LUZ ESPÍRITA
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Série Lúcius - A Força da Bondade / André Luiz Ruiz

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Série Lúcius - A Força da Bondade / André Luiz Ruiz - Página 4 Empty Re: Série Lúcius - A Força da Bondade / André Luiz Ruiz

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Dez 02, 2014 10:03 pm

19 - EXPLICAÇÕES ANTES DO REGRESSO

Reunido o pequeno grupo missionário, agora acrescido dos três novos elementos envolvidos nas tramas e delitos já mencionados, dos soldados que guarneciam a entrada da gruta que servia de prisão a Pilatos e Fúlvia e dos seis ajudantes mais directos de Sulpício, era necessário retornar com a valiosa colheita até o celeiro de bênçãos.
No interior da pequena choupana miserável que servia de improvisada e temporária pousada naquelas paragens, Zacarias dirigia o grupo harmonioso sem necessitar exercer nenhum gesto de mando, já que todos a ele se submetiam natural e sinceramente.
Seu temperamento compassivo e conciliador era talhado para guiar aqueles que tinha sob sua responsabilidade, deles extraindo o que possuíam de melhor, valorizando a companhia, as virtudes, as qualidades de cada um e mantendo o equilíbrio entre as diferenças.
Dessa forma, ninguém ousava tomar alguma medida sem que Zacarias tivesse a iniciativa, além do facto de que o ex-sapateiro era o encarregado do Cristo para a tarefa de resgate, protecção e amparo aos integrantes daquela família espiritual debilitada pelos erros na última encarnação.
Assim, no silêncio suave do ambiente, Zacarias esclareceu:
- Agora, queridos filhos, nós devemos abandonar estas paragens já que nossa tarefa nestes sítios foi concluída.
É verdade que ainda há muita tragédia que se alberga nestes planos inferiores, mas a sabedoria do Pai as levará em conta e, diante das leis espirituais da vida, cada fruto amadurece no seu tempo.
Muitas vezes, ainda que os amemos, que nos importemos com eles, que desejemos a sua elevação, espíritos há em grande número que não o desejam tanto como nós.
Que não se amam como deveriam, que não se respeitam nem almejam estar em ambientes mais iluminados, comportando-se como a toupeira que, acostumada à escuridão e à humidade dos buracos onde se arrasta, pensa que ali é o melhor lugar do mundo para a sua jornada.
Então, no devido tempo, cada espírito irá receber conforme o próprio amadurecimento.
Ouvindo-lhe as explicações, Lucílio perguntou interessado:
- E o emocionante cortejo de almas angelicais que visitou estas furnas, há pouco, quando do resgate de Sulpício?
Não estavam elas a serviço do resgate a quem se mostrasse melhorado por dentro?
Não me parecia uma missão particular em busca de determinado indivíduo como ocorreu connosco, que para cá viemos a fim de conquistarmos estes corações para Jesus.
- Sim, querido Lucílio, é verdade.
A nossa é uma tarefa específica de auxílio directo a alguns espíritos.
No entanto, há tarefas de resgate que, partindo do plano superior, se projectam aos abismos levando em consideração não o caso específico, mas estendendo a rede luminosa a fim de ajudar tantos quantos a ela se agarrarem.
Se não fosse assim, haveria muita dificuldade em libertar criaturas que se acham nestas paragens em condições de dor e sofrimento há muitos séculos, dominadas mentalmente por outras entidades ainda mais enceguecidas.
Por este motivo, a Bondade de Deus e o carinho do nosso Mestre permite que, de tempos em tempos, a caravana luminosa de entidades devotadas ao resgate nas regiões da treva mais densa estenda o seu convite aos abismos a fim de que aqueles que demonstrarem em si as condições indispensáveis para serem recolhidos, possam ser ajudados e levados aos planos melhores.
Em nosso caso, por estarmos directamente ligados aos planos superiores no resgate de nossos irmãozinhos queridos e por Sulpício liderar um grande número de indivíduos que mantinham estas regiões sob o domínio do medo e da intimidação, ao se conseguir resgatar o cérebro das operações inferiores, os seus comandados não saberiam como agir, ficariam aparvalhados, como alguém que deixa o estado de sono profundo e não sabe o que está acontecendo, onde se encontra, por que está ali.
Rompidas as linhas do domínio mental, espécie de encantamento negativo produzido pelo mal, o castelo de cartas desmorona e os até então encantados se vêem sem rumo a seguir, caindo em si, mas sem saber como dar seguimento às próprias vidas.
A missão do bem nunca é deixada ao desamparo e nunca desce ao abismo para salvar apenas aquele a quem se dirige de maneira directa.
Se fosse assim, não seria a missão do Amor e sim a do exclusivismo egoísta.
Não nos compete estabelecermos juízos de merecimento sobre a possibilidade ou não de resgatarmos este ou mais aquele.
Para nós, o que importa é lançar a rede de Amor para que, aqueles que se deixarem tocar por ela possam escolher outros caminhos para seus passos.
A questão do merecimento ou não, da possibilidade ou não de ser resgatado dos abismos pertence a Deus, a sabedoria por excelência, e se o mais miserável dos miseráveis aceitar o nosso convite, depois de milénios envergando as feridas do ódio, esta é uma conquista que pertence ao coração amoroso do Pai que saberá o que fazer com aquela alma que se resgata.
O problema é de Deus e não nosso.
A nossa tarefa é levar-lhe a preciosa carga que o Seu Amor, por nossas mãos, resgatou destes sítios.
Não somos juízes das virtudes alheias ou censores de seus defeitos e deslizes.
Somos apenas seus irmãos, que nos preocupamos com eles, e desejamos ajudá-los a que acordem para a própria verdade.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Dez 02, 2014 10:04 pm

Dessa forma, Lucílio, quando Simeão se postou lá fora, diante daquele que lhe fora o algoz violento, relembrando os momentos em que perdera a vida física ao pé da grande cruz na Samaria de ontem, o símbolo tosco de outrora transmutou-se em luminoso sinal de esperança, maneira pela qual, certamente, Jesus respondia ao nosso esforço de iluminar as criaturas nestas paragens, o que não conseguiríamos fazer em abundância sem sua ajuda devido às imensas limitações de nossos espíritos.
Se levantássemos a voz para pregarmos o Reino de Deus, receberíamos uma saraivada de impropérios, pedradas, dardos venenosos que nos seriam desferidos pelos próprios infelizes.
No entanto, os métodos do Amor para as causas colectivas são muito mais belos que um discurso repleto de palavras luminosas.
Jesus não se preocupa em falar, apenas.
Primeiro ilumina para que oriente os passos.
Depois de estabelecido o foco que atrai pela esperança que comunica aos mais endurecidos, que eles mesmos podem constatar através das sensações pessoais e que, por si próprios, se deixam atrair, aí chega o momento da palavra como semente na terra preparada pela charrua luminosa da Bondade.
As forças que nós acendemos ao redor desta choupana já serviram para iniciar o processo de resgate colectivo, atraindo almas desditosas que sabem que a Luz significa Esperança e Auxílio.
Como mariposas atraídas pela chama, arrastaram-se milhares de espíritos aflitos, clamando o perdão e a consideração do Alto para suas dores.
E se é verdade que entre eles, boa parte se contava entre entidades mentirosas e aproveitadoras, maliciosas e espertas, outra parte era composta de espíritos cansados, desiludidos, desarvorados, sem forças para lutar, vitimados pelas induções vibratórias que os dominavam.
Assim, para todos quantos o sentimento se havia transformado, as luzes eram importantes sinais que deveriam tentar seguir, única esperança de deixarem as tragédias para trás.
Nesse sentido é que a luz da cruz que se acendeu em amparo ao exemplo de Simeão, expendia suas fagulhas diamantinas para todos os lados e chegava a todos os espíritos que se haviam deixado atrair para estas paragens, sendo certo que, naqueles onde o desejo de subir e elevar-se era sincero, a luminosidade aconchegou-se em seu íntimo e os espíritos missionários chamados de "os visitadores das trevas", podiam identificá-los facilmente, dado o carácter sincero de seus desejos.
Atentos a tais explicações, Sávio interrompeu, delicado, e acrescentou:
- E os que não pertencem ao número dos sinceros, paizinho?
- Estes, meu filho, não se deixam iluminar de verdade no centro do coração e, por isso, apesar de estarem dizendo com as palavras que desejam ser amparados, não demonstraram com os seus sentimentos estar preparados para receber o amparo solicitado.
São açambarcadores do Pão do corpo, mas que não podem açambarcar o Pão da Vida, destinado apenas aos que, verdadeiramente, estão preparados para o banquete das bênçãos.
Desta maneira, não é difícil para os celestes visitantes, identificar aqueles que podem ser retirados daqui e levados para planos menos grosseiros onde encontrarão amparo para novas jornadas terrenas.
E foi isso o que aconteceu, valendo-se o Divino Amigo de nossa humilde tarefa socorrista para estender o convite do Amor a todos os que aqui se achavam recolhidos, demonstrando que Deus é para todos e a todos se oferece indistintamente.
Dependerá de cada um salvar-se a si próprio.
Não mais um Senhor parcial e partidarista, a buscar os seus eleitos e deixar os demais no amargor de suas desditas.
Isso não poderia ser a atitude do Criador do Universo, na condição de Pai Amoroso e Misericordioso.
Naturalmente, os que são recolhidos aqui, por seu estado peculiar de atraso moral e compromisso com o erro, não poderão partilhar dos ambientes mais elevados reservados à virtude e ao bem.
No entanto, receberão a bênção de um leito limpo, de alimento para as suas necessidades vibratórias, de uma higiene para os seus estados de desequilíbrio da forma, única maneira de se sentirem melhorados.
Intrigados com tais explicações, Sávio e Lucílio, os dois mais novatos na área das belezas sublimes deram mostras de sua surpresa, levando Simeão a comentar:
- Sim, meus filhos, nós somos o que pensamos. Se nossa mente estiver ligada aos pensamentos rotineiros que estavam vinculados a um corpo físico que obedecia a ciclos naturais, nossa realidade fluídica nestes planos de energia subtil se patenteará por esta mesma rotina cíclica.
Por este motivo, à força do pensamento cristalizado nos hábitos e necessidades terrenas, nas entidades que a eles se acham muito ligadas por não se terem espiritualizado na compreensão da vida, se observam crescerem os cabelos, a barba, as unhas, além dos outros fenómenos biológicos, agora transformados em reflexos psíquicos propiciando a fome, as necessidades fisiológicas comuns, os desejos e impulsos da sexualidade embrutecida, numa reprodução daquilo a que estavam afeiçoados os homens quando no corpo físico, não é mesmo, Zacarias?
Observando carinhosamente a intervenção de Simeão, dentre eles o que há mais tempo havia sido reconduzido ao mundo invisível, quase que no mesmo momento que Sulpício, Zacarias sorriu e complementou, confirmando-lhe as informações:
- Sim, querido Simeão.
As suas orientações são preciosas lições para a nossa ignorância.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Dez 02, 2014 10:04 pm

Os pensamentos acompanham o ciclo biológico do corpo, mesmo quando corpo físico algum sobreviva.
Daí ser tão importante a disciplina dos pensamentos, tanto aqui quanto no ambiente terreno, quando envergarmos novos corpos físicos por força da evolução que nos espera para novas experiências.
A única maneira de ajudar a contento estes irmãos, é preparar-lhes o ambiente que atenda às ideias equivocadas que estão alimentando há muitos anos.
De nada adiantaria fazermos discursos explicativos de que não são mais necessárias comidas ou formas de alimentação como as que estavam afeiçoados quando na Terra.
Aqui, na condição alienada em que se encontram tais entidades, um prato fumegante de sopa é mais precioso que um discurso de Sócrates.
É mais rápido transformarmos um alienado como estes em um ser mais consciente oferecendo-lhe uma cama limpa e perfumada ou um pouco de comida do que dando-lhe instrução ou obrigando-o ao raciocínio filosófico.
Primeiro o equilíbrio, depois a aula. Primeiro o amparo, depois a lição.
Sem isso, não seria justo retirá-los de seus buracos.
Se a Bondade não se dispuser a compreender o mal, é melhor deixá-lo onde está, pois não se conseguirá melhorá-lo à força de ordens e punições.
Daí porque o Amor se ocupa de reproduzir o ambiente de que necessitam tais entidades a fim de que, conquistado razoável equilíbrio, possam ser levadas a outras áreas do longo curso da própria reabilitação.
Assim, depois que forem recolhidos, serão tratados, medicados, receberão ataduras em seus ferimentos, alimentos que lhes darão a ideia de que estão ingerindo coisas sólidas, higienização que lhes dará, como efeito, a adesão do pensamento ao estado de limpeza, propiciando que tal estado se incorpore ao modo de ser.
Receberão tratamento capilar que lhes retirará o excesso por meios que eles estão acostumados, como a velha tesoura, cortar-lhes-ão as unhas, trocar-Ihes-ão as vestes puídas por outras, simples e limpas.
Tudo isso permitirá que eles modifiquem o seu modo de pensar e de se encararem, abrindo espaço mental para o passo seguinte que, naturalmente, será mais difícil, pois significará o começo do aprendizado sobre os erros cometidos, sobre as tarefas que nos aguardam para o dia seguinte de nosso despertar.
Sobre todos eles, Jesus vela com seu amor e conhece o caso de cada um dos que são acolhidos nos diversos educandários da alma que existem nos planos intermediários, prontos para amparar os necessitados de socorro e encaminhamento.
No Universo, tudo se encadeia pelas leis da solidariedade.
Não existem mais as eternas figuras da vítima inocente e do tirano agressor, como a simbolizarem anjos e diabos em conflito.
Existem apenas almas débeis que se entregam ainda à ignorância e almas debilitadas que estão se tratando através da ingestão do único remédio eficaz para debelar nossas enfermidades: O Amor Verdadeiro.
É por isso que estas últimas, em tratamento, se dispõem a amparar as primeiras, indiferentes e violentas, sem exigir que se transformem de imediato.
O remédio do Amor é paciente e tolerante, fraternal e compreensivo e não se vale das mesmas armas da ignorância para ampará-la.
Enquanto o grupo recebia estas instruções de Zacarias e Simeão, os demais resgatados se encontravam como que em estado de adormecimento leve, já sob o influxo das forças positivas daquele ambiente.
Pilatos era o menos inconsciente, pelo longo período de sofrimentos que suportou e pelas mensagens de Bondade que já havia incorporado graças ao trabalho fraterno de Zacarias e Lucílio quando de sua última existência material.
Fúlvia, Sulpício e os demais, no entanto, estavam profundamente adormecidos, única maneira que a natureza espiritual encontra de proteger os mais preciosos tecidos da mente do ataque da culpa, do remorso corrosivo, do medo e da vergonha cáusticos.
Manter o pensamento isolado através da sonoterapia dirigida era a forma menos dolorosa de permitir que fossem transportados para planos menos densos, a fim de se sentirem, depois, acordando de um longo e doloroso pesadelo, em ambiente mais fraterno e protegido.
Retomar a vida mental do ponto em que foi interrompida a cadeia dos nossos desatinos e crimes é um momento muito delicado, já que quando lembramos de nossos actos, lembramo-nos, igualmente, de nossas vítimas e, daí, lembramos de nossa ignorância e de nossos erros.
Em geral, esse é um choque muito violento para todos e, por isso, o mundo espiritual se prepara para torná-lo o menos cruel possível.
Era isso que aquele grupo de abnegados lutadores do bem iria fazer, a partir de agora, quando deixariam o ambiente abissal onde haviam se projectado para encetarem a longa jornada de regresso aos planos mais luminosos, ainda que estivessem muito longe das paragens celestiais onde Jesus os aguardava.
Assim, leitor querido, não perca seu tempo fazendo o mal, pensando no mal, sentindo o mal.
Alguns dias com mágoa no coração, podem significar anos nas regiões densas da dor e do desencanto.
Não perca a oportunidade de estar na Terra e pedir desculpas ou aceitar esquecer o mal que lhe foi feito.
O erro é sempre marca profunda no coração daquele que o comete, apontando-lhe a deficiência de compreensão e a necessidade da alma.
Você não precisa ser mau para que o que fez o mal seja punido.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Dez 02, 2014 10:04 pm

