LUZ ESPÍRITA
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Série Lúcius - A Força da Bondade / André Luiz Ruiz

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Série Lúcius - A Força da Bondade / André Luiz Ruiz - Página 5 Empty Re: Série Lúcius - A Força da Bondade / André Luiz Ruiz

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Dez 03, 2014 10:58 pm

26 - AS EXPERIÊNCIA DE SERÁPIS

Naturalmente que, para cada um de nós, a Justiça Divina permite que tenhamos as oportunidades necessárias para aprender e modificar nosso carácter e nossas tendências.
Por esse motivo, a vida é muito mais do que as relações sociais e comerciais, afectivas, profissionais ou materiais como, em geral é considerada pela maioria das pessoas.
Através de tais relações, os homens são chamados a corrigir seus erros e melhorar suas virtudes, tornando-se espíritos mais bem talhados no caminho da evolução.
Todos os envolvidos nesta trama estavam, igualmente, partilhando o caminho da vida, carregando seus pontos frágeis que necessitavam conserto, seus erros que precisavam correcção, suas capacidades que demandavam empenho para serem ampliadas.
Com Serápis as coisas não eram diferentes.
Seu espírito rebelde, vaidoso, impetuoso, fora reconduzido à vida material em situação de penúria, num ambiente hostil, com a companhia de outros iguais a ela, degenerados moralmente, para que entendesse as dores e aflições que estão esperando todos aqueles que se conduzem pelo caminho da maldade e do crime, levando outros aos desastres morais, como ela própria já o fizera um dia, em outras existências.
Do mesmo modo Druzila, na condição de abastada criatura, pertencente à elite social de sua época, não fugia aos mesmos deveres de aprendizagem, reparação, reequilíbrio, precisando estar na condição em que se achava para modificar suas tendências, melhorar sua capacidade afectiva, devotar-se ao amor sincero, atender os que sofriam com a abundância de seus recursos, estabelecendo uma rede de amparo e consolação.
Oriunda de um passado de deslizes morais, Druzila fora colocada, nesta reencarnação, em um corpo menos exuberante na beleza a fim de que esse requisito estético não fosse usado como arma para ferir os outros e acabar prejudicando a ela própria, nos desatinos que se cometem em nome das conquistas e das paixões que se despertam. -
Marcus, por sua vez, jovem e bem sucedido patrício de seu tempo, se mantinha entretido com as aventuras consideradas normais para a sua época e idade, desprezando as oportunidades de amadurecimento junto da esposa, agora esperando um rebento seu, o que lhe poderia auxiliar na transformação moral e emocional.
No entanto, seu comportamento renitente e arraigado aos prazeres físicos, impedia que tirasse proveito das elevadas vibrações espirituais que estavam sendo enviadas do mundo invisível sobre ele e sobre todos os outros que ali se encontravam, no teatro transitório da existência, no qual uns estão fazendo o papel de ricos enquanto outros ocupam os personagens miseráveis, alguns envergam a figura dos que mandam e outros interpretam a dos que obedecem.
Assim, querido leitor, com todos nós a vida se apresenta.
E sem que você perceba, neste exacto momento, sua jornada nesta existência pode estar lhe cobrando a taxa justa e necessária que o fará acertar ou errar segundo as escolhas que você desejar fazer.
Por isso é que Jesus, o Mestre de todos nós, antes de fazer a sua própria vontade, se ocupava, apenas, de fazer a vontade do Pai, acima de todas as coisas.
Escolher o que seja a vontade do Criador é sempre sinal de sabedoria, de elevação e de consciência clara, para que não seja o nosso, o salário da frustração, do desespero, da decepção e da vergonha ante os nossos próprios actos e comportamentos, por termos desejado realizar a nossa vontade, os nossos caprichos, os nossos impulsos inferiores, vinculados aos nossos erros, tendências negativas e defeitos.
Naquele dia Serápis foi inserida por Licínio no trabalho da casa, de maneira subtil, sendo, primeiramente, observada por ele na maneira como se portava, ante as tarefas mais simples que lhe atribuíra.
Apesar de sua condição servil, seu porte altivo não negava a sua ancestral condição espiritual de arrogante patrícia, já que, sendo a primeira vez que penetrava em um palácio daqueles na presente encarnação, conduzia-se como alguém que já conhecia os seus hábitos, as rotinas e as subtilezas dos hábitos patrícios, os contornos do serviço que se esperava dos empregados. -
Por isso, para surpresa de Licínio, foi muito fácil que Serápis se enfronhasse nos trabalhos do palácio, sem causar maiores problemas na adaptação, ante a brutal diferença de ambiente sofrida em tão curto espaço de tempo.
As primeiras semanas foram serenas, sem quaisquer ocorrências de vulto, a não ser as constantes tentativas de Druzila na direcção do administrador, sempre hábil em fugir de suas investidas.
Além disso, Licínio preservava Serápis, evitando expô-la na sua inexperiência em trabalhos mais complexos para protegê-la de qualquer problema inicial, o que fazia com que os proprietários ainda não a tivessem encontrado, notadamente enquanto ela se familiarizava com os procedimentos, a fim de que não acabasse sendo flagrada em alguma conduta inadequada.
Os cuidados de Licínio deixavam com que Serápis se sentisse ainda mais sensibilizada por seus modos gentis e respeitosos, tão pouco encontráveis em homens daquele e de todos os tempos.
O sentimento do administrador por Serápis era perceptível no modo como ele a olhava e como brilhavam seus olhos ao admirar sua beleza e perceber o seu empenho em tornar-se uma outra mulher, abdicando de seu berço de misérias e se esforçando para andar no ritmo da nobreza imperial.
Mal sabia ele que Serápis fazia isso sem qualquer dificuldade, eis que seu espírito já se afeiçoara àquelas práticas desde longa data.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Dez 03, 2014 10:59 pm

Mal sabia Licínio, que a Serápis lhe doía a condição de serva mais do que a de mendiga de rua, eis que, fora daquele mundo mágico e luminoso, ela não tinha como experimentar novamente as tentações da riqueza e do mando.
Agora, lá dentro, sua alma orgulhosa estava à mercê de tudo o que lhe estimulava os defeitos sem poder se permitir outro comportamento que não aquele da subserviência e da absoluta desimportância.
Ali não era nada, apesar de estar no meio em que sempre sonhara estar, sentindo-se quase uma rainha despojada de seu trono e relegada à cozinha.
Essa dor moral no âmago de seu ser não era compartilhada com ninguém, já que Serápis tinha outros planos e iria levá-los adiante.
Nem mesmo a figura gentil e honrada de Licínio seria capaz de tirá-la de seu objectivo.
- Afinal - pensava ela - Licínio é bom, mas não passa de outro empregado como eu.
que eu desejo é ser a que vive como a dona de tudo isto.
Este é meu sonho e é por isso que estou aqui: lutarei até que consiga.
Nesse momento, usando as forças de seu pensamento frio e mesquinho, Serápis fechava as portas suaves de seu coração às experiências elevadas da união sincera com alguém que poderia ajudá-la na superação de seus defeitos e no exercício do papel de empregada, no qual aprenderia as lições da humildade, tão importantes para o seu espírito rebelde e indomável.
Espíritos amigos que tutelavam seus passos do mundo espiritual, se esforçavam para melhor intuí-la no caminho da necessária transformação, fazendo-a aproveitar a proximidade de Licínio e entender as belezas emocionais que ele poderia propiciar-lhe.
No entanto, o pensamento determinado e egoístico, desejoso de fazer apenas a própria vontade, impedia que Serápis modificasse as suas escolhas, ouvindo a voz do coração.
Depois de algumas semanas, Serápis estava mais familiarizada com as rotinas do palácio, tanto que Licínio resolveu apresentá-la a Druzila como a sua nova serva, ajudando-a nas tarefas diárias, sobretudo no estado gravídico que se acentuava com a aproximação do momento do nascimento.
A futura mãe recebeu a indicação com indiferença fria, não sem antes notar a beleza da jovem e os seus modos que aparentavam humildade e subserviência.
Para muitas mulheres que não possuem os traços estéticos tão esbeltos, a beleza de outras é uma adaga afiada que penetra seu coração invejoso e mesquinho, sendo, por si próprio, motivo para merecer ser hostilizada gratuitamente.
Além disso, sem poder explicar, a figura de Serápis produzia em Druzila um arrepio de medo e de aversão, como se estivesse diante de uma hábil competidora, uma astuta adversária, alguém com quem já houvera estado anteriormente, sem saber explicar quando nem onde.
Esse foi o primeiro impulso de Druzila em relação a Serápis.
Não podendo comparar-se à beleza da jovem notadamente na condição de gorda gestante, cujos traços físicos iam se perdendo a medida que a gravidez avançava, a patroa recebeu a jovem serva aos seus serviços como mais uma oportunidade de dar vazão aos seus instintos femininos de humilhar aqueles que, não tendo o seu dinheiro ou a sua posição, possuíam a forma física que ela não tinha nem poderia comprar com seus recursos materiais.
Serápis, por sua vez, espírito sagaz e astuto, logo entendeu que seria muito difícil manter-se naquela condição, eis que a gestante já dava sinais de conduta hostil.
Na primeira oportunidade, reclamou a Licínio, em termos contidos, quando o administrador lhe perguntou como iam as coisas na nova função:
- Ah! Meu Senhor, que saudades eu tenho quando podia estar fora daquela que mais se parece como uma câmara de castigos do que um quarto de uma futura mãe.
- Ora, Serápis, as coisas não podem ser tão más assim -respondeu Licínio.
- São piores do que eu estou falando, meu senhor.
A matrona outra coisa não faz do que me humilhar, exigindo que realize todos os seu caprichos e sentindo um prazer maldoso em me fazer sofrer.
Por tudo o que lhe prometi, estou suportando calada para não comprometer o esforço de sua bondade para comigo.
No entanto, isso tem sido um peso muito grande para mim...
- Saiba, Serápis, que Druzila mudou muito com a gravidez e, acredito firmemente que, com o nascimento do filho, ela voltará ao normal.
- Tomara que seja assim, senhor. Tomara.
Vendo o semblante triste da jovem que tanto lhe conquistara o sentimento, Licínio acrescentou para alegrá-la:
- Vamos fazer uma coisa, Serápis: vou lhe conceder dois dias na semana sem que você precise ficar lá com Druzila.
Alegarei que preciso de seus serviços em outras áreas do palácio e colocarei outra serva para substituí-la junto dela.
Assim você fica um pouco longe e se mantém mais forte para o dia em que tiver que estar mais perto, no serviço íntimo de nossa patroa.
Está bem assim?
Sentindo o carinho de Licínio, um largo sorriso ganhou o semblante de Serápis que, num impulso de agradecimento e, aproveitando-se do ambiente silencioso e afastado do palácio, dando asas à sua condição jovial e espontânea de quase menina, enlaçou seu pescoço e beijou-lhe a face, num arroubo de alegria que, tão logo se exteriorizou, levou-a a corar de vergonha, por ter agido assim tão arrebatadoramente.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Dez 03, 2014 10:59 pm

O beijo na face de Licínio poderia ser motivo de sua demissão sumária daquela casa. No entanto, o administrador, surpreendido com a espontânea reacção, mais envaidecido se sentiu, imaginando que a jovem também nutria por ele um sentimento de carinho e interesse que o autorizava a sonhar mais alto a seu respeito.
Sorrindo com o modo envergonhado de Serápis, Licínio acariciou-lhe os cabelos e disse:
- Serápis, obrigado pela espontânea demonstração de gratidão, que guardarei como um dos melhores pagamentos já recebidos em minha vida.
No entanto, cuidado com tais condutas na frente dos outros, pois os olhos alheios não vêem a verdade e sim a maldade que eles carregam por dentro, e isso pode lhe prejudicar muito.
Vendo os escrúpulos de Licínio em relação à sua condição de serva daquele palácio, Serápis fez uma reverência formal típica dos servos, apontando a compreensão da mensagem de Licínio e, com um sorrisinho de intimidade nos lábios, afastou-se para suas tarefas.
No entanto, enquanto isso ocorria no vestíbulo, ao mesmo tempo, no quarto, Druzila se mantinha frustrada com o tratamento recebido de Marcus, a quem não perdoava pelo descaso que lhe devotava, no orgulho ferido de mulher.
Seu único interesse continuava a ser Licínio, a quem a sua insanidade temporária havia elegido como o objecto de seus desejos, fosse para sentir-se querida, fosse para humilhar a virilidade do próprio marido.
No entanto, Druzila não conseguia vencer a intransponível barreira de virtude que Licínio levantava e guarnecia sempre ante as suas investidas bem urdidas e que levaria um homem normal a se entregar em pouco tempo.
Cansada de ficar na condição de mulher prisioneira, Druzila se sentia mofando dentro daquele ambiente, longe do marido, longe do mundo, longe de Licínio.
- Onde estaria o único que lhe entregava algum respeito e consideração? - perguntava-se Druzila, na solidão de seus aposentos - ainda mais agora que me arrumou essa empregadinha nova, mais afastado ele tem estado.
As ideias obsessivas na mente invigilante faziam com que Druzila se inquietasse, imaginando que, ante uma nova e tão bem talhada mulher, os interesses do administrador deveriam estar voltados para a outra e não para ela.
Essa ideia nociva fizera com que o ciúme se tornasse outra força agressiva em seu íntimo e, por causa dele, mais inquieta se apresentava a gestante, nesta fase em que, por causa de todas as limitações que via surgirem em seu caminho, passara quase a odiar aquele ser que carregava no ventre, no modo egoístico e temperamental de que era portadora.
Inquieta com a ideia da nova empregada sob o comando de Licínio, Druzila deixou o quarto como quem deseja aspirar novos ares em um passeio descompromissado pelas dependências de seu palácio, oportunidade que lhe permitiria fiscalizar com o olhar arguto onde estaria Licínio e como é que deveriam estar as coisas fora de seus aposentos.
Aquela não era uma conduta esperada ou considerada natural, em face do adiantado da gravidez, motivo pelo qual, ninguém estava imaginando que Druzila iria aventurar-se pela casa, contrariando as ordens dos próprios médicos.
No entanto, agindo como gato que caminha sem fazer ruído, Druzila deixou o quarto onde não havia nenhuma serva naquele momento e, caminhando silenciosamente pelos diversos aposentos de sua vasta moradia, não pôde deixar de presenciar, por entre as colunas de mármore, o gesto espontâneo de Serápis, pulando no pescoço de Licínio e aplicando-lhe o beijo já referido, bem como a ausência de uma censura severa do administrador ante uma tão inapropriada intimidade com uma serva ousada.
Aquela cena foi vinagre para seus olhos.
Como mulher astuta, recolheu-a em seus arquivos e regressou ao quarto de onde tinha se ausentado sem que ninguém a tivesse visto.
Nesta hora, seu sentimento por Licínio tornara-se ainda mais arrebatado, diante da disputa que, na sua visão feminina, lhe passara a fazer Serápis, exigindo que ela adoptasse uma outra estratégia para não perder aquele que era o único homem que a tratava com a consideração esperada por uma mulher fragilizada.
As linhas emocionais alteradas de Druzila faziam com que ela perdesse os contornos do bom senso, a se permitir alucinar pela possibilidade de perder aquele tão cobiçado exemplar masculino para uma serva, uma empregadinha miserável.
Seu coração, que até aquele momento havia jogado com os sentimentos de Licínio, provocando-lhe o instinto masculino através das condutas disfarçadas e dissimuladas de mulher sedutora, agora se via apertado, oprimido pelo medo de perder e de ser derrotada numa batalha desigual, onde ela se apresentava gorda e feia, apesar de rica e poderosa, e a concorrente era uma jovem bela e solteira, ainda que simples serva de sua casa.
Pensou em dispensar a jovem dos serviços do palácio.
No entanto, se houvesse sentimento correspondido por parte de Licínio, isso a afastaria ainda mais dele, o que ela não aceitaria nunca.
- Não, não posso agir com pressa, já que isso pode se virar contra mim.
Vou ver até onde isso vai, mas preciso agir de maneira mais directa para conquistar Licínio, antes que essa sirigaita oportunista consiga fazê-lo.
Juro por todos os deuses que não permitirei que ela me vença no coração dele - pensava Druzila, febrilmente.
O estado febricitante e excitado pelo ciúme e pelo ódio, além da sensação de impotência por causa do filho que se preparava para chegar ao mundo, fizeram com que, a partir daquela noite, Druzila não passasse bem.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Dez 03, 2014 11:00 pm

