LUZ ESPÍRITA
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UM SOPRO DE TERNURA- Marco Aurélio / Marcelo Cezar

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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jan 20, 2016 8:45 pm

UM SOPRO DE TERNURA
MARCELO CEZAR

(ESPÍRITO MARCO AURÉLIO)

Há exactos 30 anos iniciei minha jornada no meio espírita.
Eu era um garoto de 12 anos de idade, cheio de dúvidas, temores, curiosidades e também com alguns problemas de ordem espiritual por não saber lidar com a minha mediunidade.
Acolhido com carinho num Centro Espírita conceituado - Os Caminheiros, fundado por Aldo e Zíbia Gasparetto -, trabalhei na recepção, como atendente, depois como conselheiro, passista, doutrinador e médium de incorporação, colocando em prática tudo o que lia - e aprendia - nas obras de Allan Kardec e, posteriormente, nos livros do espírito André Luíz, psicografados por Chico Xavier.
Dentro desse ambiente repleto de paz e harmonia, aprendi a ter valor, ser útil, criativo e me tornar um homem de bem.
No entanto, com o correr dos anos, passei a compreender e aceitar outras verdades espirituais; afinal, temos muito que estudar e muito que aprender em relação aos mistérios e verdades da vida e, porque não, da morte.
Sempre em busca de mais conhecimento espiritual, fui para os Estados Unidos participar dos cursos e palestras de Louise L. Hay, considerada por mim - e por muitos - a maior orientadora espiritual dos últimos anos; em seguida, estudei Metafísica com Luíz António Gasparetto e tive o privilégio de acompanhá-lo em viagens ao redor do mundo.
Assistindo às suas palestras e observando de perto suas pinturas mediúnicas, nunca mais tive dúvidas de que os espíritos estão sempre ao nosso lado, inspirando-nos e orientando a usar melhor os nossos potenciais.
Espero levar às pessoas, sempre assessorado pelos queridos amigos espirituais, histórias em que a espiritualidade é mostrada de maneira natural, enfatizando em cada um de nós os verdadeiros valores do espírito, a fim de podermos viver melhor connosco e com as pessoas ao nosso redor.
Marco Aurélio, em sua última encarnação, foi investigador de polícia, nascido e criado na cidade do Rio de Janeiro, em fins do século dezanove.
Seus pais morreram cedo e ele, filho único, foi morar com um casal de tios ricos, o que lhe deu condições de estudar em boas escolas e entrar para a polícia.
Dentre os feitos de sua prestimosa carreira, ajudou a polícia de São Paulo nas investigações e na solução do famoso "crime da mala", ocorrido em 1928.
Depois de seu desencarne, ocorrido em 1931, consorciou-se a uma colónia destinada a trabalhar com médiuns no nosso planeta, por meio de inspiração ou psicografia, trazendo a públicas histórias reais, sempre respeitando o nome dos verdadeiros envolvidos, porquanto alguns ainda encontram-se encarnados.
Esse grupo do qual o espírito de Marco Aurélio faz parte, trabalha no desenvolvimento do ser humano, fazendo com que, ao ler nossas histórias, você possa conscientizar-se do seu grau de responsabilidade diante da vida e accionar a chave interior para viver melhor consigo e com os outros, tornando o nosso planeta um lugar bem mais interessante e prazeroso de se viver.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jan 20, 2016 8:46 pm

APRESENTAÇÃO

Eu estava terminando mais um livro quando o espírito de Marco Aurélio aproximou-se e informou-me que faríamos uma pausa na história que estávamos escrevendo.
Achei muito estranho, porque nesses anos todos de psicografia, tal facto nunca acontecera antes.
E o livro em questão estava bem adiantado, quase pronto.
Mas como bom secretário do Além, obedeci.
Para me tranquilizar, ele me disse que havia se encontrado com uma amiga - um espírito tido em altas contas nas esferas superiores - e ela havia lhe contado, segundo palavras dele, "uma fascinante história de vida”.
No dia seguinte, ainda ressabiado, corri nos braços da Zíbia Gasparetto.
Quem me conhece vai dar risada, porque deve estar imaginado um homem de quase dois metros de altura sentado no colo de uma senhora de pouco mais de um metro e sessenta.
Conversamos sobre o ocorrido e Zíbia também me tranquilizou, afirmando que, muito provavelmente, a nova história tinha mais a ver com o nosso tempo, com o nosso momento, que eu deveria confiar na espiritualidade maior.
Alguns dias depois desse, digamos, choque espiritual, eu fui ao encontro semanal do grupo de estudos mediúnicos liderado por Luíz Gasparetto.
Próximo ao fim dos estudos, uma médium aproximou se e falou-me que um espírito com forma de mulher eslava ao seu lado e desejava conversar comigo.
A médium incorporou, ou seja, deu passagem para o espírito comunicar-se comigo e este se apresentou.
Era Naná, a dirigente dos trabalhos espirituais, isto é, o espírito responsável pelos trabalhos daquela semana.
O espírito me disse que estava relatando muitas passagens de sua última encarnação na Terra ao meu mentor Marco Aurélio e que ele, fascinado com a história, tinha resolvido passá-la na frente da outra que estávamos escrevendo.
Naná, espírito muito lúcido, de beleza e força impressionantes, além de uma luz linda e envolvente, confidenciou-me que fora importante figura da elite paulistana na primeira metade do século passado.
Amante das artes e preocupada em levá-las ao conhecimento de todas as camadas sociais, trabalhou e usou sua influência e fortuna para que a cultura fosse acessível a todos.
A conversa estava agradável, mas os trabalhos espirituais estavam chegando ao fim.
Ela assegurou-me de que estava terminando de contar tudo ao Marco Aurélio e que na semana seguinte ele me ditaria a história.
Assim foi feito.
Em dois meses eu psicografei o livro.
E falo com propriedade sobre psicografia porque este livro, de fato, foi totalmente ditado, sem a mínima interferência de minha parte, algo comum em obras psicografadas.
Neste romance tão bonito, Naná se apresenta como Valentina, obviamente nome fictício, a fim de preservar a intimidade dos verdadeiros envolvidos e não expô-los à curiosidade pública, muito embora, os principais personagens que participam desta história, em particular, estejam desencarnados.
Todos, sem excepção, já estão do lado de lá. Não estamos aqui para falar de fulano ou sicrano, que foi importante ou ilustre, mas de espíritos que desejam compartilhar com você as valorosas experiências de vida aprendidas neste planeta em sua última jornada.
Segundo as palavras do querido espírito Lucius "que ninguém, ao lê-la, procure descobrir nomes ou pessoas que a nossa ética houve por bem ocultar e que com certeza não acrescentarão nada aos objectivos desta narrativa.
Por solicitação de Naná, houve necessidade de pesquisa e inclusão de notas de rodapé, para dar mais consistência e coerência à obra mediúnica.
Nossa revisora, Fernanda Rizzo, também intuída pelos amigos espirituais, acabou por enriquecer a obra com algumas observações bem interessantes durante a preparação dos originais para impressão.
Na preparação dos originais para publicação, os espíritos aprovaram a inserção de 26 notas explicativas, aproximadamente uma a cada vinte páginas.
Eu sou fã dessas notas, porquanto elas alimentam o meu conhecimento e saciam a minha curiosidade.
Se você, assim como eu, tem curiosidade em relação a determinados factos, nomes, datas e situações, vai se deliciar com as notas.
No entanto, se você não é fã de notas de rodapé e acredita que elas atrapalham a narrativa, tudo bem.
Basta não descer o olho quando uma delas aparecer e seguir a leitura adiante, pois as notas de rodapé não vão, em hipótese alguma, atrapalhar o entendimento da obra.
Este romance fala da confiança no bem, da necessidade de ligação diária com Deus e da necessidade de sermos pessoas mais carinhosas, afectuosas e ternas.
Afinal de contas, uma dose diária de simpatia e ternura que possamos compartilhar com nossos entes queridos, familiares, amigos, pessoas mais velhas, empregados, chefes etc., não faz mal e não exige tanto esforço; ao contrário, filtra e melhora as energias ao nosso redor, dando-nos a chance de uma vida mais equilibrada, mais serena e mais feliz.
Eu preciso de ternura.
Você precisa de ternura.
O planeta está precisando demais de muita ternura para enfrentar as adversidades do hoje e do amanhã.
Desejo-lhe uma óptima leitura.

