LUZ ESPÍRITA
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Medo de Amar - Marco Aurélio/Marcelo Cezar

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Medo de Amar - Marco Aurélio/Marcelo Cezar - Página 3 Empty Re: Medo de Amar - Marco Aurélio/Marcelo Cezar

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Mar 23, 2024 8:36 pm

Capítulo 10
Iolanda não conseguia conter sua irritação:
- Eduardo e a família logo vão chegar, e onde foi que
Maria Lúcia se meteu?
- Ela foi buscar alguma coisa — tornou Floriano.
- Eu o proibi de emprestar o carro para aquela desmiolada.
- Hoje é um dia especial para ela. Não pude recusar.
- Será que aconteceu alguma coisa? — perguntou Iolanda, nervosa.
Marines desceu as escadas e procurou tranquilizar a mãe:
- Ela não deve demorar.
- A h , já me lembrei - disse Floriano. - Ela foi ao salão de Estela, buscar um laque.
- Ao salão de Estela? - indagou Iolanda, fora de si.
- Sim. Por quê?
- Meu Deus! Mais uma das mentiras de sua filha.
- Não acredito!
- Floriano, o bairro inteiro sabe que Maria Lúcia e
Estela se pegaram a tapa.
- Isso faz mais de um ano. Maria Lúcia não é rancorosa.
- Marines, ligue para o salão. Não acredito que sua irmã esteja lá, mas em todo caso...
Marines discou o número. O telefone tocou, tocou, até a linha cair.
- Ninguém atende.
- Calma, Iolanda! Sente-se - tornou Floriano.
- Como, calma? Numa hora dessas? Sua filha, na noite de noivado, sai por aí sem lenço nem documento, e você me pede para ficar calma?
Iolanda não conseguia conter sua irritação:
- Eduardo e a família logo vão chegar, e onde foi que Maria Lúcia se meteu?
- Ela foi buscar alguma coisa — tornou Floriano. Do lado de fora da casa, ouviu-se o barulho de carro estacionando. Marines afastou as cortinas com as mãos e espiou pelo canto da janela.
- Pelo carro, devem ser os convidados.
Iolanda torcia as mãos, completamente nervosa.
- Meu Deus, e agora?
Floriano veio com um copo de água.
-Tome. Vamos manter a calma. Receberemos Eduardo e sua família e diremos que Maria Lúcia está a caminho.
- Vai encobrir os erros de sua filha de novo?
- O que quer que eu faça?
- Não sei.
- Que diga a verdade? Que nossa filha sumiu? Ora, Iolanda, contenha-se. Maria Lúcia tem a cabeça no lugar.
Logo vai chegar.
Marines olhou-se no espelho e lembrou:
- O colar! Deixei sobre a cama. - Correu em direcção à escada, dizendo apressada: — Volto num instante.
A campainha tocou e Floriano abriu a porta.
- Boa noite. Sou Floriano, o pai da noiva. Queiram entrar, por gentileza.
Adelaide e Osvaldo cumprimentaram-no e entraram.
Eduardo veio logo atrás, com um buquê de rosas, e Sónia carregava um pacote bem bonito.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Mar 23, 2024 8:36 pm

Iolanda apresentou-se a Adelaide e Osvaldo. Era uma sensação estranha. Estavam vendo-se pela primeira vez, no jantar de noivado de seus filhos. As mães dos nubentes não escondiam o constrangimento. Osvaldo e Floriano estavam mais à vontade. Sónia quebrou o gelo:
- Dona Iolanda, este é seu futuro genro.
Antes que ela respondesse, Eduardo entregou-lhe o buquê de rosas.
- É uma honra estar em sua casa.
Iolanda emocionou-se.
- O prazer é todo meu.
Ele a beijou na mão.
- Encantado.
Sónia entregou-lhe seu pacote, uma lembrancinha, e acomodou-se no sofá ao lado dos pais. Eduardo acompanhou 86Iolanda até a outra poltrona. Dobrando o hall, deu de cara com Marines. Ambos sentiram estranha sensação. Eduardo não parava de fitá-la, e Iolanda, sem perceber a troca de olhares, disse:
- Aproveite e conheça minha filha, sua futura cunhada.
Esta é Marines. - E, virando-se para a filha: - Marines, este é Eduardo, namorado e futuro noivo de sua irmã.
Marines custou a levantar a mão. Sentia o coração bater descompassado. Eduardo sentia a garganta seca.
Ambos deram-se as mãos. O arrepio, e consequentemente o choque, foi inevitável.
- Prazer - disse ela, em tom baixo.
- O prazer é todo meu - tornou ele. - Maria Lúcia nunca havia falado de você. Não sabia que era tão bonita.
- Obrigada.
Marines procurou disfarçar o turbilhão que ia em seu peito. Foi até a cozinha e procurou arrumar as bandejas dos petiscos.
Na sala, era visível a apreensão de todos. Floriano teve de ser criativo:
- Maria Lúcia vem logo.
- Vem logo? — perguntou Adelaide.
- Está presa no cabeleireiro - interveio Iolanda, buscando esconder o constrangimento.
Adelaide estava possessa: a noiva não estava em casa! Tinha cabimento um negócio desses? Foi preciso muita compostura para não sair dali correndo e acabar com aquele jantar funesto.
- Ela sempre apronta das delas — considerou Floriano.
- Você sempre encobriu as falhas de Maria Lúcia, e olhe no que deu.
- Calma, d. Iolanda — interveio Sónia —, conheço sua filha. Ela gosta de se arrumar. Quer ficar bonita para o noivo.
- Está vendo? - tornou Floriano. - Todos sabem do bom comportamento de nossa filha.
Adelaide olhou para o marido com um gesto peculiar, levantando a sobrancelha do olho esquerdo e franzindo o cenho. Eduardo não conseguia parar de pensar em Marines.
A imagem dela parecia fixa em seu pensamento.
"O que está se passando comigo? Estou ficando noivo da irmã dela", pensou aflito.
Marines, na cozinha, mordiscava os lábios nervosa.
"Meu Deus! Nunca senti nada parecido. O que está havendo comigo? Preciso manter o equilíbrio."
Ela respirou fundo e foi ter com os outros na sala, procurando, a todo custo, desviar seus olhos dos de Eduardo.
***
Gaspar apagou o cigarro, colocou o cinzeiro na cabeceira e levantou-se. Vestiu-se rapidamente.
- Calma, querido.
- Calma, nada. Agora, que o desejo abrandou, sinto-me culpado.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Mar 23, 2024 8:36 pm

- Culpado de quê? Não foi nossa primeira vez.
- Eu sei, Maria Lúcia, mas não é disso que estou falando.
Ela se levantou da cama, alterada.
- Está falando do quê? Não entendo sua postura. Até cinco minutos atrás estava se deleitando com meu corpo, e agora fica aí, com essa cara sisuda?
- Não devíamos ter feito isso. Você vai ficar noiva.
Decidiu sua vida, fez sua escolha. Não devemos mais nos ver. O prazer me dominou. Fui fraco.
Maria Lúcia aproximou-se dele. Abraçou-o por trás e sussurrou em seu ouvido, provocando-lhe arrepios:
- Não me ama?
Ele tentou afastar-se. Ela repetiu a pergunta:
- Não me ama?
- Você sabe que sim, mas o que quer que eu faça? Que implore? Que lhe peça para largar seu noivo e ficar comigo?
Ela se riu. Afastou seu corpo do dele. Pegou um cigarro e, após acendê-lo e dar baforadas para o alto, considerou:
- Bem que eu gostaria de ficar com você. Mas não posso.
- Você não me ama, essa é a verdade.
- Sou louca por você.
- Nisso está certa: você é louca por mim, é tudo paixão. Mas você não me ama.
- Dane-se se é paixão ou amor. Não consigo viver sem você, querido.
Gaspar exalou profundo suspiro.
- Sinceramente, não sei o que fazer. Eu a amo. Minha situação financeira vem melhorando consideravelmente.
Tenho aplicado na Bolsa, ganhei muito dinheiro.
Maria Lúcia deu uma gargalhada.
- Muito dinheiro? O que é muito dinheiro para você?
- Depende. Tenho comprado alguns dólares.
- Puxa, é mesmo? E quantos dólares você já comprou?
Gaspar ficou pensativo por instantes.
- Acho que uns dois mil dólares.
- E o que pode oferecera mim com dois mil dólares? Uma casa nos Jardins? Um carro último tipo? Roupas de grife?
- Continua pensando nisso? Só nisso? Não acha que juntos poderemos ter um bom padrão de vida daqui a alguns anos?
- Não.
- Se gosta mesmo de mim, poderá esperar.
- Não me interessa lá na frente.
Gaspar não sabia mais o que dizer. Estava no seu limite.
- O que quer, então?
- Tenho uma proposta para lhe fazer.
- Proposta?
- É.
- Vá em frente.
Maria Lúcia remexeu-se na cama.
- Em primeiro lugar, devo dizer que vou me casar com Eduardo, chova ou faça sol.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Mar 23, 2024 8:36 pm