Marcus, que sempre chegava alta madrugada e se levantava tarde, pouco contacto tinha com a esposa, já que, com a desculpa de não incomodá-la, passara a ocupar mais frequentemente outros aposentos, isolados dos da mulher.
Não suportando suas crises e seus achaques, atribuídos à sua condição temperamental e imatura, além dos naturalmente produzidos pela gravidez, o marido não sabia de nada do que se estava passando em sua faustosa casa.
Druzila, no entanto, dois dias depois daquelas emoções mais fortes, sentira as primeiras contracções anunciando a vinda daquele que seria o primeiro filho do casal.
Os médicos foram chamados, as mulheres responsáveis por auxiliar os nascimentos tinham sido informadas do momento e se mantinham a postos.
Serápis havia sido colocada a serviço da futura mãe em tempo integral, auxiliando-a nos momentos mais dolorosos das contracções, limpando-lhe a pele suada, dando-lhe água e, assim, fazendo com que, por alguns momentos, quando a dor se tornava mais intensa, Druzila se esquecesse de que ela representava a inimiga que lhe espreitava a sorte do coração.
Marcus fora chamado às pressas por Licínio e chegou em casa entre a preocupação e a curiosidade, já que as tradições familiares dos romanos sempre valorizavam a existência de sucessores que manteriam, assim, indestrutível, a linha de culto dos deuses lares, os ancestrais da família.
As horas se tornaram longas e cansativas, ainda que a necessidade de estarem a postos fizesse com que o palácio não dormisse enquanto não se lograsse o término da actividade do parto.
Finalmente, depois de infindáveis horas de atendimento, nas dificuldades naturais que os tempos antigos apresentavam ante a falta de recursos e conhecimentos avançados das técnicas médicas, escutou-se o choro característico, o vagido da criança recém-nascida, o que fez exultar o coração de todos, principalmente de Marcus, romano típico, varão de sua época, arrebatado e impulsivo como a mulher.
Sem qualquer cuidado e sem se dar ao luxo de esperar o momento adequado dentro de seu próprio lar, foi abrindo as portas que o separavam do local onde se desenrolara o nascimento, certamente em busca daquele que haveria de ser o continuador das tradições familiares dos Cornélios.
Estafada pelo esforço, esgotada e abatida, Druzila permanecia imóvel sobre o leito almofadado, como alguém que houvesse feito a travessia de um deserto a pé e acabasse de chegar ao seu destino.
Mulheres a auxiliavam na limpeza e na recomposição de seus trajes, enquanto Marcus invadia o quarto, perguntando em alta voz pelo filho recém-nascido.
A pequena criança estava embrulhada em tecido precioso, desde muito preparado para recebê-la.
Já havia recebido os primeiros cuidados na higiene, que a tornavam menos repugnante à primeira olhada, já que o período de gestação reveste o corpo em formação de uma camada gordurosa e de aspecto desagradável.
Marcus, que sempre se demonstrara indiferente à sorte da esposa, como ainda se mantinha pouco interessado em conhecer-lhe o estado feminino depois de tão longa batalha para trazer à vida aquele novo ser, buscava frenético conhecer o primeiro filho, indo encontrá-lo nos braços de Serápis que, igualmente emocionada pelo acompanhamento da gravidez, se mantinha tocada na sensibilidade feminina, tornando-a ainda mais exultante.
Marcus não a conhecia. Até aquela data não a havia visto e não sabia de quem se tratava.
Ao chegar ao quarto, a sua aparência de beleza emoldurada pela atmosfera da emoção maternal, a equiparavam a uma madona clássica, inspiradora de muitas telas de renomados pintores, fazendo Marcus interromper por instantes a busca pelo filho para deter-se na admiração de Serápis.
Licínio estava à distância, procurando atender às necessidades emergenciais de Druzila que, estafada, procurava dormir um pouco para recuperar as próprias energias.
Marcus, extasiado diante de Serápis, que carregava o pequeno embrulho, não sabia se recolhia a criança ou se se entregava àquela mulher que nunca havia visto e que o magnetizara por completo, de imediato.
Vendo a situação daquele que ela não conhecia, mas que se apresentava como o proprietário da casa pelas atitudes arrojadas e invasivas daquele ambiente e que, portanto, deveria ser Marcus, Serápis, procurando ser o mais submissa sem perder a nobreza dos gestos, reverente estendeu-lhe o pequeno embrulho, baixando a cabeça para não cruzar o olhar com o do pai, que não sabia para qual dos dois dirigir a visão.
Vendo-se diante dos braços estendidos daquela que ele não conhecia como serva de sua casa, Marcus voltou a si do choque emocional e recolheu no seu colo o fruto de longos meses de gravidez.
Imediatamente, dirigiu-se à mesa mais próxima para que pudesse melhor avaliar as condições do recém-nascido.
Seu coração estava palpitante pela emoção de estar diante do continuador de suas tradições ancestrais, até o momento em que, um gemido de decepção rasgara a magia daquele ambiente, levando o jovem a colocar as mãos na cabeça e, abruptamente, levantar-se para ir procurar o ambiente exterior, deixando sobre a mesa a criança despida, entregue à brisa sem cuidados.
Frustrado em seus desejos masculinos, Marcus havia descoberto que o seu primeiro filho era saudável e perfeito,... mas era uma menina.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Dez 03, 2014 11:00 pm

27 - SENTIMENTOS E INTERESSES

O ambiente da faustosa habitação se modificou em face da chegada de mais um membro da família, impondo-se a alteração de certas rotinas e o estabelecimento de maiores cuidados para que a saúde da pequenina não fosse afectada com a exposição ao frio ou ao vento, mantendo-se um conjunto de servos absolutamente a postos para os zelos e a vigilância dia e noite, fosse para o atendimento das necessidades da criança, fosse para o auxílio à progenitora.
A chegada dos visitantes, dos parentes, depois do período de maior emoção e perigo, tomava muito tempo de outros trabalhadores da casa, obrigando que Marcus permanecesse mais tempo no ambiente da família, a fim de receber os cumprimentos, manter conversações formais com autoridades, fazendo as vezes do pai interessado e do marido atencioso.
Essa pantomima bem desempenhada por ele que, inclusive, chegou a demonstrar maior carinho por Druzila, acalmaram no íntimo da esposa as necessidades de afecto mal suportadas durante toda a gravidez.
Com isso, Licínio pôde sentir-se um pouco mais aliviado e, sem ter que preocupar-se tanto com o assédio directo da dona da casa, dedicava-se ao trabalho administrativo árduo de controlar todas as necessidades domésticas, os empregados, os itens do abastecimento, os problemas internos, além, é claro, de devotar-se ao carinho que passara a sentir por Serápis, cada vez mais intenso e verdadeiro.
O coração de Licínio sempre estivera vazio, mormente por sua pouca lembrança dos tempos infantis.
Desde esse período, fora criado por pessoas estranhas à sua família, tendo perdido todo o contacto com os seus antepassados, sabendo apenas que, quando muito criança, seus pais haviam morrido em um acidente quando a "insulae" onde viviam desabou, matando vários dos moradores desse tipo de cortiço romano primitivo, no qual se amontoavam famílias e mais famílias, precariamente.
Os filhos do casal estavam brincando fora das dependências desse cortiço mal edificado e, por isso, escaparam da tragédia, ficando solitários no mundo, já que não podiam informar sobre parentes ou familiares próximos que pudessem educá-los.
Licínio era o mais novo e o seu irmão, alguns anos mais velho do que ele, não entendiam o que se passava.
À época em que ficaram órfãos, possuíam seis e três anos, respectivamente.
O administrador não se recordava do nome do irmão, nem conseguia divisar o que houvera sido dele.
Só se lembrava vagamente que, no meio da multidão desesperada com o acidente, os dois acabaram levados por desconhecidos e separados um do outro, sem nunca mais terem se encontrado.
Nem mesmo sabia se esse nome pelo qual se conhecera lhe havia sido o mesmo com que os pais o haviam identificado, já que a pouca idade não lhe permitia lembrar de mais nada.
Sabia dizer, apenas, que foi sendo levado de lugar a lugar, sempre como empregado, como agregado e, não fosse pelo seu belo porte físico, pela sua beleza suave, teria, certamente, sido sacrificado ou deixado à morte em algum beco escuro.
Terminou recebendo o afecto de um homem generoso, Licínio, o velho - como era conhecido - que, sem filhos ou outros parentes naquela grande cidade indiferente, apiedou-se de seu destino e passou a dar-lhe comida e instrução singela, preparando-lhe o espírito para as épocas vindouras da juventude, dele recebendo o próprio nome como identidade pessoal.
Com o seu desejo de aprender e de encontrar o liame perdido com o único ser que ele conhecera e parecia ter sobrevivido - seu irmão desaparecido - e para ajudar o ancião que o acolhera como pai, passara a viver e trabalhar com modéstia e humildade, simpatia e respeito, conquistando com seus modos educados, a atenção de importantes senhores endinheirados que, a partir daí, interessaram-se por sua existência e o auxiliaram na tutela de suas necessidades, perante os quais passou a ser recebido com maior intimidade até ser considerado como um comensal ou um agregado de sua casa.
Estes eram os pais de Marcus Cornélius com quem Licínio passou a conviver desde a juventude, principalmente depois que o seu primeiro benfeitor deixou o corpo cansado, vitimado pela velhice, amparado pelo carinho do jovem Licínio.
Essa era sua história pessoal.
Abandono e orfandade que se mesclavam com um sentimento de solidão e vazio, sempre em busca de sua própria raiz, sem conseguir encontrá-la.
Com o casamento de Marcus, alguns anos mais jovem do que Licínio, foi ele convidado a servir como o administrador dos vastos domínios herdados pelo doidivanas e irresponsável noivo, já que era pessoa de sua confiança estrita, conquistada ao longo de décadas de ligação afectiva.
Desse modo, a presença de Serápis em sua vida era como o nascer do Sol, trazendo a esperança de um período de preenchimento emocional que lhe permitiria dar vazão aos projectos futuros, esquecendo os anseios do passado.
Depois, então, que as coisas se acalmaram, com a atenção voltada para a chegada da criança ao lar de Marcus, Licínio procurou manter-se mais próximo de Serápis, de maneira a sentir melhor a sua presença e deixar-se envolver pelos seus modos.
Serápis, por sua vez, sabia da inclinação de Licínio e ela também sentia uma grande simpatia por ele, sem que se permitisse convencer de que era sentimento verdadeiro.
A jovem tinha outros anseios na cabeça e não deixaria que os devaneios irresponsáveis de um coração que lhe cumpria domar, fizessem com que se unisse a um inferior, socialmente falando.
No entanto, no mais profundo sentimento, Serápis gostava de ser cortejada timidamente por aquele que era o chefe de todos os servos, encantador e respeitoso.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 04, 2014 9:36 pm

Assim, sabendo que na falta de outro mais importante para se permitir envolver naqueles dias, Licínio era o mais alto que ela podia chegar, aceitou-lhe a corte, demonstrando efectivos sinais de agrado e de entrega.
Seus sentimentos se apresentavam felizes e ela parecia transportar-se a um mundo de paz e consolação, segurança e equilíbrio nunca antes imaginados.
Com a sua correspondência, Licínio se tornara ainda mais dócil ao seu contacto e, certa noite, quando os serviços já se haviam terminado, ele a procurou convidando-a a um passeio pela propriedade.
Sabendo que poderia confiar na sua correcção de intenções, mas pretendendo mostrar-se atenta à sua condição de serva, Serápis perguntou-lhe:
- Sim, meu senhor, seu convite me enobrece, mas será que isso não será algo que o prejudique nas vistas dos nossos patrões ou dos demais servos?
- Ora, Serápis, que mal pode haver em um passeio, ainda mais aqui dentro, sem o desejo de nos ocultarmos para fazer coisas indignas?
Além do mais, já notifiquei ao senhor Marcus o meu desejo de conversar com você e ele aquiesceu, liberando-me de quaisquer compromissos.
- Ah! Sendo assim, meu senhor, será muito agradável poder estar em sua companhia.
Desse modo, os dois tomaram o rumo dos jardins do palácio, sob a luz das estrelas que pintalgavam o céu romano, buscando um refúgio um pouco mais isolado dos ouvidos curiosos, para que pudessem conversar.
Licínio desejava mostrar-lhe algo que ela não conhecia e, se conhecia, jamais havia visto com tamanho esplendor.
- Sabe, Serápis, a visão daqui de onde iremos nos sentar é privilegiada.
Estou certo que você nunca viu nada igual em toda a sua vida.
Olhando ao redor, tão logo se sentaram no banco que o musgo havia abraçado como que a aveludar a pedra rústica para o conforto dos enamorados, Serápis exclamou, eufórica:
- Mas isso é lindo, meu senhor!
Veja o Tibre ao fundo, o contorno do fórum, o casario aceso, os montes quase todos visíveis...
- Sim, Serápis, a vista daqui é maravilhosa.
Mas você ainda não viu o mais belo.
- Como assim, meu senhor?
Procurando deixar a jovem mais à vontade, ele lhe respondeu:
- Se você continuar a me chamar de "meu senhor", voltarei a chamá-la de "minha menina".
Que tal?
Ficando ruborizada com a afirmativa categórica que demonstrava conhecer-lhe o mais íntimo sentimento de contrariedade quando era chamada daquele modo, Serápis abaixou a cabeça envergonhada e, enlaçando o braço de Licínio, encostou o rosto em seu ombro e disse:
- Está bem, meu senhor, quer dizer, senhor Licínio.
- Só Licínio, Serápis, só isso.
Demonstrando ainda mais constrangimento, a jovem contestou:
- Mas o senhor é nosso dirigente.
Não posso me permitir tal intimidade.
Compreendendo-lhe os escrúpulos e admirando a sua cautela, Licínio respondeu:
- Aqui estamos a sós e, sempre que isso ocorrer, quero que me chame apenas por meu primeiro nome.
Quando estivermos na frente dos outros, eu serei quem dirige e, por isso, poderá me chamar de senhor.
Está bem assim?
- Desse jeito está melhor...... Licínio - falou ela titubeante e alegre, como uma menina encantada.
Vendo que a primeira barreira havia sido vencida, o enamorado anfitrião toma-lhe a mão e recomeça.
- Você sabe, Serápis, que desde o primeiro dia de sua estada aqui, nossos destinos têm se aproximado mais e mais.
Não vou lhe dizer que isso se tenha dado apenas por força da necessidade de serviço.
Desde que a vi no "fórum olitórum", às margens do Tibre, fugindo daquele brutamontes, um sentimento de carinho e ternura muito intenso me invadem a alma sempre que penso em você.
No início, imaginei que se tratava apenas de desejo ou curiosidade.
No entanto, as semanas se passaram e a sua companhia despertou em meu íntimo o mais puro dos sentimentos que eu pensava jamais poder existir em alguém tão desditoso quanto eu.
Vendo o silêncio e a proximidade de Serápis, Licínio animou-se a continuar.
- Por isso, eu a trouxe até aqui, hoje, quando as coisas estão mais calmas...
- E Druzila está mais... .digamos, ... mansa - falou, dando risinhos maliciosos, a jovem serva.
- Ora, Serápis, então você também já anda sabendo dessas loucuras da patroa?
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Série Lúcius - A Força da Bondade / André Luiz Ruiz - Página 5 Empty Re: Série Lúcius - A Força da Bondade / André Luiz Ruiz

