LUZ ESPÍRITA
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O Mosteiro de São Jerónimo - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

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O Mosteiro de São Jerónimo - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini - Página 4 Empty Re: O Mosteiro de São Jerónimo - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 27, 2024 12:08 pm

- Por certo que sim, Excelência! - responde a governanta. Era patente seu alto grau de nervosismo, por dois motivos: primeiro, pela importância da visita que a casa recebia e, segundo, pela chegada daquele rapaz que tanto lembrava as feições da sua saudosa senhora, Rosália. Seria, de fato, quem ela pensava?... Ai, Jesus Cristo!... E se fosse?... E, tentando controlar-se ao máximo, prossegue: - Assentai-vos, por favor, e aguardai, que consultarei o senhor barão!... Por favor, um só instante, e estarei de volta!... - diz Amélia, fazendo rápida reverência e se voltando ligeira, para o interior da casa.
Poucos minutos, a mulher retornava ofegante e pálida.
- Fazei a gentileza de seguir-me, Excelências!... - diz ela, cada vez mais ansiosa. - O senhor barão receber-vos-á em seus aposentos!... -e se dirigindo, em especial, a Dom Eusébio, prossegue, enquanto caminhavam por extenso corredor: - Ai, que se encontra tão depauperado o pobrezito, senhor Dom Eusébio!... Faz-nos dó o seu estado!... Fala pouquíssimo, quase não toma alimentos!... É uma penúria só, o coitadinho!...
O estado de Manuel António Ramalho e Alcântara era realmente desalentador. O tumor carcinomatoso roía-lhe o estômago, sem piedade, resumindo-o a condição de alta penúria. Emagrecera bastante, e quase nada lembrava o homem imponente que fora um dia. Dores inomináveis acometiam-no, insistentemente, fazendo-o sofrer intensamente. Passava a maior parte do tempo acamado, pois lhe faltava ânimo para caminhar. Raras vezes e com bastante dificuldade, deixava os aposentos e, secundado por prestimosos serviçais, descia ao salão ou tomava sol, por algum tempo, sentado sob o dossel de flores do caramanchão que havia no jardim interno. Naquele dia, particularmente, encontrava-se acamado, sem qualquer vontade de deixar o quarto. Avisado por Amélia, fora, apressadamente, recomposto pelos criados e aguardava a chegada das visitas.
- Muito bom-dia, senhor barão!... - saúda-o Dom Eusébio, logo ao adentrar a câmara.
O Barão da Reboleira resume-se a acenar com a mão e a emitir um sorriso carregado de tristeza. Em seguida, seus olhos prendem-se no rapaz que seguia o bispo. Intenso calafrio percorre-lhe o corpo todo. Seria possível?... Era-lhe por demais familiar aquele rosto, o porte, o jeito de caminhar!... Reconhecê-lo-ia entre mil!... Intensa palidez acomete-o, então.
- Dom Eusébio!... - balbucia o barão, com a voz fraca. - Não ireis dizer-me que este rapaz...
- E preciso que mantenhais a vossa paz, senhor!... - diz Dom Eusébio, tomando a mão do enfermo entre as suas. - E, principalmente, que sejais bastante forte, neste momento!...
Os olhos de Manuel António buscam, então, desesperadamente, pelo moço que se mantinha timidamente afastado, a dois passos do leito. Altamente quieta e respeitosa, Gerusa permanecia-lhe ao lado.
- Deus do céu!... - exclama o Barão da Reboleira. E, com extrema dificuldade, apoia-se aos cotovelos e, soerguendo-se, recosta-se no leito, para melhor observar o moço que também o olhava, entre curioso e altamente emocionado. Emitindo profundo e doloroso gemido, o enfermo exclama, com os olhos a inundarem-se de lágrimas: - Jesus Cristo!... Oh, Dom Eusébio, é ele?... É ele?... Dizei-me, Dom Eusébio, por Deus!...
-Sim, senhor barão!... - diz o bispo, colocando a mão, paternalmente, nos ombros do outro. - Achou-se. por fim, o vosso Francisquinho!...
- Meu Deus!... - explode Manuel António, num grito de dor extrema. Dor ou intenso júbilo?... De imediato, não se soube ao certo.
arrebanhando forças, sabe-se lá onde, estende os braços a João Manuel e com as palavras molhadas pelo pranto, grita: - Francisquinho... Vem!...
O jovem sentiu-se, no momento, chumbar-se ao chão. Suas pernas não o obedeciam. O pai estendia-lhe os braços, chamando-o. Que sensação esquisita era aquela que o invadia?... Que homem era aquele?... Não sentia nada por ele!... Apenas forte emoção, nada mais!... Como podem ser estranhas as coisas neste mundo!... De repente, João Manuel entendia que o amor não se enche, assim, de uma hora para outra, como se faz com um vasilhame de líquido qualquer!... Sim, por certo, aquele era seu pai verdadeiro, mas a dizer que passava a amá-lo, assim, de chofre, era-lhe meio estranho.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 27, 2024 12:08 pm

Emocionava-se, é claro, e muito, mas aquela casa imensa, aquele luxo todo, aquela mulher estranha e de modos requintados a olhá-lo, insistentemente, como se ele fosse algo raro, mais o batalhão de criados, ali, a postos, decididamente, intimidavam-no sobremaneira. Efectivamente, não estava habituado àquele tipo de coisas.
- Vem, Anjinho - convida-o Dom Eusébio, cortês, percebendo que o rapaz se acanhava -, abraça-te ao teu pai!...
João Manuel olha para Gerusa que trazia os olhos mareados de pranto. Ela lhe faz um sinal com a cabeça, encorajando-o.
- Vai... - cochicha-lhe ela, empurrando-o, gentil. - Recebe o abraço que deseja dar-te o teu pai!
João Manuel olha em redor, primeiro. Pesado e expectante silêncio a tudo dominava. Amélia, os criados, Dom Eusébio, todos mantinham o olhar presos nele. Depois, fixa os olhos nos olhos do pai que, choroso e altamente emocionado, estendia-lhe os braços trémulos.
- Vem, filho!... - exclama Manuel António, insistindo.
Filho!... Quantas vezes não sonhara ouvir a voz do pai chamando-o daquela maneira!... Filho!... Um nó imenso engastalha-se-lhe à garganta. Suas carnes tremem. As lágrimas, então, brotam-lhe aos olhos, grossas, aos borbotões. E, num átimo, lança-se de joelhos ao lado do leito e recebe o abraço do pai!... Quanta dor e quanta emoção havia naquele abraço de reencontro!... Manuel António abraçava o filho e lhe beijava os cabelos, o rosto e suas lágrimas misturavam-se.
- Meu filho!... Meu filhinho!... - exclamava o velho Barão da Reboleira, abraçado ao filho. - Por onde andaste todo esse tempo, meu amor?...
Forte emoção dominava a todos no ambiente. Amélia soluçava; os criados, altamente emocionados, choravam. A maioria deles não havia acompanhado, ano a ano, o desenrolar do terrível drama que acometera aquele lar, com o inexplicável desaparecimento do filho dos patrões?. Eles, mesmos, não haviam sofrido intensa perseguição, motivada pela constante desconfiança que atingira a todos, um a um, indistintamente, como potenciais autores ou comparsas na consecução daquele nefasto crime?... Agora, as coisas clarear-se-iam, por certo!...
- Oh, meu bem!... - repetia Manuel António, acariciando com as mãos os cabelos revoltos do filho. - Como és bonito!... Tens as fuças da tua mãe!... Os cabelos, os olhos, o nariz, a boca, a pele!... És Rosália cuspida e escarrada!...- ri-se o velho barão, no meio das lágrimas. E, voltando-se para o bispo que se mantinha a postos, ali do lado: - Não concordais connosco, senhor Dom Eusébio?
-Ai, e pois não é que é mesmo, senhor barão?... Bem que as feições deste marotinho levavam-me a lembrar de algo, mas que eu nunca que consegui descobrir!...
- Conhecíeis o meu filho, então, senhor bispo?!... - espanta-se Manuel António. - Mas, como?!...
- Oh, é esta uma longa história, senhor barão!... - responde o prelado - É, deveras, uma longa história!...
-Mas, depois!... Depois, haveremos, por certo, de achar tempo par isso tudo!... - exclama o Barão da Reboleira. E prossegue altamente alegre: - Por ora, basta de tristezas!... Ai, que precisamos comemorar volta de Francisquinho!... - e, alteando, inusitadamente, a voz, para espanto de todos, chama pela governanta: - Senhora dona Amélia, a postos!... Toca a preparar-se o almoço!... E que não se economize nos caprichos, hein!...
Grande azáfama estabelece-se, a seguir, no palacete. Ordens foram dadas, então, a toda a criadagem que se aviava célere, quase a correr, pelos imensos corredores, com o intuito de preparar, a toque de caixa, expressivo banquete para celebrar o regresso do filho mais jovem do Barão da Reboleira, desaparecido, misteriosamente, quando era ainda um bebê de poucos meses. O atropelo instaurado era grande, entretanto maior era a expressão de felicidade e de alívio estampada aos rostos de todas aquelas criaturas. Afinal, a felicidade haveria de retomar àquela casa!... Um pouco atrasada, é claro, mas as coisas resolviam-se...
Uma hora depois, a governanta adentra os aposentos do Barão da goleira, avisando que a mesa para o almoço de comemoração achava-se posta. A seguir, com extrema dificuldade, o barão senta-se numa pequena liteira, especialmente para ele construída, e dois possantes criados carregam-no, com bastante cuidado, para o salão de festas.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 27, 2024 12:08 pm

A mesa punha-se com primor!... Uma sucessão de fantásticos manjares aguardava o pequeno grupo de convivas. João Manuel e Gerusa trocam-se ligeiro olhar, ao depararem-se com aquela profusão de delícias: jamais haviam visto tanta comida boa junta, assim, e em tal quantidade!
Uma vez acomodado à cabeceira da majestosa mesa, o anfitrião, demonstrando radiosa felicidade às feições, convida prestimoso:
- Assentai-vos, por favor, assentai-vos todos!... Senhor bispo Dom Eusébio, fazei o favor, assentai-vos aqui, à nossa direita - e, abrindo os braços em largo gesto, indica ao filho: - E tu, queridinho, assenta-te aqui ao nosso lado!...
Gerusa, a um gesto do Barão da Reboleira, acomoda-se ao lado do rapaz.
- Obrigadinha, Excelência!... - exclama a moça, abrindo ligeiro sorriso.
- E, tu quem és?... - pergunta Manuel António, só agora, realmente, dando-se conta da presença da jovem.
- Oh, esta é Gerusa!... - exclama João Manuel, adiantando-se. -Mora no porto, onde vivo também. É minha companheira de longa data!...
- Ai, e é?... - diz o barão, a perscrutar, insistentemente, a jovem meretriz, com os olhos, e logo percebendo que tipo de gente era a moça. Um laivo de tristeza, então, anuvia-lhe o semblante por instantes. "Deus do céu!...", pensa ele. "Por onde será que o pobrezito do meu filho teve de arranjar-se por esses anos todos?... Certamente, terá sido com esse tipo de gente que se terá relacionado até hoje!..." e, com imensa tristeza, sonda o semblante do rapaz que, altamente deslumbrado, seguia com olhos grandemente extasiados o requinte e o excesso de luxo que o rodeava. De repente, uma onda imensa de piedade invade 0 combalido coração de Manuel António, e seus olhos inundam-se de lágrimas. "Tudo isto também sempre foi teu; entretanto de nada participaste!"... Tenho a certeza de que a miséria extrema sempre foi a tua companheira, meu filhinho!...", pensa ele, tomado de grande
comoção. "Porém, a bondade de Deus permitiu que corrigíssemos este erro perverso, antes que me fosse deste mundo, querido!.., e tu merecerás o dobro do que competirá ao teu irmão, que tudo sempre teve!..."
- Estais a passar bem, senhor barão? - pergunta Dom Eusébio, percebendo que o outro principiara a chorar.
- Oh, sim, Excelência!... - responde o barão, recompondo-se. - De felicidade também se chora, pois não é?
- Por certo que sim, senhor barão, por certo que sim!... - responde Dom Eusébio. No fundo, sabia que a dor do outro ainda não se acabara de vez. Dores assim descomunais não costumam passar de repente. Havia os acertos, as respostas às perguntas que sempre se fizera por esses anos todos...
- Mas, vamos ao que ora interessa!... - exclama o barão, levantando sua taça em brinde. - À volta do meu querido filho Francisquinho!...
- À vossa saúde e ao feliz regresso do Francisquinho!... - exclama Dom Eusébio.
O pequeno grupo põe-se, a seguir, a degustar a infinidade de pratos que pacientes e diligentes serviçais passaram a servir-lhes, sob a perfeita e impecável supervisão de Amélia. Manuel António, com velada discrição, observava com ares divertidos até, como ambos os jovens comiam com intenso apetite. "Ah, a pobreza!...", pensa ele, emitindo um suspiro. Diferentemente dele, para quem toda aquela imensidão de delícias nada mais representava. O estômago enjoava-lhe, imensamente, diante dos alimentos. Enfarava-se, com facilidade, ao leve odor emitido pela comida. Limitava-se a tomar frugal consommé.
- Onde pensas viver, querido? - pergunta o barão, tocando levemente a mão do filho, com a ponta dos dedos.
- Eu?!... - espanta-se o jovem com a pergunta do pai. - Não sei, senhor!... - responde ele, titubeando, pego pela surpresa. - Sequer tenho casa...
- Moras onde, então?!... - surpreende-se o Barão da Reboleira.
- Anjinho mora nas ruas, senhor barão... - adianta-se Dom Eusébio, ao perceber que o rapaz encabulava-se. - E, logo mais, colocar-vos-emos a par de todo o passado do vosso filho!
- Anjinho!... - estranha Manuel António. - Tens um apelido, então?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 27, 2024 12:08 pm

