LUZ ESPÍRITA
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Medo de Amar - Marco Aurélio/Marcelo Cezar

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Medo de Amar - Marco Aurélio/Marcelo Cezar - Página 5 Empty Re: Medo de Amar - Marco Aurélio/Marcelo Cezar

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Mar 26, 2024 10:47 am

Alzira chegou mais perto e afagou-lhe os cabelos sedosos.
- Quer falar a respeito?
- Sinto-me bem em conversar com a senhora. Meus pais jamais entenderiam o que se passa comigo.- Você está julgando. Como pode achar que eles não poderiam ouvi-la e apoiá-la?
- Bem, é constrangedor...
- Nossa vida é guiada pelo teor de nossos pensamentos. Tudo que acontece na vida da gente, seja bom ou ruim, é resultado de padrões mentais que moldam nossas experiências. Os padrões de pensamento positivos nos dão alegria, prazer, nos causam bem-estar. Por outro lado, os padrões negativos de pensamento nos causam desconforto, tristeza, amargura...
- E...? - indagou Marines, apreensiva.
- E eu lhe pergunto: qual desses padrões você gostaria de eliminar?
- Obviamente, os negativos.
- Pois bem. Nossos pensamentos são fruto do que somos hoje. A vida é cheia de inteligência, por isso muito sábia, e, sempre que pode, nos dá toques, sinais, sempre no intuito de nos ajudar a melhorar, a crescer.
- E esses sinais podem ser algo ruim, desagradável, como o incidente que me vitimou?
- Sim. Mas não acredito em vítimas, e você tampouco acredita nisso. Sempre foi consciente de sua responsabilidade perante a vida. Você sempre soube, Marines, que somos responsáveis por tudo que nos acontece. Portanto, sabendo disso, não há como pensar em ter sido uma vítima do destino.
- Eu sei, mas, por mais que tente, não consigo imaginar como possa ter atraído uma situação tão degradante em minha vida. Pensa que não parei para pensar como atraí isso? Sabe a conclusão à qual cheguei, d. Alzira?
- Não.
- Que isso deve ser por resgate de outras vidas.
Alzira esboçou leve sorriso. Marines fechou o cenho.
- Por que a senhora está sorrindo? Se não consigo encontrar a causa agora, ela só pode estar em outra vida.
- Não vamos confundir as coisas. É por essa razão que muitos se interessam e começam a estudar o mundo espiritual. Aí se confundem com conceitos infundados sobre carma, resgates, débitos. Na verdade, se acreditarmos que tudo que nos acontece de ruim é resgate de outras vidas, então por que estamos aqui? Para apanhar, nada mais? Para viver sempre em sofrimento? Não acha isso simplório, pequeno demais diante da grandiosidade da vida?
- Não sei...
- A vida, tão inteligente e dotada de infinitos recursos, não estaria nos fazendo de marionetes, brincando com nossos sentimentos e se comprazendo de nossa dor?
- A senhora é espiritualista. Como não acreditar nisso?
- Somos espíritos com intensa experiência de vida.
Encarnamos e desencarnamos várias vezes, a fim de amadurecer e crescer. Tudo que nos acontece é reflexo do que pensamos. Mas cada caso é único. Vamos nos concentrar no seu, em particular.
- A senhora consegue perceber mais do que eu.
Ajude-me a entender o que está acontecendo comigo.
A médium pegou nas mãos de Marines com delicadeza.
- Pare e analise seus pensamentos.
- Certo.
- Se eles moldam sua vida, em que está pensando neste exacto momento? Precisa parar e prestar atenção no que sente e, consequentemente, no que diz. Se quer ser dona de sua vida, precisa seleccionar, filtrar as palavras e pensamentos.
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Medo de Amar - Marco Aurélio/Marcelo Cezar - Página 5 Empty Re: Medo de Amar - Marco Aurélio/Marcelo Cezar

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Mar 26, 2024 10:48 am

Você é quem manda na mente, e não o contrário. Assuma o poder que a vida lhe deu. Ter consciência de que temos poder para mudar nossos pensamentos e, por conseguinte, nossas crenças e atitudes, é simplesmente divino, mágico. Você pode guiar sua vida para onde quiser.
Isso se chama evolução.
- Tenho me retraído, sim. Eu me apaixonei...
Marines baixou os olhos, constrangida. Alzira afagou-lhe novamente os cabelos.
- E por que se sente culpada? Por amar seu cunhado?
Marines arregalou os olhos de tal maneira que eles pareciam querer saltar das órbitas.
- Como... Como soube?!
- Segredo de amigas. Fique tranquila. Pura percepção. Não se esqueça de que sou uma estudiosa do comportamento humano, uma observadora nata da vida.
Você e Eduardo conseguem fingir para os outros, mas não para mim.
- Como assim? Acha que ele...
- Ele sente o mesmo. Infelizmente está ligado a Maria Lúcia, e nem mesmo espíritos amigos podem ajudá-lo, por ora. As energias que eia e Henrique emanam atrapalham a harmonização daquele lar. Fica difícil prestarmos auxílio a Eduardo. Mas não deixa de ser um treino para ele procurar usar também o poder que tem. Ele precisa ser mais firme, agir de acordo com o que sente.
- Mas ele se casou com minha irmã, vai ser pai. Como pode estar apaixonado por mim?
- Isso não interessa. Cada um atrai aquilo de que precisa. Nada como a experiência.
- Mas por que vivi uma situação tão traumática?
- O facto de amar Eduardo a fez se sentir suja e pecadora?
Marines balançou a cabeça afirmativamente.
- Então agora posso lhe explicar pelo menos o porquê de ter lesado seus órgãos genitais internos.
- Por favor, preciso de uma ajuda. Quero alargar minha consciência e vou mudar. Eu quero mudar. Alzira bateu delicadamente em suas mãos.
- Você sempre foi uma boa filha, boa amiga, boa irmã.
- Sim, sempre me esforcei.
- Sempre se esforçou, mas nunca foi natural. Marines, somos o resultado de várias vidas aprendendo e errando, às vezes fazendo "gol de placa", como dizem os jovens, e às vezes escorregando. Você sempre achou que não era suficientemente boa, por isso se esforçou tanto em ser boa em tudo.
- E não é certo procurar ser boa em tudo?
- Claro que é bom. Mas desde que isso seja genuíno, espontâneo, sem se sentir obrigada a fazer. A vida quer que sejamos bons para nós mesmos. Devemos seguir as vontades de nosso espírito e não de nossa mente. Por isso é importante ressaltar que você é quem manda e governa a mente, e não o contrário. Não pode se tornar escrava da cabeça. Veja: seu útero e ovário foram inutilizados. Você bloqueou sobremaneira sua criatividade.
- Eu?!
- Sim. E ser criativa é ser flexível, saber lidar com os imprevistos da vida, é ser espontânea, não ter medo de errar nem de sentir. Que pensamento tão forte a deixou tão aflita a ponto de permitir que seus órgãos fossem danificados? O que a frustrou tanto a ponto de bloquear seu fluxo criativo?
Marines ficou em silêncio por um instante, reflectindo.
— Tentei bloquear a todo custo o que sinto por Eduardo.
— Fez isso porque, segundo sua mente, isso seria se expor ao ridículo. Retraiu-se por medo de se tornar alvo da crítica dos outros, certo?
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Mar 26, 2024 10:48 am

- Tem razão. Procurei sufocar esse sentimento, mas não consegui. E, mesmo depois de tudo que passei, esse sentimento continua vibrando forte dentro de mim.
Marines deixou que as lágrimas rolassem livremente pelo rosto. Alzira, com a modulação da voz levemente alterada, deu prosseguimento.
- Permita aceitar-se como é. Não dependa jamais da aprovação dos outros; dê aprovação a si mesma. Sinta-se segura para encarar todo e qualquer desafio que a vida lhe trouxer. Você é forte e pode mudar. Não reprima sua força. Seja uma aliada de si mesma. Seja espontânea e, logo mais, tudo vai se acertar.
Marines nada disse. Aquelas palavras a tocaram profundamente; jamais iria esquecer-se delas. Num gesto de agradecimento, abraçou Alzira com imenso carinho.
- Obrigada.
— Não há de quê. Não acha que está na hora de voltar a viver?
- Tenha certeza de que a partir de hoje as coisas vão mudar. Não vou mais me abandonar. Vou atrás de minha felicidade. Danem-se os preconceitos, o que os outros vão dizer de mim.
Alzira sentiu imensa alegria. Marines começava a reagir, mesmo depois de passar por situação tão traumática. Ela tentava, com toda a força, dar a volta por cima.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Mar 26, 2024 10:48 am

