LUZ ESPÍRITA
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O Mosteiro de São Jerónimo - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 28, 2024 6:58 pm

"Mas que tonta!...", pensa Manuela, recostando-se no canapé e mal sofreando a vontade de mandar a idiotazinha às favas. Então não tinha mais o direito de fazer o que quisesse em sua casa?... Que maçada era-lhe ter de suportar parentes indesejáveis a perturbá-la o tempo todo!... Teve vontade de dizer àquela imbecilzinha que ela, Manuela, poderia gemer, babar, e suspirar e virar os olhos até ficar estrábica, de vez, se assim o desejasse, mas se conteve. Além do mais, se a idiotazinha se fosse, aquele mancebo de ouro talvez não mais ali viesse e, então, o que seria dela?... Nem pensar!... Dispensar aquele tesouro, sem dele, antes, largamente se fartar?... Não!... Por um pedaço de homem como aquele, suportaria até uma dúzia de sonsas como a prima!...
- Oh, meu bem!... - diz Manuela, abrindo um sorriso fingido. - Tu te preocupaste comigo!... Que belezinha!... Vem, aproxima-te, senta-te aqui a meu lado!...
- Ufa, Manuela!... - diz a mocinha, sentando-se ao lado da outra. -Que alívio!... Estavas tão estranha que te supus tendo uma síncope!...
"E estava, mesmo, idiota, se não me tivesses interrompido!...", pensa ela, enquanto abraçava a prima e lhe beijava a bochecha. - Mas, não é que és, de fato, uma gracinha, meu bem?... - exclama Manuela, estreitando-a forte aos braços. - E teu namorado?... Disse-te quando voltará?...
- Breve estará de volta, Manuela... - responde a mocinha. E depois de emitir um profundo suspiro cheio de desolação, prossegue: - Muito em breve tê-lo-emos de regresso...
Os olhos de Manuela faíscam de satisfação. E a seguir, decidida, levanta-se e, estendendo as mãos, convida a outra:
- Não queres, acaso, dar uma volta pelo centro da cidade?... Faz um dia lindo!... Além do mais, deve haver uma porção de coisas exóticas que os navios costumam trazer de Macau...
Teresa Cristina olha para a prima. A princípio, não tinha nenhuma vontade de sair, mas, se ficasse sozinha, por certo, as ideias sobre a confusão em que se tomara a sua pobre existência iriam judiar dela Então, decide-se:
- Vamos, Manuela!...
- Inácia!... - grita, em seguida, a esposa de Afonso Albuquerque e Meneses pela criada de quarto. - Inácia!... Onde se meteu essa incompetente?...
Lá fora, o dia era só luz. E as duas mulheres, rindo e conversando muito, galgam, de braços dados, os degraus da imensa escada de mármore alvinitente que dava ao andar superior da casa. Iam embelezar-se para o passeio...
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 28, 2024 6:58 pm

Capítulo 14 - Tramas e traições
Para João Manuel, os dias passavam, sem grandes novidades, além do natural deslumbramento, enquanto ia, paulatinamente, descobrindo as delícias que proporcionava a riqueza. Ah, o dinheiro!... Quanto não tivera que se virar, para conseguir os minguados tostões com os quais conseguira viver, sempre se relegando o mínimo indispensável!... Quanta fome passara!... Quanto frio, dormindo ao relento, posto que sequer um mísero cantinho só seu houvera possuído antes.
Naquela manhã de final de primavera, ao acordar-se, seus olhos passeavam em derredor. Devagar, habituava-se ao desmedido luxo em que passara a viver. Ainda deitado de costas, no leito senhorial, seu olhar esquadrinhava, demoradamente, o espaçoso aposento. Deus do céu!... Quanto luxo!... Lá do fundo da extrema miséria em que sempre vivera até então, jamais supusera existirem coisas assim, tão exuberantes!... Seus olhos ora passeiam pelo tecto de gesso branco e se demoram, observando, detalhadamente, as expressivas gravuras bucólicas ali pintadas e tão em voga, à época; o magnífico e imponente lustre de cristal, com miríades infindas de reluzentes pingentes, a formarem intrincada bordadura, filigranada com perfeição e simetria; as paredes recobertas de cetim azul-claro e apinhadas de quadros a exibirem cenas variadas, de épocas e de estilos diversificados, e perfeitamente pintadas por mãos de hábeis artistas!... Ah, a boa arte, sempre trazendo harmonia e equilíbrio ao ambiente, através da manifestação da beleza, captada pela capacidade ímpar e pela apuradíssima sensibilidade dos Pintores!... João Manuel não entendia quase nada daquelas coisas, pois era completamente analfabeto; entretanto, era uma alma sensível. A dor, sua companheira constante desde a infância, ao invés de o conduzir para as sendas do crime, tomara-o pessoa gentil e prestativa. Gostava de auxiliar os outros. E, as pessoas sensíveis, intrinsecamente, são afeitas à arte, independentemente de serem cultas ou não. É inerente ao próprio ser.
João Manuel levanta-se da cama e se encaminha para a janela. O pesado cortinado de veludo vermelho escuro encontrava-cerrado. Com um firme e largo gesto, afasta as pesadas cortinas, puxa o ferrolho da tranca e abre, de uma só vez, as duas abas da grande janela. A luz do dia nascente projecta-se abundante, e ele preme os olhos fortemente, para acomodá-los à intensa luminescência. Dá um passo frente e se debruça sobre o parapeito do pequeno e gracioso balcão d ferro fundido, que assomava em extensão à janela do quarto e que s prendia, firmemente, a cachorros e mísulas, também de ferro. Com agradável sensação de se achar suspenso no ar, o rapaz inspira o fresco da manhã nascente. Enche os pulmões, repetidas vezes, aspirando o em largos haustos. Que bom era estar em casa!... A sua casa!... Olha em derredor, estudando os pormenores da estupenda vivenda. O gramado impecável, o espectacular jardim fronteiriço, com os canteiro regulares, pejado de plantas raras e exuberantes; o bosquete que ladeava a casa, a exibir profusão de majestosas árvores que, apesar de seculares, mostravam-se primorosamente conduzidas e magnificamente podadas. Nota, curioso, o caramanchão florido ao lado da casa que, co forme lhe dissera a governanta, era o lugar preferido da mãe, nos dias de primavera. Ah, a mãe!... Pobre criatura que se fora, antes de tê-lo d volta aos braços!... Como teria sido a mãe?... Por mais que se esforçasse não lhe conseguia imaginar as feições com precisão. O pai já lhe houve mostrado uma série de retratos da mãe, entretanto que é que um retrato pode transmitir da alma das pessoas?... Muito pouco... Muito pouco mesmo... Só a convivência é que, realmente, faz-nos conhecer, mutuamente, uns aos outros. Se não há contacto, não há possibilidade nenhum de se conhecer, efectivamente, alguém!... João Manuel emite fundo suspiro. Agora era tarde, muito tarde para conhecer a mãe... O pai ainda tivera sorte de reencontrar, embora velho e se achasse muito doente e, possivelmente, muito próximo do fim. Entretanto, conhecera-o e agora sabia como o pai era. O irmão... Ah, o irmão!... Que decepção o irmão!... Logo à primeira vista, percebera-o hostil. Qual seria a razão de tanta hostilidade?... Ciúme?... Ter de dividir a herança com ele?. Que lhes importaria ter tanto dinheiro assim, se não tinham simpatia u pelo outro?... Por certo, o irmão sequer imaginava o que era viver s sem ter ninguém!... Não, João Miguel não sabia o que era a dor solidão, do abandono!... Se soubesse, certamente entenderia que o amor
sincero e leal de um irmão supriria a total falta de dinheiro e que não deveria haver muita diferença entre a solidão dos ricos e a solidão dos miseráveis... Solidão e abandono doem em qualquer situação... Tanto aos ricos quanto aos pobres...
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 28, 2024 6:58 pm

João Manuel olha, a distância, a pequena cidade de Sintra, que se descortinava mais abaixo!... Sintra!... A preferida dos aristocratas!... Sintra era o lugar favorito dos que tinham muito dinheiro!... Até os reis portugueses costumavam passar o alto verão em Sintra!... O ar da Serra de Sintra era insuperável!... O lugar conseguia juntar os dois ambientes mais procurados no verão: a montanha e o litoral!... Alguns quilómetros apenas separavam um local do outro. Poder-se-ia estar no frescor da serra e, em pouquíssimo tempo, deliciar-se no mar!... A mansão dos Barões da Reboleira, como também a vivenda de muitos outros nobres da época, localizava-se na subida da Serra de Sintra. A cidade!... De repente, o bulício das ruas de Lisboa vem-lhe à mente. E, com o coração cheio de saudade, o rapaz olha, demoradamente, o telhado das casas brilhando ao sol matinal; mais além, o azul das águas do Atlântico a perderem-se ao longe, nas brumas secas, fundindo-se ao infinito do céu... Intensa languidez invade-o então. Tinha pouca coisa a fazer ali. O pai insistia para que ele descansasse bastante, que se acostumasse à casa e à nova vida. Entretanto, não estava habituado a viver preso em uma casa. Aliás, nem casa tivera antes!... E nem cansado de nada se achava e nem nunca estivera; entretanto, não desejava contrariar nem se indispor com o pai. Agora, entretanto, passado o impacto inicial da redescoberta da família, anelava por sair; queria voltar a Lisboa, ir ao porto, rever os amigos, jogar cartas, beber uma caldeireta de chope na espelunca do Mestre Branquinho... Mas, que diria o pai, se soubesse que desejava ir ao porto, para rever os amigos?... Por certo, não admitiria!... Então, que lhe adiantava ser rico, ter uma família, mas se achar preso?...
O certo é que João Manuel já se enfarava de ficar trancado em casa. O pai já lhe contratara um mestre, para ensinar-lhe as letras, mas o homem ainda não aparecera; achava-se acometido de forte gripe e não conseguira, ainda, deixar o leito. Seu dia, então, resumia-se a pouca coisa: de manhã, tomava café com o pai; depois, saía a passear pelas redondezas, a pé; voltava e almoçava com o pai; à tarde, conversavam na biblioteca ou no salão de visitas. O irmão nunca estava com eles: ou dormia até tarde ou saía muito cedo. O facto é que haviam se encontrado pouquíssimas vezes e mal se cumprimentaram, olhando-se de rabo de olhos tão-somente. Entretanto, o que fazia seu coração bater mais forte mesmo, eram as lembranças de Teresa Cristina... Ah, a mocinha en cantadora, de tez alvíssima e de cabelos acobreados!... Deus do céu Tremia só de pensar nela!... E, ainda debruçado no parapeito da pequena sacada de ferro da janela do seu quarto, João Manuel deixa-se levar pelas recordações de dias atrás... O fortuito primeiro encontro nos aposentos dela... Que casualíssimo encontro, meu Deus!... E abre um sorriso, cheio de satisfação. Não planejara nada!... Puro acaso!... o tremendo susto que ele lhe pregara, sem querer, acordando-a, enquanto ela, displicentemente, dormia... E ele pensando que ela fosse Manuela... Ri-se, uma vez mais, cheio de felicidade, com tais lembranças. Record a estupefacção da mocinha e a terrível bronca que ela lhe dera, ao vê-1 nu em pêlo, ali, em seu quarto... Depois lera, nos olhos dela, os primeiro arroubos de paixão, quando se reencontraram na Praça do Mercado... A troca de olhares... Significativos olhares que se enroscaram uns nos outros e não mais queriam se deixar... João Manuel emite fundo suspiro. Precisava rever o seu amor!... Tinha de achar um jeito de volta à casa de Manuela]... No entanto, conhecia muitíssimo bem aquela cobra!... Se aparecesse por lá, sem ser convidado, certamente, a desgraçada sequer o deixaria entrar!... Precisava pensar... Precisava urgentemente, encontrar um jeito plausível para rever a mocinha d olhos de mel...
João Manuel espreguiça-se, estirando os braços acima da cabeça Era muito bom ficar ali, pensando naquela mocinha adorável, mas estava na hora de vestir-se e de descer. O pai, possivelmente, já se acordara o aguardaria, pacientemente, para tomarem o desjejum juntos. E conversariam, animadamente. Eram tantas as coisas que precisava contar-se, que precisavam saber, reciprocamente, um do outro... Na verdade, nada sabiam um da vida do outro.
- Bom-dia, filho!... - saúda-o o pai que o aguardava ao pé da escadaria. - Como é, dormiste bem?
- Como um príncipe, papai!... - responde ele, abraçando o pai ternamente. - Estás faminto?
- Sim, um pouquito!... - responde Manuel António, muito feliz.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 28, 2024 6:58 pm