A lei do Universo nos isenta dessa degeneração moral a fim de punir os que falham, valendo-se da própria maldade que eles mesmos demonstram ter, por ignorar tais leis em si próprios.
Sua vida deve ser um hino à bondade, pois só assim, você será capaz de estar envolvido pelo cântico doce e inspirador do Bem que o protegerá sempre.
O mundo espiritual é muito mais belo e complexo do que aquilo que nos é possível revelar-lhes nestas pobres linhas.
Nada do que você fizer ficará desconhecido no plano da Verdade e, mais do que os fatos em si mesmos, eles virão com as marcas indeléveis das intenções mais profundas que estavam dentro de si quando você agiu como agiu.
E é pela intenção, mais do que pelo fato, que as leis premiam ou punem, amparam ou deixam o indivíduo entregue aos seus próprios desatinos.
É no sentimento que está a porta para a Verdade e para a compreensão de Deus.
É no coração que se encontra a nossa sentença de condenação ou absolvição. Lembre-se disso.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Dez 02, 2014 10:04 pm

20 - A VOLTA

Uma vez preparados para conduzir os resgatados dos precipícios tenebrosos onde se achavam, alguns deles por décadas, como era o caso de Pilatos, Sávio e Sulpício, enquanto outros contavam já vários anos ali, massacrados por si mesmos, os integrantes do grupo de caravaneiros de Jesus iniciou a longa e cuidadosa viagem de volta aos locais iluminados onde entregariam os irmãos aflitos.
O grupo que chegara aos abismos era composto de seis trabalhadores, ainda que Sávio fosse quase do mesmo padrão daqueles que se buscava ajudar.
Em realidade, dos seis elementos, somente quatro estavam em sintonia com as forças superiores, ligados a elas por laços luminosos, ainda que a evolução espiritual que detinham não fosse suficiente para elevá-los à condição de espíritos dispensados das lutas terrenas.
Zacarias, Simeão, Lívia e João de Cléofas eram os que representavam a mensagem do Cristo em serviço naquelas paragens, dedicados desde longa data à tarefa do Amor e, todos eles, tendo convivido com Jesus pessoalmente, haviam entregado a própria vida para fecundar nova vida no coração dos semelhantes.
Zacarias havia sido envenenado, por Amor a Jesus, para proteger Pilatos.
Simeão houvera sido assassinado por Sulpício, por fidelidade ao Cristo, exemplificando a coragem e o devotamento na velha Samaria.
Lívia entregara seu corpo às feras em nome do idealismo amoroso, renunciando às coisas do mundo, vestida como serva por muito amar o Messias.
João de Cléofas havia desempenhado a difícil missão de trazer a Roma a advertência do mundo espiritual sobre os tempos difíceis que se aproximavam e, em testemunho de suas próprias palavras, servira de exemplo vivo, igualmente entregue aos leões no circo romano, elevando os cânticos para que todos vissem o quanto o Amor do Divino Mestre é poderoso para sustentar aqueles que não temem o mundo.
Assim, a vida dos quatro fora de dedicação ao sofrimento resignado, de semeadura bendita e de sacrifício heróico ao final.
Já Lucílio, alma simples e generosa, era um indivíduo que admirava as mensagens de Jesus, conquanto ainda não estivesse amadurecido para compreendê-las plenamente.
Do mesmo modo fora supliciado no circo depois de ter aprendido as lições amorosas com o ex-sapateiro Zacarias. No entanto, em sua alma, a capacidade de penetração, de discernimento, ainda não havia sido esculpida por uma vida de entrega e devotamento.
Estava melhor do que era, mas ainda não se revestia daquele carácter que só se consegue no enfrentamento das batalhas da existência, nas quais se exercita a renúncia, a resignação, a humildade, a compreensão, o perdão incondicional das ofensas.
Por fim, Sávio era o mais enfermo dentre os seis que, envergonhado pelos seus erros, se mantinha morador dos umbrais mais densos como forma de ajudar no desempenho da tarefa que Zacarias lhe havia incumbido, como o seu tutor espiritual e o seu paizinho, como era chamado o ex-sapateiro pelo espírito daquele que o havia envenenado.
Assim, Sávio estava em tratamento e, percebendo o erro cometido, aceitou ficar naquelas paragens no trabalho humilde do Bem, não tendo condições para elevar-se a patamares mais luminosos.
Zacarias o visitava regularmente, levando-lhe ânimo e palavras de estímulo, sabendo que, mais cedo ou mais tarde, todos seriam recolhidos e que o trabalho de Sávio seria muito importante para o auxílio às vítimas da ignorância que ali estagiavam.
Agora que o processo de sofrimento houvera sido substituído pelo processo de auxílio, todos deveriam seguir para novos ambientes, sendo certo que, além de Pilatos, Sulpício e Fúlvia, o grupo se responsabilizara pessoalmente pelo auxílio directo a mais nove soldados, três que faziam a guarda da gruta trevosa e outros seis que seguiam Sulpício, que, ao contacto com a palavra e a força de Jesus que lhes fora apresentada pelos caravaneiros do Bem, se converteram e aceitaram mudar o rumo de suas vidas.
Dessa maneira, o grupo espiritual de entidades missionárias deveria ser responsável por transportar a planos menos densos o contingente de doze entidades sofredoras, acrescidas de Sávio que, por primeira vez, deixaria os abismos e seguiria o rumo luminoso no qual seria incorporado para o início de uma nova etapa evolutiva.
Reunidos na pequena casa, depois dos esclarecimentos de Zacarias, todos esperavam por suas orientações no sentido do destino que os aguardava.
Assim, o ancião generoso e humilde, com um sorriso que trazia sempre estampado no olhar e nos lábios, sorriso este que fazia parecer fáceis todas as coisas que se apresentavam complicadas aos outros, dirigindo-se aos amigos, passou a dizer.
- Agora, filhos queridos, nossa tarefa se encontra cumprida no seu segundo estágio, graças à permissão do Pai e ao amparo recebido de Jesus. Iremos iniciar a nossa jornada de volta ao ambiente luminoso que receberá nossos irmãos para os tratamentos necessários.
E dirigindo-se a Sávio, informou-lhe, para sua surpresa.
- Querido filho, somos muito gratos por tudo o que você realizou neste ambiente, ao longo de todos estes anos de dificuldades.
Vendo-se citado dessa maneira, Sávio envergonhou-se e abaixou a cabeça, sem coragem até para falar qualquer coisa que apontasse a sua modéstia diante de tal elogiosa referência.
Percebendo a sua reacção íntima, Zacarias continuou:
- Durante todos estes anos, seu espírito sofrido e arrependido habilitou-se para a chegada deste momento.
Seu devotamento, sua paciência e seu sentimento melhorado foram os alicerces deste pequeno, mas importante abrigo no seio da escuridão.
Por isso, o trabalho que você realizou ao longo deste tempo me autoriza a convidá-lo a subir connosco e a preparar-se para o futuro.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Dez 02, 2014 10:05 pm

O que me diz disso?
Sem estar esperando nada daquilo, Sávio imaginava que iria continuar ali, prestando serviços modestos, ajudando os desesperados que desejassem encontrar auxílio de um modo ou de outro, não fazendo nenhuma exigência nem esperando nada que fosse diferente.
Já se havia acostumado à desgraça e ao desalento de tantas almas e sentia uma ventura inigualável quando suas mãos recolhiam entidades destroçadas que eram encaminhadas ao tratamento magnético em lugares melhores, graças ao apoio de Zacarias que, como já se disse, sempre vinha ao pouso pobre de Sávio.
Surpreendido pelo convite de Zacarias, o ex-soldado respondeu, emocionado:
- Paizinho, eu não sei o que dizer.
Esta casinha tem sido o paraíso para meu espírito doente, que encontra no trabalho junto aos miseráveis como eu a compensação que me dá forças para me desculpar de meus crimes.
Não sei se me é lícito deixar meus irmãos de sofrimento para seguir no caminho de luz que o senhor me oferece, deixando para trás estes desditosos.
Vendo-lhe a dificuldade em decidir, Zacarias acrescentou:
- Quanto a isso, meu filho, não se preocupe, pois o Senhor da Vida não abandona seus filhos, e quanto mais estejam atirados na lama, mais os visitam as forças amorosas para que os libertem desse estado de dor e aflição.
A você, no entanto, Sávio, está aberta a porta do trabalho em outras paragens, através do qual seguirá se redimindo e se preparará para a retomada de uma nova jornada na carne a fim de ser aquele que acerta, nos passos trôpegos de um novo corpo.
- Mas o senhor, paizinho, me ajudará do mesmo jeito que me ajudava aqui? - perguntou o pobre espírito, indeciso por não desejar perder a chama amorosa que o alimentava.
- Ora, Sávio, ninguém está falando aqui em afastamentos, despedidas ou separações.
Estamos sempre ligados um ao outro pelos laços do amor verdadeiro e, desde o dia em que nos encontramos no grande barco que nos levou até Massilia, liguei-me a você pelos liames sinceros do Amor que nada é capaz de romper e que, cada passo de sua elevação reforçará ainda mais.
- E eu o envenenei - falou, envergonhado, o soldado, com os olhos lacrimejantes.
Adoptando atitude doce e enérgica ao mesmo tempo, Zacarias replicou, levantando-se e abraçando aquele que adoptara como seu filho:
- Vamos parar com esta lapidação moral que não nos leva a nenhum lugar.
Não existe aqui quem não tenha errado, Sávio.
Não estamos com tempo para ressuscitar nossos martirológios, nem Jesus está com disponibilidade para ficar nos escutando as lamúrias por nossas quedas.
Há muito trabalho pela frente e, se tivemos a coragem de fazer o que fizemos no erro do passado, deveremos direccionar esta coragem que já demonstramos possuir para realizar o que é necessário fazer no Bem, que está carecendo de almas que o exercitem.
Não quero mais ouvi-lo falar de envenenamento.
Eu o amo, meu filho e sei que me ama também.
Disso é que devemos nos lembrar os dois.
Estarei sempre com você, não importa quanto tempo passe, e seremos amigos e irmãos devotados ao Amor de Jesus que, para nós, é aquele que mais nos compreende e melhor nos conhece.
Vendo que o rapaz enxugava as lágrimas com o dorso das mãos como que a mudar o estado de ânimo, Zacarias lhe disse:
- Vamos, dê-me um abraço.
Com este abraço nós selamos para sempre a tampa do esgoto de nossos erros para que não a abramos mais, está bem assim?
Puxando o jovem, que se achava sentado, fê-lo levantar-se e abraçou-o com enternecimento tal que, naquele momento, a luz do coração de Zacarias penetrou profundamente no espírito de Sávio, grosseirão e tosco, em face de tanto tempo de permanência naquelas paragens.
No interior do ex-soldado, um mundo novo de emoções surgiu, inexplicável.
Doçura, afecto, gratidão, alegria, leveza, tudo isto foi-lhe despertado pelo amplexo de Zacarias que, naquele momento estava produzindo um tratamento vibratório em seu discípulo para que ele suportasse sem muito sofrimento o esforço do regresso.
Abraçado por aquele que chamava de paizinho, Sávio sentiu-se um novo ser, despertado em suas mais profundas virtudes, aquelas que todos os seres humanos possuem.
Era isso o que Zacarias sempre procurava fazer com todas as criaturas que encontrava pelo caminho.
Ele tinha o poder especial, com seu modo suave e humilde, de desarrolhar a garrafa das emoções, de abrir o cofre dos sentimentos, fazendo com que as pessoas percebessem as virtudes divinas que habitavam seu interior.
O abraço de Zacarias era algo irresistível.
Possuía tal vibração e tal poder que recebê-lo era sentir-se outra pessoa depois.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Dez 02, 2014 10:05 pm