Um abraço afectuoso, Marcelo Cezar.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jan 20, 2016 8:46 pm

PRÓLOGO

Lilian abriu a porta da casa com fúria e correu pela sala, ofegante e completamente desorientada.
Sua respiração estava entrecortada e ela precisou apoiar-se num móvel para não cair, tamanho cansaço e mal-estar.
Estava atordoada.
As duras palavras que Dinah gritara havia poucos instantes ecoavam fortes em sua mente:
- Paul e Natalie estão juntos.
Para ser mais exacta, estão se amando.
- Impossível!
Ele prometeu ficar comigo.
- Veja por si mesma.
Neste momento.
- Você sempre foi má.
Nunca conheci pessoa tão vil em toda minha vida.
- Sou realista.
Estou querendo abrir seus olhos.
- Como sente prazer em ver os outros sofrerem!
Por que me odeia tanto?
- Eu?!
- Sim. Por que odeia a mim e não suporta a minha felicidade?
- Eu não a odeio tampouco a sua felicidade - mentiu.
Sinto pena, dó.
Você diz que Natalie é sua amiga e eu duvido.
- Ela é. Você enche minha cabeça com esses absurdos porque tem inveja de nossa amizade!
Nunca aceitou o fato de Paul preferir a mim.
Ele não gosta de você.
Consegue perceber que jamais será dele?
Um brilho rancoroso perpassou os olhos de Dinah.
Um ódio surdo brotou em seu peito.
- Se Paul não me quis, problema dele.
Contudo, você não merece ser traída, de forma alguma.
- Você não gosta de mim, por que está me contando sobre essa suposta traição de Paul?
Virou a minha melhor amiga de uma hora para outra?
Sei que foi você quem me trancafiou naquele sanatório.
Eu a odeio!
Dinah meneou a cabeça para os lados.
Conforme virava o rosto, sua fisionomia também mudava.
Transformava-se no rosto de outra mulher.
Mas era algo muito rápido.
Lilian pensou estar louca.
Acreditou ser o nervosismo daquele momento.
A jovem espremeu os olhos e os fixou-nos de Dinah, mas ela virou o rosto para trás e bramiu:
- Estúpida! Vou repetir: estou abrindo seus olhos.
Sua amiga está metendo chifres na sua cabeça.
- Não pode ser!
A risada sarcástica de Dinah era algo terrivelmente perturbador.
- Idiota! Você sempre foi facilmente levada na conversa.
- Não, eu...
Dinah a cortou:
- Paul está com Natalie!
Eles a estão traindo faz tempo.
Ele ama você, sem dúvida, mas prefere o dinheiro de Natalie.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jan 20, 2016 8:46 pm

- Ela é minha amiga.
Ela gosta de mim.
A gargalhada estridente de Dinah chamava a atenção dos passantes.
- Tonta! Além de burra é cega.
Natalie me deu a ideia de colocar você no sanatório.
Lia quer você longe de Paul.
- Isso não! - Lilian levou a mão à cabeça, depois tentou tapar os ouvidos.
Não queria escutar, não queria ouvir mais nada.
Dinah estava sendo muito dura com ela.
Depois de tantos dias tristes, de dias pavorosos naquele sanatório, Lilian sentia-se confusa.
Dinah estava tentando encher sua cabeça de caraminholas.
Era isso.
Ela sorriu e deu de ombros, procurando dissimular o nervosismo.
- Esqueça.
Desta vez você não vai destruir minha felicidade.
Ele ama a mim e nunca amou você ou Natalie ou até mesmo Claire.
Ponha isso definitivamente em sua cabecinha oca.
Dinah rangeu os dentes, com fúria.
- Você é louca, isso sim.
Esqueceu-se de que o tempo passou?
Olhe para você!
Lilian não entendeu e Dinah prosseguiu diabólica:
- Corra e vá até a estalagem no fim da Rua Lepic.
Eles se amam ali, naquele pardieiro.
- E por que motivo iriam se amar num pardieiro?
Natalie tem dinheiro.
- Tem dinheiro, mas ainda é legalmente casada.
Precisa se encontrar às escondidas com Paul.
Lilian não ouviu mais nada.
Dinah continuou a falar e a gargalhar e uma horda de mulheres, atentas à discussão, riam e apontavam seus dedos cheios de sarcasmo e indignação na direcção da pobre moça.
- Louca! - gritava uma.
- Idiota cega! - bradava outra.
- Chifruda! - gargalhava outra.
As risadas cresciam à medida que aumentava seu desespero.
Lilian levantou as saias do vestido e correu o mais que pôde.
Assim que chegou a casa dele gritou:
- Paul! Paul! Está em casa?
Nada. Uma das criadas entrou na grande sala, assustada.
- Quem é você?
Lilian respirou fundo e perguntou:
- Cadé o Paul?
- Monsieur Deubreil não está.
Saiu há pouco mais de...
Lilian não escutou o fim da frase.
Meneou a cabeça para os lados, seus olhos pareciam querer saltar das órbitas.
Notou uma colecção de armas na estante à sua frente.
Suas mãos estavam trémulas e suadas.
Ela derrubou a criada no chão, correu até a estante e quebrou o vidro com um soco.
Pegou uma pistola dentre outras da colecção, meteu no meio do decote e ajeitou-a entre os seios fartos saindo em disparada.
Estugou o passo e acelerou o mais que pôde.
Lilian subiu as ladeiras íngremes do bairro de Montmartre a toda brida, parou em frente à igreja, ofegante.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jan 20, 2016 8:46 pm

Tentou fazer uma oração, mas em vão, pois seus pensamentos não conseguiam manter-se ordenados.
Sua mente estava encoberta pela névoa da desconfiança, da insegurança, da traição.
Fez o sinal da cruz e continuou o trajecto.
Correu o mais que pôde e, logo em seguida, na curva da rua, avistou a estalagem.
Era uma construção de dois andares, se é que aquele casebre de cómodos baratos podia ser chamado como tal, de quinta categoria.
Lilian respirou fundo, levantou o queixo e entrou.
Um homem com cara de poucos amigos a encarou.
- O que deseja?
- Onde eles estão? - a indagou, nervosa.
O homem deixou a carranca de lado.
Um ar de espanto apoderou-se de seu rosto.
- Pardon?
- Onde eles estão?
Sei que estão aqui.
Sem deixar o homem concluir o raciocínio, Lilian subiu a escada de madeira que conduzia aos quartos.
Foi abrindo porta por porta, mesmo sob protesto dos hóspedes, muitos deles em situações comprometedoras, constrangidos por serem pegos de surpresa enquanto faziam sexo.
No fim do corredor, conforme ia se aproximando da porta, os gemidos de amor tornavam-se intensos.
Lilian mordiscou os lábios, escancarou a porta e deparou com uma cena que jamais gostaria de ver em toda a sua vida.
A vela que iluminava parcamente o ambiente, de repente apagou-se.
Mas era impossível não ver. Paul e Claire estavam deitados, abraçados.
Os dois estavam tão envolvidos em carícias que nem perceberam a entrada súbita de Lilian no quarto.
Somente o grito de indignação dela os fez notar sua presença.
- Canalhas!
Dinah estava certa!
Paul pulou para a ponta da cama e se levantou de um salto.
Arregalou os olhos:
- O que faz aqui?! - perguntou perplexo.
- Quem é você? - foi à vez de Claire, numa voz quase sumida.
Lilian não conseguia falar.
A garganta estava seca, o coração batia descompassado.
Nunca tinha visto Claire, só ouvido falar da moça.
Mas Dinah havia dito que Natalie estava lá.
- Onde está Natalie?
- Não sei.
Por que pergunta? - indagou Paul, em estado apopléctico.
Lilian tirou a pistola que carregava entre os seios e apontou.
Claire levou a mão à boca para sufocar o grito de horror.
- Vocês merecem morrer!
Houve gritos, pedidos de esclarecimento, de clemência.
Um casal de enamorados, ao entrar na estalagem, ouviu os tiros secos lá de cima.
A mulher, assustada, puxou o rapaz para fora.
O gerente imediatamente subiu as escadas o mais rápido que pôde, todavia era tarde demais.
Um, dois, três disparos.
Três corpos ensanguentados e caídos no chão.
Três mortes.
Três almas unidas pelos laços da traição, ódio, falta de perdão e, acima de tudo, total falta de ternura em seus corações.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jan 20, 2016 8:46 pm