Depois do ressurgimento do filho, o velho Barão da Reboleira ganhara um pouco mais de alento. Da terrível e longa prostração no leito terrível doença lançara-o, aos poucos, conseguira reerguer-se e já caminhava sozinho, com o auxílio de uma bengala. É certo que o mal que o acometia era incurável, mas o retorno e a constante companhia do filho davam-lhe um pouco mais de ânimo, e o fim se lhe prolongava um tantinho mais...
- Estive pensando, cá, com meus botões, Francisquinho, e acho que devemos reapresentar-te à sociedade - diz Manuel António, tomando seu desjejum, sentado junto do filho, na grande mesa da sala de jantar. - Quase ninguém sabe que tu voltaste, e é nosso dever mostrar-te aos amigos e conhecidos. Pensei em darmos um grande baile!... Que achas?...
- Se assim pensas... - diz o rapaz, sem dar muita importância àquele fato.
A verdade é que nunca estivera ligado a acontecimentos sociais e nem tinha a mínima noção do que fossem os bailes que a alta roda lisbonense frequentava. Sempre vivera à margem daquela gente; até então, tudo se resumira a vê-los passarem de longe, sempre apressados, em suas sumptuosas carruagens. A aristocracia sempre fora um mundo muito distante da sua realidade. Sabia que era gente altiva, que vivia em esplendentes palácios e mansões e, também, que eram pessoas extremamente orgulhosas e que detestavam pobres...
-Ah, se a tua mãe estivesse viva!... - exclama o velho barão. - Ela, sim, sabia receber como ninguém!... Nosso salão era famoso em toda a corte, meu filho, antes que nos sucedesse a desgraça do teu sumiço!... Depois, tudo ficou triste, nossa casa fechou-se para sempre para os bailes e para os saraus, e nunca mais se ouviu um só acorde musical Por aqui!...
De repente, João Manuel ilumina o rosto. Deus do céu!... Era a chance de reencontrar Teresa Cristina!... O pai acabava de dar-lhe a chance de rever o seu amor!...
-Oh, papai!... - diz ele, animando-se grandemente. - Farias isto por mim?... Desejas, realmente, que todos me vejam?...
- Claro, meu filho!... - exclama Manuel António, admirando-se da repentina sobreexcitação de ânimos que passava a demonstrar o rapaz. - Mas não te cria assim tão afeito aos divertimentos!... Ora, quem diria!...
- Diz-me, papai, poderei convidar uma pessoa em especial? pergunta ele, cheio de expectativa.
- Claro que sim, querido!... - responde o pai, com bonomia. M depois, lembrando-se de algo, acrescenta, meio arrependido: - Não digas que pretendes convidar aquelazinha que aqui contigo e com Dom Eusébio veio, vais?...
- Oh, não, papai!... - apressa-se ele em responder. - Gerusa sequer saberá que daremos um baile!... Garanto-te!... Trata-se de outra pessoa!
- Do cais do porto, presumo... - diz Manuel António, desapontando-se. E, prossegue, anuviando as feições e demonstrando certa contrariedade: - Olha filho, se vais...
- Oh, não!... Não!... - atalha o rapaz. - Não é ninguém, em absoluto lá da baixada do cais, não, papai!... Fica sossegado!... É alguém de bom nascimento, assim... Assim como eu!... Juro-te!... Tu não te envergonarias dela, com toda a certeza!...
- Se dizes... - fala o velho barão, sentindo-se aliviar de pronto, abrindo um sorriso cheio de curiosidade, prossegue: - Acaso conheço tal rapariga?... De que família é?...
- Olha que a curiosidade matou o gato, senhor Barão da Reboleira!... -exclama o rapaz, gracejando. Depois, fazendo-se sério, pro segue: - Seu nome de família ainda não conheço, papai; entretanto, s ela ter relações de parentesco com a Baronesa da Ajuda, a senhora dona Manuela Albuquerque e Meneses. Acaso tu a conheces?
- A Baronesa da Ajuda?... - espanta-se Manuel António de filho estar ligado a pessoa de tão elevada estirpe. - De onde é que conheces gente tão importante?... Afonso Albuquerque e Meneses um dos homens mais ricos deste reino, homem!...
- Namoriquei uma das criadas da Baronesa da Ajuda, papai!... mente ele, abrindo um sorriso matreiro. O pai jamais deveria sequer imaginar qual fora a real ligação que ele tivera com a maldita Manuela.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 28, 2024 6:59 pm

- Hum!... Sei!... - diz o velho, olhando o filho e sem demonstrar muita convicção pela resposta que o rapaz lhe dera. - Então tu frequentavas a mansão do Barão da Ajuda com o intuito de namoriscar uma das criadas, é?... E, às esconsas, imagino... E acaso é essa talzinha que desejas convidar para o teu baile?...
- Oh, não!... Não, papai!... - apressa-se em responder João Manuel. - Convidarei a prima da Baronesa da Ajuda!
- Mas, quem será essa rapariguita?... - pergunta-se o velho barão, forçando a memória. - Não consigo lembrar-me de nenhuma jovem parenta da Baronesa da Ajuda... _ Pois é prima da Manuela, papai!... - diz o rapaz. - Isso te posso jurar!...
_ Prima da Manuela... Prima dos Barões da Ajuda... - murmura o velho Barão da Reboleira, sem conseguir atinar de quem se tratava. -Sinto muito, meu filho, mas não consigo lembrar-me!... Só vendo a rapariga, mesmo!...
_ Vê-la-ás, papai, vê-la-ás, com certeza!... - diz ele, cheio de alegria. _ E conferirás que graça de mocinha é ela!...
- Para tanto, apressemo-nos, então!... - diz o velho, aliando sua alegria à do filho. Como era bom tê-lo de volta e fazê-lo feliz!... O muito que lhe fizesse, seria pouco em paga dos tormentos e das agruras que o pobrezinho vivera até então. Cheio de emoção, olha para o filho, e duas lágrimas descem-lhe dos olhos, enquanto prossegue: - Daremos uma linda festa em tua homenagem, filhinho!... Uma linda festa!...
João Manuel ri-se feliz. Finalmente, apresentava-se oportunidade ímpar de rever Teresa Cristina. Far-lhe-ia uma surpresa: enviaria o convite a ambas - a ela e à Manuela -; entretanto, usaria seu nome verdadeiro: Francisco de Assis Ramalho e Alcântara, Barão da Reboleira, e as duas só ficariam sabendo realmente de quem se tratava, no momento exacto!...

* * * * * * *
Naquela mesma tarde, Gerusa encontrava-se em seu sórdido quartinho na ma do cais. Fazia já um mês que João Manuel houvera deixado o porto e não mais dera mínimas notícias. Deitada de costas sobre o leito de lençol encardido, a jovem prostituta remoía suas raivas contra o rapaz que lhe dera o bolo.
- Ah, Anjinho!... - murmura baixinho, enquanto abre um sorriso cheio de despeito. - Agora que estás a nadar no ouro puro, esqueces-te de onde saíste, não é, malandro?... E se não fosse por Madá e por mim, ainda te encontrarias neste sórdido esgoto!... Madá...
A lembrança da pobre companheira, vilmente assassinada, tempos atrás, fá-la se entristecer, e duas lágrimas brotam-lhe aos olhos.
- Oh, Madá!... Que saudade de ti!...- murmura entre lágrimas Não mais vieste ver-me... Acho-me tão só!... Ando com tantas saudades de ti... Até Anjinho se foi!... Devias ter visto como o danadinho" acabou por arranjar-se bem!... - e, enquanto, pretensamente, dialogava com a companheira morta, contando-lhe as novidades, as lágrimas iam" lhe sumindo dos olhos. A pobre meretriz principiava a animar-se, com -novas perspectivas que surgiam para a sua miserável vida: - De fato pais do malandro são, mesmo, cheios do ouro!... Precisavas ver a ca deles!... Sabias que ele prometeu casar-se comigo?... Ainda vou mor naquele palacete!... Tu verás!... Entretanto, estranha-me que Anjinho ainda não tenha cá aparecido!... Ter-se-á esquecido de mim?... Oh, que dúvida, Madá!... As vezes, acho que o velho, o pai de Anjinho, não gostou de mim!... Olhava-me, o tempo todo, com um jeito escandalizado!... Ah, os aristocratas!... Decididamente, não gostam dos pobres!. Têm-lhes uma ojeriza natural, que se lhes mostra incontrolável!... Basta; sentirem o cheiro de um miserável e se enchem de asco!... E involuntário!... Mas, tu sabes, melhor que ninguém, que as pessoas, de modo geral, não gostam de nós, não é mesmo?... Odeiam-nos, impiedosamente quando percebem o que somos!... Todos nos desprezam!... Apenas não se escandalizou comigo!... O bispo!... Dom Eusébio viajou comigo de volta, naquela carruagem luxuosa e, em nem um momento seque durante o trajecto todo, destratou-me ou fez qualquer tipo de censura! Tratou-me, sim, sempre com educação e respeito!... Como um pai! Conversou tanto comigo!... Contou-me histórias lindas, de Jesus, dc santos todos!...
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 28, 2024 6:59 pm

E, convidou-me a visitá-lo na mansão episcopal!... Imagina só, Madá, se as más-línguas pilham-me a visitar Dom Eusébio!. Que não dirão do pobrezito?... O porto todo se assanhou ao ver quando eu deixava a carruagem dele, aqui bem diante de casa!... Foi I alvoroço total!... Mas, depois que ele se foi, fiz um esparrame daqueles! Defendi o santo homem!... Que alguém se atreva a falar mal de Dom Eusébio diante de mim e verá!... Mas, Madá, precisavas ver o luxo em que vive Anjinho!... Tu nem imaginas o quanto o pai dele é rico!.. - E, quando ele voltar para buscar-me, para lá também irei eu!... E, se o pai dele de mim realmente não gostar, pior para ele!... Já se encontra velho, mesmo!... Velho e bastante caquéctico, pelo que pude perceber!... Hora dessas, passará desta para a melhor, e então, viverei naquele palácio com Anjinho!... Só nós dois!... Pena que aqui não mais te encontras, querida! Senão, tu também irias!... Isso eu te garanto!... Acaso não fomos nós a descobrir-lhe o passado?... Não fôssemos nós duas, e Anjinho ainda estaria por aí, mais pobre que Jó, a catar migalhas para Sobreviver!...
Gerusa levanta-se do leito e se encaminha para a minúscula janela guardada pelas cortininhas de renda encardida. Põe-se na ponta dos pés e espiona a rua lá embaixo. A tarde avançara bastante, e a luz fugia depressa, cedendo a vez às trevas da noite. A jovem prostituta emite longo suspiro e se volta. Tocava a aprontar-se para mais uma noite de trabalho pesado.
_ À luta, Madá!... - exclama ela, apanhando o vestido que se achava dependurado num varal improvisado ao longo da parede. - Mas, por pouco tempo, espero!... E, se o senhor Anjinho pensa, acaso, que ficarei aqui plantada, esperando as vontades dele de vir buscar-me, engana-se!... Dar-lhe-ei mais três dias!... - e, aproximando-se da janelinha, alteia, propositadamente, a voz e grita para fora: - Três dias, apenas, senhor Anjinho!... Depois tu verás do que serei capaz!...
Em seguida, põe-se, compenetradamente, a vestir-se para a estafante jornada nocturna que a aguardava.