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 04, 2014 9:36 pm

Esses criados sabem mais das coisas do que o próprio César.
Quanto dinheiro ele consome com uma rede de informantes quando seria necessário, apenas, ter mais criados... - falou Licínio, bem humorado.
- Também sabemos de seu heroísmo masculino, Licínio... -respondeu ela, demonstrando orgulho dele.
- Bem, aproveitando que as coisas estão mais calmas hoje, Serápis, gostaria de lhe mostrar, nesta paisagem que está divisando, algo que representa exactamente o que você é para mim e, a partir de então, que você soubesse do meu desejo de, quando tudo se fizer favorável, honrar minha existência com o acolhimento de sua alma junto da minha, numa família romana, aquela que me foi negada desde quase o meu nascimento.
- Ora, Licínio, seus modos me encantam e eu não saberia dizer que coisa mais linda poderia existir que simbolizasse o que a minha apagada figura representa para você.
- Sim, Serápis, o que está vendo daqui pode parecer belo, mas é apenas o encanto de tantas Druzilas que existem no mundo, desejando amar e trair com a mesma intensidade.
Sob esses tetos, estão mulheres iguais a ela, maridos como Marcus, indiferentes, lares sem fogo sagrado, sentimentos corrompidos nos quais não existe afecto sincero.
As estrelinhas no céu demonstram os olhares dos deuses por todos nós, tentando iluminar nossa trajectória de erros e acertos.
No entanto, a escuridão que as cerca é a nossa resposta à sua solicitude fraterna.
As estrelas piscam e nós nos apagamos.
Por isso, mais do que esta natureza bela por si só, mais do que o horizonte de belezas infindas, você representa para mim algo que é maior que tudo isso.
Você, em minha vida, é algo que quero mostrar, para que nunca se esqueça.
Vendo o carinho de Licínio a desdobrar-se por ela, como outrora jamais ninguém houvera feito, o coração de Serápis se deixou levar pela brisa da emoção, do sentimento que entontece e que as criaturas que se pretendem senhoras de si mesmas não gostam de sentir, já que emana como força poderosa directamente do coração.
A sombra da noite escura, o perfil de Licínio se transformava em uma esbelta escultura da natureza humana, tornando seus cabelos encaracolados e negros ainda mais atraentes.
O olhar de Serápis, acostumado à astúcia desenvolvida ao longo de sua infância, não sabia identificar aquele tipo de afecto sincero e puro, ainda que estivesse se sentindo nas nuvens com uma tal demonstração de carinho.
No entanto, a confissão de Licínio não lhe era indiferente e os seus modos educados e respeitosos lhe produziam uma sensação de segurança nunca conhecida até então.
Tentando quebrar o silêncio de encantamento, Serápis sussurrou em tom suave segurando-lhe o braço no qual já trazia o seu próprio enlaçado:
- Pois então, Licínio, apesar de eu não me considerar merecedora de nada disso, gostaria muito que me mostrasse o que é que meu ser representa para você.
- Espere mais alguns instantes e você verá.
Olhe atentamente para o rio e suas águas.
Assim, por alguns minutos, ficaram ambos em silêncio, fitando o curso silencioso do Tibre ao longe, quando, de maneira imperceptível, uma chama começou a brotar daquela região.
Um ponto luminoso amarelado, como a chama de uma fogueira que fora acesa naquele momento.
Parecia uma mágica aos olhos de Serápis.
Em silêncio, ela continuou a observar, procurando entender o que estava acontecendo.
No entanto, a fogueira seguia crescendo e seus contornos iam se expandindo, como se o fogo fosse tomando conta não mais daquele pequenino ponto, mas se espalhando por toda a linha do horizonte.
- Eis o que você é para minha vida, Serápis...
Ali estava nascendo a Lua cheia, sobre a Roma indiferente.
Como o olhar de Deus a testemunhar todos os acertos e erros dos homens, Serápis se encantava com aquele tamanho imenso.
Avermelhada no início, depois se ampliando e se tornando dourada, foi deixando o solo e se reflectindo nas águas do rio e iluminando ainda mais os contornos de todos os palácios e templos da cidade eterna.
Emocionada, Serápis começou a chorar, por ter sido, pela primeira vez em sua vida, presenteada com uma visão daquelas numa condição daquelas. Licínio a colocava como a lua de sua vida e, num gesto de carinho, enlaçava as suas mãos, penetrando-lhe os dedos com os seus e declarando-lhe o seu amor.
Sem saber o que dizer depois que os minutos deixaram que a Lua se transformasse em um maravilhoso disco ganhando altura no céu, Licínio apertou-lhe as mãos entre as suas e lhe disse:
- É por isso que eu a trouxe aqui... para que soubesse de meu carinho verdadeiro e meu sonho em ser o céu estrelado para que você possa brilhar nele como o plenilúnio.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 04, 2014 9:36 pm

Sem conseguir articular uma palavra, Serápis tomou-lhe as mãos e beijou-as, enternecidamente.
Não desejava, ali, assumir qualquer compromisso com Licínio, naquelas condições de descontrole emocional, quando poderia pôr a perder todos os seus planos e sonhos de riqueza e poder de sua vida, trocando-os por uma felicidade de fantasia, sem requinte e sem futuro, desimportante e sem realce social.
Estava perdida entre seus interesses mais secretos e seus sentimentos e emoções de mulher.
Depois de algum tempo em silêncio, Licínio, compreendendo o estado de alteração daquela jovem emocionada e chorosa, sem pretender pressioná-la, levantou-a do banco e, dando uma última olhada no horizonte, agora banhado pela luz prateada do imenso satélite terrestre, encaminhou-se para o interior da vivenda confortável, onde serviam de maneira humilde, mas onde poderiam encontrar o sentimento sincero e verdadeiro, como presente de Deus a todos os seres.
Enquanto isso se passava nos jardins palacianos, no interior da moradia os conflitos se ampliavam.
Depois que as últimas visitas se afastaram e que Marcus se permitia voltar a ser o mesmo indiferente de todas as horas, a presença do marido em casa havia produzido em Druzila os anseios naturais de afecto que a esposa deseja satisfazer, notadamente depois de um período de tanta ausência e tanta pressão emocional, decorrente da gravidez.
Refeita do parto doloroso, Druzila procurou acercar-se de Marcus que, nos últimos dias, havia demonstrado certa suavidade ante sua presença. -
No entanto, tão logo penetrou em seus aposentos, foi recebida da maneira fria de antes.
- Querido, há quanto tempo não conversamos um pouco.
Agora que nossa filha chegou, poderíamos voltar aos bons tempos, quando trocávamos afectividade espontânea e sincera - falou Druzila, tentando esquecer todas as ofensas recebidas da indiferença do marido.
- Lá vem você com essa mania de voltar ao passado, Druzila.
Você sabe que nós nunca nos quisemos de verdade.
Você e seu pai, tanto quanto o meu é que houveram por bem tramar para que nossa união aproximasse nossas fortunas.
- É verdade isso, mas também é verdade que você concordou e parecia ser sincero.
- É, eu posso ter concordado naquela época, quando você era mais bonita, era novidade para mim, e o dinheiro era mais sedutor que você.
Mas e agora?
Você é esse monte de gordura desconjuntada, esse aglomerado de lamúrias e exigências e, o que é pior, nem foi capaz de me conceder um filho.
É inútil para todas as coisas.
Sentindo-se ferida no mais profundo de sua alma, Druzila começou a chorar ante as investidas de Marcus, frio e indiferente.
- Sabe, Druzila, um marido quer uma mulher forte, corajosa, destemida, que não se derreta a cada hora do dia em lágrimas sem nenhum valor.
Além do mais, qualquer prostituta barata, para encantar um homem, tem mais atractivo do que você e, por certo, poderia me dar o filho varão que eu mereço ter.
Não conseguindo mais controlar-se, Druzila explodiu como sempre, em impropérios e ameaças.
Ferindo a mulher de maneira cruel, Marcus pretendia tratá-la com a terapêutica do choque, a fim de que, pensava ele, pudesse despertar-lhe as fibras femininas, fazendo-a menos acomodada, menos matrona caprichosa.
No entanto, a única coisa que conseguia era feri-la e produzir-lhe uma ira interior que, no coração de uma mulher desequilibrada emocionalmente sabe transformar-se em um curso de lavas comburentes, no momento adequado.
Druzila não escutava mais o que Marcus dizia.
Para ela, o que lhe importava era devolver-lhe a ofensa, custasse o que custasse e isso ela o faria, com requintes de capricho e sadismo.
- Você é o mais abjecto de todos os seres que conheci em minha vida.
É verdade que já me deitei com muitos homens, alguns dos quais sequer cheiravam bem, mas nenhum deles era tão baixo quanto você, Marcus Cornélius.
Haverá de pagar-me o insulto com lágrimas e sangue.
As afirmativas de adultério e traição, jogadas a esmo, tinham apenas o efeito de ferir-lhe o brio e o orgulho de homem vaidoso, não correspondendo à verdade.
Era mais uma arma feminina para contrapor-se ao ataque covarde daquele rapaz insensato.
Depois de vomitar-lhe os impropérios mais baixos, Druzila deixou o ambiente e, em prantos, retornou ao seu quarto, com o cérebro esfogueado pela humilhação suportada momentos antes, quando havia deixado seu orgulho para trás, a fim de tentar refazer a vida amorosa com seu esposo.
No mesmo momento em que esquadrinhava todas as possibilidades de vingança, a figura de Licínio assomou-lhe à mente.
O "outro homem de sua vida" - escolhera ela, naquela hora.
Marcus pagaria bem caro a humilhação que lhe infligira, para que nunca mais se esquecesse.
Enquanto isso, no seu quarto, depois da explosão temperamental da mulher, que correspondia exactamente à reacção que o marido queria extrair dela, a fim de que o deixasse em paz, Marcus foi acometido da lembrança daquela jovem que lhe entregara a recém-nascida, dias antes.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 04, 2014 9:36 pm

A visão de Serápis não lhe saía da cabeça e, durante os dias seguintes, este foi outro motivo pelo qual ele não se ausentara do palácio.
Por entre os pilares e colunas, quartos e corredores, deitava os olhares para divisar-lhe o vulto belo, nos serviços normais da casa.
Inteirou-se, sem levantar suspeitas, de que ela era uma nova serva, trazida por seu amigo e administrador Licínio e, por isso, não haveria maior dificuldade em se aproximar da jovem.
Seus pensamentos, tentando fugir da figura desconjuntada da esposa exigente, se deixavam impregnar pela atmosfera de beleza e novidade daquela jovem serva que, com toda certeza, facilmente lhe estaria disponível.
Desse modo, a partir daquele dia, quando os laços afectivos com Druzila sofreram o mais duro golpe graças às suas palavras agressivas e desmedidas, Serápis era o novo horizonte que surgia em seus interesses emocionais, devendo acautelar-se para que não perdesse os modos que se esperavam de todo patrício romano, dentro do ambiente de sua casa.
Trair a própria esposa com empregados no ambiente onde a família deveria merecer o mais profundo respeito em face das leis sagradas do lar, era um dos crimes mais abjectos e produziria uma avalanche de oposição social contra a sua pessoa.
O lar, como era do pensamento romano, era a sede da virtude.
Conspurcar-se na rua era algo admissível e até mesmo aceitável.
Todavia, conspurcar o lar, era algo que se igualava a cometer um perjúrio contra os ancestrais que ali eram cultuados.
Por isso, Marcus sabia que não poderia levantar suspeitas nem deixar que sua posição de nobreza se confundisse publicamente com os da ralé, como eram consideradas as servas ou as escravas.
Em Marcus, o interesse físico e as frustrações emocionais o endereçavam à aventuras proibidas.
Em Druzila, a dor e o orgulho ferido a empurravam para envolver-se com pessoas inocentes, no interesse de produzir o escândalo com o qual pretendia devolver a ofensa ao marido.
Em Serápis, o sentimento em conflito com o interesse, na luta entre o amor e o desejo de crescer socialmente e dominar.
Em Licínio, o sentimento sincero, sem medo nem jogo, lutando para ser compartilhado por aquela que ele elegera a lua de sua existência, mas que, nos escaninhos mais secretos do ser, na malícia que não entregava os pontos, na astúcia que sempre planeava, não tinha qualquer interesse em elevar-se no seu céu e clarear-lhe a vida como esposa devotada e mãe dos filhos de um empregado.
Assim, leitor e leitora queridos, quantos males se teriam evitado e se poderão evitar, se os sentimentos sinceros estiverem a embalar as condutas e as palavras, os impulsos e os cuidados, pois revestidas de doçura, nossas atitudes não feririam ainda que contrariassem, não humilhariam, ainda que não correspondessem aos anseios alheios.
Quantas dores hoje visitam nossos ambientes íntimos decorrentes desse jogo de sentimentos vilipendiados e interesses mesquinhos, fazendo, de todas as criaturas, vítimas de si próprias ao longo dos séculos de reparação que as esperam.
E não nos esqueçamos de que os envolvidos nessa nova etapa reencarnatória já haviam se conhecido e já haviam vivido juntos em época anterior, há menos de cem anos, no ambiente daquela Roma grandiosa e pequena, ao mesmo tempo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 04, 2014 9:37 pm

28 - EGOÍSMO EM ACÇÃO

Os dias passaram, lentos, entre os trabalhos normais da casa nobre e os sentimentos que cresciam no coração dos seus principais membros.
Licínio mantinha a sua postura respeitosa e serena, enquanto Serápis mais e mais se apresentava com a aparência debilitada, alegando sempre o cansaço produzido pelo aumento das tarefas internas, em face da chegada da filha do casal ao lar.
Na verdade, a serva estava confundida pelo sentimento que Licínio lhe inspirava e os seus anseios de sucesso pessoal, lutando para não ceder aos impulsos de seu coração também carente, já que seus projectos não previam aquela escala em patamar social inferior.
No entanto, este modo de sentir e este conflito emocional cobravam o preço do desgaste de suas energias, já que a sua simpatia por Licínio lhe confundia a alma e lhe dava nós no pensamento.
Dentro dela lutavam o sentimento sincero do coração contra as descargas mentais que se punham em desacordo com a emoção.
Esse desgaste era algo prejudicial ao equilíbrio de Serápis e, por isso, sua atenção estava prejudicada e todas as coisas que ia fazer eram atrapalhadas pelo seu estado íntimo.
No interior de seus aposentos, Druzila seguia seus instintos animalizados, provocados pela indiferença de Marcus, imaginando-se na condição da esposa que se satisfaz com o empregado e, com isso, humilha o marido para devolver-lhe a ofensa.
Na altura em que seus sentimentos se achavam, tal o grau de ferimento, Druzila já havia perdido a noção do afecto verdadeiro e do respeito que todas as pessoas mereciam, alegando para si própria que o mundo era frio e indiferente e que todos deveriam ser usados para que ou fossem felizes com os prazeres ou fossem instrumento de vingança.
Que cada qual se protegesse um contra o outro e que os mais fracos acabassem abatidos e feridos nessa luta da vida, na qual ninguém tinha compaixão dela própria, Druzila.
Ferida na alma, seu intuito, agora, mais do que amar outro homem, era ferir o marido infiel e cínico, esperando o momento adequado para fazê-lo.
Resta avaliarmos o estado de Marcus, o leviano dono da casa.
A incapacidade de sua esposa em lhe conceder o esperado varão - como assim era interpretada a chegada da filha, em vez do filho -fizera com que a sua insatisfação com a mulher se ampliasse e, no conceito machista e indiferente que o egoísmo produz no coração das criaturas que o cultivam sem poda, Druzila houvera perdido todo o encanto e não lhe merecia qualquer respeito ou consideração.
A sua conduta irresponsável, fora do lar, já era indicador seguro de sua falta de base moral, a qual poderia ser reparada com a paternidade, sentimento mais nobre que, por si só, muitas vezes, é capaz de reconduzir à razão e à seriedade o mais doidivanas dos homens.
Todavia, não foi isso o que ocorreu.
Marcus, sem conseguir nem desejar melhorar as coisas com Druzila, fora surpreendido pela beleza de Serápis, cujo semblante não lhe saía da mente e que, desde aquele dia, passara a ser o principal motivo para não sair de casa.
Acostumado a ter todos os seus interesses satisfeitos, buscando encontrar-se com Serápis, que, como mulher houvera notado o impacto que sua presença havia produzido nele, naquele dia do nascimento de sua filha, o dono da casa passou a percorrer as suas dependências, sempre contando com a possibilidade de cruzar seus passos com os da jovem e esbelta serviçal.
Depois que Serápis havia recebido a revelação afectiva de Licínio e mantido em segredo os seus sentimentos, os dias se sucederam até que, certa manhã, quando os fatos naturais levaram Licínio ao "Fórum Olitorum" para o reabastecimento dos vegetais e demais produtos consumidos pelos habitantes do palácio romano, ela se sentira mais à vontade para corresponder ao interesse de Marcus, já que houvera percebido seus olhares furtivos, suas caminhadas tontas pelo interior da mansão, como alguém que procura alguma coisa e não sabe onde está.
Assim, sabendo que Licínio não se encontrava, Serápis, ousada e jogadora, resolveu inovar no ataque, a fim de certificar-se de que a intenção de Marcus era a de aproximar-se dela.
Colocou sobre uma bandeja bem talhada uma taça de vinho e alguns pães e frutas secas para o café da manhã e, sem que o patrão o solicitasse, num gesto de ousadia que poderia custar-lhe o emprego, dirigiu-se aos seus aposentos, batendo à porta à espera de ser atendida.
Assim que ela se abriu, Serápis estava de pé, em posição de reverência, com a cabeça abaixada e o corpo semi-curvado, estendendo a bandeja com os braços para frente, como se mantivesse o respeito pelo patrão, que despertara algo atontado.
Com a abertura da porta, Serápis ofereceu a bandeja com a face voltada para o solo e os cabelos longos que lhe cobriam o rosto como uma oportuna cortina que lhe ocultava a identidade.
- Eis aqui, meu senhor, o seu café para o novo dia - disse ela respeitosa.
Vendo-se naquela cena insólita e pouco comum, já que sua rotina familiar não envolvia tal procedimento, além do fato de que, em geral, nas poucas vezes em que tomava o desjejum no quarto, tal solicitação era feita a Licínio e por ele providenciada, sendo servida sempre por algum servo que prestava serviços pessoais e exclusivos ao dono da casa, para evitarem-se os ciúmes de Druzila e as suspeitas entre os empregados, o primeiro impulso de Marcus foi o de despedir asperamente a jovem com a bandeja, mandando-a de volta com alguma reprimenda, já que a preocupação do chefe da casa era com as aparências de virtude debaixo daquele teto.
- Eu não pedi qualquer café nesta manhã - falou ele, rudemente.
Dando seguimento à encenação com a qual desejava testar o interesse do patrão, Serápis, com calma e graciosidade, levantou o rosto e, à medida que o fazia, os cabelos se afastavam para os lados e revelavam seu olhar coruscante e luminoso.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 04, 2014 9:37 pm