- Então está decidida. Não há mais o que fazer.
- Espere um pouco.
Gaspar levantou-se, irritado.
- Eu não devia ter cedido a seus encantos.
- Não foi bom?
- Fui um tolo. Jamais deveria ter me deitado com você. Acreditei em suas palavras.
- Você sabe o que é bom. Não se faça de besta.
- Não estou gostando dessa conversa. Se vai mesmo se casar com Eduardo, o que quer?
- Não adivinha?
- Não sou vidente. Qual é sua proposta?
- Simples: você se torna meu amante.
Um soco na boca do estômago não causaria tamanho mal-estar em Gaspar. Ele teve de se apoiar numa cadeira próxima. Sua vista ficou turva. Custou a encontrar palavras.
- Não... não pode ser...
- É perfeito - continuou Maria Lúcia, em sua frieza habitual. - Eu me caso e me torno uma Vidigal. Vou ter muito dinheiro e vou poder bancá-lo. Você vai ter condições de melhorar de vida, poderá até ter o restaurante com que tanto sonha. E viveremos felizes.
Gaspar respirou fundo e encarou-a. Seus olhos brilharam rancorosos.
- Você não passa de uma mulher vulgar, sem moral, sem escrúpulos.
- Mas você não tem muita escolha.
- Você é doente.
- É pegar ou largar.
- Você está alucinando.
- Falo sério.
- Não pode ser...
- Você vai ter dinheiro suficiente para mudar de vida, e ainda vai ter a mim. Pode descartar Estela. Agora você vai ser só meu, de novo.
Gaspar não teve tempo de raciocinar. Num impulso, deu sonoro tapa no rosto de Maria Lúcia. Ela cambaleou e apoiou-se no pé da cama. Sentiu a face arder.
- Cretino! Cachorro! Nunca homem nenhum levantou a mão para mim, nem mesmo meu pai.
- Saia daqui, mulher ordinária, saia!
- Desgraçado! Vejo que Estela fez sua cabeça.
- Ela não tem nada a ver com isso.
- Você me amava. Como pôde me bater?
- Você não presta.
- Vai se arrepender.
- Ainda por cima vai me ameaçar?
Cheio de raiva, Gaspar levantou a mão. Um grito desesperado o fez ficar com a mão suspensa no ar:
- Não faça isso, meu filho! Por favor!
Ele olhou para a porta do quarto, aturdido.
- Mãe?
- Deixe-a ir.
- Você ouviu mãe?
- Ouvi. Foi bom o que aconteceu.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Mar 23, 2024 8:37 pm

Maria Lúcia puxou o lençol e cobriu-se. Celeste continuou:
- Agora você pode tirar essa mulher de sua cabeça, definitivamente.
Maria Lúcia nada disse. Foi catando as roupas espalhadas pelo chão e vestiu-se rápida. Queria sair de lá o mais rápido possível. Cutucou os brios de Celeste:
- Não sabia que a senhora ouvia atrás das portas.
- Estou em minha casa - disse Celeste em alto tom.
- Ouço e faço o que quero.
- Sei, sei...
- Você é a intrusa. Não quero saber de conversa. Saia daqui antes que eu mesma lhe dê uns safanões.
Maria Lúcia colocou o vestido do avesso, pegou a bolsa e saiu pulando os degraus. Abriu a porta e correu, ganhando a rua.
Gaspar estava imóvel a um canto do quarto, olhos marejados. Celeste abraçou-se ao filho.
- Não chore mais, Gaspar. Ela não merece suas lágrimas.
- Eu sei disso, mãe, mas é difícil. Eu a amava de verdade.
- Será?
- Por que pergunta?
- Não está sendo como ela? Afinal de contas, quem ama liberta, deixa o outro seguir seu rumo. Será que o que sente não é uma paixão doentia, que cega o coração e atiça a mente?
Gaspar sentou-se na cama, inquieto.
- Não sei o que pensar. Fiquei desestruturado. Você sabe, mãe, nunca levantei a mão nem para uma mosca. Mas o que Maria Lúcia disse, a proposta...
Lágrimas insopitáveis caíam pelo seu rosto. Celeste estava desolada, mas, de certo modo sentia-se aliviada.
- Graças a Deus, você pôde enxergar e ver como Maria Lúcia é de verdade. Azar do moço que vai se casar com ela, porque, se ela fez a você uma proposta como essa, não acha que vai procurar outro amante?
- Não sei e não quero saber. A partir de hoje não desejo mais ouvir falar de Maria Lúcia. Não quero mais pensar nela. É passado. Acabou. Você vai ver, mãe: agora vou me recompor. Vou trabalhar bastante, vamos ter nosso restaurante. Vou me casar com Estela e vou ser muito feliz.
- Fico contente com todo o seu vigor. Mas você ama
Estela de verdade? Ou vai se casar por puro orgulho?
- Gosto dela, mãe. Não é o suficiente?
- Você é dono de seu coração.
- É uma moça de princípios, correta, bonita. E você gosta muito dela.
- Isso é verdade. É uma boa moça. Ah, que alívio!
Pensei ser impossível você esquecer Maria Lúcia. Sinto que a partir de agora tudo vai ser diferente
- Pode ter certeza. Por pior que pareça ter sido, no fim foi bom. Todas as ilusões que construí em torno de Maria Lúcia foram por água abaixo. As aparências enganam, mãe.
- Bem, vá tomar outro banho. Vou terminar o jantar.
Gaspar beijou Celeste na testa.
- Você é mãe e amiga. Obrigado pela força.
- Sou de outra geração, meu filho. Cresci sob conceitos rígidos de comportamento, ideias fixas, cristalizadas por gerações. Você é livre. Quando seu pai morreu, passei a questionar o mundo, os conceitos sociais, minha própria vida. Por que eu agia como todo mundo, quando na verdade tinha vontade de agir diferentemente?
- Quando papai morreu, a família dele se afastou de nós, por julgar você fria e indiferente.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Mar 23, 2024 8:37 pm

- E o que eu podia fazer? Não casei por amor, mas por necessidade. Fui infeliz. Por sorte, tive você, e jurei que jamais educaria um filho do modo como fui educada. Criei você para o mundo e não para mim. Seu pai foi um bom homem, mas nunca nos amamos.
- Você ainda pode se ajeitar, d. Celeste - revidou Gaspar, com um sorriso maroto nos lábios.
- Não quero. Sou consciente da escolha que fiz. Pretendo melhorar meu espírito.
- A convivência com d. Alzira despertou-a para novos valores.
- Quero cuidar de mim, filho. Abrir minha mente, mudar minhas atitudes, melhorar meu padrão de pensamento. No momento, é isso. Se aparecer um homem que pense como eu, óptimo. Caso contrário, ficarei somente comigo.
Gaspar abraçou a mãe com amor.
- Você não existe!
***
Maria Lúcia agitava-se no carro. Desvirava o vestido enraivecida.
- Não adianta ficar assim, queridinha.
- Cale a boca, Henrique. Você não sabe a humilhação pela qual passei agora há pouco. Mas eles me pagam.
- Isso não vai dar em nada. Deixe Gaspar de lado.
Ele pode ser gostoso, bonito, mas não é o único no mundo.
Nunca parou para pensar nos homens que poderá ter a partir de agora?
- Não.
Henrique deu um gritinho e tirou as mãos do volante, fazendo gestos tresloucados com as mãos.
- Queridinha, acorde! Você vai se tornar uma Vidigal.
Não há igual. - Gargalhou. - Deu até rima: com Vidigal, não há igual. Você vai arrasar no high society, Maria Lúcia.
Enquanto Eduardo vai para lá e para cá cuidar dos laboratórios, eu vou arrumando os bofes mais maravilhosos da cidade, do país.
Maria Lúcia esboçou um sorriso.
- Nunca havia pensado assim.
- Pois está na hora de pensar. Deixe de ser boba, mulher. Há coisa muito melhor do que Gaspar no mundo. Você tem uma visão muito limitada. Coisa de gente apegada.
- Tem razão. Mas eu só quis fazer uma proposta a ele. Qual o problema?
- Eu lhe disse que ele era íntegro, que jamais aceitaria.
- Veremos. Se tudo der certo, quero ver essa aura de integridade ir por água abaixo.
- O que você pretende?
- Dar um troco, só isso.
- Não engoliu o tapa na cara, né?
- Não. Nem meu pai levantou a mão para mim.
Homem nenhum fez isso.
Henrique riu malicioso.
- Mas mulher já...
Ela se irritou:
- Aquela vagabunda da Estela! Outra que ousou levantar a mão para mim.
- Você pode dar um tapa, um tiro de misericórdia em Gaspar.
- Não estou entendendo.
- Não gostaria de vê-lo no fundo do poço?
- Sim, mas o que posso fazer? Roubar as migalhas de dólares que ele arduamente acumulou? Isso ele recupera em pouco tempo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Mar 23, 2024 8:37 pm

- Mas ele está gostando de Estela. Pode ser que agora ele se case com ela só para esquecer você em definitivo.
- Não consegui entender sua linha de raciocínio.
- Gaspar vai apostar todas as fichas nessa moça.
- Você é amigo dela?
- Superficialmente, mas o suficiente para saber que ela é muito tonta.
- E o que você pretende?
- Afastá-la do caminho de Gaspar.
- Como assim?
- Sumir com ela.
- Isso é impossível.
- Nada é impossível, principalmente em nosso país.
- Como pretende fazer isso?
- Do mesmo modo que vou dar um susto em sua irmã.
- Explique melhor, Henrique.
- Estela é multo tonta mesmo. Lembra-se de Olavinho?
- Aquele namorado dela que desapareceu?
- Esse mesmo.
- E daí. Você poderia ser mais claro?
Henrique coçou a cabeça.
- Ainda não tenho certeza de que posso confiar em você — comentou, indeciso.
- Claro que pode! E não temos ajudado um ao outro?
Por que justo agora eu daria com a língua nos dentes? E, de mais a mais, você sabe que, assim que eu me casar, você vai estar a meu lado constantemente.
- Bem... Lembra-se da Oban?
- Embora a censura não nos deixe saber das coisas, ouvi algo a respeito, mas nunca me interessei por política ou por militantes de esquerda, repressão, essas coisas.
- A Oban1 foi uma estrutura informal criada para combater a guerra revolucionária. Muitos empresários aqui de São Paulo financiaram os policiais que faziam parte dessa estrutura. E o dr. Osvaldo Vidigal foi um dos que participaram.
- Não posso crer! Eduardo está metido com essa gente?
- Ele nem sonha que o pai tenha participado. Muitos empresários paulistas ajudaram no combate à luta armada.
Alguns empresários foram coagidos, caso do dr. Osvaldo.
- Onde quer chegar?
- A estrutura da Oban e o início da guerrilha urbana deram condições ao surgimento dos DOI-Codis2, que, com o Dops3, têm total autonomia na transgressão dos direitos do cidadão, bem como na produção de desaparecidos; tornaram-se as estruturas mais truculentas no combate aos opositores da ditadura.
- Você sabe demais. Os jornais e as emissoras de rádio e TV estão sob censura. Não sabemos de nada que acontece nos porões da ditadura. De onde tira tantas informações?
Henrique deu um sorriso cínico.
- Conheço gente importante.
- Como assim?
- Às vezes eu saio com um delegado do Dops, da Divisão de Ordem Política.
- Mentira! Não posso acreditar!
- É, meu bem. Um delegado! Acha que todo policial é cabra macho?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Mar 23, 2024 8:37 pm