Sávio, então, se refez e, tomando as mãos de Zacarias, beijou-as com enlevo, dizendo:
- Paizinho, nunca senti o que estou sentindo agora.
Parece que um pedaço do céu veio morar dentro do meu inferno pessoal.
Eu farei o que for necessário e o que o senhor me orientar.
Se for para segui-lo, eu o farei sem medo, ainda que pense comigo que não mereço coisa melhor.
- Pois então estamos entendidos, meu filho.
Subiremos juntos e, nesta cabana ficarão apenas as boas lembranças desta jornada libertadora, graças à qual, todos nós pudemos nos encontrar e sentir a ventura do sentimento do Cristo por nós.
Traga-nos os irmãozinhos que seguirão connosco.
Falando isso, Zacarias desejava que todos estivessem reunidos naquele ambiente para a oração que iriam fazer, a fim de poderem iniciar o regresso necessário.
Seria importante que todos estivessem juntos para sentirem o envolvimento das forças sublimes que os sustentariam na atmosfera vibratória adversa que os esperava, evitando-se os ataques de entidades vingadoras, no esforço de tentarem sequestrar os seus antigos chefes ou comandantes.
Não demorou muito para que, no pequenino ambiente, se reunissem, além dos quatro missionários do Cristo, os dois soldados que os ajudavam - Lucílio e Sávio - e os outros doze resgatados, ainda meio sonolentos.
Lá fora, a noite pesada da escuridão tornava tétricas todas as paragens, não contando com nenhum foco luminoso, depois que a cruz de Simeão se apagara ao término da tarefa de resgate.
Apenas as linhas de defesa vibratória que envolviam a choupana estavam acesas e activadas.
Em seu interior, os quatro espíritos amorosos se postaram um em cada canto do aposento e os outros se permitiram ficar no centro deste ambiente, para que a oração os envolvesse integralmente.
Irmanados pelo ideal de regressar ao seio do Mestre, Zacarias solicitou ao coração maternal de Lívia que fizesse a oração.
Emocionada com a solicitação, a alma daquela mulher que soubera suportar todas as injustiças da Terra com humildade e fé em Deus e em Jesus, se viu transportada para a sua condição de esposa e mãe, passando a sentir por aqueles infelizes o mesmo amor que nutria pelos filhos terrenos.
Elevando o pensamento e abrindo os braços como que simbolizando abraçá-los, no que foi imitada pelos outros três que se colocavam nos outros vértices do aposento, Lívia proferiu sentida oração, como se as palavras não lhe saíssem da boca, mas sim do centro cardíaco:
- Mestre amoroso, aqui nos achamos quais folhas secas entregues ao vento de nossas próprias paixões e erros clamorosos.
Nada somos e nada temos que não tenhamos tomado por empréstimo de teu tesouro majestoso.
E depois de nos termos projectado no abismo de nossas mazelas, eis que, no seio lamacento da desilusão, encontramos estas pedras preciosas que desejamos entregar-te como sinal de nossa gratidão.
Aqui estão os filhos que são as pérolas preciosas do teu ensinamento, para cuja aquisição somos capazes de empenhar todas as nossas riquezas, vender todos os nossos bens e sacrificar todos os nossos poucos valores.
Elas te pertencem, Amado Jesus.
Desejamos entregar-te o que é teu por direito e, assim, rogamos a tua protecção para o nosso regresso ao teu seio que nos aguarda a volta, como o Pai espera a chegada dos filhos viajores que se afastaram em tarefa.
Ilumina nossa jornada, pois nossas forças são pequeninas diante da empreitada que nos espera.
Confiamos em tua amorosa solicitude, pois não temos nada mais do que ela para nos guiar na nossa escuridão e fragilidade.
Enquanto ia falando com o coração de mãe, generoso e límpido, ocorria com Lívia o mesmo que ocorrera com os demais servidores do Bem quando em oração.
Suas próprias faculdades se revelavam e seu espírito, abandonando a forma aparentemente material que envergava, permitia que sua essência se apresentasse aos olhos de todos.
A sua luz passara a refundir todas as criaturas que a cercavam.
Seu peito rutilante parecia revestido de diamantes que brilhavam por si próprios, enquanto que seus trajes de humilde serva, foram substituídos por túnica lirial, que parecia ter sido tecida com raios de luar colhidos da lua cheia que nascia em algum lugar sobre a Terra.
Seus cabelos dourados passaram a esvoaçar como se uma brisa os movesse suavemente.
Seus olhos faiscavam no azul que os coloria e espalhavam chispas fulgurantes directamente sobre os corações dos irmãos que, envolvidos por tal beleza, não tinham palavras para expressar o seu embevecimento.
Os fenómenos luminosos igualmente se faziam sentir nos outros três integrantes daquele balizamento protector, sendo menos intenso do que em Lívia pelo facto de estarem, todos eles, submetidos ao seu influxo, acompanhando-lhe a oração emocionada.
O encantamento diante de tal energia foi ainda maior quando, sem entenderem por que meios, o teto da choupana, construído de palha miserável encontrada naquele ambiente, foi removido, ao mesmo tempo em que as paredes da modesta casinha caíram por terra e, do alto, de um lugar não identificável, uma estrada de luz, como um arco-íris, se projectava sobre aquele local, rompendo todas as barreiras e iluminando os componentes daquele grupo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Dez 02, 2014 10:05 pm

A força da oração de Lívia houvera conectado as fontes superiores que, agora, respondiam ao coração sincero enviando a protecção necessária ao transporte deles aos locais seguros.
A estrada luminosa parecia feita de névoa esvoaçante que só suportaria espíritos que tivessem aprendido a se tornar leves em seus sentimentos de sinceridade e devotamento.
Assim, na casinha, as forças dos quatro espíritos missionários, de braços abertos, como a criar um campo magnético, envolvia os outros integrantes como que em uma bolha de energias que, espelhando a leveza que ia na alma dos quatro missionários, passou a flutuar no ambiente, de maneira suave, como se fosse um cesto de balão a deixar a superfície da Terra e alçar voo.
Para surpresa de todos, amparado pelos quatro pilares luminosos, uma força mais potente os transportava por aquela estrada de neblinas benditas, fazendo-os deixar para trás aquela paragem de tragédias morais construídas pelos erros humanos.
Lentamente, o grupo foi sendo atraído para o leito subtil daquele caminho celeste que, à medida que iam passando, ia se desfazendo à sua retaguarda, recaindo sobre as criaturas do abismo como uma cascata de estrelinhas, remédio de esperança, alimento para o coração desditoso de todos os que ali estavam, sinal do Amor de Deus por todos eles, no desejo de convidá-los a se transformarem e deixarem aqueles sítios de tristeza e dor.
Assim se deu o resgate deles, levados por essa trilha aos planos mais elevados nos quais se preparariam para o futuro que os esperava, na necessidade que todos temos de retomar nossas trajectórias e aprendermos a fazer o Bem, ainda que isso demande muitos séculos e que nós, teimosos ou preguiçosos, nos entreguemos às tendências inferiores contra as quais deveríamos lutar com todas as nossas forças.
Na atmosfera material do mundo, a Roma dos Césares estava às voltas com as sandices de Nero, estimulado pelas entidades loucas que o dirigiam, empolgado em dar vazão ao seu talento teatral e desumano, esgotando suas forças em festins e libertinagens e produzindo ainda mais espectáculos sangrentos usando inocentes como tochas vivas ou como alimento para as feras.
Estava o mundo se aproximando do ano 60 d.C. quando os nossos personagens foram resgatados da treva densa onde se haviam projectado por suas próprias culpas.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Dez 02, 2014 10:05 pm

21 - MAIS UMA VEZ A VELHA ROMA

O teatro humano estava armado para os dramas naturais e necessários à evolução dos povos, tanto quanto dos homens, individualmente.
A acção nociva das entidades necessitadas seguia seu curso, buscando garantir por todos os meios a supressão de qualquer raio luminoso que pudesse levar a esperança aos corações.
E na figura de Nero podiam encontrar todo o tipo de possibilidades, já que o seu espírito imaturo para as grandes tarefas administrativas, vaidoso e cheio de sonhos megalomaníacos, permitia campo livre de acção às entidades trevosas que com ele se consorciavam no governo do império.
Como já se falou anteriormente, no plano espiritual se elevava também um cortejo imperial, apresentando as correspondentes figuras a partilharem os mesmos trejeitos, as mesmas homenagens e os mesmos rituais que os vivos na carne encenavam.
Estreitamente afivelada à personalidade de Nero, o espírito que o dominava por afinidade de defeitos e tendências se fazia tratar, igualmente, como imperador. Tinha seus seguidores, os seus ajudantes de ordem, as criaturas que compunham um corpo de subalternos encarregados de manter os espíritos fracos sob o controle através do medo.
É aí que se faziam importantes os gladiadores cruéis que, uma vez tendo perdido a vida na arena, nas batalhas violentas para o deleite do povo insano, chegavam na atmosfera espiritual densificada por emoções de baixo teor e eram, imediatamente, envolvidos pelos enviados do espírito "imperador", desejoso de manter o recém-chegado sob o seu controle.
Eram espíritos truculentos, que tinham aspecto assustador e, dessa maneira, representavam importante factor de apoio para os planos espirituais negativos, como elementos aterrorizadores.
As lutas invisíveis pelo controle de mais e mais entidades e pela influenciação de maior número de encarnados se tornava ainda mais encarniçada.
Isso porque, desde muito tempo não estava a velha Roma sob tão séria ameaça.
Se é verdade que o movimento estóico havia produzido a sua influência, notadamente no meio dos amantes do pensamento e da filosofia, favorecendo um contingente de criaturas devotadas ao sofrimento resignado, ao estado de afastamento das coisas mundanas, também é verdade que não teve o condão de ganhar a popularidade que viesse a abalar os alicerces da trevosa capital imperial naquele período.
Além do mais, de tempos em tempos a sua influência diminuía e ganhavam proeminência os períodos em que se cultuava Baco com mais fidelidade, favorecendo o rumo descendente da decadente vida romana.
Em geral, os estóicos viviam estoicamente e, ainda que possuíssem representantes no corpo do Senado Imperial, a sua influência naquele período confuso era extremamente inexpressiva, diante de um sistema de forças e interesses que sempre privilegiou a devassidão, a infidelidade, a conquista de riquezas e a facilidade de se manter no cenário político através de intrigas e disputas imorais.
Por isso, para os espíritos trevosos dessa imensa falange organizada que, de maneira directa, manipulava os interesses do governo através da acção ostensiva exercida sobre o imperador e seus mais próximos, era muito simples estabelecer um combate que tirasse do caminho um ou outro adversário que começasse a prevalecer.
A rede de informantes, a acção nociva dos espíritos que induziam os ajudantes do imperador a criar mentiras e forjar provas para derrubar este ou aquele indivíduo acusado de traição, os desajustes orgânicos produzidos por ataques magnéticos, tudo isso se utilizava para que o medo intimidasse o estoicismo, com razoável sucesso.
Da mesma maneira, o povo se mantinha hipnotizado por um constante agitar de festas, emoções fortes, disputas circenses, distribuição de alimentos, mantendo o grosso da população iludida e amortecida naquilo que deveria ser a essência da vida.
Então seria insensatez aderir a um tipo de pensamento que afastasse o indivíduo dos prazeres mundanos, sem lhe conferir qualquer outro prazer melhor.
No entanto, o negativo governo espiritual paralelo, desde algum tempo estava agitado.
A entidade que se auto denominava "grande imperador" passara a observar uma modificação perigosa no panorama da vibração das pessoas, desde o fatídico dia em que um punhado de pessoas inocentes foi entregue à sanha dos leões para a diversão do povo.
Naquela tarde triste em que aquele grupo se reuniu na arena e entoou cânticos elevados, o "grande imperador" se viu surpreendido pela perda de uma imensa quantidade de entidades até então comandadas por suas hostes violentas.
Até mesmo um grande número de gladiadores havia desertado, coisa que levou o governante trevoso a se manter ainda mais vigilante.
Não lhe foi difícil identificar a ameaça.
O ensinamento nobre de uma doutrina diferente e estrangeira chegava a Roma através dos mais simples do povo.
Diferentemente do estoicismo, não se tratava de um movimento do pensamento e sim uma revolução do sentimento que poderia ser compreendida pelo mais simples dos cidadãos e que lhe permitia sentir uma coragem e um destemor que neutralizava os esforços mais cruéis dos agressores, como dera demonstração aquele grupo de heróis devorados pelas feras.
Desde então, o "grande imperador" estabeleceu planos para que tal ameaça não se expandisse, imaginando que com o processo de intimidação levado ao extremo, conseguiria romper o escudo idealista daqueles que se uniam para viver a nova doutrina.
Influenciando a mente doentia de Nero, levando-o aos excessos nos prazeres carnais, fustigando-o com as ideias de que poderia perder a capacidade de governar e que o império estava sendo atacado por um inimigo mais perigoso do que todos os que já existiram, o "grande imperador" povoava de visões trágicas os sonhos de Nero, preparando o seu subconsciente para as intuições nefastas que exerceria sobre ele.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Dez 02, 2014 10:05 pm

O imperador encarnado passara a se indispor contra tudo o que significasse a ideia da nova seita, de perdão, de amor fraterno e, sobretudo, temia a ameaça que se dizia partir da nova crença, de que o mundo estaria condenado, a caminho do fim e que o fim seria num mar de fogo.
Quando tais notícias chegavam aos ouvidos físicos de Nero já encontravam o seu espírito prevenido pelas visões nocturnas que lhe eram facultadas pelo controle magnético produzido pela entidade que o dominava e que mantinha estreito conúbio com seus desejos e fraquezas.
Além do mais, os seus portadores, amigos íntimos, comparsas do governante, criaturas igualmente sem escrúpulos, faziam o relato mesclando a verdade com a malícia, retratando um quadro ainda mais grave a beirar a ameaça e a conspiração pública.
O espírito fragilizado e infantil de Nero, afastado de todos os bons conselhos e influências luminosas, às quais não dava mais nenhuma atenção, se achava perturbado por todos os lados.
Pelo lado magnético, graças à acção alucinatória produzida pelo hipnotismo da entidade que o dirigia.
Pelo lado físico, graças às versões deturpadas que pioravam as coisas para induzi-lo a agir contra os que representavam a ameaça mais grave aos interesses de Roma.
Assim, como a treva não conhece outro recurso a não ser a violência, a ignorância, a ameaça e a tortura, Nero se viu projectado na louca empreitada de combater aqueles que pertencessem à seita cristã ou que fossem acusados de a ela estarem ligados, produzindo-se, então, todo o tipo de espectáculo sangrento para o escárnio daqueles que se dissessem cristãos ou que disso fossem acusados.
O reinado de Nero, então, foi marcado por este tipo de estratégia inferior, através da qual imaginava neutralizar a influência moralizante que a mensagem de Jesus produzia, agora não mais restrita a uma elite de pensadores ou a um pequeno grupo de seguidores de uma filosofia de renúncia e abstinência das coisas do mundo.
A mensagem do Cristo se estava espalhando pelos famintos de amor, pelos pobres desesperados, pelos que não recebiam qualquer consideração dos governantes terrenos e que imaginavam o dia da grande oportunidade, aquela em que todos teriam o que comer, todos seriam tratados com justiça, em que não haveria mais diferenças gritantes.
O Evangelho era o hino de esperanças no meio dos desesperados.
Era urgente intimidá-los com os métodos conhecidos pelas inteligências maléficas, que produzem o terror como o pano de fundo do teatro da vida.
E assim, Nero passou a ser o dócil instrumento de acção desse grande grupo de entidades trevosas, cujo desejo era manter o controle dos homens para impedir que os mesmos melhorassem, que mudassem o estilo de vida, aceitando outros caminhos.
Por isso, atendendo às insinuações subtis que lhe eram projectadas na mente invigilante, o imperador encarnado mais não fazia do que aceder às ideias mirabolantes da entidade que o dirigia, inaugurando a fase das perseguições cruéis aos adeptos ou aos supostos adeptos da mensagem libertadora da Boa Nova.
Sem perceber o que fazia, o período de governo aloucado levou à arena milhares de vítimas inocentes, deixando perplexa a multidão diante daquele cenário em que indefesas mulheres, velhos e crianças eram sacrificados sem qualquer compaixão.
A luta de gladiadores era algo que empolgava, porque os dois lados eram compostos por lutadores preparados para o combate, o que gerava a emoção da torcida.
Ali, no entanto, a emoção da torcida era substituída pela natural aversão pela situação injusta, fazendo com que os assistentes, fossem despertados nos seus sentimentos naturais de comiseração, aqueles sentimentos que todos os filhos de Deus possuem no mais íntimo de seus nobres atributos adormecidos.
Como se dizia que era crença dos cristãos que a Terra acabaria num mar de fogo, para afrontá-los com o seu poder e intimidar os que assistiam ao espectáculo, Nero passou a atrelar os presos cristãos aos postes, embebendo-lhes as vestes em betume e ateando-lhes o fogo para que encontrassem o mesmo destino que haviam vaticinado.
Sim, morreriam num mar de chamas e iluminariam as festas e os jardins do imperador, enquanto ele dedilhasse a sua harpa ou compusesse uma de suas poesias de péssimo estilo.
Entretanto, quanto mais matava inocentes, mais a causa pela qual eles morriam ganhava simpatia e mais ele próprio se tornava impopular.
A reacção do povo não era compreendida por Nero, que imaginava que o teria sempre como um aliado, graças às festas e às atenções que dispensava aos seus caprichos.
Vendo que se alastrava a onda dos cristãos a cada novo espectáculo sangrento, tanto "o grande imperador" quanto a sua marionete humana, Nero, vislumbraram a necessidade de tornar mais grotescas e cruéis as perseguições.
Para isso, engendraram uma catástrofe de dimensões nunca vistas em Roma e, organizados os preparativos, em uma data estipulada na qual o imperador se havia ausentado propositadamente da capital, irrompeu devorador incêndio pelos prédios miseráveis e precários de uma Roma despreparada para combatê-lo.
A violência do trágico incidente espalhou o pânico entre os seus moradores, que se perdiam no meio da fumaça entre o desespero de salvar as poucas coisas que possuíam e o de salvarem-se a si mesmos.
As ruelas, as casas mal edificadas, a ausência de previsão urbanística para eventos de tal natureza, a dificuldade do transporte de água para o combate às chamas fez com que durante uma semana o incêndio devorasse vários bairros e acabasse com grande parte da capital.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Dez 02, 2014 10:06 pm