Capítulo 19
Tão fortes vieram as contracções que Maria Lúcia mal sustinha a respiração.
- Não vai dar tempo, Henrique. Não vou conseguir chegar ao hospital - lamentava-se ela, no banco de trás do automóvel.
- Estamos chegando. Vá fazendo o que o médico mandou: respire fundo e fique contando.
- Está difícil.
- Você consegue. Não posso dirigir e ajudá-la ao mesmo tempo. Aguente firme.
Chegaram ao hospital. Henrique parou na porta da maternidade. O obstetra de Maria Lúcia já a esperava.
Pouco depois, ela entrou em trabalho de parto. Henrique apertou-lhe a mão com força, inspirando-lhe coragem.
- Vai dar tudo certo. Essa criança vai nascer sadia e perfeita. Falta só um pouquinho. Não desista.
Maria Lúcia continuou gritando de dor, e assim foi até a sala de cirurgia. Henrique aproveitou e ligou para Eduardo.
- Sim, estamos na maternidade. Como iria ligar antes? A bolsa estourou e não tivemos tempo de avisá-lo.
O que importa é que ela está aqui. Venha rápido.
Eduardo pousou o fone no gancho e meneou a cabeça para os lados. Osvaldo perguntou:
- O que foi, filho? Aconteceu algo?
- Maria Lúcia entrou em trabalho de parto.
- Que maravilha! E por que está com essa cara?
- Por que ela não me chamou? Eu a tenho avisado há dias. Em todo lugar que eu ia, deixava o telefone, caso ela começasse a sentir as contracções. Mas Maria Lúcia preferiu ser levada por Henrique. Meu Deus, ele é quem parece ser o marido dela!
Osvaldo notou o estado alterado do filho e procurou acalmá-lo:
- Nem tanto. Se ele fosse menos afectado, até passaria por marido. Mas não há quem não perceba como ele é delicado — replicou, em tom de brincadeira.
- O senhor vem comigo, pai? Não sei como agir numa situação dessas.
- Claro. É um imenso prazer. Meu neto, meu herdeiro!
- Pode ser sua neta.
- Estou brincando. Não importa se for menino ou menina.
- Eu gostaria que fosse uma menina.
- Estranho. Um pai sempre torce para que o primeiro filho seja homem. Mas, pelo jeito, você se lembrou daquela nossa conversa, na noite de noivado.
Meia hora depois, chegaram à maternidade. Henrique estava impaciente na sala de espera.
- Uma assistente do dr. Odair veio agora há pouco.
O feto encontra-se numa posição comprometedora. Disse que não há outro jeito a não ser cesariana.
- Desde que mãe e feto não corram riscos, podem fazer o que quiserem.
- Como pode dizer isso, Eduardo? - indignou-se Henrique. — Está maluco?
- Qual o problema?
- Vão cortar sua mulher, abrir a barriga dela. Maria Lúcia não queria cesariana de jeito nenhum.
- Ninguém vai abrir a barriga dela. O dr. Odair já havia nos avisado sobre essa possibilidade. Você acha que uma pequena incisão horizontal, de mais ou menos dez centímetros, acima dos pêlos pubianos, pode comprometer a estética?
- Maria Lúcia vai ficar fula da vida quando souber que foi rasgada. E mais nervosa ainda quando souber que foi você quem autorizou.
- O que quer que eu faça? Que diga "não"? E quanto ao bebê?
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Medo de Amar - Marco Aurélio/Marcelo Cezar - Página 5 Empty Re: Medo de Amar - Marco Aurélio/Marcelo Cezar

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Mar 26, 2024 10:48 am

- Ela não vai gostar nadinha.
- Quanta besteira! Você e ela são tão fúteis, tão fora da realidade! Não posso crer que Maria Lúcia tenha pensado nisso.
Henrique deu de ombros. Osvaldo interveio:
-Quando chegaram ao hospital, você avisou Floriano e Iolanda? Adelaide e Sónia já estão a caminho.
- Não avisei. Maria Lúcia me deu ordens para não ligar.
Eduardo sentiu o sangue subir.
- Eles são os pais dela, são os avós da criança. O que Maria Lúcia tem na cabeça? Aliás, o que vocês dois têm na cabeça?
Osvaldo ordenou:
- Parem com isso! Acalmem-se. Vou ligar para a casa de Floriano. Comportem-se.
Eduardo e Henrique ficaram encarando-se, fuzilando-se mutuamente com o olhar, sem nada dizer. Henrique queria esganar Eduardo. Tinha vontade de gritar que ele era um pateta, que aquela criança que ele julgava ser sua não era dele. Ah, como Henrique tinha vontade de vomitar toda a verdade na cara de Eduardo, revelar que aquele bebê era filho de Gaspar! A custo manteve a boca fechada. Fez esforço descomunal. Pensou em Maria Lúcia e no que poderia lhe acontecer caso desse com a língua nos dentes. Destruiria todos os planos de sua amiga e protectora. Não, era melhor esperar o momento certo. Foi difícil, mas Henrique conseguiu segurar-se.
Adelaide e Sónia chegaram. Meia hora mais tarde, foi a vez de Floriano, Iolanda e Marines. Enquanto os futuros avós se cumprimentavam, Eduardo ficou parado em frente à cunhada, sem reacção. Henrique percebeu e não deixou por menos.
- Os cunhados não vão se cumprimentar? - E, virando-se para Marines: — Como vai, queridinha? Que susto você passou, não?
Marines, ao ser beijada por Henrique, sentiu um arrepio, uma sensação de repulsa. Teve vontade de partir para cima dele, de esbofetear-lhe a cara, mas conteve-se. Não conseguia concatenar direito as ideias. Era como se ele fosse um inimigo, uma pessoa perigosa. Ela registrou a sensação, respirou fundo e rechaçou:
- Vou bem.
Intimamente, Marines usava as técnicas aprendidas com Alzira. Dizia para si mesma, enquanto olhava para Henrique:
"Eu fico com minha energia, sou dona de mim. Tudo que não for meu volta para o lugar de onde veio. Só fico com minha energia..."
Henrique sentiu uma pequena tontura. Um suor grosso começou a escorrer pela sua fronte. Ele pediu licença e foi para o pátio do hospital.
— Preciso de ar puro. O ambiente aqui não está bom — disse em alto tom.
Logo ele avistou um colega de Clóvis. Acenou:
— Como vai, Murilo?
— Bem. E você, Henrique, o que faz aqui?
— Uma amiga minha está dando à luz. Mas eu é que me espanto: o que faz você aqui todo de branco, bonitão assim?
Murilo deu uma risadinha.
— Sou enfermeiro.
— Enfermeiro, hum...
— Como anda seu namoro com Clóvis?
— Não estamos mais namorando. Ele brigou comigo só porque vim acompanhar Maria Lúcia. Disse que não quer me ver mais.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Mar 26, 2024 10:48 am

— Clóvis brigou com você? Não acredito! Ele move céus por sua causa, Henrique. Ele o ama de verdade. E não acredito que brigaria por um motivo tão bobo.
— Para você ver como as pessoas não são o que parecem. Ele acabou comigo. Estou tão carente...
Murilo sentia atracção por Henrique. Só não tinha flertado com ele em consideração a Clóvis, seu amigo de longa data. Mas Henrique era muito sedutor, e, se estava afirmando que o namoro havia acabado, por que não convidá-lo a sair?
— Vai esperar a criança nascer?
— Não. O pai está aí, todo nervosinho. A família inteira acabou de chegar. Na verdade, estou sem o que fazer, sem namorado...
— Meu primo me deu de presente o LP de Élton John.
— O Goodbye Yellow Brick Road? - indagou Henrique, quase histérico.
- Esse mesmo. Só que minha vitrola está quebrada.
Meu turno acabou agora, e...
- Quer ir até em casa? Meu carro está logo ali.
Murilo concordou e ambos saíram pelo corredor, em direcção ao estacionamento.
No carro, Henrique mal se ajeitou no banco e já pôs a mão na coxa de Murilo.
- Vamos devagar! Não quero me indispor com Clóvis.
Gosto muito dele. Se amanhã vocês reatarem, eu fico como o bicho-papão da história.
- Bobagem! Clóvis não quer mais saber de mim.
Agora estou livre, leve e solto...
***
Na sala de espera do hospital, Eduardo e Marines finalmente entabularam conversação.
- Desculpe não tê-la visitado mais.
- Fiquei muito feliz quando vocês todos apareceram em casa.
- Eu também adorei. Queria vê-la mais vezes, mas a gravidez turbulenta...
- Entendo.
Marines percebeu profunda apatia no rosto do cunhado.
- Você vai ser pai. Deveria estar feliz.
- Estou. Quero muito ter um filho, ou melhor, uma filha.
- Quem sabe?
Eduardo encarou-a. Delicadamente, levantou seu queixo com os dedos e afirmou:
- Marines, desde o jantar de noivado...
Ela sentiu o coração querer saltar pela boca. Os batimentos cardíacos aceleraram sobremaneira. Suas pernas falsearam.
- O que tem aquele jantar?
- Foi mágico, estranho, não sei explicar. Quando deparei com você descendo as escadas... - Ele riu. — Eu não quis dar o braço a torcer, mas também senti a mesma sensação.
- Que sensação?
- A que você sentiu: de já ter presenciado aquela cena. Vê-la descendo daquele jeito, próxima a seus pais.
Tudo me pareceu muito familiar.
Marines estremeceu. Sua boca secou. Eduardo procurou conter-se, mas seu corpo todo trepidava. Ele fechou os olhos e foi lentamente aproximando seu rosto do dela.
Chegou a sentir o hálito quente e perfumado de Marines.
- Nasceu!
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Mar 26, 2024 10:49 am