- Henrique, você não tem medo? E se esse homem desconfia de você e resolve matá-lo? Essa gente não pensa duas vezes.
- Nem sonho com isso. Muitas coisas ele me conta na cama. O delegado Medeiros gosta muito de mim.
- Ei, espere um pouco, eu já ouvi falar nesse tal de Medeiros. Ele sempre aparece nos jornais.
- É o próprio. Lá no Dops sabem que ele é homossexual e não o recriminam por isso. O homem tem as costas quentes. É amigo do dr. Fleury.
- E o que tem o delegado Medeiros e Olavinho a ver com nossa história?
- Olavinho foi pego pelos militares e morreu, tenho certeza. Estela foi namorada dele. Ele trocou de nome quando caiu na clandestinidade, tornou-se guerrilheiro. Posso ter uma conversinha com Medeiros e dizer que Estela é simpatizante da esquerda. Você mesma disse que ela guarda um mimeógrafo nos fundos do salão.
- Uma vez fui atrás dela e a vi no quartinho, rodando uns panfletos. Fiquei escondida embaixo de uma escada e, quando ela saiu, entrei e vi. Estela é uma cadela comunista.
- Qualquer suspeita, qualquer coisinha que se fale de alguém, a polícia cai em cima.
- O que pode acontecer?
- Primeiro, eles interrogam e torturam. Depois, vão checar se a pessoa tinha ou não ligação com alguma entidade de esquerda. E para pegar gente assim normal, sem costas quentes, como Estela, é fácil. Se descobrirem que ela namorou Olavinho e encontrarem o mimeógrafo e alguns panfletos, ela está frita. Entendeu meu raciocínio?
- Henrique, você é brilhante!
- Com isso, Estela leva um belo susto. Quer dizer...se a pobrezinha suportar as torturas.
Maria Lúcia sentiu um torpor forte. Embora um pouco tonta, adorou o plano traçado por Henrique.
- Não me interessa o que possa acontecer a Estela.
Quero que ela se dane. O que importa mesmo é dar um bom susto nela.
- Confie em mim.
- Posso mesmo acalentar esse sonho?
- O dr. Medeiros e eu somos íntimos; por intermédio dele conheci até o dr. Fleury, o Papa.
Maria Lúcia arregalou os olhos.
- Conheceu o dr. Fleury? Não acredito!
- Pura verdade. Tenho uma boa rede de influências.
- Se conseguir aprontar essa com Estela, juro que vai se tornar meu camareiro.
- Prefiro dama de companhia, mesmo.
- Dê o nome que quiser.
Henrique beijou-a na testa.
- Obrigado, queridinha. Pode ter certeza de que vou cumprir o prometido. Mas bico fechado! Medeiros nem pode sonhar que eu tenha lhe contado essas coisas. São assuntos que eu e ele podemos discutir na cama, depois de muito exercício.
Ambos caíram na gargalhada. Henrique deu partida no carro e foram para a casa de Maria Lúcia. Não notaram que sombras escuras se abraçavam a eles e se nutriam de seus pensamentos negativos.

1 Sigla de Operação Bandeirante (Nota do Autor).
2 Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (N.A.).
3 Delegacia de Ordem e Política Social (N.A.)
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Capítulo 11
Passava das dez da noite quando Maria Lúcia entrou pelos fundos de casa.
- Corra! Os convidados chegaram faz tempo - disse Marines, aflita. - Não sabemos mais o que fazer para disfarçar o constrangimento. Onde esteve, que demorou tanto?
- Não encha meu saco. Passou aquele vestido azul?
- Está deitado em sua cama. Faz horas.
Maria Lúcia tirou os sapatos.
- Vou subir bem devagar. Vá até a sala e diga que em dez minutos eu desço.
- Pode deixar. Corra.
Maria Lúcia usou uma maquiagem forte para minimizar o vergão que o tapa de Gaspar produzira em seu rosto.
Olhando-se no espelho, disse entre dentes:
- Esse vergão vai lhe custar caro. Você não vai ter ninguém. Nem Estela nem ninguém. Enquanto eu viver, você vai ficar só.
Passou a escova nos cabelos sedosos e volumosos.
Piscou para sua imagem reflectida no espelho e desceu. Entre desculpas as mais esfarrapadas de Maria Lúcia, todos se sentaram à mesa. Era visível a irritação no semblante de Iolanda e Adelaide. Floriano e Osvaldo tentavam a custo manter uma conversação agradável. Maria Lúcia fingia ser amável e carinhosa com Adelaide.
Ninguém percebeu o jogo de olhares entre Marines e
Eduardo, nem mesmo a esperta Maria Lúcia.
Após o jantar, Marines pediu licença e foi até a varanda. Eduardo, aproveitando que seus pais conversavam com Maria Lúcia, pediu licença e disfarçadamente foi atrás de Marines.- Então você é a caçula?
- Um ano mais nova.
- Parece tão madura, tão diferente de Maria Lúcia.
- Somos bem diferentes.
Eduardo ia fazer outra pergunta banal, quando Marines disparou à queima-roupa.
- Você ama minha irmã?
Eduardo estremeceu. Sentiu as pernas falsearem.
Nunca havia sentido aquilo antes.
- Gosto muito dela.
- Perguntei se a ama.
Eduardo andou de um lado para o outro da varanda. Nervoso, acendeu um cigarro. Após longas baforadas, tornou:
- Não sei explicar. Pensei até que estivesse apaixonado por Maria Lúcia. Mas, desde que vi você, confesso estar confuso. Não sei o que me deu. Minha cabeça está a mil. E, o mais estranho, tenho certeza de que a conheço há muito tempo.
Marines riu.
- Vai ver, nós nos conhecemos de outras vidas.
- Não brinque com isso. Não acredito nessas crendices.
- Mas eu senti o mesmo.
- O mesmo?
- É. Quando desci a escada e nossos olhos se cruzaram, tive a nítida sensação de conhecê-lo.
- Pode ser que nos vimos em algum outro lugar. São Paulo é grande, mas as pessoas estão sempre se cruzando.
- É verdade, mas não me lembro de tê-lo visto na rua.
- Então foi em outras vidas - brincou ele.
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Marines ficou séria:
- Maria Lúcia sempre evitou que nossas famílias se encontrassem. A próxima vez que ela vai permitir que eu e você nos encontremos talvez seja no casamento, lá na igreja. E, depois, acabou.
- Por que diz isso?
- Por nada. Maria Lúcia não tem afinidades comigo.
- Mas é sua irmã.
- O sangue não conta. Os verdadeiros laços que unem as pessoas no mundo são os espirituais, não os de sangue.
- Acredita mesmo nisso?
- E por que não? Como explicar as diferenças sociais, financeiras, entre as pessoas?
- Isso é fácil. Há muita gente vagabunda no mundo, que não quer saber de nada.
- Você acredita em Deus?
- Sim.
- Se Ele é poderoso e ama Seus filhos, porque deixaria uns nascerem no conforto e outros na mais triste pobreza?
Por que permitiria crimes bárbaros, ou mesmo o nascimento de crianças deficientes? Não seria uma injustiça?
- Nunca pensei nisso. E, se eu parar para pensar, acho que vou enlouquecer.
- Procurar entender a vida, seus mecanismos, não enlouquece ninguém. Pelo contrário: alarga nossa mente, expande nossa consciência, torna-nos mais inteligentes.
- Multo Interessante sua maneira peculiar de encarar a vida.
- Podemos conversar melhor em outro momento. Mas, por favor, pense antes de fazer uma besteira. Casamento é coisa séria. Torço pela felicidade de Maria Lúcia, mas, agora que o conheci, também torço muito por sua felicidade.
Eduardo apagou o cigarro e delicadamente pousou suas mãos nas de Marines. Ambos sentiram novo arrepio.
- Será que sempre vamos ter choquinhos? - brincou ela.
- Você tem as mãos tão suaves, tão...
- Ora, ora! Os cunhados estão se entrosando? Estão se conhecendo melhor?
Eduardo e Marines largaram as mãos. Eduardo considerou:
- Por que nunca me apresentou sua irmã, Maria
Lúcia? Ela é tão simpática!
- Simpática demais para o meu gosto. O que estavam conversando?
Eduardo pigarreou:
- Marines estava me falando sobre as diferenças sociais e financeiras das pessoas.
- Não perde a oportunidade de fazer seu discurso espiritualista, não é mesmo, querida?
- Estava mostrando a ele os meus pontos de vista, só isso.
- Venha, Eduardo. Estamos servindo a sobremesa.
Entre.
Ele baixou a cabeça e seguiu a noiva. Marines sentiu um aperto no peito. Nunca havia sentido aquilo por homem nenhum antes. Estava aturdida. Não podia ser possível: estaria ela apaixonada pelo futuro cunhado? Mal haviam se conhecido. Mas como explicar o arrepio, os choques, o coração descompassado?
Marines suspirou. Estava nervosa. Tinha de ocultar esse sentimento a todo custo. Não podia dar largas ao coração. A passos lentos, voltou para a sala. Só de pensar em Eduardo, sentiu um nó na garganta, um friozinho na boca do estômago.
"Ele também sentiu o mesmo. Mas vai se casar com Maria Lúcia. Como pode ser possível? Meu Deus, preciso afastar esse sentimento, custe o que custar."
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Medo de Amar - Marco Aurélio/Marcelo Cezar - Página 3 Empty Re: Medo de Amar - Marco Aurélio/Marcelo Cezar