Nero, chegando à sede do império como se voltasse para atender às emergências daquela hora, como o herói que regressa para salvar o povo, mais não pôde fazer do que aquilo que já estava planejado adredemente.
Culpou os cristãos pelo incêndio, aproveitando-se daquela crença que estes defendiam, já exposta antes, de que brevemente o mundo terminaria em fogo, pregação comum entre os seguidores de Jesus naquele período.
Estribado nesse tipo de argumento, afirmara que os cristãos tinham ateado fogo à cidade para provarem as suas teses religiosas e, por isso, eram os culpados.
Ninguém teve coragem para contrariar a acusação do próprio imperador.
Desse modo, novas e mais cruéis perseguições se abateram sobre os seguidores de Jesus que, a esse tempo, apesar de não muito numerosos, já eram consideráveis entre os habitantes de Roma.
O incêndio de 64 D.C. possibilitou a reurbanízação da capital do mundo daquela época e cobrou dos adeptos da nova religião o preço dos sacrifícios contra os quais as hostes negras dos espíritos ignorantes não sabiam como lutar.
Imaginando que a perseguição iria arrefecer os ânimos dos romanos, o "grande imperador" acabou perplexo ao perceber que só fazia crescer o número dos candidatos ao Reino de Deus, abraçando a nova crença e bandeando para o lado do Cristo.
No entanto, o fim de Nero não tardava a chegar, acossado por perturbações por todos os lados.
Correu a notícia no império que o imperador iria convocar vários dentre os governadores das províncias que ele achava infiéis para humilhá-los publicamente e executá-los.
Assim, com base nessas notícias que, vindas de uma Roma governada por um louco, poderiam perfeitamente corresponder à verdade, vários comandantes de diversas áreas do império iniciaram revoltas contra o governo central, fazendo com que a hostilidade a Nero se espalhasse contando com o apoio militar significativo de vários comandantes do exército.
Após tentar evadir-se de Roma a fim de preservar a própria vida das perseguições que estava sofrendo por parte daqueles que não mais aguentavam a sua conduta amedrontadora e indigna, acabou por se suicidar no ano de 68 D.C., terminando a sua trágica passagem pela Terra no mais alto posto administrativo e, deixando, assim, de ser o instrumento doce nas mãos do "grande imperador", que, agora, buscava influenciar, através de seus comandados espirituais, aqueles que se arvoravam em novos dirigentes mundanos do grande império.
Após o seu suicídio , a acção maléfica de tal grupo espiritual se fez sentir nas inúmeras e dolorosas disputas militares que se seguiram, fazendo com que, no espaço de um ano, três imperadores se sucedessem, disputando o poder romano de maneira sangrenta, enquanto o mundo espiritual superior preparava os destinos daquele que era o maior império da Terra, para encaminhá-lo a um período de paz relativa e considerável progresso social.
Assim, superadas as escaramuças que envolveram os postulantes ao trono - Galba, Otão e Vitélio, - sempre propensos às disputas - no antigo padrão do louco imperador que se matara, o mundo romano se viu apaziguado pelo velho e distinto Vespasiano que, por dez anos reequilibrou o governo romano com medidas drásticas de contenção de gastos, arrecadação de tributos e saneamento de sua economia.
Sob seu governo ocorreram as rebeliões na Palestina que redundaram na destruição do Templo de Jerusalém no ano de 70 D.C. e na derrocada dos últimos judeus rebeldes, entrincheirados na fortaleza de Massada, penhasco inóspito situado ao sul do mar Morto, local onde se entregaram ao suicídio colectivo para não caírem prisioneiros dos romanos, comandados à essa altura por Tito, o filho do imperador Vespasiano.
Enquanto isso, o cristianismo ia permeando as bases dos sentimentos populares dos romanos e se instalando em seus corações como a única mensagem elevada que estava em curso efectivo no caminho dos humanos e que os levava às alturas através da renúncia, do afastamento das misérias do egoísmo, contrastando fortemente com os tristes exemplos que os que governavam o povo vinham dando, exemplos de crueldade, indiferença, egoísmo e desumanidade.
Assim, Nero e o "grande imperador" fazendo o que fizeram, representaram importante factor acelerador do processo de despertamento do sentimento da massa, tornando-se catalisadores da reacção humana às arbitrariedades que representavam com os modos terríveis de se conduzirem.
Com essa modificação do ambiente geral, o mundo espiritual abria caminho para que, depois de Tito e seu irmão Domiciano, Roma passasse a ser governada por imperadores equilibrados e razoavelmente generosos e lúcidos, naquilo que ficou conhecido como a era dos "cinco imperadores bons".
No ano de 117 D.C., depois de Nerva e Trajano, subiu ao trono de César o imperador Adriano, que governaria os seus domínios com uma visão cosmopolita, educado que fora segundo os costumes helénicos, admirador da arte grega e da filosofia Platónica.
Afinal, não era sem tempo que o mundo romano precisava de um pouco de paz e equilíbrio para que as experiências evolutivas pudessem seguir no rumo da elevação.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Dez 02, 2014 10:06 pm

22 - CLÁUDIO RUFUS

Corria o ano 126 d.C. e o templo de Júpiter regurgitava.
Como a principal divindade dos romanos, o deus pagão que se erguia como o mais poderoso dentre todos eles também possuía a reverência do maior número de cidadãos, sempre interessados na troca de favores, na conquista de coisas e na manutenção de privilégios.
As visitas aos templos daquela época, quase tanto quanto hoje, eram motivadas por queixumes materiais, insatisfações amorosas, sofrimentos físicos, dissabores da vida, requisitando dos adeptos a entrega de oferendas através das quais se imaginava conseguir a simpatia e a protecção daqueles seres, tidos como superiores, mas tão ou mais temperamentais do que os homens.
Por se tratar da mais importante autoridade no panteão tradicional, seu templo era, igualmente, o mais vistoso e o espelho dessa importância no cenário confuso das crenças romanas.
Em seu interior, uma imponente estátua de ouro representando a divindade Júpiter impressionava os olhares dos humanos mortais, intimidados pela estrutura grandiosa de uma figura tida como omnipotente sobre as vidas de todos os que se lhe dirigiam as orações e os pedidos, apesar de que, no mesmo templo, outros dois deuses, Juno e Minerva, eram homenageados desde os idos tempos dos Tarquínios que, por volta de 500 a.C. já haviam dedicado aquele Santuário aos três deuses.
As pessoas, naquela época, reverenciavam tais deuses, entre os quais dominava Júpiter, da mesma forma mecanizada ou rotineira como actualmente muitas criaturas se dirigem às igrejas e assistem a cerimónias, acreditando possuírem algum poder mágico pelo simples fato de sua celebração, a não lhes exigir qualquer participação ou adesão do espírito.
Os sacerdotes, reproduzindo uma infinidade de rituais e cultos que se foram desenvolvendo ao longo dos séculos, buscavam agradar os deuses como meio de assegurar a protecção e a boa vontade.
Assim, o tempo encarregou-se de fazer nascer toda uma série de rotineiras celebrações, multiplicando-se os santuários onde elas eram desenvolvidas, bem como o número de divindades que chegavam à vida dos romanos, sem constrangimentos inclusive para adoptarem divindades de outros povos e adaptá-las aos deuses domésticos e conhecidos.
Júpiter, no entanto, imperava soberano, representando o centro do culto pagão e aquele que, no entendimento da nacionalidade romana, ser-lhe-ia o augusto protector, o supremo fortalecedor e o garantidor da prosperidade nacional, sobre todos os demais povos e os demais deuses.
Cláudio Rufus, jovem integrante da casta romana, algo que hoje equivaleria à dos administradores públicos, naquela Roma que se via em processo de restauração pela iniciativa do competente e sábio Adriano, penetrava o ambiente do templo faustoso com o coração oprimido.
Tinha sob seu comando um vasto batalhão de homens a serviço do imperador que, por força de suas funções governamentais, estava constantemente afastado da capital imperial, percorrendo as diversas regiões de seus domínios.
Cláudio Rufus era responsável por toda a organização das reformas urbanas que Adriano havia determinado, estando, naquele momento, às voltas com o gerenciamento da construção do que ficou conhecido pela posteridade como o Panteón.
Sua estrutura arquitectónica era um dos desafios mais impressionantes que os engenheiros da cidade podiam enfrentar.
Acostumados à construção de estradas modernas, aquedutos robustos, circos e teatros de vários tamanhos, agora lhes competia vencer um desafio pouco enfrentado até então.
Tinham que edificar um novo templo de proporções diferentes daquelas até então conhecidas.
Tratava-se de um edifício que, pela visão cosmopolita do imperador, deveria ser o lugar onde se congregariam todos os deuses, dai o nome Panteón, no interior do qual, em sete reentrâncias se acomodariam as estátuas representativas, possivelmente, das divindades ligadas ao céu, como Marte, Júpiter, Vénus, Mercúrio, entre outros.
Sua estrutura monumental que se elevava a quarenta e cinco metros do solo tinha como base e ambiente principal, o salão circular no qual se prestaria culto aos referidos deuses, circundado por colunas e pilares de mármore polido que suportavam a estrutura das paredes superiores e, na altura de, aproximadamente, vinte e dois metros, se unia a uma cúpula em forma de esfera à guisa de telhado.
Assim, o desafio de engenharia era o de manter o teto abobadado sem nenhum apoio, no vão imenso de um diâmetro de quarenta e cinco metros.
No entanto, para torná-lo ainda mais problemático, o imperador houvera determinado que uma abertura circular bem no topo da cobertura esférica deixasse passar a luz do sol que iluminaria naturalmente o interior da construção.
As proporções avantajadas e o desafio de se enfrentar a lei da gravidade, de maneira até então nunca afrontada e vencê-la, era o duelo típico dos arrebatados romanos daqueles tempos, sempre desejosos de demonstrar a sua força e o seu poder, sua capacidade e sua técnica, superiores até então a toda civilização existente.
A abóbada significaria o firmamento e a abertura por onde a luz penetrasse funcionaria como a representação do sol a iluminar tudo à sua volta.
As divindades, colocadas em seus nichos, representando os planetas conhecidos pela observação astronómica de então, estariam no mesmo ambiente, como costumeiramente se encontravam partilhando o céu nocturno na visão dos homens.
Cláudio estava às voltas com a edificação do panteón que, por todos estes desafios reunidos, não lhe deixava tranquilidade para cuidar de si mesmo.
A filosofia de Adriano à frente de um império vastíssimo e que, a duras penas, fora restaurado dos desvarios da era dos imperadores irresponsáveis que quase levaram tudo à derrocada, era a da seriedade administrativa, da correcta aplicação dos recursos públicos e do saneamento de todos os gastos através da fiscalização rigorosa.
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Cláudio, assim, embora pouco entendesse de engenharia, por pertencer a influente grupo político como herdeiro de uma tradição familiar importante, fora convocado por seus pares e indicado pela estrutura do governo imperial para servir a Roma na supervisão dos gastos, na fiscalização das despesas, na orientação e gerenciamento daquela edificação.
Sua posição, assaz delicada, era vista por todos como a do vigia poderoso que, tendo que dar a última palavra em termos de gastos, era bajulado e temido ao mesmo tempo em que era odiado naquela cidade cheia de contradições e intrigas.
Para que pudesse melhor avaliar o curso da edificação, Cláudio servia-se da ajuda de pessoas de sua confiança pessoal e que, afeitas às técnicas de edificar, podiam alertá-lo, orientá-lo sobre o andamento da obra.
Não podia, entretanto, deixar que a obra fosse interrompida por questões administrativas ou contáveis, precisando ficar na difícil posição daquele que tem de fazer as coisas caminharem, injectando recursos ao mesmo tempo em que é responsável pela fiscalização das obras e dos gastos, sendo culpado tanto pelo atraso do cronograma quanto pelos desvios ou excessos do orçamento de sua execução.
Naturalmente, não era uma posição invejável, a não ser pela importância que seu cargo possuía por aproximá-lo directamente de Adriano, a quem, finalmente, caberia prestar contas.
Seu amanhã era incerto, pois a cada etapa da construção surgiam problemas técnicos que precisavam ser corrigidos, a exigirem materiais diferentes.
Precisava fornecer pedras, concreto, madeira, operários, alimentos, mármores, para que a construção não se atrasasse. Tinha que fiscalizar um exército de homens que variavam do mais abrutalhado e forte carregador de peso ao que se considerava o mais competente arquitecto, além dos artífices e escultores, mestres pedreiros, operários, sem falar na turba de curiosos, dos atravessadores, dos espiões, dos intrigueiros, todos desejando interferir no fornecimento de materiais, inflacionando os preços, desejosos de oferecer a sua mercadoria, além daqueles que, sempre buscando uma brecha em toda a vigilância, tentavam surripiar coisas, ferramentas ou valores das vistas dos responsáveis.
Cláudio Rufus estava com os nervos em frangalhos.
Sua compleição física robusta não o impedia de ser atingido pelo bombardeio de problemas a lhe consumir as forças e produzir os desarranjos orgânicos característicos da estafa.
Suas noites eram povoadas de sonhos catastróficos que se caracterizavam, ora pela chegada do imperador antes que a obra estivesse terminada, ora pela queda da grande rotunda superior, numa tragédia tão grande quanto a chegada inoportuna de Adriano.
Sem condições de reclamar do trabalho para ninguém, o jovem Cláudio nem parecia aquele cuja idade, na faixa dos trinta e oito, aconselhava a necessidade de constituir família e ter filhos.
Encontrava-se sozinho, sem pretendentes ou compromissos, pois, apesar de suas responsabilidades administrativas, sua vida emocional era mais instável do que o grande domo que se tentava equilibrar sobre aquelas paredes verticais do panteón.
Como rapaz do seu tempo, Cláudio se permitia envolver em todo o tipo de aventuras físicas, como forma de dar vazão aos impulsos emocionais, na consideração de que aos homens era permitido tudo realizar, estando as mulheres a seus serviços, para serem usadas segundo as necessidades ou desejos masculinos.
Por isso, apesar de não conseguir encontrar felicidade em nenhuma dessas aventuras carnais tão comuns tanto naquela quanto na época de hoje, Cláudio se atirava ao trabalho como forma de ocupar seu tempo e preencher sua necessidade de reconhecimento, tentando fazer o melhor e apresentar a obra dentro da previsão originária, aos olhos admirados de um Adriano embevecido com o sucesso e a beleza da construção.
Por isso, satisfazia-se com os encontros superficiais com mulheres sem realce, criaturas que perambulavam por aquela Roma desumana à cata de qualquer coisa que lhes garantisse a sobrevivência por mais um dia.
Por si mesmo, não desejava compromissos familiares, ainda que visse nisso o destino de todo o romano de sua estirpe, o que ia deixando para mais tarde, desculpando-se com a realização de seus sonhos em primeiro lugar.
Família representaria entraves, preocupações, limitações ao seu desejo de progredir e realizar.
Continuaria com a sua tarefa e, quando os deuses o desejassem, arrumaria uma romana de boa tradição e se casaria para que ela lhe servisse de fábrica de filhos que lhe perpetuassem o nome e lhe garantissem, na tradição religiosa de seu tempo, o amparo e a protecção para a sua alma depois da morte.
As dores e as preocupações mentais, no entanto, eram as cruéis companheiras de todos os dias, disputando entre si as atenções daquele que se perdia entre números e contas, relatórios e despesas, pedidos e exigências.
Só mesmo Júpiter poderia auxiliá-lo.
E se não era um indivíduo afeito a tais ligações profundas na religião que nasce do coração, era um daqueles homens que faziam da religião o jargão comum das práticas exteriores, comparecendo ao templo de Júpiter Capitolino como quem vai a uma repartição levar um ofício e pagar por seu protocolo junto à autoridade a que se destina.
Era assim que a maioria dos romanos se relacionava com os deuses.
Pagavam, ofereciam e esperavam os seus favores, sem compreenderem a essência nem a profundidade da relação entre os homens e as forças superiores que os mantém vivos.
Cláudio Rufus buscava o ritual formal para solicitar o apoio do mais poderoso dos deuses para o trabalho hercúleo que somente o mais capacitado dentre todos poderia levar a efeito.
Precisava que tudo desse certo e que sua saúde fosse preservada a fim de que as suas tarefas chegassem a bom termo.
Com a mente cheia de pedidos, penetrou no recinto do templo sumptuoso e, mais uma vez, espantou-se com o olhar coruscante daquele Júpiter intimidador que se punha diante dele em um trono talhado por mãos habilidosas, como a conferir-lhe o poder sobre todos os seres vivos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Dez 02, 2014 10:06 pm