Eduardo abriu os olhos e afastou-se rápido. Marines encostou-se na parede, aturdida. Floriano gritava eufórico.
- Nasceu! Seu filho nasceu!
Eduardo abraçou-se a Marines.
- Parabéns, papai! - felicitou ela.
- Parabéns, titia!
Ele a puxou de encontro ao peito. Ambos podiam sentir os batimentos um do outro.
- Eduardo, mantenha a calma.
- Esta conversa ainda não terminou. Prometo procurá-la, no momento certo. - E sussurrou a seu ouvido:
- Você me espera?
Marines assentiu com a cabeça.
- Obrigado.
- Eduardo, venha, dê-me um abraço - convidou Floriano.
A alegria e emoção foi geral. Embora o casamento de Eduardo e Maria Lúcia desse sinais de separação irreversível, naquele momento tudo era festa. Esqueceram-se das brigas, das discussões. Os avós de ambas as partes não cabiam em si, tamanha a felicidade. O mesmo ocorria com as tias, Sónia e Marines. Pouco tempo depois, o médico autorizou visita ao berçário. Todos correram imediatamente.
- Meu filho! - dizia Eduardo, embriagado de felicidade.
Os demais faziam os comentários costumeiros.
- Ele é lindo.
- É forte e grande.
- Puxa, como os cabelos são negros!
Cada um procurava ver detalhes de familiaridade no bebê, se tinha mais traços do pai ou da mãe. As lágrimas rolavam insopitáveis pelo rosto de Eduardo. Marines fitou o bebê com tremendo carinho. Ele era realmente lindo, perfeito, sadio. Intimamente agradeceu a Deus por aquela obra da natureza. Ela ficou assim por um bom tempo, até mesmo para abrandar o forte sentimento nutrido por Eduardo. De repente, num milésimo de segundo, Marines viu reflectida no rosto do bebê a imagem de Gaspar.
- Nossa, que ideia mais estapafúrdia!
Ela meneou a cabeça para os lados e fez gestos largos com as mãos, procurando afastar aquela ideia. Mas, por mais que Marines tentasse, cada vez que fixava os olhos no rosto do sobrinho, via reflectido nele o semblante de Gaspar.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Mar 26, 2024 10:49 am

Capítulo 20
No apartamento da avenida São Luís, Henrique acabava de chegar com Murilo. O facto de sair com um dos amigos de Clóvis excitava-o mais do que o acto sexual. Murilo deixou-se conduzir, e assim Henrique usou de todas as suas artimanhas na arte de amar. Divertiram-se até o limite que seus corpos puderam suportar.
— Se eu soubesse quanto você era bom, chegaria antes de Clóvis!
Henrique deu uma risadinha e comentou:
— Seria até melhor. Ando tão decepcionado com ele!
— Com Clóvis? Difícil decepcionar-se com alguém tão legal.
— As aparências enganam. Eu me iludi. Achei que ele era tão bacana, tão íntegro, e veja no que deu: brigou comigo por besteira.
— O que aconteceu? Por que Clóvis brigou com você?
- Só porque levei uma amiga querida à maternidade.
Pode?
Murilo virou-se e apanhou a carteira de cigarros.
— Também quero um - solicitou Henrique.
Murilo acendeu dois cigarros ao mesmo tempo. Entregou um a Henrique.
Após algumas baforadas, com a cabeça sobre o peito de Henrique, Murilo disse:
- Você parece ser um cara bem legal. Tão diferente do que dizem por aí!
— O que dizem de mim? — interessou-se o outro.
— As pessoas comentam; dizem que você é frio, falso.
Acho que é tudo dor de cotovelo.
— É verdade. Se eu fosse dar ouvido aos comentários dos outros, estaria frito.
Murilo suspirou e abraçou-se a Henrique.
- Gostaria tanto de conhecê-lo melhor.
Henrique moveu os olhos para cima e suspirou. O tom meloso da conversa de Murilo imediatamente despertou-lhe repulsa. Entre uma baforada e outra de cigarro, pensou irritado:
"Outro romântico estúpido! Será que o mundo está sendo atingido por uma praga invisível? Por que motivo as pessoas se entregam tão facilmente? Que vírus é esse que faz todo mundo carente de companhia, de afecto? O ser humano não é confiável. Não posso me iludir."
Por mais que tentasse, Henrique tinha pavor de se relacionar. Isso desde a infância. Fora difícil manter amizades com pessoas da escola, da rua, até mesmo com a avó. Conforme crescia e entendia melhor o mundo, foi percebendo que as pessoas não prestavam: eram falsas, mentiam para conseguir o que queriam. Como forma de defesa, ele próprio passou a usar os outros como fantoches, descartando-os quando não mais lhe fossem úteis. Estava decidido a viver assim, mesmo que lhe provassem estar errado.
Henrique pensava e balançava a cabeça para os lados. Outra bicha sonhadora, esse Murilo. A princípio, ele tencionara dar seu número de telefone ao jovem enfermeiro, já que o rapaz provara ser muito bom de cama.
Mas, naquele momento, falando num tom meloso, infantil e irritante, Henrique perdeu completamente o desejo de revê-lo. Empurrou a cabeça de Murilo para o lado com certa brutalidade e levantou-se.
- Aconteceu alguma coisa, querido?
- Não, nada.
- Você mudou tão rápido! Falei algo de que não gostou?
- Não. Estou com frio. Vou pegar uma bebida para me aquecer.
Henrique foi até a sala, serviu-se de um copo de uísque sem gelo e bebeu tudo num gole só. Depois se jogou no sofá, pensativo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Mar 26, 2024 10:49 am

Fez hora para ver se Murilo se mancava. Folheou uma, duas revistas, e nada. Colocou o disco de Élton John na vitrola, e também nada de o moço aparecer. Henrique levantou-se bufando e estugou o passo até o quarto. O rapaz continuava deitado, estirado na cama, com os lençóis cobrindo parcialmente o corpo e, pior, com aquele arde apaixonado. Henrique sentiu nojo, asco, vontade de avançar sobre Murilo e enchê-lo de sopapos. Fingiu amabilidade:
- Acho melhor vestir-se.
- Por quê?
- Está tarde.
- Pensei que eu iria dormir aqui.
- Eu me esqueci: tenho aula na Aliança daqui a pouco.
- A esta hora?
Henrique bramiu:
- Quem você pensa que é? Um estranho vem até minha casa, faz amor comigo e já se acha no direito de exigir satisfações?
- Desculpe-me. Não foi a intenção.
- Levante-se e vista-se. Estou atrasado.
Murilo levantou-se desconcertado. Foi apanhando as roupas espalhadas pelo quarto. Vestiu-se com vagar, o que irritou Henrique sobremaneira. Este voltou à sala e arrancou o disco da vitrola, riscando-o com a agulha.
"Bem feito! Tomara que o disco pule sem parar e Murilo tenha de pedir outro LP ao priminho. Que pena! Essa bicha não bota mais os pés aqui", pensou, entre ranger de dentes.
***
Clóvis caiu em profunda depressão. Passou três dias sem sair de casa, a maior parte do tempo trancado no quarto, chorando. Sorte estar de licença no trabalho; caso contrário, não teria condições de dar aula. O que mais lhe machucava era o fato de o terem feito de idiota, muito mais do que ter flagrado o namorado nos braços de outro.
- Como alguém pode ser tão frio e manipulador? — questionava entre soluços.
Uma semana antes, ele teve de sair alta madrugada para comprar um comprimido, tamanha a pressão que sentia na cabeça. A dor beirava o insuportável e, sozinho, o rapaz não teve alternativa a não ser correr até uma farmácia.
Lembrou-se de uma no Largo do Arouche que ficava aberta durante a madrugada.
Ao sair da farmácia, Clóvis avistou na outra esquina do largo alguém que lhe parecera familiar. Mesmo com a cabeça latejando, forçou a vista e constatou: era Henrique.
E abraçado com outro! Aquilo o abalou profundamente. Por uma fracção de segundos, esqueceu-se da dor Insuportável, deixou a educação de lado e foi em direcção aos dois, encostados num poste, abraçados e felizes.
- Posso saber o que faz por aqui a esta hora da noite?
- indagou Clóvis, visivelmente perturbado.
Henrique nem olhou para ele. Continuou agarrado ao outro rapaz, gargalhando alto.
- Saia daqui.
- Sou seu namorado, exijo explicações.
A gargalhada de Henrique ecoava pelo largo.
- Namorado por acaso é propriedade?
- E a cumplicidade, e o respeito?
- Vê se te manca, bicha chata! Não vê que estou com
Marcos? Vá ter chiliques com outro, porque comigo isso não cola. Chispa! Xô!
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Mar 26, 2024 10:49 am

