LUZ ESPÍRITA
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Série Lúcius - A Força da Bondade / André Luiz Ruiz

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Série Lúcius - A Força da Bondade / André Luiz Ruiz - Página 3 Empty Re: Série Lúcius - A Força da Bondade / André Luiz Ruiz

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Nov 30, 2014 10:11 pm

14 - O ESFORÇO DO BEM

Retomando o curso da conversação, Zacarias quis saber de Sávio como estavam aqueles que seriam objecto de sua visita, naquela região sombria.
Buscando ser eficiente, apesar de sua condição espiritual comprometida com o erro, Sávio apresentou breve relato sobre o estado dos seres envolvidos naquele drama colectivo.
Sulpício, o mais cruel dentre todos eles, era o dirigente de uma falange espiritual inferior, composta, em sua maioria, por espíritos de soldados romanos, acostumados às crueldades e a uma disciplina que modelara neles a obediência e a submissão absolutas.
Em face de tal condição e por ter exercido um dos postos importantes junto à administração romana na Palestina, como braço direito de Pilatos, Sulpício ganhara a admiração de muitos soldados, conquistando comparsas, construindo uma rede de informantes e cúmplices, trocando tantos favores com outros espíritos malévolos que, agora, permanecia naquela área como o que dirigia um grande grupo a ele devotado não se sabe se por confiar em sua liderança ou por temer a sua violência.
O certo é que se mantinham fiéis, à sua sombra.
Ele próprio, Sávio, depois de ter escolhido se posicionar junto daqueles irmãos, em cumprimento ao dever de consciência assumido com o gesto impensado do envenenamento de Zacarias, escolhera assumir a forma degradada na vestimenta e na aparência física para que não destoasse dos demais e, quando oportuno, pudesse se aproximar daqueles que, conforme eles próprios denominam, eram conhecidos por ali como "hóspedes".
Em algumas ocasiões, conseguiu avistar-se com Pilatos, acomodado precariamente no fundo de uma caverna escura, quando fora até ele para levar-lhe alimento, a mando de Sulpício que, com seus olhares astutos, observava a conduta de Sávio para poder averiguar a sua maneira de ser e sua intenção.
Logo depois desse encontro, quando o antigo soldado destacado pelo Amor para servir aos que ainda não sabiam amar se aproximou de Pilatos, deliberou Sávio não mais voltar àquela furna, pois temia que fosse identificado e, assim, colocasse a sua tarefa em uma delicada situação.
Além do mais, temia que Sulpício o enviasse para o recinto onde se "hospedava" Fúlvia, conhecida como "a predilecta", na boca dos soldados maliciosos que guarneciam o lugar.
Tendo se envolvido numa paixão cega por aquela mulher, Sávio não sabia como reagiria ao contacto com sua vibração peculiar e, por isso, temia colocar-se em risco tão sério.
Todos eles, no entanto, estavam em péssimas condições.
Depois de ouvirem o relato em silêncio, Zacarias agradeceu a Sávio todo o empenho e cuidado no cumprimento da missão áspera a que se candidatara por imperativo da consciência culpada, que procurava resgatar-se no trabalho de Amor por aqueles que faziam parte do drama no qual ele tivera um pequeno papel, mas, ainda assim, um papel decisivo.
- Estamos aqui para amar a todos, não pelo mal que fizeram no passado, e sim pelo Bem que haverão de fazer no futuro, como é da Lei do Universo.
Por isso, nos impõe a aproximação e, com isso, o esforço de nos mantermos em equilíbrio para que não nos falte a protecção indispensável nestes delicados momentos que nos aguardam.
Precisaremos de você, querido filho - disse Zacarias, dirigindo-se, carinhoso, a Sávio - para que possamos chegar até os locais onde se acham todos eles e contamos com a sua capacidade de penetrar nessas cavernas.
- Estou aqui para obedecer, meu paizinho, respondeu o ex-soldado.
- Procuraremos um momento em que Sulpício não esteja por perto para que consigamos penetrar sem maiores problemas iniciais.
Como estamos procurando não chamar a atenção e, por força da própria densidade vibratória do ambiente, precisaremos manter nossos padrões luminosos contidos sob o manto do anonimato, evitando-se expressões que nos revelem e divergências de pensamento e sentimento.
A obra do Amor pede devotamento absoluto e renúncia a qualquer mágoa, a qualquer ressentimento.
Por isso, quando buscamos aqueles que nos feriram um dia, queridos irmãos, estamos também testando o limite da bondade que permanece em nosso íntimo.
Nenhuma lembrança do mal deve embaçar nosso sentimento e, se nos sentirmos inclinados à recordação das antigas cenas que nos marcaram os passos nos dias do passado com o sofrimento que estes irmãos nos produziram, afastemos a ideia negativa e fixemos nossos sentimentos em Jesus, imaginando que os que estão precisando de amparo são pequenos "Jesuses" a nos pedirem a gota de amor de nossa compreensão e o silêncio de nossa prece.
Todos entendiam claramente as palavras de Zacarias que buscava, ali, prepará-los para as difíceis experiências de resgate.
Naturalmente, a ascendência de Zacarias sobre eles prevaleceria e estariam guiados pelos seus gestos e palavras, numa liderança amorosa que não fora imposta por nenhuma ordem superior.
Era a ascendência moral que se impunha por si própria no coração deles.
Suas condutas seriam norteadas pelo humilde sapateiro, agora transformado em estrela do Cristo no abismo dos homens.
Assim, seguindo-lhe o exemplo, todos que, até aquele momento se faziam invisíveis aos circunstantes ainda muito densos nas suas atmosferas espirituais muito inferiorizadas, passaram a densificar a própria forma espiritual.
- Busquemos irmãos, assumir a condição vibratória indispensável para a acção directa e objectiva neste ambiente.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Nov 30, 2014 10:12 pm

Para tanto, aproveitemos alguns instantes em silêncio e absorvamos, pela respiração, a atmosfera fluídica reinante, bem como os componentes que nos tornarão igualmente visíveis a todos os que habitam estas furnas.
Pensemos na nova forma que adoptaremos, mais apagada e simples, para que possamos chegar até nossos irmãozinhos, já que nosso pensamento e nosso desejo firme modelarão nossa aparência.
E dizendo isso, passou a meditar e a respirar silenciosamente, ensinando os seus irmãos de tarefa socorrista a se comportarem da mesma maneira.
A operação, ainda que não muito demorada, produzia uma horrível sensação naqueles espíritos que há não muito se achavam em uma atmosfera absolutamente diferente e mais pura do que aquela.
Era como se a respiração conduzisse para o interior de cada um deles, resíduos pesados, a lhes penetrar as fibras perispirituais como se fossem sendo assimilados por sua estrutura fluídica, molécula por molécula, átomo por átomo, tornando mais lentas as suas vibrações.
Poder-se-ia dizer que a ocorrência equivalia a colocar uma armadura de chumbo sobre cada unidade de energia que compunha a estrutura vibratória dos que ali estavam.
O estado de incómodo inicial atingiu os recém-chegados que, atentos ao dever de Amar e suportar, mantinham-se estóicos e compenetrados de sua condição de trabalhadores do Bem, acima de quaisquer condições ou facilidades.
Alguns minutos depois, já tinham perdido a fulgurância e a leveza que possuíam, passando a sentir algo do que significava estagiar naquele antro de viciação e de ignorância.
Vendo-lhes o estado alterado e a firmeza que procuravam atestar como escudo corajoso, Zacarias falou, sereno:
- O mal-estar e as sensações dolorosas correspondem à nossa inadaptação ao ambiente, já que somos provenientes de planos fluídicos mais subtis.
No entanto, esta é a realidade dos nossos irmãos.
Estão envolvidos por esta capa grosseira, de odor desagradável e nauseante e não percebem tal condição.
De todas as tristes constatações, esta talvez seja a mais deprimente e que nos pede mais compaixão.
São irmãos que vivem na podridão e não lhe percebem o estado real.
Estavam emocionados com a observação de Zacarias, já que era unânime essa constatação.
- No entanto, meus irmãos, estas sensações passarão rapidamente, tão logo estejamos mais acostumados às suas emanações e não nos fixemos nelas.
Em breve já estavam prontos para dar continuidade aos planos de resgate.
Todos haviam ficado fisicamente algo mais desarmoniosos, sem que perdessem as linhas gerais da própria personalidade.
Zacarias, que usualmente ostentava a barba prateada brilhante emoldurando-lhe o rosto jovial, ainda que na condição de ancião, era agora apenas um velho, com suas rugas, seus cabelos e barbas apagados, como se uma grossa capa de matéria pesada se houvesse interpenetrado no mais íntimo dos tecidos subtis de sua alma, respeitando apenas as linhas principais de seus traços mais marcantes, apagando toda a beleza delicada de sua personalidade doce e afável.
Com todos ocorreu o mesmo.
Até nas vestes que usavam, foram elas influenciadas pela acção fluídica que, necessitando colocá-los na condição anónima, propiciou, pelo influxo da vontade de cada um, dirigida na edificação desse ambiente pessoal despojado, a indumentária modesta e simples, apagada e pobre.
Lucílio seguiu o modelo de Sávio e adoptou a velha roupa militar, que plasmou com os mesmos contornos e desgastes daquela que seu novo companheiro usava.
Lívia lembrou-se das vestes galileias que usara quando do drama no Circo Máximo e reproduziu-as novamente, apagadas e pobres.
Simeão, humilde e singelo seguidor de Jesus, relembrou-se da saudosa Samaria, local onde vivera a sua derradeira encarnação e reassumiu as mesmas vestes daqueles dias.
Cléofas relembrou-se dos dias passados na choupana de seu irmão Saul, nas proximidades de Nazaré, como leproso que era antes de ter sido curado por Zacarias.
Lembrou-se das vestes rotas e de sua condição de necessitado espiritual, tornando-se, novamente, aquele mesmo andrajoso que ostentava as marcas assustadoras das feridas na pele, num esforço para jamais se esquecer dos próprios defeitos.
Preparados para a continuidade da operação, Zacarias expôs o plano:
- Sávio nos guiará ao local a fim de esperarmos o momento adequado em que Sulpício não esteja presente, a fim de que possamos passar sem problemas.
Junto de Lucílio, que também ostenta as vestes militares, ambos se apresentarão aos guardas do ambiente dizendo que trouxeram visitas aos "hóspedes", ocasião em que apresentarão Cléofas, no seu estado de leproso, o que é algo temido por muitos dos espíritos desta condição inferior.
Dirão que vão levar as visitas numa alusão ao desejo de incomodá-los com um processo de tortura moral, já que os guardas entenderão as coisas dessa maneira.
Desse modo, não suspeitarão que Sávio esteja acompanhado por aqueles que resgatarão os presos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Nov 30, 2014 10:12 pm

Depois de visitarmos Pilatos que, pela sua condição de espírito degredado há muito tempo, está mais preparado para as realidades luminosas que o buscam, iremos até Fúlvia, que demandará maiores esforços de todos.
Se o Pai nos fortalecer e se formos dignos de Sua confiança, quem sabe até mesmo Sulpício possa receber as bênçãos desta hora.
Assim foi feito por eles.
Naqueles momentos, Sulpício, o chefe de toda aquela estrutura terrorista invisível havia se ausentado nos cuidados com a fiscalização de seus domínios junto a outros espíritos que lhe cumpriam as ordens.
Essa era a sua rotina diária.
Visitava os dois prisioneiros e os fustigava com seu sarcasmo e sua ironia.
Depois, saía para a fiscalização pessoal dos diversos sectores onde seus comandados estavam postados desenvolvendo processos de perseguição e intimidação.
Horas depois, regressava para novas deliberações ou para perder-se ainda mais em novos planos que ia fazendo, uns sobre os outros, num verdadeiro desperdício de tempo e de inteligência, como a criança que gasta seu dia brincando de guerra com soldadinhos de chumbo.
A ausência de Sulpício, acostumado a essa rotina que nunca se alterava e confiado à fidelidade de seus comparsas, foi muito favorável ao pequeno grupo socorrista que ali estava para alterar o destino de todos eles.
Dando início ao processo planeado por Zacarias, Sávio entrou no ambiente pernicioso da gruta, seguido por todos os outros, ladeado por Lucílio.
- Salve, Crasso, o guarda dos infernos - exclamou Sávio na linguagem natural entre aqueles homens.
Rindo-se da saudação irónica e mordaz, escutou em resposta:
- Esqueceu-se de dar-me o devido destaque, soldado.
Sou o "chefe da guarda dos infernos", respondeu Crasso, gozador.
- Bem, isto é verdade.
Aos poderosos devemos entregar-lhe seus louros e seus méritos.
Procurando dar outro ritmo ao assunto, mudou a conversa:
- E aí, como vai o "homem"? - perguntou Sávio referindo-se a Pilatos.
- Bem, o nosso chefe mantém a guarda e o cerca para manter o "homem" bem vigiado.
Parece que está cuidando de um tesouro pessoal.
Tortura-o todos os dias com conversas que possam irritá-lo.
Às vezes, quando está cansado dessa monotonia, trás até aqui "a Preferida", que, ao que parece, agita e fica agitada, formando-se um tumulto que o Chefe adora observar.
- Bem, hoje, junto com nosso amigo aqui - falou Sávio, referindo-se a Lucílio, estamos em missão de entretenimento, levando umas visitas que possam dar um pouco de emoção à vida do nosso "hóspede".
- Ah! Que interessante!
Novidades são sempre bem-vindas quando são agradáveis de se ver.
- Estas serão de muito deleite para nossos "hóspedes".
E falando assim, Sávio agarrou pelo braço a Cléofas, que se deixou levar como se fosse um prisioneiro conduzido pela rudeza do soldado, e o colocou diante de Crasso.
Assustado com a inesperada visão do leproso, Crasso afastou-se amedrontado, dizendo, bruscamente:
- Tira esse pestoso daqui, seu salafrário soldado dos infernos.
Isto aí é a "novidade"?
Dando uma boa gargalhada diante da reacção acovardada do guarda, Sávio lhe respondeu:
- Quer dizer que você faz questão de ser chamado de "o chefe da guarda dos infernos", quando mais se parece a um poltrão cuja covardia envergonharia qualquer uniforme, até mesmo o uniforme de presidiário?
- Cale a boca, seu maldito.
Você me assustou com este monstro.
Eu não tenho medo de nada... - tentava disfarçar o trémulo Crasso.
- É eu estou vendo como isso é verdade - respondeu Sávio, jocoso.
Desejando não perder muito tempo, retomou o rumo da conversa:
- Como é?...
Estas novas atracções das cavernas não vieram aqui para se exibirem ao valoroso Crasso.
Foram mandadas para se apresentarem aos nossos hóspedes, começando pelo homem.
Você vai ficar aí, impedindo o espectáculo?
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Nov 30, 2014 10:12 pm