23 - AS MISÉRIAS DA CAPITAL IMPERIAL

Feitas as oferendas tradicionais acompanhadas pelas preces rotineiras e mecânicas, Cláudio se sentia mais aliviado em seu íntimo por buscar o apoio da divindade considerada a mais importante no mundo romano e, com isso, estar aliado à força poderosa que, certamente, não lhe iria faltar na hora mais necessária.
Depois de cumpridas as normas do ritual, Cláudio se dirigia para a saída do templo quando, à porta, foi cercado por um grupo de crianças miseráveis, que lhe solicitavam auxílio, pedindo-lhe uma moeda.
O estado dos pequenos era de produzir compaixão em qualquer um.
Filhos sem qualquer amparo, tinham que aprender a sobreviver por si mesmos, sendo obrigados a levar algum dinheiro aos seus pais ou para aqueles que os exploravam porque sabiam que todos se sensibilizavam com os apelos infantis mais do que com a pobreza dos adultos.
No entanto, era constrangedor o fato de os que haviam entrado naquele templo sumptuoso, no alto do monte capitolino, em seu interior haviam deixado valores monetários expressivos para comprarem as graças dos deuses e, quando saíam, enxotavam as famélicas crianças alegando que não possuíam nada para lhes dar.
Grosseiramente, a maioria dos devotos generosos com os deuses de pedra, aos quais entregavam seus recursos para obterem seus favores, expulsavam os pobres que os perseguiam pelas escadarias do templo, implorando ajuda.
Cláudio não era muito diferente da maioria.
Conquanto não fosse mau, tinha os hábitos de seu tempo e tratava as coisas com a superficialidade típica da praticidade romana.
- Não tenho nada, já dei tudo o que tinha.
- Por favor, moço, ajude. Estou com fome... - pedia uma criança suja e descalça.
A cena podia ser emocionante se não fosse, por si só, a trágica expressão do egoísmo humano que, naquela cidade construía prédios de mármore caríssimos para abrigar estátuas, enquanto as pessoas passavam fome e eram obrigadas a todo o tipo de estratégias e delitos para conseguir continuar vivendo.
As mãozinhas sujas seguravam os transeuntes pelas túnicas bem talhadas, produzindo na maioria uma reacção de asco ou de brusco afastamento, no gesto que pretendia livrar-se daqueles infelizes e miseráveis pedintes.
Os que ousavam parar o passo e ameaçar entregar alguma coisa a algum dos que pediam eram, imediatamente, cercados por um batalhão de meninos e meninas que, aos gritos, também queriam a sua parte, como se fossem pássaros famintos que, de longe, identificassem algum ser bondoso que lhes estivesse oferecendo sementes.
A revoada naquela direcção não tardava.
O tilintar das moedas era a senha para os desesperados iniciarem a algazarra.
E o impulso generoso no coração das pessoas era imediatamente interrompido pelo receio de ser destroçado pelo alvoroço que se produzia.
- Eu também quero, dá para mim também, ele já recebeu, ele não precisa - eram os gritos de todos os que se acercavam da pessoa que se dispunha a amparar com alguma moedinha.
Por esse motivo, não era fácil para os que queriam ajudar, realizar a doação no meio de todos aqueles atentos esfarrapados, prontos a atacar o primeiro desavisado.
Além disso, se a pessoa não tomasse cuidado, ao se ver cercada pelos pequenos, corria o risco de ser assaltada pelas mãozinhas espertas que iam invadindo as dobras das roupas e, no meio da confusão que se orquestrava, do empurra-empurra, os mais hábeis iam surripiando dos mais invigilantes ou ingénuos os bens e recursos que eles diziam não possuir.
Cláudio conhecia todos estes comportamentos e não se deixava levar pela compaixão ingénua.
- Podem ficar longe de mim, todos vocês - gritava ele com energia.
Não se aproximem que eu não vou dar nada para vocês, seu bando de ratazanas - falava áspero e bem humorado, demonstrando certa intimidade com aquele grupo que corria atrás de seus passos.
- Senhor Cláudio, Senhor Cláudio, os ratinhos estão com fome
- respondia algum menino mais arrojado, obrigando o jovem administrador a interromper o andar e voltar-se para eles.
- E quem disse a vocês que eu tenho cara de criador de ratos?
- voltava a perguntar, num exercício de desafios verbais que sempre terminava em alguma moeda para os mais inteligentes e espirituosos.
- Ora, Senhor, e aquela ratoeira redonda imensa que o senhor está construindo... não é para colocar a sua criação de ratos lá dentro?
Dizem que só tem uma abertura no teto exactamente para que os ratos não fujam! - respondia um outro, mostrando intimidade.
- Ora, ora, seu safado, quem foi que lhe contou estas coisas? - indagava Cláudio, se fazendo de zangado para levar adiante a brincadeira.
- Foi um rato gordo que fica por lá quando o Senhor não está.
Disse que ele vai morar ali com todas as ratazanas de Roma, quando o prédio ficar pronto.
Agora, pelo tamanho da ratoeira, tão imensa e tão grande, a gente fica só imaginando o tamanho do queijo... dá até dor no estômago só de imaginar aquele queijão pendurado lá dentro sendo devorado pelos ratos com fome, como a gente.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Dez 02, 2014 10:07 pm

Vendo que a molecada levaria a conversa e as piadas até o fim do dia se ele permitisse, Cláudio se deu por vencido e lhes disse.
- Está bem, seus ratos famulentos.
Enquanto a ratoeira não fica pronta e o queijo não está lá para atrair vocês, vou antecipar umas moedas para que já possam ir se preparando para o dia da grande prisão dos ratos na ratoeira de Adriano - disse ele abaixando a voz para que as suas últimas palavras não fossem ouvidas por algum indiscreto funcionário do imperador.
Caíram na gargalhada todos os pequenos que, pelo simples fato da atenção que Cláudio lhes prestava, se haviam esquecido por alguns instantes da própria condição miserável e se achavam pertencentes à raça dos homens, mesmo quando eram comparados às ratazanas infectas dos esgotos.
Acostumados ao modo de ser daquele administrador mais amigo do que os outros, todos se postaram em fila e, um por um iam chegando até ele e recebiam uma pequenina moeda e, assim como pegavam a peça de metal pobre, todos depositavam um beijo de agradecimento nas mãos generosas ou nas barras das vestes, como era costume dos miseráveis demonstrarem a gratidão ou submissão aos benfeitores.
De uma certa forma, aquele gesto de subserviência era um enaltecimento à personalidade dos que se achavam melhores e mais elevados na categoria dos beneméritos por terem dado alguns míseros centavos, no dinheiro da época.
Dispersados todos os pequenos, que nas suas andanças constantes em busca de restos de comida e de lixo aproveitável, sabiam que Cláudio era o responsável pela edificação do Panteón não muito longe do templo de Júpiter, buscou o administrador retomar o trajecto que o levaria de regresso ao prédio cuja construção supervisionava.
No entanto, tão logo girou o corpo e deu os primeiros passos na direcção que o levaria ao destino, tropeçou em algo e, perdendo o equilíbrio, viu-se projectado ao solo.
Escutando o barulho da queda, os meninos, que se haviam afastado buscando retornar às escadarias do Templo de onde tinham saído na perseguição ao benfeitor, voltaram-se para ver o que havia acontecido e, percebendo Cláudio estendido no chão, a maioria prorrompeu em grossa gargalhada, imaginando que se tratasse de um escorregão inesperado.
Retomando o controle do corpo físico, o jovem romano tratou logo de levantar-se e recompor os trajes que se haviam descomposto com a queda e, indignado com a vergonha e com os risos irreverentes daquelas crianças, que poucos instantes antes lhe haviam beijado a mão ou a túnica, Cláudio preparava-se para correr com eles como se os fosse castigar pelo insulto e pelo desrespeito, quando teve a sua atenção chamada para o local onde havia caído.
Isso porque ali estava o motivo de seu tropeção.
Sem entender de imediato o que estava vendo, deixou de lado a preocupação com os galhofeiros pedintes para observar melhor o que havia se passado e lhe havia produzido a queda.
Tratava-se de um amontoado de panos rasgados, estirados na via por onde ele ia passar e que fora o responsável pelo seu desequilíbrio.
E para surpresa do jovem romano, a pilha de tecidos malcheirosos se movia.
Sim, aquilo era uma pessoa encoberta pelos retalhos e que, tanto quanto ele próprio, fora surpreendida pelo peso que se projectara sobre ela, com a queda do homem.
A visão era inusitada. Cláudio abaixou-se para poder ver melhor do que se tratava, já que a miríade de ruelas e passagens escuras que compunham a urbanização precária e sem planeamento daquela cidade, deixava aquele ambiente parcamente iluminado naquela hora do dia.
Vendo a curiosidade de Cláudio, os meninos foram se achegando, imaginando que ele tivesse encontrado alguma coisa sobre o piso.
Curiosas como sempre, as crianças também se aproximaram e, antes que o benfeitor conseguisse entender o que se passava, um dos meninos afirmou, com naturalidade.
- Ah! O construtor de ratoeiras tropeçou no imperador... -e deu outra risada, no que foi seguido por todos.
- O que é isso, Fábio? - perguntou Cláudio indignado com a ironia e as risadas, observando que ali estava uma pessoa deitada.
- Ora, Senhor Cláudio, a sua queda se deveu exactamente ao grande imperador que estava no seu caminho e o senhor não viu, só isso.
- Nós sabemos que não se trata de nenhum imperador.
Quem é que está aí, escondido no meio dessas roupas sujas?
- Bem, meu senhor, nós o chamamos assim porque, quando o conhecemos, nos disseram que seu nome era Domício Nero Octávio Caio Júlio César... - relacionando os nomes de vários imperadores famosos e cultuados pelos romanos.
Assim, com tanto nome importante, resolvemos chamá-lo de grande imperador, porque se fosse só imperador, a coisa era pequena demais para tanta gente importante junta...
Entendendo o que significava aquela expressão, Cláudio perguntou aos meninos que o cercavam:
- Como é que vocês o conhecem? Já faz tempo que ele está por aqui?
- Ah!, sim, muito tempo.
É a sua mãe quem o conduz pela cidade, na sua carruagem imponente para conseguir algum dinheiro.
Mas como ele fica deitado e não pode falar, parece esse monte de pano jogado na rua. Eu mesmo nunca vi a sua cara porque, assim que a mãe se afasta, ele a esconde nos panos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Dez 03, 2014 10:56 pm