Clóvis estava perplexo.
- Marcos?
- É, um grande amigo - Henrique falava e mordiscava a orelha do rapaz, a fim de provocar Clóvis.
Clóvis reconheceu Marcos, um dos michês que faziam ponto perto da casa de Henrique. Era uma figura perigosa.
Muitas surras e até mortes de homossexuais eram atribuídas a ele. Como esses crimes eram investigados a contragosto - havia policiais e delegados que comemoravam quando um homossexual aparecia morto -, nunca interrogaram ou molestaram Marcos. E, como ele trabalhava nas ruas há bom tempo, pagava uma pequena taxa aos policiais para não ser incomodado. O prostituto tinha protecção. O preconceito contra os homossexuais beirava o insuportável, e muitos policiais zombavam dos clientes agredidos ou lesados pelos michês. Alguns se divertiam e diziam que era bem feito, que os pervertidos estavam sendo castigados por Deus.
Naquele momento, Clóvis teve um estalo e caiu na realidade. Foi como se tomasse um choque e acordasse.
Como podia ter namorado alguém tão vil, tão baixo? Chegou a ter ânsia.
- Sem cenas. Ninguém o chamou aqui - esbravejou Henrique. — Se eu quisesse uma brincadeirinha a três, eu o teria chamado, o que não é o caso para esta noite.
Clóvis baixou a cabeça e saiu, trôpego. Sentiu-se mal com aquilo tudo. A dor de cabeça voltou forte, e a custo ele retornou para casa.
Relembrando o incidente daquela noite, mordeu os lábios com tamanha força, que logo sentiu o gosto amargo de sangue misturado à saliva.
"Droga! Se ao menos eu o tivesse xingado, dado um murro na cara dele. Mas não fiz nada. Fiquei paralisado.
Henrique parecia outra pessoa. Ele é cruel."
Os dias passaram e Henrique não ligou, não o procurou, nem mesmo para um pedido de desculpas. Clóvis estava indignado. Seus amigos bem que o alertaram: diziam que Henrique se aproveitava das pessoas, era interesseiro, falso. Clóvis achou que aquilo tudo era intriga, que estavam com inveja do namoro. Mas agora tinha de concordar. Seus amigos estavam certos: Henrique era um mau-carácter.
Clóvis enxugou as lágrimas e, num esforço muito grande, levantou-se e foi ao banheiro. Seu estado era lastimável.
"Não posso sofrer por alguém que não gosta de mim.
Henrique não faz jus às minhas lágrimas. Não mereço passar por isso."
Num gesto rápido, ele lavou o rosto, arrumou-se, consultou o relógio e tomou uma atitude:
"Vou aproveitar este fim de tarde e tomar um passe.
Deus vai me ajudar a sair dessa."
O rapaz respirou fundo, colocou uma gota de perfume em cada pulso e saiu rumo ao Centro Espírita. Seu mentor, que até aquele momento sussurrava em seu ouvido palavras de ânimo, sentiu-se vitorioso. Clóvis, mesmo abalado emocionalmente, havia captado as súplicas de seu guia espiritual.
Naquela mesma tarde, Túlio andava de um lado para o outro em sua sala, no Banco. Comentou com sua colega de trabalho:
- Este lugar me oprime, deixa-me mal.
- Sinto o mesmo, mas fazer o quê?
- Tem razão, Vera. Precisamos do trabalho.
- Eu vou me aposentar ano que vem, não posso sair agora. Mas você ainda é jovem.
- Não, eu não posso sair. Tenho mulher, dois filhos.- Sua mulher tem posses, pelo que sei.
- Mas não é justo. O dinheiro de Matilde é dela, das crianças. Sou o chefe de casa, pago as contas.
- Está sendo machista.
- Não. Cumpro minhas responsabilidades. Sinto-me bem fazendo isso. Não vou negar que já tive de recorrer ao dinheiro dela. Mas foram poucas vezes.
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Medo de Amar - Marco Aurélio/Marcelo Cezar - Página 5 Empty Re: Medo de Amar - Marco Aurélio/Marcelo Cezar

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Mar 26, 2024 8:29 pm

Vera era uma mulher de meia-idade, desquitada, mãe de dois filhos, e estava prestes a aposentar-se. Pelo facto de ser funcionária pública, iria receber aposentadoria integral.
Ela lutara praticamente a vida toda sozinha. O marido pediu o desquite e foi morar com uma fulaninha do outro lado da rua. Sozinha e com dois filhos pequenos, ela deu duro, estudou bastante, até conseguir passar no concurso. Ganhava pouco, mas o suficiente para manter a casa e educar os filhos. Agora, depois de muitos anos de esforço, não podia abrir mão de sua estabilidade. Tinha de engolir a seco o azedume do chefe. Faltava pouco.
Túlio, por outro lado, era moço, podia começar outra carreira. Vera sabia que a família de Matilde tinha posses e poderia ajudá-los em caso de necessidade. O pai dela era dono de fazendas no sul de Minas Gerais.
- Desculpe-me, Túlio. Não gosto de me intrometer na vida de ninguém.
- Mas gosto de ouvi-la. É ponderada, sempre tive muito carinho e estima por você.
- Sei disso, e por esta razão insisto: repense. Sua vida pode ser muito diferente.
Túlio assustou-se. Será que Vera desconfiava de algo?
Ele arriscou:
- Diferente, como?
-Você é um homem alto, bonito, grandão, meio estabanado — brincou -, mas nisso pode-se dar um jeito.
Ele riu. Ela continuou:
- Você não combina com este tipo de trabalho, com este lugar. Eu faço sacrifício porque estou prestes a me aposentar, e garanto que, depois, vou sumir daqui. Mas você tem tempo, pode mudar.
- Não sei o que fazer.
- Tenha coragem.
Ele estancou o passo, encostou o indicador no queixo.
Será que Vera desconfiava de suas tendências ou era a cabeça dele que interpretava tudo como desconfiança?
Ultimamente, Túlio andava meio estranho mesmo. Fazia tempos que Henrique o evitava, não atendia suas ligações. Aquilo o estava deixando maluco. Nunca pensou que pudesse sentir tanto a falta de alguém. E, pior ainda, de outro homem! Passou a mão pelos cabelos, nervoso. Não restava mais dúvidas de que se sentia realizado e pleno ao lado de um homem. Tinha medo de pedir o desquite.
Matilde jamais admitiria. Iria achar que era por causa de outra. Como dizer a verdade para a mulher?
Imediatamente, todo o tormento que ele vivera antes do casamento retornou à sua mente. Gostara de Matilde, e por isso achou que pudesse se segurar, que com filhos e um casamento dentro dos padrões seu desejo seria sublimado, a vontade de se relacionar com outros homens iria passar. Mas não passou. Muito pelo contrário. Ao flertar com Henrique no casamento de Maria Lúcia, viu ali a possibilidade de canalizar seu desejo. Túlio gostou tanto, que agora não tinha mais dúvidas do que queria. Como se sentar diante de Matilde e lhe dizer que, na verdade, sentia atracção por homens ou que fazia enorme esforço para se relacionar intimamente com ela?
Esse pensamento o martelava o tempo todo, a ponto de deprimi-lo e quase enlouquecê-lo. Vera sabia que ele passava por um momento de fragilidade emocional. Tomada por forte impulso, arriscou:
— Já pensou em procurar ajuda espiritual?
— Não. Como assim?
- Ora, ajuda espiritual!
- Você diz, ir a um Centro Espírita, coisas do tipo?
— Isso mesmo.
— Em casa, quando jovem, esse assunto sempre foi tabu. Crescemos proibidos de pensar na possibilidade de vida após a morte, embora o assunto sempre tivesse fascinado a mim e a meus irmãos. Passei em portas de Centros, tive vontade de entrar, mas sempre me lembrava de meu pai dizendo: "Cuidado, aquilo é lugar de gente ignorante, desequilibrada".
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Medo de Amar - Marco Aurélio/Marcelo Cezar - Página 5 Empty Re: Medo de Amar - Marco Aurélio/Marcelo Cezar

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Mar 26, 2024 8:30 pm

- Aqueles que nada conhecem sempre dizem que espiritualidade é coisa de gente ignorante. Pura defesa.
— E não é?
— Claro que não! Há muitas pessoas sérias, de nível social e intelectual elevados, que frequentam e até mantêm
Centros Espíritas. E precisa-se de muito empenho e dedicação para entender o mundo invisível, principalmente o mundo das energias.
Túlio interessou-se.
— Mundo das energias? Como assim?
-Tudo em nossa vida é regido pela energia. Somos seres que captam e emanam vibrações de teor energético. Nunca sentiu o "ambiente pesado", como se diz, ou mesmo sentiu repulsa por alguém numa simples troca de cumprimentos?
— Sim, claro.
— O mundo energético e o espiritual são fascinantes.
Estudá-los e compreendê-los ajuda-nos a viver melhor. Se não fosse essa compreensão e a ajuda de amigos do invisível, não sei se eu ainda estaria aqui, em equilíbrio, aguentando o azedume de nossos chefes.
— Verdade?
— Sim.
— Mas de que vai adiantar? Eu é que tenho de resolver meus problemas. Isso não vai mudar.
- Quanto a isso, não tenho a menor dúvida. Somos responsáveis por tudo aquilo que nos acontece. Mas ir até um Centro nos traz paz, tranquilidade. Tomar um passe ajuda-nos a serenar a mente e pensar melhor.
- Um passe pode ajudar?
- Sem dúvida. As energias pesadas são retiradas de nosso campo áurico, melhorando nossa disposição. Do jeito que anda sua cabeça, toda confusa, acredita que tenha condições de fazer uma escolha sensata, de tomar uma decisão?
- Tenho receio. Já ensaiei entrar num Centro Espírita, mas nunca pus os pés dentro. Jamais frequentei um lugar desses.
- Vale a pena conhecer um.
- Por acaso pode indicar algum?
- Frequento um neste local... — Vera pegou um papel, anotou o endereço e entregou-o a Túlio. - Hoje à tarde eles têm sessão de passes até as cinco.
Túlio consultou o relógio e pegou o papel.
- São quase quatro, e não fica longe daqui.
- Aproveite. Não custa nada tentar.
- Mas estou desprovido de dinheiro.
- E quem disse que precisa de dinheiro?
- Não preciso pagar pelo passe?
Vera riu gostoso.
- Claro que não! Centro Espírita não cobra nada pelo atendimento.
- É tudo gratuito?
- Sim. Por isso muitos deles vivem de doações, bazares, organizam chás beneficentes.
- De graça! - ele suspirou.
- Sim, de graça. Saia, vá até lá e, na recepção, peça para passar pela triagem.
- Triagem?
- Isso mesmo. Vai passar por um plantonista, pessoa que vai ouvir seus problemas e indicar o melhor tratamento.
Garanto que vai receber ajuda.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Mar 26, 2024 8:30 pm