_ Tenho - responde o rapaz. - Primeiro, minha mãe adoptiva chamou-me de João Manuel, por não me conhecer o nome verdadeiro; depois, o povo do orfanato e, mais tarde, os amigos da rua passaram a chamar-me de Anjinho...
- Anjinho... - ri-se Manuel António. E prossegue, em tom galhofeiro: - E ganhaste tal alcunha, pois então, não por seres bonzinho ou beatífico, presumo!...
- Com essas feições grandemente marotas é que não foi, não é, senhor Barão da Reboleira?... - emenda Dom Eusébio, a rir-se.
-Anjinho chama-se assim, por ser bonito como um anjo, Excelência!... - exclama Gerusa, entrando na conversa. - Todas as mulheres das ruas conhecem-no!... E só perguntardes!
- Ai, e é?... - observa o Barão da Reboleira, rindo-se. E prossegue, inchando-se de orgulho: - Por certo que é bonito o meu menino!... E, possivelmente, mui em breve, deverão mudar-lhe o apelido para "Príncipe", quando o vestirmos com o rigor que lhe exige o nome que doravante passará a ostentar: Barãozinho Francisco de Assis Ramalho e Alcântara!...
Francisco de Assis... Aquele nome soava estranho aos ouvidos de João Manuel. Acostumar-se-ia a ele?... Durante todos esses anos, chamaram-no por João Manuel ou por Anjinho!... Ser-lhe-ia difícil acostumar-se ao novo nome, o verdadeiro, que lhe haviam surripiado... Os amigos do porto e as mulheres da rua, com toda a certeza, continuariam a chamá-lo pelo apelido... Gostava dele... Anjinho... E abre um ligeiro sorriso.
- Dizeis, então, que meu filhinho viveu todo esse tempo nas ruas, senhor Dom Eusébio? - pergunta o barão, mal sofreando o desejo intenso de conhecer o passado do filho. - Mas, e quando era um bebê?... E certo que assim não foi!...
- Tendes razão, Excelência - responde o bispo. - Vosso filho foi abandonado na roda dos enjeitado das Carmelitas!
- Ai, Deus do céu!... - exclama João Manuel. - Roubou-mo o desgraçado para relegá-lo à cruenta orfandade?!... Miserável!... Ainda me pagarás por este crime nefando!...
- Sabíeis, acaso, quem houvera surripiado o vosso filho, senhor barão?!... - pergunta, espantado, o bispo. - E não o denunciastes à milícia da rainha?...
- Não tinha provas, Excelência!... Não tinha as provas necessárias pois se tratava de gente graúda, como nós!... - explica o barão.
- E o que vos leva a crer que se trata de tal pessoa o responsável p0r tão nefasto crime? - pergunta Dom Eusébio.
- À época, mantínhamos severa disputa judicial, ele e eu, e da qual saí o vencedor!... - responde Manuel António. - O maldito não se conformou com a derrota e jurou vingança!... Pouco depois, sucedeu-nos a tragédia do rapto do Francisquinho!
- Faz sentido, Excelência!... - observa, pensativo, o bispo. - Faz, deveras, muito sentido o que nos relatais!... E, o que pretendeis fazer doravante?... Não me digais que intentais ir à forra, depois de tanto tempo?...
- Não sei, Dom Eusébio!... - responde o barão. - De fato, eu não sei!... Tenho o meu filho de volta, mas Rosália foi-se, a meio de intenso sofrimento, sempre à espera do regresso do nosso menino!... Acho que sabeis o quanto vivemos infelizes, ela e eu, nesta casa, por todo esse tempo, não?
- Como sei, senhor barão!... Como sei!... - responde o bispo. -Entretanto, do que se afigurava o mal maior, a misericórdia divina proporcionou-vos o milagre de deitardes os vossos olhos, novamente, sobre o vosso filho!... Agora já o tendes de volta, e isso é o mais importante!... Esquecei de vez a vingança, senhor barão!... Sabeis como é... Depois vem a desforra... E as coisas acabam por não terem fim, não é?... Agradecei a Deus pela graça recebida e daí por encerrado este caso... Peço-vos, senhor barão!... O perdão deste crime nefando tornar-vos-á grandioso diante de Deus!...
- Acho que tendes razão, senhor bispo!... - responde Manuel António, grandemente comovido pelas palavras do amigo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 27, 2024 12:09 pm

E, com os olhos tomados de intensa paixão, o velho Barão da Reboleira não se cansava de olhar para o filho que, revelando apetite jamais observado, assim, tão impetuosamente, naquela casa, até então, continuava a devorar, incansavelmente, as delícias que seu paladar, decididamente, nunca antes houvera provado...
- Uma coisa, entretanto, ainda intriga-me, senhor bispo - diz Manuel António. - Procuramos nosso filho por todos os orfanatos!... Até mesmo nesse que a cúria mantém!... Entretanto, não conseguimos achar Francisquinho por lá...
_ O menino foi logo adoptado, Excelência! - explica Dom Eusébio. -Assim que procurastes por ele, em todos os orfanatos de Lisboa, ele de fato já não se encontrava mais em nenhum deles. Vivia com sua mãe adoptiva, antiga servidora do convento das Carmelitas que, recebendo o menino por doação, sumiu para os lados do porto e com ele viveu até a sua morte. O menino só foi recolhido ao orfanato cinco anos depois...
_ Por essa época, não mais o procuramos pelos orfanatos mais próximos... - diz o barão. - Não acreditávamos que ele se encontrasse assim tão perto de nós... Criamo-lo longe, bem longe daqui...
O almoço prosseguia, e a tarde avançava. Amiúde, João Manuel levantava os olhos e buscava o rosto do pai. E ambos se sorriam, felizes. No íntimo, sabiam que a vida deles tomaria um rumo diferente. Com toda a certeza, a partir dali, nenhum dos dois seria mais o mesmo...
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 27, 2024 8:19 pm

Capítulo 11 - Desencontros
João Miguel pára diante do portão de grades altas e, por alguns instantes, admira a imponência da mansão de Afonso Albuquerque e Meneses. Depois, resoluto, puxa o cordel da campainha. Alguns instantes mais, e o mordomo aparece.
- Barão João Miguel Ramalho e Alcântara - apresenta-se ele ao solícito serviçal. - Desejo ver a senhora dona da casa.
- Fazei a gentileza de entrar, Excelência!... - responde o homem, educadamente, e faz ligeira reverência. E prossegue, enquanto franqueia a passagem ao elegante rapaz: - Avisarei a senhora, em seguida.
Pouco depois e acomodado no amplo salão de visitas, João Miguel aguardava impaciente. Um quarto de hora depois, Manuela aparece e, como sempre, deslumbrantemente vestida. À vista de tão exuberante mulher, João Miguel levanta-se. A jovem senhora, por sua vez, espanta-se com o rapaz. "Deus do céu!...", pensa ela, "Parece-se tanto com Anjinho!... Apenas que este lhe é um pouco mais velho e s veste com esmerados apuro e bom gosto!... Que estranha coincidência será essa?..."
Entretanto, como era altamente dissimulada, nada deixa transparecer dessas suas impressões e se abre em largo sorriso.
-Muito bom-dia!... - diz, aproximando-se do rapaz e lhe estendendo mão. - A que devo a honra?... Acho que ainda não fomos apresentados..
- Por certo que não, senhora Baronesa da Ajudai... - exclama João Miguel, beijando-lhe, delicadamente, a ponta dos dedos. - João Manuel Ramalho e Alcântara, Barão da Reboleira, madama!...
- Oh, senhor barão!... - exclama Manuela, arreganhando amplo sor riso. - Sinto-me deveras honrada por receber-vos em meu humilde lar!.. -
A mulher encantava-se com a beleza do jovem viril e se abria toda em olhares pejados de sensualidade. Após as apresentações, ambos passaram a estudar-se minuciosamente. João Miguel enlevava-se com a exuberante beleza e com o requinte dos gestos de Manuela; Manuela principiava a arder-se de desejos pelo rapagão que, em muito, lembrava o seu impetuoso amante, João Manuel. "Semelhança igual a essa, dificilmente é encontrada entre duas pessoas!...", pensava ela, intrigando-se. "Parentes não devem ser, pois Anjinho é pobre de fazer dó enquanto que este é um refinadíssimo exemplar da alta nobreza!... Que coisa, meu Deus!... Até as vozes assemelham-se tanto!..."
O rapaz, de pé, diante dela, sorria-lhe, cheio de encantos. Ela, por sua vez, também se tomava de alta admiração pelo porte elegante e majestoso do jovem.
-Mas, oh, que indelicadeza a minha, senhor barão!... - exclama ela, de repente, quebrando a magia do momento. - Mas, fazei o favor, sentai-vos!...
O rapaz recolhe, elegantemente, as compridas abas da sua casaca de veludo negro e se senta numa grande poltrona estofada em seda vermelha. Manuela acomoda-se numa chaise longue, diante do rapaz, propositadamente estirando o corpo de formas bem feitas. João Miguel segue-lhe as curvas perfeitas do corpo com olhos tomados de grande prazer. Aquela mulher era deveras deslumbrante!...
- Mas, a que devo tal importante visita?... - pergunta Manuela, como se não soubesse de antemão que aquele rapagão bonito e educado que parecia querer devorá-la inteirinha com um par- de negríssimos olhos cúpidos, não era nada mais nada menos que o noivo da sua entojada priminha!...
- Oh, senhora dona Manuela - diz ele, sem interromper, por um só instante, o minucioso exame que, com experientes olhos, fazia da anatomia dela, escondida no elegantíssimo vestido de seda azul-clarinha, que ainda mais lhe ressaltava as exuberantes formas -, por certo hospedais vossa prima e minha noiva, Teresa Cristina...
- Oh, sim, claro!... - responde Manuela, disfarçando a contrariedade que aquela situação lhe proporcionava. - Minha querida prima encontra-se, de fato, aqui comigo... Por certo, viestes visitá-la, não?
-Assim é, senhora baronesa... - responde o rapaz, fixando-a nos olhos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 27, 2024 8:19 pm

- Oh, penso que não estais com pressa, pois não?... - diz Manuela.
- Vossa noiva não se encontra em casa, no momento. Vede só: saí log0 de manhã, para avistar-me com a minha modista e a deixei aqui. Entretanto, retornei faz pouco tempo, e me disse a minha criada de quarto que Teresinha houvera saído, logo após ter eu deixado a casa, e imaginai que, até o presente momento, ainda não retornou, a marotinha?... Suponho-a por aí, ao léu, a conhecer a cidade...
- Sim - responde João Miguel, abrindo um sorriso amarelinho. E prossegue, mal disfarçando a sua contrariedade: - Possivelmente, aproveita para conhecer a capital...
- Oh, sim, com certeza, entretém-se por aí, a descobrir os pitorescos recantos da nossa adorável Lisboa!... - diz Manuela, sem demonstrar a mínima preocupação. E prossegue directa, como lhe era do feitio:
- Acaso já almoçastes, senhor barão?... Pergunto-vos, porque eu ainda não!... Ou melhor, preparava-me para tomar a minha refeição, quando me avisaram da vossa chegada. Se não me engano, acha-se já pronta a mesa!... Por favor, fazei-me companhia, sim?...
- Está bem, senhora baronesa!... - responde ele, animando-se. E prossegue, abrindo um sorriso carregado de satisfação, pois adorava a companhia de mulheres exuberantes como aquela: - De que adiantaria mentir-vos, se eu, efectivamente, ainda nada comi, além do desjejum matinal?... Pois bem, aceito o vosso gentil convite!...
- Bravo!... - responde Manuela, levantando-se da marquesa. -Gostei de vós, senhor barão!... - continua ela, aceitando o braço que ele, gentilmente, oferecia-lhe.
E, lado a lado, de braços dados, Manuela e João Miguel dirigem-se ao salão de jantar, olhando-se e se rindo; riso fácil, riso de duas pessoas que se descobriam e que, pela perfeita identidade de carácter, vinham encaixar-se perfeitos, milimetricamente ajustados, um na vida do outro...