Vendo que não conseguiria mais informações dos garotos, Cláudio animou-se a levantar o tecido que cobria o rosto daquele ser que, até então, não identificavam, a não ser por baixos gemidos, que demonstravam estar vivo sob aqueles panos.
No entanto, era tão repugnante o estado de tais envoltórios, que para levantá-lo, Cláudio buscou uma vara em algum recanto a fim de não colocar as mãos directamente.
E à singela revelação da face, mesmo na penumbra do ambiente, todos se afastaram arrepiados, inclusive o próprio Cláudio.
- É um pestoso - gritou Fábio, o jovem esperto do grupo de pedintes.
- Pelos deuses, como é que deixam isto ficar jogado onde a gente passa todo o dia! - falou outro garoto, igualmente assustado.
Cláudio estava impressionado com o que vira, ainda que, com a noção adulta e mais amadurecida, buscara conter a demonstração de repugnância que sentia.
Nas pedras frias do calçamento, estava um ser que não deveria possuir mais do que dez anos de vida, mas absolutamente disforme, com a face corroída e descarnada que lhe revelava os dentes apodrecidos, como se a pele não tivesse tido condições de cobrir o rosto por inteiro.
A parte inferior do rosto se parecia com os crânios das caveiras que insistem sorrir com a exibição dos dentes.
A parte superior da face, no entanto, trazia, encovados nos ossos salientes, dois olhos tristes, acostumados à condição miserável de enjeitado.
Nascera como uma criança normal, mas tão logo começara a dar sinais da enfermidade que o devorava, foi abandonado pela verdadeira progenitora, uma prostituta inescrupulosa que, observando o avanço da doença que se acentuara depois dos cinco anos de idade, deixou o menino na porta da casa das virgens vestais na esperança de que ali ele fosse acolhido.
Tocada pelo estado de fraqueza da criança abandonada à porta, a sacerdotisa principal, conhecida pelo título de "Grande Vestal", por ser a mais idosa dentre todas as mulheres que ali permaneciam com incumbências religiosas muito importantes e bem definidas, procurou uma maneira de amparar o infante abandonado, encarregando pessoas de sua confiança de lhe darem alimento e cuidarem de protegê-lo, fornecendo seus recursos pessoais para que tal se desse.
Ocorre que, pelas suas específicas atribuições, era vedado a qualquer vestal relacionar-se com coisas exteriores, o que impunha que tais cuidados com o pequeno fossem mantidos em absoluto sigilo.
Depois de dois anos financiando a criação da criança que, dia a dia dava mostras de piora na doença que ia ganhando terreno, a Grande Vestal acabou denunciada como traidora de seus votos, acreditando-se que sua ligação com aquele menino fosse decorrência da própria maternidade, o que era vedado a qualquer mulher que ingressasse na função de virgem vestal, devendo manter-se virgem por todo o período de trinta anos em que servisse como guardiã da chama sagrada.
Suspeita de ter perdido a virgindade em face de sua ligação com uma criança e acusada por pessoas que não lhe eram simpáticas, nas lutas pelo poder dentro da própria agremiação das vestais, a Grande Vestal acabou condenada a ser sepultada viva.
Com o cumprimento da punição, ficou a criança novamente desamparada e, a esta altura, já causava repulsa nos que se acercassem dela, uma vez que o estado da doença ia deformando-lhe a aparência, impedindo que um sentimento de amor sincero pudesse se estabelecer a benefício de sua protecção.
Atirado ao abandono novamente, o pequeno que, por causa da lepra tivera corroídas as cordas vocais, não falava nem emitia sons compreensíveis, limitando-se a gemer ou a produzir algum ruído grotesco.
Visto por uma das prostitutas que perambulavam pelos becos sujos daquela Roma pervertida de tantos séculos, acabou sendo acolhido por Serápis que, despida de qualquer sentimento, viu na figura daquele ser disforme, uma outra fonte de rendimentos que poderia ser explorada, exibindo-o pelas ruas da cidade para produzir compaixão nas pessoas e delas extrair o dinheiro que tanto cobiçava.
Apesar de ser desumano o propósito de Serápis, a sua necessidade de ganhar dinheiro a obrigava a manter a vida do pequeno deformado, dando-lhe algum alimento para que não viesse a perder o investimento em virtude de sua morte por inanição.
Era algo parecido com o circo dos horrores que precisava manter alimentadas as atracções que renderiam alguns trocados.
Assim, Serápis levava o pequeno até determinado local assim que amanhecia e, colocando uma tabuleta mal escrita, informava aos curiosos passantes que o pedinte necessitava de ajuda para sobreviver.
Ninguém sabia qual era o seu nome, mas Serápis sempre gostara dos nomes pomposos, das designações de nobreza, do título que impressionasse.
Fosse, então, para homenagear esta ou aquela figura importante na tradição imperial ou fosse porque a jovem pretendia ironizar o pequeno miserável com nomes ilustres de um império cheio de hipocrisias e contradições, o certo é que Serápis, sem nenhum amor verdadeiro por aquele enjeitado, resolveu baptizá-lo com o nome dos mais importantes personagens daquela Roma poderosa, reunindo os prenomes que correspondiam à sucessão desordenada dos mais famosos imperadores, a começar por aquele que incendiou a cidade e a reconstruiu, a quem Serápis admirava, no pouco conhecimento de história que possuía.
Para dizer-se dona daquela atracção horrorosa, apresentava-se como mãe do menino e, como ele tivesse dificuldade em se locomover, pela fraqueza dos músculos, Serápis tinha um carrinho de madeira, improvisado meio de transporte que conduzia o pequeno para os lugares da cidade.
Segundo os outros meninos que conheciam Domício e o chamavam de "grande imperador", aquele carrinho era a carruagem do poderoso governante.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Dez 03, 2014 10:56 pm

A visão grotesca daquele ser, agora descoberto em sua feiura e deformidade, penetrara o mais profundo sentimento de Cláudio que, a partir daquele dia, não conseguiria retirar de seus pensamentos a figura repulsiva, malcheirosa e, ao mesmo tempo, triste e acanhada daquele garoto que, diferentemente dos demais pedintes, nada podia dizer, pouco podia locomover-se e só conseguia verter algumas lágrimas dos olhos tristes e desesperançados.
Impressionado com o que vira e com os dizeres frios daquela placa de madeira que pedia ajuda, Cláudio depositou algumas moedas sobre o tecido gasto no qual se ocultava Domício, o "grande imperador" e tomou o rumo do Panteón, onde o trabalho o esperava, intenso.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Dez 03, 2014 10:56 pm

24 - SERÁPIS

Não muito longe daquele sítio onde Cláudio se havia impressionado com o aspecto horripilante daquela criança que, na sua pouca idade já tinha que suportar tão pesado fardo, encontrava-se aquela que se apresentava como a sua progenitora.
Serápis era uma prostituta que, apesar de jovem, pelo estilo de vida que levava, já trazia em seu corpo as marcas do desgaste, o que a transformava em mercadoria sem muito valor no mercado das tentações e dos prazeres fáceis.
Outrora detentora de apreciável beleza, a jovem, que nascera nas condições miseráveis do Esquálido, região das mais pobres daquela cidade opulenta e injusta, longe de se conformar com os limites impostos pela situação de carência económica, deliberou, tão logo se viu atirada às lutas da sobrevivência, conquistar a sua parte no festim libertino que lhe garantiria melhores condições materiais de vida.
Os seus pais eram pessoas sem escrúpulos e, não possuindo qualquer esclarecimento mais nobre sobre as coisas da existência, viviam como quem se preocupa em chegar ao final do dia com algum ganho que lhe garantisse o dia seguinte.
Por isso, desde pequena, Serápis foi colocada por eles na indústria da mendicância, aprendendo com os exemplos dos adultos como se conduzir para sensibilizar as pessoas endinheiradas.
No início, era carregada pela mãe que não tinha, pela criança, qualquer sentimento maternal.
Acostumada à busca das sensações fáceis, sua mãe era outra mulher devassa que poucos princípios ou virtudes possuía, e os poucos que havia recebido, os havia esquecido para que se permitisse viver naquela civilização corrompida.
Sempre a lei do menor esforço a guiar os passos das criaturas. Com a justificativa de que "as coisas são assim" ou "todo mundo faz", a mulher produzia filhos como uma pessoa que arregimenta trabalhadores para o seu exército de pedintes.
Os mais crescidinhos já seguiam os passos dos pais, pedindo pelas ruas e tendo o dever de trazer alguma coisa ao final de cada dia, sob pena de serem rudemente castigados.
Os menores, como o caso de Serápis, eram a isca para fisgar os homens pelo coração, expondo a miséria infantil carregada nos braços maternos a fim de atingir-lhes o bolso.
Serápis, tão logo ganhou forças e cresceu um pouco mais, foi iniciada pelos próprios irmãos na arte de correr pelas ruelas mal iluminadas daquela grande cidade em busca da sobrevivência.
Cada nova incursão pelas ruas era uma descoberta que enchia o coração daquela menina de esperanças.
Deixando as misérias do Esquilino e procurando acercar-se dos bairros melhores, onde os palacetes cantavam a muda canção do egoísmo humano, Serápis se deslumbrava com aqueles mármores brilhantes e sumptuosos, os palácios, as liteiras douradas, os véus esvoaçantes, as estruturas arquitectónicas.
Algo em seu íntimo lhe dizia, sem que pudesse explicar como, que já houvera conhecido aquela opulência, que já vestira aquelas vestes luxuosas, que já pisara aqueles palácios outrora.
No entanto, isso lhe chegava como uma vaga lembrança inexplicável, com sabor amargo ou melancólico, ao mesmo tempo em que seu espírito rebelde se propunha a reviver as mesmas emoções de um passado que ela não sabia explicar.
Deliberou, então, para seus objectivos do futuro que, custasse o que custasse, iria entrar naquelas casas de luxo, passar pelos seus salões, penetrar nos ambientes requintados.
Já não desejava ser a miserável criança do Esquilino.
Seu rostinho bonito, que ganhava formosura à medida que seu corpo de mulher ia se modelando na adolescência, passou a ser a arma de Serápis para a concretização de seus intentos.
Sem deixar passar nenhuma das lições aprendidas no mundo áspero que a criara, Serápis percebeu que naquela cidade se vencia mais facilmente a luta da existência quando se tinha dinheiro, poder ou beleza.
As duas primeiras condições não lhe beneficiaram desde o berço.
No entanto, a terceira parecia estar lhe concedendo o beneplácito do complacente sorriso, o que seria muito bem aproveitado por ela.
Sem qualquer antecedente de nobreza, Serápis sabia que não poderia esperar qualquer união matrimonial que lhe garantisse melhor posição na vida social daquela cidade de preconceitos, sempre aberta para os contratos de casamento onde o interesse e as conveniências financeiras ditavam os motivos principais das uniões.
Assim, desenvolvendo a natural tendência para a astúcia, Serápis entreviu que não conseguiria entrar na sociedade romana pela porta da frente, mas que as portas dos fundos dos mais sumptuosos palácios estavam sempre escancaradas para a devassidão, para as facilidades e o desfrute dos desejos mais ignóbeis.
Ciente disso, Serápis não se deixou envolver por nenhuma das fantasias infantis ou juvenis na busca do amor masculino que a pudesse iludir ou manter.
A vida exigia disciplina e controle das emoções para que os objectivos maiores pudessem ser atingidos.
E nesse planeamento minucioso, Serápis passou a buscar libertar-se de seus exploradores adultos, aos quais não se ligava por nenhum laço de afectividade sincera.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Dez 03, 2014 10:57 pm

Se recebia alimento era para que não perecesse e desfalcasse a equipe de funcionários da mendicância que seus pais tinham construído para a manutenção de suas vidas sem muito esforço.
Impulsiva e temperamental, não suportava a condição de dependência e sonhava com o momento em que pudesse se desenvencilhar daquela armadilha mesquinha que a impedia de ser o que desejava na busca da construção do sonho de mulher importante e abastada.
A chance apareceu quando seu pai morreu depois que sofreu uma queda do alto de uma escada, ficando a família sem aquele que a dirigia pelos padrões culturais do domínio masculino inquestionável.
Agora sem o despótico, violento e indiferente controlador de tudo, tanto a jovem quanto seus outros irmãos se sentiram um pouco mais aliviados, já que a mãe não possuía as mesmas características agressivas, apesar de ser mulher fria e sem consideração por ninguém.
E entendendo que a condição social que ostentavam iria exigir que algum outro varão assumisse o controle da família, impondo novas rotinas de despotismo e exploração, Serápis tratou logo de buscar fugir daqueles que compunham o grupo familiar.
Sem avisar ninguém, a jovem arrumou a pequena trouxa de roupas e os poucos pertences que possuía e, com o aperto do coração aventureiro e a alegria do pássaro que abandona a gaiola, saiu por aquela cidade desafiadora à procura de seu destino.
Os contactos com a riqueza, nos processos de pedir ajuda nas ruas, haviam produzido em sua mente, o mapa claro e seguro daquelas vielas e caminhos, dos bairros mais afastados e dos locais mais fáceis para se conseguir sobreviver.
Sabia como manipular os sentimentos masculinos ao mesmo tempo em que era capaz de se fazer de inocente e bisonha criatura para não levantar o ódio de outras mulheres, sempre maliciosas e prontas a se tornarem obstáculos em seu caminho.
Depois que deixou a casa, tinha em mente todo o plano que iria cumprir meticulosamente.
Precisava de um trabalho e, como era mulher, tinha que ser como serviçal na casa de algum homem poderoso ou rico.
Para isso, precisava cair nas graças de algum dos funcionários administradores com incumbências de fazer compras para as necessidades das famílias.
Por isso, tinha em mente a necessidade de permanecer junto ao "fórum Olitórum" o local onde a riqueza romana buscava adquirir as verduras, frutas, e alimentos frescos que abasteciam a capital imperial.
Ali, os empregados mais importantes, com funções de dirigir a administração de palácios e casas senhoriais, tinham que ir para a aquisição dos melhores produtos e, então, era lá que Serápis precisava montar sua armadilha.
Não foi difícil para ela se fazer notar.
Sua beleza jovial e alegre era sempre facilmente percebida por homens inescrupulosos que, na sociedade machista de todos os tempos, não viam na mulher senão o objecto para saciar seus prazeres animais.
Estando ali, desprotegida, era presa fácil para qualquer indivíduo mais truculento que desejasse abusar de sua condição feminina.
No entanto, precisava correr esse risco para que lograsse o seu objectivo maior.
Sair da miséria tinha o seu preço.
Depois de uma semana avaliando o terreno, observando os frequentadores do lugar, vendo como é que se comportavam e para onde iam, Serápis já tinha montado a estratégia, para ser notada.
No entanto, enquanto pensava sobre as coisas que tinha que fazer e os passos que deveria dar, o próprio destino se encarregou de produzir os factos que a levariam adiante.
Sem perceber o perigo que estava correndo, em certa manhã, quando observava os mais auspiciosos candidatos à abordagem para a solicitação de um trabalho, usando a sua beleza e o seu jeito de menina pobre como armas, Serápis foi surpreendida por braços fortes que a agarraram por trás, enquanto que um odor forte de bebida lhe chegava ao nariz, misturado ao cheio acre ou azedo de um corpo pouco afeito ao banho.
- Vem cá, minha deusa, que eu vou te servir como o mais fiel devoto - sussurrava sarcástico aquele brutamontes, enquanto beijava o seu pescoço violentamente, roçando uma barba malcheirosa em sua pele.
Era Célio Bacus, um dos trabalhadores braçais daquele local que, como Serápis, também estava sempre espreitando as oportunidades a fim de retirar delas o que fosse mais favorável ao exercício de seus vícios e ao desfrute dos poucos prazeres que se poderia permitir, naquele estado de repugnância e desleixo.
Percebendo que seria inútil lutar contra aquela massa de músculos e gorduras, Serápis começou a protestar educadamente, dizendo que ele não precisava ser violento com ela, que ela lhe concederia tudo o que ele desejasse.
Vendo que a garota não o repelira bruscamente, como estava acostumado nas inúmeras outras vezes em que violentara outras mulheres, aquele homem afrouxou um pouco a guarda para poder permitir que a garota se virasse para ele e melhor apreciasse a sua presa, nos contornos físicos que cobiçava.
Assim que se viu um pouco mais livre, Serápis observou que, não muito longe de seus braços, os restos de um carregamento de grãos haviam deixado grossos pedaços de madeira, entre os quais um deles que lhe serviria perfeitamente para "acariciar" o insolente e carente bandido que a fustigava.
Agindo com hábil domínio de si mesma, sabia que deveria conduzir o tolo carregador até o local onde poderia livrar-se dele.
Dominando o próprio asco, acariciou aquela barba espinhenta, como se se dispusesse a ser carinhosa com o homem que, convencido, se deixou levar pelas emoções primárias e infantis.
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Série Lúcius - A Força da Bondade / André Luiz Ruiz - Página 4 Empty Re: Série Lúcius - A Força da Bondade / André Luiz Ruiz