Olhando directamente para os olhos de Marcus, a serva, fingindo humildade, respondeu:
- Desculpe-me, senhor, devo ter-me confundido.
Talvez este desjejum seja destinado à sua esposa Druzila.
Desculpe-me novamente o incómodo.
Dizendo isso de maneira tão suave e submissa, a ternura de Marcus se viu tocada tanto pela surpresa quanto pela "coincidência" que lhe trazia até sua porta a jovem que tanto procurava em segredo.
Vendo que se preparava para sair em direcção ao quarto de sua esposa e sentindo o coração aos saltos, não desejava perder aquele momento especial, ainda mais encantado com a beleza descuidada de Serápis.
Assim, atenuou o tom ácido da voz e disse:
- Veja bem, apesar de não ter pedido o alimento, ele chegou em boa hora.
Por favor, pode entrar e servir-me o que está na bandeja.
A reacção de Marcus confirmava perante o sentimento astuto de Serápis, a certeza de que ele se interessava por ela e isso significava a sorte grande para qualquer romana de sua classe inferior.
Num relance, Serápis entreviu todo o seu futuro e todas as chances que a mão da deusa Fortuna lhe estava garantindo.
Sem qualquer questionamento ou qualquer laivo de pudor ou cuidado, a serva adentrou nos aposentos do patrão que, mais do que depressa, cerrou a porta e se colocou sentado em uma pequena mesa que lhe servia de escrivaninha ou de mesa para refeições, dependendo do momento.
Serápis, então, com seus modos fingidamente discretos, procurava manter-se firme no exercício das funções de serva, deixando ao homem todas as iniciativas, se o desejasse.
Assim, serviu-lhe a taça de vinho, colocando o jarro ao lado, bem como depositou à sua frente os pães e as frutas para que Marcus os alcançasse sem dificuldades.
Ele pouco se importava com o alimento.
Não tirava o olhar de Serápis que, percebendo-lhe o interesse mal disfarçado, exultava por dentro, sabendo que metade da guerra já estava vencida.
Sequer o inimigo disfarçava.
- Qual é o seu nome? - perguntou Marcus segurando-lhe o pulso em um dos momentos em que ela estendia os pratos com as frutas sobre a mesa, revelando um desejo de estabelecer uma intimidade física com a moça, algo muito incomum vindo do patrão para com as servas, dentro do ambiente da família.
Sem se afastar de suas investidas, mas fingindo uma certa timidez que estava muito longe de corresponder à verdade, ela respondeu:
- Serápis, para servi-lo, meu senhor.
Marcus tinha por ela uma avalanche de sentimentos desconexos.
Tinha impulso de agarrá-la ali mesmo e fazê-la sentar-se em seu colo para acariciar-lhe os cabelos longos e confidenciar-lhe seus afectos mal correspondidos por outras mulheres que ele comprava por algumas moedas.
Seu impulso masculino, por outro lado, tinha ímpetos de estabelecer com ela as relações mais condenáveis para um chefe de família romano ali mesmo, dentro de seu quarto, como se ela lhe pertencesse de alma e corpo, não levando em consideração sequer a sua própria vontade, já que não se tratava de uma escrava e sim de uma empregada, ainda que, naqueles tempos, pouca diferença se reconhecesse ou se respeitasse entre os escravos e os empregados.
Uma mistura de ternura paternal, atracção carnal, volúpia, paixão e desejo o avassalavam e era a muito custo que se ocupava de controlar-se.
Serápis percebia o estado alterado de sua respiração.
Sua mão fria denotava o descontrole da emoção e seu rosto corado mostrava a modificação dos batimentos cardíacos.
Ela estava no domínio da situação, mas não poderia ser vulgar e fácil já que essa condição a igualaria às prostitutas da rua e não era esse seu desejo.
Desse modo, procurando dar a impressão de que desejava afastar-se dali, ela perguntou, reverente:
- Meu senhor, deseja mais alguma coisa?
Vendo que a jovem estava prestes a sair, rompendo a magia daquele primeiro encontro mais íntimo, Marcus afirmou, valendo-se de sua autoridade inquestionável ali dentro:
- Sim, Serápis.
Desejo que todas as manhãs você me sirva algo para comer, no mesmo horário de hoje, ainda que eu me encontre dormindo.
Você tem minha autorização para bater à porta até que eu me levante ou que algum servo a possa abrir.
- Mas, senhor, desculpe que o lembre disso, esta tarefa o senhor Licínio sempre a atribuiu a um servo de sua intimidade...
- É verdade, Serápis, mas isso não será mais assim.
Agrada-me que seja você quem me atenda todos os dias, salvo se não lhe for agradável fazê-lo.
Só nesta condição é que eu aceitarei receber estes cuidados de outra pessoa.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 04, 2014 9:37 pm

Aquele era o momento de seu destino.
Serápis poderia dizer que não o serviria e, assim, estaria desprezando-o depois de tanta espera por uma oportunidade daquelas.
Ou então, de maneira dengosa, reafirmaria o seu desejo de servi-lo, aproximando-se ainda mais dele.
Vendo que uma resposta decisiva e reveladora lhe era esperada, Serápis pensou muito e respondeu:
- Não há nada neste palácio que possa honrar mais um servo ou uma serva tão despossuída como eu do que a possibilidade de servi-lo, meu senhor.
No entanto, isso pode produzir constrangimentos que o senhor não está vislumbrando.
- Como assim, Serápis, se é o meu desejo que dirige esta casa?
- Sim, é verdade, meu senhor.
No entanto, devo confessar-lhe que sua esposa me hostiliza sem qualquer motivo que não seja o de sentir ciúmes de minha pessoa.
Vendo que Marcus não gostava da mulher, não lhe seria difícil imaginar que o espírito vingativo de Druzila era bem capaz de se conduzir desse modo.
- Eu sei como Druzila é, Serápis, e, por isso, tudo farei para que você não fique de todo submetida ao seu génio temperamental.
- Muito lhe agradeço meu senhor.
- Pois então, Serápis, por que é que você continua com essa expressão de preocupação?
Preparando o terreno para o futuro, a jovem tocou o assunto mais delicado de todos.
- Ocorre, senhor, que eu devo muito ao senhor Licínio que, compadecido de minhas desgraças, trouxe-me a esta casa.
- E eu também devo muito ao velho Licínio, meu amigo, por tê-la trazido para cá também, Serápis - falou Marcus, galanteador.
Serápis sorriu de maneira envergonhada, dando a entender que compreendera o galanteio, mas acrescentou:
- Ocorre, senhor, que o senhor Licínio, generoso e paternal, de uns tempos para cá tem se mostrado mais interessado em minha pessoa insignificante, tendo, inclusive, revelado planos para consorciar-se comigo.
Diante de tal notícia, Marcus sentou-se melhor na cadeira e seu estado emocional foi sendo alterado, passando de um encantamento a um estado de preocupação.
Vendo que ele permanecia em silêncio esperando mais explicações, Serápis continuou, dominando as emoções próprias e dirigindo às do seu ouvinte:
- Eu me sinto muito ligada a ele por tudo o que tem feito para me ajudar nesta casa e, por isso, talvez, seus sentimentos tenham ficado confundidos.
No entanto, como não tenho nenhum valor, apesar de não sentir uma atracção por ele, que me autorizasse a aceitar-lhe a confissão afectiva, me vejo na difícil situação de não querer magoá-lo por não corresponder aos seus sentimentos na mesma medida que ele esperaria.
Assim, temo que, se me mantiver presa ao serviço pessoal do senhor da casa, ferirei os sentimentos do senhor Licínio e causarei um sofrimento em alguém que, até os dias de hoje, tem sido um benfeitor para mim.
Vendo que sua preocupação era muito importante e que levava em consideração a pessoa de seu amigo e administrador de confiança, Marcus, sério, perguntou-lhe:
- Licínio é um homem honrado e uma pessoa digna de toda consideração.
Seu sentimento é nobre e suas intenções são sinceras sempre.
Você está segura de que não sente nada que corresponda aos seus sentimentos, Serápis?
Entendendo o alcance daquela indagação que seria o divisor de águas em sua vida, Serápis lembrou-se de todos os seus projectos e dos sonhos de opulência que almejava construir para si e, nessa hora delicada de seu destino, escolheu o que lhe parecia melhor aos próprios interesses, sem medir com profundidade o que estava fazendo.
Apenas pensava em seu egoísmo.
Enquanto não tinha mais ninguém que a desejasse, Licínio, bom e generoso, talvez lhe servisse como prémio de consolação.
No entanto, agora que o interesse do dono do palácio lhe era patente, não lhe importaria que ele fosse casado, que tivesse filha, que fosse um escândalo a sua aproximação do patrão, nessas condições, que ela não tivesse estirpe mínima que fosse.
Apenas lhe encantava o fato de ser a querida na vida daquele homem poderoso e admirado, rico e infeliz, além do facto de que, por ser Druzila a sua esposa, uma mulher por quem sentia forte aversão e a quem dedicava uma antipatia difícil de dissimular, conquistar-lhe o marido seria algo saboroso, como o preço das sucessivas humilhações que teve de engolir no serviço que lhe prestava na intimidade.
- Meu senhor, tenho pelo senhor Licínio uma inextinguível gratidão, mas não me sinto inclinada a compartilhar-lhe os desejos de matrimónio.
Meu coração ainda espera pelo afecto que lhe possa aquecer e a quem eu possa me entregar para que realize os seus sonhos de homem, bem como lhe forneça a prole de varões que lhe perpetue a tradição familiar.
E, pelo que sinto dentro de mim, apesar de todo o respeito que tenho por ele, o senhor Licínio não é tal pessoa.
Algo aliviado, Marcus entendeu os motivos mentirosos de Serápis e, então, reconsiderou:
- Bem, Serápis, meu coração vazio e amargo, árido e infeliz bem compreende os anseios do seu afecto e a sua nobreza de alma é mais límpida do que a de muitas matronas romanas, sempre interessadas em seus caprichos e em realizar suas vontades egoístas.
No entanto, entrevejo em seus modos uma esperança de felicidade para a qual meus anseios idênticos me conduzem e, por isso, não gostaria de me afastar da sua presença, ainda que as condições sociais me afastem de você.
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Série Lúcius - A Força da Bondade / André Luiz Ruiz - Página 5 Empty Re: Série Lúcius - A Força da Bondade / André Luiz Ruiz

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 04, 2014 9:37 pm

Licínio sempre foi alguém que admirei e, por conhecer-lhe a vida de aflições, não gostaria de produzir-lhe maiores dissabores.
Assim, você deve manter-se discreta, servindo-lhe de acordo com suas ordens.
No entanto, gostaria de saber se lhe agradaria, dentro dos cuidados necessários em face de nossas posições pessoais, a possibilidade de nos encontrarmos para nos conhecermos melhor.
Não se sinta pressionada em aceitar pelo facto de eu ser o patrão.
Nada quero forçar dentro de você.
Se prefere o isolamento, não pretenderei desrespeitar o seu desejo.
As palavras de Marcus tinham um quê de melancolia, como se estivessem representando uma confissão amarga de seu sentimento infeliz desde longa data.
Na verdade, toda a sua busca desenfreada por prazeres fora do lar era motivada por um sentimento vazio, mal correspondido, numa ânsia de encontrar o ponto de equilíbrio para seu espírito inquieto, mesmo que tivesse que experimentar todas as prostitutas de Roma.
E não era no sexo que encontrava a resposta para seu coração.
No entanto, Serápis parecia produzir nele um reverdecer de esperanças, produzindo-lhe a ânsia juvenil de reencontrar-se consigo mesmo no afecto tão sonhado e, ao mesmo tempo, tão frustrado pelo convencionalismo e pelos arranjos de interesses.
Sabia, no entanto, que entre os dois havia uma barreira muito difícil de transpor, fruto desse mesmo convencionalismo social, dos limites sociais.
Não tinha ideia de como poderia corrigir tal distorção.
No entanto, não podia desperdiçar a oportunidade de manter-se próximo de Serápis.
Uma força diferente o atraía.
A jovem serva, emocionada pelo modo de ser daquele homem tão vulnerável no afecto que, no primeiro encontro, passara da condição arrogante de patrão à do fraco e carente coração que se confessa e pede ajuda, entregando-se ao risco para não perder a oportunidade, não vê outra trilha e nem deseja outro caminho que não o de garantir para si o prémio de seu esforço e lhe responde:
- Como já lhe disse, senhor, a maior honra a que uma serva como eu poderia aspirar é a de servir ao seu senhor.
E se mais do que vinho ou pães, eu lhe puder servir alimento para o afecto faminto, esteja seguro de que tudo farei para que a fome se extinga em seu coração.
Seguirei suas ordens e tudo farei com discrição, já que não pretendo ferir nem os sentimentos de sua esposa nem os do senhor Licínio.
A resposta de Serápis devolveu a vida ao coração infantil de Marcus que, num largo sorriso, aproximou-se de Serápis e, sem maiores rodeios, abraçou-a efusivo, no silêncio e na solidão daquele ambiente sem testemunhas.
Para evitar parecer afoita, Serápis se manteve dura, sem lhe corresponder à efusividade, para que não fosse confundida com uma aventureira qualquer.
Vendo a sua posição firme, Marcus se afastou e desculpou-se, dizendo:
- Perdoe-me, Serápis, se estou sendo muito afoito.
Não pretendo qualquer imposição nem forçá-la a nada.
Apenas lhe digo que faz muito tempo que não sinto uma alegria tão grande como a que você me proporcionou aqui.
Sempre que Licínio sair a serviço, quero que venha até aqui para acertarmos os detalhes de nossa conversação.
Teremos cuidado para que tudo seja feito em sigilo.
Por agora, fica certo que nos encontraremos fora daqui, no templo de Júpiter Capitolino, onde todos podem ir e onde você também poderá estar sem levantar suspeitas.
Daqui a dois dias, ao escurecer, eu estarei lá esperando por você.
Fale com Licínio e peça-lhe permissão para sair.
Fatalmente ele virá me consultar e eu acertarei as coisas.
Combinados entre si, deram por encerrada a conversa e ela, trémula de emoção, curvou o corpo reverente e, deixando atrás de si um homem revivido no sentimento, um Marcus empolgado pela possibilidade de ser feliz novamente, saiu do quarto em silêncio, antes que o administrador que a amava regressasse do mercado.
Quando saiu dali, Serápis já não tinha mais a atmosfera confundida nem oprimida pelas dúvidas.
Como se uma certeza guardada desde longa data lhe tomasse a lucidez, a figura de Marcus era o centro de todas as suas atenções e de todos os seus desejos de mulher.
Em vinte minutos de diálogo, a figura de Licínio e todo o seu sentimento verdadeiro, deixaram de ser motivo para confundir-lhe o afecto e passaram à categoria de um entrave que precisava ser retirado.
Licínio já não lhe parecia um candidato ao matrimónio.
O egoísmo de Serápis o colocava na condição de um madurão, que não sabia o seu lugar, e que se deixara encantar pela sua juventude sem levar em consideração a diferença de idade entre eles.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 04, 2014 9:38 pm