* * * * * * *
Naquele exacto momento, Teresa Cristina e Manuela voltavam para casa. O carro encontrava-se repleto de pacotes de compras que ambas houveram feito nas lojas do centro comercial da cidade.
- A cada dia, impressiona-me, enormemente, as coisas que há neste mundo, prima!... - exclama Manuela. - Viste as sedas chinesas?... Que gente laboriosa, Deus do céu!... Nem os ingleses tecem com tal maestria!... E olha que os tecidos que vêm da Inglaterra são lindos!... Mas, os que trazem de Macau são insuperáveis!... Ainda convencerei Afonso a levar-me a conhecer esse lugar tão pitoresco!...
-Terias mesmo coragem de viajar ao longínquo Oriente, Manuela!... pergunta a mocinha, altamente interessada na conversa da outra. -Não te importaria o fato de teres de ficar presa num navio durante meses?...
- Oh, nem um pouquinho!... E te digo que me sinto tremendamente excitada só em pensar na possibilidade de, um dia, realizar tal viagem! Que emocionante não seria!... Sabes, Tininha, invejo tanto os marinheiros!... Eles não têm parada!... Vivem no mundo!... A cada dia acham-se num lugar diferente, vêem gente exótica, tomam contacto co outras culturas e outros costumes!... Não imaginas o quanto invejo o homens do mar!... E também os ciganos, naturalmente!... Haverá gente mais pitoresca que os ciganos?... Olha, arrepio-me toda!... Ainda acabarei fugindo com um bando de ciganos!...
Teresa Cristina limita-se a olhar para a outra com um par de olhos atónitos.
- Espantas-te, priminha?... - observa Manuela, divertidíssima, a perceber que a outra se escandalizava com suas palavras. E explode numa gargalhada: - Ha!... Ha!... Ha!... Há!... - e, depois, ficando séria prossegue: - Ah, se me aparecesse um lindo e forte cigano de olho quentes e apaixonados e me arrebatasse, levando-me consigo, para bem longe!... Sabe, Tininha, essa vida monótona cansa-me!... Sei que talvez, não me consigas entender, mas viver uma vida assim, pode, eventualmente, cansar!... E eu já me cansei!... Cansei-me do luxo, das veleidades, das compras, dos saraus e dos bailes da corte!... Queria, agora aventuras fortes!... Queria revirar este mundo, conhecer-lhe os mistérios os encantos!... Temos tantas possessões, na América, em África, no Oriente... No entanto, continuamos aqui, presas neste cantinho esquecido do resto da Europa!...
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Ainda se vivêssemos em Paris, Viena ou Londres, vá lá!... Mas Lisboa é, ainda, tão provinciana!... Diz-me Tininha, conheces Paris?...
- Não, ainda, não... - responde a outra, sentindo-se diminuir.
- Ainda não te levou o teu pai a Paris?!... - espanta-se Manuela. prossegue, altamente indignada, esconjurando a conduta do primo do marido: - Mas que forra-gaitas!... Que pensa ele a que se presta o ouro?! A ser empilhado aos cantos, a servir de pasto às traças, por certo!. Que somítico!... Ainda se fosse um judeu!... Ao menos a tua mãe ter ele, acaso, levado, algum dia, a conhecer Paris?...
- Oh, sim!... - exclama a mocinha. - Foram ambos à França, quando recém-casados!...
- Na lua-de-mel!... - exclama Manuela, agora, achando muita graça - Tinha de ser!... Levou a pobre Bárbara a Paris, apenas, na lua-de-mel!-Depois, nunca mais!...
- Sim...
E sabes por quê?... - pergunta Manuela, divertida. - Porque, certamente não saíam nunca da hospedaria!... Ha!... Ha!...Ha!... Ha!... E a tua mãe não podia se encantar com nada que visse pelas ruas de Paris!... Há!.. Ha!... Ha!... Ha!... E garanto que a nenhum baile da corte ele a levou! Pobre Bárbara, certamente, nem teve oportunidade de saber como são os bailes que se dão em Versalhes!... De nenhuma masquerade1 deverá ter participado!... Nem não deverá ter visto o rei Louis2 e a rainha Marie-Antoinette a dançarem le menuet, juntamente com sua esplêndida corte!...
- Manuela!... - diz a mocinha, melindrando-se. - Também não é assim como dizes!... Papai não é o que pensas!... É um homem bom, justo e não nos nega nada!...
- Bom e justo?!... - exclama a outra, com desdém. - Conheço bem esses da tua família, mocinha, pois sou casada com um deles!... Só pensam e vivem a correr atrás de dinheiro, nada mais!... Acaso seria o teu pai diferente?... Pelo que sei, briga por uma pitada de rapé!... Dizes que não?... Acho que tu conheces muito bem a história da contenda que ele manteve, por anos a fio, com um de seus vizinhos, por alguns míseros palmos de terra... - e arremata: - Ah, e, se não me engano, por sinal é o pai de um desses teus namoradinhos, não é?...
- Manuela!... - diz a mocinha, entristecendo-se grandemente. -Por quem me tomas, afinal?...
A esposa de Afonso Albuquerque e Meneses exulta com a reacção que provocara na mocinha!... Deliciava-se, enormemente, quando podia espicaçar a outra!... Adorava, quando lhe surgiam oportunidades para fincar na prima tais bem apontadas farpas, e se deleitava, imensamente, em vê-la murchar. Sentia um gozo imenso!... Era a paga que se dava por ter de aturar aquela enxeridazinha em sua casa. Parentes!... Ainda se fossem os seus!... Mas, os do marido?... Aquela idiotazinha tirava-lhe a liberdade, limitando o seu círculo de acção. E, tinha de dar-lhe satisfações do que andava fazendo, senão... Cedo ou tarde, seu comportamento, fatalmente, cairia nos ouvidos do esposo, e Manuela não queria nem pensar em escândalos envolvendo-lhe o nome... Conhecia muito bem a lei!... Em caso de patente adultério, poderia ser repudiada pelo marido e cairia na mais negra miséria, pois a fortuna que herdara do pai já se amalgamara à dele, e não lhe seria mais possível separar e resgatar o que era somente seu. Por isso é que suportava aquela imbecilzinha ali em sua casa. Receio... Receio, principalmente, da língua da mãe daquela insuportavelzinha, a prima Bárbara, nefanda criatura de cujos espertíssimos olhos nada - mas nada mesmo! – escapavam!... Bárbara era deveras muito perigosa, e era melhor tê-la a seu favor caso contrário... Embora o marido vivesse no mundo, a rastelar mais é mais ouro, e a relegasse aos cães e aos gatos, a justiça dar-lhe-ia razão por certo!... Com tais coisas não era de se brincar!... Melhor era não se indispor muito com a tolazinha. Tinha de mordê-la, descarregando toda a raiva e a frustração do momento, mas, depois, rapidamente, afagá-la... Morder e soprar...
- Oh, Tininha, como levas tudo tão a sério!... - diz Manuela, batendo de leve nos joelhos da prima com a ponta do leque fechado. - Não sabes, efectivamente, separar o que é troça do que é real?... Deves perceber quando estou a brincar contigo...
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 28, 2024 7:00 pm

- Oh, Manuela, devo ser mesmo uma néscia daquelas!... - exclama a mocinha, com os olhos rasos de pranto. - De facto, nunca sei quando estás a brincar ou quando falas a sério!... Às vezes, tenho vontade de me ir!... Sinto que me rejeitas, quando me ridicularizas assim!... Desculpa-me, mas, tratando-me dessa maneira, sinto que te importuno!.. Olha, di-lo com sinceridade: se já te cansaste, se já te incomodei o suficiente, vou-me de volta a casa!... Arranjarei outro modo de safar-me do nefasto noivado que papai tenta impingir-me com Vasco!... E, se me internar nas Carmelitas Descalças, darei um jeito de fugir!... Não te preocupes!...
-Oh, logo tu, interna nas Carmelitas Descalças!... Ha!... Ha!... Ha!..-Ha!...- explode Manuela numa gargalhada. - Com todo esse fogo que deténs sob os vestidos!... - e prossegue, com um largo sorriso de mofa: - Haverias de deixar a santa prioresa daquele convento com os cabelos em pé!... Ha!... Ha!... Ha!... Ha!... És mesmo uma pândega, menina!.
Teresa Cristina nada responde. Volta o rosto para a janela do coche que corria célere, pelas mas de Lisboa, e dá evasão ao pranto. Manuela era má; gostava de judiar das pessoas por prazer!... Deus do céu!. Que não tinha de aturar para que sua vida não se transformasse num inferno sem fim?.-- Se voltasse a casa, o pai, certamente, exigiria que se com o odiento primo!... Mas, e o seu amor?... A lembrança do rapaz de olhos doces, freme de paixão!... Anjinho!... Que desejo imenso de revê-lo, de ouvir-lhe a voz!... O seu sorriso lindo abrindo-se matreiro, meio malandro, meio selvagem, inculto...
- Tininha!... - cutuca-a Manuela, com a ponta do leque. - Eh, olha mim!... - Estás de novo emburrada?... Nenhuma troça posso fazer de ti? Vives a melindrar-te à toa!...
- Deixa-me, Manuela... - diz ela, cheia de mágoa.
_ Oh, como és tonta!... - exclama Manuela, abraçando-a por trás - Como te mimaram os teus pais!... Vamos, dá-me um abraço de reconciliação!...
- Não tens mesmo jeito, Manuela!... - exclama Teresa Cristina, deixando-se vencer pela outra.
- Quando virá ver-te aquele rapagão lindo, o João Miguel?... -pergunta Manuela, abraçando a priminha, fortemente, e a beijando, falsamente, às bochechas molhadas pelas lágrimas. Precisava, urgentemente, reconciliar-se com aquela bobinha, pois, de repente, principiara a sentir fortes calores subindo-lhe de baixo e lhe tomando o corpo todo. Sabia que aquele incêndio iria alastrar-se com voracidade incontrolável, e só aquele rapagão bonito de Sintra é que seria capaz de apagá-lo com singular maestria... - Não fizeste, acaso, a indelicadeza de não o convidar a retornar, pois não?
- Disse que voltaria em breve - responde a mocinha, sem muita animação. - Mas não sei exactamente quando.
- E por que não o convidamos para cear connosco amanhã? - diz Manuela, acendendo-se. - Poderemos enviar-lhe um convite, conjuntamente, tu e eu!... Que te parece?...
- Não sei, Manuela... - responde a outra, reticente. O que não desejava, mesmo, era ter o namorado de volta, assim, tão depressa. Entretanto, a prima de nada poderia desconfiar. O melhor era não levantar qualquer suspeita. - Se assim desejas...
Manuela remexe-se no assento do carro. Estava excitadíssima. Antegozava, imensamente, as delícias que, possivelmente, aguardá-la-iam no dia seguinte. Volta-se para a prima e lhe sorri. "Idiotazinha, sem-graça!...", pensa. "Ao menos para alguma coisa tu me serves!... "e se ri, no íntimo, cheia de satisfação...
______________________________________________________________________________________________
1. Baile de máscaras, muito em voga nos salões da aristocracia, ao final do século XVIII
2. Referência aos reis franceses Luís XVI e Maria Antonieta, mortos por decapitação, como consequência dos horrores da Revolução Francesa, de 1789.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 28, 2024 7:00 pm

Capítulo 15 - Volta às origens
João Miguel mantém nas mãos o convite que acabara de recebe da namorada. Relê a curta mensagem, grafada em caligrafia caprichada, em letras bem desenhadas, quase perfeitas. Teresa Cristina Manuela convidavam-no para a ceia daquela noite. íntima satisfaça invade-lhe o ser. Manuela}.... A simples lembrança da esposa de Afonso Albuquerque e Meneses, seu corpo todo freme de desejos. À perspectiva de repetir a dose do último encontro de ambos, sua respiração torna-se opressa. "Que mulher, meu Deus!...", pensa ele, rindo-se cheio de insofreável contentamento. Agora, sim, achava-se envolvido em delicioso affair!... Como gostava de aventuras perigosas, o relacionamento com Manuela dava-lhe imenso prazer. Tinha as duas mulheres nas mãos!... Por Teresa Cristina nutria paixão singular, mais tema, mais doce; iria, certamente, desposá-la, assim que o pai viesse a falecer e consequentemente, não lhe obstando mais a que se ligasse à filha do se arqui-inimigo. Quanto ao pai da noiva, ambos contavam com Bárbara aliada poderosa que, com jeito e com habilidade, conseguiria convence o marido a permitir que se casassem. Além do mais, esfregaria um dote tão fabuloso às fuças de Jerónimo Dantas e Melo que, sovina com era, não iria resistir por certo!... Para começar, dar-lhe-ia de presente esplêndida quinta que pertencera à sua família por gerações. O velho Marquês das Alfarrobeiras, certamente, cairia das pernas!... Se aquele canguinhas houvera brigado, durante décadas, por alguns palmos de terra da quinta dos Barões da Reboleira, que não sentiria, se agora ganhasse e, sem fazer qualquer esforço, a propriedade toda, apenas em troca da mão da filha?... E lhe daria mais, muito mais!... Não era estupendamente rico?... Encheria aquele sovina de dinheiro e queria ver-lhe a reacção!... O dinheiro costumava comprar qualquer coisa, e por que é que não compraria o velho Marquês das Alfarrobeiras, pessoa altamente mesquinha, e que, certamente, não deveria custar lá muita coisa, não!...João Miguel não pretendia, mesmo, permanecer morando ali na quinta depois que o pai morresse, e ele se achasse de vez casado com Teresa Cristina. Desejava, sim, era mudar-se, definitivamente, para Lisboa. Compraria um palacete, em bairro nobre da capital, onde pretendia viver para sempre, constituindo sua família. Se bem que algo inesperado acontecera: aparecera-lhe o irmão, para atrasar um pouco suas intenções, mas, no bastardo que, de repente, surgira do nada, daria um jeito!... E, além disso, de tanto contentamento com a vinda do outro filho, o pai até ganhara novo alento!... As coisas apenas atrasavam-se um pouquinho, mas ele era paciente; sabia esperar. Tinha consciência de que a doença do pai era incurável e, quanto ao irmão, ainda não pensara, seriamente, a respeito, mas não lhe seria difícil desvencilhar-se daquele espantalho que reaparecia depois de tanto tempo!... E, extremamente contente, pois as coisas, finalmente, pareciam sorrir-lhe, outra vez, João Miguel principia a fazer a toalete. O encontro que tinha, para logo mais à noite, exigia-lhe muito esmero no trajar. Põe-se, então, a aparar, com muita atenção e cuidado, diante de imenso espelho de cristal, as pontas que se lhe sobressaíam dos bastos bigodes e das sedutoras suíças que lhe emolduravam o belo rosto amorenado.
Naquele mesmo instante, em seus aposentos, o velho Barão da Reboleira descansava, após ligeiro mal-estar que sentira, enquanto passeava pelos jardins fronteiriços da casa, de braços dados com o filho mais novo. Devagar, Manuel António recuperava-se da forte apneia que o acometera.
- Fizeste muito esforço, papai! - exclama o rapaz, cheio de cuidados. - Acho que te excedes comigo!... Desejas que te mande chamar o médico?
- Oh, não!... - retruca o velho. - Não é coisa para tanto!... Já me estou habituado a isto!... Tu ainda não te achas acostumado aos meus achaques!... Um pouquito de cama e me reabilitarei!... Tu verás!...
- Se assim o dizes...
- Olha, sinto-te um pouco acabrunhado, filhinho!... - diz Manuel António, estudando, com atenção, a fisionomia do rapaz. - Por que não te vais a Lisboa em busca de um pouco de distracção?... Sei que o teu irmão ainda não se acostumou contigo; gostaria, imensamente, que te convidasse a sair com ele, mas sabes como é!... Ele tem lá os amig0s dele, não é verdade?... E tu, certamente, terás os teus novos amigos! E é melhor que comeces a fazê-los desde já!... Olha, temos dois bons carros!... Um deles é de uso do teu irmão, naturalmente, e o outro m pertence!...
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 28, 2024 7:00 pm