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Dez 03, 2014 10:57 pm

- Venha comigo - disse ela - adocicada.
Aqui é muito movimentado para fazer aquilo que queremos.
Mais para lá está tudo mais quieto e ficaremos mais à vontade.
Vendo que o propósito da jovem era ceder sem dificuldades, o homem se deixou levar para o local onde, realmente, parecia que teriam maior privacidade, sem, contudo, soltar-lhe um dos braços que apertava como um alicate.
Serápis, mais do que depressa, tomou o rumo desejado e, percebendo que o homem estava excitado com a perspectiva de conseguir o que tanto seus desejos carnais almejavam, foi se aproximando da pilha de troncos e madeiras abandonadas e, tão logo as atingiu, com a desculpa de que precisava livrar-se das roupas para facilitar o processo, abaixou-se discretamente como se fosse desamarrar as fivelas que prendiam as dobras de tecido em seu corpo e segurou fortemente com ambas as mãos o pedaço de madeira que usaria para satisfazer aquele celerado e perturbado cidadão.
Não titubeou.
Um único golpe, uma certeira paulada no meio da testa daquela montanha de gordura fez correr o sangue pela fronte e o obrigou a apoiar-se para não cair.
Ocorre que, apesar de ser um golpe certeiro, Serápis não tinha a força suficiente para manejar aquele instrumento com a violência necessária para derrubar o agressor.
Assim, sem conseguir fazê-lo perder os sentidos e percebendo o estrago que tinha produzido em seu rosto, viu-se obrigada a largar tudo e sair correndo pelo meio do mercado, aos gritos, perseguida por aquele gorila em forma de gente, xingando-a de todos os piores nomes e desejando agarrá-la para vingar-se da afronta.
Serápis sabia que sua vida estava em jogo e, por isso, saiu gritando por socorro, derrubando tudo o que tinha pela frente, frutas, bancadas, pilhas de sacos mal arrumados, para dificultar o avanço do perseguidor.
E logo atrás vinha o brutamontes gritando e produzindo mais estragos.
Serápis gritava e pedia ajuda enquanto que o mercado romano se via às voltas com aquela cena inusitada na qual uma jovem desesperada e semi-despida corria perseguida por um aparvalhado monte de banhas e músculos, malcheiroso e sangrando.
A gritaria fez efeito e, para alívio da jovem, a figura de Licínio se apresentou à sua frente, rodeado de escravos fortes que haviam ido até o mercado para realizarem o transporte das mercadorias até a casa senhorial que ele representava.
- Senhor, por favor, aquele gorila miserável está querendo me violentar.
Ajude-me, ajude-me - gritava ela, agarrada ao homem que trazia um porte naturalmente mais forte e, ainda por cima, estava protegido por mais de meia dúzia de musculosos escravos.
- Calma, criança, calma.
Você está segura, agora. Ninguém vai lhe fazer mal.
Não demorou para que Célio Bacus, o agressor, chegasse para reivindicar aquilo que achava pertencer-lhe, ao menos para que pudesse desafrontar a ofensa recebida.
- Entregue-me essa ladra, essa bandida, pois eu vou castigá-la pelo mal que me fez.
Tentou me roubar e ainda me agrediu.
- Ora, homem, respondeu Licínio, como é que você quer que acreditemos nessa história ridícula, quando basta olhar para os dois e poderemos ver quem é que estava querendo roubar o quê e de quem.
- Você está me chamando de mentiroso, seu salafrário - esbracejou Célio Bacus.
- Não, meu amigo.
Estou apenas dizendo que o seu tamanho, a sua roupa suja, o seu bafo de bebida, e o desarranjo de seus trajes, deixando à mostra as suas reais intenções, demonstram que o que sua boca fala não é a mesma verdade que o seu corpo demonstra.
Nesse momento, Célio levou as mãos ao tecido que lhe envolvia a cintura e que lhe servia de espécie de calça rudimentar, podendo notar que as aberturas inapropriadas revelavam os objectivos escusos e os seus desejos vis, acusadores directos e reveladores dos verdadeiros intentos no ataque à jovem fugitiva.
Pego de surpresa pela própria distracção, corou de súbito, já que estava sendo observado por grande número de passantes que se haviam aglomerado ao derredor para presenciar o desfecho da inusitada perseguição.
- Mas essa bandida me machucou - vociferou o homem.
- E machucou pouco diante do mal que você pretendia fazer-lhe. - respondeu Licínio mais sério.
- Você não pode me impedir de castigar essa sirigaita, essa prostituta dos infernos.
E notando que precisava colocar um fim naquela conversa, Licínio foi firme e peremptório:
- Você tem duas escolhas, meu amigo.
Amarrar suas calças e seguir sua vida, respeitando os outros e bebendo menos, ou, corajoso como já demonstrou serão tentar violentar esta jovem, enfrentar todos estes escravos que terão muito prazer em lutar com você.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Dez 03, 2014 10:57 pm

Célio Bacus olhou ao redor, engoliu a seco e, dizendo palavrões e impropérios, optou por amarrar as calças adequadamente e tomar outro rumo.
A cena curiosa havia terminado e as pessoas, sempre ávidas de emoções e prazeres primitivos, se retiraram para a continuidade de suas rotinas.
Vendo que havia sido salva por aquele homem vigoroso e sereno, Serápis ajoelhou-se diante dele e beijava-lhe a túnica bem talhada, agradecida.
- Vamos, minha jovem, levante-se.
Eu nada fiz.
Além do mais me servi destes homens como argumento convincente.
O mérito é todo deles - disse Licínio apontando para os escravos.
Vendo o seu estado de desequilíbrio e nervosismo, o comprador de verduras se interessou em conversar um pouco mais, enquanto dera ordens para que os servos fossem recolher as mercadorias necessárias, tomando o cuidado de manter um deles por perto, para o caso de Célio voltar de súbito.
- Mas o que é que uma jovem tão esbelta está fazendo aqui, neste lugar tão perigoso até para os próprios homens?
Tentando se manter calma e demonstrar controle, Serápis contou-lhe, de forma resumida, a sua história, terminando por dizer que tinha ido até lá para ver se encontrava trabalho na casa de alguém, já que não tinha para onde ir.
Serápis não parava de chorar, ao se lembrar de seu estado de miséria, da condição sub-humana em que vivia desde que deixou o também miserável ambiente familiar.
Vendo que a jovem apresentava belo e harmonioso conjunto físico, Licínio se animou a contratá-la para serviços na casa faustosa a que ele próprio servia, já há muitos anos.
Não seria preciso dizer que a sua condição, ainda que exercendo a função de confiança como administrador, não o colocava acima do "status" de empregado.
Tinha o poder de contratar ou demitir segundo os critérios da necessidade do serviço e, por isso, podia levar a jovem para o palácio sem qualquer problema.
Além do mais, a beleza da jovem tocou-lhe o coração solitário e, num primeiro impulso, sentia vontade de envolvê-la com seus braços protectores e carregá-la para um lugar onde pudessem edificar uma família.
Num relance, Licínio se sentiu responsável por Serápis e, como o benfeitor que espera ajudar aquela criatura fragilizada, passou a imaginar a possibilidade de se tornar mais do que um simples apoio para que a garota deixasse aquela vida.
No seu coração, acendeu-se a chama da esperança de encontrar uma companheira na figura daquela jovem trémula.
Dando forma aos pensamentos, dirigiu-se à jovem, compreensivo e generoso como era da sua natureza:
- Se você deseja trabalhar, posso ajudá-la nisso, mas precisará aprender o serviço e obedecer ordens, pois meus senhores são muito exigentes e não desejo desapontá-los.
Serápis não acreditava no que estava ouvindo.
Se Licínio exigisse dela os mesmo favores físicos que Célio tinha tentado obter à força poucos minutos antes, ela acederia prazenteira, desde que isso a levasse até o seu objectivo.
Ah! Querido leitor, sempre os interesses pessoais por detrás de todos os actos.
Licínio, todavia, não desejava igualar-se aos abrutalhados e violentos animais com forma humana.
Se admirava as formas da Serápis era para encontrar nelas a mulher que poderia ocupar o centro de sua vida afectiva.
O sentimento de gratidão fez com que Serápis beijasse suas mãos e se submetesse a qualquer disciplina para aprender o serviço.
Não iria desapontá-lo e aprenderia tudo rapidamente.
Dessa maneira, naquela manhã, Serápis acompanhou Licínio para o novo destino que a aguardava.
Enfim, o palácio estava sob seus olhos cobiçosos e vaidosos de mulher.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Dez 03, 2014 10:57 pm

25 - NO PALÁCIO

Serápis não podia crer no que estava vislumbrando, como se a jovem saísse do pior pesadelo e penetrasse no mais lindo sonho.
Caminhando ao lado de Licínio, aproximavam-se de uma grande construção senhorial, na qual os mármores, as colunas, as estátuas não foram economizadas, na demonstração da importância de seus moradores.
Não é necessário dizer que os que habitavam aquele local eram romanos tradicionais, práticos, apegados ao seu mundo, ligados aos interesses mesquinhos de todos os tempos, que entronizavam o poder e o dinheiro acima do próprio valor humano.
Marcus Cornélius, seu proprietário, ali se mantinha faustosamente, à custa de um Estado que se fincava na tradição das famílias patrícias que se garantiam umas às outras graças a casamentos arranjados, nos quais os interesses da fortuna material vinham antes de qualquer acerto dos corações.
Por isso, a sua esposa, Druzila, pertencia ao mesmo círculo de tradições e costumes corruptos, pouco lhe importando as noções de elevação e respeito, virtudes da alma que não tinham qualquer valor imediato aos seus olhos.
Marcus e Druzila desempenhavam bem o papel social que naquela grande cidade se tornava o mais comum.
Os que se uniam por interesses e acabavam algemados um ao outro, entre ódios mal dissimulados e desejos insatisfeitos.
Suas existências haviam tomado o rumo trágico da convivência sem emoção, depois que a euforia inicial da união foi substituída pela rotina fria e indiferente.
A gravidez de Druzila colocou-a em um outro estado de espírito, sensibilizada pelas modificações hormonais, fazendo com que passasse a se sentir mais carente, esperando os cuidados de seu marido que, uma vez constatado o estado gravídico da mulher, passara a evitá-la.
Os cuidados das escravas não lhe bastavam para tal complementação afectiva.
Marcus era o varão que lhe devia cuidados naquela situação tão especial como a do nascimento de seu primeiro filho que, conforme a tradição religiosa valorizava, deveria ser do sexo masculino.
Marcus, no entanto, apesar da juventude e da razoável beleza da esposa, pouco se preocupava com as coisas da paternidade, já que levara a vida nas constantes aventuras sexuais e conquistas amorosas, não se vendo na obrigação de modificar o seu antigo comportamento pelo simples fato de ter-se consorciado com Druzila.
Levava a união como alguém que mantém a família com o tesouro de seus bens ao mesmo tempo em que se permite dissipar sua riqueza com as aventuras extraconjugais, como se essa fosse a postura normal da alma humana.
À medida que o corpo de sua esposa se arredondava pelo avanço da gravidez, mais e mais distância o marido mantinha dela, não a tratando com total indiferença, só porque pretendia que seu estado fosse acompanhado por médicos competentes para garantir-lhe a chegada do futuro herdeiro de seu nome e defensor de seus antepassados.
Fora isso, Marcus em nada mais buscava a proximidade de Druzila.
Não adiantavam os protestos velados ou exaltados da mulher.
Garrafas de vidro precioso e potes de cerâmica adornados eram atirados nas paredes nos surtos de descontrole que a atingiam.
Nesta condição, o marido ainda mais se sentia autorizado a afastar-se dela, alegando o seu desequilíbrio e sua loucura passageira, atribuída à gravidez que lhe modificava os impulsos como acontecia à maioria das mulheres.
Em sua condição de carência, Druzila passou a encontrar na solicitude de Licínio o ideal paternal e confiável que lhe substituía o próprio marido.
Ainda que o administrador se mantivesse correctamente distanciado de qualquer relacionamento que se interpretasse suspeito, o coração de Druzila se voltara naturalmente para ele, como o único homem respeitoso e interessado na satisfação de suas necessidades, que a cercava de atenção e respeitosa solicitude.
Como dona da casa, Licínio se mantinha a ela vinculado pelos laços de subalternidade que, sabia, não podiam ser rompidos e que o deixavam vulnerável a qualquer acusação indigna.
Druzila, ao contrário, sabendo de sua superioridade, passara a manter Licínio mais perto de si própria, já que Marcus passava o dia cuidando de seus interesses materiais e boa parte da noite cuidando de seus interesses corporais, fora de casa.
Assim, inúmeras vezes, Druzila criou situações embaraçosas para seu servidor, esperando seduzi-lo, provocá-lo ou aproximar-se dele como mulher, ainda que naquele estado de gestante.
Dotada de beleza harmoniosa, ainda que não fosse considerada a mais linda das mulheres, seu corpo não havia atingido o estágio mais avançado da gestação e guardava as linhas formosas da matrona exuberante e voluptuosa que correspondia aos interesses estéticos da época.
Muitas vezes, por ordem da senhora, as escravas que a serviam introduziam Licínio nos aposentos privados, alegando o chamamento urgente da dona da casa que precisava falar-lhe, ocasião em que o administrador era defrontado por uma Druzila seminua ou em trajes sedutores e transparentes, justamente para observar a reacção de seu servidor, nos mais subtis movimentos e olhares.
Licínio, surpreendido por essa conduta, passara a esquivar-se tanto quanto podia do assédio da esposa de seu patrão que, apesar de não atender aos seus anseios femininos ou afectivos, continuava a merecer dele o respeito e a protecção.
Quanto mais o homem se esquivava, mais Druzila atacava, estimulada pelo jogo de gato e rato.
Inúmeras vezes, quando a ocasião o permitia, a jovem esposa se lamentava para seu empregado de confiança acerca do comportamento do marido, chegando até mesmo às lágrimas na tentativa de sensibilizá-lo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Dez 03, 2014 10:58 pm