Quem era digno dela era Marcus e sobre ele ela empenharia todos os seus esforços, superando qualquer obstáculo que fosse.
O mundo pertencia aos mais fortes e resistentes - como ela sempre pensava também, na identidade de defeitos que partilhava com Druzila, ambas mulheres de seu tempo, com as imperfeições de sua época e as fraquezas espirituais que as tornavam muito parecidas.
Naquele dia, quando Licínio regressou do mercado, suado e esbaforido, Serápis já não era mais a mesma pessoa.
Seu olhar já passara a divisar o administrador buscando-lhe os defeitos e as características que o apequenavam ante seu coração de mulher, até então inclinado a considerar-lhe o afecto oferecido de maneira sincera e verdadeira.
Agora, precisava afastar-se de Licínio para que Marcus percebesse que suas intenções eram verdadeiras.
A figura do administrador passara a ser um estorvo em seu caminho e seu sentimento, um espinho em sua carne.
De dentro de seu ser, Serápis passou a retirar todos os sentimentos amargos, as lembranças da vida infantil de dureza, de fome, de abuso e de indiferença, para se tornar mais fria com relação ao único homem que a havia protegido por sentir afecto verdadeiro por ela.
Agora, outro mais rico e poderoso se interessara pelas suas virtudes físicas, desejoso de acercar-se de seu ser, o que ela não poderia desprezar nem permitir que passasse.
Era a conhecida "maré de sorte" que muitos estão sempre procurando por aí e que, depois que passa, em geral, deixa um rastro de dor e infelicidade, que mais parece uma ironia do destino no caminho dos incautos a colocar esses momentos de ventura como a porta do próprio inferno, se inferno, efectivamente, pudesse existir.
Naquele dia, Serápis pouca importância deu ao administrador, mantendo uma posição distante, evitando qualquer diálogo, sempre alegando compromissos para com Druzila e com a criança.
Licínio percebeu o seu estado diferente, mas sabendo das maneiras caprichosas e exigentes da dona da casa, nada suspeitou sobre a mudança de Serápis.
Além do mais, a jovem sabia ser agradável quando o isolamento o permitia e quando não havia testemunhas por perto, buscando manter Licínio tranquilo, sem imaginar que os fatos estavam caminhando contrariamente aos seus interesses afectivos.
Aqui era um sorriso brejeiro, mais ali um gesto de alegria, um pequenino afago com o qual ela demonstrava o seu carinho pelo homem que a beneficiara desde o dia em que o conhecera.
Com isso, Licínio ia se consolando, imaginando que, realmente, os momentos mais amargos e indiferentes de Serápis tinham Druzila como causa.
Agora, Serápis não tinha mais dúvida. Iria dedicar-se a Marcus.
No entanto, não tinha como negar o seu carinho por Licínio, carinho esse, no entanto, que não impediria de sacrificar para realizar seus desejos de grandeza.
Assim, as coisas caminharam naqueles dois dias que antecediam o primeiro encontro de ambos, ao pé dos deuses romanos, como havia sido planejado por Marcus.
Druzila, em seus pensamentos, maquinava vingar-se de Marcus usando Licínio.
Serápis, igualmente, planeava vingar-se de Druzila e da vida madrasta usando Marcus e sacrificando Licínio.
Marcus sonhava em refazer sua vida com Serápis, sem considerar o sentimento de Druzila, que usara para os interesses do mundo material na união de conveniências, sem considerar a responsabilidade perante a filha que o destino colocara em sua casa e sem pensar nos sentimentos de Licínio que, desde então, passara a conhecer.
Licínio tentava ajudar a carente dona da casa ao mesmo tempo em que tinha de fugir de Druzila para ser fiel ao amigo Marcus, respeitando-lhe a condição de marido.
Tentava servir de apoio ao estouvado amigo de longa data buscando ajudá-lo a encontrar juízo, enquanto que se esforçava para ajudar Serápis e devotar-lhe o amor verdadeiro, sonhando em constituir família e realizar-se como ser humano, sem lhe forçar os sonhos de mulher obrigando-a a aceitá-lo.
Três egoístas pensando apenas em si mesmos ao lado de um único ser que tinha a compreensão superior da vida, buscando fazer o máximo para amparar-lhes os caminhos dolorosos, com a Bondade natural de seu espírito.
Assim, leitor querido, se seu coração se enche de compaixão por Licínio, que pode parecer, numa primeira interpretação, a vítima dos egoístas e maldosos, não se apresse.
O tempo vai passar para todos e, provavelmente, a sua compaixão precisará ser direccionada para outros personagens desta história.
Que Licínio, no entanto, fique com a sua admiração e seu respeito, pelo muito que se esforçara até então para vencer seus limites e manter-se no caminho da rectidão e da virtude, apesar de suas tendências naturais e suas inclinações de ser humano carente e desejoso, também, de encontrar a própria felicidade.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 04, 2014 9:38 pm

29 - O ENCONTRO E OS REENCONTROS

Seguindo as instruções de Marcus, no dia seguinte Serápis procurou Licínio e, de maneira simpática tentando parecer o mais natural possível, solicitou-lhe a autorização para deixar o palácio e, depois de terminado o trabalho do dia, dirigir-se ao templo de Júpiter Capitolino a fim de fazer suas orações.
Já há muito tempo não fazia oferendas ao deus de sua devoção, ainda mais depois de as forças invisíveis terem lhe concedido tantas benesses, alterando radicalmente sua vida pessoal, desde a ocasião em que se encontrara com Licínio no mercado.
Reconhecendo que as alegações de Serápis eram verdadeiras, o administrador não se opôs ao desejo da serva que lhe inspirava tanta emotividade.
- Para quando deseja ir ao templo, Serápis?
- Bem, meu senhor, se não houver impedimento, penso ir até lá amanhã, depois do pôr-do-sol, a fim de que não comprometa minhas obrigações diárias.
- Por mim não há problema. No entanto, preciso consultar o senhor a fim de que, agora que ele se acha mais presente no palácio, conceda a autorização definitiva para isso.
Vendo que as coisas caminhavam como Marcus havia previsto, Serápis sentiu um fortalecimento interior, pois sabia que tudo correria conforme seus desejos.
- Pois bem, meu senhor.
Se possível, no entanto, assim que estiver de posse da resposta de nosso patrão, peço que me avise a fim de que me prepare correctamente ou que me esqueça da ideia de ir levar minhas homenagens e minha gratidão a Júpiter.
- Assim que tiver a resposta, hoje mesmo, Serápis, lhe comunicarei - respondeu Licínio.
Saindo dali, procurou Marcus para que, entre outras comunicações específicas do trabalho administrativo, apresentasse o pedido de Serápis, que o dono da casa ouviu demonstrando desinteresse, como fazia sempre ante os assuntos dos servos.
Para dar maior demonstração de descaso, Marcus, inteligente, respondeu a Licínio:
- Bem, meu amigo, você é quem dirige esse amontoado de burros de carga.
O que acha? Devo permitir que ela vá?
Ela tem prestado bons serviços nas funções para as quais você a destinou?
Sentindo-se honrado com a confiança de Marcus que, dessa forma, o mantinha à frente das decisões administrativas, Licínio, mais do que depressa, deu a conhecer que Serápis era muito competente, que não havia, desde o dia em que ingressara nos serviços da casa, cometido o menor deslize e que, desde aquela data, jamais houvera se ausentado do interior da faustosa residência.
Seus atributos de disciplina e devotamento, suportando as exigências mais cruéis de Druzila eram factores que, aos olhos do administrador, a tornavam merecedora da concessão, de resto muito nobre por espelhar à sua devoção aos deuses, sempre tão ligados aos homens e às suas vidas.
Ouvindo-lhe a defesa desabrida, Marcus se pôs a imaginar se não era essa uma postura motivada pelo sentimento amoroso de Licínio, comprometido com o destino da moça e, assim, resolveu pilheriar com ele para sondá-lo:
- Bem, meu amigo, pelo visto essa rapariga já o arrebanhou como defensor incondicional.
Será mérito ou feitiço que jogou sobre você? - falou Marcus com um sorriso malicioso nos lábios.
Avermelhando-se em sua dignidade de servo respeitoso, Licínio não havia percebido se tinha extrapolado no entusiasmo com que falara da jovem, a produzir em Marcus a ideia, assaz verdadeira, de que trazia o coração comprometido no sentimento que nutria por Serápis.
Tentando emendar a situação, Licínio respondeu:
- Bem, meu senhor, a minha defesa se fundamenta apenas na verdade.
Conquanto seja a moça muito bela, tenho sempre em conta a necessidade de ser justo na premiação ou na sanção que mereçam aqueles que me cumpre dirigir.
Por isso, apesar de se tratar de serva que inspiraria afecto até mesmo na mais fria estátua de mármore, posso lhe assegurar que minha avaliação se prende aos seus reais dotes de devotamento e resignada entrega.
- Está bem, Licínio - respondeu Marcus - tirando o fato de você ter ficado mais vermelho que um tomate - e não sei por qual motivo - vou considerar a sua afirmação e, se não houver qualquer impedimento de serviço, autorizo que a tal moça vá até o templo.
Aproveite, Licínio e lhe conceda autorização para que retorne à hora que desejar, como forma de lhe permitir a liberdade, que você reconhece ser merecida, por algumas horas a mais.
Dessa maneira, a jovem pode caminhar com mais tranquilidade, visitar algum local que lhe seja agradável ou encontrar-se com algum parente do qual esteja afastada há tanto tempo.
Com a voz aparentando descaso e desinteresse, Marcus já preparava o caminho para que o seu encontro com ela ocorresse sem a premência do horário de retorno, de forma a que não acontecesse qualquer obstáculo para a primeira noite de entendimento entre ambos.
E tentando dar uma outra direcção ao assunto, aproveitando-se do rumo que houvera dado à conversa, Marcus comunicou ao administrador:
- Ah!, Licínio, foi bom ter falado sobre esse assunto.
Já estava me esquecendo de lhe comunicar que amanhã, por necessidades pessoais de negócios que preciso retomar, agora que minha presença nesta casa já se fez pelo tempo necessário para demonstrar minha condição de pai e marido atencioso, estarei fora praticamente todo o dia, não sabendo, sequer, a que horas regressarei a casa, ou se regressarei a ela, efectivamente.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 04, 2014 9:38 pm

Assim, conto com a sua presença aqui, durante toda a minha ausência, a fim de que a senhora e a criança não fiquem sem os cuidados e a protecção de alguém da minha confiança.
Se houver necessidade de ausentar-se, mande um servo de sua confiança, mas, por você próprio, permaneça aqui até a minha volta.
Os sucessos nos negócios causam muitos invejosos que, agora, sabendo do nascimento da pequenina Lúcia, poderão tentar subtraí-la, subornando alguma empregada, a fim de me chantagear depois ou fazer coisa pior.
Minha confiança é depositada única e exclusivamente em sua diligência, meu amigo.
Dizendo isso, Marcus apertou o ombro de Licínio, num gesto demonstrativo de amizade verdadeira, que não levava em conta, obviamente, os sentimentos do administrador e, na forma astuta do arguto negociante, mantinha-o preso aos deveres da casa, a fim de que, empolgado pelo afecto que nutria por Serápis, não se sentisse inclinado a seguir com ela na oferenda que faria aos deuses, atrapalhando o encontro marcado pelos enamorados.
Sem suspeitar de nada, Licínio agradeceu-lhe a confiança e deixou os aposentos do patrão, rumando para as dependências onde os serviçais desenvolviam todos os arranjos para os trabalhos de cada dia, notificando Serápis da autorização de Marcus e de sua generosa concessão, como se estivesse recebendo uma noite de folga para que buscasse espairecer e distrair-se.
Agradecida pelo gesto de Licínio, Serápis abaixou a cabeça e sorriu-lhe confortada, buscando abafar a euforia que lhe ia na alma jovem e aventureira.
Dentro de sua astúcia feminina sabia que, por aquela conduta generosa, Marcus planejava um encontro mais demorado do que um simples momento de conversação.
A noite daquele dia chegou rápida e, depois de muitas tarefas, Serápis, sem entender qual o motivo, sentiu um sono muito profundo, pouco usual na juventude e na rotina de serviços, para a qual já se havia amoldado.
O sono lhe chegava, pesado, exigindo que procurasse o leito antes do horário habitual.
Desde a noite enluarada na qual Licínio lhe revelara seus anseios, Serápis evitara manter-se em local isolado, sozinha com o administrador, pois sua confusão emotiva era muito grande.
Depois que Marcus se apresentara perante seus sentimentos como o homem adequado aos seus anelos, Serápis passou a devotar-se, exclusivamente, à concretização de seus projectos afectivos, isolando-se ainda mais de Licínio.
Agora, que estava às portas do grande dia, Serápis via com estranheza aquele sono incontrolável.
Pedindo licença para todos, que nada suspeitavam de sua conduta, sempre muito discreta e reservada, sem confessar-se com ninguém, sem abrir seu coração para as companheiras de trabalho, a serva afirmou-se um pouco indisposta e demandou seus aposentos a fim de que pudesse recolher-se mais cedo, já que o dia seguinte prometia muita emoção.
Aliás, essa fora a sua interpretação derradeira do estranho fenómeno.
Deveria estar assim por causa da aproximação do encontro de seus sonhos, no qual seus planos seriam conduzidos segundo o interesse de seu coração.
Ansiedade, nervoso, euforia, tudo isso produziria o desgaste que, na sua emoção controlada, agora poderia estar cobrando o preço de seu abatimento físico.
Pensando assim, reflectiu ser melhor ceder ao peso da necessidade orgânica do que ficar combatendo a exigência física, cansando-se ainda mais.
Assim, acomodou-se o mais confortável mente possível no leito modesto e, sem que precisasse fazer qualquer esforço ou usar qualquer artifício para conciliar o sono, menos de dois minutos depois estava ressonando.
Sempre que se faz necessário, queridos leitor e leitora, o mundo espiritual possui meios de auxiliar os encarnados nos momentos mais importantes de suas trajectórias pessoais.
Nas lutas, nos desafios, nas escolhas, a acção generosa e amiga dos invisíveis tutores está sempre presente para que nossos espíritos estejam na trilha mais recta, apesar de, muitas vezes, não se tratar da trilha mais agradável.
Deste modo, aquele representava um momento crucial no encadeamento das existências dos personagens desta história, motivando, assim, o esforço invisível para que Serápis, realizando aquilo que julgava ser o melhor para seus interesses, não viesse mais tarde a se ver infelicitada em função da infelicidade que semeara para si mesma e para os outros à sua volta.
A jovem conseguira deixar o ambiente de misérias que a recebera no início de sua vida.
Encontrara um benfeitor que a retirara do perigo e, sem nenhum interesse inferior, a conduzira ao ambiente de luxo e beleza, no qual poderia estar, ainda que como serva, aproveitando-se das regalias, do conforto, da fartura alimentar, modelando seu espírito rebelde no serviço de atender almas aflitas e imaturas.
Mais do que isso, a generosidade do Universo, afastando-a dos malfeitores e indivíduos de má vida, homens truculentos e escravizados aos mais baixos instintos - como Célio Bacus - a colocara no caminho de Licínio, um nobre servidor, devotado ao bem espontâneo e incapaz de pensar ou fazer o mal, lutando contra seus instintos masculinos perante as provocações e insinuações da esposa do amo, tão indiferente às suas carências pessoais masculinas.
Despertado no afecto pela perspectiva da felicidade ao lado da bela jovem, Licínio representava o porto seguro que a Providência lhe endereçava a fim de que pudesse aprender a ser mais que uma serva sem apoio e sim uma esposa digna, devotada e companheira de seu marido, com quem aprenderia as virtudes essenciais da alma.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 04, 2014 9:38 pm