Agora, entretanto, é teu: dou-to de presente!... Vai!... Toe a te vestires!... O cocheiro levar-te-á aonde quer que queiras ir!... Dinheiro, tu tens aos montes, e Lisboa está cheia de divertimentos!... p jovem, filhinho!... Não te quero aqui, preso ao meu lado!... Anda!. Estou ordenando que te vás!...
Por instantes, perpassa pela cabeça do rapaz o infrene desejo d rever Teresa Cristina. Por que não agora?... Por que aguardar o baile?... A oportunidade aparecia-lhe de pronto!... E ele ressurgiria, então, e alto estilo!... Não era, agora, rico?... Que fortes impressões não causará à mocinha, surgindo-lhe, à frente, tão mudado?... Antegoza, assim, enormemente, a perspectiva de revê-la, de estar com ela!...
- E, não te sentirás desamparado se me for, papai?... - pergunta ele altamente inclinado a ir-se.
- Asseguro-te: estou bem!... - diz o velho. E prossegue, encorajando-o: - Vai-te sossegado!... Quantas e quantas vezes não permanece só, apenas com meus fiéis servidores, aqui nesta casa?... Teu irmã sempre esteve fora... Mas, vê lá, hein!... Não te quero a zanzar pelo lados do porto!... Não te esqueças de que tenho o cocheiro a relatar-ma aonde é que te levou!...
- Está bem, papai, nada de ir ao porto! - diz ele, animando-se enormemente. - Deixo-te com Deus!... A tua bênção!...
Pouquíssimo tempo depois, João Manuel balançava-se, acomodado no luxuoso coche que o levava, celeremente, a Lisboa. Ia feliz. Feliz p se achar instalado em carro tão luxuoso! Quantas vezes não se imaginara viajando em carro como aquele?... E, também, felicíssimo, porque ia rever o seu amor!... Antegozava, ainda, cheio de plena satisfação, como o receberia Manuela!... "Ah, Manuela, muito ainda temos a acertar tu e eu!... Rameira de luxo, que me humilhaste até não mais que reres!...", pensa ele, com um sorriso de satisfação aos lábios.
Pouco depois que João Manuel deixara a casa, João Migue também saía, ignorando, totalmente, que ambos buscavam o mesmo itinerário... E, com curto intervalo de tempo entre si, os dois coches rodavam céleres, rumando ao mesmo destino: a mansão de Afonso Albuquerque e Meneses...
A noite havia caído fazia pouco, quando o carro que trouxera João Manuel estaciona diante das escadarias de mármore branco da entrada principal da imponente mansão senhorial. O rapaz salta da carruagem e, por instantes, observa o frontispício da majestosa vivenda. Estivera ali por Comeras vezes, mas aquela era a primeira vez que entraria pela porta principal do luxuosíssimo vestíbulo. Resoluto, galga a escadaria de mármore alvinitente e, com o castão da bengala, bate forte e repetidas vezes na imensa porta de madeira trabalhada. Instantes mais, e a porta abre-se.
- Tu?!... - espanta-se a criada que viera atender à porta.
- Sim, Inácia, sou eu!... - diz João Manuel, divertindo-se com a expressão de assombro que se desenhara, inopinadamente, às feições da serviçal.
-Mas, como pode?!... - exclama a mulher, enquanto, literalmente, varria o corpo do rapaz, de alto a baixo, com olhos altamente estarrecidos. - Onde é que roubas... quero dizer... onde achaste roupas assim, Anjinho!... - e, depois, espiando curiosíssima, por cima dos ombros do rapaz, nota o luxuoso coche estacionado diante das escadarias. - E o carro?...
- E uma longa história, Inácia!.... - diz o rapaz, divertindo-se, imensamente, com o espanto da criada. - Mas, diz-me: onde está a tua patroa?...
- Oh, a senhora dona Manuela banha-se em seu quarto!... - responde a serviçal, ainda altamente impressionada com o novo estilo que apresentava o rapaz: a casaca cinza de lã de pêlo de camelo de finíssimo corte; a camisa de cambraia alvinitente, com as branquíssimas e engomadas rendas dos punhos a cobrirem-lhe até o meio das mãos; o primoroso laço da gravata de seda vermelha; a capa de linho preto, forrada de seda verde-escura e brilhante, a cair-lhe perfeita sobre os ombros; a cartola de feltro azul-marinho; as botinas reluzentes; o par de luvas brancas que trazia numa das mãos e, na outra, a bengala com castão de marfim trabalhado... - Deixei-a, há pouco, mesmo quando Principiava a banhar-se!... Mas, não sei se te faço entrar, Anjinho!... -prossegue a mulher, grandemente embaraçada. - A patroa receberá uma visita para a ceia de hoje!... E tu vieste sem avisar!...
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 29, 2024 10:09 am

- Diz-me, Inácia, e a prima de Manuela, Teresa Cristina, encontra-se em casa?... - pergunta o rapaz quase a cochichar e cheio de expectativa.
- Certamente que sim!... - responde a criada. - Dona Ter acha-se em seu quarto, preparando-se para ceia de logo mais' ^
- Poderias levar-me até ela, Inácia!... - pergunta, súplice João Manuel.
- Acaso enlouqueceste, Anjinho?!... - responde a criada, arrolando os olhos. - Se te apanha a dona Manuela a andares pela casa sem que ela te convidasse, põe-nos ambos, tu e eu, fora daqui a pontapés! Não tiveste, ainda, tempo de conhecê-la o suficiente, durante esses anos todos, não?...
- Oh, sim!... Sim!... Claro que sim!... - responde João Manuel quase às raias da grosseria, irritando-se com a natural pusilanimidade da criada. - Sei que a tua patroa não passa de uma cobra lazeirenta, mas preciso ver Teresa Cristina!... É importante para mim!...
- Ai, Deus do céu!... - exclama a mulher, lamentando-se. E, voltando-se e espiando para o interior da casa, cheia de cuidados, prossegue queixosa: - E, se te deixo entrar e te pilham aí dentro?... Que será de mim?...
-Saberei ocultar-me!... Além do mais, já é noite!... Está tudo escuro!... Não haverá um convidado para a ceia?... Certamente, os demais criados achar-se-ão todos atarefados na cozinha!... Vamos, deixa-me entrar!... - diz, súplice, o rapaz. - Não disseste que a tua patroa banha-se?... Por certo, lá permanecerá uma eternidade!... Como ela tem a alma bastante suja, deverá demorar-se muito ao banho!... Tenta, talvez, esfregando-se em demasia, tirar a lama que lhe tolda o carácter!... Queira Deus que ela adormeça e que se afogue na banheira!...
- Anjinho!... - censura-o a criada. - É isso que desejas a quem tanto te deu a mão?...
- Deu-me a mão e me devorou, impiamente, em troca, o resto, aquele demónio!...- diz o rapaz, alteando a voz.
- Ssssh!... - diz a mulher, pondo o indicador aos lábios. - Queres que a casa toda saiba que estás aqui?...
- Que me importa se saibam ou não?... - diz ele, resoluto. - Agora, sai da frente e me deixa entrar!... - e, afastando a mulher, força a passagem e entra. - Mostra-me onde é o quarto de Teresinha!... Vamos, Inácia!... Tenho pressa!...
-Ai, Jesus Cristo!... - exclama, apavorada, a criada, indo-lhe atrás e
tentando segurá-lo pela aba da casaca. – Neste momento, dona Teresinha pode ainda achar-se ainda nua, a banhar-se!... Não convém adentrar-lhe o quarto assim!.-- Deixa-me ir primeiro averiguar!...
- Está bem!.-- - diz ele, após ponderar por alguns segundos. A criada
Tinha razão. Não lhe convinha adentrar, intempestivamente, o quarto da mocinha. Resolve, então, aquiescer: - Acho que tens razão!... Poderemos apanhá-la, ainda, desprevenida!... Sento-me aqui e espero que se apronte! Creio que não deverá ainda demorar-se muito, pois não?
_ Dona Manuela sei que não!... Já deve estar quase prontinha!... E não quero nem imaginar o que não fará ao ver-te aí escarrapachado no salão de visitas!... Matar-te-á, com certeza!... E a mim também, ao saber que fui eu a deixar-te entrar!... Ainda mais que teremos visita importante para a ceia!...
- Ora, deixa-te de arengas, Inácia!... - diz o rapaz, irritando-se com o aranzel que fazia a criada. - E, a propósito, quem é esse de importância tal a vir cear aqui esta noite?
- O noivo da senhorita dona Teresa Cristina!... - responde a criada. João Manuel levanta-se da poltrona, de um salto, como se uma
víbora o tivesse picado.
- O que dizes?!... - exclama ele, perplexo, agarrando o braço da criada. - Quem é o tal?... Vamos, diz-me!...
- Não lhe sei o nome, não, Anjinho!... - diz a serviçal, tentando desenvencilhar-se da mão do rapaz que lhe segurava firme o braço como uma tenaz. - O que sei é que dona Teresinha tem um noivo e que o gajo cá vem, amiúde, a vê-la!... Ainda semana passada aqui esteve ele!... Até dormiu no quarto de hóspedes!... Acho mesmo que nem não reside na cidade!...
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 29, 2024 10:09 am

Um noivo!... O rapaz deixa-se sentar, pesadamente, na poltrona. Passa, nervosamente, a mão pelo rosto, pelos cabelos. Principiara a suar copiosamente. Então ela era compromissada!... Por que não lhe dissera que era noiva?... Por que lhe dera tantas esperanças, Deus do céu?...
Esperta como era, a Inácia não passara despercebido o quanto o rapaz empalidecera ao ouvir que Teresa Cristina tinha um noivo. A Princípio, apiedara-se de João Manuel; depois, achou bom que ele se fosse depressa, antes que a confusão se armasse de vez, e o pior acabasse sobrando para ela. Então, era preciso dar-lhe o golpe de misericórdia. E fez com destreza:
- Sim, Anjinho, dona Teresinha é noiva de um rapagão, assim corno tu: jovem e bonito!... Também deve ser muito rico, pois costuma chegar num carro luxuoso como esse em que vieste e se veste, primorosamente e é de finos modos e de bons falares!...
Enquanto Inácia discorria, encomiásticamente, sobre seu pretenso rival, duas grossas lágrimas rolaram dos olhos de João Manuel. Por instantes, seu olhar perdeu-se no vazio, fixando o nada. Depois, emite fundo suspiro, enxuga as lágrimas com a ponta dos dedos e se levanta.
- A ninguém digas que aqui estive, Inácia!... - diz ele, com a voz trémula. - A ninguém, entendeste bem?...
- Perfeitamente, Anjinho... - responde a criada, com os olhos baixos. Lá fora, o carro aguardava-o, ainda estacionado diante das escadarias de mármore branco.
- Vamos para casa!... - ordena ele ao cocheiro.
Mal seu carro deixa os portões da mansão de Afonso Albuquerque e Meneses, um outro se aproxima e entra. Era João Miguel que chegava para cear com Teresa Cristina e com Manuela...

* * * * * *
De volta, no carro, João Manuel encontrava-se altamente acabrunhado. Noiva!... Teresa Cristina tinha um noivo!... Quem seria ele?... Sentia-se traído, grandemente magoado e machucado. Tantas ilusões alimentara acerca da mocinha e, agora, acabara sabendo que havia outro no coração da sua amada!... Ter-se-ia esquecido dele tão depressa assim?... Ou já existiria tal romance, desde antes de se conhecerem, naquele inusitado encontro de ambos, na penumbra do quarto dela?... A dúvida atormentava-o. Que frustração!... Saíra para rever seu amor e retornava a casa mais abatido que antes. De repente, sentiu uma grande raiva apoderar-se de si. Não tinha mesmo sorte!... Vivera sempre atropelado pelos desencontros!... Sempre à retaguarda, a comer o pó dos que se lhe iam à frente!... "Que vida besta, meu Deus!...", pensa, no escuro do carro, que corria célere, pelas ruas da cidade. O característico ruído das rodas sobre o calçamento de pedras do caminho embalava seus pensamentos. Nem mesmo o reencontro da família, o carinho que recebia do pai, o luxo ou a riqueza desmedidos de que era dono puderam fazê-lo feliz!... Anelava por um grande amor!... O grande amor da sua vida!... Sorri amargo, ao rememorar o quanto buscara por um amor assim, durante a sua vida toda. E, quando viu Teresa Cristina pela primeira vez, sabia que ela era o seu grande amor!... Inexplicavelmente, sentira o coração bater descompassado; tremera, descontroladamente; suas pernas bambearam e a respiração tornara-se-lhe opressa, difícil. “Deus do céu!...", pensa, enchendo-se de terror, na iminência de perdê-la assim, mal a tinha encontrado. "Que farei da minha vida, doravante?...Que graça terão as coisas para mim?..." E, estarrecido, pensa, então, no vazio em que se tornaria a sua vida, sem o seu amor. E, a seguir, um frio intenso apodera-se do seu coração. Um misto de gelo e de amarga decepção. Combinação fatal a propiciar situações que, usualmente, podem direccionar uma alma à queda moral!... E é justamente neste contexto de alta frustração e de abandono que as pessoas costumam buscar refúgio e consolo, muitas vezes, em lugares pouco recomendáveis!... Resoluto, ergue-se e, pondo a cabeça para fora da janela, grita ao cocheiro:
- Toca ao porto, Olegário!...
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 29, 2024 10:09 am