CAPÍTULO 1

Eram tempos difíceis aqueles, e todas as pessoas deviam acatar o toque de recolher.
A cidade parecia estar abandonada, sem vida.
O único som que se escutava, de vez em quando, provinha das copas das árvores que farfalhavam movidas pela brisa suave da madrugada.
Num sobrado de classe média paulistana, tudo parecia calmo e tranquilo.
Todos dormiam a sono solto.
De repente, um grito seco ecoou pelo quarto escuro.
Lilian gritou e acordou em seguida, seus olhos arregalados expressavam puro terror e as grossas gotas de suor escorriam pela sua testa.
Clara acendeu a luzinha do abajur de cabeceira.
Pulou na cama da irmã.
- O que foi?
- Aquele pesadelo, de novo. - Lilian abraçou-se a Clara.
Sangue, morte, eu não quero mais ter esse sonho ruim.
Nem conheço essas pessoas...
- Chi! - Clara abraçava a irmã e passava as mãozinhas delicadamente pelos seus cabelos compridos e lisos.
Vai passar.
- Estou com medo. Aquela mulher.
Sinto arrepios só de me lembrar das palavras horríveis e de sua risada descontrolada.
- A tal de Dinah?
- Acho que é Dinah, Dina...
Clara riu.
- Será por que nossa madrasta se chama Dinorá?
- Ela não é nossa madrasta!
Que mania, Clara.
- Ela vive com o papai...
Lilian passou as costas das mãos na testa e notou que o suor havia se dissipado.
Esqueceu-se do pesadelo, por ora. Também pudera.
Estava acostumada a ter esse mesmo tipo de sonho ruim.
Desde que sua mãe morrera alguns anos atrás, ela sonhava com essa sequência de cenas e com o fim trágico que resultava em sangue e morte.
Suspirou profundamente. Olhou para Clara.
Como explicar à irmãzinha de cinco anos de idade que Dinorá era uma mulher que vivia com o pai sem ter se casado com ele?
Como definir o que era uma concubina?
Ela meneou a cabeça para os lados e abraçou-se à Clara.
- Tem razão.
Eu vejo essa mulher ruim no meu sonho.
Até que se parece com a Dinorá.
Uma voz familiar e em alto tom se vez ouvir no corredor:
- Acordadas?
- Ai! A leoa acordou!
A voz continuava estridente.
- Vocês estão acordadas?
Não posso crer.
Clara escondeu seu rosto no peito da irmã.
- Dessa vez ela vai bater na gente.
- Não vai.
Dinorá entrou no quarto feito um tufão.
Os cabelos presos e enrolados em bobes e o creme branco melando o rosto a deixavam com aparência de uma bruxa igual às relatadas em contos de fadas.
Só faltava a verruga proeminente na ponta do nariz.
- São três da manhã! - gritou.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jan 20, 2016 8:47 pm

- Três da manhã! Eu quero dormir mais.
Tenho um dia cheio de compromissos, e as duas aí, de conversa fiada!
Onde já se viu?
Lilian respondeu:
- Está tudo bem.
Eu tive um pesadelo. Só isso.
- Pesadelo? De novo?
- Ando assustada.
É o clima de guerra que vivemos.
- Quanta bobagem.
É falta de chinelo.
Dinorá tirou uma das chinelas do pé e as ameaçou.
As irmãs recuaram para trás, levantaram-se e se abraçaram.
- Voltem já para a cama!
Seis e meia eu as chamo.
Não quero ver ninguém com cara de sono e ai se uma das duas reclamar que não dormiu direito.
Eu juro que o couro vai comer!
Ela ameaçou, como sempre fazia, rodou nos calcanhares e voltou para seu quarto.
Lilian e Clara retornaram para suas camas.
- É melhor obedecer, Lilian.
- Eu sei, mas estou com medo.
- Estou aqui para protegê-la.
Lilian esboçou sorriso terno.
- Você é uma menininha.
Eu é que deveria cuidar de você, não o contrário.
- Somos só nos duas no mundo.
Eu gosto muito de você.
Clara disse e beijou a irmã nas bochechas.
Prosseguiu:
- Temos também a amizade de Carmela.
Um brilho emotivo surgiu nos olhos de Lilian.
Em seguida desvaneceu.
Ela mordiscou os lábios com raiva.
- Carmela é como se fosse nossa irmã, mas infelizmente ela não mora com a gente.
- Mas é sua amiga.
- É verdade. Carmela é como uma irmã mais velha.
Ainda bem que a temos por perto.
- Viu como temos sorte?
Lilian pendeu a cabeça para os lados.
Clara era muito pequena e não entendia que a vida não era lá um mar de rosas.
Ponderou:
- Desde que papai foi para a guerra, sinto falta de protecção.
- Eu sinto saudade dele - falou Clara, soltando um suspiro.
- Mas temos de obedecer - ela abaixou a voz - essa mulher!
- Não vamos pensar em coisas ruins.
Vamos orar para que papai volte são e salvo para casa.
- De que vai adiantar Clara?
- Não sei, mas pode ajudar.
A Carmela diz que rezar ajuda e aquieta o coraçãozinho.
- Você ainda é muito pequena.
Quando crescer, vai ter muita decepção na vida.
O mundo não é bom.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jan 20, 2016 8:47 pm

- Eu gosto do mundo.
Lilian mudou o assunto.
Clarinha era inocente e alegre.
Para sua irmãzinha tudo era lindo.
Quem sabe, quando Clara completasse doze anos, idade dela, iria olhar o mundo e as pessoas com outros olhos.
O mundo era dos espertos e as pessoas boas não tinham chance de ser felizes.
Lilian acreditava que o mundo era assim, cheio de obstáculos e dificuldades.
Ainda criança, viu a mãe morrer e teve muita raiva da vida.
Sentiu-se só e desprotegida.
A relação com o pai era baseada na obediência e se não fosse Carmela, sua vizinha e grande amiga, Lilian teria dado cabo da própria vida.
Já havia pensado em se matar, ou mesmo em sumir do mundo.
Mas o que fazer?
A vida a havia metido naquela casa, com aquela mulher que seu pai enfiara lá para substituir sua mãe e tinha também à pequena Clara.
Se pudesse escolher, Lilian preferiria ter outra vida.
Contudo, a vida era dura, triste, feia.
Lilian era desconfiada de tudo e de todos.
Acreditava que por trás de uma boa intenção sempre havia uma segunda intenção ruim.
Seu espírito, por meio de experiências das mais diversas, ao longo de algumas vidas, desprovido de carinho e afecto, acreditava que o mal sempre vencia.
Fez um muxoxo e virou-se para Clara.
- Não gosto da Dinorá.
- Papai a escolheu para se casar.
- Eu já disse que eles não são casados.
- Não sei a diferença.
Eles moram juntos, dormem juntos...
Lilian exalou profundo suspiro.
- Entenda, Dinorá juntou-se com ele.
Papai só teve uma esposa: nossa mãe!
- Não me lembro dela.
- Você era um bebezinho quando mamãe morreu.
- Dinorá não é como nossa mãe?
- Ela é como se fosse nossa madrasta.
Uma madrasta ruim, chata e que nos obriga a fazer coisas de que não gostamos.
- Quando papai voltar, tudo vai ser como antes.
Você bem sabe que Dinorá não abusa de nós na presença dele.
- Sinto falta da mamãe...
Eu queria tanto que ela estivesse aqui connosco.
- Eu sei.
- Parece que a vida funciona dessa maneira.
Uns vivem mais e outros menos, mas pela minha experiência de vida - Lilian assumiu um ar de superioridade que ficava engraçado para seus doze anos -, todo mundo que nasce vai morrer um dia.
Foi a Carmela quem disse.
- Se a Carmela disse então é verdade.
- Ela tem uns pensamentos estranhos, diz que a vida é bela.
- E não é?
- Não. A vida é dura e triste.
Mas gosto muito da Carmela.
- Tem o senhor Manuel da padaria, ele parece ter uns duzentos anos - ajuntou Clara.
Lilian riu.
- Seu Manuel é um senhor com bastante idade, mas não deve ter duzentos anos.
Creio que tenha cerca de cinquenta.
- Nossa tudo isso?
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jan 20, 2016 8:47 pm