- Bem, Sávio, eu não fui informado de nada pelo Chefe.
Não sei se isso pode ser permitido - falou Crasso meio relutante e, ao mesmo tempo, desejando se livrar daquele leproso.
- Ora, vê se isso é possível.
Mandam-me arrumar este monstro e seus amigos e, depois, ficam aí com essa enrolação.
Está pensando que o Chefe vai gostar dessa falta de organização de vocês?
Por mim tudo bem.
Vamos ficar por aqui até que ele chegue e veja o quê ou quem impediu de cumprirmos as suas ordens.
Vendo que Sávio ia manter-se ali por todo aquele tempo e, temendo que Sulpício, ao regressar, o culpasse por desobedecer ordens, mesmo aquelas que ele não havia dado - o que era muito comum no temperamento de Sulpício - Crasso tossiu seco e resolveu reconsiderar:
- Bem, Sávio, as coisas não precisam ficar assim, desse jeito.
Já que é para aterrorizar o homem e "a predilecta", vá em frente e boa sorte.
Mas não deixe esta coisa por aqui.
Leve todo mundo com você.
- Tudo bem, corajoso Crasso, obedeceremos às suas ordens, grande "chefe da guarda do inferno".
Finalmente haviam conseguido o que queriam.
Naturalmente que os outros não encontraram dificuldades para ingressar naquela primeira ala da grande caverna, onde se encontrava Pilatos caído a um canto, totalmente transformado em um farrapo humano.
Seu estado era deprimente e a emoção tomou conta do coração de todos.
Fechada a porta que mantinha aquele ambiente da caverna isolado, todos deixaram a sua estudada postura e se acercaram carinhosamente do prisioneiro.
Mantinha-se ele quase que absolutamente alienado de tudo.
Seus cabelos ensebados e longos eram um emaranhado de fios sujos e habitados por parasitas.
Suas unhas, negras pelo sangue e sujeira que se acumulavam, haviam crescido como garras que impediam que ele pudesse segurar até mesmo uma cuia de água com uma única mão.
Por isso, para poder comer a comida que recebia, precisava segurar o recipiente com as duas mãos e mergulhar a boca no seu interior, tentando morder alguma coisa que lhe mitigasse a fome.
Não possuía roupas.
Apenas farrapos malcheirosos lhe cobriam as partes íntimas, realçando a estrutura magra e ossuda com que ele parecia vestir-se, como se tivesse ainda o corpo carnal.
Todavia, na altura do ventre, Pilatos trazia uma abertura sangrenta e apodrecida, por onde lhe saíam parte dos órgãos internos que ficavam pendurados à mostra e que, insistentemente, ele mesmo colocava para o interior do próprio corpo.
Eram as marcas do gesto suicida que persistiam em perseguir-lhe as lembranças e, já há mais de vinte anos, causavam-lhe o horror constante.
Apesar de tudo, mantinha-se em uma apatia que nada pedia, nada reclamava, nada se queixava, como se estivesse perdido dentro de si próprio, de onde saía, hora ou outra, para matar a fome, para colocar as vísceras de volta em seus lugares ou para ter de defrontar-se com Sulpício ou com Fúlvia, numa tragédia constante e sem fim.
Naquele momento, não havia mais nada daquele importante governador, do general romano poderoso e cruel, do sedutor e conquistador barato, do valoroso soldado de um exército invencível.
Havia, apenas, o que Pilatos houvera feito a si próprio, diante das responsabilidades da lei do Universo que dá, a cada um, segundo as suas obras.
Lá estava o homem que carregava em sua consciência o peso de ter, diante da mais luminosa oportunidade de sua vida, apenas lavado as próprias mãos, sem nada fazer para proteger o Justo dos ataques da ignorância e do mal.
Assim, leitor querido, jamais se esqueça de que todas as suas conquistas materiais o abandonarão um dia, para que você fique apenas com a essência de seu ser.
Não se iluda com seu poder que é, na ordem do Universo, menor que aquele que se exercitasse sobre os grãos de poeira depositados sobre um móvel.
Não se deixe levar por sua importância que, diante da realidade de Deus, é mais insignificante do que o poder que possuem os anelídeos no seio da terra que comem para transformá-la em adubo.
Não se permita perder-se pela beleza, nem pelos mecanismos mentirosos da sedução, pois o corpo é apenas um amontoado putrescível de podridão que ainda não apodreceu, mas que fenecerá, deixando o seu espírito desnudo.
Não se engane com as glórias e os sucessos do mundo.
Eles são muito fugazes para merecerem a atenção e o culto grotesco que lhes temos dado nas contingências da vida.
A morte surpreenderá a todos e nos reconduzirá à melhor noção do que somos em nosso íntimo.
Melhor nos prepararmos para ela, enquanto ela está se preparando para nós.
Não conseguiremos fugir desse encontro.
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15 - O RESGATE DE PILATOS

Reunidos ao redor daquele ser, prisioneiro da gruta, de Sulpício e de si mesmo, Sávio se aproximou como se desejasse acordá-lo para aquele momento importante em sua vida.
No entanto, assim que se acercou do ex-governador, não suportou o quadro que tinha sob seus olhos.
Fosse porque era repugnante vislumbrar o seu estado geral, fosse porque mantinha na lembrança a culpa de ter sido incumbido de envenená-lo, culpa esta que, naquele momento mais e mais se avultava em seu espírito endividado, o certo é que Sávio afastou-se, pedindo desculpas a Zacarias e se colocou em um canto distante, sem conseguir reter as lágrimas, falando:
- Eu nunca estive tão perto deste homem como agora e não sabia como é que ele, efectivamente, estava.
Não tenho coragem para falar-lhe já que minha vergonha é maior.
Entendendo os seus limites, traçados por uma vida afastada dos princípios evangélicos, Zacarias afagou-lhe os cabelos e sorriu paternal.
No entanto, a tarefa daquele grupo deveria ser realizada.
- Irmãos queridos - falou o ex-sapateiro - nosso irmãozinho é o tesouro que Jesus nos confiou a guarda e a quem nossos melhores sentimentos podem trazer à realidade.
Depois de mais de vinte anos vivendo na sombra carregando as culpas e as tragédias morais que ele construiu, já se fez credor do auxílio directo e, por isso, não nos compete perder tempo na lembrança dos erros de cujas consequências directas ele não pôde fugir.
Está confuso, perdido no vasto temporal de suas mágoas, seus arrependimentos e suas lembranças.
Vitimado pela acção magnética nociva de Sulpício, que se vale do hipnotismo e da indução para mantê-lo sob sua esfera de influência, Pilatos é forçado todos os dias a fixar-se nas tragédias e pensar nelas de maneira negativa.
Por força desse comportamento, assumiu o estado deplorável em que se encontra, já que sua consciência culpada reconhece os seus deslizes e não é capaz de colocar um basta à perniciosa influência.
Afunda-se no lamaçal do crime perpetrado contra sua última organização biológica e a acção de Sulpício mantém o pensamento de nosso irmão vinculado aos erros.
Se desejamos auxiliar, precisamos alterar o padrão de forças que o envolvem e, usando do poder de amar, procuraremos trazê-lo à superfície de si mesmo, preparando-o para futuras experiências que servirão para seu reerguimento moral.
As palavras de Zacarias foram ouvidas no mais absoluto respeito, não sendo interrompida por nenhum comentário ou pergunta.
Todos estavam conscientes de que ali se encontravam para servir em qualquer condição.
Desta maneira, acercaram-se do preso que jazia no solo lodoso, segurando suas entranhas com as mãos, como a impedir que se projectassem para fora de seu corpo.
Não havia pressentido a presença de ninguém ali, ao seu lado.
Zacarias ajoelhou-se e se postou de tal maneira que suas mãos generosas pudessem acariciar a cabeça de Pilatos e, nessa condição, elevou a prece a Jesus, dizendo:
- Senhor, aqui estamos unidos no resgate das almas que aprendemos a Amar graças à tua capacidade de Amar os próprios inimigos.
Não existe mais nenhum resquício da altivez e do poderio daquele governador que acabou vitimando-se nos desvarios de sua conduta irreflectida.
Aqui temos, Jesus, apenas um amontoado de dor e sofrimento, podridão e culpa.
A tarefa que nos legaste é maior do que a nossa capacidade, mas é menor do que o nosso desejo de ajudá-lo.
Por isso, Amado Mestre, aceita a nossa rogativa e dá-nos condições de amparar mesmo quando somos nós quem precisamos de amparo.
Dá-nos a possibilidade de ajudar aqui, neste antro de perdição, onde a ignorância fez a sua morada, e ilumina com o seu coração compassivo, aquele irmão que lavou as mãos sem ter conseguido lavar a consciência.
Enquanto Zacarias pronunciava a sentida oração, extraída do mais profundo de seu ser, todos os outros se ajoelharam igualmente, ao redor do preso e, com o pensamento elevado davam apoio e acompanhavam, emocionados, as rogativas daquele velhinho bondoso.
Zacarias, por sua vez, acariciava a fronte de Pilatos que, sem conseguir vislumbrar o que acontecia, acomodou-se, sereno, nos seus braços!
- Este já não é mais o adversário de teu Evangelho, Jesus.
É o irmão que nós procuramos seguir e que, no fim da vida, conheceu tua mensagem e se deixou tocar pela luz renovadora.
Aqui, ele parece um monstro deformado.
Mas para nós, é flor perfumada que vai desabrochar sob a tua protecção.
Transforma as nossas nas tuas mãos e, ao invés de as lavarmos, deixa que elas sejam usadas para erguê-lo e levá-lo connosco para o tratamento necessário.
A oração, conectando Zacarias com as forças superiores, expulsara de seu corpo fluídico aqueles resquícios densos que haviam sido inalados e ele passou a brilhar suavemente, transmitindo a Pilatos esse teor luminoso.
As forças espirituais que estavam sendo geradas por todos, permitiram uma réstea de luz vencesse o cenário trevoso e, ao iluminar Pilatos, Zacarias e o grupo, parecia um raio de sol adentrando a noite nebulosa, em resposta à rogativa do amor.
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O corpo espiritual de Pilatos passou a ser inundado de elementos-força produzidos por esse complexo amoroso que os envolvia nas luzes de mais Alto e, gradativamente, a sua estrutura perispiritual foi ganhando mais e mais equilíbrio, fazendo com que, por força da afinidade que havia entre ele e Zacarias, as suas noções começassem a se clarificar.
Zacarias, carinhoso, vendo-lhe a reacção favorável, depois de alguns minutos em silêncio, passou a chamá-lo, como nos antigos tempos de convivência.
- Pilatos, Pilatos, sou eu, seu amigo Zacarias.
Lembre-se. Use a sua mente e recorde-se de nossos dias juntos.
Lembre-se de nossas conversas sobre Jesus, de nossos encontros.
Vamos, faça um esforço e ajude a que voltemos a nos encontrar.
Sou eu, o sapateiro Zacarias, relembre-se...
Depois de algum tempo, recebendo ainda mais recursos energéticos que iam sendo incorporados ao seu património magnético e lhe devolvendo, gradualmente, certa lucidez, Pilatos começou a gemer baixinho e a repetir algumas palavras que escutava:
- Hummm! Ahhhh!
Sapateiro... conversa...
- Isso, isso mesmo - repetia, satisfeito, o velhinho ao seu lado.
- Zacarias... Roma... prisão... Jerusalém... crucificação... -continuava Pilatos.
- Jesus, amizade, Lucílio, esperança, Evangelho - corrigia Zacarias, buscando levá-lo a reflexões positivas.
- Espada, vergonha, morte, veneno, Zacarias, meu amigo.
- Lembre-se, Pilatos, sou eu o seu amigo Zacarias.
Estou aqui para continuar a nossa amizade.
Nós estamos juntos novamente.
O preso ia ganhando mais e mais lucidez.
Em determinado momento, quando conseguiu chegar à sua consciência objectiva, passou a cobrir seus olhos com as mãos, como alguém que sai do mais escuro ambiente para a luz do dia.
Procurando dosar a sua luminosidade para não ferir a sensibilidade que se recuperava, Zacarias aplicou passes magnéticos sobre a área visual de Pilatos, fortificando a sua capacidade de suportar a luz que vinha do Alto em sua direcção, em resposta à oração que haviam feito naquele lugar.
Não tardou muito para que Pilatos proferisse um grito de surpresa e euforia.
- Sim, Zacarias, como é que eu poderia esquecer?
Isto deve ser um sonho bom depois de tanto tempo entre pesadelos e desgraças...
- Não, Pilatos.
Sou eu que estou aqui para abraçá-lo novamente, meu amigo.
Agora, volte a lembrar-se de Jesus que foi aquele que me enviou a cuidar de você desde aqueles tempos.
Jesus se ocupa de você, querido filho, e por isso nos autorizou que aqui viéssemos para recolhê-lo.
- Zacarias, meu amigo, há quanto tempo eu não converso com alguém que me queira.
Todos sumiram.
Sou perseguido pelas minhas visões que me cobram pela covardia, pela espada que enterrei em meu ventre... ai que dor, como me causam repugnância as entranhas que tenho que apertar contra mim mesmo... - falava o ex-governador, fixando-se nos efeitos do suicídio que havia cometido já há mais de vinte anos e que até aquele momento repercutiam dolorosamente sobre sua estrutura vibratória.
- Não pense mais em dor, Pilatos.
Estamos aqui para ajudá-lo em nome de Jesus, mas você precisa nos ajudar também, pois seu espírito deverá levantar-se e nos acompanhar.
- O Justo ainda se importa comigo?
Com tantas coisas mais importantes, Zacarias, por que se importaria com um trapo que nada fez para protegê-Lo?
- Jesus veio para os doentes, Pilatos, e não para os sadios.
Veio para levantar os caídos e não para caminhar com os vitoriosos.
Como é que poderia esquecer-se de você, meu amigo?
No entanto, você é que se esqueceu, Pilatos, preferindo caminhar ribanceira abaixo, atirando-se no abismo de suas culpas como se fosse a única saída para seus sofrimentos.
Zacarias procurava produzir em Pilatos uma reacção mais imediata que lhe facilitasse a compreensão clara de sua real situação.
- Fugindo do corpo físico, você aumentou suas dores.
Acreditando que seria um gesto de honra, mais não fez do que gerar sofrimentos mais cruéis para si próprio e, por isso, ficou vulnerável às perseguições de seus antigos comparsas criminosos que, diferentes de seus sentimentos, não haviam, ainda, escutado a palavra amiga de Jesus.
Impregnado pela culpa do auto-extermínio e pela consciência fixada no remorso de nada ter realizado a favor do Cristo, você escolheu afastar-se da luz e aceitou todas as induções negativas que os seus adversários projectaram sobre você.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Nov 30, 2014 10:13 pm