* * * * * * *
Logo após se ter certificado de que Manuela deixara a casa, Teresa Cristina predispusera-se a sair e, segundo as informações obtidas de Inácia, agora sabia quase tudo sobre aquele rapagão que lhe tirara o sossego do coração. Sabia quem ele era, onde vivia e não lhe seria difícil localizá-lo. Precisava vê-lo de novo, falar com ele, dizer-lhe que se sentia perturbar e lhe era sumamente importante certificar-se se ele também sentia o mesmo por ela. Assim, decidira-se a procurá-lo pelas Havia tomado um coche de aluguel que a transportara até a baixada ¿0 porto. Depois, a pé, caminhava pelas ruelas circum-adjacentes do cais no afã de localizar João Manuel. O rapaz não possuía endereço fixo, e ela sabia que teria de contar com a sorte, pois não lhe seria nada fácil encontrá-lo a perambular pelas ruas.
A tarde já avançava bastante e, depois de muito caminhar e de ter os pés a lhe doerem, barbaramente, pelo esforço de andar sobre aquela enormidade de ruas esburacadas e cheias de imundície, Teresa Cristina detém-se, diante da porta de ascosa taverna da rua do cais. Levanta os olhos e lê os dizeres rabiscados em tinta negra na placa pendente de uma haste de ferro presa ao frontispício da decrépita construção de pedras limosas e irregulares: "Ao Velho Timoneiro". Decide-se por entrar e sente, de imediato, o peso do sórdido ambiente: o cheiro azedo, quase nauseabundo, do vinho e da cerveja, constantemente derramados sobre os tampos de madeira encardidíssima das mesas, do balcão e do piso de pedras enegrecidas pela crosta pastosa da sujidade secular. Alguns desocupados, recostados ao imundo balcão, voltam-se, tautocronamente, para ela. Sente-se inibir, diante daqueles olhares cínicos e debochados. Teve ímpetos de fazer meia-volta e de correr dali; entretanto, divisou o rosto do velho bodegueiro e lhe pareceu ser o único portador de boa índole, no meio de toda aquela imensidão de rostos cúpidos e dissolutos. Animou-se. Respirou fundo, encheu-se de coragem e caminhou firme em direcção do balcão emporcalhado. A corja de beberrões rodeou-a, altamente tomados pela curiosidade.
- Pois não, senhorita! - exclama o velho bodegueiro, abrindo-se todo em gentilezas.
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O Mosteiro de São Jerónimo - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini - Página 4 Empty Re: O Mosteiro de São Jerónimo - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 27, 2024 8:20 pm

- Procuro por uma pessoa... - balbucia ela, cheia de medo e com o estômago a enjoar-se-lhe, enormemente, com aqueles fortes odores a que, decididamente, nunca estivera exposta antes. - Quer dizer... - corrige-se - um homem...
A roda de curiosos entreolha-se, zombeteira. Ah, então a moçoila buscava um homem!...
- Sim, sim, a vosso dispor, senhorita!... - diz o velho bodegueiro, aproximando-se mais do balcão, todo atencioso, como se desejasse Protegê-la daquela súcia que tentava saltar sobre ela como moscas à carniça. - Se tal gajo for da nossa humilde conhecença!...
- Por certo que o conheceis, senhor!... - exclama ela, tomando de coragem inusitada. — E sabido que vive por estas bandas do porto Trata-se do senhor João Manuel e que, ainda, atende pela alcunha Anjinho.
Ao ouvir o nome do procurado, a turba abre-se em algazarra:
- Ai, que é mais uma a cair na rede do malandro!...
- Não te disse?... São carnes tenras do senhor Anjinho!...
- Ai, e não é que é mesmo!...
- Grão-pilantra!... Safadinho como ele só!... Ai e ui... He!... He! He!... He!...
- Calai-vos, ó bandos de indecentes!... - grita, estentóreo, o taberneiro, batendo firme as mãos no balcão imundo. - Aqui dentro não ad mito tais parvoiçadas!... Fechai essas matracas!... Não sois capazes d respeitar uma fina donzela?...
- Ai, que se queima todo pela moçoila, o velhote Branquinho!. exclama um homem, carregando-se no deboche. - Decerto crês que t relegará Anjinho, como prenda por tão veemente advocacia, os rebotalho remanentes de tal carneada, hein, velhote?... Ai, que te não aguenta mais sobre as pernas!... Uma dessas aí derrenga-te todinho, logo entrada!... Ha!... Ha!... Ha!... Ha!...
- Ora, cala-te, Hipólito!... - exclama o velho, altamente irritado com as indecentes insinuações que fazia o marinheiro beberrão. - Cala- te ou arrebento as fuças com um cachação!...
- Ui... Ai!... Que me borro todo de medo de ti!... - exclama, desafiadoramente, o marinheiro encharcado de zurrapa.
- Fedorento!... Desgraçado!... - grita Branquinho, tomando-se de fúria extrema. E, a seguir, altamente irritado, arma-se de potente porrete, que mantinha amoitado sob o balcão, e dá com ele forte pancada na cabeça do marinheiro atrevido, que se encolhe todo, gemendo de dor e levando as mãos à cabeça ferida. O velho bodegueiro, então, prossegue ameaçador: - Calai-vos todos, bando de idiotas, ou vos arrebentarei as porcas fuças, uma a uma!...
A turba, amedrontada pela feroz reacção do velho, põe-se calada, de inopino.
- Por acaso, conheço, sim, esse tal por quem procurais, senhorita!... - diz o velho, agora se dirigindo a Teresa Cristina que, encolhidinha a um canto do balcão, tremia-se toda de medo, diante daquela imensa confusão. O bodegueiro retomara uma doçura que ninguém suporia conviver harmonicamente com tamanha ferocidade que, fazia pouco, tão ternentemente demonstrara ao acalmar os beberrões. - Entretanto, hoje, ainda não o vi por estas bandas. Mas, posso dar-lhe o recado, se assim o desejardes!...
_ Mora ele, mesmo, pelas ruas, senhor? - encoraja-se a mocinha em perguntar.
_ Por certo que sim, senhorita!... - responde o bodegueiro. - Desde que conheço Anjinho, vive ele a zanzar pelas ruas, sem pouso fixo!... -e prossegue, abrindo um sorriso: - É como as aves do céu!...
- Crede, senhor, que possamos achá-lo ainda hoje?... - pergunta ela, entristecendo-se, pois não imaginava o quão difícil ser-lhe-ia encontrar João Manuel.
- Só por Deus, senhorita!... - responde Branquinho, fazendo largo gesto com as mãos. - Anjinho costuma, às vezes, alongar-se por alguns tempos, e ninguém sabe aonde vai!... Sabeis como é, pois não?... O gajo é livre e a ninguém dá satisfações sobre a sua pobre vida!...
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 27, 2024 8:20 pm

Teresa Cristina entristece-se ainda mais com as palavras do bodegueiro. Entretanto, antes de sair, deixa-lhe o seu nome e o endereço. A turba, silenciada pela veemência de Branquinho, seguiu-a em completo silêncio. Apenas trocavam-se etílicos olhares cheios de mofa.
Já na rua e altamente desolada, a mocinha procura por um coche de aluguel e, triste, decide-se por retornar a casa. Estava anoitecendo e não desejava permanecer por ali. O porto era um lugar deveras perigoso. Muito perigoso mesmo...

* * * * * * *
Na mansão do Barão da Reboleira, o almoço de comemoração pelo regresso de João Manuel terminara havia já algumas horas. Refestelados no grande salão de visitas, os quatro conversavam animadamente. Sentado junto ao filho e a ele abraçado, durante o tempo todo, Manuel António não escondia a grande felicidade que lhe ia à alma. Acariciava os cabelos do filho, beijava-lhe as mãos e não se cansava de olhá-lo.
- Tua mãe se foi faz tão pouco!... - diz ele ao rapaz. - E como esperou que este dia chegasse!... A pobrezinha exalou o último suspiro, sem tirar os olhos da porta, a esperar-te!...
- Que tristeza!... - exclama o jovem, com os olhos a inundarem-se de lágrimas. - E a dizer-se que eu andava tão próximo de todos vós!
- Sim - concorda o velho barão -, não podes aquilatar o quanto sentimos a tua perda!... Não imaginas o inferno que para nós foi passarmos esse tempo todo à tua procura e, invariavelmente, nenhuma pista de ti - a mínima que fosse - encontrávamos!... Primeiramente, eu m predispus a revirar o reino todo, palmo a palmo, em teu encalço, e, medida que o tempo passava, maior era o desespero que de mim se apoderava!... Não sabes o quão me era difícil retornar a casa, sem ti, ter de enfrentar o desespero da tua mãe!... E, a cada nova empreitada que eu encetava, ela me incentivava e me enchia de esperanças!... Pobre Rosália, como esperou que voltasses um dia!...
- Pai... - diz, tímido, o rapaz, pela primeira vez chamando-o dessa maneira. - Diz-me como era a minha mãe...
- Oh, meu menino!... - exclama o velho Barão da Reboleira, alta mente emocionado, ao ouvir o filho chamá-lo de forma tão carinhosa Atrai-o, então, amorosamente, a si e prossegue: - Tua mãe era, assim tão parecida contigo!... - e se abre num sorriso cheio de saudade. - El era cândida e doce como tu!... - e, depois, em tom de confidência prossegue, olhando-o nos olhos: - Logo que te vi, quando aqui chegaste pareceu-me revê-la em tuas feições, tanto se parecia contigo!...
- Verdade, pai?... - diz ele, altamente comovido. Dom Eusébio e Gerusa permaneciam calados e bastante comovidos pelo enlevo a que se entregavam pai e filho, no estender daquele reencontro tão esperado. O bispo, depois de algum tempo, levanta-se convida Gerusa:
- Vamos, mocinha, que temos nós dois boa puxada de regresso Lisboa, pois não?... E olha que lá vem a noite rapidinha!...
- Ah, já vos ides, Dom Eusébio!... - apressa-se em dizer o barão percebendo que, no envolvimento a que se entregara com o filho, quase nenhuma atenção dera aos outros dois. - Oh, desculpai-nos, Excelência - diz ele, levantando-se e, tomando as mãos do outro, tentava fazê-lo voltar a sentar-se -, não vades ainda!... Por favor, pernoitai connosco!..
- Não, senhor Barão da Reboleira - diz o prelado, decidido. - Não trouxemos bagagem, e nossa intenção era mesmo esta: trazer de volta o vosso rebento!... - e faz pilhéria: - Crescidinho e homem feito, pois não?... Espiai-lhe as fuças!... Já vistes, acaso, bigodões portugueses maiores que estes que o gajo ostenta?... Ha!... Ha!... Ha!... Ha!...
- Por certo que não, Excelência!... - responde o velho barão, abrindo-se, também, em gostosa gargalhada. - Por certo que não!...
João Manuel levanta-se e faz menção de despedir-se do pai.
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__ Vais deixar-me?!... - espanta-se o velho barão. - Doravante esta é atua casa, meu filho!...
- Oh, não, Anjinho!... - adianta-se Dom Eusébio. - Acho que, decididamente, deverias trocar as ruas pela companhia do teu pai!...
_ Se assim desejais... - exclama o rapaz, olhando Gerusa com o rabo dos olhos.
A jovem prostituta sente uma ponta de contrariedade, contudo nada demonstra. Levanta-se e se aproxima dele para despedir-se. E, ousadamente, enlaça-lhe o pescoço com os braços e tenta beijá-lo à boca. O rapaz, entretanto, desvia o rosto e a beija, delicadamente, à face altamente empoada.
- Gerusa!... - murmura-lhe ele ao ouvido. - Contenha-te, por favor!
- Se não me procurares, podes ficar certo de que voltarei!... - cochicha-lhe ela, rente à orelha. - Temos um trato, lembras-te?...
O rapaz limita-se a olhá-la com o rabo dos olhos. Por que diabos ela começava a impor-se assim?... De repente, teve ímpetos de afastá-la de si. Não gostava nada de que o ameaçassem!... Nem mesmo ela, Gerusa, sua velha companheira de desditas...
Pouco depois, a sós, pai e filho continuavam a conversa. Tantas coisas tinham a se falar, tantas eram as lacunas abertas entre eles e que, doravante, precisavam encher-se!... Manuel António teve de retomar o leito, pois se sentia bastante enfraquecido, depois de todas aquelas fortes emoções. O rapaz sentara-se numa cadeira ao lado da cama do pai e lhe fazia companhia.
- Uma coisa intriga-me, meu filho - diz o Barão da Reboleira, tomando as mãos do moço entre as suas. - Que relação manténs com essa rapariga que trouxeste a tiracolo contigo?... Não me pareceu lá coisa de se cheirar!... Veste-se tão despudoradamente!... Não me digas que se trata dalguma rameirinha que tiraste das ruas, Pois não?
João Manuel estranha os dizeres do pai. É certo que o rapaz desconhecia, totalmente, as doses de alto preconceito que predominavam nas rodas aristocráticas.
- Gerusa é o seu nome, papai - diz ele, pela primeira vez, corrigir o progenitor que, já no primeiro dia do reencontro, pensava sobrepor-se filho. E que Manoel António não percebera ainda que aquele jovem diante dele não era mais, nem de longe, o bebezinho mamão que lhe houveram surripiado quase dezoito anos antes; apresentava-se, outrossim um homem feito e que pouca ou quase nenhuma ascendência ele Manuel António, teria sobre o carácter ou sobre a personalidade d rapaz, que se apresentavam, já, plenamente formados. - E essa rapariga - prossegue o jovem -, como dizes, é, sim, uma rameirinha de pouco tostões, lá do cais do porto!... Entretanto, é minha amiga e, muitas veze matou-me a fome e me abrigou da inclemência do inverno, aceitando me em seu sórdido leito, para que eu não me enregelasse pelas ruas cobertas de geada!... Trata-se, sim, de uma vagabundazinha de quinta mas me ocultou inúmeras vezes, franqueando-me o seu quartinho miserável que aluga num daqueles sobradinhos decrépitos que bem sei conheceres, lá na orla do cais, e me livrando, assim, da fúria da milícia que como deves saber, descarrega toda a sua raiva no lombo dos miserável' das ruas, deixando-os, depois, à própria sorte, completamente arrebentados!... Não passa, realmente, de mulherzinha baixa - mas baixa mesmo!... -, entretanto foi através dela que a ti cheguei, meu pai!...
- Ai e é?!.. - espanta-se o velho Barão da Reboleira. - E, como se deu tal facto?...
- Gerusa, juntamente com Madalena, uma outra amiga das ruas foram as pessoas que, na realidade, decidiram por deslindar-me o passado - explica ele ao pai. - Conheciam-me ambas a marca que carre ao ombro e resolveram investigar. Ligaram-se fatos a pessoas e acabaram por achar uma pista que as levou a Dom Eusébio, nosso amigo comum que, após me estudar, minuciosamente, a estranha marca, deduziu terem as duas raparigas muita razão acerca da minha origem, assim, cá viemos bater à tua porta!...
- Bendito hábito esse que temos, então, de marcar os nossos herdeiros!... - exclama, feliz, o velho. E prossegue, altamente interessado na história que lhe narrava o filho: - E onde se encontra a outra rapariga?... Não disseste serem duas?...
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 27, 2024 8:20 pm