- É tudo isso.
As duas meninas ajeitaram-se na caminha de Lilian.
Clara puxou sua boneca velha e com roupinhas puídas ao encontro do peito.
- Ela pode ficar aqui com a gente?
- Pode. Mas está velha e descosturada, soltando palha.
- Eu queria uma boneca nova.
A Dinorá disse que não tem dinheiro.
- Ela tem. Mas não quer gastar nada com a gente.
- Papai me prometeu uma boneca nova no Natal.
- Aguarde. Falta pouco tempo.
Clara ajeitou-se e encaixou a cabecinha no travesseiro.
Perguntou:
- Por que Deus levou nossa mãe?
- Não sei explicar, Clarinha.
Juro que não sei...
- Tem uma menina na escola que não gosta da mãe dela.
Por que Deus não leva a mãe dela?
Não é justo.
Lilian afastou o corpo e fixou os olhos nos da irmã.
- A gente precisa aprender que nada é justo na vida, minha querida.
Clara aconchegou seu corpinho ao da irmã.
- Você jura que nunca vai me maltratar?
- Mas que pergunta Clara.
É óbvio que não.
Somos irmãs. Eu a amo.
- Eu também. Às vezes acho que você vai brigar comigo e querer me matar.
Lilian sentiu um frio percorrer-lhe a espinha.
- Não diga isso! Eu a amo.
Você é minha irmã querida.
De onde veio essa ideia maluca?
- Não sei. Tem vezes que eu vejo você querendo judiar de mim.
- Impressão sua.
Mesmo. Amo você, Clarinha.
- Só tenho você e papai.
Tenho medo de que ele não volte.
- Ele vai voltar.
Lilian falou e apagou a luz do abajur.
Mesmo tão jovenzinha, ela sentia um aperto no peito quando falava e se lembrava do pai.
Ela queria confortar sua irmãzinha e a si própria, nadando contra essa maré de medo e angústia que persistia em ficar presa ao seu coração tão intoxicado por sentimentos desagradáveis, que não lhe faziam bem.
A menina afastou a sensação ruim com uma passada de mão no peito. Sorriu.
De onde Clara tirara a ideia de que ela queria lhe fazer mal?
Tratava a irmãzinha com enlevo.
- Vai ver está assim por causa dessa guerra estúpida - disse para si.
Beijou a bochecha da irmãzinha já adormecida e virou-se de lado.
Precisavam dormir mais um pouquinho porque, assim que o sol surgisse, Dinorá iria acordá-las com estrondo e gritaria, como de costume.
Seria mais um dia de trabalho duro.
Desde que o pai delas, Aureliano, fora lutar na Revolução, elas eram submetidas a uma estafante e árdua rotina de serviços domésticos impróprios para suas idades.
As escolas estavam fechadas e Dinorá aproveitara dessa, digamos, situação favorável, para que as meninas deixassem a casa sempre em ordem.
O pior do serviço era passar o escovão sobre o chão vermelho da cozinha e lustrar o chão de finóleo da sala.
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UM SOPRO DE TERNURA- Marco Aurélio / Marcelo Cezar Empty Re: UM SOPRO DE TERNURA- Marco Aurélio / Marcelo Cezar

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jan 20, 2016 8:47 pm

Aquilo era um tormento, uma canseira só.
O sobrado era grande e espaçoso, os braços de Lilian chegavam a formigar, tamanho esforço.
Dinorá era mulher bonita e sensual, passava a maior parte do tempo lendo revistas femininas como A Cigarra, Eu Sei Tudo ou Revista da Semana para inteirar-se dos assuntos ligados à moda, das novidades em cremes e perfumes.
As suas unhas estavam sempre compridas e bem feitas.
Dinorá não era dada às prendas do lar e deixava as louças amontoarem-se pela pia.
Quando faltavam copos ou pratos para as refeições, ela, a contragosto, encostava a barriga na pia e as lavava.
O salário de Aureliano não era ruim e, mesmo assim, Dinorá fazia questão de comprar menos comida, economizar nas compras para a casa.
Chegou ao cúmulo de retirar o chuveiro eléctrico do banheiro e continuava a usar o velho fogão a lenha para gastar menos energia eléctrica e dessa forma pagar uma lavadeira, pois tinha verdadeiro pavor de encostar sua barriga num tanque.
Até ensaiava na cozinha, mas lavar e passar, nunca.
Antes de ela conhecer Aureliano, a prostituição fizera parte de uma época de sua vida.
Filha de um mascate vivia com os pais e irmãos zanzando para lá e para cá, sem residência fixa, levando uma vida de cigana.
Algum tempo depois, o pai percebeu que os homens ficavam mais interessados na filha do que nas quinquilharias que ele vendia.
Dinorá era uma linda moça.
Cabelos castanho-escuros e encaracolados testa alta, encimando olhos negros e vivos.
O corpo era bem feito e seu sorriso, cativante.
Começou a se deitar com homens aos treze anos.
Fizera alguns abortos e, aos vinte e cinco, a sua aparência ainda era das melhores.
Trabalhava nos arredores do cais do porto de Santos.
Ela conheceu Aureliano por meio de um cliente e viu nele o trampolim para uma nova vida.
Estava cansada de prostituir-se.
Dinorá acreditava que, por ele ser oficial da Força Pública1, tinha uma posição na sociedade, uma profissão de destaque, e, seguindo esse raciocínio, acreditava piamente que ele tinha posses e poderia dar a ela uma vida bem melhor.
Uma vida melhor ela teria, com certeza, mas nunca uma vida de luxo como imaginara em sua mente desvairada.
Dinorá estava sendo procurada por um gringo que a ameaçara de morte por duas vezes seguidas.
Era o seu cafetão.
Precisava sumir, e mudar de cidade era uma questão de vida ou morte.
Aureliano estava na cidade a serviço e regressaria logo à capital.
Pensando em sair de cena e desaparecer das vistas de Adolf, o cafetão, Dinorá seduziu o oficial de polícia, falou meia-dúzia de palavras nos seus ouvidos, do tipo de coisas que um homem carente gosta de escutar, e ele a levou consigo para a capital paulista.
Na subida da serra, Aureliano revelou a surpresa desagradável:
tinha duas filhas pequenas, que eram uns amores e não davam o menor trabalho.
Ao escutar isso ela falou entre dentes:
- Que maçada!
Se Dinorá pudesse, teria saltado do trem.
Não idealizava duas meninas nessa sua nova aventura amorosa.
Dissimulou a contrariedade e fez força para conviver com elas, tão logo o casal chegou a São Paulo.
O relacionamento dela com Clara e Lilian nunca fora bom, desde o começo, três anos atrás, quando se amigou com Aureliano.
Aureliano era um bom moço.
Viera de família pobre, lutara muito para chegar a uma posição de destaque.
Entrou para a Força Pública e, quando Lilian completara seis anos, sua esposa Rosa engravidou.
Quando estivera grávida de Lilian, Rosa penou muito e por pouco mãe e filha não morreram.
Entretanto, mesmo alertada pelo médico, quis correr o risco de levar a nova gravidez adiante.
Depois do parto, os problemas de saúde foram se acumulando, um atrás do outro. Rosa foi contraindo doença atrás da outra.
O corpo foi enfraquecendo, definhando e, pouco antes de Clara completar um aninho de vida, Rosa desencarnou.
Sem parentes por perto para ajudar na educação das filhas, e sem jeito para dedicar-se a elas, afinal tinha sido educado para ser o chefe da família, Aureliano encantou-se com o jeito sedutor de Dinorá, sem perceber que, na verdade, ela estava pensando somente em si própria, tão-somente para fugir de seu algoz e recomeçar sua vida longe de Santos.
Aureliano havia sido convocado para lutar na Revolução Constitucionalista, iniciada no dia 9 de julho daquele ano2.
Foi a primeira grande revolta contra o governo de Getúlio Vargas, como também o último grande conflito armado ocorrido no Brasil.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jan 20, 2016 8:48 pm

Desse conflito, centenas de vidas foram ceifadas.
Aureliano foi um dos que morreram lutando.
Foi com grande pesar que as meninas receberam a notícia, no finzinho de setembro.
Dinorá derrubou duas lágrimas e precisava pensar no que fazer dali para frente.
Aureliano tinha sido bom homem e lhe deu um teto.
Ponto. Mais nada.
E ainda o governo lhe negara uma indemnização, pois ela não havia sido oficialmente casada com o falecido.
Dinorá sentiu ódio surdo brotar dentro de si.
Ficara três anos ali naquela casa, aguentando aquelas pirralhas e agora se encontrava sem homem, sem dinheiro, sem eira nem beira.
A casa era alugada.
E as meninas tornaram-se um estorvo em sua vida.
Ela precisava pensar numa maneira de se livrar delas para tocar sua vida adiante e se dar bem. Rápido.

1 Actualmente Polícia Militar do Estado de São Paulo, popularmente conhecida como PM (Nota do Autor.)

2 Revolução de 32: também conhecida como Guerra Paulista, foi o movimento armado ocorrido no Brasil entre os meses de julho e outubro de 1932, onde o Estado de São Paulo tinha como principal objectivo a derrubada do governo provisório de Getúlio Vargas. Actualmente, o dia 9 de julho, que marca o início da Revolução, é a data cívica mais importante do Estado de São Paulo e feriado estadual (N.A.)
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jan 20, 2016 8:48 pm