No entanto, Serápis, como grande parte das mulheres de todos os tempos, não se animava com aquilo que lhe parecia insosso.
Não lhe atraía o porto seguro e plácido de uma vida recta e modesta.
Queria o vendaval do mar aberto das paixões e de seus sonhos, nas aventuras do mar da vida, agitado e devastador, traiçoeiro e mortal.
Impulsionada pelas suas tendências mais íntimas, seu espírito se via atraído pelo estilo de vida que já conhecera em existências anteriores, do qual suas quedas fragorosas a houveram afastado, colocando-a em nível social mais baixo para que aprendesse outras lições de uma existência mais modesta, mas mais segura para seu próprio futuro.
No entanto, ainda que se achasse na trilha recta, mesmo que dolorosa para sua altivez e arrogância, recusava-se a manter o rumo necessário, estando às portas de desvirtuá-lo, segundo seus planos mais longamente traçados.
Por cúmulo da ironia, iria marcar o seu deslize no ambiente sagrado do templo que, à época, representava o local bendito onde o ser humano poderia elevar-se na direcção da divindade.
Dessa maneira, os amigos invisíveis que monitoravam os passos e as necessidades da, agora, serva Serápis, como acontece com todos os encarnados no mundo, se apressavam em tentar evitar que sua conduta a conduzisse para a mesma estrada de erros e misérias do passado.
Para melhor conseguir tais objectivos, sem que lhe tirassem os privilégios da liberdade de escolha, os espíritos amigos se valiam do repouso do corpo que, concedendo a indispensável liberdade e a parcial lucidez ao espírito, lhe permitia um colóquio mais directo e claro com aquele que desejam alertar, aconselhando.
Isso se dá com qualquer um dos filhos de Deus, não importando sua religião, sua cultura, sua posição pessoal ou política.
Amigos espirituais que estão sempre vigilantes, se valem desses momentos para que tenhamos informações, meditemos melhor em suas explicações, nos integremos nos verdadeiros motivos dos factos que nos estão envolvendo, motivos estes que, invariavelmente, estão enraizados em nossas vidas passadas e que justificam plenamente a ocorrência de tais eventos, pedindo de nós outra atitude, outra força, outro tipo de luta ou reacção.
A acção subtil que o desdobramento da alma faculta no momento do sono do corpo físico, permite que o espírito esteja na dimensão espiritual, em contacto com tutores sábios e generosos que o alertarão, imprimindo em sua acústica mental, as advertências necessárias para que refaça os passos e escolha melhor a conduta, informado de todos os tristes efeitos que uma opção equivocada lhe propiciará no curso de sua trajectória.
Afinal de contas, o regresso ao mundo ensejou o planeamento meticuloso e a participação directa de inúmeros amigos invisíveis que, no seu papel de sustentador de nossos objectivos, na meta essencial de nossa transformação, prometeram vigiar e nos alertar de todos os riscos a que nossos antigos vícios, contra os quais prometemos lutar, nos exporiam.
Planeadores espirituais sábios, técnicos da reencarnação, engenheiros das formas biológicas, modeladores do corpo perispiritual, instrutores da alma, professores do sentimento, mestres da vontade, todos os componentes dos departamentos especializados se envolvem nos processos reencarnatórios, buscando fazer daquela, a experiência decisiva na vida da pessoa que regressa.
Por isso, uma vida é muito preciosa para ser tratada com desdém pelos espíritos que sabem quanto custa retomar o corpo carnal ao espírito endividado.
Quando o ser humano entender a imensa gama de amigos invisíveis que possui no bem, mais do que se entregar aos comportamentos impulsivos e tresloucados, caprichosos e imaturos, que representam sempre a sintonia com outro tipo de espíritos, tão ou mais imperfeitos que os próprios homens, interromperá por instantes a sua conduta e, em homenagem a todos estes luminosos anjos tutelares, endereçar-lhes-á uma prece sincera, pedindo inspiração, pedindo a boa companhia, solicitando a intuição clara para que não cometa o equívoco que sua impulsividade, manipulada por espíritos inferiores como ele próprio, facilmente cometeria.
Nossos passos diários seriam dados à sombra da meditação elevada, nossas escolhas seriam fruto de um período de reflexões sinceras, nas quais buscaríamos sempre entender qual seria a vontade de Deus e qual seria a conduta de Jesus, se Ele estivesse em nosso lugar.
Com isso, não querendo dizer que deveríamos transformar nossas horas em uma constante, formal e repetitiva oração, nossos espíritos estariam abertos às forças luminosas que, com mais facilidade, nos orientariam a mente e o coração, através de conselhos e alertas que nos chegariam de maneira mais directa e que poderiam servir como baliza para nossas condutas.
Aprendamos a orar trabalhando, a fim de que nossas boas obras possam ser o testemunho verdadeiro da nossa ligação com o Bem.
Aprendamos a servir, para que nossos actos, palavras, sentimentos e pensamentos se transformem, naturalmente, na mais doce e elevada oração que produzirá perfume e envolverá todos os que estiverem à nossa volta.
Serápis estava prestes a cometer o primeiro desatino que ela própria poderia evitar se, alertada como iria ser, reconsiderasse seus impulsos e escolhesse aceitar a ajuda de Deus que já estava lhe chegando de tantas outras maneiras.
Não se conduzindo pelas estradas rectas do dever, nem ela nem nenhum de nós poderemos acusar a ninguém, muito menos a Deus, de nos ter abandonado ou nos ter condenado ao sofrimento.
A vigilância superior está sempre a postos e conhece sempre os nossos mais íntimos desejos e intenções.
Quando paramos de nos enganar ou de tentar arrumar justificativas posteriores para embasar nossas atitudes impetuosas, estaremos em melhor sintonia com tais amigos superiores que tanto desejam impedir que fraudemos a nova oportunidade de viver.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 04, 2014 9:39 pm

Assim, leitores queridos, não se enganem invocando a possibilidade de realizar um sonho, se esse sonho ferir alguém.
Não se desculpem com a irresponsável alegação interrogativa de que "todo mundo faz isso, por que eu também não posso fazer?"
Se a sua conduta molestar ou fizer sofrer, se criar embaraço ou dor, se alguém perder por causa do exercício da sua voluntariedade, estejam certos de que a Justiça os alcançará, mesmo depois de muitos anos de sucesso e de vida faustosa.
Em tudo o que pensarem fazer, considerem, antes, se da sua atitude deliberada, redundará o prejuízo para alguém.
A dor que se sabe poder evitar, o prejuízo de outrem que nós produzamos pelo exercício de nossas ambições, de nossos desejos na alucinada "corrida pela sobrevivência" representará tragédia anunciada em nosso próprio horizonte.
Por esse motivo, Jesus alertava sempre sobre aqueles que pretendiam viver para ganhar a vida.
Todos os que só pensarem em sucesso profissional, em conquistas materiais, em progredir a qualquer custo, os que desejarem ser admirados pelo acúmulo de suas riquezas e pela ampliação de poderes para exaltação de seu orgulho, de sua vaidade ou para, disso, fazerem arma com a qual firam a miséria, a incapacidade de seus semelhantes, que produzam mais inveja do que respeito e admiração, mais ódio mudo do que gratidão espontânea, que se finjam de bons para conquistarem postos transitórios, que trombeteiem os actos generosos para pedir votos, todos estes se enquadram na afirmativa de Jesus:
Todo aquele que desejar ganhar a própria vida, este a terá perdido.
Este egoísta e oportunista, que reduziu a vida a uma luta ferrenha pelo realce social, pelo soerguimento de uma vaidade tola, uma faustosa esbanjação ou uma mesquinha sovinice, este que se felicita a si mesmo ao abraçar escrituras de papel como parte de sua própria personalidade, que se orgulha de si por estar dirigindo um monte de lata pelas quais pagou mais do que o preço de uma casa, pelo simples luxo de andar em um carro novo, por estar vivendo na loucura e na alucinação da inutilidade, este, como disse Jesus, terá perdido a própria vida.
No entanto, afirma o Divino Amigo, todo aquele que, por amor a Ele e à sua Mensagem, perderem a própria vida, estes a terão ganho.
Todos os que aceitarem os caminhos da luta honesta, do sacrifício de suas ambições para que mais semelhantes sejam detentores do mínimo necessário ou de algumas alegrias a mais; todos os que se fizerem defensores da ética em suas posturas, sacrificando seus interesses em favor da justiça e da verdade, todos aqueles que se recusarem a ser peso morto na folha de pagamento dos governos, apenas para ganharem sem trabalhar, como roedores da carne dos velhos que morrem sem recursos, das crianças que perecem de fome por falta de merenda; todos os que entenderem que viver é algo que pede a consciência tranquila acima do bolso cheio ou do dinheiro no banco; todos aqueles que não se deixarem levar pelas leviandades da maioria, mas escolherem seus caminhos com base nas orientações seguras do Evangelho, onde não há espaço para furtar o próximo, onde não se encontra desculpa para o crime que se comete em nome da ambição ou da guerra social, onde não há complacência com o mal, ainda que se busque ajudar o maldoso, este homem que entendeu tudo isto e que, por causa de seus conceitos, não estará no píncaro das reverências da sociedade, não estará vestido de púrpura nem poderá ocupar lugares de destaque, não terá recursos para desperdiçar em veículos que custam o dinheiro que uma vida de trabalho honesto de muitos semelhantes não consegue ganhar; este homem, que tudo fez para ajudar a quem necessitava, que a todos serviu por amor sem desejar coisa alguma, que entendeu a necessidade de enquadrar-se na definição de HOMEM DE BEM, este será um perdedor aos olhos do mundo mesquinho e injusto, que enaltece traficantes ricos, usurpadores violentos, dissolutos e sexólatras poderosos.
No entanto, no conceito do Evangelho, Jesus sabiamente afirma:
TODO AQUELE QUE, POR MINHA CAUSA, PERDER A PRÓPRIA VIDA, ESTE A TERÁ GANHO.
Terá vivido e aproveitado todas as lições para se tornar um espírito melhor, livre das impurezas dos defeitos que acumulara em sua trajectória evolutiva.
Esse era o impulso do mundo espiritual na vida de Serápis, naquele momento em que, submetida às operações magnéticas de libertação temporária, seu espírito seria retirado do corpo através do sono para receber a carinhosa advertência de espíritos que, ao seu lado, se ocupavam em ajudá-la a não agir como houvera se conduzido inúmeras vezes antes.
Retirada do corpo, Serápis seria levada à presença de entidades que estavam ligadas a ela pelo muito amor que lhe dedicavam, a fim de que ficasse impresso em seu espírito os ensinamentos relembrados e isso fosse capaz de alertá-la para que sua escolha, naquelas condições, fosse a melhor possível.
Quando ela acordasse no outro dia, não se lembraria conscientemente de todos os detalhes, mas traria no âmago do seu ser uma impressão forte de qual seria a estrada menos dolorosa a ser trilhada, como costuma, de resto, ocorrer com todos nós nas manhãs que se nos apresentam como um novo convite ao acerto e não ao erro.
Reflictamos, já que do nosso sofrimento, Deus nunca é o culpado.
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Série Lúcius - A Força da Bondade / André Luiz Ruiz - Página 5 Empty Re: Série Lúcius - A Força da Bondade / André Luiz Ruiz

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 04, 2014 9:39 pm

30 - AMPARO ESPIRITUAL

Tão logo deixou o corpo físico, o espírito de Serápis viu-se envolvido por uma névoa densa que a fazia supor estar no meio de alguma região terrena abraçada por brumas claras, como já houvera presenciado em algumas localidades da própria Roma em determinadas épocas do ano, principalmente em períodos de frio.
No entanto, o seu ser não se ressentia de qualquer friagem e, qual se fosse autómato, seguia em determinada direcção como se uma força invisível a tangesse naquele rumo.
Encontrou uma saliência no solo que galgou com facilidade, como se não possuísse peso algum, endereçando-se a um banco de substância muito semelhante ao mármore que se achava visível a certa distância, no qual sentiu-se convidada a sentar-se.
Sua alma alternava estados de ansiedade, medo e incerteza diante da atmosfera ambiente, de silêncio e serenidade.
Acostumada aos ruidosos pensamentos e ao modo fechado no qual se escondia dos demais, a fim de que suas artimanhas não fossem descobertas, ali se sentia como se não lhe fosse possível qualquer ocultação.
Não tardou muito tempo e, do meio da espessa neblina emergiu encantadora entidade feminina que dela se acercou e, tomando-lhe as mãos com ternura, falou-lhe:
- Filha querida, o momento perigoso se aproxima e é necessário que seu espírito esteja atento para que não se entregue aos mesmos desatinos que a conduziram até a dura situação em que se encontra, que poderá piorar significativamente, dependendo de suas opções.
Sem conseguir pronunciar nenhuma expressão de protesto ou de dissimulação, Serápis se sentia envolvida por esta entidade suave e maternal que a dominava com o poder do afecto espontâneo, sem qualquer intimidação.
Continuando a falar-lhe, o espírito amigo prosseguiu:
- Você foi trazida até aqui para que sua lembrança fosse despertada por alguns momentos a fim de que sua responsabilidade nas escolhas que lhe competirão não seja ludibriada pela euforia do afecto que se imagina correspondido.
Desde longa data, sua alma segue pelos tenebrosos abismos dos delitos morais, tendo sofrido muito até chegar a este momento, depois de longa preparação entre lágrimas, dores e promessas.
Seus ascendentes espirituais impuseram que sua vida, nesta romagem actual, fosse construída à sombra da riqueza, tendo que envergar a vestimenta humilde dos que aprendem a servir, para que possam desenvolver o aprendizado da virtude, sempre no sentido de tornar menos rebelde seu espírito.
Você partilharia o ambiente das efémeras riquezas nos quais seu espírito falhou clamorosamente para que, ao contacto com tais tentações, ele se modelasse, conformando-se à condição de subalternidade, aprendendo a suportar os vícios e as ofensas dos que se pensam poderosos ou superiores, como você já foi e pensou, um dia.
Ouvindo interiormente, sem poder explicar como o fazia, o pensamento da entidade lhe chegava ao mais profundo do ser, despertando sensações pessoais muito claras, como se uma lembrança remota lhe apontasse para a sua outrora condição de nobreza, donde retirava os impulsos arrogantes e o desejo de subir que lhe ornamentavam a personalidade Serápis.
Seu pensamento, no entanto, era facilmente captado pelo espírito que a envolvia.
Bastou, por isso, pensar no horror da vida com Druzila, nas injustiças que lhe eram desferidas, nos comentários sarcásticos, na maneira irónica e arrogante com que a dona da casa se dirigia particularmente a ela, para que a entidade amiga lhe advertisse:
- Sua antipatia com relação a Druzila não está na superfície de um relacionamento de alguns meses, fruto do encontro deste período de suas existências.
Na acústica de sua alma, você vai recordar-se mais claramente. Pense, Serápis, volte no tempo dentro de si mesma, recorde desta mesma Roma de mais de setenta anos atrás...
Falando dessa maneira, o espírito amigo colocou a mão espalmada sobre o fronte de Serápis, induzindo-a a uma situação de branda hipnose através da qual, sem entender o que se passava, a jovem vislumbrava o ambiente aristocrático da capital do Império, em época remota, sem divisar com clareza, os detalhes do período.
As forças arquivadas no seu íntimo começavam a revelar-lhe uma outra personalidade.
Duas mulheres, uma altiva, astuta e mesquinha e a outra mais jovem, igualmente perigosa e repugnante, tinham se especializado no culto dos prazeres fáceis que se permitiam frequentar os leitos dos homens mais importantes do poder romano para obter concessões e traficar influências.
Não se lembrava do nome das referidas criaturas, mas ao lado da emissária luminosa que a amparava, Serápis estava segura de ter sido uma das duas, ao mesmo tempo em que mantinha aversão e horror à companhia da outra.
A lembrança foi clara e suficiente para que todo um mundo de sensações e antigas emoções de baixo padrão viessem à tona, dentro de si própria.
De tudo isso, ressaltava a aversão por aquela outra companhia feminina que, em suas lembranças, era mais horripilante do que ela mesma.
Afim de interromper a cena e trazer de volta a jovem desdobrada à sua consciência mais lúcida, a entidade que a envolvia retirou o destra da fronte e Serápis, novamente, viu-se em sua presença.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Dez 04, 2014 9:39 pm