- Mas sair agora?
- Não vão dar falta de você. Se perguntarem, invento que teve de levar um dos filhos ao médico.
Túlio inclinou o tronco e beijou Vera na testa.
- Obrigado. Não sabe quanto estou precisando de ajuda.
Pegou o paletó, olhou mais uma vez o papel e saiu decidido.
Ao chegar ao Centro Espírita, dirigiu-se à recepção.
Uma moça sorridente atendeu-o:
- Boa tarde.
— Boa tarde. Gostaria de passar pela... Pela...
- Triagem?
— Isso mesmo.
A moça pegou um papelzinho, fez nele algumas anotações e entregou-o a Túlio.
- Pode seguir em frente. Espere no salão, que logo irão chamá-lo por este número.
- Obrigado.
Ele pegou o papelzinho e foi para o salão. Havia poucas pessoas ali, e Túlio procurou por uma das cadeiras da última fileira. Sentiu-se um tanto constrangido, pois havia somente mulheres, nenhum homem, com excepção, talvez, de alguém no outro canto do salão, com a cabeça baixa, escondida entre as mãos. Não era possível precisar se era homem ou mulher.
"Homens devem vir mais à noite", deduziu.
Túlio estava perdido em pensamentos quando recebeu uma batidinha nas costas.
— O senhor não é o de número trinta e cinco?
Ele olhou o papel e levantou-se de pronto.
- Desculpe, sou eu mesmo. Estava pensando...
— Sem problema. Por favor, dirija-se até aquela porta.
Ele se sentiu envergonhado e, com seu jeito meio desengonçado, correu até o local indicado. Na pressa, acabou tropeçando numa das cadeiras, escorregou e caiu.
Um rapaz ajudou-o a levantar-se.
— Tudo bem com você?
- Tudo.
- Vamos, ajude-me. Você é muito grande. Sozinho, não vou conseguir levantá-lo.
Túlio fez esforço e levantou-se, envergonhado.
- Eu me atrapalhei e...
- Machucou-se?
Túlio apalpou o corpo.
- Acho que está tudo em ordem, a princípio.
O rapaz sorriu.
- Estão esperando-o.
Túlio baixou a cabeça e entrou. Sentou-se em frente à simpática senhora.
- Como vai?
- Mais ou menos. É a primeira vez que entro num Centro.
- E como se sente?
- Tinha uma impressão diferente! A música que toca no salão é tão suave, tão envolvente! Eu me perdi em pensamentos e nem ouvi quando me chamaram.
- Sua mente anda a todo vapor. Começou a receber tratamento já no salão.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Mar 26, 2024 8:30 pm

- Tratamento?
- Sim. Os trabalhadores invisíveis da casa lhe aplicaram um passe de limpeza. Você está com a cabeça muito conturbada, pensando muito e agindo pouco.
Ele se encolheu na cadeira.
- São tantos problemas...
- Tudo na vida se resolve. Não há problema que não tenha solução. Quando a gente se acalma, quando estamos em equilíbrio, tudo se acerta.
- Não sei o que dizer. De certa maneira, até me sentia bem no salão, envolto por aquela melodia. Mas, ao me sentar aqui, sinceramente...
Ele não conseguiu mais falar. Explodiu em lágrimas.
Estava cansado do trabalho, do Banco, da vida, e, acima de tudo, do medo de assumir sua homossexualidade. Estava cansado de lutar com sua mente, de tentar ocultar a vontade, bem maior do que suas forças pudessem aguentar. A atendente pousou suas mãos nas dele.
- Isso é bom sinal. Chore, meu filho, desarme-se.
Deixe que sua alma venha para fora, que ela lhe mostre o caminho a seguir.
Túlio continuou chorando por mais um tempo. Soluçou e, após alguns instantes, tirou um lenço do paletó e enxugou as lágrimas.
- Sente-se melhor?
- Sim. Fazia tempo que não chorava.
- As lágrimas são verdadeiras bênçãos. Você estava no limite de suas forças. Caso não se cuide, seu físico poderá sofrer e, se cair de cama, vai ser mais difícil resolver os problemas.
- É verdade. Deus me livre de ficar doente!
- Agora que está mais calmo, vamos ao ponto. Por que se perturba tanto para fazer uma escolha?
- Como assim?
- Na vida tudo é fácil; nós é que complicamos. É sim ou não; mais ou menos não existe. No momento em que fizer uma escolha, deve estar pronto para encarar as consequências.
- Isso me martiriza. No fundo, sei qual a escolha a fazer, mas o que...
Ele se calou.
- O que os outros vão dizer de você? Está com medo dos outros?
- Sim. Afinal, vivemos em sociedade, e minhas vontades...
Calou-se. Subitamente seu rosto avermelhou-se.
- Qual o problema de seguir a vida de uma maneira diferente do convencional?
- A senhora não entende. - Ele baixou a cabeça e também o tom de voz: — Sinto atracção por homens.
- E qual o problema?
Túlio espantou-se com a naturalidade da atendente.
- Não acha isso errado?
- De forma alguma.
- Estou agindo contrário à natureza.
- Quem disse isso?
- As pessoas... Todo mundo, em geral, condena isso.
A religião...
- Amor e sexo continuam a gerar discussões, como temas permanentes da vida. Vivemos hoje a liberação dos costumes, uma fase em que profundas modificações sociais, culturais, económicas e políticas atuam na revisão de valores e crenças. E você se culpa só porque o que sente é contrário aos padrões da normalidade?
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Mar 26, 2024 8:30 pm

— Não sei. Tenho muito medo. A sociedade condena os homossexuais. Em meu caso, então, é pior, pois tenho filhos. Eles poderão ser estigmatizados, poderão sofrer.
— E será que já não sofrem?
— Como?
— Subjugamos as crianças, achando-as inocentes e bobinhas. Mas elas captam com facilidade as energias do lar. Conheço muitos casos e atendi crianças cujas doenças os médicos não conseguiam diagnosticar com precisão. E tudo era em função da desarmonia no lar. As crianças têm facilidade de absorver as energias dos pais, mesmo que não haja brigas visíveis, entende?
— Eu e minha mulher não estamos bem. Perdi completamente a libido e não a procuro. Meus filhos também mudaram nos últimos tempos. Um deles, vira e mexe, está doente; o outro teve incrível queda no rendimento escolar.
— Seus filhos são sensíveis e perceberam que a relação entre você e sua mulher não vai bem. Há necessidade de conversar, de procurar saber o que seus filhos sentem. Ser pai é, acima de tudo, ser amigo. Seja amigo de seus filhos, independentemente do que sente. O que sente é só seu.
— Vocês acreditam em reencarnação e vida após a morte?
— Claro! Por isso somos espiritualistas.
— Então só pode ser isso: estou pagando por algo multo grave que fiz em outra vida. Só assim poderei entender por que nasci homossexual.
A atendente riu.
— Meu querido, entender a origem de suas tendências sexuais é tão Irrelevante quanto tentar saber por que você tem pele branca ou cabelos castanhos. Na verdade, você precisa se entender, avaliar e assumir o que sente.
— Não me julga um pervertido?
— Eu?! Não cabe a mim julgar. Isso não compete a ninguém. É inútil o mundo, a sociedade como um todo, tentar impor normas universais e padronizadas de vida pessoal, sobretudo de vida íntima. Todo ser humano deve ser respeitado em sua liberdade de ser diferente, em todos os níveis, principalmente no nível sexual. Só você sabe o que se passa aí - fez sinal apontando para o peito do rapaz.
-A senhora não sabe o peso que tirou de meus ombros. Sinto-me melhor.
-A sociedade gosta de rotular tudo. No campo da sexualidade, as coisas se complicam ainda mais. Há inúmeros termos, classificações. Heterossexual, bissexual, homossexual. O amor não faz escolhas. Se seu sentimento for puro e verdadeiro, por que o sufocar? Por conta do preconceito?
Não, meu filho, não se deixe envenenar pela erva daninha que é o preconceito.
- Estou estupefacto.
- Veio aqui para falar de um assunto e acabou falando de outro, não é?
— Sim.
- É natural. Precisava desabafar.
- Nunca me abri com ninguém. Nem sei o porquê de ter vindo aqui.
— Seu guia está aí a seu lado.
Túlio olhou com desconfiança para os lados. Arregalou os olhos.
— Mesmo?
- Sim. Ele induziu sua amiga, lá no Banco, a indicar-lhe este Centro.
- Por que me mandaria aqui?
- Porque você está pronto para mudar.
Ele não tinha o que dizer. Como ela sabia que ele trabalhava em um Banco? Ou que Vera lhe indicara aquele lugar? Será que Vera ligara para a atendente? Olhou para a médium com desconfiança. Ela notou e, como a ler seus pensamentos, tranquilizou-o:
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Mar 26, 2024 8:30 pm