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Mar 24, 2024 11:27 am

Naquele momento Marines havia tomado uma decisão que não saberia se conseguiria cumprir: não iria mais se aproximar de Eduardo, em hipótese alguma. Não Iria ao casamento; arrumaria uma desculpa, uma viagem de urgência com a turma da faculdade. Faria o possível para não ir.
***
Eduardo andava impaciente de um lado para o outro do quarto. Adelaide bateu na porta e entrou em seguida.
- O que o aflige?
- Nada.
- Como, nada? Eu o conheço, filho. Faz algum tempo que não se alimenta direito. Está fumando bastante. O que está acontecendo? Muito trabalho?
- Não. Trabalhar com papai é prazeroso.
- Então não entendo.
- Não estou gostando de ficar aqui no Brasil. O clima anda tenso, colegas do tempo de faculdade desapareceram.
Às vezes tenho vontade de largar tudo.
- E de que adiantaria? Vai deixar seu pai sozinho?
- É por isso que não tomei nenhuma decisão. Poderia controlar nossos laboratórios de lá de Paris, visto que fizemos boa parceria com o laboratório francês.
Adelaide meneou a cabeça.
- Seu desespero não tem a ver com trabalho.
- Mãe, não comece.
- Intuição de mãe não falha. Algum problema com Maria Lúcia?
- Problema, problema, não. Mas estou confuso.
- Confuso? - Adelaide sentiu um clarão de esperança.
- É, desde a noite do jantar, não sei.
- Não sabe...
- Sinto que não amo Maria Lúcia.
Adelaide levantou as mãos para o alto.
- Deus seja louvado! Até que enfim ouviu minhas preces. Eu sabia que você não amava aquela mulher.
- Não sei o que fazer.
- Desmanche o noivado.
- Não posso macular o nome de nossa família. O que os outros vão dizer? E suas amigas? Como suportaremos as chacotas? Não, mãe, isso não é justo. Agora tenho de ir até o fim.
- Filho, sou macaca velha de sociedade. Rompimentos de noivado causam burburinho e mexericos no momento em que são anunciados, mas em pouco tempo todo mundo esquece. É melhor tomar essa decisão hoje do que depois de casados, com fi... - Adelaide parou repentinamente. Um pensamento sombrio assaltou sua cabeça:
- Vocês têm se cuidado?
- Que pergunta, mãe!
- Diga-me. Quero saber.
- Sim, nós nos precavemos. Maria Lúcia toma pílula.
- Assim espero. Ela é bem capaz de agarrá-lo com uma barriga inchada.
- Mãe!
- Deixe de frescuras comigo. Você não ama essa moça, e tenho certeza de que ela também não o ama.
- Ultimamente tenho pensado muito em tudo isso.
- Acho que há mulher metida nessa história.
- Não.
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Medo de Amar - Marco Aurélio/Marcelo Cezar - Página 3 Empty Re: Medo de Amar - Marco Aurélio/Marcelo Cezar

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Mar 24, 2024 11:28 am

- Não minta para sua mãe. Você pode até ocultar o nome da moça, mas isso é sintoma de apaixonado.
- Como sabe?
- Eu fui e sou apaixonada pelo seu pai. Nós nos amamos. O brilho em seus olhos o delatam.
Eduardo riu. Abraçou-se à mãe.
- Tem razão, não posso mentir. Estou apaixonado.
Mas prefiro não falar sobre ela. Preciso conversar com Maria Lúcia.
- Precisa mesmo. Ela não para de ligar. Já deixou vários recados.
A empregada bateu à porta.
- Dona Adelaide, a srta. Maria Lúcia está na sala.
- Falando no diabo, ele aparece.
- Não diga isso, mãe.
- Ela é impertinente. Sabe que não gosto dela. Se você pelo menos estivesse noivo da irmã dela...
- O que disse?
- É. Eu me encantei com Marines. Que doçura de menina! Se me dissessem que ela e Maria Lúcia eram irmãs, eu não acreditaria.
- Verdade? Gostou mesmo dela?
- Sim, embora ela não pertença a nosso círculo social... Bem, isso eu já senti na pele e não me incomoda. Eu também não fazia parte deste meio, e olhe como sou tratada hoje em dia. — Voltou-se em direcção à porta. - Vamos, apronte-se. Vou fazer sala para a moça.
Sem muita pressa, Eduardo pôs-se a escolher o que vestir. Enquanto se arrumava, relembrava-se de Marines. Os olhos do rapaz brilhavam. Ele esboçou um sorriso.
- Ah, não consigo tirá-la de meu pensamento.
- Não consegue tirar quem? Eu?
Eduardo voltou a si.
- O que está fazendo aqui?
- Sua mãe mandou que eu viesse. Por que você não atende meus recados?
- Muito trabalho.
- Você anda esquisito, Eduardo. O que está acontecendo?
- Nada. Estou bem.
- Eu o conheço. O que foi?
Custou a Eduardo manter a respiração em seu estado natural. Ele se sentou na cama. Segurou o rosto com as mãos e apoiou os cotovelos sobre as pernas.
- Estou cansado.
- Faltam quinze dias para o casamento. Aí vamos viajar e tudo vai ficar bem. Vamos curtir bastante. Fiquei sabendo que a Disneyworld é um encanto.
- Eu preferia a Europa. Tinha alguns compromissos agendados com o pessoal de Paris. Precisei desmarcar tudo. Não gosto disso.
Maria Lúcia aproximou-se e abraçou-o por trás.
- O que custa? Uma viagem sem negócios, sem laboratórios, só passeio.
- Invenção de Henrique. Por que acata tudo que ele diz?
- Porque ele é culto, fino, sabe o que é melhor para nós.
- Afectado demais e presunçoso demais.
- Não sabia que você era preconceituoso.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Mar 24, 2024 11:28 am

- Não sou. Mas ele não desgruda de você, parece chiclete. As pessoas comentam. Afinal de contas, íamos nos casar.
Maria Lúcia desvencilhou-se dele.
- O que disse? Que íamos nos casar?
- É que... - ele estava perturbado.
- Que história é essa, Eduardo? - bramiu ela.
- Precisamos conversar.
- A quinze dias do casamento quer conversar?
- Temos de ter uma conversa séria.
Ela, de boba, não tinha nada. Desde o jantar em sua casa, quase três meses atrás, notou como Eduardo mudara seu comportamento. Não atendia suas ligações, evitava sair, pretextando cansaço e trabalho, só trabalho.
Maria Lúcia tinha certeza de que Eduardo se enrabichara por algumazinha. Precisava correr contra o tempo. Faltavam duas semanas para o enlace. Não ia deixar que as coisas desmoronassem depois de tanto sacrifício ao lado daquele otário. Ela respirou fundo. Procurou disfarçar a raiva e disse em tom que procurou tornar amável:
- Antes de conversar, tenho uma surpresa para você.
- Surpresa?
- É. Feche os olhos.
Eduardo obedeceu, a contragosto. Maria Lúcia pegou a mão dele e levou-a até sua barriga.
- Sente alguma coisa?
- Não.
- Abra os olhos.
- O que foi? Está passando mal?
Maria Lúcia riu.
- Bobo!
- Não entendi. O que foi?
- Não percebe? Estou grávida!
Eduardo não entendeu de pronto.
- O que foi que disse?
- Estou grávida. Trouxe os resultados. Ainda bem que vamos nos casar logo. Ninguém vai suspeitar.
Eduardo levantou-se de um salto. Demorou para entender a situação. Após longo silêncio, indagou:
- Você não estava tomando pílula?
- Eu me atrapalhei com o período menstrual. O que posso fazer?
O rapaz sentiu o suor frio escorrer-lhe pela testa. E agora? O que fazer? Aquela gravidez atrapalhava sua decisão. Não podia, em hipótese alguma, desfazer o noivado.
Era sua responsabilidade. Isso era contra seus princípios. Ele bem que tentou evitar ter relações com ela, mas Maria Lúcia fora incisiva e afirmou com veemência que tomava pílula, que ele não se preocupasse.
- Vamos ter um filho?
- Isso mesmo, um filho. Não é maravilhoso?
Eduardo emocionou-se. Saber que dentro daquela barriga vibrava um ser que era parte dele deixou-o comovido. Ele se abaixou e beijou o ventre de Maria Lúcia. Naquele 105momento mágico, esqueceu-se de Marines, do rompimento, de tudo o mais. Uma lágrima escorreu pelo canto de seu olho. Enquanto ele acariciava a barriga, Maria Lúcia rangia os dentes e falava para si, cheia de ira:
"Idiota! Ainda bem que engravidei, senão você ia me chutar. Mas agora não há outro jeito: vai ter de se casar.
Essa gravidez veio em boa hora. A vida está a meu favor."
Eduardo continuava acariciando a barriga dela. E, a cada toque dele em sua barriga, Maria Lúcia sentia um ódio surdo dentro de si.
"Cafajeste! Ia me largar. Mais um que vai pagar caro!
Um dia vai saber que esse filho não é seu. Gaspar pode nunca mais me ver, mas estarei sempre com um pedaço dele. Nosso filho. Nosso filho..."
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Medo de Amar - Marco Aurélio/Marcelo Cezar - Página 3 Empty Re: Medo de Amar - Marco Aurélio/Marcelo Cezar