De repente, o medo da solidão fê-lo buscar o ambiente onde vivera por tanto tempo!... Sentira imensa saudade de beber uma caldeireta de chope e de ouvir os conselhos de Mestre Branquinho!...
Quando o luxuoso coche estaciona diante da espelunca de Mestre Branquinho, silêncio e alta expectativa tomam conta do magote de bêbados e de vagabundos que, costumeiramente, frequentavam o lugar. João Manuel salta do carro e adentra o lugar.
- Deus do céu!... - Vejam só quem vem lá todo engalanado!... -grita um marinheiro semi-embriagado, ao reconhecer o recém-chegado.
- Não acredito!...
- Anjinho!...
- Onde roubaste isso, homem?!...
- Ai, e não é que é só luxo o gajito, gente?!...
- Anjinho!... - exclama o estalajadeiro, reconhecendo o amigo que chegava todo enfatiotado, esbanjando luxo e apuro no vestir-se. -Andaste sumido!... Disseram-me que havias enricado, e vejo que não mentiram!...
- Pois vê só como são as coisas, não é, Branquinho!... - diz o rapaz, abrindo-se em sorrisos e feliz com a ruidosa acolhida que lhe Propiciavam os antigos companheiros. - Achei um tesouro e, agora, tenho-me do lado de lá!... Mas, vamos ao que interessa!... Aqui matar saudades da tua horrível morraça!... Vai lá, toca a servir bebida" todos!... E, tudo por minha conta!...
- Dizes, então, que agora andas da banda dos aristocratas, é? diz o velho estalajadeiro, enquanto enchia até a boca razoável fileira de copos com rum. E pergunta, altamente intrigado: - Mas, diz-me- e como é que isso se deu, hein?... Acaso te amarraste a alguma velhota ricaça, foi?
- Ah, conta-nos isso direito, Anjinho!... - exclama um dos que o rodeavam, todos eles tomados de alta expectativa pelas falas do antigo companheiro que reaparecia em alto estilo.
- Sim, sim!... Vamos lá: desembucha tudo direitinho!...
- Ha!... Ha!... Ha!... Ha!... Sabia que este danado ainda iria arranjar-se na vida!... Solteironas ricas e enjeitadas às vezes aparecem!...
- Vai lá, homem!... Ensina-nos a tua receita!...
- Sim!... E o que é que costumas usar sob o braço, hein?...
- Ou nos pés, a tirar a fedentina!... Ha!... Ha!... Ha!... Ha!... Damas de luxo não estão habituadas a tais pitorescos cheiritos!...
- E olha que algumas até gostam!... Ha!... Ha!... Ha!... Ha!...
- Mas, vai, diz-nos lá, seu maroto!... Quem é a doida que te financia?...
- Segredos, amigos!... Segredos!... - diz o rapaz, rindo-se e entrando na brincadeira. - E segredos não se contam; levam-se para o túmulo!...
E a turba explode em gargalhada geral. João Manuel passava a sentir-se feliz. Aquele ainda era o seu meio. Momentaneamente, esquecia-se dos seus dramas íntimos. Passa os olhos pelo bando de bêbados e de desocupados - companheiros seus, de tanto tempo, a rodearem-no, também felizes. Pouca coisa fazia-os felizes!... Observa-lhes os rostos esquálidos, sofridos, prematuramente envelhecidos pelo abuso do álcool e, principalmente, pela falta de tudo: era gente simplíssima acostumada aos duros embates da vida, vivendo no meio da miséria. Sequer tinham a mínima noção do que era uma existência rodeada d luxo excessivo, como a que ele, João Manuel, passara a viver, depois que reencontrara a família.
- Gerusa passou ainda há pouquinho por aqui!... - diz-lhe Branquinho, passando-lhe o copo cheio de rum, a derramar-se de tão cheio.
A lembrança da antiga companheira de infortúnio, João Manuel inquieta-se. Um misto de saudade e de desejo toma-o.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 29, 2024 10:10 am

- Passou por aqui, então?... E como está ela? Ainda bonitona, Anjinho!... - responde o velho estalajadeiro, piscando-lhe um olho maroto. - Ainda do jeito que o senhor diabo costumam gostar... - Ha!... Ha!... Ha!... Ha... E, a propósito, vais vê-la?... A esta hora possivelmente, ainda estará a buscar pela freguesia...
_ Não, Branquinho! - responde ele, secamente. - Não vou ver Gerusa!..-
-Percebo que, mesmo montado no ouro, não te achas feliz... Estarei errado?..-
O rapaz fixa firme os olhos do velho estalajadeiro, por alguns instantes. Branquinho era um homem deveras perspicaz. João Manuel compreendeu, então, que não lhe seria fácil enganá-lo.
- Não, não estás errado, meu amigo...
- Dores de amor, Anjinho?...
- Dores de amor, Branquinho...
- Opa!... Essas doem demais, meu caro!...
- Se doem!...
- E nem não há remédio nem jeito para tal enfermidade...
- Não... Só resta aguentar firme, na teima!...
- Mas te digo que há uma solução: nada encontrarás de melhor para te esqueceres de um rabo-de-saia, do que mergulhares nos braços de outra rapariga!... É atear fogo ao fogo!...
- E é, Branquinho?... - diz o rapaz, abrindo ligeiro sorriso, com laivos de safadice. O álcool já principiava a embotar-lhe o juízo. - E quem tu me sugeres?... Existirá, acaso, carne nova no mercado?...
- Sim, sim, existem umas taizinhas novas por aí que tu não conheces; entretanto, não te aconselho novidades, não!... - observa o velho estalajadeiro. - Em semelhantes casos, o melhor que fazes é te aninhares em colo conhecido...
- Gerusinha?...
- Por que não?... - diz o velho, piscando-lhe um olho maroto. – Tu não sabes o bem que lhe farás!... Não é que, depois que partiste, por um bom tempo, andou a moçoila um tantinho derreada?... Saudades de ti, meu velho!... Saudades de ti!... - e explode numa divertida gargalhada: ~ Ha!... Ha!... Ha!... Ha!... Vamos, toca a consolares a Gerusita!...
- E onde a encontrarei a estas horas?... Em casa, por certo, não estará!... Ainda é bastante cedo!...
- Por aí!... Por aí!... - diz o velho, fazendo largo gesto com as mãos.
- Tu sabes, exactamente, onde achá-la, não é mesmo?... Tu sempre a achavas, antes...
João Manuel resume-se a menear a cabeça e a sorrir-lhe, confirmando tudo. Decididamente, ele nada poderia ocultar de Branquinho! Aquele homem conhecia-o como ninguém. Depois, com um aceno mão, despede-se do velho companheiro.
- Não te vás esquecer de nós, hein, safadito!... - grita Branquinho quando o rapaz já se encontrava no limiar da porta de saída. - Vê se nos dá o ar da tua graça vez ou outra!...
- Até breve, amigos!... - brada o rapaz, em despedida, ao sair. Deixei-vos mais uma rodada paga!...
A turba despede-se dele, num coro de pilhérias:
- Já te vais, Anjinho?...
- Olha que ainda é cedo!... Ha!... Ha!... Ha!... Ha!...
- Fica mais, Anjinho!...
- Já te arremetes à caça, hein, maroto?... Ha!... Ha!... Ha!... Ha!
- Fiquem em paz, amigos!... Adeus!... - diz ele, saindo de vez da taverna e deixando os antigos camaradas em total algazarra.
Em seguida, com passos apressados, dirige-se para o carro que se encontrava estacionado na ma. O cocheiro, que cochilava recostado no assento da boleia, ouvindo-lhe os passos, empertiga-se ligeiro.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 29, 2024 10:10 am

-Vamos rodar por aí, Olegário!... - ordena ele, antes de tomar assento na carruagem. - Preciso encontrar uma pessoa...
O coche rodava devagar pelas mas parcamente iluminadas do cais do porto. Pouquíssimos lampiões a óleo de baleia dependurados no frontispício das tavernas queimavam pachorrentos, lançando sua luz mortiça ao ambiente enegrecido pela noite sem luar. Da escuridão dos becos e das ruelas, surgiam rostos femininos que, curiosos, olhavam para o luxuoso carro que passava. Eram as mulheres da noite que lutavam pelo mísero pão de cada dia!... João Manuel olhava para aqueles rostos a exibirem intensa e excessiva maquiagem; as roupas espampanantes, de cores altamente berrantes, chegando às raias do ridículo; as exuberantes e espalhafatosas perucas arranjadas em penteados estrambóticos... Pobres criaturas, que mais pareciam grotescas caricaturas que, realmente, figuras feminis... Que patético!... Que tristeza, Deus do céu!..
- Assim era o mercado de carne humana daqueles tempos; como foi e ainda é o mercadejar dos prazeres em todos os tempos de todas as épocas: patético e confrangedor!...
João Manuel olhava, demoradamente, para aqueles rostos que surdas trevas. Gerusa deveria estar por ali. Não lhe seria difícil encontrá-la por certo. E foi o que aconteceu: depois de rodar por umas poucas ruas da baixada do porto, avistou silhueta feminil conhecida. Era ela!-
_ Gerusa!... - grita ele, da janela do carro.
A moça caminhava pela mela calçada, bem próximo à parede das construções que ladeavam a estreita via, a fim de dar passagem ao carro. Ao ouvir a voz, reconhece-a, de imediato. Instintivamente, leva ambas as mãos ao peito.
-Anjinho!... - murmura, enquanto o coração principia a bater-lhe descompassado.
- Gerusa!... - repete ele, chamando-a. - Vem!...
-Anjinho, és tu, realmente?...- pergunta ela, abeirando-se da janela do coche e firmando a vista para melhor enxergar na escuridão reinante. - Que fazes aqui?...
- Vem, entra!... - diz ele, abrindo-lhe aporta do carro.
- Jamais imaginei encontrar-te hoje, Anjinho\... - diz ela, acomodando-se no assento ao lado dele. E, com forte inflexão de ironia à voz, prossegue: - Que bicho te mordeu e te fez lembrar dos pobres?... Até pensei que me esquecias...
- Oh, não iria jamais me esquecer de ti, Gerusinha!... - exclama ele, estreitando-a forte aos braços.
- Hum!... Sei!... - exclama ela. E, percebendo-lhe a intensa expuição dos vapores alcoólicos, prossegue: - Não terá sido, acaso, porque te encharcaste de jeropiga na espelunca de Mestre Branquinho que, de repente, cheguei-te à memória?...
- Juro-te, queridinha!... - diz ele, com a voz amolecida pela bebida. ~ Pura saudade de ti!... Olha, por que não vamos até a tua casa?...
- Acho bom mesmo!... - diz ela, cheia de amuos. E, desvencilhando-se dos braços dele, prossegue: - Precisava ter uma conversa séria contigo!... Vieste bem a calhar!... E não é que eu andava até a pensar em Procurar-te, em tua casa, ainda esta semana?... Poupaste-me tempo e o dinheiro para o transporte até lá...
"Ainda bem que não tiveste a péssima ideia de ires a Sintra!...” pensa João Manuel com alívio. "Não sabes do que me poupaste!..."” Se papai te pilha a rodear-me!... " E, fingindo agradá-la, diz: - Morria de saudade de ti!... Por isso é que vim ver-te!...
Gerusa limita-se a olhá-lo, desconfiada. Nas lides daquela sua miserável vida, aprendera a não confiar em demasia em ninguém. Nem mesmo nos que se diziam amigos...
Pouco depois, achavam-se no sórdido quartinho da jovem meretriz João Manuel sente um arrepio ao adentrar aquela miséria toda. Seu negro passado abate-se sobre ele como uma catadupa gelada, e um tremor perpassa-lhe o corpo todo. Deus do céu!... Como era horrível aquilo!... Agora tinha parâmetros de comparação entre os dois modos de viver: a cruenta miséria e o luxo extremo!...
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 29, 2024 10:10 am