- Madalena está morta - responde o rapaz, sem encarar o pai. Encontraram-na assassinada na rua!
- Ai, Jesus!... - exclama Manuel António. - E como se deu isso?
_ Nada sabemos sobre a morte de Madalena, papai - mente ele. Na realidade, desde o começo, optara por nada revelar ao pai sobre fortíssima suspeita que recaía sobre o irmão, em relação àquele caso. Aliás, estranhíssimo caso, em que a morta vinha aparecendo, insistentemente, à velha companheira de infortúnios e, acaso, não fora ela, a assassinada, quem, na realidade, fornecera todas as pistas acerca do passado dele?--- Entretanto, se dissesse a verdade nua e crua àquele homem, que se encontrava velho e decrépito, já mesmo no fim da sua terrível existência, sendo carcomido por doença incurável, acrescentar-lhe mais esse golpe terrível não seria apressar-lhe, ainda mais, o fim?...
- E não apresentastes queixa ao Ministro da Justiça?!... - espanta-se o velho Barão das Alfarrobeiras. - Assim favoreceis que o vil assassino permaneça solto e impune a vagar por aí, certamente, a intentar outro nefando crime como esse que me relataste!... Não, Francisquinho, ainda sou membro do Conselho de Estado e farei a denúncia à Justiça!...
- Ora, papai!... - responde-lhe João Manuel, abrindo exagerado sorriso de desdém aos lábios. - Começo a perceber que vós, os aristocratas, viveis em outro mundo!... Digo-te que foi a própria milícia que recolheu o corpo da pobre Madalena!.... E que fizeram eles?... Nada!... Apenas que o comissário Pena fez algumas perguntas aos poucos curiosos que rodeavam o cadáver da moça e nada mais!... Nada mais, entendes, papai?... Acaso sabes como vivem os pobres, os mendigos da ma, os órfãos, os velhos abandonados que vagam como caricaturescas sombras por ai?... E as prostitutas e os bêbados?... Oh, papai!... Decididamente, creio que desconheceis o que seja isso tudo!... Vós, os aristocratas, passais bem ligeiros pelas vias públicas, na segurança das vossas luxuosas carruagens, e sequer nos enxergais!... E ai de nós, os que se acham do outro lado, se não vos desimpedimos as ruas bem depressa!... Quantos não foram já tolhidos pelas patas dos vossos possantes cavalos e vil e barbaramente atropelados?... E o que fazeis, quando isso acontece?... Nada!... Nada sentis ou percebeis, além de desagradável sacolejo que vos tira, temporariamente, o conforto, quando as rodas dos carros Passam por cima do cadáver do atropelado!... E a maioria de vós não se digna sequer a virar o rosto para espiar através da janelinha traseira o que ou quem é que ficou estirado lá atrás!... Bicho ou gente?... E a milícia?... E o Ministro da Justiça?... Tudo é registrado como acidente, Excelência, nada mais!... Acidente de percurso, não é assim?... Aos Poderosos tudo se perdoa; aos pobres, tudo se lhes é imputado!...
Manuel António olha para o filho, boquiaberto. Que idade mesmo teria aquele seu mocinho?... Dezassete... Talvez dezoito anos, no máximo!... E já falava daquela maneira?... Que diferença do outro, que custava tanto a amadurecer!...
- Por que acusas tanto assim a aristocracia, meu menino?... - pergunta ele ao filho. - Acaso não és também um de nós?... Nasceste nobre, meu filho!... Tens o sangue azul!... Deves orgulhar-te disso, honrar a tua estirpe!...
- Não sei, se um dia eu o serei, papai!... - responde o rapaz, altamente entristecido. - Não me criei no meio deste luxo todo!... - diz ele, olhando em redor. - Nada tive!... Nem mesmo o mínimo!... Recebi, sim, desprezo e maus tratos!... E, excepção feita à velha Ofélia - a quem Deus levou, infelizmente, muito cedo! - ninguém mais, até então, estreitou-me aos braços e me afagou os cabelos e me beijou as faces, com desvelada ternura, e me chamou de filho!... Ninguém mais, papai!... Fui órfão, até hoje, na maior parte da minha vida!... Pouca coisa recebi das mãos que me recolheram ao orfanato!... Mas, não os condeno, não!... Não tivesse sido pela caridade deles, estaria morto!... E, mortos, de antemão, estariam todos os enjeitados deste mundo perverso!... Eram muitas as bocas para o pouquíssimo pão que tinham a dar-nos!... Digo-te, papai, que os órfãos são as criaturas mais teimosas que existem!... Não fora a teimosia em viver e o extremo gosto que também eles têm pela vida, estariam todos mortos!... Oh, se as pessoas soubessem quão desoladora e terrível é a orfandade!...
O rapaz cala-se, em seguida, tomado de forte emoção. O pai, com os olhos mareados e, também, altamente emocionado, toma-lhe as mãos e as beijas repetidas vezes.
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-Também tu sofreste o teu lado, nesta terrível tragédia, meu filho!... Sofríamos a nossa dor e pouco conseguíamos imaginar o quão grande também estava sendo a tua!... Posso entender, sim, embora pense que não me creias - por eu ser um aristocrata! -, mas posso aquilatar, sim, o quanto foi pesada a tua desdita, o quanto te perguntaste, por certo, sobre a tua origem e quem eram os teus pais, não é mesmo?... Entretanto, digo-te, meu querido, que dor é sempre dor, habite ela o coração de um ricaço ou de um mendigo qualquer!...
Pai e filho abraçam-se, cheios de dor. João Manuel sabia que não lhe ia ser fácil trocar de identidade, assim, tão de repente. Terrível angústia principiava a apoderar-se de seu coração. Nunca fizera parte de unia família constituída, antes!... Jamais tivera de dar satisfação das coisas que fazia ou que deixava de fazer a ninguém. Era livre!... Agora, entretanto... Manuel António, por sua vez, pressentia quase o mesmo. Sabia que o filho passava por momentos difíceis. Precisava ajudá-lo a adaptar-se à sua nova situação. Vivera bastante e conhecia o suficiente da alma humana; sabia que o filho acostumar-se-ia à nova vida. Era da natureza humana. Quem é que não gostava do luxo, da boa vida e das coisas extraordinárias que a riqueza pode proporcionar?... O velho Barão da Reboleira sabia que, neste mundo, o dinheiro abria todas as portas. Todas mesmo... Pensa ligeiro e começa o processo de domesticar o filho que se criara, assim, tão rebelde, cheio de ideias esdrúxulas, longe das vistas dele. Era preciso, urgentemente, consertar aquilo.
- Meu filho...
- -Sim, papai...
- Posso dizer algo, sem te ofender?...
- Por certo que sim!...
- Não trouxeste bagagem?... Não tens outras roupas?... O rapaz olha para o pai, com olhos tristes.
-Nada tenho mais, papai, além disto, que em mim vês...
- Deus do céu!... - exclama o Barão da Reboleira. - É preciso, então, que se chame, sem mais delongas, o senhor Alfredo Barbosa, nosso alfaiate, e que se encomende a ele uma dúzia de novos fatos para ti... Não podes, de maneira alguma, apresentar-te, por aí, como meu filho amado, em tão amesquinhados trajos!... Toca, ainda, a tomares um bom banho, que te sinto a feder!... Procura pela senhora dona Amélia, nossa governanta, que te promoverá tudo!... Por ora, diz-lhe a arranjar-te um traje do teu irmão, que pouca coisa deverá ele ter diferente de ti no tamanho!... Anda, vamos, e deixemos de tristezas e de bestices!... Já chega!... Muito sofremos eu e tu, para ficarmos aqui de choradeiras!... depressa, avia-te, homem!...
João Manuel olha-o com olhos espantados. O pai fitava-o com os olhos brilhantes. Não conhecia nada daquele homem!... Disseram-se todas aquelas coisas tristes; entretanto, agora, aparentemente, nada mais a ele importava da tragédia que fora a vida de ambos até então...
- Apaguemos tudo, bem depressa, Francisquinho - diz ele, olhando para o filho, com os olhos cheios de ternura. Parecia ter adivinhado tudo que o filho estivera pensando. - Apaguemos tudo depressa, antes n a tristeza volte...
Tomando-se de intenso afecto por aquele homem, João Manuel abraça-o forte e lhe beija as faces emurchecidas pelos duros embates que a vida tinha-lhe aplicado até então.
- Sim, papai, é preciso que se esqueça tudo... Lá fora, a noite chegava mansa, tudo tingindo de negro. João Manuel suspira fundo. Agora tinha um pai, um lar...
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 27, 2024 8:21 pm