- Sim, Zacarias, agora estou lembrando melhor.
Você era meu único apoio, junto com Lucílio e, apesar disso, vi você morrer inocentemente por me ajudar, bebendo o veneno para que eu não morresse.
- Havia chegado o meu momento e, se fosse preciso ingerir veneno novamente para o salvar, meu amigo, eu o beberia sem qualquer titubeio.
No entanto, meu espírito se vê atraído para o seu a fim de que, juntos, nos reergamos na direcção da luz.
Não há mais espaço para as velhas lamentações.
Jesus nunca o abandonou.
Foi você mesmo que escolheu este caminho.
Se não mudar a sua forma de pensar, não poderemos sair daqui, hoje, levando-o connosco.
- Ah!, Zacarias, por favor, não me deixe aqui sozinho desse jeito.
Perdê-lo novamente seria uma desgraça ainda maior para minha alma.
Esta é a única alegria que tenho tido nesta infindável noite de pesadelo em que tenho vivido já não sei mais há quanto tempo.
- Pois então, filho querido, reerga-se perante si próprio.
Pare de se achar vítima e modifique o padrão de pensamentos para incorporar a esperança, a vontade de melhorar, a fé em Deus e a gratidão a Jesus que, desde aqueles dias não deixou de se ocupar de você.
De onde pensa que está vindo esta luz que o banha neste momento?
- Será que Ele está, mesmo, me iluminando, Zacarias? - falava titubeante, o preso que se recuperava.
- Ora, Pilatos, o raio fulgurante que o beija não pertence a nós que estamos aqui ao seu lado e não pode vir das trevas que nos rodeiam.
- Será que se eu falar com Ele, ele me escutará? - arriscou o ex-governador, esperançoso.
- Mais do que isso, Pilatos, Jesus sorrirá para você com alegria e gratidão, pois não o identifica como um adversário, mas como um irmão muito amado.
Escutar você, meu amigo, será um cântico que vai orvalhar os olhos do Cristo, pela emoção que, estou certo, Ele há de sentir.
- Você me ajuda, Zacarias?
Eu não sei o que dizer, mas gostaria muito que a sua força me amparasse.
Segurando as duas mãos de Pilatos entre as suas, Zacarias respondeu-lhe:
- Eu lhe darei todas as minhas forças e o ajudarei com todo o meu sentimento.
No entanto, Pilatos, a oração deve partir de dentro de você, com as suas palavras e os seus sentimentos mais sinceros.
Vamos lá, você vai conseguir.
Como uma criança que não sabe como começar e tem vergonha de si mesmo, Pilatos pensou um pouco e, titubeante, começou a dizer, em voz alta.
- Je...sus..., sou eu,... Pilatos.
Não sei como falar contigo mas sei que preciso gritar para fora de mim mesmo o que tem me consumido.
E, reunindo todas as suas forças, gritou como se estivesse esperando por aquele momento há muitos séculos:
- PERDÃO, SENHOR! ... PERDÃO, EU TE SUPLICO!
Eu sou um condenado pela minha miséria e, ainda assim, teu coração me considera digno de ajuda.
Obrigado por tudo.
Eu te presenteei com chicote e covardia e você me dá amigos generosos que me amparam.
Vê como somos diferentes e como eu preciso de amparo. Gostaria muito de sair desta prisão que edifiquei com meus próprios actos.
Sei que não mereço, mas anseio por melhorar, como me ensinou Zacarias.
Escuta meu pedido de perdão e deixa que Zacarias me leve para qualquer lugar fora daqui.
Mesmo que seja para uma enxovia miserável, estarei melhor do que me encontro agora, porque estarei no caminho de Seus passos luminosos que não tive coragem de seguir quando pude.
Envolvia Pilatos a atmosfera calorosa e firme de Zacarias que, sustentando a sua lucidez, oferecia mais forças espirituais para que o preso pudesse ter clareza de ideias na articulação de suas palavras.
- O farrapo humano ousa erguer a oração para rogar a sua complacência.
Transforma meu ser em algo que preste de verdade, Jesus.
É o que te peço, humildemente.
Aquilo fora o máximo para as condições precárias de Pilatos.
Os soluços de desespero e vergonha lavavam-lhe a alma dolorida e as lágrimas molhavam seu rosto e escorriam pelo seu peito, recaindo sobre o ferimento aberto.
Nesse instante, Zacarias tomou-lhe o rosto cabisbaixo e ergueu a fronte em direcção à luz que se projectava do alto sobre o ambiente da caverna, agora mais fulgurante do que antes.
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Como que por um milagre, pequeninas gotas caíam do céu, pelo túnel luminoso, como se fossem gotículas de lágrimas, como Zacarias havia dito a Pilatos momentos antes, lágrimas de emoção e alegria que, ao se aproximarem de Pilatos, se transformavam em pétalas perfumadas e se projectavam sobre ele, incorporando-se à sua estrutura energética.
Era um espectáculo de beleza inolvidável e inimaginável naquele ambiente de tragédias morais e trevas densas.
- Eis aí, Pilatos, as lágrimas emocionadas do Justo, que o espera de braços abertos. - disse Zacarias.
Pilatos não sabia o que dizer, ante tantas bênçãos, como se diamantes rutilantes caíssem do Alto sobre ele, inundando-o de bem-estar.
Suas lágrimas se tornaram mais abundantes e copiosas e, ao mesmo tempo em que lavavam a sua alma, misturavam-se às pétalas sublimes e escorriam sobre os ferimentos, que foram sendo fechados, como que por força de um milagre.
Pilatos não tirava os olhos daquele foco luminoso, como se desejasse guardar a emoção daquela hora para todo o sempre.
Depois de alguns minutos em que todos se mantinham envolvidos nas sublimes vibrações, Zacarias chamou-o à realidade e perguntou-lhe:
- Não valeu a pena, Pilatos?
Você viu como Jesus se ocupa de suas dores com sinceridade?
O interpelado nada respondeu com palavras.
Apenas acenou com a cabeça e com o olhar envolto pelo véu de lágrimas.
Vendo-lhe a concordância humilde, Zacarias levantou-se e estendeu-lhe as mãos, dizendo:
- Começa uma nova etapa em sua trajectória, meu amigo.
Levante-se para que ela possa se iniciar como deve ser de pé para sempre.
Entendendo a determinação de Zacarias e revestido de sincero desejo de vencer seus obstáculos pessoais, Pilatos levou as mãos ao ventre, como que a tentar fechar a abertura e impedir que as suas entranhas caíssem pela vasta ferida, única maneira que o permitia caminhar um pouco.
No entanto, quando levou as mãos para fechar a abertura no abdómen, surpreso, não a encontrou quente e húmida como sempre.
Apalpou o lugar e nada mais achou, a não ser a pele integralmente refeita e reparada, como se ali nada tivesse existido.
- Eu não tenho mais ferida!, Zacarias!
Jesus me curou, Jesus me curou, Jesus me curou!
E atirou-se ao solo de joelhos, abraçando as pernas de seu amigo querido que, nesta altura, também chorava de agradecimento, pela generosidade sem fim Daquele que nunca deixava de amar e fazer o bem a quem quer que fosse.
Todos choravam igualmente, tocados pela emoção daquela recuperação na qual a bondade havia sido o agente da melhora.
Pilatos estava recuperado e pronto para ser levado dali.
Agora, era a vez de Fúlvia!
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16 - O RESGATE DE FÚLVIA

Incorporado à caravana dos visitadores do abismo, Pilatos foi amparado pelos braços amigos de Lucílio, seu antigo companheiro de jornada de exílio, quando de sua última encarnação, nas terras frias da antiga Viena.
Assim sustentado, seguiram todos sem levantar quaisquer suspeitas até o ambiente escuro onde se encontrava Fúlvia, no qual não tiveram qualquer embaraço para entrar, já que Crasso não se ocupava do que acontecia no interior da vasta caverna, limitando-se a ficar de prontidão na entrada da mesma, simplesmente.
As condições internas do local onde Fúlvia se alojava, quase uma prisão, eram muito piores do que a do ex-governador.
O estado espiritual da ex-amante de Pilatos era trágico.
Como já foi informado ao leitor, os desequilíbrios sexuais daquela alma produziram-lhe um tal estado de deformidade que ela tinha imensa dificuldade de caminhar, pela hipertrofia da área genésica, constantemente explorada pelos seus pensamentos e pelos actos desregrados que adoptara durante a vida física.
O odor era nauseante e o seu estado de desequilíbrio impedia que ela tivesse um mínimo de lucidez.
Vivia em piores condições do que um animal selvagem, chafurdando na lama dos fluidos que emanavam de si mesma, a empaparem as miserandas peças de vestuário que ainda insistiam em não se romper, tal o estado de podridão que havia consumido tudo o mais.
Naquele ambiente grotesco, os missionários do Bem foram recebidos indiferentemente, já que Fúlvia não era capaz de perceber-lhes a presença, mesmo depois de já terem adensado a própria forma.
Vivia ela como um autómato, embutida em suas ideias e sensações vis, revivendo as tramóias, solicitando audiências com autoridades que pretendia seduzir para conseguir vantagens, fazendo conchavos para obter posições para si e para sua filha, Aurélia.
Somente ao contacto de Sulpício, o outro amante que, agora, havia se transformado em algoz, é que Fúlvia se deixava conduzir à realidade com a finalidade de atacar Pilatos, nas sessões de tortura recíproca que o antigo lictor produzia, jogando um contra o outro.
Depois que passavam, Fúlvia voltava a mergulharem suas culpas e nos actos dos quais ela se justificava, dizendo ter feito o que fez por amor e por necessidade.
Zacarias, que dirigia o grupo, sabia que a mulher não conseguiria voltar à compreensão lúcida se não lhe produzissem um choque mais significativo.
Assim, pediu que Lucílio trouxesse Pilatos para as proximidades dela, enquanto todos os demais se puseram à sua volta, com excepção de Sávio que, novamente, se viu acovardado pelas próprias culpas, notadamente agora que estava diante daquela que lhe havia tirado a vida física depois de tê-lo seduzido.
Como já dissemos, Sávio carregava consigo todos os laivos de inferioridade que ainda não haviam sido transformados em força e coragem.
Já desejava fazer o Bem.
No entanto era fraco em face de suas próprias culpas.
Envolvendo Fúlvia pelo círculo de forças, Zacarias emprestou suas energias a Pilatos a fim de que ele se tornasse o foco de atenção para o despertamento de Fúlvia.
Poderá imaginar o leitor que, em face da debilidade do ex-governador, não deveria ser ele o instrumento usado para a acção de resgate da antiga comparsa.
No entanto, a lei é sábia e permite que os que caíram juntos também possam ser os que se ajudam ao reerguimento comum. Eram, ambos, frutos amargos que cresceram unidos.
Daí por que seria mais fácil conseguir a sintonia com Fúlvia através de Pilatos do que de qualquer outra maneira.
Entendendo o que se passava, na sua condição de enfermo que começava a ver a extensão de suas responsabilidades, Pilatos não recuou diante daquele momento e, amparado por Zacarias que lhe dizia o que fazer, tomou a dianteira e começou a chamá-la pelo nome:
- Fúlvia, Fúlvia - exclamava Pilatos, procurando colocar em cada palavra a tonalidade carinhosa dos velhos tempos.
A enlouquecida entidade não respondeu às primeiras convocações, mas seu comportamento deixou de ser agitado e convulsivo para adoptar uma certa serenidade como a daquele que, ouvindo um ruído, cessa todos os movimentos para melhor escutar.
- Vamos, Fúlvia, escute... sou eu, Pilatos... converse comigo... vamos.
Na segunda tentativa, Fúlvia deu sinais de que estava fazendo um esforço muito grande para articular alguma palavra, mas os sons saíam guturais, como grunhidos de um bicho que gemesse para expressar alguma ideia.
Naturalmente, estava o vulcão interno se contorcendo como que a ser pressionado contra a boca da cratera, preparando-se para a explosão inevitável.
A acção magnética forte ao seu redor, produzia um contraste de forças que alterava todo o conjunto de energias viciadas que a envolviam, fazendo com que sua estabilidade fluídica se modificasse, dando-lhe uma sensação de incómodo muito grande.
- Fúlvia, fale comigo, vamos acorde,... volte.
- Deixe-me em paz, maldição infernal.
Não pretendo ser assombrada por fantasmas odientos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Nov 30, 2014 10:13 pm