— Eu tenho a capacidade de ver e de me comunicar com os espíritos.
— Que privilégio!
— Não é privilégio, mas empenho. Tenho estudado o mundo espiritual há muitos anos, tenho treinado constantemente. A prática da mediunidade está nas mãos de todos nós. É só se interessar, estudar, analisar, e com o tempo torna-se fácil o intercâmbio entre os dois mundos. Afinal, todos os seres humanos são portadores de mediunidade.
- Fico feliz em saber. Gostaria de entender mais sobre mediunidade e sobre...
- Sexualidade?
- Sim, senhora.
- Bem, quanto à mediunidade, posso lhe indicar livros interessantes, que o levarão a reflectir, analisar, tirar suas próprias conclusões. Há relatos extraordinários, e, para os cépticos, há livros escritos por cientistas, que comprovam a existência do mundo invisível. Mas, quanto à sexualidade, infelizmente não temos livros a respeito, por ora. Sexo e dinheiro são dois tabus muito grandes no mundo. Os espíritos bem que tentam passar alguma informação, mas precisam de um médium para transmiti-la. Muitos médiuns estão presos a conceitos preestabelecidos e não deixam que essas informações sejam repassadas. É melhor, quanto à sexualidade, procurar ajuda de um psicólogo. Isso lhe será de grande valia.
Ela pegou um papel e escreveu nomes de alguns livros interessantes que abordavam práticas mediúnicas e que desvendavam o mundo espiritual.
- Aqui estão os nomes dos livros. Se puder fazer o tratamento de passes, comece hoje e volte nas três próximas semanas.
Túlio pegou os papéis. Sentia que sua ida àquele lugar tinha valido a pena.
- Muito obrigado por me escutar. A senhora não sabe o bem que me fez. Entrei aqui me sentindo sujo, pervertido.
Agora me sinto mais leve.
- Em matéria de amor e de sexo, cada cabeça tem, de facto e de direito, uma sentença.
Ele se levantou e apertou a mão da atendente.
- Voltarei a vê-la?
- Após quatro semanas fará um retorno.
Túlio inquietou-se. Ela o confortou:
- Fique sossegado. Vai retornar comigo mesma.
- Obrigado. Não suportaria ter de explicar tudo isso a um estranho. A propósito, qual sua graça?
- Alzira.
- Prazer, d. Alzira. Muito obrigado.
- O prazer foi meu. Mas seu guia rogou que não vá atrás daquele moço.
Túlio gelou.
- Que moço?
- Henrique. Ele não vibra numa sintonia boa. Está rodeado de companhias infelizes, tanto encarnadas quanto desencarnadas. Afaste-se dele. Em breve você vai encontrar alguém que vibra na sua sintonia.
Túlio não respondeu. Estava boquiaberto. Que Vera tivesse tempo de ligar, era até plausível. Mas falar de Henrique? Que mulher era aquela? Uma bruxa? Não, não podia ser. Alzira pareceu-lhe mulher terna, amável, sincera, desprovida de preconceitos. Mas como descobriu? Quis perguntar, mas estava deveras conturbado. Baixou a cabeça, saiu da sala e dirigiu-se em silêncio até o local que ela lhe indicara para tratamento.
Alzira suspirou profundamente. O guia espiritual de Túlio agradeceu-lhe mentalmente.
- Este é o meu trabalho — disse Alzira. - Mas será que posso fazer algo a favor de Henrique?
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Mar 26, 2024 8:31 pm

- Vibrar - respondeu o guia, com pesar. - Infelizmente, não há muito o que fazer. Sabemos que tudo na vida é regido por nossas escolhas. Henrique não é mau, mas está muito preso a crenças e condicionamentos antiquados. Além do mais, é autodestrutivo. Não acredita ser capaz de conseguir as coisas por si mesmo. Acha que precisa manipular, derrubar as pessoas, para conseguir algo. É o sistema de crença dele. A traição do passado ainda o atormenta.
- E uma vibração? E se eu puser o nome dele na caixa de orações e emanar vibrações aqui do Centro?
- Pode ajudar um pouco. O guia de Henrique está tentando afastá-lo das vibrações de Estela.
Alzira teve um sobressalto.
- Estela?
- Sim. Ela mesma. Vibre por ela também.
— Mas o que tem... - Alzira balançou a cabeça. - Então, foi Henrique...
O espírito assentiu com a cabeça.
— Reze por ambos, Alzira. Este Centro tem muita força. Precisamos de vocês.
Alzira fechou os olhos e proferiu comovente prece, pedindo, no final, que os amigos espirituais pudessem dar suporte a Estela e Henrique.
No salão, depois dos passes, Túlio parecia outro homem. Era como se tivesse deixado um fardo pesado, de muitos quilos, dentro daquela sala. Estava maravilhado com a sensação leve, a cabeça mais serena. Sorriu e dirigiu-se até a livraria. Pegou os livros que Alzira lhe indicara. Ao chegar ao caixa, foi surpreendido pelo mesmo moço que o ajudara a levantar-se, antes de se consultar com a médium.
— Se eu fosse você, não levaria esse livro.
— Não?
— Não. Ele é muito chato, escrito num português difícil de ser compreendido.
O rapaz pegou o livro das mãos de Túlio e colocou-o de volta na estante. Pegou outro e entregou-lhe.
— Este aqui, sim, é o que precisa, no momento.
— Como sabe o que estou procurando?
O rapaz riu.
— Frequento este Centro há anos e nunca o vi por aqui. Além do mais, você tem cara de novato, de quem não entende bulhufas de espiritualidade.
Túlio gostou do jeito delicado e engraçado do rapaz.
— Então este livro aqui é melhor?
— Sem dúvida.
Ele simpatizou com o rapaz e cumprimentou-o.
— Prazer, meu nome é Túlio.
— O meu é Clóvis. Passou pela triagem com d. Alzira?
— Com ela mesma. Fiquei embasbacado. A mulher me deixou de queixo caído. Se eu tinha alguma dúvida quanto à existência do mundo espiritual, a dúvida caiu por terra.
-Que bom! Dona Alzira é uma mulher fascinante. Não dá para imaginar que aquele corpo de meia-idade abrigue espírito de tamanha lucidez.
- É verdade. Ela me tirou um fardo dos ombros. Nunca me senti tão bem em toda a minha vida. E olhe que vim aqui para tomar um passe e depois iria procurar um velho conhecido, tirar satisfações. Mas d. Alzira foi taxativa e me proibiu de me encontrar com ele.
- Se ela falou, não há do que duvidar. Eu também iria sair daqui para um acerto de contas, mas mudei de ideia.
Reflecti, e graças a Deus estou aqui. Poderia me meter em encrenca por pura teimosia e baixa auto-estima.
- Baixa auto-estima? Um rapaz tão simpático?
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Mar 26, 2024 8:31 pm

Clóvis sentiu leve friozinho na barriga. Estaria recebendo uma cantada? Ficou observando Túlio. Era bem simpático. Multo alto e estabanado, falava com as mãos. Mas tinha lá seu charme.
- Você faz o quê?
- Sou professor de história da arte. Lecciono na USP.
E você?
- Trabalho num Banco do governo.
- Quer tomar um café? — convidou Clóvis.
Túlio consultou o relógio.
- Creio que está um pouco tarde. Preciso ir para casa.
- Entendi: a patroa o espera - replicou Clóvis, em tom de brincadeira, dissimulando sua decepção.
Foi a vez de Túlio observar o rapaz, de cima a baixo.
Simpatizara bastante com ele. Achou-o um pouco delicado no início, mas ele possuía um sorriso encantador, era bonito, atraente e tinha senso de humor.
-A patroa espera, sim, mas pode esperar mais. Vou até o orelhão dar uma ligadinha. Vamos tomar um café.
Clóvis sorriu. Não sabia explicar o porquê, mas sentiu novo friozinho na barriga e seu coração bateu descompassado. Estava sentindo algo mais por aquele rapaz alto, grandalhão, desengonçado e... casado!
"Preciso me conter. Vou ficar só na amizade. O rapaz é casado; não quero encrenca. Depois de Henrique, quero paz, chega de rolo. Vamos, rapaz, contenha-se", dizia mentalmente para si mesmo.
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Capítulo 21
Os meses se seguiram e Maria Lúcia não perdoou Eduardo pela cesariana. Toda vez que olhava para aquela pequena cicatriz, tinha vontade de esganá-lo.
- Você me mutilou.
- Exagero de sua parte. Mal dá para perceber.
- Desde o início insisti para que fosse parto natural.
- O doutor achou melhor a cesariana. A posição do bebê não permitia outra coisa.
Maria Lúcia olhava para a cicatriz, desolada. Eduardo procurou encorajá-la:
- Uma plástica resolve. E, se tiver outro filho...
Ela o repreendeu com veemência:
- Nunca diga uma barbaridade dessas! Jamais terei outro filho! Marcílio é único. Você não queria um herdeiro?
Agora o tem. Fiz minha parte.
- Mas, Maria Lúcia...
- Estou farta dessa história. Desde que voltei da maternidade, é a mesma conversa. Você, sua mãe, seu pai...
Sónia é a única que não me enche.
Eduardo procurou contemporizar. Sentou-se ao lado da mulher. Pegou em suas mãos. Ela sentiu repulsa, quis tirá-las.
Eduardo percebeu o gesto e segurou-as com força.
- Por que me rejeita?
- Não o rejeito - respondeu, sacudindo os ombros.
- Rejeita, sim.
- Estou gorda, não consigo emagrecer, tenho esse corte...
- Entendo, mas você nem ao menos me deixa tocá-la. Tenho me esforçado para que nosso casamento dê certo.
Temos um filho, somos uma família. Mas você não colabora! Ela se irritou:
-Você não me tolera.
- Não é isso, mas podemos nos entender.
- Está comigo por compaixão.
- Não é verdade.
- Sei que não me ama, Eduardo.
- E você, me ama?
Maria Lúcia não respondeu. Baixou a cabeça.
- Está vendo? - disse Eduardo, desolado.
- O que quer que eu faça? Meu amor é todo para o meu filho. Marcílio precisa de mim. - Ela se levantou de um salto e correu até a porta. - Cadê meu filho?
- A babá já vai trazer.
- Preciso amamentar meu filho. E essa babá, que não chega?
- Calma! Marcílio vem logo. Não pode ao menos desgrudar-se dele um pouco?
- Como?! Desgrudar-me de meu filho? Podem me chamar do que quiserem, menos de mãe relapsa. Cadê meu filho?
Em instantes a babá chegou com Marcílio nos braços e uma mamadeira. Maria Lúcia correu até ele.
- Venha com a mamãe, meu anjo. Mamãe vai dar de mamar para o filhinho dela.
Pegou Marcílio com enlevo no colo. Arrancou a mamadeira das mãos da babá e empurrou a jovem com os cotovelos.
- Vá, saia daqui. Não quero mais você connosco.
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Medo de Amar - Marco Aurélio/Marcelo Cezar - Página 5 Empty Re: Medo de Amar - Marco Aurélio/Marcelo Cezar