CAPÍTULO 2

O Natal das meninas foi muito triste.
Dinorá não ligava para datas comemorativas, mas a insistência de Lilian em ter uma ceia obrigou-a a comprar um frango recheado com farofa; fez um arroz salgado demais, temperado de menos, quase intragável.
Completou o banquete com uma limonada - catou alguns limões no pé da árvore, no quintal e botou tudo muito rápido na mesa.
- Comam depressa.
- Depressa? Por quê?
- Porque eu tenho de sair.
- Sair? - indagou Lilian.
- Sim.
- É que é véspera de Natal.
Pensei que fosse ficar aqui em casa.
- Quer que eu espere o Papai Noel chegar e bater na janela? - perguntou com desdém.
- Não acreditamos mais nisso.
- Nem você, Clara?
Com cinco anos já não acredita?
- Eu não tenho pai nem mãe.
Não acredito em nada - disse, num tom melancólico.
- Vai aonde à véspera de Natal? - perguntou Lilian.
- Vou à Missa do Galo.
Vou rezar pela alma do pai de vocês.
- Quero ir junto - falou Clara.
- Não vai. Vão terminar de comer e se deitar.
- Deitar? Tão cedo?
A Carmela ficou de passar aqui.
- Não quero bagunça nesta casa.
Lilian levantou-se e, enquanto levava seu prato até a pia, tornou:
- Carmela é nossa única amiga.
Dona Maria ficou de mandar um bolo prestígio para nós.
Dinorá deu de ombros.
- Importa-se de ela dormir connosco?
- Desde que não façam bagunça, tudo bem.
Vou logo avisando, não tenho hora para voltar.
As irmãs trocaram um olhar significativo.
Lilian voltou à mesa.
Ela esperou que Clara terminasse a refeição.
Ficaram em silêncio.
Dinorá voltou maquilhada e ajeitava o chapéu de feltro com alguns arranjos florais.
Clara pediu pelo seu presente.
- Que presente?
- A minha boneca nova, ora.
- Sem presente de Natal este ano.
- Por quê?
- Seu pai morreu Clara.
- E daí?
- É pecado a gente festejar e trocar presentes logo em seguida à morte de um parente.
- Mas papai ia me dar uma boneca nova - choramingou Clara.
- Ia, esse é o tempo correcto, mas não deu e não vai dar.
- Mas...
- Agora chega de choramingos.
Arrumem a cozinha.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jan 20, 2016 8:48 pm

Ouviram palmas lá no portão.
- Carmela chegou! - exultou Lilian.
- Nada de brincadeiras agora.
Primeiro a cozinha, limpa e asseada.
Lilian foi até a porta e convidou a amiga a entrar.
Carmela era uma jovem bem bonita.
Loira, alta, corpo esguio.
Conhecia as meninas desde que se mudaram para lá, havia alguns anos e compartilhavam óptima amizade.
Carmela tinha grande afeição por Lilian.
- Como prometi, trouxe esse bolo de chocolate para vocês.
- Oba. Eu queria tanto um pedaço de doce!
- Pois agora tem Clara.
Vamos comer?
- Nada de migalhas no chão - Dinorá consultou o pequeno relógio no pulso.
Estou atrasada para a missa.
Carmela era extrovertida, sagaz, astuta, inteligente; seus olhos eram vivos e expressivos.
Já tinha idade para compreender determinados assuntos e ouvira certa vez uma vizinha comentar sobre as "saídas" de Dinorá, que se tornaram frequentes após a morte de Aureliano.
- Pode ir tranquila para a missa, d. Dinorá.
Eu ajudarei as meninas e deixaremos a cozinha em ordem.
Não vamos derrubar uma migalha de bolo no chão.
Dinorá fez ar de mofa.
Sacudiu os ombros, pegou sua bolsa e saiu.
Antes de fechar a porta, disse:
- Quero que durmam cedo.
Amanhã teremos um dia cheio pela frente.
- Mas amanhã é Natal! - tornou Lilian.
- Amanhã será um dia como outro qualquer.
Dispensei a lavadeira.
- Por quê?
- Não temos dinheiro para pagá-la.
Nossas economias estão no fim. Precisamos comer.
Roupa consigo lavar, mas comida eu não tenho como fazer aparecer aqui na mesa.
Não temos mais o salário do seu pai.
Vocês pensam que dinheiro cai do céu?
Vão para o tanque, bem cedo.
Falou e bateu a porta.
- Por que ela está nervosa? - indagou Clara.
- Ela não está nervosa, Clara.
- Ela é nervosa - retrucou Lilian.
- Não entendi...
Carmela aproximou-se e a beijou na bochecha.
- Lilian, querida.
Deixe as mágoas para trás.
Dinorá tem jeito próprio de ser.
Não mudamos as pessoas.
Elas são do jeito que são.
- Está defendendo-a?
- Não.
- Por que tem de falar bem dela?
- Não falo bem nem mal.
- Ela não é parenta sua, fica mais fácil.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jan 20, 2016 8:48 pm

- Não foi isso o que quis dizer.
De que vai adiantar falar mal de Dinorá?
Vai mudar a relação que ela tem com vocês?
- Não. Não vai.
- Vai melhorar em alguma coisa a vida de vocês duas?
- Também não.
- Vamos aproveitar para manter esta casa com ar bem alegre, com energias bem positivas.
Afinal, é noite de Natal.
- É Natal! - Clara bateu as palminhas.
Carmela cortou os pedaços de bolo.
- Volto num instante.
Ela saiu e retornou a sua casa.
Maria estava sentada numa poltrona, escutando um programa de música clássica no rádio.
- Já voltou?
- Mãe, importa-se eu me desfizer da boneca que tia Vanda me deu?
- Não, filha, mas...
- A boneca de louça que ganhei de papai é o presente que queria.
Estou com a minha colecção de bonecas completa.
Essa boneca da tia Vanda é bonita, entretanto como a tia está velhinha e se confunde com facilidade, acabou me dando uma boneca idêntica a do Natal do ano passado.
- Sim, sua tia anda variando das ideias.
Por que quer se desfazer da boneca?
- Clara e Lilian não ganharam nada neste Natal.
Perderam o pai recentemente.
O clima lá não é dos melhores.
Sabemos que elas não se dão bem com Dinorá.
- Eu a vi pela fresta da janela.
Saiu há pouco, toda emperiquitada.
- Por esse motivo me ofereci para dormir lá.
Lilian havia me dito ontem que Dinorá iria assistir à Missa do Galo.
- Missa, sei...
- Mãe, nada de julgamentos.
A vida de Dinorá é dela, não é nossa.
Se falarmos sobre ela de maneira negativa vamos atrair essa negatividade para nossa casa e, pior, para nossa vida.
É isso o que quer?
- Tem razão, Carmela.
Nossa casa transmite tanta paz e serenidade...
- Pois bem.
Deixemos Dinorá com seus problemas.
Importa-se se eu der esta boneca para a Clarinha?
- De maneira alguma. O presente é seu.
- E aquele par de sandálias?
Posso dar para a Lilian?
Eu tenho três pares.
Maria abriu largo sorriso.
- Você não existe, filha.
Vai se desfazer de seus presentes para dar às suas amiguinhas?
- É. Eu não me importo com presentes.
Tenho o mais importante: o amor de você e papai.
Eu os amo.
Carmela falou e beijou a mãe.
O pai entrou na sala e foi surpreendido com um beijo bem gostoso na bochecha.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Jan 20, 2016 8:48 pm

- Hum, que beijo bom!
Quero mais.
Carmela o abraçou e o beijou várias vezes no rosto.
- Amo vocês.
- Nós também a amamos - tornou Cornélio.
- Papai, importa-se se eu me desfizer deste par de sandálias?
- Você gostou tanto quando passamos em frente à loja.
- Sei, mas Lilian não ganhou nada nesta data tão significativa.
Eu tenho três pares e sei que no meu aniversário o senhor vai me dar outro par, caso eu queira.
- Você é uma menina de ouro.
Sou abençoado por ter uma filha tão linda por dentro e por fora.
Carmela sorriu e beijou novamente o pai.
- Temos de correr.
As meninas estão sozinhas.
Mãe vamos reutilizar os papéis de embrulho?
Maria fez sinal afirmativo com a cabeça.
Ajudou a filha a embrulhar a boneca e o par de sapatos.
Alguns minutos depois, ela estava de volta à casa das meninas.
- O Papai Noel passou lá em casa.
- Bom para você - retrucou Lilian, o semblante carregado, olhar taciturno.
- Presente para vocês! - disse alegre e esticou os braços, mostrando os embrulhos.
Os olhinhos de Clara brilharam emocionados.
- Oba! Presente?
- É. Esse pacote maior é seu, Clara.
Enquanto a menininha abria o pacote com a boneca, Carmela entregava o pacotinho menor para Lilian.
- Esse é para você, amiga. Feliz Natal.
- Você está me dando um presente?
- Sim. Além de minha eterna amizade.
Lilian caiu no pranto.
Sentia-se sozinha, abandonada.
Embora amasse a irmãzinha.
Clara era muito pequena e não tinha idade para compreender determinadas coisas.
Agora que Aureliano não fazia mais parte do mundo, ela só tinha mesmo a amizade e carinho de Carmela.
- Você é como uma irmã para mim.
Sei que se desfez de seus presentes para nos alegrar, principalmente Clarinha - apontou para a irmã no sofá, chamando a boneca de filha e se divertindo.
Você mudou o nosso Natal.
- Eu não mudei nada.
Só fiz o que o meu coração mandou.
Eu gosto muito de vocês.
Gosto de vê-las sorrindo.
Lilian sorriu. Rasgou o embrulho.
Embora alguns anos mais nova que Carmela calçava o mesmo número da amiga.
A sandália calçou perfeitamente nos seus pés.
- Obrigada, amiga.
- Você está linda.
Lilian era uma boa menina, porém tinha uma tendência a reclamar de tudo e de todos.
Não era mimada, tampouco chata.
Entretanto, era uma menina que se sentia, digamos, vítima do mundo.
Isso atrapalhava - e iria atrapalhar - bastante o seu caminho nesta vida.
Em vez de ficar feliz e aproveitar a noite, o bolo de chocolate prestígio, o par de sandálias, ou seja, em vez de contemplar os presentes, a fartura, a amizade sincera de Carmela, preferiu reclamar.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jan 21, 2016 8:44 pm