Os gritos de alucinada davam para assustar os mais despreparados, eis que carregados de um timbre metálico, como se fosse um autómato que estivesse falando.
- Sou eu, Pilatos. Lembre-se.
Estivemos unidos, fomos companheiros de aventuras... compartilhamos a intimidade muitas vezes...
- Oh! ... Não... você não... sai de perto de mim, lembrança horrorosa.
Tenebroso ser que me corrói as entranhas.
Pare de me perseguir.
Já não basta quando tenho que estar na sua presença...
Agora é você que me procura?
Estou enterrada viva neste antro.
Deixe-me apenas com as minhas tragédias.
- Vamos sair daqui, Fúlvia.
- Você está louco, ó assombração dos deuses!
Como é que vamos sair daqui?
Nós merecemos os tártaros do Averno, os sofrimentos.
Você como maldito comandante aproveitador, cruel amante, interesseiro e vil.
E eu como a mulher depravada e a assassina, que me vi obrigada a fazer tudo o que fiz para defender meus interesses numa corte apodrecida, na qual quem não era como eu acabava consumida por víboras piores.
- Tudo já passou.
Nosso sofrimento deverá ser reparado pelas nossas escolhas novas - falou o governador, sem entender de onde tirava tais ideias que lhe chegavam à mente tão naturais como se fossem pensamentos pessoais longamente cultivados.
Em realidade, Pilatos estava recebendo a interferência directa de Zacarias, como se a personalidade dominante do antigo sapateiro, conectada à sua capacidade de pensar e se manifestar estivesse usando-a como um alto-falante para que Fúlvia identificasse a voz do antigo companheiro de deslizes e, atraída por ela como a mariposa que se vê seduzida pela luz, voltasse à superfície do próprio eu.
Naquele momento, ocorria um quase transe mediúnico impróprio, já que todos estavam num mesmo plano vibratório.
No entanto, Pilatos estava sendo fortalecido e dirigido em seu pensamento pelo espírito de Zacarias que, aproveitando-se do ambiente favorável propiciado pelo apoio magnético dos demais companheiros, podia agir e influenciar Pilatos dessa maneira.
As palavras do antigo amante conseguiam despertar naquela entidade caída as emoções que mexiam com a sua personalidade e suas lembranças e, ainda que fosse para protestar, para amaldiçoá-lo, faziam com que Fúlvia adoptasse uma postura activa, deixando aquele ensimesmamento.
Quando abriu os olhos e viu Pilatos, a mulher não sabia o que dizer.
Estava confundida na sua natural dificuldade de entender o que se passa, como quando deixamos um pesado sono e voltamos ao corpo físico.
Como quem sai de uma vertigem ou de um desmaio e não sabe o que está acontecendo nem onde se encontra.
No entanto, cruel e directa, a constatação de que estava diante de Pilatos produziu nela um temor brutal, já que pensava que ele ali se encontrava para vingar-se dela.
- Eu contratei gente para matá-lo - falou agressiva.
- Mas como você bem pode ver, não conseguiu o seu intento -respondeu Pilatos.
- E, por isso, você veio aqui para se vingar de mim, não é?
As expressões de Fúlvia eram carregadas de um medo alucinante, de um apavorante tremor, reconhecendo-se em uma situação de desvantagem diante daquele homem que poderia feri-la da maneira como desejasse.
Fúlvia estava raciocinando como estava acostumada a fazer na sua experiência reencarnatória da Terra. Ainda não havia se dado conta de que sua alma jazia longe dos caminhos humanos.
- Acalme-se, Fúlvia.
Não estou aqui para me vingar de você.
Cometemos muitos erros juntos e precisamos do perdão de nossas próprias consciências.
Estamos precisando nos amparar para sairmos daqui.
Você tem razão quando me acusa das atrocidades que cometi, nenhuma delas mais perversa do que a de ter, simplesmente, lavado as mãos.
Se não tivesse lavado as mãos, encontraria forças para enfrentar todos os delitos da minha autoridade, de minha arbitrariedade, no jogo político em que a vida me colocou.
No entanto, lavar as mãos diante de um inocente, contra o qual não havia nenhuma prova, nenhum crime, podendo eu agir livremente, sem ser obrigado ou receber alguma ameaça pessoal ou directa, depois de ter sido avisado para que não me metesse com a condenação do Justo, possuindo à minha disposição a força militar para defender a lei e a ordem, tudo isso representa, para mim, a maior culpa que carrego.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Dez 01, 2014 10:30 pm

Preciso do perdão de mim mesmo, da mesma forma que você precisa do perdão da própria consciência.
- Eu? Eu não preciso do perdão de ninguém - gritou estentórica a alma apavorante de Fúlvia.
- Como não precisa, Fúlvia?
Onde você vai encontrar forças para encarar as próprias vítimas?
Como defrontar aqueles que você também prejudicou, aqueles que você vitimou com suas intrigas, com seu frasco de veneno letal?
- Ah! Eu nem sei quem são.
Não estou vendo nenhum deles por aqui - falou ela, querendo parecer arrogante e irónica para desarmar os argumentos de Pilatos.
No entanto, nesse ponto da conversa, Zacarias deixou a retaguarda de Pilatos e se apresentou a Fúlvia pessoalmente, já que ela estava suficientemente consciente para conseguir identificar melhor o que se passava ao seu redor.
- Filha querida - disse Zacarias - que bom que você se refere aos que você vitimou, no intuito de conhecê-los pessoalmente.
Eu estou aqui para apresentar aos seus olhos atentos alguns daqueles que você vitimou.
A figura paternal de Zacarias encantou o olhar de Fúlvia que, vislumbrando seu olhar amigo e generoso, sentiu-se tomada de estranho encantamento pela sua doçura.
Com Pilatos tinha uma confusão de sentimentos a turbilhonar-lhe o cérebro astuto e manipulador.
Emoções contraditórias, luta de poder, tentativa de dominar.
Ali, com Zacarias, no entanto, estava desarmada, livre de todas as anteriores intenções.
Seu coração palpitou diferentemente quando sentiu que o velhinho ajoelhou-se junto de seu estado pútrido e, amparando-a em seu ombro seguro, começou as apresentações:
- Venha até aqui, querido filho - disse Zacarias, referindo-se a Sávio, que estava afastado.
Convocado pela voz paternal daquele a quem devia o pouco de equilíbrio que conseguira, Sávio, titubeante, foi se aproximando.
- Venha, filho, não tenha receio.
Para que possamos, um dia, ganhar o paraíso, precisamos expurgar de dentro de nós o nosso próprio inferno, iluminando-o.
E o espírito convocado por Zacarias foi se achegando lentamente, até colocar-se também defronte de Fúlvia, que se achava sentada no chão, sustentada por Zacarias.
Uma exclamação de terror escapou da garganta da assassina.
- Sávio, ... é você?
- Sim,... sou eu.
Fúlvia estava perdida.
Atónita, não sabia o que fazer.
Sentia vergonha misturada com medo.
Ali estava o jovem que assassinara, depois de seduzi-lo para que levasse o veneno até Pilatos.
No entanto, Sávio não a acusava de nada.
Estava em silêncio, com o olhar triste e cabisbaixo, não se atrevia a olhar dentro dos olhos de Fúlvia, com medo de que o encantamento da paixão voltasse de suas entranhas mais profundas.
Sabendo da necessidade de ambos, Zacarias estendeu as mãos para o jovem soldado, seu tutelado, e disse:
- Filho, aproxime-se de nós.
Ajoelhe-se para que Fúlvia possa vê-lo melhor.
Sem resistir ao carinho daquele a quem chamava de paizinho, Sávio se deixou conduzir como um cordeiro nas mãos do sábio pastor e ajoelhou-se bem diante de sua própria assassina.
Sustentado por uma corrente vigorosa de forças, Sávio olhou no fundo dos olhos daquela que fora, um dia, a sedutora mulher depravada que o usara e que, depois, o envenenara, e disse:
- Estou vivo, Fúlvia.
E posso lhe dizer que meu sentimento por você sempre foi muito sincero - e prorrompeu numa avalanche de lágrimas que não conseguiu mais conter.
- Sávio, eu não sou digna de suas lágrimas.
Eu o matei - falou Fúlvia, envergonhada, tentando despertar no moço uma reacção de raiva que justificasse um ódio que ela achava que merecia receber dele, depois de tudo o que havia feito para prejudicá-lo.
- Nós nunca morremos, Fúlvia.
Nem os nossos sentimentos são assassinados pelo veneno que mata nossos corpos - falava, soluçando, aquele soldado transformado em uma carente criança.
Fúlvia nada pôde dizer-lhe, a não ser estender sua mão imunda e colocá-la em seus cabelos, num afago sincero.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Dez 01, 2014 10:30 pm

Era o primeiro gesto de carinho depois de muitos e muitos anos de vida dissimulada e falsa.
Sabendo que não poderia permanecer muito tempo ali, Sávio levantou-se para que Zacarias pudesse continuar.
Vendo a reacção favorável que o encontro com Sávio produzira no seu interior, uma mistura de vergonha e ternura, Zacarias aproveitou o momento para continuar as apresentações.
- Filha, nós sempre nos reencontramos com nossos fantasmas, ainda que nossas vítimas, fora de nós mesmos, nos estendam o seu generoso perdão.
- É verdade, generoso ancião. Sinto que meu ser depravado e rebelde está carcomido por remorsos e medos que me acompanharão por muito tempo.
E se me encontro no reino dos mortos como me julgo encontrar, diante de algum tribunal que avaliará meus actos, creio que me reservaram a cruel posição de Juíza de mim mesma, fazendo o desfile de minhas atrocidades.
- Perante a lei do Universo, filha, é isso mesmo o que acontece.
Somos réus, acusadores e juízes, sem que o Pai tenha que se conspurcar nos fazendo o mal.
Nós somos os que nos prejudicamos, sem que Deus tenha participação nisso, a não ser para atenuar nossos males.
- Deus? Quem é esse?
Para mim Júpiter sempre foi o maior e o soberano.
Nunca me concedeu muitos favores, os quais eu tive de escavar com meus próprios talentos, dando uma ajudazinha.
- Mas a sua realidade actual demonstra o quanto você mais se prejudicou do que ajudou, não é?
Fúlvia calou-se, pensando nas inúmeras vezes em que perseguiu e prejudicou.
Vendo que a entidade ferida se voltava para seus próprios actos, Zacarias voltou a lhe dizer, paternal:
- Há mais alguém que eu gostaria de lhe apresentar, como sua vítima, conforme você mesmo desejou conhecer.
- Ah! Não... eu não estou mais aguentando tudo isso.
- Tenha paciência.
É necessário que você as conheça para que possa deliberar melhor sobre o seu futuro.
Falando assim, Zacarias endereçou o olhar para Lívia, que estava mantendo a vibração ao redor de Fúlvia.
Entendendo que havia chegado a sua oportunidade de hipotecar suas energias àquela alma debilitada, a esposa de Públio acercou-se e, antes de qualquer pedido de Zacarias, ajoelhou-se ante Fúlvia e tomou-lhe as mãos entre as suas e disse, sorrindo ternamente:
- Fúlvia,... sou eu,... Lívia.
Se um raio tivesse caído sobre Fúlvia, o efeito não teria sido mais devastador.
Encolhida em um canto, tentando fugir da visão que tinha ante seus olhos, Zacarias sustentou o espírito fraco daquela mulher que, agora, era levado ao reencontro com os seus próprios actos.
- Por favor, você não. Sávio era um jovem amante, desejoso de aventura como eu, afoito e apaixonado, mas... você...
Suas palavras, agora, eram de desespero.
Num relance, Fúlvia se lembrou de tudo o que fizera com aquela mulher, desde os dias em que os acolhera em sua casa, na Jerusalém de muitas décadas atrás.
A discriminação mesquinha e mal disfarçada que nutria por causa da enfermidade da filha de Lívia; a presença de Públio, o marido, importante e cobiçado pelos seus olhos cúpidos; a perseguição que empreendera na tentativa de destruir-lhe a reputação de mulher virtuosa no conceito do marido; a cena entrevista do parapeito de uma janela, na qual Lívia deixava os aposentos privados de Pilatos, graças à qual contaminara o afecto de Públio e lançara a desarmonia em seus espíritos; a perseguição a Flávia, a filha do casal Públio e Lívia, através da traição favorecida por ela, nos encontros que patrocinara entre Plínio, marido de Flávia e Aurélia, sua própria filha.
O rol de maldades era extenso e, ao contacto com Lívia, todas vieram à tona em suas lembranças.
- Não, generoso ancião, não permita que esta mulher se aproxime de mim, pois o ser angelical não merece conspurcar-se com a maldade do ser infernal que fui e que sou.
Liberte-a dessa obrigação.
Não permita que os males que já produzi contra essa mulher inocente se multipliquem em seu coração.
Falava em desespero, agitada, lutando contra sua própria natureza, geralmente altiva e irónica, corroída pela força do remorso que lhe mantinha uma fornalha no cérebro, requeimando as entranhas do coração.
Tentava arrancar os cabelos, afastando as suas mãos do contacto directo das mãos de Lívia.
Naquele momento, o coração maternal desse espírito nobre e preparado para o verdadeiro amor que era Lívia, transformaram-na em uma estrela rutilante.
Seus olhos azuis brilhavam como diamantes celestes incrustados nas órbitas pálidas de uma pele límpida e cetinosa.
A luminosidade de seu peito se projectava sobre Fúlvia inundando-lhe a imundície pessoal e serenando-lhe as dores físicas e morais.
- Somos irmãs, Fúlvia.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Dez 01, 2014 10:30 pm