Com certa relutância, senta-se no encardido leito de Gerusa. O cheiro nauseabundo - que antes ele nem notava!... - agora, enjoava-lhe o estômago. Jesus Cristo!... Como conseguira viver tanto tempo em lugares como aquele?... Instintivamente, levanta-se do leito e se encaminha para a janelinha guardada pelas cortininhas de rendas encardidas. Abre a janela e põe o rosto para fora. Precisava respirar, necessitava de ar fresco.
- Não te vais deitar aqui a meu lado?... - pergunta Gerusa, percebendo que ele se demorava espiando a rua. - Que te chama tanto a atenção lá embaixo?...
- Ahn!... Nada, não!... - responde ele, enquanto se volta e a olha na face. De repente, sentiu piedade de Gerusa. Ela nem percebera que ele não aguentava mais ficar ali; que não conseguia respirar naquele ambiente tresandante a mofo.
- Olha, Gerusa, não queres passear de coche?... - diz ele. - Posso levar-te ao centro da cidade!...
- Se assim o desejas!... - diz ela, levantando-se do leito. - Apenas, deixa que apanhe a capa.
Pouco depois, instalados no carro, rumavam para o centro da cidade.
- Não queres jantar comigo?... - pergunta ele. - Percebo que ainda nada comeste hoje...
- De facto, meu estômago atormenta-me!... - diz ela, abrindo um sorriso. - Ainda bem que percebeste!...
Também eu ainda não jantei!... - exclama ele. - E, enquanto comemos, poderemos conversar!...
Pouco depois, em luxuoso restaurante do centro da cidade, ambos deliciavam-se diante de mesa farta.
- Aposto que nunca comeste pasto assim!... - observa ele, divertido.
_ E nem tu, antes!... - responde ela, brincalhona.
_Tens razão!... - concorda ele. - Mas, ando a enjoar-me de tanta boa comida que há em aquela casa!... Tu nem imaginas como vivem os aristocratas, Gerusinha!...
_ Andando ao teu lado, já começo a entender, sim, meu caro!... -observa ela, olhando-o nos olhos. - Já te esqueceste de que me prometeste matrimónio?...
-Oh, não me esqueci, não!... Fica sossegada!... Promessa é dívida!... -diz ele, baixando os olhos.
Gerusa olha-o cheia de desconfiança. Sabia que João Manuel estava mentindo. Conhecia-o de sobra. Mas, não iria deixar barato, não. Não se empenhara tanto em achar-lhe a família?... Acaso não foram ela e Madalena a indicar-lhe o caminho?... Ele que não se atrevesse, agora que se achava no bem bom, a despachá-la, assim, sem mais nem menos!...
- Mais vinho, Gerusinha!...
- Por favor, Anjinho...
A noite caminhava, o jantar continuava, e os olhares, amiúde, encontravam-se. Estudavam-se, mediam-se, dissimuladamente. Na surdina, iniciava-se silenciosa queda-de-braço entre eles. Ferrenha e cruenta guerra de interesses declaravam-se João Manuel e Gerusa... Antes, bons e entendidos amigos, unidos pela necessidade; agora, entretanto, pisavam em terrenos diferentes, e a discórdia, como insidiosa serpente, imiscuía-se, sorrateira, entre ambos...
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 29, 2024 10:10 am

Capítulo 16 - Um baile...
Assim que despachara João Manuel, Inácia correra apressada a levar a notícia à jovem Teresa Cristina que ainda não acabara de se aprontar, em seu quarto.
- Que dizes, Inácia?!.... - espanta-se a mocinha. - Anjinho estava aqui e não me avisaste?!... - e prossegue, lamentando-se: - Oh, por que fizeste isso, sua desalmada?... Ainda outro dia, procurei tanto por ele no cais do porto e não o encontrei!...
- Fi-lo por vós, senhorita!... - diz a criada, admoestando-a. - Acaso sabeis o que aconteceria, se a senhora dona Manuela pilhasse o talzinho por aqui?!... Que não seria de nós duas?... E, que não seria do gajo, também?... Certamente, pô-lo-ia fora da casa a pontapés!... Acho que não conheceis a patroa direito, apesar de ela ser vossa prima!... Ainda bem que fui eu a abrir-lhe a porta!... E se tivesse sido um outro criado qualquer?... Eu acabava de deixar dona Manuela a banhar-se em seus aposentos e foi exactamente quando eu descia as escadas e ia, a mando da patroa, dar uma espiadela na cozinha a ver a quantas andava o preparo do jantar, que ouvi que batiam, insistentemente, à porta de entrada do vestíbulo. Toquei a abrir, e não é que era o tal, todo encasquilhado, a esbanjar desmesurado luxo?... Quase não o reconheci d pronto!... E, ao perguntar por vós, tremi-me toda de medo!... Pensei n que faria dona Manuela, se o pilhasse ali e, também, em vosso noivo que estava por chegar!... Acho que podeis muito bem imaginar a confusão que se iria armar, pois não?
- Ah, por Anjinho, enfrentaria Manuela e quem mais aparecesse minha frente!... - diz a mocinha, desalentando-se, profundamente, e s deixando sentar, pesadamente, numa poltrona. - E tu me deixaste escapar esta oportunidade!...
_ Senhorita dona Teresinha - diz a criada, tentando levantar os ânimos da outra-, não imaginais o quanto Anjinho apresentou-se diferente!...
- Diferente como?... - pergunta Teresa Cristina, sem muita animação.
A frustrada oportunidade de rever João Manuel abatera-a enormemente. E tudo malograra por causa daquela doida!... Bem que poderia se o tivesse desejado, é claro! - ter encontrado um jeito de esconder o rapaz e de tê-lo trazido até ali.
-Apareceu à porta principal, vestido como um príncipe!... - exclama a criada, ainda altamente impressionada pelo finíssimo modo de trajar-se do rapaz. - E de cartola e de bengala!...
- De cartola e de bengala?!... - espanta-se a mocinha, mal conseguindo imaginar aquele rapagão malvestido, de modos quase grosseiros, agora, a trajar-se cavalheirescamente.
- E de gravata de esmerado laço de seda vermelha e de branquíssimas luvas engomadas e de capa de cetim negro e de casaca de abas longas, de finíssimo tecido, e de botinas brilhantes!... - responde a criada de uma só tirada. E prossegue, fazendo um gesto significativo, estirando os lábios e beijando a ponta dos dedos: - Precisáveis ver-lhe o luxo!... E, ainda, que veio num carro daqueles!...
- Num carro?... - espanta-se mais a mocinha.
- Com cocheiro e tudo!... E que ficou aí o tempo todo, estacionado diante da casa, a cochilar na boleia, enquanto aguardava o gajo!... -explica a criada, cheia de excitação.
Teresa Cristina quedou-se meditabunda. Que haveria sucedido ao rapaz?... Onde teria arranjado tudo aquilo?... Sabia que ele era pobre de fazer dó e que nem casa possuía!... De repente, aparecia assim, todo engalanado!...
- Que lhe disseste, Inácia1.... - pergunta a mocinha, depois de algumas cogitações acerca de tudo aquilo e, também, estranhando de como a criada conseguira despachá-lo com relativa facilidade, pois, apesar do pouco que com ele estivera, notara-lhe o alto arrojamento nas atitudes. - Afinal, como o convenceste a ir-se, sem antes se ter avistado comigo?... Anjinho, ao que me consta, não é nada fácil de deixar-se levar...
~ Disse-lhe que esperáveis pelo vosso noivo... - responde a criada, baixando os olhos.
-Oh, Inácia!.... - diz a jovem, desalentando-se ainda mais. - p( que fizeste tamanha asneira?...
-E haverei, acaso, mentido, senhorita?... - redargui a criada, laivos de cinismo à voz. - Dizei-me: por quem é que vos aprontais, neste momento?... Para receber o senhor bispo de Belém é que não é, pois!...
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 29, 2024 10:11 am

-Inácia!... - exclama a mocinha, ralhando com a criada. - Tornas- te insolente!... Acaso desejas que te denuncie à minha prima por tal atrevi mento, é?...
-Oh, não, perdão, senhorita dona Teresinha!... - diz a outra, humilhando-se e, dobrando o joelho, faz-lhe longa reverência. - Estou a exceder-me!... Perdão, senhorita!... Por favor, perdoai-me!...
-Fizeste muito mal, Inácia, em teres dito a Anjinho que eu esperava por meu noivo!... E, como se portou ele a partir disso?...
-Ficou muito triste, senhorita!... - responde a criada, baixando olhos. - E chorou...
Chorou!... Ele chorou!... Anima-se, enormemente, a mocinha, chorou, é porque a amava!...
-Dizes que Anjinho chorou?... - volta a perguntar, ansiosa. Conta-me, então, como foi!...
-Quando lhe disse que éreis noiva e que esperáveis pelo vosso noivo para a ceia, Anjinho derreteu-se como neve ao sol, senhorita. Seus olhos encheram-se de lágrimas e, sem apresentar qualquer resistência, foi-se em seu luxuoso carro - diz a criada de forma lacónica. Depois bastante nervosa, torcendo as mãos, prossegue: - Olhai bem, senhorita, fiz tudo isso para poupar-vos muitos e terríveis dissabores, pois, se a patroa vos pilhasse em atitudes suspeitas, nem quero imaginar!... Pôr-vos-ia porta fora, por certo!... E eu iria como contrapeso!... Não imaginais do que é capaz a senhora dona Manuela!...
-Tiveste medo do que te pudesse acontecer, galinha velha!... - exclama Teresa Cristina, numa explosão de cólera. - Quiseste foi é salvar o teu pêlo!... Morres de medo da tua patroa, isso sim!... Mas, digo-te que, se isso acaso tivesse acontecido, eu teria assumido toda a culpa! — Não me tremo toda de medo de Manuela, não!... Agora, vai, some-te de diante das minhas fuças, que tenho ganas de esfolar-te viva!...
- Sim, senhorita!... - diz a criada, buscando, ligeira, a porta.
_ E, quando aquele pulha do meu noivo aparecer, faze o favor de avisar-me, sem delongas!... E, preferencialmente, que mantenhas o bico fechado, hein?... A ninguém digas que Anjinho aqui esteve!... A ninguém, ouviste bem?...
A outra sai, e Teresa Cristina deixa-se abater, enormemente, por aquela traição do destino. Ele estivera ali tão perto dela!... Ah, se tivesse ao menos imaginado!... Ter-se-ia lançado aos braços do seu amor, sem titubear!... Manuela e João Miguel que se danassem!... De repente, a lembrança de que o namorado, em pouco, estaria de volta para vê-la, fá-la tremer. Deus do céu!... Teria que fingir de novo!... E fingir não era muito o seu forte!... João Miguel era por demais perspicaz e já começava a desconfiar do modo como ela o tratava. Até quando conseguiria suportar-lhe a presença, os abraços e os beijos forçados?... E, ainda por cima, ele era tão violento!...
E, a meio de tais cogitações, Teresa Cristina termina de se vestir. Não com o esmero e com o empenho que teria feito para apresentar-se a seu verdadeiro amor, mas, ainda assim, estava linda, quando deu a derradeira espiadela, observando-se, detalhadamente, diante do imenso espelho de cristal do toucador. Ia, agora, descer, e esperar que o outro chegasse. Emite profundo e desolado suspiro e sai do quarto devagar, sem pressa, sem motivação alguma, semelhantemente ao inevitável destino do animal que se deixa conduzir ao matadouro.
-Noto-te um pouco distante, minha cara - diz-lhe João Miguel, logo mais, quando ambos se sentavam no salão de visitas, em companhia da exuberante Manuela.
-Impressão tua - responde Teresa Cristina, sem encará-lo. - E que me acho um tantinho indisposta hoje.
-Ultimamente tu andas amiúde indisposta, priminha!... - exclama Manuela, entrando na conversa. - Não seriam achaques de paixão?...
-Posso afiançar-te de que não se tratam de estupores de paixão, não, cara Manuela - observa a mocinha, um pouco contrafeita com a insinuação de duplo sentido que lhe fazia a prima, pois tinha a absoluta certeza de que Manuela pretendia colocá-la em maus lençóis diante do namorado. Ela sempre fazia aquilo.
-Se não são achaques de paixão, possivelmente, haverão de ser as escorrências!... - observa Manuela, maldosamente, e explode numa gargalhada: - Ha!... Ha!...Ha!... Ha!...
-Prima!... - censura-a a mocinha, enrubescendo. - Assim, vexa me diante de João Miguel!...
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 29, 2024 10:11 am

