posterior e conquista pessoal extemporânea.
--- Já era tempo! — redarguiu outro espírito, um belo jovem envergando rico peplo cor de âmbar, cujos cabelos negros, e sedosos eram atados por um laço a "la grega".
-- Não ignoramos que ainda são poucos os terrícolas realmente interessados no conhecimento sensato e lógico da imortalidade.
Os estudiosos ligados às nossas colónias siderais, em serviço de esclarecimento na Crosta, queixam-se da hipnose dos próprios espíritas, bastante escravos das paixões transitórias do reino animal.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

SEMEANDO E COLHENDO - Atanagildo/HERCÍLIO MAES - Página 6 Empty Re: SEMEANDO E COLHENDO - Atanagildo/HERCÍLIO MAES

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jun 30, 2021 7:15 pm

E mudando o tom de sua voz, o velhinho aduziu, esclarecedor:
— A maioria dos adeptos espíritas ainda não ultrapassou a fase cómoda da convicção ortodoxa e exclusiva daquilo que "Kardec disse."
Evidentemente, eles julgam estacionado o progresso humano, após cem anos de Espiritismo, e devem ignorar as pesquisas e revelações modernas no campo do espiritualismo.
Os espíritas ortodoxos consideram incoerentes e até heréticas, todas as actividades espirituais alheias à codificação, embora assim contrariem o pensamento universalista do próprio codificador.
Existem espíritas tão desconfiados do esforço idealista de outros garimpeiros da verdade, que tal qual os católicos benzem-se assustados, ante o sacrilégio de existir o Espiritismo.
Citemos, como exemplo, o caso do perispírito, que Allan Kardec só registrou no "Livro dos Espíritos"(2) com referência ao mesmo, conforme as crenças científicas comuns da época.
O seu mentor espiritual só pôde responder-lhe a pergunta sobre a natureza do perispírito, do seguinte modo:
"Envolve-o (o espírito) uma substância vaporosa para os teus olhos, mas ainda bastante grosseira para nós; assaz vaporosa, entretanto, para poder elevar-se na atmosfera e transportar-se aonde queira."
Nada mais foi dito além dessa singela explicação.
O perispírito era somente uma "nuvem vaporosa", quando o próprio ocultismo da época já o considerava um organismo complexo e bem mais avançado do que o corpo transitório de carne.
Os rosa-cruzes, teosofistas e yogas, dizem ser o perispírito portador de sistemas complexos actuando em campos energéticos sob a forma de luzes, cores, peso, temperatura, magnetismo, defesa e imunização, além do mecanismo que permite a volição sob o impulso subtil da mente.
Aliás a maioria dos espíritas desconhece o próprio duplo-etérico constituído de éter-físico e dos centros de forças chamados "chacras"(3), o qual atua como intermediário entre o perispírito e o corpo físico sob a vontade do espírito encarnado.
Em consequência, os "passadistas" protestam sob a convicção de que o envoltório perispiritual deve ser apenas uma nuvem vaporosa, conforme "disse Kardec"!
Indubitavelmente se assim for, os desencarnados não devem passar de um bando de abelhas ou borboletas sem pouso definido a vagar pelo Espaço.
Eles não compreenderam a explicação rudimentar do codificador sobre a natureza do perispírito, que não define a sua exacta realidade, mas apenas é explicação condizente com o cepticismo da época, a fim de não ridicularizar a doutrina espírita, em seu início.
Depois de um sorriso sibilino, o velhinho completou:
—Mal sabem os espíritas, que Mestre Allan Kardec já está reencarnado operando novamente na face da Terra, para reformular a própria obra e esclarecer aos kardecistas quanto à tolerância e flexibilidade do Espiritismo, que de modo algum entra em conflito com o espiritualismo cristão praticado por demais instituições benfeitoras no mundo.
Mudando o tom da voz, prosseguiu, em seguida:
— E sob esse padrão ortodoxo e tradicional, que a maioria dos espíritas ainda crêem no conceito do espírito só "ganhar luz" depois de submeter-se aos argumentos irretorquíveis dos doutrinadores ou médiuns!
No entanto, é a mesma a cota de luz divina que existe na intimidade de todos os seres, quer sejam 'génios ou imbecis, heróis ou covardes, santos ou demónios, virgens ou prostitutas.
Não há privilégios na criação de Deus, pois Ele não distribuiu a luz da vida a seus filhos, visando simpatias ou lisonjas.
A todos doou a luz, igual e impessoal, como emanação de Si Próprio, para a formação da consciência das criaturas.
O homem, como espírito encarnado, não precisa evoluir para "ganhar mais luz, nem morrer fisicamente para sobreviver em espírito, pois ele já vive na própria carne, a posse de sua essência indestrutível.
A medida que o ser se purifica torna o seu perispírito mais transparente e por isso irradia mais luz, assim como a limpeza da lâmpada empoeirada proporciona maior amplitude ao foco luminoso.
Deus é o fundamento indestrutível da consciência humana, por cujo motivo a "Génesis" assegura que o "homem foi feito à imagem de Deus", e Jesus, mais tarde, confirma esse dístico, dizendo-nos:
"Vós sois deuses!"
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122615
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

SEMEANDO E COLHENDO - Atanagildo/HERCÍLIO MAES - Página 6 Empty Re: SEMEANDO E COLHENDO - Atanagildo/HERCÍLIO MAES

Mensagem  Conteúdo patrocinado


Conteúdo patrocinado


Ir para o topo Ir para baixo

Página 6 de 7 Anterior  1, 2, 3, 4, 5, 6, 7  Seguinte

Ir para o topo

- Tópicos semelhantes

 
Permissões neste sub-fórum
Não podes responder a tópicos