- É duro ser órfã.
- Vocês não são órfãs! - protestou Carmela.
- Como não?
Sem mãe nem pai?
Nós não temos parentes, que eu saiba - afirmou Lilian.
- Vocês têm a mim, têm a Deus.
- Deus?
- A inteligência divina, a fonte de energia superior que rege o Universo.
- Ah, o papai do céu, você quer dizer - completou Clara, abraçada à boneca.
- Mais ou menos - Carmela riu.
Vocês precisam ser fortes e pedir para que essa força inteligente as ajude a superar os obstáculos e ter uma vida melhor.
- Uma vida melhor seria Dinorá bem longe de nós.
- Peça por isso.
- Como? - indagou Clara.
- Ore com vontade.
Peça a Deus para que Dinorá seja afastada do caminho.
- Eu não a suporto.
Ela abusa de mim e de Clara, obriga-nos a fazer todo o serviço pesado de casa.
- Faça a sua parte e não reclame.
- Fácil falar.
- Eu nunca vi Dinorá levantar o dedo contra vocês.
- Ela nos ameaça de vez em quando. Levanta o chinelo.
- Cão que late, não morde.
Ela pode não simpatizar com as duas, mas não sinto que ela seja má pessoa.
É perturbada das ideias, mas não é ruim.
- Ela e má.
Não gosta da gente - tornou Lilian.
- Fique com o coração em paz, minha amiga.
De que vai adiantar toda essa amargura?
- Eu não gosto da Dinorá.
Às vezes ela me mete medo.
- Não precisa ter medo dela, Lilian.
Quando se sentir aborrecida ou magoada, imagine e pense em borboletas.
- Borboletas? - perguntou Clara.
Engraçado... Borboletas.
- Eu não sou mais criança - protestou Lilian.
Imagine pensar em borboletas.
- Vai ajudá-la a não ficar com raiva.
- Como?
- Quando se sentir chateada com Dinorá, imagine ao seu redor um elo de luz bem poderoso e brilhante como o sol.
Imagine que você está em paz e visualize borboletas rodeando o seu corpo.
- Mas borboletas?
- É - respondeu Carmela. - Borboletas.
Quando algo desagradável acontece comigo, eu fecho os olhos, imagino uma linda borboleta colorida voando ao meu redor e levando consigo as energias negativas que poderiam ficar grudadas em mim.
Depois, eu me sinto como se fosse ela.
Fora do casulo, livre, solta, com lindas asas coloridas.
Ai eu viajo por entre bosques, florestas, parques, cachoeiras.
Sinto-me dona de mim, cheia de poder e, quando volto à realidade e abro os olhos, tudo está bem.
- Gostei. Borboletas - disse Clara.
- Tenho certeza de que Dinorá vai mudar - finalizou Carmela.
- Difícil ela mudar.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jan 21, 2016 8:44 pm

- Veja Lilian, quando mudamos nossa maneira de agir e pensar, os outros ao nosso redor são directamente afectados.
- Como? O que acontece?
- Ou eles mudam também, positivamente é claro, ou se afastam de nós.
- Verdade?
- Posso afirmar por experiência própria.
- Eu queria muito que Dinorá fosse afastada de nossa vida.
- E o que deseja com vontade?
- Sim. Com toda a minha força.
- Peça e será atendida.
- Eu queria uma vida bem diferente dessa.
- Pois peça e terá.
Lilian guardou as sandálias na caixa.
Pegou a travessa de bolo e a levou até a mesa da cozinha.
- Vamos comer o bolo? - convidou.
Deve estar uma delícia.
- Adoro bolo de chocolate - respondeu Clara.
- Eu também, Clarinha.
E esse tem recheio de coco.
É prestígio.
- Hum. Vamos nos fartar!
As três meninas foram para a cozinha e comeram até se sentirem satisfeitas.
Depois, lavaram os pratos, copos e talheres, deixaram a cozinha toda arrumada, a fim de agradarem Dinorá.
O dia seguinte era dia de paz e elas não queriam, de maneira alguma, arrumar confusão com a madrasta.
Elas colocaram suas camisolas.
Havia um colchão que ficava guardado atrás do armário das meninas.
Carmela e Lilian o pegaram e fizeram uma caminha provisória entre suas camas.
- Vou fazer uma prece com fervor para Deus afastar Dinorá de nossa vida - comentou Lilian.
- Cuidado com o que pede.
- Por que esse cuidado?
- A vida pode fazer exactamente o que você quer.
- Eu adoraria ficar longe dela - disse Lilian.
- Podemos morar com você, Carmela?
- Eu adoraria, mas eu não sinto que vocês viveriam bem lá em casa.
- Por quê?
- Algo me diz que não.
A porta de casa sempre estará aberta para as duas.
Contudo, vocês têm uma madrasta.
Ela tem responsabilidade em relação a vocês.
- Ela não é nossa mãe.
E nem se casou com meu pai.
- Eu posso conversar com mamãe e papai.
Eles são pessoas excelentes.
Se precisarem, podem contar connosco.
- Obrigada, amiga.
- Não há de quê.
- Vamos rezar - disse Lilian.
As três fecharam os olhos e fizeram suas preces.
Carmela agradeceu pela noite alegre.
Clarinha agradeceu pela boneca.
Lilian pediu que, se Deus a estivesse escutando, que levasse Dinorá para longe de sua vida.
Em seguida, deitaram-se e dormiram.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jan 21, 2016 8:46 pm

CAPÍTULO 3

Os dias passaram rapidamente.
Dinorá aproveitou as férias escolares das meninas e a toda hora arrumava um serviço de casa para elas fazerem.
Ela queria casa, comida e roupa lavada.
Obrigava Clara a ir para o fogão e cozinhar, sem se importar se a menina pudesse ou não se machucar com panelas quentes e outras actividades caseiras perigosas para uma menina de cinco anos.
Mas para que continuar com uma lavadeira se tinha as meninas ali, a mão?
Aproveitava o dinheiro economizado e comprava mais cremes, pó-de-arroz, rouge e roupas para melhorar sua aparência já exuberante.
A aparência de Dinorá estava óptima, cada vez melhor.
Nem parecia estar perto dos trinta anos.
Cuidava do corpo, vestia-se com esmero e em pouco tempo que retornara àquela vida devassa de outrora, havia conseguido fazer boa carteira de clientes.
Além de conhecer a profissão havia anos, ela tinha gosto excessivo pelo sexo.
E esse gosto aliado à sua experiência e exuberância eram pontos fortes que atraíam os homens de todas as idades e camadas sociais.
As peripécias sexuais de Dinorá deixariam qualquer profissional experiente do sexo com as faces rubras.
Ela não tinha pudores.
O que o cliente pedia, ela atendia.
Dessa forma, mantinha uma carteira cativa.
Percebendo que Lilian e Clara faziam tudo o que ela pedia, veio-lhe uma ideia à mente.
Disse para si:
- Elas fazem bem o serviço de casa.
Temos um quintal grande e podemos lavar e corar bastante roupa no gramado.
Eu compro mais um ferro a carvão e poderei dessa forma oferecer esse serviço às pessoas.
Dinorá disse isso em alto e bom som.
Várias vezes.
O pensamento lhe agradou bastante.
Depois que Aureliano morreu, ela pensou em se separar das meninas.
Agora, via nelas uma pequena fonte de lucro, pelo menos momentânea.
Os meses se passaram e o serviço foi bem aceite pela redondeza, alcançou os ateliês de costura do centro da cidade e a clientela não parava de crescer.
As meninas não retornaram à escola.
Clara começaria o pré-primário e Lilian havia prestado admissão para ingressar no ginásio - actual ensino fundamental -, porém, foram proibidas de voltar a estudar e ficavam no serviço o dia todo.
Maria tentou argumentar, foi conversar com Dinorá e convencê-la de que as meninas precisavam estudar, de que elas mereciam educação.
A escola era pública e, se precisasse de novos livros ou novos uniformes, ela e Cornélio ajudariam nas despesas.
Dinorá ouviu tudo em silêncio, mas disse não.
Lilian e Clara não tinham tempo para mais nada, tampouco para as brincadeiras de rua.
Elas bem que tentaram, mas era-lhes impossível acompanhar as amiguinhas nas brincadeiras, como pular corda, queimada ou esconde-esconde.
Estavam sempre cansadas, com sono, desestimuladas.
Acordavam e iam dormir lavando, corando e passando roupas, numa estafante rotina que, semana após semana, sem um pingo de descanso, deixou Clara de cama.
- Está inventando essa gripe - protestou Dinorá enquanto se arrumava para sair.
- Não estou inventando nada.
- Olhe lá. - Dinorá aproximou-se e levou a mão à testa da menina.
É. A testa está quente.
- Eu juro. Estou com dor pelo corpo todo, febre.
Acho que estou com muito trabalho.
- Muito trabalho?
Conheço gente que faria o dobro do que vocês fazem por um prato de comida ou mesmo um teto.
Vocês têm casa, comida e - gargalhou - roupa lavada.
De monte!
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jan 21, 2016 8:46 pm