Não estou aqui para acusá-la de nada, mas, apenas, para estender minhas mãos a fim de que você não padeça na solidão de seu arrependimento.
Estou ao seu lado, pedindo a Deus e a Jesus por sua recuperação.
- Esse Deus há de ser muito poderoso para dar conta de recuperar uma criatura miserável como eu - gritava, descontrolada de dor, aquela alma envergonhada, ante o contacto da Bondade que a visitava sem acusação.
Eu não tenho conserto.
Deixem-me ficar aqui e me ajudem a cavar um buraco mais fundo para me projectar nele a fim de me esconder dos actos nefastos que cometi.
Você era inocente, Senhora, e eu sabia disso.
Fiz o mal para sua família, para seu marido, para sua filha, tudo de caso pensado, medindo meus actos, tramando meus passos.
Não há pedido de perdão que consiga abarcar o tamanho de meus erros...
E tocada de ternura e luminosidade, Lívia dominou-lhe as mãos carinhosamente e rematou:
- Não estamos aqui esperando que nos peça perdão, Fúlvia.
Viemos aqui para cobrar mais do que um simples pedido de desculpas.
Você tem razão quando diz que o pedido de perdão é insuficiente para compensar os equívocos do passado.
Queremos mais do que isso.
E vendo que Lívia estava falando de maneira mais franca, como se estivesse declarando o verdadeiro motivo daquele encontro, Fúlvia animou-se a perguntar:
- Diga-me, Senhora, por caridade, diga-me o que você e estes outros querem de mim, o que eu devo fazer para pagar as contas que acumulei.
Eu sei que ninguém ajuda ninguém de graça.
Peçam o que vocês desejam...
- Irmã, querida, nós queremos não o seu pedido de perdão.
Nosso preço exige você inteira.
Nós queremos você, Fúlvia.
Desejamos a sua alma que haverá de ser valorosa e vitoriosa para esse Deus, que você ainda não conhece, mas que nos ama a todos, sem distinção.
Esse é o nosso preço e viemos cobrá-lo.
Não sairemos daqui sem carregá-la como o nosso tesouro, como a paga que você nos deve por tudo o que fez contra si mesma.
A palavra inspirada de Lívia havia emocionado Fúlvia que, por força de seus vícios negociais terrenos, estava esperando outro tipo de cobrança.
Agora, suas lágrimas eram de gratidão sincera àquela mulher generosa, verdadeiro anjo daquele Deus desconhecido.
Olhando-se por dentro, sentia mais vergonha ainda.
E sem desejar ocultar nada mais de ninguém, Fúlvia respondeu a Lívia:
- Senhora, minha miséria me impede de ser um pagamento decente.
Pesam sobre mim muitos crimes que não consegui deslindar até este momento.
Aqui encontrei três de minhas vítimas.
No entanto, são bem mais numerosas aquelas que receberam as minhas misérias.
Pilatos, que tentei matar, Sávio, que envenenei cruelmente, a Senhora de quem estraguei a felicidade, estão aqui...
Fúlvia fazia um esforço sobre humano para confessar-se.
Suas palavras eram entrecortadas de soluços e sua respiração ofegante demonstrava o quanto lhe custava seguir adiante com aquilo.
Havia conseguido sentar-se sem precisar da ajuda directa de Zacarias, que, até ali, a estava sustentando como apoio.
- No entanto, Senhora, não posso sair daqui, porque há mais gente que deverá me procurar para cobrar pelos meus erros, neste antro onde me projectei.
- Não, Fúlvia, nossos equívocos marcam nosso coração.
Eles nos perseguem porque estão sempre connosco aonde vamos.
Não precisa esperar por mais ninguém.
E dirigindo-se a Zacarias, pedindo-lhe a ajuda paternal para que ele convencesse Lívia, Fúlvia solicitou:
- Generoso paizinho, se posso chamá-lo assim, depois de tanto tempo na Terra vivendo sem saber o que fosse o amor de Pai ou de Mãe, diga à Senhora que não posso me ausentar daqui até que a outra vítima deste drama me busque para me acusar.
Lembro-me de que quando mandei matar Pilatos através de Sávio, a sua acção frustrou-se porque um outro bebeu o veneno em seu lugar.
Foi mais um inocente que eu matei e que tem o direito de vir solicitar a vingança e infundir-me o sofrimento que eu mereço.
Enquanto isso não acontece, não posso pensar em sair daqui.
Explique para ela, paizinho, que não é má vontade minha.
Minha culpa não me permite.
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Série Lúcius - A Força da Bondade / André Luiz Ruiz - Página 3 Empty Re: Série Lúcius - A Força da Bondade / André Luiz Ruiz

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Dez 01, 2014 10:30 pm

Não quero mais cometer crimes e não enfrentá-los.
Fúlvia não conseguia mais expressar-se.
Lívia, compreendendo o que se passava, observou que os olhos de Zacarias brilhavam de maneira diferente, deixando escorrer gotas diamantinas, enquanto o sorriso paterno se mantinha plácido e generoso.
Solicitada insistentemente pelo olhar de Fúlvia, Lívia sabia que a mulher desejava sua resposta, compreendendo os seus motivos.
Envolvida pelo magnetismo elevado daquele instante, Lívia respondeu, carinhosamente:
- Pois então, minha irmã querida, não há mais motivo para que esteja neste antro, como você mesmo o qualificou.
Todas as suas vítimas, envolvidas neste drama, já estão aqui e pedem o mesmo preço pelos seus erros.
- Como assim, Senhora?
Falta um deles, tão inocente quanto a Senhora mesma, vítima do meu veneno...
Então, Lívia dirigiu o olhar para Zacarias que, elevando uma prece silenciosa a Jesus em favor da alma de Fúlvia, ia se transformando em um Sol, iluminando a todos com seu coração imenso e generoso.
Sem dizer mais nenhuma palavra, levantou a destra e apontou para o ex-sapateiro, mostrando quem era a sua última vítima Fúlvia, em silêncio, seguiu o olhar e o gesto de Lívia, entendendo que seus olhos apontavam para aquele que morrera graças à acção do seu veneno.
Quando Fúlvia conseguiu virar seu corpo e vislumbrar o espírito de Zacarias, entendendo que ele era a vítima que faltava chegar, transformado naquele astro rutilante e humilde, não conseguiu mais se controlar.
Estava vencida pela vergonha, pelo arrependimento, pelo Amor que se importava tanto com ela, apesar do que havia sido.
Entre soluços amargos, quase num transe de dor e agonia, Fúlvia balbuciou, com a voz fraca dos vencidos e sem forças:
- Levem-me daqui...
Anjos desse Deus que desconheço, eu vos pertenço para sempre.
Meu paizinho, aceite-me como o lixo que sou e me transforme com o seu Amor que desconheço.
Sei que já morri mas quero morrer novamente.
Quero nascer limpa.
Quero ser outra pessoa.
Quero parar de ter medo de mim mesma.
Ajudem-me com esse poder que nunca vi em nenhum lugar e não consigo compreender...
Mas levem-me com vocês.
É tudo o que lhes peço, sabendo que não tenho qualquer direito de pedir alguma coisa.
E dizendo isso, sofreu um desmaio, como se seu desespero só encontrasse remédio no anestesiante sono que a afastasse de si própria.
Fúlvia dormia, agora, o sono libertador de todas as culpas, depois da árdua luta contra as suas tragédias morais.
Começaria uma nova etapa em sua vida.
Entendendo a importância daquele momento, Zacarias ergueu-se do solo carregando o precioso fardo deformado e vencido e depositou-o nos braços de Lívia que, em lágrimas de gratidão, beijou-lhe a fronte com enternecimento, como se estivesse acarinhando uma filha de sua própria alma.
Estavam prontos para sair dali.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Dez 01, 2014 10:30 pm

17 - A VEZ DE LULPÍCIO

Terminada a operação na qual o Amor e a Bondade, representados pelos abnegados servidores de Jesus, haviam reiniciado o processo de enfermagem daquelas duas almas, que se permitiram adoecer tão gravemente pelo exercício de seus desejos e prazeres sem freios, era necessário que todos saíssem daquele recinto obscuro e se dirigissem até a pousada de Sávio, de onde partiriam para os planos mais elevados.
Zacarias, dirigindo o grupo, elevou singela oração a Jesus, agradecendo as bênçãos daquele reencontro e pedindo a protecção para o que seria a parte mais arriscada da operação.
Ao seu redor, os componentes da caravana se uniam em preces.
Lucílio carregava Pilatos, enfraquecido, mas lúcido.
Lívia trazia o espírito de Fúlvia em seus braços, integralmente entregue ao sono.
Sávio, o mais despreparado dentre eles, assustado, sabia das dificuldades que a saída daquele ambiente hostil apresentaria para todos.
Cléofas se ligava a Zacarias com humildade e devotamento, tentando tudo fazer para servir de apoio incondicional aos desejos de seu tutor.
Simeão se mantinha igualmente sereno, oferecendo o braço amigo aos demais para que se sentissem amparados pelo seu espírito serviçal e generoso.
Assim que terminaram a oração, Zacarias explanou seus objectivos:
- Agora nos compete levar a preciosa carga ao seu destino final.
Até agora, tudo correu como havíamos planejado.
No entanto, daqui para a frente estaremos em contacto com os guardas a serviço de Sulpício.
Não saberemos dizer qual será a reacção deles.
No entanto, não seria justo que saíssemos daqui sem endereçar-lhes uma palavra de estímulo e uma convocação a que mudem de comportamento e aceitem os novos rumos para seus espíritos.
Quem sabe não lhes tenha chegado a hora também, não é?
Todos concordavam com aquele velhinho bondoso que, em momento algum deixava de tentar ajudar aqueles que tinha pela frente até como adversários do Bem.
Vendo a concordância, Zacarias continuou:
- Para que não tenhamos muitos problemas e para que os adversários da Verdade sejam defrontados pela força do Amor, peço que Cléofas dirija a palavra a todos quantos tentarem nos impedir de passar, seja pela sua aparência física, que já nos facilitou o ingresso neste recinto de dor, seja porque através de sua palavra, todos seremos tocados pela força superior.
Assim acertados, lá se foram, agrupados e coesos, em direcção à saída.
Lá fora nada se havia alterado.
O chefe Sulpício não havia voltado de sua ronda de inspecção e apenas Crasso e mais outras três entidades de mesma expressão militar se postavam ali, relaxadas pela ausência do poderoso e intimidador lictor espiritual.
Quando Crasso percebeu a saída do grupo, na frente do qual vinha Sávio, logo se colocou, amistoso, para saber como havia sido a sessão de tortura.
Ao lado de Sávio vinha João de Cléofas.
Logo atrás vinham os outros sendo que Lucílio com Pilatos e Lívia com Fúlvia vinham cercados ao centro do grupo, ladeados por Zacarias e Simeão.
- Ora, Sávio, então terminou o espectáculo dos horrores? - falou, íntimo e relapso, o guarda da caverna.
- É, Crasso, terminamos nossa função por aqui.
Percebendo, no entanto, que estavam em maior número do que quando entraram, Crasso se deu conta de que, entre eles, estavam os dois prisioneiros.
- Aonde é que vocês pensam que vão com os dois malditos? -gritou o soldado, atraindo a atenção dos outros três que vieram ver o que estava se passando.
Como Sávio se mantivesse em silêncio, Crasso continuou:
- Os presos não podem sair daqui.
São ordens do Chefe.
Eles não devem sequer ser retirados de suas celas.
Como é que você ousa ameaçar levá-los?
- Estamos obedecendo ordens - respondeu Sávio, deixando intrigados os soldados.
- Ordens de quem?
Do chefe eu sei que não são!
Podem voltar com os dois para dentro agora.
E dizendo isso, apoiado pelos seus outros comparsas, Crasso deu a entender que iria usar a força para obrigá-los.
Foi aí que João de Cléofas, se apresentando ainda com a aparência de leproso, se adiantou e tomou a palavra.
Vendo a sua figura algo disforme, os quatro recuaram aterrados, sem saberem como agir naquele momento em que o dever mandava se oporem ostensivamente, mas o medo aconselhava se afastassem rápido.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Dez 01, 2014 10:31 pm