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Mar 24, 2024 11:28 am

Capítulo 12
O casamento de Maria Lúcia e Eduardo foi bonito e com toda pompa, reflectindo o bom gosto que Adelaide adquirira em anos de convívio em alta sociedade. Maria Lúcia vestia um modelo criado por Denner, o costureiro mais famoso do país, amigo dos Vidigais. Pessoas do meio artístico, do meio político e outras figuras importantes compareceram à cerimónia, realizada na Igreja Nossa
Senhora do Brasil. Estava tudo impecável. Após a cerimónia, os noivos deram recepção no Clube Paulistano, onde se realizou jantar dançante, com orquestra e muito luxo.
Marines tentou arrumar todas as desculpas para se livrar do enlace de sua irmã, mas Iolanda e Floriano foram categóricos. Por fim ela cedeu. Não quis contrariar os pais e ficou o tempo todo sentada à mesa, ao lado de Sónia.
- Nunca vi tanto luxo.
- Mamãe tem muito bom gosto.
- Fico feliz de estar aqui, apesar de Maria Lúcia ter torcido o nariz.
- Ela torce o nariz para qualquer coisa.
- Você é tão sensível!
- E você parece estar incomodada. O que foi?
Marines procurou disfarçar.
- Sinto-me deslocada.
Ambas ficaram conversando e observando os trajes dos convidados, fazendo comentários discretos. Marines procurou evitar contacto com Eduardo. Fez tremendo esforço para dissimular o que ia em seu íntimo. Na igreja, achou que não conseguiria cumprimentá-lo após as bênçãos do padre.
Sónia levantou-se para cumprimentar um casal de amigos que acabara de chegar e Marines permaneceu sentada à mesa sozinha, procurando ocultar o que ia em seu coração.
Não percebeu a chegada de Henrique.
- Oi, queridinha.
A jovem teve um sobressalto.
- Olá... Como vai?
- Bem. E você? Quando vai me dar a honra de namorá-la?
Ela sentiu as faces arderem.
- Como se atreve? Por que essa insistência infundada?
- Calma!
Marines fez ar de mofa.
- O que quer? Não está feliz ao lado de minha irmã?
Não conseguiu sair do bairro e ter a vida que queria?
- Não mude o teor de nossa conversa. Por que sempre me destrata?
- Não quero ser indelicada, mas você me obriga.
- Marines, sempre educada.
Henrique falou e colocou suas mãos sobre as dela.
A moça sentiu repulsa e retirou-as num impulso.
- Deixe-me em paz.
- Ora, ora...
Marines perdeu a compostura:
- Eu sei que quer me namorar para provar que é homem.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Mar 24, 2024 11:28 am

Henrique sentiu o sangue subir. A jovem continuou:
- Eu não tenho nada a ver com sua vida. O que eu vi naquela noite vai ficar entre nós.
- Sempre vai me acusar, não?
- Eu? Imagine! Não sou preconceituosa; nunca fui.
Não tolero nenhum tipo de preconceito, seja racial, social, sexual. Discriminação, para mim, é o cúmulo do absurdo.
Você é adulto, Henrique, e pode fazer de sua vida o que bem entender. Acha que vai fazer comigo o que fez com outras meninas lá no bairro?
- Como?
- Namorou as meninas só para manter sua fachada de garanhão. Nunca se importou com os sentimentos delas.
- Problema das coitadinhas.
- E quer fazer isso comigo por quê?
Ele não tinha o que responder.
- Pode ficar tranquilo, Henrique: não vou contar nada a ninguém. Assunto encerrado.
Ele procurou contemporizar:
- Desculpe. É que é muito difícil para mim aceitar uma coisa dessas. Não é fácil ser homossexual.
-Aprenda. Se veio ao mundo assim, nessa condição,
é porque tem algo a aprender. Tem de experienciar outras situações, ser obrigado a encarar o preconceito com outros olhos. Cada um vem ao mundo em determinada condição, sempre para crescer.
- Não sei se você está certa, mas isso me alivia um pouco. A maioria das pessoas tem cabeça fechada, não tolera nada que não faça parte dos ditames sociais. Tudo aquilo que não se enquadre nos padrões socialmente aceitos é visto como anomalia.
- Sociedade? É só nisso que você pensa? Por isso quer fazer de otária a mim e a tantas outras mulheres que por infelicidade cruzarem seu caminho?
- É uma maneira de resguardar minha imagem. Um homem vive disso.
- Por que não assume sua condição e vai ajudar outros iguais a você? Pelo que sei, temos milhares de homossexuais espalhados pela cidade, pelo país. Organizem-se, criem grupos, imponham respeito, lutem pelos seus direitos, ora.
- Está sendo estúpida comigo.
- E você está sendo impertinente.
- Mas Marines...
- Sem mas. Chega, Henrique. Estou farta de você e de seu discurso irritante. Se vier de novo com conversinhas bobas, não sei do que sou capaz. Agora, deixe-me em paz.
Marines levantou-se de um salto e saiu rápida, misturando-se entre os convidados. Henrique mordeu os lábios de ódio, com tanta força, que logo sentiu o gosto amargo de sangue.
- Ela pensa que é superior. Cheia de conselhos, toda espiritualizada. Quero ver quando a corda romper do seu lado, como vai reagir, se esse discurso espiritualista vai funcionar.
- Falando sozinho?
- Olá, Maria Lúcia. Estava pensando alto.
- E então? Está gostando da festa?
- Divina! Não poderia ser melhor, vindo dos Vidigais.
- Estou tão feliz! Entrei para a alta sociedade na crista da onda. Viu como me paparicam, rodeiam-me? Tudo por causa de um sobrenome.
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Medo de Amar - Marco Aurélio/Marcelo Cezar - Página 3 Empty Re: Medo de Amar - Marco Aurélio/Marcelo Cezar

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Mar 24, 2024 11:29 am

Henrique estava irritado com Marines. Mal deu ouvidos a Maria Lúcia. Cortando a amiga, perguntou:
- Quem é aquele grandalhão de óculos e terno listrado?
- É Túlio. Faz parte do clã dos Mendes Azevedos.
- Eu sei. Meus olhos já cruzaram com os dele e já sorrimos um para o outro.
- Vai se dar muito bem em nosso meio, hein?
- E como! Só não me aproximo dele porque a esposa não larga do pé.
- Quer que eu faça algo?
- Não. Vou arrumar um jeito de dar meu cartão a ele.
E, mais uma vez, obrigado pelo apartamento. Sempre quis morar na avenida São Luís.
- Foi só um mimo. Deixe-me voltar de lua de mel e vamos fazer muitos planos.
Henrique acariciou a barriga de Maria Lúcia.
- Oi, o padrinho está aqui. Tudo bem?
- Deixe de ser bobo, Henrique. Olhe os convidados!
Ele deu uma viradinha de pernas.
- Posso ser madrinha, se quiser.
- Acho que meu filho vai ter duas madrinhas. Você e Adelaide.
Eles riram. Maria Lúcia baixou o tom de voz, séria:
- Tem alguma notícia lá dos lados de Gaspar?
- Ele está inconsolável. Estela sumiu, assim, de repente, e ninguém sabe o paradeiro dela.
Os dois gargalharam.
- Você promete o que cumpre. Só quero ver o susto que vai dar na tonta da Marines.
- Logo, logo. Sua irmã não perde por esperar. O delegado Medeiros vai saber o que fazer com sua irmã.
- Isso não é problema meu. Já não nos dávamos bem. Depois que soube que ela falava de minha vida para Gaspar, ah, agora quero que ela se dane.
- Gosto de você, porque me compreende.
- Quer dar susto em Marines? Fique à vontade.
- Obrigado, amiga.
- E quanto a Estela? Será que está largada em algum porão?
Henrique fitou o infinito. Com um brilho sinistro nos olhos, sentenciou:
- Do jeito que ela é tonta, a esta hora deve estar a sete palmos do chão.
* * *
Uma lágrima rolou pelo canto do olho de Gaspar. Celeste entrou no quarto com uma bandeja:
- Tome este chá. Vai lhe fazer bem.
- Não quero nada.
- Não adianta ficar assim.
- Como, não? Voltei daquela viagem com Estela, deixei-a na porta de casa e ela desapareceu, sem deixar pistas. Já reviramos a cidade do avesso. Dois meses, mãe.
- Tenho rezado muito, sabe?
- Eu e seu António fomos a hospitais, delegacias, até ao Instituto Médico Legai, e nada.
- Calma, Gaspar. Ela vai aparecer.
- Não sei, mãe. Sinto um aperto no peito. Tive pesadelos. Acordei com Estela gritando, toda machucada, cheia de ódio, pedindo justiça.
- Você está abalado emocionalmente.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Mar 24, 2024 11:29 am