-Oh, João Miguel já nos é tão íntimo!... - exclama Manuela piscar, marotamente, um olho ao rapaz, que lhe nota a desbragada insinuação. - Além do mais, é teu noivo e, muito em breve, pertencerá à família, não é mesmo?...
-Esteja à vontade, senhora dona Manuela - diz o moço, devolvendo-lhe olhares cheios de lascívia.
-És um refinado cavalheiro, meu rapaz!... - diz a esposa de Afonso Albuquerque e Meneses, pescando que o jovem entendera-lhe perfeitamente os recados enviados. - Mais vinho?...
Um pouco mais, e os três ceavam no imenso salão de jantar.
- Tenho-vos um convite a fazer, senhoras!... - diz o rapaz, de repente.
- Um convite?... - exclama Manuela, a primeira a rapidamente manifestar-se.
Teresa Cristina apenas se limita a olhar para o namorado, aguardando que este continuasse.
- Sim, um convite, e não aceito recusa de nenhuma de vós!... -exclama o rapaz, cheio de rodeios. - É muito importante para mim que ambas estejais presentes!...
- Nossa!... Quanto mistério!... - exclama Manuela, a fazer gracejos. - De que se trata, afinal?... Vamos lá!... Estou a arder de curiosidade!... Iremos sem falta, sim, mas, ai, anda, não nos mates de ansiedade antes, João Miguel!...
-Ainda não vos contei alguma vez que tinha um irmão desaparecido, contei?... - pergunta ele, a olhar, demoradamente, para as duas mulheres, uma por vez.
- Não... - responde Manuela, altamente interessada.
A outra nada diz; limita-se apenas a olhar para o rosto do rapaz, cheia de perspectiva.
- Pois é, tenho um irmão que desapareceu, quando ainda era um bebê!... Procuramo-lo, por anos a fio, sem, contado, encontrá-lo!... Porém, não é que o gajo apareceu de repente, por si só?... Descobriu-nos e apareceu lá por casa, sem mais nem menos!...
- Incrível!... - exclama Manuela, admiradíssima com o fato. E, depois como se se lembrasse de algo importante, prossegue: - Mas, espera aí!... Não é que ouvi, certa vez, relatarem que havia acontecido uma
confusão com um dos filhos dos Barões da Reboleira!... Sim, é isso mesmo!... Recordo-me que papai comentou o fato em casa!... Só não consigo lembrar-me, detalhadamente, de como tudo aconteceu, pois eu era ainda uma meninota!... O caso teve muita repercussão à época!... Que coisa!... Era o teu irmãozinho, então?...
_ Pois é, Manuela - prossegue o rapaz -, e papai está felicíssimo com o regresso do meu irmão e, para reapresentá-lo à sociedade, depois de quase vinte anos, reabrirá nossos salões para um baile!...
- Um baile!... - exclama Manuela, animadíssima. - Em tua casa!... E para conhecermos o teu irmão?... - E claro que lá estaremos, não é, Tininha?...
- Certamente, Manuela - responde a mocinha, sem muita animação. E se voltando para o noivo: - Estaremos contigo neste dia, João Miguel, para darmos as boas-vindas ao teu irmão!...
- E, a propósito - pergunta Manuela -, como retornou o teu irmão?... Por onde é que se achou, durante este tempo todo em que esteve fora de casa?... E por que cargas d'água não reapareceu antes?... Não quis saber de vós ou o quê?... Acaso andou a esconder-se, para judiar de toda a família, é?... Que histórias andou ele inventando a respeito?...
-Manuela!... - admoesta-a Teresa Cristina. - O irmão de João Miguel certamente não sabia quem era; foi roubado ainda bebê!...
-Oh, e que diferença isso faz?... Não tinha ele boca a perguntar o que não soubesse?... - responde a outra, fazendo ideia muito simplista daquele caso e demonstrando o quão pouco realmente se interessara pela situação do outro rapaz. No momento, interessava-se, enormemente, por este outro que se achava ali, diante dela, e que não desejava, de forma alguma, deixar escapar. Era preciso, portanto, manter com ele conversação acirrada, não deixá-lo escapulir de suas mãos, ter sempre o controle da situação. E prossegue, esticando a conversa ao máximo: - E, fico aqui a imaginar o que não acontece em situações como essa!... O tal passou o tempo todo longe de casa, não tomou nenhum conhecimento da família!... O que exigiu ele, afinal, quando resolveu voltar?... deverá ter já movido céus e terras para arrebanhar o que acha que lhe Pertence...
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 29, 2024 10:11 am

- Na realidade, ele foi encontrado por Dom Eusébio Sintra, um bispo amigo da família - explica o rapaz. - E muito pouco contacto tive, na verdade, com meu irmão, desde que ele retomou. Sabeis como ' fomos criados separadamente e, confesso, para mim, não passa de um estranho!...
- Entendo... - diz Manuela, sem tirar os olhos do rapaz um só instante No fundo, nada, de fato, interessava à velhaca Baronesa da Ajuda sobre aquele irmão desaparecido. O que desejava, mesmo, era cansar prima, fazendo-a cair de sono, para que, em se recolhendo, deixasse namorado a sós com ela. E foi o que acabou por acontecer. Finalizado jantar, passaram os três à sala de estar e, bebericando taças e mais taças de licor de amêndoas, permaneceram entabulando, Manuela e rapaz, animada prosa da qual Teresa Cristina mal participava, pois tinha de lutar, desesperadamente, contra o sono que a desejava dominar sem piedade.
-Estás sonolenta, priminha!... - exclama Manuela, ao ver que outra deixava pender, amiúde, a cabeça pesada de sono. - Olha, por que não te recolhes?... Já é tarde, e tu estás habituada a dormir mais cedo!..
-Sim, queridinha!... - ajunta o rapaz. - Se assim desejares, não m importo!... Tu poderás recolher-te, que, logo em seguida, já me irei!...
-Oh, realmente, sinto-me altamente sonolenta!... - diz a mocinha mal sofreando uma sucessão de teimosos bocejos. - Se não te importas recolho-me...
-Claro que não me importo, Tininha!... - diz ele, abraçando-a, carinhosamente. - Podes ir-te, que já me despedirei de dona Manuela também me irei!... Adeus!... Voltarei em breve!...
João Miguel beija ternamente Teresa Cristina à testa. A mocinha devolve-lhe um sorriso triste e, em seguida, sonolenta e trôpega, despede-se de Manuela e deixa a sala.
- Tu te irás uma ova!... - diz Manuela, lançando-se sobre o rapaz, assim que a mocinha desaparecera no alto das escadas. - Ou, pelo menos, não sem antes me fazeres subir até às estrelas, como da outra vez!...
-Oh, Manuela!... - diz ele, abraçando-se, despudoradamente, à mulher, mal a noiva recolhera-se. - És, mesmo, um furacão!... Sabias que de ti não me esqueci, desde então?... Por pouco não me deixaste louco!...
-Vamos, então, que ora arremato o que deixei por fazer!... - exclama ela, beijando-o, voluptuosamente, à boca. - Vamos, anda, que, à esta hora, aquela tolinha já deve ter desmaiado na cama!...
E pé ante pé, ambos sobem as escadas de mármore branco e desaparecem na semi-obscuridade do corredor da ala dos aposentos de dormir- A mansão já mergulhara no silêncio absoluto fazia um bom tempo- Apenas Inácia permanecera na sala, servindo-os. E, depois, até ela fora despachada a dormir, posto que já se bambeava toda de sono, mesmo à revelia da alta curiosidade que sempre sustentara sobre as conversas da patroa. Suas orelhas de lebre, entretanto, não conseguiram manter-se mais erectas e, paulatinamente, foram amolecendo, deixando-se cair, vencidas pela canseira da faina do dia... Pena que aquelas espichadíssimas orelhas não puderam permanecer um pouquinho mais na activa e, dessa forma, acabaram por fazer com que sua bisbilhoteira dona perdesse o melhor da festa!...

* * * * * * *
Depois que jantara no luxuoso restaurante do centro da cidade, na companhia de Gerusa, João Manuel voltava para casa, em Sintra, sacolejando, sozinho, no escuro do carro. Antes, houvera retornado ao porto para deixar a antiga companheira, diante do sobradinho na rua do cais. Agora, enquanto vencia o trajecto de volta a casa, relembrava o terrível colóquio que mantivera com a jovem prostituta, pouco antes. A noite já houvera avançado bastante, passando das duas horas da madrugada, quando o carro estacionara na escuridão da rua onde ela morava, e ambos haviam permanecido por algum tempo ainda sentados no interior da carruagem.
-Não vais subir um instantinho mais?... -perguntara ela, insinuando-se a ele. - Posso fazer-te uns agrados...
-Não, Gerusa... - respondera ele. - Agora tenho um lar, uma família. Sabes como é, papai anda adoentado e não é bom que eu me ausente por tanto tempo...
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O Mosteiro de São Jerónimo - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini - Página 5 Empty Re: O Mosteiro de São Jerónimo - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 29, 2024 7:30 pm

-Ficaste por quase dezoito anos fora de casa!... - respondera ela, com certo cinismo à voz. - E teu pai sempre se tivera ajeitado muitíssimo bem sem que, até então, lá te tivesse por perto a acudir-lhe os achaques!...
-Estás sendo maldosa... - respondera-lhe ele, diante da observação ferina que ela lhe fizera.
-Estarei, acaso, a dizer-te asneiras?... - dissera ela, sempre com o intuito de atacá-lo. - Além do mais, tu tens um irmão, não é mesmo?... Que faz ele por teu pai?... Nada!... Pelo que sei, vive no mundo, atrás de aventuras, a ligar a mínima à família!... Decerto, torce para velhote passe desta para a melhor e, preferencialmente, que seja rapinho!...
-Gerusa!... - admoestara-a. - Estás a fazer muito mau juízo de nós!... Meu irmão anda ocupadíssimo a cuidar dos negócios!... Sabias que temos muitos bens?... Eu é que nada faço, posto que não passo de um reles analfabeto!... De nada entendo, a não ser de jogos de dados e de carteado!...
-E das curvas das donzelas!... - observara ela, cheia de desdém Esqueceste desta tua habilidade?... Aliás, é na que te sais melhor!...
-Anda difícil de conversar contigo!... - dissera-lhe ele, amuando-se. - Melhor que me vá, de vez, ou acabaremos aos tapas!...
-Sim, vai-te!... Vai-te!... - dissera ela, deixando, intempestivamente, o carro. E gritara, antes de subir para seu miserável quartinho: - Agora tens pressa em deixar-me, não é?... Mas, fica sabendo, senhor Anjinho, que me fizeste uma promessa!... E saberei cobrá-la, ah, se saberei!.. Aguarda-me e verás!...
Tais lembranças arrancam de João Manuel profundo suspiro. Gerusa revelava-se pessoa irascível e geniosa. Que a fizera mudar tão profundamente o comportamento?... Antes, tivera-a sempre como pessoa amiga, afável até, no relacionamento que sempre mantiveram. E certo que ele fora um doidivanas, sem qualquer compromisso, com ninguém ou com nada, até descobrir a sua origem. Agora, entretanto, sabia quem era, tinha uma identidade. E que identidade, meu Deus!... Gerusa sequer podia imaginar qual era a real posição que ele ocupava na sociedade lisboeta!... Seu pai era membro do Conselho de Estado!... E ele, talvez, um dia, ainda viesse a ocupar tal cargo!... Avistar-se-ia com a rainha, estaria próximo à família real!... Como poderia tomar por esposa uma rameirinha como aquela?... O pai tinha razão em proibir-lhe o contacto com aquela gente do porto!... Começava a perceber o quão distante sua vida se achava daquelas pessoas e daquele ambiente!... Foram seu amigos um dia; agora, entretanto, abria-se imenso abismo entre ele tudo o mais que outrora o rodeara. O pai o proibira de voltar àquela paragens, e ele o desobedecera: desobedecera-lhe mais por despeito por se achar enjeitado por seu amor... Ah, o seu amor!... E a imagem d mocinha delicada, de olhos cor de mel, vem-lhe nítida à cabeça. "Oh, meu anjo!...", pensa ele, cheio de ternura, no escuro do carro que rodava célere de volta para casa. "Sei que me amas!... Apenas que, hoje, o destino traiu-nos, mas não desistirei de ti!...", e sorri, alentando-se.
Neste comenos, ligeiro solavanco fá-lo olhar pela janela do carro. Quase imperceptíveis, no escuro da noite, viu árvores que desfilavam ligeiras. Encontrava-se cansado e um pouco magoado. O coloquio com Gerusa... Um grande problema tinha para resolver... Grande problema mesmo...

* * * * * * *
Naquele morno anoitecer de meio de outono, a mansão de Manuel António encontrava-se em grande agitação, depois de quase duas décadas de soturnas casmurrices: o jardim iluminava-se pelos lampiões a óleo, clareando o desfilar de elegantes carruagens a estacionarem diante da escadaria fronteiriça e que, uma a uma, em paciente fila, despejavam, sem muita pressa, exuberantes damas e sóbrios cavalheiros a exibirem elegância ímpar, em roupas e jóias rutilantes, em profusão tal, que arrancavam estonteantes brilhos à mortiça luz das luminárias pendentes dos postes de ferro fundido. Álacre música coava-se dos janelões do salão principal bem como o pitoresco ruído de vozes animadas, de pequenos gargalhares e de gritinhos de impaciência pelo início das danças.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 29, 2024 7:30 pm

A entrada principal, de um lado, encontrava-se a governanta, Amélia, em traje de gala, e do outro, João Miguel, também engalanado em requintada fatiota, a receberem ambos, com largos sorrisos, expressivas reverências e efusivos apertos de mão, os ilustres convidados para a festa. Tal postura caberia, naturalmente, ao dono da casa; entretanto, como este se encontrasse bastante depauperado pela enfermidade, o filho mais velho fazia-lhe as honras. Manuel António, por sua vez, achava-se acomodado no salão de festas, em amplo divã, ao lado de antigos companheiros, e o filho mais novo fazia-lhe companhia.
- Dizeis, então, senhor barão, que reouvestes vosso filho mais novo, são e salvo, depois de quase dezoito anos de misterioso sumiço?... E, Pelo que posso ver, que airoso se vos apresentou ele, pois não?...
- E não é que sim, senhor Conselheiro Furtado?... - responde, feliz e orgulhoso, o velho Barão da Reboleira. - Acha-se Deus, como sempre, a escrever direito por linhas tortas...
- Pois assim é, senhor barão... Já não vos contei, acaso, fato semelhante ocorrido no Porto?...
-Soube eu desse um, sim, senhor conselheiro!... E como acabou resolver-se aqueloutro caso de sumiço?...
- Mataram o rapazote!... -Ai, Deus!... E foi, é?...
- Sim, acharam-lhe o esqueleto, atirado numa furna!... Reconheceram-no pelos farrapos das roupas!...
-Mas era um sequestro!...
-Sim!... E exigiram do pobre pai mundos e fundos!...
-E o pai do rapazelho pagou pelo resgate?...
-Claro que sim!... Mesmo assim, mataram-lhe o filho!... Ao que me consta, degolaram o rapaz, impiedosamente!...
-Como há gente horrível neste mundo, não é, senhor Conde d' Eiras?...
-Se os há, senhor arcebispo, se os há!... Verdadeiros satanases!
-Cruz-credo!... E nos perseguem a nós, porque temos!...
-Sim!... Se fôssemos como esses tais, sem eira nem beira, estaríamos a salvo!...
-É o preço, senhores!... É o preço que pagamos todos pela nossa nobreza de nascimento!... Se Deus nos quis ricos e felizes...
-Paciência, pois não é?... Ha!...Ha!...Ha!...Ha!...
-E já prenderam, acaso, os sequestradores do rapaz?...
-Se não!... E já balançaram os três na ponta da corda!...
-E o que sempre digo!... Forca aos assassinos!...
-Mudando de assunto, senhor Comendador Pinto da Fonseca, sabeis a quantas anda a partida de sal?...
-Pela hora da morte!... Pela hora da agonia!... Vistes, acaso, peixe salgado e o azeite?... Ai de mim!... Não é que tenho a abastecer três naus a saírem, ainda este mês, ao Brasil e...
João Manuel olhava para aqueles homens - pessoas finas, bem trajadas, de bons modos e bons falares - e percebia o quanto nada tinham a ver com o que ele conhecera do mundo até então!... Seu linguajar, os assuntos, os interesses...
- E tu, meu rapaz, nada dizes?... - pergunta-lhe um dos velhos amigos do pai, a vestir-se com roupa requintada, mas, ao mesmo tempo exótica, como nunca houvera visto antes.
Oh, senhor padre - responde ele, um pouco encabulado. - Tudo o ainda é um tantinho novo para mim que... Sua Eminência não é um simples padre, meu filho! - corrige-o o _ Dom Agostinho Lopes de Sá é o cardeal metropolitano - e se voltando para o prelado: - Desculpai-o, Eminência!... O pobrezinho foi criado sem qualquer tipo de educação do nosso meio...
-Ora, senhor Barão da Reboleira]... - responde o arcebispo. -Acaso já não sei tudo sobre a vossa triste história?... Apenas que desconheço detalhes de como e de onde vosso pobre filho viveu até agora!... Mas que, a tempo, gostaria, imensamente, de que me colocásseis a par!...
-Por certo, Eminência, por certo!... - responde Manuel António. -Mas, nada de tristezas!... Hoje é dia de festa!...
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 29, 2024 7:30 pm