Estabelecendo uma linha de raciocínio mais nítida, o espírito lhe falou:
- Você esteve em contacto com os arquivos que estão gravados em seu próprio ser, onde estão os factores que explicam os motivos de sua actual existência.
Sem escrúpulos, você foi mulher volúvel e promíscua que, por desejo de mando e de influenciar outras criaturas, deixou-se arrastar pelo cipoal dos desatinos sexuais e emocionais, onde esteve sempre acompanhada por uma outra mulher a quem você devia encaminhar para estrada segura.
No entanto, dentro de seu pensamento, Serápis não entendia como é que podia ser outra pessoa, com outra aparência, com outros costumes e roupas e, ao mesmo tempo, ser aquela que, actualmente, era apenas uma serva.
A ausência dos ensinamentos espirituais fazia com que as criaturas se perdessem ainda mais em confusões e dúvidas.
Seu semblante modificou-se ao contacto com as lembranças passadas, estabelecendo-se um aspecto de repulsa e ódio mal escondidos.
Entendendo que tais sentimentos brotavam naturalmente de seu íntimo, a entidade generosa continuou explicando:
- Você está sentindo o peso de seus defeitos aflorarem em sua natureza, a mesma que a presente existência estará ocupada em domar e modificar, ainda que custe o preço da dor mais profunda para seu ser.
Sua aversão por ela não se apagou de sua alma e seu sentimento é capaz de identificá-la, ainda que o tempo tenha transcorrido e vocês tenham ficado tantos anos afastadas.
Os compromissos no Bem quanto no Mal marcam as criaturas que a eles se apegaram ou que com eles se vincularam, até que possam superar os desafios e seguir adiante.
Serápis, agora, se sentia acuada e não sabia nem mesmo o que pensar.
A mulher odienta que sua vista identificara não se parecia com nenhuma outra conhecida, mas ela estava segura de que tinha algo a ver com Druzila.
Bastou pensar nisso e o espírito lhe afirmou:
- Suas suspeitas estão correctas. Druzila é a mesma mulher que esteve ao seu lado nos erros de ontem, perante a qual seu espírito está comprometido tanto quanto ela ante você é devedora.
Ambas estão nesta oportunidade para que, ainda que lentamente, possam desenvolver uma afectividade corrompida e fraudada em outras épocas, nas quais os dotes de beleza, poder e dinheiro fizeram a infelicidade de muitas criaturas.
Seu espírito está no caminho de Druzila para que, com as naturais dificuldades que vocês mesmas criaram, possam começar a se entender.
Dizendo isso, a entidade luminosa acenou com a mão direita para o lado e emergiu, daquele cenário de enlevo e inspiração, um outro espírito feminino que carregava Druzila semi-adormecida nos braços, de maneira a serem colocadas frente a frente.
Ao sentir a aproximação daquele ambiente, a recém-chegada, como se estivesse sendo mergulhada em água fervente, despertou do aparente sono que a envolvia e, num átimo, saltou para o lado, desejando ganhar mais espaço sem, contudo, sair da esfera de controle das entidades elevadas que ali se achavam organizando aquele encontro entre elas.
- Você aqui, sua megera - gritou Druzila, descontrolada - sua traidora, sua víbora, que me conduziu aos mais profundos abismos do mal.
Sempre soube pelas crenças dos nossos ancestrais que o demónio era masculino, mas depois que a conheci, passei a defender a opinião de que, na sua condição infernal, Saturno deve ser mulher.
- Acalme-se, Druzila, pois aqui não estamos para reviver o passado - falou-lhe o espírito que a dirigira até aquele encontro.
- Não consigo me calar ante a presença daquela que me enoja e que, agora, está tentando desgraçar a minha vida.
Escutando os doestos e as acusações, ainda que sob a influência elevada, Serápis animou-se a responder-lhe, como se uma outra personalidade lhe activasse a língua:
- Aquém você está pretendendo enganar, fera mal disfarçada, assassina cruel, ser horripilante? - perguntou a serva, indignada.
E sem esperar resposta, continuou Serápis, enquanto as duas entidades angelicais as mantinham dominadas, sem interferirem na discussão:
- Sua envenenadora de inocentes, suas garras afiadas podem ser vistas à distância.
Seu hálito maldoso e pestilento é capaz de fazer secar uma floresta inteira, em um dia.
Você está usurpando o que é meu, meu palácio, meu amante, minha vida.
Não bastou ter feito isso antes?
Garanto que não permitirei que a história se repita, em nome dos deuses mais poderosos de Roma.
Você haverá de me devolver tudo aquilo que me tomou.
Entendendo que ambas estavam se revelando melhor a si mesmas através daquele procedimento em que se despiam de toda a superficial e falsa identidade, as duas almas amigas que as dirigiam estavam ouvindo-lhes as agressivas referências, sem demonstrar qualquer laivo de partidarismo nem de interesse por suas revelações.
Depois que ambas se permitiram vomitar todos os impropérios que guardavam em si mesmas, a entidade que dirigia Serápis tomou a palavra, serenamente, e disse a ambas as contendoras:
- Séculos as esperam pela frente. Estes podem ser momentos luminosos ou apenas repetição sombria destes instantes onde ambas não fizeram mais do que revelar-se como são por dentro.
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Série Lúcius - A Força da Bondade / André Luiz Ruiz - Página 5 Empty Re: Série Lúcius - A Força da Bondade / André Luiz Ruiz

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 05, 2014 11:15 pm

Do que vocês decidirem para a vida que as aguarda dependerá a felicidade futura.
São duas endividadas morais uma com a outra e com terceiros que lhes dividem o ambiente.
Você, Serápis, ali está para entender as necessidades de sua patroa e amparar-lhe os desatinos suportando as suas acusações e os desajustes emocionais, desenvolvendo a paciência e restabelecendo antigos elos morais que foram rompidos por delitos que ambas praticaram, zelando para que o afecto de Marcus seja reconduzido ao coração de sua esposa, se não em face de um amor inexistente que ensejou uma união dirigida pelos interesses, ao menos por causa de Lúcia, a pequena criança que, por inúmeros motivos, é credora sua e precisa contar com a sua protecção, Serápis.
Quanto a você, Druzila, a sua necessidade de companhia deverá buscar em Serápis a serva fiel e diligente que tudo fará para defender seu interesse.
Em vez de ofendê-la, procure ampará-la, respeitar-lhe a dificuldade de estar na condição de uma quase escrava.
Entenda o seu desejo de ser feliz e a necessidade feminina de encontrar um apoio que lhe inspire, favorecendo o atendimento dos anseios do coração de Serápis, como maneira de restabelecer também os laços de respeito e amparo que ambas devem uma à outra.
Se isso não for desse modo, você acabarão entregues à realidade de si mesmas.
Lembrem-se de que Jesus sempre ensinou que a nossa boca fala daquilo de que está cheio o nosso coração e que no seu interior é que está o tipo de tesouro que nós gostamos de cultivar.
Ao falar isso, ambas as entidades luminosas plasmaram diante dos olhos das duas mulheres que o sono permitira terem os espíritos para lá dirigidos, um espelho cristalino no qual elas conseguiam divisar no que se haviam transformado por efeito da discussão ferrenha e agressiva que haviam tido.
Plasmado o objecto ante seus olhos atónicos, foram convidadas a identificarem qual era a realidade delas mesmas, modeladas pelas vibrações de ódio e de antagonismos recíprocos.
Nesse momento, quase que simultâneo grito de horror lhes brotou da garganta, identificando o estado comum e idêntico de desequilíbrio e desajuste em que ambas se haviam metido por força da exteriorização daquilo que, efectivamente, traziam dentro do coração.
Ante a visão horrenda de suas próprias estruturas e linhas degeneradas, ambas foram conduzidas ao sono imediato para que tais imagens ficassem cristalizadas em sua retina espiritual e lhes fosse útil ao despertar, a fim de que não lhes restasse qualquer dúvida quanto aos deveres que as esperavam, a partir dali.
Não que não poderiam adoptar outra atitude, já que o livre-arbítrio lhes permanecia imaculado, entre o rol dos poderes que Deus concedeu a seus filhos.
No entanto, estavam muito bem alertadas para as coisas que produziriam para si mesmas, não sendo possível negarem a ajuda superior que lhes fora oferecida por atender às urgências de suas almas.
Desse modo, o espírito Lívia ergueu Serápis nos braços e, acompanhado pelo outro, o espírito Abigail, ambas seguiram na direcção escura da Terra onde, em dois leitos muito distintos, um de opulência e outro de serva, dois corpos femininos se mantinham em um sono tempestuoso, fruto do mesmo pesadelo, a saber: o encontro consigo mesmas.
Lívia e Abigail, cada uma carregando uma das entidades desdobradas, levaram-nas, respectivamente, até o quarto de Serápis e de Druzila e, através de passes magnéticos, recolocaram os dois perispíritos nos respectivos envoltórios carnais e aplicaram-lhes energias intensas na área do córtex cerebral a fim de que todas as impressões daquela noite lhes ficassem impregnadas na mente de maneira muito clara, advertindo-as de que as condutas que escolhessem, dali para diante, seriam escolhas conscientes e para as quais haviam sido devidamente alertadas.
Depois de se manter alguns minutos ao lado de Serápis, fazendo-se as últimas recomendações para que evitasse o encontro com Marcus e preservasse o matrimónio de Druzila de qualquer delito, Lívia seguiu em direcção dos aposentos de Licínio, onde amparou-o com forças e ânimo para a continuidade de seus desafios, enquanto que, logo a seguir, demandou o quarto de Druzila, onde reuniu-se com Abigail para orarem juntas em favor de Lúcia, o espírito que, envolvido com todos eles, também deveria pagar o preço dos processos de aproximação entre almas endividadas.
Depois de encerrada a vibração fraterna, como duas estrelas que regressassem ao firmamento que já dava sinais da chegada do novo dia, ambas seguiram de volta aos planos espirituais, carregando em seus corações os melhores sentimentos por todos os encarnados a que haviam assistido, mas, no fundo, lamentando a fragilidade dos homens que, invariavelmente, tanto se deixam levar pelas condutas irreflectidas, recusando a disciplina emocional, alegando sempre que deixarão para depois qualquer esforço na superação de suas próprias deficiências.
O novo dia iria trazer a ambas e a todos os demais envolvidos na trama de suas escolhas, os efeitos que teriam a exacta medida da qualidade das atitudes adoptadas.
Ao som dos pássaros barulhentos, dos ruídos matinais da grande cidade, Serápis abriu os olhos, tentando concatenar o significado de um sonho que sua mente guardara na maior parte dos detalhes.
Sonhara com Druzila.
Ao mesmo tempo, envolta nos macios travesseiros e almofadas que lhe guarneciam o leito, Druzila, assustada, despertava confusa, vendo-se vítima de um pesadelo no qual sonhara com a mais repugnante de suas servas.
Como ousara ela invadir a atmosfera de seu mundo onírico para causar-lhe mais incómodos do que aqueles que já era capaz de produzir durante o dia de trabalho? - esse era o pensamento da dona da casa que, naturalmente, sentiu-se no direito de hostilizar ainda mais a jovem e ousada serva, tão logo a encontrasse no serviço daquele dia.
Os ensinamentos e as ajudas espirituais tinham sido ministradas.
Agora, competia aos encarnados permitir que fizessem o efeito que era possível obter deles.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 05, 2014 11:15 pm

31 - ESCOLHAS INFELIZES

Assim que entrou no quarto da jovem mãe, ainda envolvida pelas experiências do sono e do sonho que tivera durante a noite, Serápis não sabia bem como interpretar as advertências recebidas, nem a mais terrível visão que registara em toda a sua vida, quando se descortinara aos seu olhos, na tela semelhante a um espelho, a imagem horripilante que, segundo lhe houvera sido explicado, nada mais era do que a visão de si própria.
Naturalmente, não poderia relatar tal experiência a Druzila, dizendo que estivera em sua companhia durante o repouso, eis que não se imaginava semelhante liberdade por parte de servos tão mal considerados.
Deveria, segundo as recomendações, manter-se a serviço da dona da casa e atendê-la com gentileza e carinho, suportando-lhe as duras exigências.
Na realidade, todas estas recomendações lhe chegavam vagamente, como impulsos que a tornassem menos hostil aos modos de Druzila, entendendo que havia alguma coisa muito grave entre as duas mulheres.
No entanto, a dona da casa, arrogante e pouco disposta a entender a essência de suas lembranças decorrentes do sonho que também tivera, deliberou seguir o mesmo caminho de sempre, ou seja, o de mulher altiva, demonstrando com toda a força o seu orgulho e a sua falsa superioridade ante a pobre serva, nela descontando todas as frustrações pessoais, decorrentes da sua inferior beleza e do temor de que Serápis lhe furtasse as atenções de Licínio, o único varão que, ali, a ela se dedicava.
Naquela manhã, Druzila levou além dos limites todos os impulsos temperamentais de seu carácter, obrigando que Serápis se mantivesse em absoluta vigilância a fim de que não perdesse a compostura e partisse para a briga corporal com a dona da casa.
Desde que entrou no quarto, Druzila a humilhou com exigências de alteração do vestuário, acusando-a de ser dada ao exibicionismo.
Em realidade, as vestes dos servos, sempre de qualidade inferior, eram, muitas vezes, algo transparentes e menos cuidadas do que os tecidos que serviam aos senhores, fazendo com que, eventualmente, as mulheres se apresentassem com partes do corpo descobertas, como parte das pernas, parte dos braços, sem, contudo, significar que assim se trajassem por desejarem exibir-se. No entanto, complexada e ressentida, Druzila interpretava todas as maneiras de Serápis como sendo formas de mostrar seus dotes aos olhares de todos.
Serápis, naquela manhã, teve que modificar seus trajes por três vezes, apresentando-se a uma Druzila cada vez mais irritada e recalcada.
Depois de ter conseguido vestir-se de maneira aceitável aos padrões da dona da casa, Serápis foi obrigada a realizar os trabalhos mais inferiores e ultrajantes, como o de limpar os recipientes destinados ao recolhimento das necessidades orgânicas durante a noite, serviço que, em geral, era da alçada dos servos e não das servas, naquele palácio.
Cada uma das exigências de Druzila feria o orgulho de Serápis, que se ia irritando ainda mais com aquelas formas egoístas e intoleráveis.
No íntimo de seu coração, a serva contava com a possibilidade de recorrer a Licínio para queixar-se da jovem mãe e seus excessos.
Todavia, não desejava demonstrar-se muito contrariada a fim de que seus planos de saída naquele dia não ficassem prejudicados por qualquer ocorrência imprevista.
Dessa maneira, tudo foi suportando, buscando solapar o vulcão que lhe ia comprimindo o peito através de lágrimas secretas que derramava pelos cantos afastados, nas ocasiões em que podia se ausentar da perseguição de Druzila.
Serápis, naquela manhã, havia levantado com a nítida sensação de que o encontro previsto para a noite deveria ser adiado, sem saber o motivo.
Uma premonição de dor, de aflição, lhe apertava o coração, à medida que sabia que iria estar à mercê do marido de outra mulher, o que não era correcto, na esfera dos princípios elevados.
Afigura de Lúcia, a pequena criança, também lhe causava essa sensação de carinho, atraída que se sentia a jovem para a pequena recém-nascida.
Serápis tinha uma estranha ligação com a filha de Druzila e, sem saber o motivo, suportava muitas vezes as loucuras da mãe só para poder estar próxima de Lúcia que, igualmente, parecia acalmar-se em sua presença, ainda mais do que no colo materno, onde ficava sempre tempestuosa e irritada.
Esse era mais um motivo para que Druzila se indispusesse com Serápis, já que não lhe passara desapercebida a modificação do estado de ânimo do bebé quando era sustentado no colo da serva. Invariavelmente, Lúcia parava de chorar ou resmungar ante o calor do corpo de Serápis, o que lhe consistia um motivo de orgulho, ainda que não exteriorizado, uma vitória muda que falava por si mesma aos olhares coruscantes de Druzila que, sempre que se dava conta disso, tratava de retirar a menina dos seus braços.
Druzila sofria com seu modo de interpretar as coisas, pois enquanto não suportava a presença de Serápis, não desejava tê-la afastada porque, assim, não saberia dizer o que ela estaria fazendo, ao mesmo tempo em que não poderia humilhá-la conforme era seu prazer.
Para mantê-la sob seu controle precisava tê-la por perto.
No entanto, a presença da serva mais a irritava, fosse pela sua natural beleza física, fosse pelos modos estudados com que ela se conduzia na presença da dona da casa, fosse pelas predilecções de Lúcia e pela suspeita de seu envolvimento amoroso com Licínio.
Serápis, contudo, tão logo amanhecera aquele dia, trazia no peito o sincero propósito de modificar seus planos, atendendo aos augúrios de seu coração aflito e afastando-se do marido da outra.
Todavia, ao longo do dia, a conduta de Druzila modificou em seu espírito pouco afeito aos sacrifícios mais heróicos, o desejo de se afastar de Marcus.
Ao contrário, depois de ter sido massacrada por todos os lados, rompeu-se em Serápis a linha da cautela e, no impulso típico das criaturas feridas em seu orgulho, a serva passou a ansiar ainda mais por encontrar o marido daquela perversa mulher, como que a conseguir, naquele mesmo dia, suplantar a arrogante patroa, conquistando-lhe o próprio esposo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 05, 2014 11:15 pm