Na luta para manter-se fiel aos seus deveres perante o senhor que a ele confiara a condução dos interesses gerais de seu palácio, Licínio escutava as queixas da mulher, reconhecia certo grau de razão em suas lágrimas, sem que se pronunciasse sobre o acerto ou desacerto da conduta do patrão, já que não se via no direito de julgar-lhe os actos.
Druzila se encantava com os modos virtuosos daquele jovem e belo exemplo de dignidade romana, pouco conhecido por ela em seu estágio de vida nababesca e fútil, nos círculos onde fora educada.
Naturalmente, Druzila sabia mover as coisas e manipular as cordas de seus interesses a fim de que não chegasse ao desonroso proceder de revelar-se ao administrador, o que seria um rebaixamento aos olhos de seu preconceito.
No entanto, desejava manipular-lhe a emoção e dali extrair as melhores sensações, como o predador que vai atraindo a vítima para a armadilha que montou, esperando que ela venha a projectar-se nela por um descuido seu, livrando-se de qualquer responsabilidade visível.
Druzila, conhecendo os interesses masculinos naquela sociedade de homens, geralmente iguais nas fraquezas do sexo e nas carências do afecto, havia aprendido a explorá-las e excitá-las, já tendo conquistado o coração de muitos rapazes nos seus tempos de solteira, para logo mais descartá-los como coisa sem valor.
Com Licínio, no entanto, as coisas estavam sendo mais difíceis e isso estava aguçando a sua curiosidade e exigindo mais de sua astúcia.
À medida que se encantava com os modos do empregado da casa, menos se importava com as condutas de Marcus, que passou a sentir-se aliviado com a trégua que a esposa passara a conceder, sem se importar em descobrir os porquês de tal modificação.
Atribuía-a ao cansaço, à melhora, ao acalmar natural ante a sua conduta que pouco valor ou atenção lhe concedia aos caprichos voluntariosos de mulher que deseja chamar a atenção.
As coisas estavam nesse passo quando Serápis chegou ao palácio faustoso e ali foi admitida por Licínio para que servisse nas inúmeras funções, além de auxiliar a senhora na fase da maternidade efectiva que se aproximava.
Além disso, Licínio vinha agasalhando a ideia de conseguir colocar junto de Druzila uma jovem que pudesse fazer-lhe mais companhia, o que abrandaria, talvez, as necessidades de afecto da gestante.
Assim, planejava observar os modos de Serápis para que, assim que se apresentasse o momento, fosse colocando a bela jovem ao lado da esposa e proprietária, fazendo com que entre mulheres que se auxiliassem mutuamente, os anseios sedutores de Druzila fossem esquecidos.
Dentre todas as opções, esta era a única que estava ao seu alcance.
Foi, portanto, como se os próprios deuses tivessem providenciado aquele encontro.
Não contava, contudo, que o capricho dos numes tutelares fosse tão vasto a ponto de trazerem-lhe uma jovem que lhe inspirasse os sentimentos mais belos no coração idealista, no afã de constituir uma família e dar rumo ao seu destino e aos herdeiros de suas próprias tradições.
Depois de chegarem ao ambiente nobre do palácio, Licínio informou a Serápis que ela seria levada ao alojamento dos empregados e ali deveria aguardar, modificando a sua vestimenta por outras que lhe seriam dadas, fazendo a higiene pessoal, limpando-se dos maus odores corporais, naturalmente acumulados pela falta de asseio adequado, no estilo rude de vida que levava, a fim de poder ser apresentada aos proprietários e admitida, finalmente, aos serviços daquela família.
Entendendo que a sua condição ainda não era definitiva, Serápis esmerou-se em cumprir todas as determinações de Licínio, banhando-se da melhor forma possível e vestindo-se de maneira esmerada e cuidadosa, apesar das vestes simples de serva, vestes estas que eram muito melhores do que as de quase mendiga que ostentava até minutos antes.
Licínio deu as ordens administrativas que eram necessárias na condução dos interesses da família a que servia e, assim que sua presença se fez notada de volta ao palacete, uma das servas de Druzila foi até ele para levar-lhe a convocatória da dona da casa, a fim de que fosse ter com ela.
- Lá vamos nós novamente, nessa dança maluca entre a gata e o camundongo - pensou Licínio, bem humorado consigo mesmo.
Dirigiu-se ao local indicado e, assim que chegou, recebeu a ordem de entrar no vestíbulo onde Druzila tomava seu desjejum, fingindo despreocupação.
Reverente e respeitoso como sempre, Licínio curvou-se cerimoniosamente ante a patroa, dando a entender que ali estava para servir-lhe.
- Bom dia, Licínio - falou ela, fingindo desinteresse.
- Bom dia, minha senhora - respondeu-lhe.
- Estive procurando você durante boa parte da manhã e não o encontrei.
- Sim, minha senhora.
É que hoje é o dia de buscar as frutas frescas, legumes e demais alimentos para as nossas despensas, a fim de que nada vos falte nesse período tão importante por que estais passando.
- Ah! Sim, o "olitorum" - respondeu Druzila, referindo-se ao mercado de verduras - você sempre atento às minhas necessidades, Licínio.
Creio que quando meu filho nascer vou colocar-lhe o seu nome, pois você tem sido mais pai dele do que meu marido.
- Não digais isso, senhora!
Meu senhor Marcus é um homem importante e muito ocupado com a manutenção dos interesses desta casa, na administração de seus bens e recursos para que não vos falte nada nem ao filho que vai chegar.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Dez 03, 2014 10:58 pm

E vendo o cuidado de Licínio com a defesa de seu tratante esposo, Druzila desejou mudar o rumo da conversa.
Fazendo-se de despercebida, deixou que a alça de sua túnica caísse pelo ombro e revelasse boa parte do busto, num dos seus estratagemas favoritos para provocar Licínio e medir-lhe os interesses.
E fingindo que não percebia o que estava se passando, continuou a conversa.
- Sabe, Licínio, eu o chamei para dizer que, nesta noite, escutei muitos ruídos estranhos e não consegui dormir, o que me fez levantar tão tarde, como não é o meu costume.
E enquanto falava olhando para o administrador, media a sua reacção ante a visão de seu colo descoberto, provocadora.
Licínio não podia deixar de responder e, para isso, necessitava olhar para a senhora, tudo fazendo para não demonstrar qualquer surpresa ou interesse que pudesse ser interpretado como desejo indigno da parte de um criado de confiança, ante a sua patroa seminua.
Vendo que a reclamação de Druzila lhe concedera a desculpa mais convincente, tão logo lhe foi concedida a palavra, e fingindo não ter visto os gestos provocativos da mulher, Licínio virou-se para as janelas abertas e para elas se dirigiu como que a ir observar a fonte dos ruídos que haviam produzido a precária noite de sono.
- Quer dizer, então, senhora, que os barulhos vieram deste lado? - falou ele, já na janela, fiscalizando o vasto cortinado que a mantinha isolada do mundo exterior.
Creio que podem ter sido os bichanos, cujos hábitos nocturnos produzem ruídos que, às vezes, chegam a parecer como lamentos, gritos ou choros de criança. Quando os gatos namoram, fazem ruídos muito diferentes, ronronam, roncam, e o que não falta por aqui é gato e gata namoradores - falou ele, tentando safar-se da situação, ao mesmo tempo em que se referia indirectamente às insinuações de Druzila.
Compreendendo a situação de Licínio e o seu constrangimento, a jovem esposa de Marcus se encantava ainda mais com a postura que interpretava como timidez daquele jovem tentador e, aproveitando o seu gesto de aproximar-se da janela, sem que ele se desse conta, Druzila levantou-se da cadeira onde se encontrava e, silenciosamente, aproximou-se do mesmo local onde Licínio se encontrava olhando os telhados ao longe, como se, curiosa, também desejasse ver o que estava do lado de fora.
Aproximou-se do jovem e, sem que ele percebesse, postou-se bem perto e disse, com voz maliciosa de mulher experiente nas conquistas:
- Deixe que eu também veja onde os gatos e as gatas namoram, Licínio.
Tomado de um susto brutal, Licínio, que não esperava escutar a voz de Druzila assim tão perto de seu ouvido, já que estava de costas para a mulher, empertigou-se, assumindo a postura recta de um soldado na posição de sentido, mantendo-se de costas, imaginando qual seria a intenção da mulher ao aproximar-se tanto dele.
Vendo que Licínio não se virava, Druzila colocou um de seus braços sobre o seu ombro e acercou-se ainda mais, como que desejando olhar por cima da espádua do servidor constrangido, provocando-o de modo mais insinuante.
Vendo-se assim tentado, sem se virar para que não ficasse de rosto quase colado ao da esposa de seu patrão, respondeu:
- Bem, senhora, ficai observando daqui que eu vou providenciar junto aos escravos para que façam uma limpeza em toda a região imediatamente, a fim de que nenhum gato ou gata venha a fazer sua corte debaixo de vossas janelas, incomodando-vos o descanso.
Mais tarde regressarei para dar-vos contas da operação.
E, dizendo isso, cuidadosamente se afastou do contacto físico que Druzila provocava para observar-lhe a reacção masculina.
Ao sair do aposento, no que não foi impedido pela hábil jogadora que era Druzila, Licínio suava por todos os poros, já que, a cada dia, aquela mulher se tornava mais ousada em suas investidas.
Bendita a hora em que ele encontrara Serápis, fosse para encantar os seus sentimentos e ocupar seus pensamentos, evitando que fracassasse em sua luta contra as provocações de Druzila, fosse para que ela significasse uma nova companhia à gestante ousada, o que impediria a sua acção mais exaltada.
- Preciso dar logo um jeito de colocar mais gente entre mim e essa mulher desesperada que ainda vai fazer a minha desgraça, sem que tenha nenhuma culpa.
Imagine se o senhor Marcus chega ali naquele momento, vendo essa cena, o que seria de mim? - pensava, preocupado, Licínio, enquanto tomava o rumo dos aposentos dos empregados onde havia deixado Serápis entregue aos preparativos para o seu ingresso nos serviços da casa palaciana.
Lá, onde fora colocada tão logo chegara ao palácio, Serápis estava pronta, aguardando nos aposentos da criadagem, como lhe havia sido determinado.
Seu coração estava acelerado pela emoção daquele começo e a figura de Licínio lhe dominava o pensamento, como sendo aquele benfeitor generoso e belo que poderia, perfeitamente, dela obter todos os favores carnais que desejasse.
Nesse estado de coisas e buscando disfarçar os devaneios nos quais viajava, Licínio entrou no aposento modesto, não sem antes bater à porta para verificar se poderia ali ingressar.
- Tudo pronto, minha menina? - perguntou o administrador, surpreendido pela beleza renovada de Serápis, agora limpa, arrumada e, na medida do possível, perfumada pela higienização da água corrente.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Dez 03, 2014 10:58 pm

- Sim, meu benfeitor.
Estou pronta para servir-vos sem vos causar qualquer contratempo, obediente e submissa.
E como não tive muito tempo para me revelar adequadamente, gostaria de vos dizer que meu nome é Serápis, mas não sei se esse nome será do vosso gosto ou do agrado dos patrões, pelo que não me incomodarei se desejarem modificá-lo.
Dizendo assim, a jovem desejava reforçar na mente de Licínio o seu nome para que ele parasse de chamá-la de "menina", já que gostaria de ser tratada como mulher por aquele que lhe parecia o melhor homem que havia encontrado.
No fundo de seu sentimento, uma atracção feminina despontava por aquele belo exemplar masculino, ainda que na condição de servo de um palácio.
Ouvindo a preocupação da moça, Licínio encantou-se ainda mais com o seu modo humilde e tranquilizou-a:
- Bem, Serápis, não será necessário modificar o seu nome que, de resto é bem do meu agrado e o será também dos nossos patrões.
Admiro a sua preocupação e a compreensão de que, neste ambiente, os que sabem seu lugar duram mais tempo do que aqueles que se consideram acima de suas próprias posições.
Somos servos e se nos conduzirmos bem como tal, obedecendo sempre, mantendo-nos atentos e prestativos, mais tempo ficaremos a serviço de nossos senhores que, apesar de jovens e um pouco imaturos, são generosos e cordiais, não nos deixando nada faltar, no pouco de que necessitamos.
Vendo que Licínio não a chamara mais de "minha menina", Serápis sorriu e baixou o olhar demonstrando acatamento.
O coração dos dois, por motivos diferentes, sentia a atracção espontânea um pelo outro, ainda que Licínio, com trinta, fosse mais de dez anos mais velho do que ela.
Licínio, atraído pela sua beleza e encantamento, na condição daquele que sente vontade de proteger com ternura uma criatura à mercê da sorte, no abandono da vida.
Serápis, atraída pela maneira protectora daquele que a havia tirado da rua e da miséria e a introduzido na vida de sonhos que sempre desejara.
O tempo e as fraquezas humanas, no entanto, se incumbiriam de modificar tais sentimentos.
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