Um brinde à volta de meu filhinho!...
-Viva!...
-À tua saúde, rapazito!...
- Feliz regresso, Francisco de Assis!... Sê bem-vindo entre nós!... -diz o arcebispo, batendo-lhe, amigavelmente, ao ombro. - Doravante terás uma boa vida, junto do teu pai e do teu irmão!... Sabias que estive presente à festa do teu baptizado?...
Neste ínterim, os olhos de João Manuel voltam-se para a porta de entrada do salão e se iluminam grandemente. Deus do céu!... Era ela!... Teresa Cristina!... Riu e chorou, ao mesmo tempo, de intensa alegria. Lá vinha ela, elegante, trajando magnífico vestido de rendas brancas. Um xale de brocado rosa pendia-lhe, graciosamente, aos ombros. Caminhava ao lado de Manuela, mas que era aquilo?... O irmão dissera algumas palavras a Amélia e, adiantando-se, colocava as mãos aos ombros de Teresa Cristina que aceitava aquilo com naturalidade!... Oh, Jesus Cristo!... De repente, um calafrio percorreu o corpo de João Manuel de alto a abaixo. Um terrível pensamento perpassou-lhe a cabeça, num átimo. Não, aquilo seria, por demais, cruel!... Seu irmão e Teresa Cristina, sua menininha de olhos cor de mel... O chão então Pareceu sumir-lhe de debaixo dos pés. Principiou a suar frio. O pai percebeu-lhe a súbita mudança nas feições.
- Estás a passar mal, filhinho?... - pergunta, preocupado, Manuel António. - Empalideceste de repente...
~ Eu?... Eu... - titubeia o rapaz, com os olhos fixos nos três que se avizinhavam de onde se achavam sentados ele, o pai e os outros.
- Pai... - diz João Miguel, aproximando-se de braços dados com Teresa Cristina. - Desejo apresentar-te a minha namorada...
Namorada... João Manuel sentiu como se o mundo rodasse levantou os olhos e a encarou. Ela ainda não o tinha descoberto ali no meio daquela roda de homens distintos. Mais pelo inesperado: jamais suporia encontrar João Manuel em tal lugar... Foi quando correu os olhos, preparando-se para receber os cumprimentos dos cavalheiros A surpresa... A assombrosa surpresa!... Deus do céu!... Era ele!... Se olhos prenderam-se e não mais queriam soltar-se!... Estranho e inexplicável magnetismo prendia-os um ao outro.
- Teresinha!...
Ainda meio aparvalhada, volta à realidade, pelo cutucão que lhe de o noivo.
-Sim!... - diz ela, voltando-se, tirando os olhos dos olhos de João Manuel.
-Meu pai!... Apresentei-te a meu pai e nada disseste!... - cochicha- lhe João Miguel, contrariando-se.
-Oh, desculpai-me, senhor Barão da Reboleira!.. – diz a mocinha, corando até as orelhas. - Desculpai-me, senhor!, - e fazendo ligeira reverência, beija a mão que Manuel António oferecia-lhe.
-És muito bonita, senhorita!... - diz o velho Barão da Reboleira sorrindo e muito orgulhoso pela singeleza da moça.
De um lado, Manuela nada perdia. Já notara João Manuel e intrigava ao vê-lo sentado em roda de tão importantes e veneráveis cavalheiros da alta sociedade lisbonense. Trocaram-se ligeiros e inexpressivos olhares. Ela, até então, ainda nada entendera.
-Senhora Baronesa da Ajuda!...
-Encantada, Eminência!...
-Baronesa!...
-Comendador Figueira!...
-Senhora!...
Os homens levantavam-se e, um por vez, beijavam a mão da exuberante Manuela.
- Nosso filho, baronesa!... - exclama Manuel António, cheio de orgulho, quando a esposa de Afonso Albuquerque e Meneses adiantou-se até os dois.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 29, 2024 7:30 pm

- Encantado, madama!... - diz João Manuel, beijando a ponta dos dedos da mão que Manuela, reticentemente, estendia-lhe. E, enquanto segurava as trémulas mãos da mulher, levantou os olhos e a encarou firme. - Deveras encantado, senhora!...
Sentiu a mão de Manuela tremer!... "Ah, tremes, desgraçada?...", pensa "Muito mais ainda te farei tremer, bandida!..." No íntimo, regozijava-se enormemente. Ah, então, a ordinária tremia, é?... Estaria com medo?...
Depois, novamente, a dor!... Ah, a dor, a profunda dor, quando tomou as mãos da menininha de olhos marrons, olhos de mel, e lhe beijou, também, a ponta dos dedos ainda enluvados. Ela também tremia... Mas, era um tremor diferente!... Emoção?... Desespero?... Busca-lhe também o olhar. Havia dor, muita dor!...
- Encantado, senhorita!... - murmura baixinho, só para ela ouvir.
A voz de João Manuel tremeu. Tremeu de dor, de desespero. Seu irmão era o noivo de Teresa Cristina!... Teve ímpetos de fugir, de sair dali correndo, de ficar só e de dar evasão às lágrimas que só a muito custo conseguia sofrear.
- Vem, querida!... - chama-a João Miguel. -Linda, a noiva do vosso filho, senhor barão!...
- Belíssima!... Tereis uma nora de primeira!...
- De que família vem tal preciosidade?... Não me recordo de tê-la visto antes!...
- De Lisboa creio que não é!...
- Calma, senhores!... E ainda uma adolescente!... Por certo, principia a frequentar os salões agora!...
- Tereis lindos netos, senhor barão!... Com tal nora!...
- Obrigado, cavalheiros!... É, realmente, criatura encantadora!... Não a conhecia ainda!... Meu filho fez-me grata surpresa hoje!...
- Então, mui em breve, celebraremos as núpcias na catedral!...
- Por certo, Eminência, por certo!...
As vozes, de repente, pareceram soar longe aos ouvidos de João Manuel. Seu estômago principia a enjoar-se.
-Tornas-te mais pálido ainda, filhinho!... - observa Manuel António. " - Diz-me o que tens?... Desejas que eu chame por Amélia!... Ela poderá providenciar-te uma mezinha!...
- Não, pai - responde ele, com dificuldade -, apenas ligeira indisposição. - Se não te importas, subo um pouco até o meu quarto...
- Sim, mas não te demores!... Sabes que és o centro da festa, hein!... João Manuel levanta-se, desculpa-se diante dos amigos do pai e se
afasta um tanto cambaleante. Suava copiosamente.
- Que tem o vosso filho, senhor barão?...
- Ligeira indisposição, Eminência!... Acho que deve ser a emoção
- Por certo que sim, senhor barão!... Por certo que sim!... Com dificuldade, João Manuel sobe as escadas. A alacridade do salão enjoava-o ainda mais. Precisava, urgentemente, de silêncio. Silêncio e quietude para desafogar-se, para chorar... Chorar até que seu peito arrebentasse de vez em mil pedaços...
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 29, 2024 7:31 pm

Capítulo 17 - Ainda o baile...
Depois que apresentara a namorada ao pai e ao irmão, João Miguel, literalmente, arrastara a mocinha para longe de ambos e se mantiveram a um canto do salão em lugar mais reservado. Manuela já se desligara da companhia dos dois jovens e se deliciava, enormemente, a divertir-se numa roda de distintos cavalheiros que a rodeavam, a babarem-lhe extensas louvaminhas à beleza e à profusão de luxo e de requinte que ela, exuberantemente, exibia aos olhos de todo o salão.
- Não sei, Tininha - exclama o rapaz, olhando-a firme nos olhos -, posso encontrar-me grandemente enganado, mas tive a impressão de que tu e meu irmão já vos conhecíeis de antes!....
- Ora!... Que tolice estás a dizer-me, João Miguel!... - responde ela, mal sofreando o desespero que a dominava até então. - Posso jurar-te que eu desconhecia, totalmente, teu irmão, antes desta noite!...
- Não sei, não!... - insiste ele. - É um sexto sentido, entendes?... Tanto tu quanto ele vos mostrastes por demais ansiosos no momento em que foram apresentados um ao outro!... Nada me tira da ideia de que, embora tenhais ambos disfarçado bastante, naquele momento, algo escapou do vosso controle. Até mesmo Manuela pareceu-me tremer diante de João Manuel!...
- Acho que viste coisas onde nada existia!... - diz ela, respirando fundo, com o intuito de arrebanhar tranquilidade.
Teresa Cristina percebeu que precisava, urgentemente, ao menos na aparência, mostrar-se tranquila. Por dentro, entretanto, era um furacão a agitar-se. No fundo, sabia que, diante daquele inusitado reencontro, aviam-se traído ambos, ela e João Manuel!... Mas, Deus do céu, como Poderia prever que o acharia, justamente, ali, e que era ele o tal irmão desaparecido?... Se houvesse imaginado, não teria ido à festa!... Teria aventado uma desculpa qualquer!... Agora, entretanto, era tarde!... E João Miguel não era nenhum tolo!... Pelo contrário, mostrava-se alta mente perspicaz!... Como nada imbecil também não era Manuela ' Ah, Manuela!... De repente, um calafrio percorre-lhe o corpo de alto baixo!... A prima sabia que ambos já se haviam encontrado antes! g se mostrara deveras amofinada com aquilo!... O real motivo de Manuel ter-se aborrecido tanto com aquele desairoso primeiro encontro de ambos até então, ainda não descobrira. E, até aquele momento, a prima vivia espicaçando-a e a humilhando por conta daquilo, sempre a insinuar maldosamente, que ela, Teresa Cristina, houvera recebido o rapaz em seu quarto, durante a noite!... E, se Manuela, agora, resolvesse dar com a língua nos dentes?... Céus!... Não queria nem imaginar qual seria a reacção de João Miguel, se isso, de fato, acontecesse!...
O rapaz segurava a mão da namorada entre as suas e sentia que amiúde, ela tremia. Olhava-a de soslaio, estudando-lhe as feições. Sabia que Teresa Cristina estava mentindo para ele. Era patente seu estado de alteração. Percebera, ainda, que logo que se houveram distanciado, o irmão deixara a companhia do pai e subira ao quarto. E se demorava descer. Que estaria acontecendo?...
Neste ínterim, Amélia, a governanta, tomando as rédeas e conduzindo a festa, ordena ao maestro que inicie o baile. E, a seguir, executada com total intensidade, a orquestra despeja os alegres acordes de uma polca que invade o ambiente. Os pares, animadíssimos, formam-se e passa a rodopiar, graciosamente, pelo salão.
- Dancemos?... - pergunta João Miguel à namorada.
Ela nada responde. Limita-se a aquiescer com um sinal de cabeça E, enquanto rodavam pelo salão, embalados pela música ligeira, o rap" estudava as feições da mocinha. Ela estava calada, tristonha; seus olho sem o costumeiro brilho, achavam-se toldados de infinita tristeza.
- Que tens, Tininha?... - pergunta ele. - Noto-te estranha, embora tu insistas em afirmares o contrário!...
- Não há nada de estranho comigo, João Miguel!... - responde ela - Repito-te: estás a enxergar coisas onde nada existe!...
- Não gostaste de papai?... Ou não gostaste da casa?... - pergunta ele. Era-lhe importante fazê-la falar. Precisava descobrir o porquê daquela atitude. E, se a namorada permanecesse muda daquela maneira como iria saber?...
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