Clara ajeitou-se na cama.
As olheiras roxas e profundas deixavam seu rostinho mais abatido.
- Juro que logo vou me recuperar.
Não quero que Lilian faça todo o serviço sozinha.
- Não vou perder cliente por conta dessa gripe.
- Vou melhorar.
- Trate de se recuperar bem rápido.
- Você bem que podia ajudá-la.
- Eu?!
- Sim.
- Não tenho idade para o serviço pesado.
E, de mais a mais, não posso estragar minhas unhas.
- Não, mas você...
Dinorá a cortou:
- Tenho outro bazar beneficente na igreja - mentiu.
- Outro? Não pode ajudar a minha irmã só um pouquinho?
Amanhã vou estar melhor, prometo.
Uma voz se fez ouvir na porta do quarto.
- Eu vim para ajudá-las.
- Carmela!
Que bom que você veio.
A jovem fez um sinal com os olhos para o embrulho nas mãos.
- Mamãe mandou esta canja para você.
Carmela achegou-se da cama.
Tirou o pano que embalava o prato e o entregou à menina.
- Tome, pois a sopa vai ajudá-la em sua recuperação.
- Obrigada.
- Lilian precisa de ajuda.
Eu vou para o quintal.
Temos muita roupa para lavar.
- Fico feliz que possa nos ajudar Carmela - respondeu Dinorá.
Os clientes não querem saber se estamos doentes ou não.
Querem as roupas lavadas e passadas.
Dinorá falou e saiu.
- Hum, que sopa gostosa.
- Mamãe fez especialmente para você.
- Eu vou ficar boa?
Carmela pousou a mão sobre a testa de Clara.
- A febre ainda está alta.
Mas você vai ficar boa.
- Tenho medo de morrer.
- Quem disse que vai morrer?
- Não sei.
Sonhei com mamãe outro dia.
- Você se lembra dela, Clara?
- Não. Mas no sonho eu sabia que era minha mãe.
- Ela lhe disse algo no sonho?
Você se recorda?
Clara olhou para o teto.
Depois tomou uma colher de sopa.
- Ela me disse que tudo vai ficar bem.
- Então você vai ficar boa.
Sua mãe, em espírito, veio lhe dizer que tudo vai passar e que vai ter uma vida muito boa.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jan 21, 2016 8:46 pm

- Mesmo?
Será que vem me buscar?
Carmela sorriu.
Os dentes alvos e brancos iluminavam ainda mais seu rosto bonito.
- Sua mãe vive num outro mundo e tem mais facilidade em vir até o nosso.
Tenho certeza de que ela às vezes vem ao seu encontro, a fim de confortá-la, dar-lhe forças para seguir em frente.
Amor de mãe não muda, não importa em que mundo esteja.
- Fico feliz.
- Tome a canja e depois vamos tomar um banho morno.
Lá em casa tem chuveiro eléctrico.
Mamãe disse que você é nossa convidada.
- Estou cansada.
Queria tomar banho aqui mesmo.
- Está certo.
Eu vou para a cozinha esquentar a água.
- Obrigada, Carmela.
- Não tem de agradecer.
Eu gosto muito de você e de Lilian.
Os dias passaram rapidamente.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jan 21, 2016 8:46 pm

CAPÍTULO 4

Dinorá abriu a porta e sobre o tapetinho, na soleira de entrada, estava um envelope pardo, sem selo e sem remetente.
Ela abaixou-se e o pegou.
Ao abrir o envelope e ler a carta, seu rosto ficou pálido e ela teve de apoiar-se na maçaneta da porta para não cair.

"Querida Dinorá
Eu fico imensamente satisfeito em saber que continua viva e bem.
Não foi difícil arrumar seu novo endereço.
Só para constar, vale lembrar que você trabalhava para mim no cais do porto e me deve um bom dinheiro.
A última rameira que tentou me passar à perna foi encontrada morta, boiando nas águas da praia de Itararé.
Eu vou passar aí na semana que vem.
Isso quer dizer que você tem sete dias corridos para arrumar o dinheiro e saldar suas dívidas, ou então, já sabe...
Nunca mais vai ter clientes.
Eu vou desfigurar seu rosto com a minha navalha.
E depois, com muito carinho, vou apertar seu pescoço até o ar sumir, e jogar seu corpo no mar.
Até breve, Adolf


Dinorá engoliu as últimas palavras em seco.
- O desgraçado daquele alemão sujo me encontrou.
E agora? Não tenho como lhe pagar.
Nem que eu trabalhe até os cem anos de idade vou conseguir pagá-lo.
Preciso arrumar um jeito de sumir o mais rápido possível.
Dinorá falou e recompôs-se.
Guardou a carta na bolsa.
Imediatamente sua cabeça começou a gerar mil ideias de como se livrar do gringo.
Matá-lo ela não podia.
O seu passado não tinha sido um mar de rosas, mas não se considerava assassina.
E, ademais, ela tinha medo de se meter com a polícia.
Ela mordeu os lábios com tanta força que sentiu o gosto amargo de sangue.
- Depois penso melhor nisso.
Saiu de casa e estugou o passo.
Consultou o relógio e meneou a cabeça para os lados, irritada.
Estava atrasada para a "missa".
- Não gosto de me atrasar - falou para si.
Chegou à igreja e o padre estava no meio do culto.
Naquele horário não havia muitas pessoas no interior da capela.
Ela sentou-se num banco mais afastado e baixou o véu branco e rendado sobre o rosto.
Segurando o tercinho, abaixou a cabeça e fingiu que rezava.
Um homem aproximou-se e sentou-se próximo a ela.
Dinorá assentiu com a cabeça, fingindo timidez.
Ele disse num sussurro:
- Desculpe pelo atraso.
Cheguei muito tarde?
- Não. Eu também me atrasei.
- Ainda dá tempo para me atender?
- Pois é claro.
Você é o meu melhor cliente.
- Como fazemos?
- Você sai primeiro e eu sairei em seguida.
Encontramo-nos na sua casa.
O rapaz sorriu, fez uma mesura com a cabeça e saiu.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jan 21, 2016 8:46 pm