Sentindo o conflito íntimo em seus corações, Cléofas começou a falar-lhes:
- Meus irmãos queridos, não tenham medo daquilo que é apenas a expressão de nossos erros.
O que estão vendo é o fruto das muitas faltas que cometi e que cobraram o seu preço na forma de enfermidade cruel.
Se me apresento assim a vocês é para que entendam que o mal sempre produz o mal para aquele que o pratica.
Se hoje estamos aqui neste ambiente de dor e sofrimento, poderemos, amanhã, nos encontrar em outro local, mais arejado e belo do que este.
Há quanto tempo que vocês não desfrutam da luz do Sol, do ar fresco, da água cristalina e pura?
Vocês se esqueceram que são seres humanos com direitos.
Sendo tratados como animais subterrâneos, se afastaram da noção de dignidade e se prestam a estar aqui nesta furna, amedrontados, como se estivessem no melhor lugar do mundo.
O que estão vendo em mim é o que estão produzindo para vocês mesmos.
Eu sou o que vocês serão, caso não modifiquem seus rumos e alterem as suas escolhas.
A palavra inspirada de Cléofas o inundava de energias e atingia profundamente aqueles quatro esbirros do mal, sempre tão acostumados à rotina dos carrascos, que se haviam endurecido no pensamento e nos sentimentos.
Petrificados ante o leproso, não se animavam a agir nem a fugir.
Se fugissem, liberariam a passagem fácil de todos.
Se atacassem, poderiam se contaminar, conforme pensavam, com a moléstia maldita.
Assim, Cléofas continuou:
- Estamos, sim, cumprindo ordens como Sávio acabou de dizer.
Nossas ordens provêm de um comandante generoso, de bondade inesgotável, de Amor Sublime, que está preocupado com os irmãos em sofrimento.
Estamos a serviço de Jesus, nosso Mestre, que está autorizando que Pilatos e Fúlvia sejam socorridos e amparados, da mesma maneira que nos permitiu estender este socorro a vocês por estarem, todos, sob as vistas amorosas desse Divino Amigo.
Com relação ao que vocês chamam de chefe, só as chicotadas que ele distribui, fartas, mantêm o temor e a submissão às suas ordens.
Não percebem que nada os obriga a permanecerem aqui, a não ser o próprio medo e as culpas que acumularam?
Estão no fundo do abismo e submetidos a castigos ou ameaças e acreditam que isto seja o paraíso de delícias?
Pois em nome de Jesus eu os convido a nos seguir e deixar para trás este covil onde o desespero é a única esperança, onde as lágrimas são o único alimento e onde o pavor é a única prece.
Venham queridos irmãos.
Jesus nos aguarda e tem para vocês também um lugar luminoso onde suas dores estarão tratadas, suas culpas serão transformadas em bênçãos e o medo será substituído pelo Amor Verdadeiro.
E enquanto falava entusiástico e arrebatador, Cléofas relembrava suas actividades na igreja de Antioquia, de onde havia sido mandado a Roma na tarefa que culminou sua trajectória na Terra.
Relembrou de Jesus, nas suas andanças nos meses que antecederam o seu martírio.
Sua palavra firme e doce, seus exemplos que inspiravam os mais duros de coração.
Fixou-se na coragem do Mestre, cuja bondade jamais titubeava diante do mal desafiador e arrogante e, intimamente, pedia para poder ser o modesto instrumento desse Amor grande e humilde que esculpe o coração dos que escutam e fortalecem as suas decisões para trilharem novos rumos.
A lembrança de todas estas coisas, unida a uma capacidade de sentir o Amor Verdadeiro, começou a transformar Cléofas que, de leproso apagado, passou a rutilar como uma estrela luminosa, acendendo aquele ambiente e assustando ainda mais os ouvintes atónitos.
Desapareceram-lhe as marcas e as feridas, refizeram-se os tecidos e o semblante se tornou de uma beleza invulgar e desconhecida.
Remoçara como que por um milagre.
Seus cabelos se tornaram encaracolados e de um dourado luminoso.
Seu rosto assumiu a forma de um rapaz de energia e força, coragem e destemor, aureolado por tal claridade, que seus próprios amigos se surpreenderam.
Do alto, novas luzes se projectavam sobre eles naquele momento tão importante.
Vendo a transformação maravilhosa, três dos quatro soldados se prostraram de joelhos, trémulos e chorosos, dizendo em altos brados que aceitavam sim a convocação que lhes era dirigida.
Realmente estavam cansados de tantos males sem qualquer vantagem positiva; sentiam falta de algo diferente que lhes desse um motivo maior para viverem; tinham saudades de criaturas amadas que há muito não encontravam; queriam ser felizes e não sabiam como.
Haviam aceitado aquele tipo de vida porque era a única coisa que sabiam fazer quando de sua última encarnação.
Haviam sido soldados e se mantinham assim, achando que o Além era um grande destacamento militar, usando cada um na função que tinha desempenhado na Terra, quando vivo no corpo de carne.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Dez 01, 2014 10:31 pm

No entanto, estavam cansados daquele tipo de experiência.
Somente Crasso se mantinha firme, inflexível, no posto onde fora colocado pela ordem directa de Sulpício.
Vendo a capitulação dos outros três, Cléofas caminhou em sua direcção sem que Crasso o impedisse, já que estava como que hipnotizado e igualmente amedrontado por tamanho poderio que nunca vislumbrara em lugar algum.
Chegando até os três, Cléofas ajoelhou-se com eles e lhes disse:
- Bendito são vocês, meus irmãozinhos.
De hoje em diante, uma nova jornada os espera.
Levantem-se para que suas próprias pernas os dirijam para a felicidade que os aguarda.
E dizendo isso, ergueu os três e os levou até o grupo que, igualmente encantado e em oração sincera, estava nimbado de luzes espirituais.
Incorporaram-se ao contingente e, como não desejassem enfrentar o olhar reprovador de Crasso, mantinham-se cabisbaixos.
Ao ver-lhes a deserção, Crasso explodiu em ameaças:
- Malditos ingratos, vocês estão traindo o chefe.
Ele não vai deixar as coisas desse jeito.
Vai perseguir a todos até que os traga de volta para cá.
Seu ódio será maior e o sofrimento que vocês experimentarão será igualmente inesquecível.
Crasso tremia e estava à beira do descontrole.
Vendo-lhe o esforço hercúleo para não se trair, Cléofas dirigiu-se a ele que, espada em punho, não sabia como agir.
Chegando mais perto, o iluminado pregador dirigiu-lhe a palavra, bondoso.
- Por que se apega à espada quando ninguém daqui o está querendo ferir?
Veja, minhas mãos estão vazias.
- A espada é a minha defesa e a minha única arma - gritou Crasso descontrolado.
- O meu coração é a minha arma e a Bondade do Cristo é minha única defesa, meu irmão - respondeu Cléofas que, a esta altura, expelia fagulhas de luz na direcção de todos e, em especial, na de Crasso.
- Afaste-se de mim, feiticeiro maldito, pois não terei nenhum receio em atacá-lo.
Ante a ameaça desesperada do soldado, Cléofas se tornou mais incisivo ainda.
- Pois eu lhe ofereço meu coração para que me fira com sua espada, meu irmão.
E dizendo isso, abriu os braços e começou a caminhar na direcção do soldado.
Crasso não sabia o que fazer.
Estava desesperado, avassalado por uma força que jamais conseguira imaginar que existia.
Seus braços pesavam, sua cabeça girava, seus sentimentos estavam num turbilhão e, sem saber o que fazer, ante a aproximação ainda maior daquele ser luminoso, outra alternativa não lhe restou do que abandonar a espada e sair em desabalada correria a fim de não acabar caindo na mesma condição dos outros três.
Vendo-lhe a fuga, Cléofas elevou a Jesus a oração por aquele irmão que se ausentava temporariamente, rogando-lhe que a semente que fora plantada pudesse germinar o mais rápido possível.
Regressando ao grupo, Cléofas recebeu o afago paternal de um Zacarias sorridente e feliz pelo desempenho daquele a quem tratava não como seu tutelado, mas como seu amigo verdadeiro.
Por fim, o caminho estava livre e mais três irmãos aflitos haviam aceitado a palavra de Amor.
Zacarias se lembrara dos tempos de sua peregrinação a Nazaré, na qual a mensagem de Jesus havia chegado a muitas pessoas e despertado muitos corações que se incorporavam, espontâneos, ao grupo dos agentes do Bem.
Lembrou-se de Caleb, o velhinho que fora o primeiro a ser curado naquela cidade.
De Judite, a esposa traidora resgatada do prostíbulo e transformada em serviçal do Amor; rememorou a figura de Saul, irmão de Cléofas e dono da estalagem que lhe dera abrigo e se incorporara à caravana a caminho de Cafarnaum, quando do regresso.
Sempre que a caravana do Amor saía a espalhar sementes, trazia ao regressar mais do que havia levado ao partir.
Livres, enfim, de qualquer obstáculo, tomaram o rumo da estalagem de Sávio, nas periferias daquele local escuro, onde todos os que haviam se comprometido no erro, agora, eram convocados a rectificar seus caminhos, ajudando-se mutuamente.
Depois de terem partido para o rumo conhecido, Crasso regressou ao seu posto, totalmente perturbado e em quase desespero.
Havia deixado que os prisioneiros partissem.
Havia perdido mais três soldados da guarda e não tivera coragem de usar a poderosa espada contra os invasores.
Isso seria o seu fim, diante de Sulpício.
Pensou em fugir dali, mas não tinha para onde ir e seria facilmente encontrado pelos asseclas do chefe cruel.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Dez 01, 2014 10:31 pm

Assim, resolveu pensar em alguma história e esperar a chegada do lictor, o que não demorou muito para acontecer.
Tão logo chegou o antigo braço direito de Pilatos, Crasso se viu na obrigação de contar o que havia ocorrido.
Informado da perda dos prisioneiros, Sulpício foi acometido de uma crise de fúria das piores que já haviam presenciado.
Sua fisionomia tornou-se animalesca, enquanto que babas esverdeadas escorriam pelos cantos de sua boca, transformada em um vulcão de impropérios.
Sem esperar maiores explicações, retirou o chicote que usava com facilidade e constância e passou a golpear o soldado irresponsável com fúria descontrolada.
Ao seu lado, uma escolta de soldados que o seguia pelos caminhos, assistia aturdida e intimidada, a reacção animalesca de seu líder, sem que esboçassem qualquer atitude.
- Onde estão os presos, seu verme inútil, miserável? - vociferava Sulpício, animalesco.
Vamos, responda, covarde!
E vendo que o descontrole do chefe só aumentava, Crasso sentia a necessidade de explicar o que se passara na sua ausência.
- Senhor, meu senhor, eu tentei impedir que eles fossem levados, mas os que vieram aqui, trazidos por Sávio, nosso conhecido, eram feiticeiros que controlavam forças maiores do que as minhas.
Falavam que estavam obedecendo ordens de um tal de Jesus, de quem eu nunca ouvi falar...
- Feiticeiros coisa nenhuma! - gritou Sulpício.
Você é que é um covarde e um fracote.
- Não, meu senhor, tanto é verdade, que conseguiram levar os outros três soldados que estavam comigo.
Só eu resisti aos sortilégios deles... por fidelidade ao senhor.
A afirmativa de Crasso lhe parecia lógica.
Realmente, os outros três não estavam ali.
Ele foi o único que restara.
No entanto, constatando o facto de ter perdido os prisioneiros e mais três soldados, Sulpício espumou ainda mais.
- Você falou que um tal de Sávio estava com eles?
Quem é esse sujeito?
- É um soldado que já esteve aqui com a sua autorização, levando comida aos prisioneiros.
Parece que tem uma guarita de observação não muito longe daqui.
- Outro maldito traidor.
Estou cheio de traidores ao meu redor... - e falando assim, estalava o chicote indiscriminadamente sobre quantos estivessem por perto.
Determinado a não deixar as coisas desse jeito, Sulpício ordenou que todos se postassem para a busca frenética dos fugitivos que, quando recapturados, seriam exemplarmente punidos.
Crasso iria com eles à procura da tal guarita de Sávio, nome pelo qual eles identificavam aquele local onde o ex-soldado se mantinha, em tarefa de apoio avançado que a Bondade organizara no antro da maldade.
A excursão barulhenta e tumultuada tomou o rumo do local indicado por Crasso e, depois de longo tempo de trajecto, à distância puderam observar as modestas instalações feitas de um material parecido com capim seco.
- É ali. Vamos rápido.
Há luzes acesas.
Eles devem estar lá.
A euforia de Sulpício fazia com que ele não se desse conta de que, ao redor da modesta habitação, os espíritos responsáveis pelo resgate haviam instalado barreiras de defesa e protecção magnética, o que impedia o avanço e o ataque dos integrantes da turba de Sulpício.
Por isso, ao se aproximarem mais daquele pequeno núcleo, todos se viram forçados a interromper o avanço, já que sentiam o corpo fisgado por coriscos eléctricos desconhecidos, alertando-os para que não avançassem.
Sabendo que se tratava de uma barreira de força, Sulpício passou a gritar impropérios lá de fora, no que foi seguido por todos os seus asseclas, menos por Crasso que, algo diferente, mais e mais se espantava com aquele tipo de poder que ele não havia visto nunca pela frente.
- Bandidos, ladrões, assaltantes, devolvam-me o que me pertence - bradava Sulpício.
O silêncio era a resposta que deixava o lictor ainda mais irritado.
- Venham aqui para fora, corja de safados, e me enfrentem cara a cara - desafiava.
Os integrantes da caravana, recolhidos ao pouso de Sávio, permaneciam orando e pedindo a Jesus os amparasse, revestidos de calma e confiança que lhes infundia serenidade.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Dez 01, 2014 10:31 pm

Foi aí que, envolvidos por essa característica, Zacarias dirigiu-se a Simeão e o convocou:
- Esta é a sua vez, meu irmão querido.
- Entendo os desígnios de Jesus, Zacarias, e muito lhe agradeço a oportunidade de rever o irmão de outros tempos.
- Estaremos juntos de você.
Falando assim, convocou os demais, com excepção de Sávio e de Lucílio, que deveriam cuidar dos recém-resgatados, para que saíssem daquele tugúrio e auxiliassem a tarefa de Simeão, no momento em que as luzes de Jesus seriam apresentadas ao ex-lictor de Pilatos.
Lá fora, os acompanhantes de Sulpício exultaram quando perceberam que o pequeno grupo de espíritos deixava o interior.
Zacarias, Simeão, Lívia e Cléofas ali se postavam para os embates daquela hora fatídica.
O número era muito pequeno perto dos mais de trinta seguidores de Sulpício.
Aquela seria uma batalha fácil, segundo pensavam os iludidos agentes da sombra.
Não estavam contando com a força da Bondade.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Dez 01, 2014 10:32 pm