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Mar 26, 2024 8:31 pm

A babá assustou-se:
- Mas... Mas, d. Maria Lúcia, o que aconteceu? Adoro seu filho. Nunca fiz nada de errado...
- Quero cuidar de meu filho sozinha. Não preciso de babá.
- Mas...
- Saia. Não quero gritar na frente de meu filhinho.
Rua! Saia!
Eduardo conduziu a babá, já chorando, para fora do quarto. Maria Lúcia ajeitou o filho no colo e levou a mamadeira até sua boca. Marcílio tinha apetite voraz. Naqueles quatro meses, havia crescido acima dos padrões para sua idade. Aquilo era motivo de orgulho para a zelosa mãe.
- Você é o tesouro da mamãe. Nunca vou deixar que ninguém o machuque. Mamãe vai defendê-lo e amá-lo sempre.
Ela não havia percebido a entrada de Eduardo no quarto. Ele se emocionou com suas palavras.
- Você mudou tanto depois da gravidez. Está tão amorosa! Nunca pensei que pudesse ser capaz de demonstrar tanto afecto.
Ele se aproximou e a beijou delicadamente na testa.
Maria Lúcia fechou os olhos para não demonstrar a aversão que sentia. Procurando ocultar o sentimento, disparou:
- Sua mãe vai ser a madrinha dele, a dinda.
Eduardo vibrou de felicidade:
- Puxa, meus pais vão amar!
- Eu disse que sua mãe vai ser a madrinha. Não disse que seu pai vai ser o padrinho.
- Como assim?
- Henrique vai ser o padrinho.
Eduardo deu um pulo para trás.
- Nunca! Ele, não!
- Por que não?
- Quer destruir a harmonia em nossa família? Está louca?
- De jeito algum. Os padrinhos serão sua mãe e Henrique.
- Não vou permitir isso. Meu pai não merece tamanho desaforo.
- Então não haverá baptizado, não haverá madrinha, tampouco padrinho.
- Não seja intransigente.
- Você é quem sabe.
- Isso é inconcebível. Henrique não é da família. Meu pai sonha em ser padrinho de Marcílio.
- Ele já é avô. Por que deseja ser também o padrinho?
- Nessa linha de raciocínio, minha mãe também não deveria ser a madrinha.
Maria Lúcia mudou o rumo da conversa:
- O problema é Henrique. Por que o preconceito?
- Não se trata de preconceito. Não tem nada a ver.
- Bem, se quiser baptizar seu filho, será dessa forma; caso contrário, sem padrinhos.
Eduardo nada disse. Não queria discutir na frente do bebê. Levantou-se contrariado e foi para o banheiro tomar uma ducha e esfriar a cabeça.
Maria Lúcia riu com gosto.
"Estúpido! Além de corno, é manipulável. Preciso ficar amiga de Adelaide. Ela vai se sentir lisonjeada, e assim poderei estreitar nossa amizade. Essa velha arrogante vai ser minha amiga, sim. Por intermédio dela vou conhecer a nata da sociedade, as pessoas mais importantes. E Henrique vai ensinar meu filho a ser refinado, culto, sensível."
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Mar 27, 2024 11:51 am

Marcílio terminou de mamar e ela o levantou. Colocou-o na posição para o arroto e em seguida embalou-o nos braços. O bebê logo adormeceu. Ela se levantou e delicadamente o colocou no berço. Beijou-o na testa.
- Sonhe com os anjinhos, meu amor.
Ficou fitando o filho, admirando sua semelhança com Gaspar. Ao lembrar-se do ex-namorado, Maria Lúcia teve vontade de sair correndo e ir atrás dele. Mas não poderia ser tão insensata. Agora era mãe; precisava zelar por sua reputação. Assim que o filho começasse a dar os primeiros passos, ela poderia voltar a assediar Gaspar. Não conseguia tirá-lo do pensamento. Chegava a suar frio, tamanho o desejo de tê-lo nos braços. Mordiscou os lábios, passando a língua para cima e para baixo, numa volúpia sem fim.
Sentiu um calor que havia muito tempo conseguira controlar e abrandar.
Desde a lua de mel, não tivera mais relações com o marido. Era sacrifício demais deitar-se com Eduardo. Ela sempre pretextava dor de cabeça, enjoo, desculpas de todos os tipos. E agora estava difícil abrandar o desejo reprimido há tanto tempo.
Maria Lúcia sentou-se na cama, procurando afastar os pensamentos, mas seu corpo contraía-se de prazer. Ela estava desesperada. Tudo em sua mente girava em torno de sexo. Sem poder mais conter o desejo há muito reprimido, num acto ensandecido levantou-se, arrancou a camisola e invadiu o banheiro. Abriu a porta do boxe e jogou-se nos braços do marido, enlouquecida. Eduardo levou grande susto.
Ele tampouco procurara por prazer nas ruas. Conseguiu, de certo modo, sublimar seus desejos. Se tivesse de se deitar com alguém, não seria com qualquer uma, mas com Marines.
Como amava aquela mulher! Como a desejava! A esse pensamento, ele fechou os olhos. Em sua mente veio a imagem nítida da cunhada.
Naquele instante, os corpos mornos pela água que caía, o desejo ardente dentro deles, tudo contribuiu para que se esquecessem de suas aflições e se entregassem ao prazer do momento. Amaram-se ali mesmo, em pé. E de olhos bem fechados: Maria Lúcia imaginando-se nos braços de Gaspar; Eduardo, imaginando estar amando Marines.
Quando terminaram, Maria Lúcia sussurrou o nome de Gaspar. Eduardo voltou à realidade. Abriu os olhos, completamente atordoado.
- O que foi que disse?!
- Eu... Nada... Não disse nada.
- O que fizemos?
- Não... Não sei o que deu em mim.
Eduardo terminou de lavar-se. Respirou fundo e enxugou-se. Procurava dissimular. Ele também quase havia se delatado e trocado o nome da mulher pelo da cunhada. Fez encenação para Maria Lúcia não notar nada, mas ela não era burra. Eduardo questionou:
- É Gaspar que você quer. Cismou com ele. Nunca vai esquecê-lo.
- Eu me esqueci de Gaspar.
- Esqueceu uma figa!
Ela se enrolou numa toalha. Arrependida e nervosa, vociferou:
- E você me amou como se eu fosse minha irmã.
- Mentira! Não coloque Marines nesta história. Não deturpe.
- Você me amou pensando nela.
Eduardo permaneceu calado. Ela deu uma gargalhada.
- Você é um patife. Por que não corre atrás dela?
- Por respeito a você, a mim, ao nosso filho.
- Não use Marcílio como desculpa.
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Medo de Amar - Marco Aurélio/Marcelo Cezar - Página 5 Empty Re: Medo de Amar - Marco Aurélio/Marcelo Cezar

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Mar 27, 2024 11:51 am

- Não estou usando nosso filho. Jamais faria uma coisa dessas.
- Por que não vai embora?
- Porque amo Marcílio. Não é momento para pensar em separação. Será que não podemos fazer um esforço, pelo menos agora? Mais à frente pensaremos numa solução. Mas nosso filho precisa crescer sentindo-se seguro, com uma mãe e um pai a seu lado.
Maria Lúcia segurava-se ao máximo para não falar a verdade. Como Eduardo era tolo, achando que aquele bebê era seu filho! Só ele não percebia a semelhança entre o bebê e Gaspar. Ela tinha uma vontade louca de gritar que Marcílio era filho do ex-namorado. Adoraria ver a reacção de Eduardo com uma notícia desse quilate. Antegozava o prazer de ver o marido sentindo-se traído, arrasado. Mas conteve-se. Ainda precisava de tempo e também muito, muito dinheiro para ver-se livre de Eduardo e de sua repugnante família.
Algum tempo atrás, por sugestão de Henrique, ela abrira conta num banco e depositava altas somas em dinheiro. Controlava as despesas da casa, gastava muito pouco para si. Pedia a Eduardo sempre muito mais do que precisava e economizava ao máximo, fazendo seu pé-de-meia à custa do marido.
Ela se enxugou rapidamente e correu para o quarto.
Marcílio dormia candidamente. Maria Lúcia pegou o primeiro vestido que viu no armário, deu novo beijo na testa do filho e ligou para Henrique.
- Venha me pegar, rápido.
- O que foi?
- Estou nervosa. Cometi uma loucura.
Henrique preocupou-se.
- O que você fez?
- Venha me pegar e eu lhe conto tudo. Dou-lhe dez minutos.
- Já vou.
Ela pousou o fone no gancho. Suspirou profundamente. Eduardo entrou no quarto para se vestir. Vendo-a arrumar-se, perguntou:
- Por que essa roupa? Vai sair?
- Preciso conversar com Henrique.
- Aonde vai?
Ela se levantou brava, vociferando em baixo tom, para não acordar o bebê.
- Não interessa. Não lhe devo satisfações. Aproveitou-se de mim num momento de fraqueza.
- O que disse?
- Isso mesmo.
- Foi você que me atacou. Jogou-se sobre mim dentro do boxe.
- Poderia ter evitado. Poderia ter me empurrado.
- Você é minha mulher! Natural que depois de tanto tempo em jejum fizéssemos amor.
Ela fez cara de nojo.
- Chega! Fique aqui tomando conta de meu filho.
Volto mais tarde.
Apanhou a bolsa e saiu. Ficou esperando Henrique na portaria. Logo em seguida, o rapaz buzinou. Maria Lúcia entrou no carro, aos prantos.
- O que foi?
- Nada. Siga em frente. Tire-me daqui por algum tempo.
- Quer ir aonde?
- Não quero ser vista pelas pessoas de meu círculo.
Que tal me levar até aquele café atrás do Cine Metro, no centro da cidade?
- O Mocambo?
- Esse mesmo, só frequentado por homossexuais.
Corro menos riscos.
Henrique engatou marcha e seguiram para o bar, em silêncio. Sabia que não podia fazer perguntas a Maria Lúcia quando ela ficava nervosa, desarvorada. Ele ligou o rádio e, enquanto guiava, cantarolava, deixando Maria Lúcia à mercê de seus devaneios.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Mar 27, 2024 11:52 am