- Não. Isso está me cheirando a envolvimento com a polícia. Estela namorava Olavinho; ele era militante. Ela nunca se envolveu, mas sempre demonstrou simpatia pela esquerda. Isso é mais do que motivo para ser interrogada, sabemos disso.
- Calma, filho. Acha mesmo que ela foi pega?
- Tenho quase certeza, mãe. Qual outra explicação?
Ela desapareceu. Só pode ter sido isso.
Celeste passou com carinho as mãos nos cabelos do filho.
- Vamos aguardar.
- Eu estava animado com o namoro. Desliguei-me de Maria Lúcia. Estela pelo menos me ajudou a esquecer aquela mulher. Agora ela sumiu. Será que nunca terei sorte no amor?
Celeste pousou a cabeça do filho em seu colo. Acariciou seus cabelos negros sedosos.
- Você é um homem honesto, íntegro, de valores nobres. Vivenciou a paixão, que num primeiro momento pode ser até interessante, mas com o tempo nos esgota; porque o amor é pleno, tranquilo, seguro.
- Você nunca amou papai. Como pode saber a diferença entre amor e paixão?
- Já tive sua idade e sei o que é paixão. A gente sente nó na barriga, transpira, fica trémula, perde a compostura.
A paixão nos tira do eixo, do equilíbrio. Quando você nasceu, descobri o que é amar de verdade. É algo gostoso, quentinho aqui no peito. Não há posse nem ciúme. Eu o amo porque gosto de você, e ponto final. Não há cobranças. Consegue perceber a diferença?
Gaspar beijou a mão de Celeste.
- Você é tão inteligente, tão madura! Tem me ajudado muito nestes tempos.
- Porque você sabe o que quer. Tem objectivos, metas traçadas. Uma pessoa sem metas na vida vive feito barata tonta. Juntos vamos conseguir prosperar cada vez mais.
- Tenho pensado muito nisso. Os negócios estão indo bem. Teremos condições, em breve, de abrir outro restaurante. Pequeno, mas com lucro certo.
- Vou me matricular num curso técnico de Contabilidade. Quero participar mais de nossos negócios. Estou cansada de ficar na cozinha do restaurante.
Gaspar riu.
- Não sabia que tinha interesse em estudar. Ainda mais nessa idade.
- Estou viva e lúcida. Para mim, a idade não é factor limitante.
- E pelo jeito vai ter de me aturar para sempre. - 0 semblante de Gaspar ficou triste. - Acho que nunca vou me apaixonar de novo. Sempre meto os pés pelas mãos.
- Aguarde, filho. Só o tempo poderá dizer. Você é muito novo.
- Mas muito machucado. E, enquanto Estela não aparecer, não vou sossegar.
- O que acha de conversarmos com Alzira? Pedir orientação, uma palavrinha que seja.
- Pensei nela estes dias. Ela sempre nos ajuda nos momentos difíceis.
- Podemos ir, falar de suas suspeitas sobre a polícia. Quem sabe ela nos traz alguma palavra dos amigos invisíveis?
- Tem razão.
- Então se vista. Vamos até a casa dela.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Mar 24, 2024 11:29 am

Capítulo 13
Mãe e filho forma recebidos por Alzira com um largo sorriso.
- Vocês dois têm trabalhado tanto, que mal temos tempo para um cafezinho.
Gaspar cumprimentou a vizinha e ajeitou-se no sofá.
Celeste fez o mesmo.
- Estamos preocupados. Você sabe que Estela está desaparecida há dois meses.
- Sim. A vizinhança não tem falado de outro assunto.
E o mais triste é que fazem comentários maledicentes, que nada ajudam. Poderiam vibrar positivamente, orar para que Estela fique bem.
Gaspar levantou-se agitado.
- A senhora sabe onde ela está, d. Alzira? Vamos, não me deixe na dúvida. Confio muito na senhora e, principalmente, em seus dons mediúnicos. O que os espíritos lhe têm dito?
Alzira remexeu-se na poltrona. Procurou manter o equilíbrio enquanto falou:
- Tive contacto com os amigos espirituais e eles afirmaram que Estela não está bem. E que suas suspeitas não são infundadas.
- Minhas suspeitas? Então ela foi pega pelos repressores?
- Foi.
Gaspar deixou-se cair na poltrona, arrasado. Seus olhos marejaram. Já tinha ouvido falar da truculência dos órgãos repressores. Mesmo que fosse um simples interrogatório, quem entrasse no Dops, principalmente na Divisão de Ordem Política, estava frito. Alzira afirmou:
- Não sei ao certo onde ela está. Vejo-a triste, rancorosa, machucada, num local com pouca luz.- Então é isso! Sonhei com ela assim, toda machucada e clamando por justiça.
- Você teve um encontro astral com ela, Gaspar. Foi até onde ela se encontra. Mas as energias ao redor de Estela não permitem que possamos fazer nada, por ora. Sua aura carrega muito ódio, e isso a afasta dos amigos do bem.
- Mas, pelo que me diz, ela está viva. Isso é um consolo.
- Pode ser. O espírito é eterno. A morte do corpo físico não é o fim.
Celeste arriscou:
- Acha que ela está morta, Alzira?
- Não posso afirmar. Tudo depende de como Estela vai reagir. Isso não está em nossas mãos. Ela é responsável pelo seu destino. Vamos orar e aguardar.
Gaspar mordia os lábios, demonstrando seu nervosismo.
- Não entendo de espiritualidade tanto quanto a senhora.
- Como não? Tem lido tantos livros, às vezes toma um passe.
- Ainda me sinto inseguro. Mas confio na senhora. Se o melhor a fazer é rezar, então vamos lá.
Celeste e Alzira levantaram-se e os três deram-se as mãos. Fecharam os olhos e Alzira foi conduzindo uma linda prece, para conforto de todos e, principalmente, para o bem-estar de Estela.
Os três permaneceram de olhos cerrados e rezaram com fé. Alzira sentiu um arrepio e abriu um dos olhos. Ela viu o espírito de Estela, semi-inconsciente, sendo amparado e carregado por dois espíritos enfermeiros. Um deles olhou para Alzira e sorriu. Aproximou-se e sussurrou:
- Obrigado pela ajuda. Era isso que faltava para resgatarmos o espírito de Estela.
Alzira fez uma pergunta mental:
- Ela sabe que desencarnou?
- Ainda não. Mas isso não importa no momento.
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Vamos levá-la a uma colónia onde são atendidos só espíritos cujo desencarne se deu por conta da luta armada. Todos merecem auxílio. Agora precisamos ir. Peça a Celeste e a Gaspar para continuarem vibrando por Estela.
- Devo dizer que ela está morta?
- Não. No momento certo, anos à frente, Gaspar vai descobrir. Peça por oração. Toda vez que pensarem em Estela, imaginem-na sorrindo, alegre, feliz.
- Mas Gaspar não vai sossegar enquanto não souber onde ela se encontra.
- Confie, Alzira. Os dois nem estavam programados para se encontrar. Foi pura afinidade, num momento da vida de ambos. Gaspar vai esquecer e, quando estiver mais maduro, vai encontrar o grande amor de sua vida. Agora precisamos ir. Até logo.
Alzira despediu-se mentalmente e uma lágrima escorreu-lhe pelo canto do olho. Ela pigarreou e falou em voz alta:
- Bem, Estela, que Deus a acompanhe, onde estiver.
- E, virando-se para Celeste e Gaspar: - Nossas vibrações chegaram até ela.
Gaspar continuava visivelmente perturbado.
- E então? A senhora viu Estela?
- Ela está bem.
- Onde está? Por favor...
- Mantenha a calma, Gaspar. Não importa onde ela esteja, toda vez que pensar nela, imagine que ela está sorrindo, feliz, de bem com a vida.
- Acho difícil. É duro lidar com uma pessoa desaparecida. E o que vou fazer daqui para a frente? Esperar? Quanto tempo? Quantos anos?
- Vocês nem estavam namorando! Não creio que estivesse com intenções de se casar com Estela.
- Não é verdade.
Alzira pousou delicadamente seu braço no de Gaspar.
- Não precisa mentir para mim. Você e Estela não tinham compromissos juntos. Por afinidade, sintonia, a vida os uniu temporariamente. Agora está mais do que claro que cada um deve seguir seu caminho. No momento em que esquecer Maria Lúcia por completo, a vida vai lhe trazer alguém que o fará muito feliz.
- Estou confuso, mas tem razão. Na verdade, não sentia vontade de me casar. Estela era uma boa amiga.
Ficamos juntos por conta da carência. Eu queria esquecer Maria Lúcia; e ela, Olavinho.
- Então estavam juntos para se darem força, uma pitada de carinho, mais nada.
- Mas nesse tempo todo me afeiçoei a ela. É natural que me preocupe com seu paradeiro.
- Então reze, vibre. É o melhor que tem a fazer.
Confia em mim?
- Totalmente.
- Então acredite. Estela está bem. Os espíritos me garantiram.
Celeste contemporizou:
- Quem sabe ela não conseguiu fugir? Tanta gente faz isso sob as barbas do governo.
Alzira ajuntou:
- É verdade, por que só pensa no pior? Não acha que Estela possa ter fugido do país?
Gaspar sentiu-se mais calmo.
- Nunca havia pensado nisso. É mesmo. Pode ser verdade.
- Então, meu filho, não se preocupe, não se torture mais. Estela, onde estiver, vai captar, receber essas vibrações suas. Não gostaria de lhe mandar energias salutares, de reequilíbrio, de força e ânimo?
Gaspar sentiu uma leve brisa no rosto. Imediatamente ele se sentiu reconfortado. As palavras de Alzira sempre lhe tocavam fundo, faziam-lhe bem.
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Medo de Amar - Marco Aurélio/Marcelo Cezar - Página 3 Empty Re: Medo de Amar - Marco Aurélio/Marcelo Cezar