18 - FORÇAS MAJESTOSAS

A balbúrdia aumentara significativamente ao redor daquele pequeno e modesto pouso de esperança encravado nas trevas densas.
À medida que as protecções luminosas tinham sido estendidas à volta da pequena choupana, a luminosidade havia despertado muitas entidades que podiam ver as emanações da claridade e, desse modo, vinham de longe, buscando a ajuda que imaginavam estar disponível.
Na verdade, a maioria tinha o desejo de se livrar da dor que as consumia sem, contudo, melhorar-se como deveria.
Imaginavam, como imaginam os encarnados no mundo que, apenas desejando vencer o mal, com intenções improvisadas e declarações verbais se obtém a necessária senha para ingressar no reino da virtude.
As pessoas, quando encarnadas, costumam iludir-se, entregando-se a rezas e a religiões, acreditando que elas bastarão para que se garanta o Reino de Deus.
Assim, ao divisarem a luminosidade que, em qualquer lugar do Universo sempre representa a presença da Verdade e do Amor, acorriam da vasta região escura, milhares de criaturas, rastejantes, disformes, aleijadas, entorpecidas por décadas ou séculos de angústias, vitimadas por suas próprias tragédias morais.
Verdugos seguiam suas vítimas sendo, ambos, atraídos pelas novidades daquele cortejo que tomava a direcção daquele pequeno e distante ponto luminoso.
Era a turba de curiosos, desesperados, insanos, dementados, rebeldes, religiosos de todos os credos, homens e mulheres despidos e entorpecidos pela busca desenfreada das práticas sexuais degeneradas a que se entregaram e que acabaram por desfigurar-lhes por completo a estrutura vibratória.
O contingente não conseguiria se aproximar até as barreiras de energia, pois as forças radiantes, à medida em que iam chegando mais perto, começavam a actuar sobre eles de tal maneira intensamente, que todos se deixavam quedar a certa distância por não conseguirem se aproximar mais dali.
Em cada indivíduo, de acordo com suas características pessoais, a intensidade das vibrações ao redor daquela casinha lhe chegava exactamente no foco de suas fraquezas e de seus compromissos, fazendo com que as sensações que nutria sem o sincero desejo de delas se libertar, se tornassem como algo incandescente, algo que lhe requeimasse, piorando-lhe o estado e demonstrando-lhe onde estava o seu problema principal.
Assim, os criminosos não redimidos passavam a sentir as luzes penetrando-lhes as partes físicas utilizadas para a prática de seus delitos, levando-os ao desespero.
Mãos assassinas, mentes astutas, boca caluniadora, olhos cruéis, tudo se tornava esfogueante e cáustico, impedindo que continuassem adiante.
Aos descuidados, que se conspurcaram com o excesso de prazeres carnais, as tenazes incandescentes da consciência voltavam-se, aumentadas pela força luminosa daquele encontro, para as áreas ligadas aos centros genésicos que, neles, ainda se encontravam activados por força da fixação mental que seguia estimulando a área sexual de seus perispíritos.
Os que tinham ódios ou sentimentos de crueldade, sentiam a dor piorada na altura do peito, como se uma flecha de fogo lhes houvesse rasgado o ser e atingido o coração, incendiando-o de um fogo que não havia como apagar.
Assim, cada grupo ou indivíduo ia parando pelo caminho, na altura em que as suas forças não conseguiriam mais suportar o contacto com a luz da Verdade.
De nada adiantava gritar palavras de súplica.
Religiosos faziam sinais cabalísticos.
Alguns ajoelhavam-se, outros invocavam as forças a que estavam acostumados se dirigir quando das práticas religiosas que adoptaram na Terra.
Sacerdotes dos cultos pagãos, membros diversos das agremiações religiosas, médiuns de vários caminhos, pitonisas, videntes, pessoas pertencentes a sociedades secretas, praticantes de rituais mágicos ou de feitiçarias, religiosos vários, todos se congregavam naquela Torre de Babel na qual desejavam demonstrar e convencer que a sua era a verdade a ser imposta sobre a dos demais.
Era um conclave de esfarrapados da alma que não tinham mais do que farrapos para usar como argumentos.
Todos haviam traído Jesus ou seus princípios em seus caminhos.
Todos tinham praticado obras da iniquidade.
Todos tinham desejado se valer do caminho religioso para encontrar, através dele, a porta larga, recusando-se a enfrentar a porta do sacrifício, do devotamento, da pobreza, da renúncia, do testemunho moral para que o Cristo que traziam nas palavras, se espelhasse em suas atitudes.
Como pastores indignos que exploraram o rebanho que deveriam proteger e que enriqueceram à custa da credulidade alheia, pregadores que se permitiam os vícios mais baixos, afastados da elevação daquilo que pregavam ali se achavam reunidos, assim como médiuns falidos, homens e mulheres vaidosos que desejaram fazer de suas faculdades picadeiro para enaltecimento pessoal, entregando-se a rituais mentirosos e iludindo a boa fé dos desesperados, fazendo leitura de sorte, prevendo futuro, cobrando dinheiro para fornecer a consolação aos caídos do mundo.
Estes últimos, por terem partilhado da realidade do mundo invisível, eram os que estavam mais alucinados e necessitavam de mais auxílio, pelo estado depauperado que ostentavam.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Dez 01, 2014 10:32 pm

Tinham se aproximado mais da fonte das bênçãos e a conspurcaram com suas práticas nocivas, sujando a sua pureza com a lama de suas intenções.
Assim, a região onde se localizava o tugúrio de Sávio foi ficando coalhada de necessitados que se aglomeravam, sendo que o grupo de Sulpício se mantinha a poucos metros da entrada principal, parecendo que, para eles, os raios luminosos não os atingiam como acontecia com os outros.
Somente quando se postaram nas fronteiras da barreira magnética é que não conseguiram vencer-lhe a potência, detendo o avanço e começando a gritaria.
Outros soldados, além dos trinta de sua comitiva, atraídos pelo espectáculo inusual naquela região, se ajuntaram ao grupo, prestando solidariedade àquilo que lhes parecia ser a reedição de um batalhão ou de um pelotão romano.
Serenamente, os quatro mensageiros do Amor deixaram a casinha que se localizava em pequena elevação do terreno e começaram a descer na direcção das linhas de energia.
- Lá estão os bandidos! - gritou Sulpício. Venham aqui, seus covardes miseráveis!
Ladrões e sequestradores!
Venham até aqui se é que têm coragem!
- Isso mesmo, bando de traidores - gritava outro aliado de
Sulpício, nos naturais processos de bajulação que, nas trevas, também existem.
- Vamos arrasar o esconderijo deles - propunha outro, desejando ser mais contundente que o anterior na solidariedade àquele que chamavam de chefe.
Sem se deixarem perturbar por aquela cena que, aos olhos de Zacarias, Simeão, Lívia e Cléofas se havia transformado numa sublime oportunidade de renovação de muitas almas, os quatro se viam envolvidos por uma força poderosa que, apesar de lhes ser visível, não era percebida pelos outros, incapacitados de se conectarem com as belezas subtis que o Amor reserva apenas aos que conseguem abrir o coração para a sua realidade.
Zacarias se dirigia aos revoltosos e, por acção dessa energia avassaladora que os protegia, a sua voz pareceu ampliar-se até os confins da Terra, tão logo proferiu as primeiras palavras:
- Querido irmão Sulpício, aqui estamos como você o desejava.
A voz estrondosa de Zacarias, para surpresa dele próprio, se fez escutar por quilómetros naquela vastidão escura e impenetrável.
Parece que um grande sistema de transmissão de ondas sonoras lhe amplificava a fala para que toda a multidão ali circundante pudesse escutar o que se passava.
- Dispenso a sua saudação, velho asqueroso.
Vocês me tomaram cinco peças que me pertencem.
Sulpício referia-se aos três soldados que se haviam deixado levar pela Bondade e aos dois presos que foram resgatados, nomeando-os a todos com os qualificativos que costumavam usar quando negociavam escravos.
Cada um era uma peça, não uma pessoa.
- Perante Deus, somos todos seus filhos e a Ele, com exclusividade, pertencemos.
Você pode apresentar os documentos que lhe garantem o direito ao que está reivindicando?
A palavra firme de Zacarias fez rilhar os dentes de Sulpício.
Afinal, ele invocara direito de propriedade e, assim, lhe cabia provar que era, efectivamente, dono dos que reivindicava.
Sabia não possuir nenhum documento que o provasse.
- Não preciso provar nada.
Todos os que estão aqui são testemunhas de que eu lhes sou o dono.
- Pois isso não é suficiente para que você possa solicitar, já que não pode provar que lhe pertençam como escravos.
Sulpício foi ficando nervoso, desacostumado a ser contrariado em suas ordens e arbitrariedades.
- Eu sou, por direito, aquele que pode exercer a vingança contra eles, já que os dois presos muito me prejudicaram e reivindico, como as nossas leis nos permitem, o direito de devolver-lhes o mal.
- Ora, Sulpício, são irmãos aflitos e vencidos.
Não nos parecem ser criaturas que representem qualquer ameaça a você ou que tenham condições de suportar mais ódio.
- Mas tenho o direito e irei exercê-lo.
Vendo-lhe o estado de desequilíbrio, Zacarias continuou amistoso.
- Percebendo seu modo de falar, parece que você sempre foi a vítima.
- Claro, isso mesmo.
Esses dois sempre me usaram, sempre se aproveitaram de mim, sempre fizeram o mal por meu intermédio -respondeu o lictor, sem esperar que Zacarias terminasse a frase.
- Mas essa alegação é algo singular, Sulpício.
Estou informado que você sempre desejou exercer influência sobre eles e se orgulhava de ser o braço direito de Pilatos, o organizador de seus festins, o participador em suas orgias, ao mesmo tempo em que mantinha o próprio leito aquecido por Fúlvia que, como você tanto a cobiçara, aceitou entregar-se em troca de seus favores e sua cumplicidade.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Dez 01, 2014 10:32 pm

- Mentiras, mentiras, seu velho caluniador.
Eu sempre cumpri ordens e sempre fui enganado por essa corja de vampiros.
- Pois não é isso que eu conheço.
Para mim, você também foi um algoz cruel e cheio de perversão sinistra.
Por que, agora, não tem a coragem de se declarar como tal, se é com base nesse tipo de intimidação que você mantém a liderança sobre este grupo de pobres homens iludidos ou temerosos de sua crueldade?
Vendo que a argumentação de Zacarias estava usando de seus defeitos e de suas práticas para atingir o moral dos que o seguiam e, como o mal sempre tem receio de abrir as grades da cela onde mantém encarcerados aqueles de que se serve como cúmplices para praticar a maldade, Sulpício foi ficando ainda mais incomodado.
Sua respiração passou a se tornar barulhenta, como se profundos suspiros lhe infundissem forças para continuar falando.
- Escute aqui, meu velho, os que me seguem estão aqui porque querem isso.
Sabem que estou exercendo a justiça que, por direito, meu poder me confere.
Se estão por aqui é porque preferem seguir aquele que exerce a autoridade.
- Mas desde quando eles tiveram escolha?
Quando lhes foi oferecido o direito de buscarem coisas melhores?
Você invoca direito de exercer a justiça.
Quando na Terra, você foi lictor e sabia que tal função deveria ser exercitada com equilíbrio e correcção.
No entanto, junto aos poderes corruptos você os usou para corrompê-los ainda mais.
Apresentando-se como cumpridor da lei, você a está desnaturando e violando.
Falando de uma liderança e uma autoridade, outra coisa não tem feito do que manter estes homens sob a hipnose do medo, do estalar do seu chicote.
Tanto isso é verdade que, na primeira oportunidade que seus homens puderam conhecer coisa melhor, não titubearam em abandonar o posto mentiroso que ocupavam aqui neste abismo e se dirigiram para outro destino.
Por que você precisa desse chicote se, como você diz, os seus comandados o respeitam tanto?
O silêncio era brutal. Só se escutava a palavra de Zacarias e a respiração de Sulpício.
Os homens que o seguiam nada falavam.
Todos estavam aturdidos pelas exortações verdadeiras de Zacarias.
Ao mesmo tempo, alguns nunca haviam pensado em outras realidades por acharem que aquela forma de vida era a única possível, pois não diferia muito do estilo a que estavam acostumados quando da vida na Terra, em um corpo de carne.
Vendo que o ex-sapateiro estava comprometendo a sua autoridade, Sulpício se colocou ameaçador diante dele e gritou:
- Você está falando este amontoado de mentiras porque seus sortilégios o protegem.
Do mesmo modo que usa sua feitiçaria para se defender, eu tenho o meu chicote que impõe a ordem e mantém a disciplina.
Queria vê-lo ser e falar tudo isso na minha presença sem estas cordas que não nos deixam passar.
Abra mão de sua magia, bruxo dos infernos, e vai ver como é que nos entendemos de forma diferente.
Vendo-lhe o desafio e sabendo aonde ele o deveria conduzir, Zacarias não se fez de rogado.
Levantou a mão e, em prece silenciosa que seu pensamento entretecia, pediu a protecção de Jesus naquele momento tão importante para aqueles espíritos.
Imediatamente, uma parte das defesas vibratórias que estavam bem defronte de Sulpício se apagaram.
Em uma extensão de alguns metros, desapareceu a faixa magnética para que o agressor pudesse estar diante dos enviados de Jesus.
Sulpício exultou ante aquela demonstração de ingenuidade de seu oponente.
Vendo aberta a passagem, deu os passos necessários para ingressar no perímetro outrora protegido, acreditando que os homens o seguiam de perto.
No entanto, os demais soldados estavam amedrontados com as manifestações de poder daquele ancião.
Estavam fixados no solo sem darem um passo para a frente.
- Vamos, homens, venham comigo - gritou Sulpício, enquanto caminhava na direcção de Zacarias, segurando o chicote em uma das mãos, com a outra mão apoiada no cabo da espada que trazia presa à cintura.
No entanto, poucos se mostraram dispostos a ir em sua companhia.
Apenas seis dos seus mais chegados o acompanharam, meio confundidos.
Imaginavam que, agora, seria fácil resgatar os prisioneiros guardados ali no ambiente da choupana.
Sulpício aproximara-se de Zacarias, arrogantemente.
- E agora, meu velho tolo, vamos logo devolvendo os meus pertences...
- Aqui não existe nada que lhe pertença, a não ser seus próprios erros, meu filho.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Dez 01, 2014 10:32 pm