Capítulo 22
Henrique estacionou a uma quadra do bar. Percorreram o trajecto até o bar em silêncio. Quando entraram, escolheram a mesa mais afastada, nos fundos do estabelecimento.
- Agora pode me dizer o que aconteceu?
- Fiz amor com Eduardo.
- E qual o problema?
- Como assim? Não vê que me entreguei a meu marido? Não queria de jeito algum alimentar esperança que fosse. Não resisti; a carne é fraca. Fiquei tão ligada em Gaspar. Olhei para Marcílio, e era como se estivesse vendo o pai dele, entende?
- Gasparzinho é a cara do pai, mesmo.
- Eu o proibi de falar assim de meu filho.
- Desculpe.
- O nome dele é Marcílio. Mais uma brincadeira dessas, e já sabe: olho da rua!
- Desculpe, não tive a intenção...
Henrique odiava ter de calar a boca, ainda mais quando Maria Lúcia falava em tom de ameaça. Ele dependia dela em tudo e controlava-se ao máximo para não contrariá-la.
Levantou-se para pegar dois drinques, a fim de dissimular o rancor. Ao encostar no balcão do bar, deparou com Clóvis.
Fingiu não conhecê-lo. O rapaz cumprimentou-o.
- Como vai?
- Vou bem - respondeu Henrique, mal-humorado.
- E Marcos? Vocês ainda estão juntos?
- Ele é um amigo, não é namorado.
Henrique estava com raiva de Deus e o mundo. Precisava descontar sua ira em alguém. Partiu para a provocação, com nítida intenção de espezinhar o moço.
- E você, está sozinho?
- Estou esperando um amigo.
Nisso, Túlio chegou e cumprimentou Clóvis com um abraço, sem notar a presença de Henrique. Este ficou exasperado. Aparentavam ser íntimos. Clóvis fez as apresentações. Henrique estava apalermado.
- Você e Túlio? Juntos?
- Somos amigos.
- Vocês se conhecem? — inquiriu Túlio.
- Era dele que eu lhe falei aquele dia.
- Que coincidência, Clóvis! Porque era dele que eu lhe falei também.
Henrique fitou-os com fúria.
- Quem estava falando o quê de mim?
Túlio bateu nas costas dele, enquanto conduzia Clóvis para outro canto.
- Não falamos nada. E, de mais a mais, não vamos perder nosso precioso tempo falando de você, não é mesmo? Temos coisas mais interessantes a dizer um ao outro. Com licença.
Túlio deu uma risadinha, puxou Clóvis pelo braço e foram para o outro extremo do bar. Henrique espumava de ódio. Pegou os drinques e voltou rápido para a mesa.
- Nossa, que cara é essa, Henrique? Algum bicho o mordeu?
- Antes tivesse me mordido.
- Mas o que foi?
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Mar 27, 2024 11:52 am

- Nada. Encontrei dois conhecidos. - Ele procurou forçar um sorriso. — Dois idiotas com quem tive envolvimento e descartei. Ambos são insuportáveis, pegajosos. E que ironia: estão juntos!
- Você ficou perturbado. Posso ver em seus olhos.
- Não, não é isso.
- Como não? Você está se contendo. Eu o conheço.
- É que me senti um otário. Eles me fizeram de bobo.
- Ninguém faz você de bobo.
- Isso é verdade. Mas vou dar o troco.
- Quando você fica desse jeito, é porque vai aprontar alguma.
- Pode esperar, que vou dar o troco. Esses dois vão se dar mal, tenha certeza disso.
- Não quer vê-los juntos?
- Não é isso. Túlio se acha o maioral, se faz de bonzinho. É um pervertido, uma bicha enrustida, com vida dupla.
Quem ele pensa que é, para me tratar daquele jeito?
Maria Lúcia riu.
- Você saiu com ele, e na época não o julgava pervertido.
- Não me deixe mais nervoso. Esses dois tripudiaram sobre mim e agora vão receber o que merecem.
- Epá! Fique tranquilo. Não vou exasperá-lo ainda mais. Vamos beber. Assim nos esquecemos dos homens que infelicitam nossas vidas.
- Você é completamente louca, mesmo! Onde já se viu arrepender-se de ter feito sexo com o marido? Só você!
Eu me deitaria com Eduardo num piscar de olhos.
- Você se deitaria com qualquer um.
- Isso é verdade.
Ambos caíram na gargalhada. De vez em quando, Henrique olhava de soslaio, observando Túlio e Clóvis, que mantinham animada conversa. Pensou, irritado:
"Túlio não perde por esperar. Eu sei aonde ele vai com a mulher e os filhos aos sábados de manhã. Vai ser uma grande cena!"
* * *
O sábado amanheceu ensolarado, dia ideal para passear. Henrique acordou bem-disposto, tomou banho, colocou roupa bem confortável — shorts, camiseta e ténis — e foi reluzente para o Parque do Ibirapuera. Sabia o horário em que Túlio costumava chegar com a família.
- É hoje que dou uma lição naquele enrustido de uma figa. Ele vai ver só com quem está mexendo - disse ele, entre ranger de dentes.
O rapaz chegou ao parque por volta das dez e meia da manhã. Foi até o local onde supostamente Túlio estaria.
Esperou, deu uma voltinha, flertou com um rapaz que fazia cooper. Uma hora depois, ele avistou ao longe um brutamontes acompanhado da mulher e de dois garotos. Henrique sorriu.
- Enrustido de uma figa! A hora é esta.
Ele fingiu estar caminhando à toa e foi em direcção ao casal. As crianças estavam empinando pipa e afastaram-se.
Túlio conversava animadamente com a mulher. Ao dobrar uma das alamedas do parque, avistou Henrique. Túlio gelou.
Sentiu as pernas trémulas. Tentou desesperadamente puxar a mulher para outro lado, mas em vão. Henrique chegou afectadíssimo, mais do que o usual, forçando uma voz melosa e esganiçada. Abusando dos trejeitos e desmunhecando os pulsos, deu um tapa coreografado no peito de Túlio.
- Queridinho! Há quanto tempo!
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Mar 27, 2024 11:52 am

Túlio não respondeu. Matilde olhou para o marido sem nada entender. Henrique continuou:
- Ora, ora, perdeu a língua? O que aconteceu? Não cumprimenta mais os amiguinhos?
- Está me confundindo com alguém. Com licença.
Henrique segurou-o pelo braço.
- Como iria confundi-lo, Túlio? Lá no Banco só há um
Túlio assim, grandalhão, chegado em...
- O que quer com meu marido? - interveio Matilde, com frieza e jogo de cintura fenomenais.
Henrique não gostou do tom ameaçador da mulher.
Achava que naquele momento ela fosse ficar envergonhada, querendo sumir, pois ele falava alto, de propósito, e algumas pessoas ao redor passavam e davam uma risadinha ou se cutucavam, apontavam e cochichavam. Por sorte, as crianças estavam bem longe e nada notaram. Henrique respirou fundo.
- Seu marido sumiu, não me procurou mais. Pensei que estivesse doente e me preocupei.
- Deixe-nos em paz.
- Só queria ter notícias, afinal me inquietei com seu sumiço.
- Meu marido é um homem bom.
- Bom de cama, quer dizer? Nem tanto.
Matilde deu um bofetão na cara de Henrique.
- Ele nunca se envolveria com um tipo como você.
Henrique sentiu o sangue subir.
-Túlio não se envolveria comigo? Ah é? Então pergunte a seu maridinho bom e casto quantas vezes eu beijei a marquinha de nascença que ele tem na virilha, bem perto do...
Matilde explodiu. Avançou sobre Henrique e cobriu-lhe de bofetadas, sopapos. Arranhou seu rosto, puxou seu cabelo. Ele não esperava por aquilo. Foi pego de surpresa e tinha dificuldades para se livrar da fúria da mulher. Um guarda apareceu e apartou a briga, enquanto Túlio, desconcertado, foi ter com os filhos.
Um grupo de curiosos formou-se ao redor. O policial interveio:
- O que se passa aqui?
- Perdi o controlo, seu guarda.
- Ela é louca, desequilibrada - esbravejou Henrique.
- Ei, ei — advertiu o policial. — Mais respeito com a senhora! - E, virando-se para Matilde, perguntou: - O que aconteceu aqui?
- Esse... esse rapaz veio amolar a mim e a meu marido. Veio nos xingando, falando coisas absurdas.
O policial olhou para Henrique, todo machucado, e para Matilde.
- Vamos todos para o distrito.
Henrique gelou. Delegacia não era o que ele queria naquele momento. Matilde foi enfática.
- Não precisamos ir ao distrito, a não ser que esse moço continue nos importunando.
- Então, madame, devo levar esse sujeito para prestar declarações — sugeriu o policial.
Túlio chegou com as crianças.
- Não vai ser necessário, seu guarda. Vamos embora.
Este rapaz me confundiu com um desafecto, e daí surgiu a confusão.
O policial, ao encarar Túlio e todo o seu tamanho, assustou-se.
- Está certo, senhor, podem ir. Vou conversar com esse sujeito aqui.
Henrique começou a chorar. Tinha pavor de polícia.
Matilde interveio:
- Deixe-o seguir seu caminho. Mas, se voltar a nos confundir e nos perturbar, dou queixa na polícia e o meto no xadrez, num piscar de olhos.
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