Capítulo 12 - Nova Vida
Era quase noite quando Teresa Cristina retorna a casa. Sequer poderia imaginar que, justamente naquele dia, seu namorado viria de Sintra, especialmente para vê-la. E, não foi sem grande surpresa que, ao adentrar o amplo vestíbulo, percebeu que a prima recebia alguém no salão de visitas e que conversavam animadamente. Pé ante pé, aproximou-se do umbral da porta que limitava os dois ambientes e, grandemente estarrecida, logo percebeu que a pessoa a quem Manuela tão animadamente fazia companhia era, nada mais nada menos, que João Miguel! Deus do céu!... E agora?... O coração principia a bater-lhe acelerado, e suas carnes tremem. Certamente viria o interrogatório!... Precisava pensar depressa, antes de apresentar-se a ambos. Ainda tremendo, procura conter-se ao máximo e respira fundo por várias vezes. Precisava raciocinar rápido, encontrar uma desculpa viável, senão!... Conhecia muito bem os humores do namorado...
Depois de alguns instantes, decide-se por aparecer. Não poderia demorar-se muito, pois, certamente ambos, Manuela e João Miguel, deveriam ter ouvido o ruído da porta do vestíbulo abrindo-se.
- Queridinha!... - exclama Manuela, vendo-a que adentrava o salão de visitas. E, propositadamente, denuncia-a, diante do namorado: - Por onde andaste o dia inteiro?... Desapareceste desde a manhã!... Preocupava-me por ti!...
- Oh, andei por aí, a ver a cidade!... - exclama a mocinha, tentando aparentar a maior naturalidade do mundo. - Vi tanta coisa interessante que nem percebi que o tempo passava!...
- Como estás, meu bem?... - pergunta o rapaz, levantando-se e, cortesmente, beija-a à face afogueada.
- Vem, senta-te connosco!... - convida Manuela. E prossegue altamente motivada: - Achei o teu noivo adorável!... Tem uma conversa deveras cativante!... Parabéns, queridinha, pela escolha que fizeste!
João Miguel olha-a com olhos altamente perscrutáveis. Teresa Cri tina estava uma beleza!... Ela havia amadurecido bastante, trazia o corpo mais cheio, mais desenvolvido. Até os gestos trazia-os menos provincianos mais refinados, por certo ganhava novos modos, com a convivência lado da sofisticadíssima prima.
- Chegaste há muito?... - pergunta Teresa Cristina ao namorado. Não imaginava que viesses logo hoje!... Esperei-te tanto e nunca que vinhas...
- Estive muito atarefado com os negócios, querida - explica ele. Além do mais, papai piorou, e tive de ficar um pouco mais próximo dei
- Oh, agravou-se mais ainda o estado do teu pai, então?... - pergunta ela, condoendo-se da situação do namorado.
Teresa Cristina esforçava-se para aparentar o mais autêntica possível, entretanto a presença de João Miguel, agora, desagradava-a sobremaneira. Como era estranha aquela sensação!... Antes, sentia-se bem ao lado dele, achava-o belo e atraente; agora, porém, considerava-o irritante e tinha de esforçar-se ao máximo para suportar-lhe os carinhos que ele lhe fazia ao rosto e aos cabelos. De repente, o simples toque das mãos do rapaz fazia-a estremecer. Deus do céu!... E se se deixasse trair?... Não conseguiria fingir por muito tempo. Olha para o rosto do namorado. Ele emagrecera, encontrava-se um pouco pálido e olheiras principiavam a formarem-se-lhe em derredor dos olhos. Pobre João Miguel!... A vida não lhe vinha sendo fácil ultimamente. Sentiu pena dele. Pena, somente, nada mais!... É estranho como o coração costuma pregar-nos peças!... Inesperadamente, esse órgão traidor expulsa de si uma paixão nele instalada, a qual críamos firme, sólida, inderrogável; entretanto, sem nos avisar, sub-repticiamente, instala outra no lugar e nos faz passar por idiotas!... Ah, a paixão!... Teresa Cristina sentia-se confusa. Se o rapaz causava-lhe mal-estar, certamente, deixara de amá-lo!... Agora tinha a absoluta certeza disso!... Entretanto, como dizer-lhe sem magoá-lo?... Como ele reagiria?... De repente sentiu medo. E se o namorado não a entendesse?... Eleja não dera mostras, mais que suficientes, do quão violento poderia ser e não apresentara, antes, comportamento estranho, diante das mínimas contrariedades?... Que não dizer, então, se ele apenas imaginasse que ela não mais o quereria?... - Manuela desculpara-se, havia pouco, e deixara os dois a sós, alegando afazeres urgentes. Antes, houvera convidado o rapaz para cearem, juntos os três. Aceito o convite, os jovens namorados permaneceram no salão sentados juntinhos e abraçados, em grande estofado de veludo vermelho.
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- Sinto-te um tanto esquisita, meu bem!... - sussurra João Miguel ouvido da namoradinha. - Estás, simplesmente, cansada pelo passeio ou me escondes algo?...
- Oh, apenas cansei-me, nada mais que isso!... - apressa-se ela em responder, tentando fixar-lhe o olhar. - Que ideia meteste à cabeça?...
- Não sei... - responde ele, olhando-a, fundo, nos olhos. - Quando entraste por aquela porta, notei que estavas um tanto afogueada e, ao abraçar-te, percebi que tremias ligeiramente. Foi a emoção do reencontro ou tentas ocultar-me algo?...
- Que poderia eu esconder de ti, meu bem?... - diz ela, procurando dissimular ao máximo que não se achava à vontade, sozinha, com ele. -Creio que andas a ver coisas onde elas não existem...
Deus do céu!... Como era penosa aquela situação!... Teresa Cristina tinha era vontade de dizer-lhe, claramente, que não gostava mais dele, que a sua presença ali a incomodava sobremaneira, mas não tinha coragem. Fora pega tão de surpresa que não tivera tempo de preparar-se para aquele reencontro.
- Posso estar enganado - prossegue ele -, mas te sinto diferente!... Estás meio longe...
- Bobagem tua... - diz ela, esforçando-se para tranquilizá-lo. Precisava ganhar tempo. E prossegue, mentindo: - Que teria eu para esconder de ti?... Vê bem - e se ainda não te disse Manuela - hoje foi a primeira vez que saí sozinha pela cidade!... Coincidentemente, apareceste aqui e não me encontraste. Certamente, foi isso que te deixou inseguro a respeito dos meus sentimentos por ti!...
Mais tarde, jantavam os três, e João Miguel estudava os gestos da namorada. "Estás mudada, menininha!...", pensava o rapaz, enquanto levava, pausada e elegantemente, as colheradas do perfumado souper à boca. "Tu podes mentir à vontade, mas que estás diferente, estás!..."
- Mais caldo, senhor barão?... - pergunta Manuela, antes de determinar à copeira que retirasse a entrada.
- Não, senhora dona Manuela - responde ele, gentil -, apesar de estupendo o vosso souper, acho-me satisfeito.
- Passemos ao peixe, então!... - diz Manuela, olhando, significativamente, para a criada. Depois, volta-se para o rapaz e pergunta directa-- E, quando vos casareis?...
Os jovens entreolham-se, pegos de surpresa pela pergunta da intrigante Manuela.
- Oh, é cedo demais para pensarmos em tal coisa, prima!... apressa-se em responder Teresa Cristina.
- Não penso ser tão cedo assim, não, queridinha! - responde o rapaz, apenas com o intuito de contradizê-la. - Tu já completaste quinze anos e eu, vinte e dois!... Não crês sermos velhos o suficiente para o casamento?
- Pensei que te encontrasses cheio de problemas em tua casa e altamente envolvido com os negócios da tua família que, conforme já me disseste, acham-se, doravante, sob a tua total responsabilidade, com a doença do teu pai!... - responde a mocinha, encarando-o, firme.
- Pois pensaste mal, queridinha! - responde o rapaz, devolvendo-lhe um sorriso cheio de ironia. - Não serão, entretanto, tais coisas a impedirem que me case contigo!...
Manuela ri-se. Aquele homem não era de brinquedo, não. A idiota da prima que se casasse com um tipo como aquele e veria o quanto seria infeliz!... E, quando ele descobrisse que espécie de mulher a priminha revelava-se então?... Certamente, arrebentá-la-ia de pancadas!... Entretanto, era um rapagão de fazer virarem os olhos de qualquer mulher, e ela, Manuela, não poderia deixá-lo passar, assim, incólume, por sua vida, não!... Havia de prová-lo, antes!... Depois, ele e a sonsa da prima que se enroscassem!... Mas, primeiro, era preciso saborear daquela gostosura!... E passa a desferir os ataques iniciais da conquista.
- Achais-vos hospedado em Lisboa, senhor barão, ou pretendes regressar, ainda hoje, a Sintra?
- Oh, não senhora baronesa - responde ele. - Pretendia que esta tivesse sido a visita de um só dia e que pudesse ter retornado a casa ainda de tardezinha; entretanto, saiu-se tudo às avessas!... Não encontrei Tininha em casa, pus-me a esperá-la, e o tempo voou!... Agora, resta-me o regresso, tardiamente, e a enfrentar os perigos da noite, por aí!...
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O Mosteiro de São Jerónimo - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini - Página 4 Empty Re: O Mosteiro de São Jerónimo - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 27, 2024 8:21 pm

- E, por que então, não pernoitais connosco?... - convida Manuela. -Assim, livrar-vos-eis dos eventuais riscos do trajecto!
_ Oh, não senhora baronesa!... - responde ele, abrindo um sorriso. De repente, pareceu-lhe haver algo habilmente camuflado naquele convite de Manuela. Então, prossegue, devolvendo-lhe um significativo olhar: _ Além do mais, não trouxe bagagem comigo!...
_ Fica, querido!... - insiste Teresa Cristina. - Sentir-me-ei mais tranquila, sabendo-te a salvo aqui connosco!...
- Por certo que não ficarei, Teresinha!... - responde ele, firme. -Além do mais, o senhor Barão da Ajuda não se encontra em casa!... Esqueceste disso?
- Primo Afonso?... - ri-se Teresa Cristina. - Quando tu o conheceres de verdade, verás o quão liberal é ele!...
- Minha prima tem razão, senhor barão - diz Manuela. - Afonso não se encontra em casa, mas, de modo algum, implicaria com o fato de pernoitares na mansão!... Meu marido não se prende tão rigidamente aos preconceitos sociais... Tanto que me deixou abandonada, faz, já, mais de quarenta dias!...
- Oh, mas como pode um homem abandonar tão fina flor, assim, ao descaso?... - diz ele, enquanto que, disfarçadamente, lançava olhares carregados de lascívia para aquela insinuante mulher.
- Pois assim faz o senhor meu marido!... - diz ela, fingindo consternação. Por dentro, entretanto, exultava sobremodo, pois percebera que o rapaz entendera o recado que ela lhe enviava. "Belíssimo e adorável velhaco!...", pensa ela, divertindo-se ao máximo com o jogo de sedução que encetava com o rapagão. E prossegue, sem deixar transparecer o mínimo traço das ideias fesceninas que lhe perpassavam a cabeça: - Afonso troca-me pelas inesgotáveis partidas de peixe salgado que vai comprar aos noruegueses e pelas especiarias que faz virem do Oriente...
- Por certo está a ganhar muito dinheiro!... - exclama o rapaz, tentando conduzir a conversa para outro rumo. Precisava saber mais sobre Manuela.
- Dinheiro!... Dinheiro!... - retruca a mulher com desprezo. - E nisso tão-somente a que se resume o pensamento do senhor meu marido!... - e, encarando o rapaz, pergunta: - E, vós, barão?... Também vós viveis apenas ao encalço do dinheiro ou preferis dividir o vosso tempo com coisas mais interessantes?...
- Por certo, madama - responde ele, entendendo aonde é que Ma nuela desejava chegar -, não me descuido dos prazeres da vida, não' Sei muito bem qual é o real valor que se deve dar ao dinheiro!...
Teresa Cristina seguia aquele colóquio de ambos, sem qualquer malícia. Não percebia que as palavras e os olhares escondiam desmedida segunda intenção. A mocinha mal entrava na adolescência, trazia ainda muito da inocência da infância e nada percebia daquele jogo de sedução entre os dois velhacos. Encontrava-se, na realidade, grandemente cansada pelo tremendo esforço que dispensara na infrutífera busca a João Manuel e não via a hora de recolher-se aos seus aposentos. O que desejava, mesmo, naquele instante, era arrojar-se sobre o leito e se entregar às delícias do sono. Era, ainda, bastante jovem e inexperiente naquele tipo de coisas. Não tivera tempo suficiente para aprender quanto as pessoas podem ser volúveis e traiçoeiras...
- Acho que vou recolher-me, João Miguel... - diz ela, olhando para o namorado com os olhos pesados de sono.
- Oh, vai, queridinha!... - atalha Manuela, com o propósito d livrar-se da priminha. - Vai que deves estar moídinha de tanto que caminhaste por este mundo, não é mesmo?...
O rapaz beija a namorada, delicadamente, à testa, despedindo-se dela. Manuela segue a prima com os olhos cheios de desdém, enquanto a mocinha caminhava um tanto trôpega em direcção à escadaria de mármore branco. "Vai, idiota!...", pensa. "Vai dormir, enquanto me ocuparei do teu noivo..." e se ri, gostosamente, no íntimo, antegozando as delícias que ainda estariam por advir-lhe, por certo, naquela noite mesma...
- Uma partida de cartas, senhor barão?... - convida ela. - Cultivo hábito de dormir bem tarde... Acho que fazeis o mesmo, presumo...
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 28, 2024 10:17 am

- Como adivinhastes, senhora baronesa?... - diz ele, rindo-se, satisfeito, enquanto caminhavam, lado a lado, por longo corredor, em direcção do salão de jogos. Era uma delícia estar a sós, com uma mulher exuberante como aquela! - Acertastes dois de meus hábitos favoritos: as cartas, para distrair-me, e nunca busco o leito antes das três...
- E quando te encontras acompanhado?... - diz ela, mudando, propositadamente, o tratamento, para forçar ainda mais a intimidade entre ambos. - Também consegues dormir às três?...
- Por certo que não, senhora baronesa...
- Manuela... - atalha ela, corrigindo-o. - A sós, para ti, doravante, serei sempre Manuela... Mas, continua... Interrompi-te...
Certamente que não, senhora bar..., digo, Manuela!... – prossegue ele rindo-se do modo directo como ela conduzia as coisas. Animava-se ainda mais, ao perceber que aquela mulher deslumbrante insinuava-se, descaradamente, a ele. - Acompanhado, costumo virar a noite, totalmente insone...
_ Percebo que temos muitas coisas em comum, João Miguel... -diz ela, estacando diante da porta do salão de jogos. - Espero que não me decepciones...
- Podes estar certa de que não te desapontarei, Manuela... - diz ele, sorrindo-lhe, cheio de malícia.
O grandioso salão de jogos achava-se mergulhado em discreta penumbra.
- Que vai ser?... - pergunta ela, apanhando o maço de cartas, depois de sentados, um diante do outro, junto à mesa de carteado.
- Comecemos com uma de vinte-e-um!... - sugere ele, sem tirar os olhos dos negríssimos olhos dela.
- Perfeito!... - exclama ela e principia a embaralhar, magistralmente, as cartas.
- Tens muita habilidade com as mãos, Manuela!... - diz ele, sem deixar de encará-la um só instante.
- Nada viste ainda, João Miguel!... - diz ela, devolvendo-lhe os olhares lúbricos. - Deixa para dares o teu veredicto no final!... Ainda nada te demonstrei das minhas habilidades, meu caro!...
João Miguel acorda-se e aperta os olhos. Percebe que já amanhecera pela claridade a coar-se pelos interstícios da janela. Leve penumbra dominava o luxuoso quarto de dormir. Preme os olhos, fortemente, várias vezes, para acomodá-los à fraca luminescência e olha em derredor. Aquele quarto não era o seu; percebe que estava nu, e que suas roupas encontravam-se espalhadas pelo chão. Paulatinamente, as lembranças da noite anterior vêm-lhe à memória. Manuela... Ri-se, esticando o corpo na cama, para retesar os músculos ainda doloridos. Que mulher, Deus do céu!... Um furacão!... Ri-se e meneia a cabeça, divertido, enquanto vai rememorando, passo a passo, os acontecimentos da noite anterior. O jantar a três, o jogo de cartas a dois e o final da noite ali, naquele quarto, os dois, Manuela e ele, entregando-se àquele furor desenfreado...
Cheio de preguiça, levanta-se e passa a recolher as roupas espalhadas pelo chão. Senta-se, a seguir, numa poltrona e, uma vez mais, repassa todos os insólitos acontecimentos da véspera. Ri-se e sacode a cabeça. Que doidice!...
Pouco depois, descia as escadas, e se dirigia ao salão de refeições.
- Oh, muito bom-dia, senhor barão!... - exclama Manuela que o precedera e que, naquele exacto momento, principiava seu desjejum. -Como foi, dormistes bem?...
-Oh, muitíssimo bem, senhora baronesa!...-responde ele, olhando-a nos olhos e sorrindo, cheio de malícia. Depois, percebendo a criada que espichava as orelhas de lebre, enche-se de cautela e pergunta: - Onde se acha Teresa Cristina!}... Já se levantou?
- Inácia!... - inquire Manuela, voltando-se para a espertíssima criada. - Acaso tens notícia da minha prima?
- Dona Teresinha levantou-se bem cedinho, já comeu e ora passeia pelo jardim, senhora baronesa - apressa-se em responder a serviçal.
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O Mosteiro de São Jerónimo - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini - Página 4 Empty Re: O Mosteiro de São Jerónimo - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 28, 2024 10:18 am