- Que filho que nada.
Nunca tive um pai tão idiota como você.
A palavra hostil demonstrava o desejo de se colocar acima das vibrações de energia que o atemorizavam.
Sulpício nunca estivera diante de homens tão corajosos, a não ser uma única vez em sua vida.
Sabendo que seu espírito estava assimilando as forças daquele ambiente protegido, Zacarias sinalizou para que Lívia se apresentasse diante do lictor.
A nobre entidade, revestida das humildes vestes de escrava, como no dia em que estivera nos aposentos de Pilatos pedindo pela vida de Jesus, não titubeou.
A passos firmes adiantou-se e se postou à frente de Sulpício.
O susto do ex-ajudante de Pilatos foi forte a ponto de recuar alguns passos.
É que a sua consciência culpada, ainda que entulhada de preocupações outras, acusava-o de ter prejudicado aquela mulher nobre, graças à calúnia de Fúlvia a quem a sua cupidez e luxúria tanto queriam agradar e conquistar nos seus sonhos masculinos degenerados.
Vendo a figura da mesma Lívia que julgara equivocadamente, sua alma se apercebeu diante de uma de suas vítimas mais inocentes.
Para esse tipo de confrontação, ele nunca tinha pensado em alguma arma de defesa.
- Meu irmão Sulpício, que a paz de Jesus esteja em seu coração.
A saudação de Lívia não deixava dúvidas.
Era a mulher que Fúlvia odiava e que ele ajudara a desgraçar com a calúnia.
Diante da palavra doce, nada respondeu.
- Você está aqui, neste momento, para receber o convite do Amor e da Bondade a fim de que deixe este caminho de sofrimento e de dor e trace outro roteiro para sua jornada de espírito.
- Não pedi conselho a ninguém - falou arrogante o servidor das trevas.
- É verdade, meu irmão.
Mas não há dúvida alguma que o Bem nunca se desocupa daqueles que ama e deseja ajudar.
Não são exortações que o acusem.
São apenas, convites para a sua regeneração.
A palavra daquela entidade humilde lhe caía no interior como um orvalho no espírito inquieto.
- Lembre-se daquele dia em que você nos perseguiu na Samaria distante.
Buscando o exercício de seus caprichos, você, que tem se declarado vítima dos outros e, sobre essa alegação, tem edificado o edifício da sua justiça vingadora, está sendo convidado a mudar seu enfoque.
Duas mulheres e uma criança sendo buscadas pela sanha criminosa, que não pertencia a ninguém mais que a você mesmo.
Lembre-se de que não foi por ordem de Pilatos que você encetou aquela viagem.
Foi pela sua própria solicitação, invocando os serviços prestados, a fidelidade cega, a conivência nos delitos morais do governador, que você conseguiu o que desejava.
Perseguir a mim e a Ana, a quem seus desejos masculinos pretendiam dominar, foi escolha sua, deliberação sua, responsabilidade sua.
Não houve nem Fúlvia nem Pilatos nessa hora. Houve apenas Sulpício.
A memória de Sulpício parecia rever os quadros daquele tempo tão distante.
A vivenda modesta de Simeão.
A pobre e rústica cruz à porta.
Os bancos de madeira ao redor da mesa singela onde todas as tardes se reunia o povo da redondeza para escutar as belezas do Reino de Deus da boca santa daquele ancião.
Os soldados que o acompanhavam na busca a duas mulheres indefesas e uma criança.
Tudo isso se foi avolumando em sua consciência, que parecia trazer do mais profundo o filme da cena como se ela estivesse acontecendo naquele mesmo minuto.
A violência da perseguição, a coragem de Simeão, a choupana da Samaria devassada pelos soldados arrogantes que lhe compunham o cortejo, a prisão do velhinho à cruz que tanto prezava para o suplício do chicote a fim de, pela força da tortura, conseguir a revelação de onde estavam escondidas as suas presas desejadas.
Relembrava do povo da redondeza que chegava para assistir aquele dantesco espectáculo.
Nenhum que se permitisse tomar a defesa de Simeão naquela hora.
Todos que admiravam-lhe as palavras e ninguém que tivesse coragem de colocar em prática os ensinamentos recebidos, por medo de serem sacrificados igualmente pelos violentos soldados.
Mais do que isso, ninguém que tivesse a honradez de dizer-se amigo do ancião, negando conhecê-lo para não se comprometer ante o arrogante perseguidor.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Dez 01, 2014 10:32 pm

Ante tais lembranças, Sulpício estava estático.
Sua alma se encontrava inquieta e se esforçava para defender-se a fim de não fraquejar diante dos seus seguidores.
Parecia que ali, no ambiente trevoso em que todos se achavam, diante de uma modesta choupana, Sulpício se defrontava com a crueldade de si mesmo.
No entanto, não desejava se deixar vencer.
Os seus acompanhantes se mantinham atónitos, esperando a sequência dos fatos.
Quebrando o silêncio, Lívia prosseguiu:
- Outrora, Sulpício, a ignorância o levou para os caminhos do mal, vitimando pessoas inocentes.
No entanto, hoje, você percebe que o mal o vitimou com mais crueldade.
Suas torpezas de alguns momentos, escravizam-no há décadas, fazendo-o infeliz justiceiro do reino da escuridão.
Um justiceiro que não encontra consolo, descanso, nem paz no coração e na consciência.
- Não é verdade.
Eu não sou infeliz.
Tenho tudo o que quero, tudo o que desejo e isso que vocês estão fazendo é um sortilégio para me enganar.
É um truque para iludir os mais idiotas.
Comigo não. Eu não caio nisso.
Meu chicote vai estalar sobre todos vocês, colocando a todos no lugar que a justiça me incumbiu de defender.
O homem estava perdido e se perdendo ante a incapacidade de argumentar e de assumir os próprios erros.
No entanto, quando falou em usar o chicote, Simeão, com a autorização de Zacarias, saiu de trás de Lívia e dirigiu-se ao lictor desequilibrado.
Nesse momento, uma luz irradiava de seu semblante, como a fazer com que Sulpício se lembrasse e o reconhecesse com facilidade.
- Aqui estou Sulpício, para receber as suas chicotadas novamente, meu filho.
E havia uma tal inflexão de carinho nas palavras do velhinho que elas se tornavam raios luminosos que lhe saíam da boca abençoada e penetravam a atmosfera vibratória de todos os soldados que o cercavam e, em particular, a sua própria estrutura magnética.
Se a visão de Lívia o abalara nas fibras da alma, a visualização de Simeão o fustigara com mais cadência ainda.
Naquela hora pensou em fugir dali.
Passou a interpretar aquele encontro como uma armadilha para que fosse capturado.
No entanto, procurou acercar-se de seus seis amigos e encontrar neles o apoio magnético para não soçobrar perante aquele testemunho que se fazia palpável naquela hora.
Vendo o estado de amedrontamento que fazia com que tais homens se refugiassem uns nos outros e encontrassem a protecção nas próprias misérias, Simeão não se deu por contente e avançou para os sete.
- Venham, meus filhinhos.
Como naquele dia da Samaria saudosa, aceitem meus braços de paizinho amoroso que os recolhe.
Desesperados, os homens não conseguiam sair do lugar, pois uma força desconhecida os havia chumbado ao solo.
Sulpício, amparado pelos seus comparsas mais chegados, agora que se via algo apoiado, fez menção real de usar o chicote.
Nesse momento, Simeão estacou o passo à distância suficiente para receber o flagício e, elevando o olhar para o alto, entrou em prece.
Não decorreram mais que alguns segundos e uma imensa luz se projectou no abismo e, com seus raios modelou uma cruz diamantina, como se estivesse a apoiar o velhinho que ia ser agredido naquele momento pela ignorância daqueles homens.
A cruz luminosa se mantinha de pé às costas de Simeão, como naquele dia fatídico das lembranças de Sulpício.
Os seis homens que serviam de apoio a Sulpício prorromperam em pranto de desespero.
Haviam sido os comparsas de Sulpício, aqueles seus amigos que tinham iniciado o suplício de Simeão naquele entardecer triste, mas se viram impedidos de fazê-lo por uma luz radiante que brilhava no alto da tosca cruz.
Todos estavam envolvidos pelas culpas daquele nefasto acontecimento.
A cruz luminosa, muito diferente daquela cruz rústica daquele dia, expandia-se em radiações de fulgor que nada podia igualar naquele momento em suas vidas e lembranças.
Os raios safirinos rutilavam e ela mais parecia um farol a projectar luzes na escuridão do abismo.
Simeão se mantinha unido a ela, à espera dos golpes de Sulpício.
O lictor não entendia o que se passava com ele mas, assustado, viu os seus amigos projectarem-se no solo lodoso e prostrarem-se rogando perdão àquele velhinho que haviam ajudado a matar.
Mais para fora, os outros seguidores de Sulpício se achavam estarrecidos com aquelas manifestações poderosas e desconhecidas.
Alguns, que estavam mais para trás, já tinham tratado de fugir apavorados.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Dez 01, 2014 10:33 pm

A maioria, contudo, se mantinha estática, sem saber o que era medo e o que era emoção profunda.
Todos haviam escolhido o caminho do mal e sintonizado com a maldade que a ignorância de Sulpício representava.
No entanto, as luzes que viam falavam de outras fontes e outras estradas.
E isso lhes serviria de refrigério.
- Vamos, Sulpício, estou esperando os seus golpes - falou paternal o velhinho.
Sem desejar parecer fraco e medroso diante de seus liderados e percebendo que os seus mais fiéis comparsas se haviam entregado ao desespero, Sulpício reuniu todas as forças que possuía e gritou:
- Eu não aceito esta mentira, esta feitiçaria e vou mostrar a todos vocês que meu chicote acaba com tudo isso.
Levantou o braço para dar a primeira chicotada em Simeão, que aguardava com os olhos brilhantes de lágrimas que não chegavam a cair.
No entanto, antes que a tira de couro agressiva cruzasse o ar pesado daquelas paragens, um raio potente que fulgurava no alto do madeiro, projectou-se sobre Sulpício e lhe atingiu em cheio o coração, como que a perfurar-lhe a roupagem grosseira e a ferir a estrutura apagada de seu espírito.
Imediatamente viu-se a luz percorrer-lhe todo o corpo de energias até então escuro porque saturado daquelas vibrações opacas e grosseiras, rasgando-lhe toda a estrutura e iluminando-o de dentro para fora, como se Sulpício fosse um abajur cuja lâmpada estivesse oculta por grossas camadas de um barro endurecido que, agora, por força da luz que irradiava por dentro, eram quebradas e dissolvidas.
O espectáculo daquela cena era inusitado.
Sulpício fora atingido pelo raio luminoso no exacto momento em que iria repetir a mesma atitude de mais de vinte anos atrás.
No entanto, agora, as coisas seriam diferentes.
O algoz recebia o que a Bondade era capaz de entregar como resposta à agressão.
Ao redor, todos se viram abismados com o poderio daquela energia que, rutilante, a todos chegava e a todos convidava para a mudança necessária.
Chocado pela carga de energias renovadoras, Sulpício fora atirado ao solo, vencido.
Enquanto isso acontecia com ele, os raios mais potentes da imensa cruz diamantina iam penetrando no coração de todos os que se haviam dirigido para aquele local, mesmo no caso daqueles que tinham vindo de longe apenas por curiosidade ou sem sincero desejo de melhoria.
Em muitos pontos da turba, os raios produziam o mesmo efeito que em Sulpício.
Em outros locais, os miseráveis se afastavam correndo como podiam, não desejando receber a luz e atirando-se, novamente, nas furnas que encontravam.
Mas aquele havia sido um momento tão especial na organização do bem, que melodiosa sinfonia descia do alto, inundando os ouvidos e confundindo os mais endurecidos sentimentos.
Caminhos de luzes, como raios de sol que varam as nuvens carregadas do céu, desciam ao abismo e, por eles, espíritos angelicais regressavam aos umbrais para resgatar os que se haviam deixado tocar pela emoção e pelo desejo de se elevarem na direcção do Amor.
Cortejos de espíritos, que se poderiam assemelhar a anjos alados, acorriam aos núcleos onde a luz daquela cruz majestosa chegava e produzia os efeitos próprios que indicavam a aceitação sincera daquele convite.
Poder-se-ia dizer, que centenas de milhares de entidades luminosas se aproveitavam daquele momento de fé que se fazia presente nas trevas do mal, para irem em socorro dos desesperados e perdidos.
A cruz seguia rutilante e do coração de Simeão a luz seguia abundantemente, envolvendo aqueles sete irmãos fracassados ante si próprios, agora entregues ao desejo de mudarem suas vidas.
Os outros três, Zacarias, Lívia e Cléofas, emissários do Amor e da Bondade no seio das trevas, se achavam congregados ao redor da cruz de Simeão, apoiando o valoroso apóstolo da Samaria que, por sua muita fé em Jesus e para defender os inocentes, em sua última encarnação na Terra, aceitara a morte honrosa preso à cruz tosca e, por isso, agora, recebia o privilégio de iluminar-se com a cruz do sacrifício para torná-la o símbolo de amparo aos desesperados das trevas.
Depois de observar que Sulpício havia se prostrado, igualmente, junto ao solo húmido daquele local, vencido pelas lágrimas e pelo desespero diante do enfrentamento de seus próprios remorsos, Simeão dirigiu-se até ele e, paternalmente, levantou-o em seus braços acolhedores.
Olhou-o nos olhos avermelhados e lhe disse, com inexcedível carinho:
- De hoje em diante, Sulpício, você será meu filho muito amado.
Estarei sempre ao seu lado e o ajudarei a descobrir as belezas de Deus que estão gravadas em sua alma.
Beijou-lhe as têmporas e recolheu-o ao abrigo onde estavam Pilatos e Fúlvia.
Os demais apóstolos do Amor recolheram, um a um, os soldados que aceitaram se converter com sinceridade, deixando que fugissem aqueles que, vendo a defecção do chefe, agora, não sabiam a quem seguir.
A grandiosa tarefa de levar a esperança aos mais desesperados havia sido concluída com a protecção superior, e os resultados mais avantajados do que aqueles tarefeiros de Jesus jamais pudessem imaginar.
Como no dia da tragédia no circo, algumas centenas de milhares de entidades dali foram retiradas e encaminhadas para as zonas de preparação para o reencarne, situadas em ambiente mais elevado, fora das pressões constrangedoras daquela zona de vibrações mentais extremamente deletérias.
Era hora de levar a Jesus os frutos do trabalho da força da Bondade, que a Ele pertenciam.
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