Nem mesmo a imagem de Lúcia inocente a impedia de sentir o sincero prazer de se ver nos braços de Marcus, antegozando a sua vingança contra aquela megera.
Druzila não acatara nenhuma das advertências recebidas, ao mesmo tempo em que Serápis, permitindo-se contaminar pela maldade daquela, caiu na mesma baixa vibração que a colocava na velha estrada dos erros e dos negócios carnais, como forma de vingança ou de obter vantagens.
Se quando do encontro nos aposentos de Marcus, Serápis não pensava em maiores intimidades com o patrão naquele que seria o primeiro encontro de ambos, conforme ele mesmo houvera sugerido, agora, depois de ter sido espezinhada em todos os sentidos pela esposa, os seus brios femininos já estavam a postos para se deixar levar por qualquer arroubo masculino que significasse exercer a vingança de possuir-lhe o marido e dar-lhe o prazer que ela não era capaz de propiciar.
- Sim - pensava Serápis - hoje será a minha noite, depois de tantos vexames e humilhações.
Esta víbora vai sentir o gosto do próprio veneno, ficando ainda mais isolada do que antes.
Seu marido será meu e ficará tão encantado que ainda mais se afastará dela, incapaz de ser gentil e agradável com os que a cercam.
Na verdade, agora estou entendendo que a figura horripilante de meu sonho não era eu mesma, mas sim, com toda certeza, se tratava de Druzila, essa perversa e desumana mulher.
Ela sim é que é o demónio em pessoa.
Inspirada pela maldade de Druzila, Serápis capitulava ante as advertências espirituais e outra coisa não fazia do que contar as horas para o encontro com Marcus, iludindo-se com interpretações irreais, mas que lhe pareciam bem mais convenientes naquele momento.
Este, por sua vez, como já havia comunicado a Licínio, logo pela manhã ausentou-se do palácio em busca de melhor organizar o encontro com a serva desejada.
Valendo-se de seus recursos abundantes, mantinha alugado para seus divertimentos pequeno, mas confortável recanto, em rua discreta da cidade e, ali, buscou produzir o cenário idílico com o qual pretendia estar mais à vontade com Serápis.
Frutas viçosas, tecidos brilhantes pendurados pelos recantos, pequena fonte a marulhar poéticos sussurros no ambiente, madeiras resinosas impregnando a atmosfera de odores inebriantes, queimadas em recipientes sustentados por hastes metálicas dispostas em pontos estratégicos, alimentos abundantes sem, todavia, exageros que pudessem demonstrar loucura ou desequilíbrio do anfitrião.
Dançarinas sensuais para o momento mais íntimo, a despertar o interesse e provocar na jovem o desejo de entregar-se a ele. Tudo foi previsto nos mínimos detalhes.
Para arrumar tudo isto, Marcus se esmerara e, contando com o auxílio de pessoas de sua confiança que, acostumadas a servir de anteparo às infidelidades muito comuns, ganhavam a vida preparando alcovas com esmero, sem que propalassem a identidade dos amantes a fim de não perderem os clientes, trazia a mente fervilhando na expectativa da chegada da noite.
Conforme haviam combinado, dirigiu-se ao templo de Júpiter Capitolino no qual três altares serviam para acomodar os deuses mais tradicionais da antiga Roma, entre os quais, destacava-se a divindade jupiteriana.
O ambiente interior, depois que a noite caía, era iluminado pelas tochas e trípodes fumegantes que emprestavam-lhe a solenidade, o odor característico das essências e a penumbra que inspirava o respeito àqueles que seriam os poderosos condutores dos destinos humanos.
Naturalmente que, durante o período nocturno, diminuía a frequência dos fiéis ao lugar sagrado, restringindo-se a pessoas mais abastadas que para lá se dirigiam em suas liteiras, carregadas por escravos que lhes serviam, também, de guarda e protecção ante qualquer imprevisto.
Para evitar ter que correr tais riscos, naquele dia Licínio permitiu que Serápis deixasse a faustosa residência antes que o Sol se pusesse por completo, de maneira que, sem qualquer problema, a jovem pudesse chegar ao templo ainda na luz do dia.
Interessando-se pelo destino da serva com quem mais se afeiçoava, Licínio ofereceu seus préstimos para ir buscá-la para o regresso ao palácio, no que foi repelido cuidadosamente por Serápis, que alegou o desejo de visitar a parentela que, de há muito, não via e que, ao amanhecer do outro dia estaria de volta ao trabalho.
Entendendo os desejos da jovem, Licínio aceitou-lhe as alegações e despediu-se, sentindo, em seu íntimo, que Serápis não estava muito normal desde alguns dias.
Apesar de continuar diligente e atenciosa, estava mais arredia com relação a ele e sempre que podia evitava a sua presença.
Licínio não sabia o que pensar.
Talvez tivesse sido muito ousado, ou tivesse se revelado fora de hora, criando constrangimento à jovem.
No entanto, nada podia fazer naquele momento. Serápis já se perdia pelas ruelas tortuosas que a levavam ao templo.
Caminhando pelos trajectos que já conhecera outrora, na miséria e na fome, não foi difícil chegar às proximidades do monte onde o ancestral templo etrusco, remodelado e ampliado segundo os padrões mais luxuosos dos romanos de sua época, se localizava como o ponto de esperanças para o seu sonho de mulher.
Não é necessário dizer que, antevendo o desenrolar daquela primeira aproximação, a serva tratou de vestir-se o mais sensualmente possível, aplicando os perfumes mais provocantes e estimulantes que tinha à sua mão, disfarçando-se, depois, ao cobrir-se com uma modesta túnica de serva, que lhe ocultava a aparência provocante, a fim de não levantar suspeitas nem produzir percalços pelo caminho.
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Série Lúcius - A Força da Bondade / André Luiz Ruiz - Página 5 Empty Re: Série Lúcius - A Força da Bondade / André Luiz Ruiz

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 05, 2014 11:16 pm

Chegando ao destino, subiu as escadarias e, cuidadosamente, penetrou no recinto onde o pouco volume de pessoas demonstrava já estar se encaminhando o dia para seus estertores, dando lugar aos contornos da noite.
Sem saber o que fazer, dirigiu-se até o local previsto e ali se manteve em silêncio, como quem se recolhe em orações ante as estátuas representativas dos deuses romanos.
Não demorou muito tempo para que uma mão forte e decidida lhe pousasse sobre o ombro, indicando a chegada do tão esperado candidato ao seu afecto.
Discreta, já que as romanas que se prezavam evitavam conversar com homens em público, a não ser que se tratassem de mulheres consideradas prostitutas por sua conduta permissiva, Serápis virou-se e encarou os olhos brilhantes de Marcus que, naquele ambiente, eram iluminados pelas chamas dos incensários e tochas bruxuleantes.
Sua figura máscula havia se esmerado na apresentação e, diante de um esplendor masculino como aquele, Serápis se encantou ainda mais, perdendo todos os resquícios de prudência que poderiam ainda lhe solicitar cautela e limites naquele primeiro momento a sós.
- Venha comigo, Serápis - falou brandamente o jovem enamorado, excitado com aquele primeiro colóquio distante de sua casa.
- Sim, meu senhor - respondeu a jovem, submissa e inebriada com a gentileza dos modos varonis de Marcus.
Afastando-se para um ambiente mais isolado no próprio templo, o rapaz continuou, empolgado:
- Puxa, Serápis, pensei que não iria encontrá-la aqui.
Era muito bom para ser verdade.
- Eu também, meu senhor, não sabia o que fazer, pois cheguei mais cedo para evitar a caída da noite e estava imaginando o que seria de mim se o senhor não viesse.
- O que importa é que estamos aqui e não quero perder tempo com as lamúrias que apenas nos furtam a alegria da convivência.
Vendo que o ambiente não permitiria qualquer prolongamento de conversa, já que de todo impróprio para aquele tipo de encontro, Serápis arriscou:
- Então, meu senhor, estou à sua disposição para que possamos compartilhar essa alegria de nos encontrarmos pela primeira vez - como a lhe dizer que precisavam ir a algum lugar diferente daquele.
- Claro, não percamos tempo.
Tenho uma liteira fechada nos esperando na lateral do templo.
Você segue primeiro e um escravo já está informado de sua chegada, incumbindo-se de recolhê-la em seu interior.
Depois disso, eu mesmo me dirigirei para lá e, juntos, iremos a um local mais adequado para que partilhemos os momentos agradáveis dessa aproximação.
Assim proposto, assim executado.
Não tardou muito para que a liteira estacionasse à entrada do tugúrio perfumado que Marcus havia preparado para as horas que passariam juntos.
Assim que entrou, Serápis se envolveu no encantamento daquele pequenino mundo, cheio de surpresas e carinhos tão agradáveis ao espírito feminino, afeito aos detalhes e seduzível através do carinho dos mimos, atenções e galanteios.
Marcus levou-a até o interior e, percebendo as roupas pobres de serva, sugeriu a Serápis o ensejo de trocá-las para que ficasse mais confortável, eis que ali não faltavam trajes adequados à ocasião.
No entanto, para sua surpresa, num movimento inusitado e cheio de estudada ternura, Serápis livrou-se da túnica rústica, ante os olhos luminosos de Marcus, que via ressurgir uma outra mulher.
Apesar de singelas, as vestes que estavam ocultas pelo sobretudo revelavam uma mulher exuberante, na qual os contornos físicos eram bem mais marcados, apresentando-lhe uma visão inspiradora e arrebatadora.
Vendo o impacto sobre o interesse de Marcus e sentindo que já dominava a situação e a vítima indefesa, Serápis ousou ainda mais, perguntando com meiguice:
- O meu senhor permite que eu solte meus cabelos?
Definitivamente vencido, o jovem não se importava ser aquilo uma declaração de entrega da mulher, na intimidade de um pedido que mais parecia uma frase proferida no sigiloso e confortável aposento conjugai.
- Fique à vontade, Serápis, pois sempre tentei imaginá-la novamente com seu rosto emoldurado pelos cabelos livres e soltos.
Num gesto, Serápis assumira uma quase condição de Afrodite.
Beleza na veste esvoaçante que provocava os instintos masculinos, e encantamento na atmosfera facial, produzida pela liberação da vasta cabeleira castanho clara que lhe servia de moldura ao rosto lindo e bem proporcionado.
Imediatamente Marcus mandou que servissem vinho e trouxessem frutas já que o horário induzia à necessidade de alimento, a fim de que a noite seguisse confortável e promissora.
Serápis, entendendo os modos de seu patrão, deixava que ele dirigisse tudo e limitava-se a apresentar seu charme, mantendo ao máximo o carinho e a aparência de inocente.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Dez 05, 2014 11:16 pm

O tempo passou entre conversas agradáveis, sabendo Serápis manter Marcus interessado e estimulado, sem contudo ceder-lhe facilmente aos impulsos.
O jovem rapaz, cada vez mais envolvido, tomara suas mãos enquanto lhe falava com carinho, alisava seus cabelos, servia-lhe mais vinho e frutas, sabendo que, com o aumento do estímulo alcoólico, mais facilmente conseguiria chegar à intimidade que tanto almejava, ligando-se à jovem como aquele que encontra a fonte da eterna felicidade.
Mal sabia ele que, por si mesma, a própria Serápis estava disposta a entregar-se sem esforço, pelo simples prazer de vingar-se de Druzila.
Os momentos sucederam-se e as dançarinas elevaram as emoções dos enamorados e, assim que terminaram a exibição, depois de terem se retirado, Marcus se acercou e, puxando-a delicadamente com seus braços robustos e gentis, depositou em seus lábios um ardente beijo com o qual venceu todas aquelas que lhe pareciam barreiras ao contacto físico postas por Serápis aos seus avanços, mas que, mais não eram do que astuta maneira de criar o clima de dificuldades a fim de que o interesse masculino se mantivesse em alta.
O beijo foi a senha para que ambos, de singelos desconhecidos, se tornassem amantes naquela mesma noite idílica.
O envolvimento de Marcus e os modos fingidamente inocentes, mas, no fundo, experientes da jovem fizeram com que ambos se entregassem aos arroubos da paixão e, de maneira franca e sem limites, se jurassem um amor descontrolado.
Naquela mesma noite, Serápis e Marcus consumaram todos os desejos e dividiram os prazeres físicos que pareciam ter sido longamente acumulados.
Ele, numa ânsia de tê-la como sua e a jovem no sonho antigo que se realizava, de deixar a condição miserável e conquistar o palácio.
O tempo correu como sempre corre quando a paixão e o encantamento o dirigem.
As luzes da aurora mesclavam-se, no céu daquela Roma de vícios e quedas com as últimas nesgas da escuridão, fazendo com que o casal, agora acomodado sobre o leito confortável, regressasse à realidade da vida.
Ele o patrão e ela a serva.
- Veja, Serápis, você precisará voltar ao palácio conforme foi acertado com Licínio.
No entanto, não desejo que estes momentos sejam esquecidos.
- Meu senhor, estar ao seu lado significará para mim a suprema alegria, seja aqui, seja no serviço de sua casa, como simples serva.
O fingimento de Serápis era de dar inveja ao mais astuto dos bandidos.
Sua sabedoria em agir com uma aparente virtude e desprendimento encantava os homens despreparados e ingénuos, entusiasmados pelas suas maneiras humildes e, aparentemente, desinteressadas.
- Isso só demonstra a sua nobreza, Serápis.
Ah! Se todas as romanas tivessem metade de suas virtudes! - exclamava o apaixonado Marcus.
Mas não me satisfarei com tê-la por perto sem poder me aproximar ou roubar-lhe um beijo.
Quero que você aceite voltar aqui, sempre que pudermos nos ver e que isso fique como nosso segredo, enquanto durar esse maldito casamento com Druzila.
Ouvindo-lhe a proposta directa, Serápis respondeu:
- Bem, meu senhor, como já disse, depois de hoje, não me pertenço mais e, assim, acatarei tudo aquilo que representar o seu desejo, guardando o cuidado de respeitar a senhora Druzila e sua filha Lúcia do dissabor de se verem traídas no respeito que merecem, já que o senhor sabe do rigor da lei e dos nossos costumes quando a serva se deita com o senhor.
- Sim, meu amor, tomaremos todo o cuidado e eu providenciarei para que nossos encontros se repitam com toda a cautela necessária.
Afastarei Licínio mais vezes e liberarei você para que possamos nos ver aqui.
Posso considerar que este pequenino ninho de amor é o nosso Céu na Terra?
Ouvindo-lhe a pergunta apaixonada, Serápis abaixou a cabeça fingindo constrangimento e respondeu:
- Para mim, meu senhor, esta casinha será o meu palácio sempre que o senhor estiver aqui comigo.
- Pois que assim o seja, Serápis.
Este será o seu palácio, ou melhor, o nosso palácio.
Dizendo isso, beijou-lhe os lábios carnudos e provocantes e entregou-lhe um pingente precioso que pendurou ao redor de seu pescoço, como forma de agradá-la antes de se prepararem para o regresso.
Vestiu-se novamente a serva, colocando as roupas belas sob o manto simples e, conduzida pela liteira até as cercanias da residência, desceu algumas quadras antes para que não houvesse qualquer suspeita nos olhos indiscretos dos que fiscalizam a vida alheia, fazendo os últimos lances do caminho a pé, chegando, por fim, à residência.
Seguiu directamente aos seus aposentos onde atirou-se no leito enquanto esperava o dia amanhecer por completo para a retomada das rotinas usuais, mantendo no pensamento, todos os lances sedutores e apaixonados que viveram juntos, relembrando os pormenores e as palavras, as confissões e as carícias, como que a prolongar o prazer de ter conseguido atingir seus objectivos, unindo o útil ao agradável.
Havia conquistado importante território para seus planos de ascensão ao mesmo tempo em que o objecto de sua conquista era um jovem de grande beleza, riqueza e ingenuidade, no sentimento carente que possuía.
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