Algum tempo depois, antes de receber a hóstia, Dinorá levantou-se, fez o sinal da cruz, e saiu de mansinho.
Andou alguns quarteirões até alcançar o Vaticano.
Não, não se tratava da residência do Papa, chefe supremo da igreja católica, mas sim de um dos maiores cortiços da cidade.
Uma cidade dentro da cidade, como afirmavam muitos, daí o apelido.
Era um cortiço imenso, na Vila Saracura, nas proximidades da Bela Cintra.
Ela foi se esgueirando pelos corredores estreitos e malcheirosos.
Chegou ao meio de um pátio enorme, onde havia um grande número de mulheres que lavavam roupas, em vários tanques, uns grudados aos outros.
Elas a olharam com cara de poucos amigos.
Dinorá fez ar de mofa.
Ergueu o queixo e empinou o busto seguindo até a casinha em que o rapaz a esperava.
Dinorá usou o seu livre-arbítrio, ou seja, as escolhas conscientes que fazemos ao longo de nossa existência.
Ela escolheu manter-se nos velhos padrões de comportamento, o mesmo de muitas vidas anteriores.
Era mais fácil cair em tentação do que mudar.
Sabemos que mudar padrões de pensamentos antigos nos custa um bocado.
Somos obrigados a olhar para dentro de nós, checar nosso sistema de crenças, reavaliar o que é bom e o que não é.
É um trabalho difícil, mas imprescindível para o amadurecimento e crescimento de nosso espírito rumo à escala evolutiva da qual nenhum ser neste planeta poderá escapar.
Contudo, Dinorá não queria mudar, não fazia força para deixar esses condicionamentos que só atravancavam seu crescimento espiritual.
Não precisava tornar-se mulher casta e banir o sexo de sua vida.
Longe disso.
O facto é que ela não usava o sexo para lhe dar prazer, mas sim para seduzir, ganhar dinheiro, e, obviamente, deitava-se com pessoas que jamais se deitaria se fosse por conta de um sentimento mais nobre.
Quer dizer, de forma indirecta, castigava seu corpo físico pelo excesso, e machucava a sua alma por deitar-se com quem não sentia o mínimo de interesse.
Sua escolha era essa.
E não queria lembrar-se de Adolf e suas ameaças.
Mergulhou nas estripulias sexuais.
Passou a tarde com o cliente e, ao final, quando recebeu seu pagamento e conferia as notas de dinheiro, ouviu:
- Tem muito mais o que fazer hoje?
- Como assim?
- Sei lá, mais trabalho...
- Atender mais clientes?
Você me paga mais.
E paga bem.
Hoje não pego mais nenhum.
Ela aproximou-se e o beijou longamente nos lábios.
Você me deixa exaurida, Bartolomeu.
Quando eu me deito com você, não tenho forças para me deitar com mais ninguém.
Na verdade ela estava apreensiva.
Queria ir para casa e pensar numa maneira de arrumar algum dinheiro para Adolf.
Tinha uma semana corrida para fazer alguma coisa, oferecer uma contraproposta, argumentar...
Ele sorriu.
- Você é bem faceira.
Eu gosto do seu jeito, do seu tipo.
- Você também muito me agrada.
É um tipo bem interessante.
- De coração, eu gostaria que você fosse só minha.
Um brilho perpassou o olhar de Dinorá.
- Eu até gostaria, mas vai me oferecer o quê?
Este casebre caindo aos pedaços?
Neste cortiço horrível?
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jan 21, 2016 8:47 pm

- Não. Eu...
- E, mesmo assim, até quando vai ficar aqui?
Amanhã descobrem que você não é o dono e...
- Tem razão.
Esta casinha era de um amigo meu que morreu na Revolução.
Mas quero mudar.
- Como assim?
Bartolomeu achegou-se e a abraçou pelas costas.
Encostou seus lábios no ouvido dela.
- No momento não tenho muita coisa.
Tem um amigo meu no circo...
Dinorá abaixou e levantou a cabeça.
- Sei. Vai querer se apresentar no Largo do Paissandu?
Você e aquele bando de artistas circenses?
Acha que vai ser um Piolim?
- Não tenho esse dom de alegrar as pessoas.
- Bom, não estou entendendo...
- Um amigo meu que trabalha no circo me ofereceu um trabalho no Rio de Janeiro.
Loja de quinquilharia.
O irmão dele precisa voltar para o Nordeste morre de saudades da família e quer passar o negócio adiante.
Parece que é um bom trabalho, decente, pelo menos.
- Eu adoraria, mas...
- Mas o quê?
Quer continuar nessa vida?
- Não é isso, mas eu queria uma vida de luxo.
- Podemos ter tudo isso.
Com você ao meu lado, sinto forças para batalhar, crescer e vencer.
Eu gosto de você, Dinorá. De verdade.
Ela sensibilizou-se.
Bartolomeu gostava mesmo dela.
Era homem de bom coração.
Na casa dos trinta e poucos anos de idade, simpático, ar agradável, trabalhador e, acima de tudo, não a condenava.
Não se importava com o tipo de vida que Dinorá levava.
Ele gostava dela, do seu jeito.
Sem mais nem menos.
Dinorá pensou e pensou.
Mudar de ares, de cidade, outra vez, era excelente alternativa.
São Paulo estava muito triste e tentando se reconstruir depois de ser derrotada na Revolução.
As meninas faziam bom dinheiro com as roupas, mas isso era muito pouco para ela.
De repente, sua mente foi assaltada por brilhante ideia.
- Mas é claro!
Se eu for embora à surdina, largando as meninas e sem deixar rastro, ninguém vai me achar.
Adolf nunca mais vai me encontrar.
A proposta de Bartolomeu era tentadora.
Mas, e as meninas?
O que fazer com elas?
Como se livrar das duas assim, num estalar de dedos, em uma semana?
Dinorá precisava arrumar uma maneira inteligente de se livrar.
Mas deixá-las em casa sozinhas e partir?
- Não - respondeu para si.
Adolf é má pessoa, sem coração.
Ele é capaz de abusar das duas e ainda tentar matá-las.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jan 21, 2016 8:47 pm

Não lhes desejo a morte.
Contudo, preciso sumir e afastá-las, pelo menos por enquanto.
Bartolomeu perguntou:
- Por enquanto o quê?
Eu não prestei atenção no que disse.
- Não foi nada, querido.
Estava pensando alto.
- Vai aceitar a minha proposta?
- Sim. Claro!
- Podemos partir dentro de um mês.
- Um mês?
É um tempo relativamente longo.
Sou rápida e não levarei mais do que uma semana para ajeitar minhas coisas e partirmos.
- Tem certeza?
- Sim.
- É que vocês, mulheres, são complicadas, sempre querem mais tempo.
- Eu sou diferente. Se dependesse de mim, iríamos embora agora mesmo.
- Eu sabia que iria aceitar Dinorá - disse ele, contente.
Estou decidido construir uma vida nova e decente ao seu lado.
- Eu consigo estar pronta para mudarmos.
Uma semana?
- Uma semana.
- Está certo. Conte comigo.
- Mas tem uma condição.
- Qual é? - perguntou ela, receosa.
- Nada de homens.
- Como assim?
- A partir de agora você só se deitará comigo.
- Só com você. Desde que me sacie...
- E eu sou homem de negar fogo?
Dinorá riu alto.
- Você não é e nunca vai ser homem de negar fogo.
Abraçaram-se e recomeçaram as carícias.
Em seguida, estavam novamente na cama.
Dinorá sentiu que um enorme fardo era arrancado de suas costas.
A proposta de Bartolomeu caíra do céu.
Ela estava agradecida. Iria fazer força para mudar seu comportamento e tornar-se outra mulher.
Era difícil largar o vício da prostituição, mas Bartolomeu a saciava completamente.
Ele era homem viril e másculo, enchia-a de carinhos e afagos.
Queria começar nova vida ao lado dele.
Ainda bem que ele nem saiba das meninas, caso contrário, com tanta bondade no coração, seria capaz de levá-las todas para o Rio.
Mas começar uma vida nova com duas meninas que nem mesmo eram suas filhas?
Que nem tinham seu sangue?
Por que deveria cuidar delas?
Havia instituições para menores, asilos para meninas...
Dinorá pensou mais um pouco e logo se esqueceu dos problemas, deixando-se amar por aquele homem que tanto gostava dela.
Espíritos próximos do casal queriam aproveitar os fluidos que emanavam de seus corpos e lhes serviam de alimento.
Eram conhecidos como vampiros astrais, espíritos que vagueiam aqui na nossa dimensão e ficam à espreita de se alimentar do ectoplasma, ou seja, da energia vital de encarnados.
Um deles protestou.
- Antes a gente conseguia aproveitar.
- Antes...
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Jan 21, 2016 8:47 pm

- Por que não podemos nos aproximar?
- Porque o idiota está apaixonado por ela.
Ele gosta dela de verdade.
Isso cria uma protecção ao redor deles.
- O corpo dela está cheio de buracos.
- E daí?
- Não tem como nos aproximar mais?
- Quando ele não estiver com ela, poderemos sim.
Mas de que via adiantar?
Queremos as energias que seus corpos emanam quando estão se amando.
Ela, sozinha, tem pouco para nos oferecer.
- Depois do ato sexual não dá para aproveitar nada.
- Podemos tentar sugar alguma coisa pelos buracos que existem em seu corpo astral.
- Esses buracos em sua aura não vão nos saciar.
Essa dona aí carrega sentimentos os mais negativos possíveis.
Só quer saber de tirar vantagem dos outros.
- E com esse corpo cheio de buracos toda a energia vital dela vai-se esvaindo...
- Daí que não aproveitamos nada quando ela está só.
- Nem mesmo podemos nos alimentar da energia negativa?
- Podemos.
Mas dessa energia negativa temos aos montes.
Eu quero uma energia mais apetitosa, como essa que vem do sexo.
É mais pura e revigorante.
- Vamos fazer o que, então?
- Não vamos esmorece.
Há outras pessoas fazendo o mesmo que eles, sem um mínimo de sentimento, somente por puro prazer.
Vamos sugar a energia desses outros.
- Concordo. Vamos, porque desses dois aí não vai dar para gente chupar nada.
- Você me acompanha?
- Com todo o prazer!
Os dois desvaneceram no ar e foram atrás de alimento para seus espíritos enfraquecidos e perturbados.
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