- Já tens o relatório acerca da vossa amada, senhor Barão da Reboleira!... - exclama Manuela, rindo-se e com a voz carregada de ironia. - Como podeis observar, ela não fugiu!... Sossegai e tomai o vosso desjejum!...
O rapaz acomoda-se ao lado de Manuela. Trocam-se ligeiros e significativos olhares, enquanto a criada serve-os.
- Pretendeis retornar logo agora para Sintra, senhor barão?... - pergunta a mulher.
- Sim, senhora dona Manuela - responde João Miguel. - Afazeres urgentes aguardam-me por lá. Além do mais, acho que sabeis encontrar-se meu pai grandemente enfermo e não posso deixá-lo apenas à mercê da criadagem. Não preciso nem vos dizer o quanto essa gente não é confiável!... Quando se pilham sem os olhos dos patrões sobre eles, tocam a vingar-se de nós por trás!...
Inácia lança ao jovem Barão da Reboleira um rapidíssimo e disfarçado olhar de desdém.
- Sei que assim é... - concorda Manuela, olhando-o, fundo, nos olhos. - Entretanto, contava ter-vos, ainda, para o almoço...
- Impossível, senhora baronesa - diz ele. - Agradeço-vos de coração, mas, agora, se me dais licença, preciso avistar-me com a minha noiva.
Manuela segue-o com os olhos brilhantes, enquanto ele deixava o salão, caminhando em direcção do grande vestíbulo. "Que homem estupendo! pensa ela. Depois, emite longo suspiro e se põe a fitar o vazio, meio alheia. Reminiscências agradabilíssimas da noite transcursada invadem-lhe, então, completamente, o pensamento. "Ai, Jesus, que delícia de noite!...", rememora ela, passo a passo, o tempo em que estivera nos braços do rapaz. Rindo-se, intimamente, de plena satisfação, prossegue recordando os momentos de grande felicidade, vividos com o noivo da priminha sonsa: "E como se parece com Anjinho, meu Deus!... Até diria que são parentes, se não conhecesse a ambos muito bem!... E que furor possuem os dois!..." Manuela ria-se sozinha, fixando o nada. A espertíssima criada olhava-a de soslaio, observando, atentamente, o estranho comportamento da outra. Hum!... Conhecia muito bem aquele jeito de agir da patroa. Quanto ela se portava daquele modo, havia homem novo na lida!... Era certo que a ama estava envolvida com aquele rapaz... Acaso não bisbilhotara os dois, a sós, na noite anterior, após o jantar, no salão de jogos?... E, depois do jogo, sorrateiramente, não os vira caminhar para um dos aposentos destinados às visitas, bem abraçadinhos e meio trôpegos pelo vinho que haviam bebido, enquanto jogavam cartas?... "Ah, senhora dona Manuela!...", pensa Inácia, enquanto estudava as atitudes da patroa, "Quem não vos conhece que vos compre!... "
Lá fora, João Miguel avista Teresa Cristina que caminhava entre as aleias do jardim fronteiriço à mansão. Ligeiro, encaminha-se para lá e, percebendo que a mocinha achava-se grandemente absorta em seus pensamentos e que não notara a aproximação dele, então, pé ante pé, aproxima-se sorrateiro e lhe tampa os olhos com as mãos. A jovem, tomando-se de surpresa, estremece ao toque das mãos do rapaz.
- Oh, assustaste-me!... - exclama ela, ralhando com ele.
- Quis fazer-te uma surpresa!... - diz o rapaz, tomando-a pelas mãos. ~ Oh, as tuas mãos estão geladas, Tininha!... Assustei-te tanto assim?
- E claro que me assustaste!... - responde ela. - Acaso não te assustarias também, se isso eu fizesse contigo?
- Oh, sim, por certo, meu amor! - diz ele, beijando-a à face. – Vim despedir-me de ti!...
- Já te vais?... - pergunta ela. - Não desejarias ficar para o almoço?...
- Não, coisas urgentes aguardam-me em Sintra. - diz ele, olhando-a nos olhos. Percebia que a mocinha não se empolgava mais com a presença dele. E prossegue, segurando-a forte pelo punho: - Entretanto, sinto-te diferente, Tininha\... Diz-me, com toda a sinceridade: gostaste, realmente, de rever-me?...
- Oh, que pergunta, João Miguel!... Naturalmente que adorei ver-te de novo!... - responde ela, tentando segurar-lhe o olhar. Entretanto, por dentro, morria de medo. Estaria traindo-se tanto assim?... Não poderia deixar transparecer, por enquanto, que deixara de gostar dele. Tinha de ganhar tempo para armar-se. Esforçando-se ao máximo, para não se trair, pergunta: - Por que pensas dessa maneira?... Acaso te destratei?...
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O Mosteiro de São Jerónimo - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini - Página 4 Empty Re: O Mosteiro de São Jerónimo - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 28, 2024 10:18 am

- Não, não me destrataste - responde ele, olhando-a sempre nos olhos. Desejava certificar-se de que ela estava mentindo. - Porém, repito: sinto-te distante, um pouco fria comigo!... Nada me escondes, mesmo?
- Posso jurar-te que não, João Miguel!... - responde ela. - Estás apertando muito fortemente o meu braço!...
- Desculpa-me - diz ele, soltando-lhe o punho já arroxeado pela pressão das suas possantes mãos. - Entretanto, parto com esta dúvida em meu coração!... - e, beijando-a à face, completa: - Fica com Deus!... Não precisas seguir-me; podes continuar o teu passeio matinal. Apenas, entrarei na casa, por instantes, a fim de despedir-me de Manuela e lhe agradecer a acolhida e, em seguida, retornarei a Sintra.
- Vais voltar?... - pergunta Teresa Cristina, enquanto ele se afastava, em direcção da escadaria que dava ao pórtico de entrada da mansão.
- Podes estar certa de que retomarei, querida!... - diz ele, sem se voltar. - Muito brevemente, virei vê-la outra vez!...
Teresa Cristina olha-o que se afastava ligeiro, galgando os níveos degraus de mármore alvinitente que davam à entrada principal da casa. Um pouco mais, ele voltava e saía apressado. Limitou-se apenas a acenar de longe para a namorada que o viu partir ligeiro, tomando o cavalo que um criado continha, pacientemente, pelas rédeas. Curto e rapidíssimo trotear e o rapaz desapareceu através do grande portão de grades altas. Teresa Cristina emite fundo suspiro. Como terminaria tudo aquilo?... Tristes pressentimentos, então, apertam-lhe o jovem coração. Só Deus saberia o que viria a partir dali... Só Deus...

* * * * * * *
Quando João Miguel chegou a casa, já anoitecia. Ao apear da sua montaria, estranhou que, inusitadamente, o salão de festas da mansão achava-se iluminado, coisa que não acontecia fazia já bastante tempo.
Sem tirar os olhos das janelas iluminadas, principia a galgar as escadarias que davam à entrada principal e se depara com Amélia que lhe vinha ao encontro, altamente excitada.
_ Oh, João Miguel, nem imaginas o que aconteceu!...
-Não vais dizer que papai piorou!... - exclama ele, galgando ligeiro os degraus.
- Oh, não!... - responde a governanta, esforçando-se ao máximo para acompanhar-lhe os passos largos. - Teu irmão voltou!...
- O que dizes?!... - exclama ele, estacando de súbito e se voltando para encarar a mulher que lhe vinha atrás. - Repete isso!...
- Sim, João Miguel!... - diz ela com os olhos brilhantes e molhados de lágrimas de alegria. - Teu irmãozinho desaparecido há tanto tempo voltou!...
João Miguel empalidece. Tremor intenso apodera-se dele, e se sente zonzar. Deus do céu!... Mais essa agora!... O bastardo estava de volta!... Para não cair, apoia-se com a mão à parede do vestíbulo. Depois, extremamente trémulo, apalpa o bolso do casaco, apanha o lenço e enxuga a testa que se lhe inundara de repentino e abundante suor.
- Estás passando mal, João Miguel? - pergunta Amélia, notando-me a repentina palidez.
Percebendo que o jovem alterara-se sobremodo, a governanta, delicadamente, toma-o pela mão e o conduz para o interior da casa. Enquanto caminhavam, o rapaz sentia-se como se o mundo houvesse desabado sobre a sua cabeça. Custava a acreditar. Que desgraça era aquela?... Por que tudo tivera de acontecer justamente em sua ausência?... Que desastre!... E nada pudera fazer para impedir!... Chegando ao salão de visitas, João Miguel deixa-se sentar, pesadamente, numa poltrona.
- Acho que te dei a notícia muito de supetão, não foi?... - observa Amélia, mortificada pela condição de estupefacção que proporcionara ao rapaz. Na empolgação, esquecera-se completamente de que, para se dizer tais coisas, era preciso tato... Muito tato...
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 28, 2024 10:18 am

João Miguel limita-se a olhá-la com os olhos desmedidamente abertos. Tinha a cabeça apoiada em ambas as mão espalmadas, e o pensamento instalava-se, buscando concatenar e entender aqueles fatos. Como o maldito descobrira tudo?... Acaso não tivera o cuidado de apagar todas as pistas para que o desnaturado jamais encontrasse aquela casa?... não chegara até a matar aquela desgraçada que o auxiliara a encontrar o cretino?... Tudo fora em vão!... Ali estava o maldito, certamente, para surripiar-lhe a metade de tudo o que já era seu!... Que desgraça!...
- Como tiveste a certeza de que, realmente, trata-se de... do... meu irmão?.... - pergunta João Miguel, por fim e depois de muito custo, conseguindo retomar um pouco da sua habitual frieza. - Não será mais um a mais nas centenas e centenas de espertalhões que, antes, já pleitearam ocupar o espaço do meu irmão que creio achar-se morto?... Como tivestes tal certeza tu e papai?...
- Dom Eusébio Sintra trouxe-o logo de manhã, meu querido!... exclama a governanta, com segurança. - E, ainda, o rapaz exibe o sinal ao ombro... Além do mais, ele é as fuças da finada tua mãe!... Este, meu caro, é o verdadeiro, sem sombra de dúvidas!... Teu pai reconheceu-o de imediato!... Precisavas ver como foi emocionante o reencontro!... Pena que não te encontravas em casa!...
"Maldição!...", pensa o rapaz, deixando-se dominar por ódio intenso. Entretanto, precisava conter-se. Não poderia deixar transparecer que abominava o irmão. "Contra aquele bispo enxerido e contra a marca, não terei argumentos viáveis!... Mas, sobrar-me-á tempo para livrar-me desse impostor, depois!... Apenas aguardarei que papai morra!... Aí, então!..." Por ora, era preciso dar mais naturalidade às coisas, deixar que fluíssem, dentro da normalidade, sem demonstrar qualquer laivo de contrariedade pelo regresso do irmão.
- Sentes-te melhor agora, querido?... - pergunta a governanta, acariciando-lhe os cabelos empapados de suor. - Como transpiraste!... Teus cabelos e tuas roupas estão praticamente ensopados!...
- Sinto-me um pouco melhor, Amélia... - exclama ele, procurando recompor-se ao máximo. - Hás de convir que tal notícia deixaria qualquer um neste estado, não é?...
- Oh, claro, claro, queridinho!... - responde ela, auxiliando-o a recompor-se.
- E onde está meu irmão?... - pergunta ele, levantando-se da poltrona. Ainda tinha as pernas um pouco trôpegas. A descarga emocional deixara-lhe os músculos em frangalhos.
_ Teu irmão e teu pai ainda se acham no salão de festas - responde a mulher, recompondo-lhe as roupas. - Preferi preparar-te, antes que chegasses de supetão... Fiz mal?...
- Oh, não, Amélia!... - responde ele. - Fico-te imensamente grato. Se não me tivesses dito de antemão, o reencontro talvez me fosse ainda mais doloroso!... E, como sabes, detesto surpresas!...
- Teu pai e teu irmão ainda estão a jantar!... Preferes ir ter com eles já, ou antes, tu farás a higiene pessoal?... Não queres mudar a roupa molhada?...
- Desejo vê-los já, Amélia!... - diz, decidido, o rapaz. - Para que adiar uma coisa que venho esperando há tanto tempo?...
A governanta abre um sorriso cheio de alegria, e seus olhos faiscaram. A paz, decididamente, parecia estar de volta àquela casa. Um pouco tarde, é verdade, mas voltava...
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 28, 2024 10:18 am