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Mar 24, 2024 11:30 am

Com voz marota, inquiriu à médium:
-A vida vai me trazer alguém e seremos felizes?
- Isso mesmo.
- Quando?
- Isso, meu filho, só Deus sabe.
Gaspar caiu na gargalhada e abraçou Alzira.
-A senhora é uma bruxa! Uma bruxa boa, mas uma bruxa.
Maria Lúcia não gostou do passeio de lua de mel.
Achava que ir até a recém-inaugurada Disneyworld, em Orlando, na Flórida, seria uma viagem inesquecível. E até, de certo modo, foi. Mas ela mal podia ir até um brinquedo, que logo enjoava, ficava tonta, vomitava. Era grávida de primeira viagem, e os sintomas irritavam-na sobremaneira.
Eduardo procurava ser compreensivo, atencioso ao extremo. Sabia do estado da mulher e procurava não se alterar quando Maria Lúcia tinha seus chiliques.
Quando desembarcaram no aeroporto de Congonhas, ela teve outro enjoo. Dessa vez não conseguiu chegar ao banheiro. Irritada, abriu a valise de mão no meio do saguão.
- Não aguento mais tanta ânsia! Se soubesse que seria assim, nunca ficaria grávida.
- Não fale assim. Agora que chegamos à nossa cidade, tudo vai melhorar.
Ela pegou uma toalha e limpou-se. Eduardo tentou ajudá-la, mas Maria Lúcia empurrou-o bruscamente.
— Não chegue perto! Estou me sentindo envergonhada, humilhada. Olhe as pessoas à nossa volta. Estão rindo de mim. Sou uma ridícula, mesmo.
- Não é ridícula. É linda.
— Linda, eu? Com essa barriga? Meu corpo está se deformando a olhos vistos, e você vem me dizer que estou linda?
Maria Lúcia não registrava as amabilidades do marido.
Encarou Eduardo com olhos injectados de fúria e correu até o banheiro, não sem antes ordenar:
- Vá pegar as malas. Encontro você na saída.
Eduardo apanhou os documentos e dirigiu-se ao sector de retirada de malas. Estava desapontado. A viagem teria sido maravilhosa, não fosse o mau humor constante da mulher. Ela mantinha postura autodestrutiva, achava-se gorda e feia. Eduardo tentava convencê-la do contrário, mas Maria Lúcia reagia com fúria e chegou até a dirigir-lhe alguns palavrões. Eduardo sentia-se agoniado. Pensou alto:
"Será que fiz o certo? Casei-me porque ela estava grávida. Mas esta viagem me mostrou que efectivamente não a amo. Não tenho mais um pingo de dúvida: não combinamos em nada."
Triste e abatido, o rapaz pegou mecanicamente as malas e colocou-as no carrinho. Afastou os pensamentos com as mãos e foi à espera da mulher. Aguardou Maria Lúcia por quarenta minutos. Olhou mais uma vez no relógio e preocupou-se.
- Será que ela está tão mal assim?
Na dúvida e um tanto preocupado, dirigiu-se até o banheiro feminino. Esperou, esperou, e nada. Começou a suar frio. Uma senhora saiu do banheiro e ele encarecidamente rogou-lhe que procurasse pela mulher. Falou da gravidez, do terninho que ela estava usando, o cabelo preso em coque. A senhora pacientemente retornou ao banheiro. Voltou meneando a cabeça negativamente para os lados.
Eduardo agradeceu, e imediatamente correu até o balcão de informações. Quando estava quase desesperado, ele a viu pela porta de vidro da saída do aeroporto, conversando animadamente na calçada. O sangue subiu-lhe às faces. Deixou o balcão, saiu a passos largos e logo chegou até ela.
- Nunca mais faça isso, Maria Lúcia! Quase uma hora!
Quer me matar de susto?
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Medo de Amar - Marco Aurélio/Marcelo Cezar - Página 3 Empty Re: Medo de Amar - Marco Aurélio/Marcelo Cezar

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Mar 24, 2024 8:48 pm

Ela deu de ombros:
- Eu o procurei e vi que estava demorando com as malas. Aí liguei para Henrique e pedi-lhe que nos buscasse.
Naquele momento Eduardo percebeu a presença do rapaz.
- Não precisava ter vindo. Ficamos de pegar um táxi.
- Mas para quê? Amigos são para essas coisas — retrucou Henrique, com falsa amabilidade.
- E eu estou imunda - bradou Maria Lúcia. - Você não pensa em meu estado? E se eu passar mal no táxi? Quer me ver numa situação embaraçosa de novo?
Henrique procurou acalmar os ânimos:
- Ambos estão cansados. Não vamos começar uma briga no portão de desembarque. Olhem as pessoas ao redor, gente. Por favor! Meu carro está aqui.
Eduardo ficou intrigado.
- Carro? Você tem carro?
- É que...
Eduardo não se conteve:
- Você não tinha carro!
Henrique esboçou um sorriso amarelo. Ficou sem graça.
- Comprei. Estou pagando as prestações, mas é meu.
Maria Lúcia percebeu o constrangimento de Henrique e interveio:
- Eu o ajudei. Ele é meu camareiro, esqueceu?
- Não me esqueci dessa sua esquisitice. Mas precisava dar a ele um Corcel?
- Turquesa. Gostou?
- Está maluca?
- Comprei mesmo! Zero quilómetro, novinho em folha. Afinal de contas, Henrique vai estar me assessorando.
Preciso de um carro, ora.
- Temos motorista.
- Você tem um.
- Somos casados. O que é meu é seu. Você não precisa de carro, tampouco de camareiro, assistente. Por que a ideia absurda de um secretário particular?
Maria Lúcia fingiu novo enjoo. Estava cansada de discutir. Brigaram a viagem toda.
- Está vendo? Olhe o que você fez. Sabe que quando me irrito fico assim. Vamos parar com essa conversa fiada e ir para casa? Chega de tanta pergunta, de tanta cobrança.
Eduardo bufou e pegou as malas. Henrique abriu o porta-malas e ajudou-o a guardara bagagem. Eduardo olhou de soslaio para o rapaz. Não gostava dele. Havia algo em Henrique que ele não tolerava.
"Acho que nossos anjos da guarda não se bicam", pensou, procurando acalmar-se.
Entraram no carro e foram para o novo apartamento, próximo ao dos pais de Eduardo, na região dos Jardins.
Ao chegarem ao apartamento, não acreditaram no que viram. Todas as dependências estavam cheias de vasos repletos de rosas vermelhas. Maria Lúcia emocionou-se.
- Henrique, como foi capaz disso? Ninguém sabia de nossa chegada.
- Mas fui rápido. Assim que desliguei sua chamada, pedi para um amigo dono de uma floricultura que fizesse a entrega, em carácter de urgência.
Maria Lúcia beijou-o nas faces, amorosa.
- Você e seus amigos! Você é demais! Que coisa mais linda! — Cutucou Eduardo, fazendo careta: - Você não seria capaz disso.
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Medo de Amar - Marco Aurélio/Marcelo Cezar - Página 3 Empty Re: Medo de Amar - Marco Aurélio/Marcelo Cezar

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Mar 24, 2024 8:49 pm

Ela pegou Henrique pelos braços e foi lhe contando os poucos momentos divertidos da viagem. Eduardo deixou-se cair numa poltrona, desolado.
"Ela não me ama. Por que se casou comigo? Será por causa de meu dinheiro? Será que ela seria capaz disso? Não posso crer!"
Envolvido num turbilhão de dúvidas, Eduardo deixou-se conduzir pelos pensamentos. Estava cansado, a viagem tinha sido ruim, e agora a única coisa que queria fazer era jogar-se de cabeça no trabalho. Levantou-se de pronto e correu até o telefone:
- Papai, tudo bem?
- Filho, quanta saudade! Não sabe a falta que me faz.
Quando voltam?
- Já voltamos.
- Como assim?
- Acabamos de chegar em casa.
- E por que não nos avisaram? Poderíamos pegá-los.
Sua mãe vai ficar uma fera.
- Ela vai compreender. Ligue para ela e diga que vamos jantar juntos esta noite. Temos muitas novidades para contar.
Osvaldo baixou o tom de voz no telefone:
- Como anda a gravidez?
- Péssima. Maria Lúcia tem sentido muito enjoo, muita ânsia.
- Logo você se acostuma.
- Pai, estou indo para o escritório.
- Já? Descanse. Acabou de chegar. Foram horas de voo.
- Não, quero trabalhar. Preciso me enterrar no trabalho. Até logo.
Osvaldo pousou o fone no gancho e passou as mãos pelos cabelos grisalhos.
"Esse casamento começou errado e pelo jeito vai terminar errado."
Eduardo pousou o fone no gancho, sentindo-se sufocado.
"Esta casa me oprime. Henrique me oprime. A gravidez de Maria Lúcia me oprime."
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Medo de Amar - Marco Aurélio/Marcelo Cezar - Página 3 Empty Re: Medo de Amar - Marco Aurélio/Marcelo Cezar