Capítulo 13 - O reencontro
No salão de festas, o velho Barão da Reboleira e o filho mais novo terminavam de jantar. Haviam conversado tanto, durante parte daquela manhã, e, pela tarde afora, separando-se, apenas, pelo tempo necessário para que o rapaz fizesse a higiene pessoal e mudasse de roupa, trocando suas humílimas vestimentas de tecido grosseiro por elegantíssima fatiota confeccionada em lã de camelo, tomada por empréstimo ao variadíssimo e rico guarda-roupa do irmão. E, quem o visse, agora, vestido em tão apurado bom gosto e requinte, dificilmente reconheceria o antigo vagabundo folgazão das ruas e das baiucas do cais do porto. Manuel António não se cansava de olhar para o filho que não vira crescer, mas que lhe lembrava sobremodo as feições da sua saudosa esposa. Como se pareciam!... Os mesmos olhos, o nariz, a boca, a cor dos cabelos, em tudo o rapaz assemelhava-se à mãe.
- Já te disse que és a tua mãe escrita?... - pergunta o velho barão, tomando as mãos do filho pela milésima vez naquele dia. - Não há como negar que és, realmente, o filho dela!...
- Conta-me como era a minha mãe... - diz o rapaz, tomando-se de alta emoção.
- Tua mãe era como tu próprio és!... - exclama Manuel António. -Se tens a capacidade de te enxergares, é a ela que vês!... Nas feições, nos gestos... Até no modo de falar!... Deus do céu!... Como é isso possível?... Foste tirado dos braços dela, quando ainda eras um mamote, mas dela mantiveste, fielmente, todos os traços!... A vida longe de nós em nada te modificou, meu filho!... Aí está a força e o poder do sangue, não concordas?...
- Se assim o dizes, papai!... - exclama o rapaz, altamente emocionado Como era bom ser tratado com real e desvelado carinho!
_ Diz-me, meu filho... - e se ri o velho Barão da Reboleira -, Desculpa-me, mas me encontro tão feliz que até me esqueço das desgraceiras que se abateram sobre esta casa, desde quanto te roubaram de nós!
- Mas, nada sei sobre ti!... São tantas as perguntas sem resposta. - Onde viveste?... Quem te criou?... Quem te amparou?... E preciso recompensar os que te foram bons...
- Como já sabes, papai, fui deixado na roda dos enjeitados no convento das Carmelitas; depois, adoptou-me antiga serva das freiras -Ofélia, minha mãe de criação - que se finou poucos anos depois. Foi então que me internaram no orfanato da cúria, sob a responsabilidade de nosso amado Dom Eusébio. Ah, papai, esse santo homem e a minha mãe de criação foram as únicas fontes de amor verdadeiro que recebi em minha infância!...
- Oh, pobre menino!... - exclama Manuel António. - Tanto que te procurei, durante esses anos todos!... E estavas aqui tão pertinho de nós!...
- Papai... - diz o rapaz, tendo as mãos do pai entre as suas - onde está meu irmão?... Acaso não mora aqui?...
- Oh, tantas foram as emoções deste dia tão ditoso para mim que me esqueci, completamente, do teu irmão!... - responde o velho, abrindo um sorriso. - Sabes que hoje ainda não vi João Miguel!... Certamente, acha-se em Lisboa a cuidar dos nossos negócios!... Temos tantas coisas a administrar que quase não lhe sobra tempo para mais nada!... Teu irmão é um verdadeiro lutador!... Antes, era eu a cuidar de tudo; agora, que me encontro tão alquebrado pela velhice e pela moléstia, restou-lhe a pesada tarefa de administrar os nossos bens!... - e, demonstrando algo grau de ânimo, prossegue, dando ligeiros tapinhas no dorso das mãos do filho: - Mas, como voltaste - e vejo que és forte como um touro! -, as tarefas agora se dividirão por certo!... Tu e ele dareis conta de tudo!... Tenho a absoluta certeza de que o teu irmão rejubilar-se-á tanto quanto eu com a tua volta, querido!...
- Por certo que sim, papai... - responde o rapaz, com um sorriso triste que não condizia muito com as altas expectativas do pai.
Em seu íntimo, João Manuel preocupava-se. E a história que o fantasma de Madalena contara a Gerusa sobre o carácter do irmão?... Deveria crer no pai ou em Gerusa!... Acaso não fora pelas pistas fornecidas Pelo espectro da antiga companheira, morta tão trágica e misteriosamente, que haviam chegado até ali?... Seu coração atormentava-se.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 28, 2024 10:19 am

- Parece-me que estás triste, meu filho!... - exclama Manuel António fixando, firme, o rosto do rapaz. - Não te achas feliz aqui?... Não te agradei?... Olha, esse recomeço sei que será difícil para todos nós! Afinal, foram tantos os anos de separação, e não tiveste, até então, mais nenhum contacto connosco...
- Oh, não, papai!... - exclama João Manuel. Traía-se. Era tarefa quase impossível dissimular o que lhe ia à alma. Entretanto, o pai não deveria saber sobre as terríveis suspeitas que recaíam sobre o irmão. Não por ora, pelo menos. Então, era preciso tranquilizar o pai. E ele prossegue, abrindo um sorriso forçado: - Podes ter a certeza de que é apenas a emoção do reencontro, nada mais que isso!... - e sorri, enquanto lhe aperta firme a mão.
Manuel António olha-o, cheio de preocupação. Conhecia o suficiente da alma humana para saber que o filho não lhe dissera a verdade. Mas, não iria insistir. Para que indispor-se com ele, logo no primeiro dia do reencontro?
- Mas, diz-me, meu querido, e essa jovem que contigo veio?... -pergunta o velho Barão da Reboleira. Aos poucos, era preciso inteirar-se de tudo o quanto o filho vivera, enquanto estivera longe dos olhos dele. Percebia que o rapaz vinha de uma vida dissoluta, vivida no meio do vício, pelas ruas da cidade... - Que relação tiveste com ela?
- Gerusa é o seu nome, papai - responde João Manuel, sério. - E, conforme já o sabes, é uma prostituta do cais do porto. E é preciso reforçar-te que ela é minha amiga, companheira de longa data!... Auxiliou-me muito, nos momentos difíceis da minha vida!... Devo-lhe muitas obrigações!...
- E pretendes, ainda, relacionar-te com essa gente?... - pergunta Manuel António, demonstrando alta preocupação. - Presumo que a tal... essa Gerusa.... não seja a única desse nível, pois não?
- Não, papai - responde, grave, o rapaz. - Há muitas outras como Gerusa e, também, outros companheiros desse meu tempo de rua...
- Era o que eu temia! - observa o velho, demonstrando alta preocupação. - E sabem todos quem és, na realidade?
- Não, papai - responde ele, de olhos baixos. - Apenas Gerusa...
- E posso perguntar com que intensidade tu te achas envolvido com essa rapariga?...
- Prometi-lhe casamento, papai...
_ O quê?!... - exclama Manuel António, levantando-se, abruptamente, da cadeira onde se achava sentado à cabeceira da mesa. Os criados até se espantaram em ver-lhe a ligeireza dos movimentos, de costume, tão diferentemente apresentados por ele que tão alquebrado se encontrara até então. E prossegue, inflamando-se: - Vais casar-te c0m uma rameira do cais do porto?!... Oh, não, meu filho!... Não podes, decididamente, fazer tal asneira!... Bem que percebi que ela exercia algum tipo de ascendência sobre ti!...
- Vi-me forçado a propor-lhe casamento, papai!... - responde o rapaz. -Foi o que me exigiu!... Ou, então, sonegar-me-ia as informações que detinha a teu respeito!...
- Mas, então, ela é pior do que eu pensava!... - diz, atónito, o velho barão. E prossegue, tomado de alta indignação: - Não passa de uma execrável chantagista!... Que ordinária!... Cuidarei disso!... Avisarei o comissário Torres da Fonseca!... Poremos metade da milícia de Lisboa atrás dela!... Isso não ficará assim, não!... Tu não poderás, decididamente, sujeitar-te às exigências dessa oportunista!... Jamais permitirei que isso aconteça!... Jamais!...
João Manuel principia a preocupar-se por Gerusa. No íntimo, não a culpava. Aquela era a oportunidade da sua porca vida e se agarrava a ela, com todas as suas forças, para sair do lamaçal em que vivia. O pai, certamente, não entenderia as razões da pobre prostituta. Ele nunca sofrera, possivelmente, as privações da miséria extrema!... Sempre fora rico!... No íntimo, o rapaz não nutria ódio pela antiga companheira de infortúnio. Apenas, que não a amava. Não iria lutar por uma relação assim. Como seria a sua vida ao lado de Gerusa?... Infelizes seriam os dois, se isso, efectivamente, acontecesse. Primeiro, porque não a amava, ao ponto desposá-la e, segundo, porque o pai não a aceitaria jamais, como nora e mãe dos seus netos.
- Oh, papai!... - exclama o rapaz. - Tu te encontras tão debilitado!... Não é bom que te exaltes dessa maneira!... Deixa que de Gerusa cuidarei eu!...
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O Mosteiro de São Jerónimo - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini - Página 4 Empty Re: O Mosteiro de São Jerónimo - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 28, 2024 10:19 am

- Promete-me que farás isso, meu menino? - diz o velho barão, abraçando o filho por trás e o beijando no alto da cabeça. - Tive-te tanto tempo longe de mim que, agora, qualquer ameaça que te ronde, faz-me Perder a tranquilidade!... - e, voltando a sentar-se, e aparentando um Pouco mais de serenidade, toma a mão do filho e, olhando-o nos olhos, prossegue: - Aconselho a te desfazeres dessa moça o quanto antes' És um Barão da Reboleira, meu filho!... Temos séculos de tradição familiar para zelar e não seria nada bom que te entregasses a gente dessa espécie!... Olha, temos muito dinheiro!... A nossa fortuna é incalculável!... Acho que nem podes supor o quanto tu possuis, na realidade na parte que te toca, por direito, e que te será deixada por herança, com a minha morte!... Peço-te, por favor, meu filho, livra-te dela, o quanto antes!... E também de outros que, por ventura, vierem bater à nossa porta!... Tu verás como é: quando se está do outro lado, eles virão, insistentemente, à tua procura para arrancar o que tu tens!... Entretanto, nunca te deixes levar pelas súplicas dessa gente!... Já estiveste no meio deles e, melhor que qualquer um, tu sabes que ninguém nada d a ninguém de graça, não é mesmo?...
João Manuel limita-se a olhar para o rosto do pai, enquanto este falava. Seu pensamento voa para o passado não muito distante, e lembra a miséria em que sempre vivera até então. Recorda a pobre Gerusa andar pelas escuras ruas do porto, no incansável afã de conquistar sua freguesia... Lembra-lhe as feições ainda juvenis, mas altamente machucadas pelos duros embates a que se forçava enfrentar, todas as noites, até que a manhã raiasse, para continuar vivendo aquela vida miserável!.. Vida miserável que, certamente, acabaria como acabara Madalena morta, sob o punhal de um monstro desalmado como o era João Miguel. João Miguel, seu irmãozinho adorado... Que ironia, Deus do céu!...
- Estás a ouvir-me, Francisquinho!... - pergunta o pai, percebendo que o filho se encontrava longe, perdido em reminiscências.
- Oh, claro, papai!... - exclama ele, subitamente trazido de volta realidade pelo apelo do pai. - Dizias...
- Dizia-te que deverias dar dinheiro àquela rameirinha, para que jamais voltasse a pôr os pés nesta casa! - diz-lhe, directo, o pai. - Que audácia!... Exigir que te cases com ela em troca de informação ta valiosa a teu respeito!... Achas, acaso, que pessoa assim é tua amiga meu filho?... - escandaliza-se o velho Barão da Reboleira. - Os verdadeiros amigos são os primeiros a desejarem ver-nos felizes e não pensariam jamais em coagir-nos, fazendo-nos prometer coisas, principalmente, as que digam respeito, directamente, à nossa vida sentimental, como exigir-nos um casamento, por exemplo!... Que absurdo!... Diz-me, Francisco, tu acaso amas essa mulherzinha?...
_ Mão, papai, não amo Gerusa... - responde João Manuel, de imediato.
_ Está bem - diz o velho. - Como não titubeaste um só instante em responder-me, acredito em ti!... Melhor assim, melhor assim!... Dar-lhe-emos considerável quantia - a mesma que ofereci, durante todo o tempo, a quem me trouxesse informações concretas a teu respeito - e creio estar fazendo a coisa correta, não concordas?... Essa moça verá tanto dinheiro como nunca teve em suas mãos antes!... E, tenho a certeza de que, se tiver bastante juízo, ela mesma quebrará esta promessa que tu, estouvadamente, fizeste-lhe.
- Sim, papai - responde, lacónico, o rapaz.
Ligeiro silêncio, então, estabelece-se entre ambos - o primeiro, desde que se haviam encontrado. João Manuel, na realidade, pensava em outra mulher... Seu pensamento buscava, insistentemente, o rostinho branco, pintalgado de quase imperceptíveis sardas acobreadas a lhe enfeitarem, ligeira e graciosamente, os zigomas e o alto do colo. Teresa Cristina!... Onde andaria a menina de olhos amendoados e cor de mel?... Seu coração freme de saudade. Deus do céu!... Como era bonita e gentil!... Os movimentos leves, delicados, altamente feminis!... O rapaz suspira fundo. Quase revelou ao pai quem, na realidade, era sua verdadeira paixão!... Porém, achou melhor nada lhe dizer ainda. Depois, em ocasião propícia, dir-lhe-ia. Quando o velho se achasse mais tranquilo, mais receptivo, contar-lhe-ia sobre o seu verdadeiro amor. Por certo, ele iria gostar!... Ela não era do seu nível?... As coisas começavam a encaixar-se. Agora poderia apresentar-se ao seu amor como igual, sem se envergonhar, sem se diminuir!...
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 28, 2024 10:19 am

Possivelmente, seria mais rico que ela!... Mais rico até que a insolente Manuela!... Manuela... Ah, dessa iria vingar-se, com toda a certeza!... Iria fazer a ordinária pagar-lhe por todas as humilhações sofridas durante aquele tempo todo!... Ah, se iria!... Faria questão de dar-lhe o troco!... Centavo por centavo!... E, depois, sabe quando aquela rameira de luxo tê-lo-ia de volta aos braços?... Nunca!... Nunca mais, Manuela!... Mas, antes, seria preciso humilhá-la ao extremo, espezinhá-la, sem piedade!... Não era isso que a desgraçada houvera feito com ele o tempo todo?... Usara-o!... Agora, Manuela, o troco, a forra!...
De todas as satisfações, depois que se descobrira legítimo herdeiro dos Barões da Reboleira, a perspectiva de vingar-se de Manuela fora-lhe a mais saborosa até então!... "Ah, Manuela, marafona de luxo, tu me pagarás todas as afrontas, todas as humilhações, uma a uma! " pensa ele, antegozando como a afectada esposa de Afonso Albuquerque e Meneses iria receber aquela inesperada notícia e, ainda, ter de engolir o fato de ele ser, talvez, mais rico e mais importante que ela... O pai dele não era membro do Conselho de Estado?... Só gente muitíssimo rica ocupava esse cargo!... Haveria até a hipótese, como já lhe adiantara o pai, de ele ser o indicado para substituí-lo, junto aos que se achavam mais próximos da rainha!... Ou ele ou o irmão... Um dos dois, certamente seria o herdeiro dessa função... -Meu filho?...
- Sim, papai... - a voz do pai tira-o das íntimas cogitações.
- Veja quem se aproxima!... - diz Manuel António, apontando, altamente excitado, para a larga porta que dava entrada ao amplo salão de festas. - Teu irmão!...
João Manuel volta-se para a porta. Um frémito percorre-lhe a espinha de alto a baixo. Instintivamente, levanta-se e se encaminha ao encontro do irmão. Ambos aproximam-se um do outro, devagar, olhando-se sérios, sentindo-se, estudando-se, meticulosamente... Intensa palidez estampava-se no semblante dos dois rapazes. Eram muito parecidos. No porte, nos gestos; apenas que as feições derivavam-se para lados ligeiramente diversos: um deles lembrava mais o pai; o outro, a mãe; entretanto, no conjunto, ninguém poderia jamais dizer que não seriam irmãos. A parecença entre ambos era, deveras, muito grande.
- Irmão... - balbucia João Manuel, estendendo os braços, tomando-se de alta emoção.
O outro nada diz. Trazia os braços caídos ao longo do corpo e assim se manteve. Não esboçou o mínimo gesto para soerguê-los. Seus lábios tremiam, ligeiramente, e os olhos estavam secos, fixos no rosto do irmão. Diminuíra, sensivelmente, a intensidade do caminhar, até parar.
- Vem... - insiste João Manuel, com a voz ligeiramente trémula, embargada pela emoção e também parando, poucos passos à frente do outro.
João Miguel não mais se moveu. Parecia preso, chumbado ao chão. Não tinha vontade de rever o irmão. De repente sentiu intensa raiva dele, principalmente, ao notar-lhe a exuberância do porte e das feições, um tanto mais expressivas que as suas. Teve mesmo foi vontade de fazer meia-volta, de ir-se, deixando-o ali, plantado. Quem era aquele rapaz, sim, muito parecido com ele, mas que não lhe suscitava o mínimo sentimento?... Não passava de um estranho!... E um estranho que lhe vinha surripiar metade do que possuía e já principiava por insinuar-se, tomando as atenções do pai, até o fazendo deixar o leito e, inexplicavelmente, vir jantar no salão de festas e, de novo, a andar lépido como um coelho?... Até suas roupas o desgraçado usurpador já começava a tomar-lhe!..- Notara-lhe a fatiota familiar. Era uma das suas, sem sombra de dúvida!... Tinha mesmo era vontade de gritar-lhe às fuças quem é que lhe tinha dado o direito de apossar-se de suas roupas, quem é que lhe dera tais intimidades, mas tudo isso, fatalmente atingiria o pai, e, decididamente, não desejava indispor-se com o velho, logo naquela questão que tinha sido tão dolorosa e difícil para todos. Sabia quão temperamental o pai era e não lhe custaria nada, num rompante de indignação, para castigá-lo, tentar diminuir-lhe a parte na herança, ou o que seria pior, deserdá-lo, em detrimento do outro que ora aparecia, assim, do nada, quando todos já começavam por considerá-lo completamente desaparecido e, definitivamente, davam por encerradas aquelas intermináveis buscas!... Neste ínterim, o pai, que também se levantara e já se colocava entre ambos, não poderia, sob nenhuma hipótese, perceber qualquer traço do que lhe ia ao coração.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 28, 2024 10:19 am

Sabia que não poderia trair-se, jamais!... Enquanto o pai vivesse, não poderia demonstrar o que realmente achava daquela inesperada volta do irmão. Então, arrebanhando forças extremas, sobressalta aquele sentimento de aversão que alimentava havia tanto tempo pelo irmão desaparecido e, aproveitando a presença do pai que já colocava as mãos aos ombros de ambos, contém-se e esboça um sorriso. Sorriso extremamente difícil de se lhe ser rasgado aos lábios, posto que ia totalmente contra ao que se lhe andava ao coração, mas, como era um hábil artífice de emboscadas e de traições, conseguiu exibi-lo ao pai e ao irmão.
- Teu irmãozito voltou!... - exclama o velho Barão da Reboleira, forçando-o a abraçar-se ao outro. - Vai lá!... Abraça-o, João Miguel!... Dá-lhe as boas-vindas, homem!... Deixa-te de vergonheiras!... - prossegue o velho, imbuído de excelentes propósitos, uma vez que atribuía todo aquele gelo que demonstravam ambos, no reencontro, ao fato de os irmãos se desconhecerem completamente.
- Sê bem-vindo, irmão - diz João Miguel, por fim, abraçando o outro João Manuel recebe o abraço do irmão, mas lhe nota a total ausência
de empolgação. Ligeiro abraço, frio, sem emoção. Desvinculam-se ambos, rapidamente, daquele contacto. Afastam-se e baixam a cabeça tautocronamente. A frieza que João Manuel sentiu no abraço do irmão foi-lhe patente, pois não havia como não a notar. E, por sua vez, também não sentiu vontade de abraçá-lo forte. Agora tinha a absoluta certeza de que Madalena e Gerusa tinham razão: tivera a nítida sensação de estar abraçando um imenso bloco de gelo!... Seu irmão era um homem perigoso!... Não podia enganar-se; tudo lhe parecera evidente demais, pois a vida que levara, por muitos anos, entre as gentes da rua, e o contacto, desde muito cedo, com o crime e com a alta malandragem, desenvolveram nele alta percepção a respeito do perigo. Agora tinha a absoluta certeza: seu irmão era um homem altamente frio e perigoso!...
- Já jantaste, João Miguel?... - pergunta Manuel António, pondo-se no meio de ambos os filhos e, abraçando-os, concomitantemente, prossegue: - Eu e teu irmão acabamos de fazê-lo. Não supúnhamos que retomasses a tempo. Se soubéssemos da tua chegada tão cedo a casa, tê-lo-íamos aguardado, por certo!... Mas, vem comer, que te farremos-companhia!...
- Não... - diz João Miguel, mentindo. A verdade é que não conseguiria suportar a presença do outro, assim, sem se preparar, primeiro. Precisava, antes, acostumar-se com a ideia de ter de suportar as fuça daquele intruso ali, na casa. E prossegue, sempre de olhos baixos: -Sinto-me sem fome e cansado. Se não me levares a mal, preferirei descansar.
- Ah, está bom, meu filho! - observa Manuel António. - Na realidade, gostaria que fizéssemos um serão em família, nós três, como nunca houve antes, nesta casa. Há tanta coisa, ainda, que teu irmãozito não nos contou, enquanto esteve longe de nós!... Mas, se assim preferes, não nos faltará tempo para isso...
João Miguel despede-se, friamente, e se recolhe. Quase não olhara para o recém-chegado. Olhara-o a furto, durante o curto período da apresentação, mais por curiosidade, para rever-lhe bem as fuças, pois já o conhecia de antes!... Seguira-o, insistentemente, por muito tempo, pelas ruas do cais do porto; conhecia-lhe os hábitos, sabia muitíssimo bem em que espécie de gente havia o irmão se transformado!... Gente baixa, bem rasteira, da pior qualidade que existia no mundo!... E iria aceitá-lo jogo assim, de braços abertos, estreitando-o, afectuosamente, ao peito?... Não - Jamais faria isso!... Fizera mesmo era questão de manter distância. Deliberadamente, rejeitava-o e não se preocupara muito em esconder isso, nos curtíssimos e poucos instantes em que seus olhares se encontraram. Apenas mascarara seus reais sentimentos ao pai que a tudo tomara como natural timidez de ambos. E era bom que o pai de nada desconfiasse mesmo!...Ao menos, durante o curto espaço de tempo que se esperava que o velho vivesse!...
João Manuel segue o irmão com os olhos, enquanto o outro se afastava ligeiro. Despedira-se dele, apenas com curto aceno de mão. Nada mais. A fria recepção que recebera do irmão preocupava-o. Mais ainda, considerando a advertência que lhe fizeram Gerusa e o fantasma de Madalena. Dali para frente, haveria que tomar muito cuidado, mas muito cuidado mesmo...
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 28, 2024 10:19 am

* * * * * * *
Depois que o namorado partira, Teresa Cristina continuara seu passeio pelo pequeno parque que ladeava a mansão, por um bom tempo ainda. Precisava desanuviar a cabeça. Encontrava-se encalacrada. Por um lado, achava-se presa a João Miguel, pelo compromisso que haviam assumido fazia, já, algum tempo; entretanto, altamente desolada, agora descobria que não amava o rapaz. Passara até a desenvolver certa aversão pelo modo estranho, quase cruel de como ele encarava e costumava resolver as coisas contrárias que eventualmente se interpusessem em seu caminho. Sabia que não lhe seria fácil livrar-se de João Miguel. No fundo, temia pelas reacções do rapaz. Como reagiria, se ela lhe dissesse que não mais o queria?... Sabia que João Miguel era muito violento e, consequentemente, boa coisa não deveria esperar dele, assim que lhe contasse tudo!... Por outro lado, derretia-se de paixão pelo seu novo amor. Ah, Anjinho!... À simples lembrança de João Manuel, seu coração principiava a bater forte. Como se mostravam diferentes os dois rapazes!... Diferentes no comportamento, ressalte-se, posto que, na aparência, eram estranhamente parecidos!... Deus do céu!... Como seria possível aquilo?... Não se conheciam, sequer parentes eram; entretanto, a semelhança entre ambos era incrível!... Tinham a mesma estatura, quase o mesmo timbre de voz, o mesmo jeito de caminhar, de olhar... Mistérios!... Mistérios que a vida apresenta e para os quais nem sempre costumamos encontrar resposta plausível... Entretanto, encontrava-se numa encruzilhada e tinha que se decidir!... Tinha de escolher a rota que lhe fosse apropriada a seguir!... Tinha de dar um final àquele relacionamento conturbado, cheio de insegurança e que mais sofrimento e apreensão lhe trouxera até então, que paz e realizações, como deveria ter acontecido. Que amor era aquele que só trazia dores e complicações?... Não, decididamente, não era aquilo que desejava para si. Precisava, urgentemente, pôr um termo naquilo tudo. Será que João Miguel entenderia as razões dela?... Pior para ele, se não as entendesse!... Ela que não iria atrelar-se a um homem, se não o amava!... Acaso não se encontrava ali, longe da sua casa, justamente fugindo de um outro, do asqueroso primo Vasco, a quem tentavam atrelá-la, à sua total revelia?... Não conseguira escapulir, com a ajuda da mãe, daquele enrolo que o pai arranjara a ela, sem ao menos consultá-la?... Ah, não!... Achava-se esperta o suficiente para sair-se deste também, com certeza!... Acharia a saída. Ah, se acharia!... E, a meio de tais conturbadas contradições de sentimentos, e sem chegar, ainda, a nenhum resultado sobre a decisão tomar, Teresa Cristina retoma a casa.
Neste comenos, no salão de estar, Manuela lia um livro, recostada numa chaise longue. A esposa de Afonso Albuquerque e Meneses ainda se achava altamente excitada pelos ardores do afogueado encontro que mantivera na noite transcursada, com o jovem namorado da priminha sonsa. Era-lhe difícil concentrar-se na leitura. Deus do céu!... Que homem!... Amiúde depunha o livro sobre os joelhos, e seus olhos perdiam-se no vazio, sinal de que a sua mente viajava por persistentes reminiscências a lhe invadirem, insistentemente, a cabeça... Fundos suspiros, então, escapavam-lhe do peito aflante, e seus grandes olhos negros de azeviche reviravam-se, descontroladamente, nas órbitas e ela mordia os lábios inferiores, com patente demonstração de que se deleitava, pela enésima vez, com a delícia de tais recordações.
Passando pelo salão, Teresa Cristina depara-se com a prima recostada, molemente, na marquesa; estranhamente, Manuela trazia a cabeça tombada para trás, os olhos a se lhe revirarem, descontroladamente, nas órbitas, enquanto longuíssimos e intensos suspiros brotavam-lhe do peito arfante. O livro mantinha-se aberto, deixado sobre o colo. A jovem assusta-se.
_ Prima Manuela!... Prima Manuela!... - chama-a a mocinha, em voz alta, aproximando-se, tomada de preocupantes expectativas. Estaria a prima passando mal?
- Oh, estás aí, Tininha!... - diz Manuela, abrindo apenas um olho, mal disfarçando a contrariedade pelo escândalo que fazia a sonsa. -Que tens?
- Que tenho eu?!... - espanta-se a jovem. - Pergunto-te o que tens tu!- - - diz ela. - Estavas tão estranha, revirando os olhos e gemendo tão intensamente, que supus estares a passar mal!...
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