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Mar 24, 2024 8:49 pm

Capítulo 14
Henrique não cabia em si, tamanha a felicidade.
Sua avó teve um derrame mortal.
— Deus existe! Consegui me livrar da velha inútil justamente quando Maria Lúcia me dá um apartamento.
Isso é formidável!
Ele estava muito ocupado com a decoração do novo apartamento para cuidar da papelada e do enterro. Ligou para uma prima distante no interior e pediu-lhe que cuidasse da parte burocrática, visto que ele estava muito abalado com o ocorrido.
Sem vínculos familiares, ele se sentia livre para fazer o que quisesse. O convívio com Maria Lúcia mudou sua vida.
Ganhava um excelente salário e não precisava fazer quase nada. Quase, porque tinha de aturar todas as vontade e caprichos dela. No começo, irritava-se com muita facilidade, mas com o tempo, e vendo sua conta bancária engordar, ele foi deixando a irritação de lado, ao pensar na transformação positiva que o dinheiro causava em sua vida.
Maria Lúcia comprou um apartamento registrado no nome dela e com usufruto de Henrique, enquanto ele vivesse. O imóvel tinha dois quartos, era bem espaçoso, localizado num elegante edifício da avenida São Luís, região central da cidade. Ela mobiliou o apartamento com gosto e estilo. Henrique não gastou um tostão. Depois veio o carro, modelo último tipo, também no nome dela.
— Que fique tudo no nome dela - dizia ele para si.
- Eu quero mais é usufruir!
Henrique logo percebeu que Maria Lúcia não brincava em serviço e tratou de buscar o refinamento que ela tanto queria para impressionar a sogra e a sociedade. Ele se matriculou na Aliança Francesa e, por meio de amigos, conheceu Clóvis, um rapaz formado em história, com especialização em história da arte pela Sorbonne, de Paris. Era disso que ele precisava para dar mais credibilidade a Maria Lúcia.
Henrique tinha altura mediana, mas possuía um belo corpo, torneado, cabelos castanhos compridos e bem cuidados; a pele sempre bronzeada ressaltava os olhos verdes; as costeletas e o bigode eram mantidos bem aparados.
Sempre perfumado e bem-vestido, tinha seu charme, e ia usar dele e tudo o mais para ficar íntimo de Clóvis.
"Amanhã vou pensar em como ficar mais amiguinho dele. Essa bicha vai me dar de bandeja tudo que quero. Vou me tornar um rapaz refinado. Mas antes preciso me livrar de Túlio. Estou enjoado do grandalhão."
Henrique conheceu Túlio na festa de casamento de Maria Lúcia. Fez o possível para colocar seu cartão no bolso do rapaz. Túlio encantara-se com as gentilezas de Henrique. Depois daquele dia, encontraram-se uma, duas vezes. Agora se viam três vezes por semana. Túlio era casado; sua mulher pertencia a família abastada, dona de muitas terras no sul de Minas Gerais. Ele trabalhava duro num Banco estatal e sustentava a família. Não queria ser mantido pela mulher.
Matilde era compreensiva e admirava o marido por isso.
Tinham dois filhos.
Túlio era um sujeito do tipo brutamontes. Parecia um armário de quase dois metros de altura. Tinha voz grave, usava barba espessa, que lhe dava um ar de malandro.
Apaixonou-se por um amigo anos antes, mas a relação terminou drasticamente. Ele jurou a si mesmo que nunca mais ia se envolver com outro homem. Aquilo tinha sido um aviso, mostrando a ele que a relação entre dois homens é uma aberração, contrária às leis de Deus. Após a trágica relação, Túlio reprimiu seus desejos, lutou contra sua natureza e iniciou namoro com Matilde. Ela era amiga, companheira; casaram-se, tiveram filhos. Ele bem que conseguiu manter os desejos represados, ocultos. Mas o que fazer? A atracção pelo mesmo sexo era forte demais, parecia dominá-lo. Túlio fez de tudo: foi a curandeiros, frequentou terreiros, igrejas evangélicas, confessou-se com padres, mas em vão.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Mar 24, 2024 8:50 pm

Tinha medo de psicólogos ou psiquiatras. Ele era conhecido em sociedade e tinha pavor de ter sua homossexualidade revelada.
Certa vez, desesperado, procurou famoso curandeiro.
Este disse que Túlio tinha um espírito homossexual desencarnado grudado nele. O curandeiro disse-lhe que precisava de muito dinheiro para comprar material, a fim de afastar
a entidade. Túlio pagou, e nada aconteceu.
Depois foi a vez dos padres. Mandavam-no rezar todo tipo de preces para não cair em tentação. Um padre contribuiu para que sua culpa aumentasse sobremaneira. Disse-lhe que, se continuasse assim, Deus iria castigá-lo e um de seus filhos carregaria esse mal. Túlio ficou dias rezando sem parar, mas o desejo continuou.
Os evangélicos diziam que era encosto, que o capeta o havia dominado por ter pensamentos contrários à natureza humana. Fizeram sessão de descarrego e nada: Túlio continuava sentindo atracção por homens.
Ele chegou a pensar em suicídio, mas quando olhava seus filhos, mudava de ideia. Ele não sabia mais o que fazer.
A salvação veio no dia do casamento de Maria Lúcia.
Henrique foi para Túlio o passaporte para o mundo dos prazeres represados havia tantos anos.
Henrique estava acostumado a envolver-se com homens casados, no intuito de posteriormente chantageá-los, fazendo ameaças de todos os tipos. Assim, ganhava um dinheiro extra. Mais recentemente, porém, com o suporte financeiro recebido de Maria Lúcia, deixou de se envolver com os casados.
Ao conhecer Túlio, ficou fascinado no início. Pegar um homem praticamente virgem, cheio de desejos, era um prémio de loteria. E Túlio era insaciável. Mas o tempo foi passando e Henrique foi se desinteressando. Estava na hora de chutar o pobre coitado. Afinal de contas, Túlio já lhe servira o bastante.
Túlio cumprimentou o porteiro do edifício em que Henrique morava, tomou o elevador e subiu. Tocou a campainha.
- Não o esperava tão cedo - resmungou Henrique.
- Hoje é aniversário de meu filho. Haverá festinha logo mais à noite. Não posso vacilar.
Henrique não disse mais uma palavra. Fechou a porta e, antes de falar qualquer coisa, Túlio jogou-se sobre ele.
Henrique não teve como escapar do brutamontes e, a contra-gosto, entregou-se; amaram-se ali mesmo na sala. Túlio não imaginava, nem sequer percebia, que aquele apartamento estava repleto de espíritos sedentos por sexo.
As entidades abraçavam-se e grudavam-se em seu corpo, sentindo o prazer do sexo como se estivessem encarnadas.
Ele acreditava que Henrique lhe fosse fiel; chegou até a pensar em separar-se da mulher. Não compactuava com uma vida dupla, como outros homens casados. Era íntegro em seus valores.
Desde a mudança, Henrique levava ao apartamento um rapaz diferente a cada noite, às vezes dois ou mais, chegando a promover orgias fenomenais. Os espíritos perdidos e ainda presos aos prazeres do corpo perceberam a movimentação e a energia que era emanada no apartamento.
Logo, espíritos de toda parte estavam morando ali, refestelando-se com as energias sexuais emanadas por Henrique e seus companheiros eventuais.
Henrique pensava mais em sexo do que seria o normal, e as entidades aproximavam-se dele e sussurravam-lhe frases eróticas ou mesmo impregnavam sua mente com cenas picantes. Isso aumentava sua libido.
Ele, sem perceber, corria à cata de alguém disponível e na mesma sintonia, na rua mesmo, o que era fácil e comum na região em que morava. Em pouco tempo, Henrique ficou famoso nas redondezas, pois conhecia praticamente todos os garotos de programa, prostitutos masculinos que ganhavam a vida em troca de um punhado de dinheiro.
Terminada a relação, Túlio levantou-se e foi para o banheiro. Sentou-se no vaso sanitário, apoiou os cotovelos no joelho e segurou o rosto com as mãos. Não conteve o pranto. Ele gostava de se relacionar com Henrique, mas não conseguia deixar de pensar nos filhos e na mulher. Essa culpa o consumia.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Mar 24, 2024 8:51 pm

"Estou errado, estou completamente errado. Sou um pecador. Nenhuma religião aceita a homossexualidade.
Estou perdido."
Ele recostou a cabeça na parede e desatou a chorar, para valer. Henrique ouviu os soluços, mas não interferiu.
Sabia que aquilo sempre acontecia com Túlio, principalmente depois das relações sexuais.
Túlio tomou um banho demorado. Ficou bastante tempo deixando a água quente escorrer por suas costas, como a tirar o peso da culpa que sentia por levar aquela vida dupla. Terminado o banho, enxugou-se e, despido mesmo, foi para a sala. Ajeitou-se num sofá, abraçou-se a uma almofada e acendeu um cigarro.
- Crise de consciência de novo? - cutucou Henrique.
Túlio exalou profundo suspiro.
- É. Você sabe quanto isso me consome.
- Sempre foi assim?
- Sim, desde moleque.
- Sempre gostou de meninos e meninas?
Túlio fitou um ponto indefinido da sala. Sua memória voltou aos tempos de adolescência, das brincadeiras entre os coleguinhas.
- Nunca fiz distinção. Sempre senti prazer com meninos e meninas, depois com homem e mulher. Mas ultimamente...
- O quê?
Túlio tragou profundamente seu cigarro. Após exalar a fumaça para o alto, declarou:
-Sabe, Henrique, eu só me relacionei de verdade com um homem há muitos anos.
- E cadê ele?
- Não quero falar sobre isso - retrucou, visivelmente perturbado.
- Desculpe. Não está mais aqui quem falou.
- Depois que me casei, procurei me conter. Você é o primeiro com quem tenho me relacionado desde aquela época. Isso tem mexido comigo.
- Mexido, como?
- Não sei, é diferente...
- Está apaixonado?
- Não é isso — Túlio apagou o cigarro e foi até o outro sofá. Sentou-se perto de Henrique. Colocou suas mãos sobre as dele. — Estamos nos vendo há tempos.
- Isso é verdade. Bastante tempo. Por acaso está enjoado? - brincou.
- Não, não é isso. Pelo contrário: o que mexe comigo é o facto de eu estar gostando desses encontros. Ultimamente perdi o interesse sexual por minha mulher.
- Acontece. Não misture as coisas. Você é casado há muitos anos. É natural que a cama fique morna, ou até esfrie.
- Não, não. Perdi a vontade, mesmo. Eu olho para Matilde e a vejo como uma amiga, uma irmã. O tesão foi embora, o desejo sumiu...
- Pode ser que não tenha mais volta. Agora que tem se relacionado mais com homens...
- Com homens, não! Só com você.
- Obrigado pela fidelidade.
Túlio sentia o peito oprimido. Esclareceu:
- Acabei de completar trinta e cinco anos. Não sou mais um garoto. Preciso definir minha vida, entende?
- Você é crescidinho.
- Para que lado eu vou? Estou perdido.
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