LUZ ESPÍRITA
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SÓ DEUS SABE - Marco Aurélio / Marcelo Cezar

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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Mar 11, 2016 8:11 pm

SÓ DEUS SABE
MARCELO CEZAR
(ESPÍRITO MARCO AURÉLIO)

SINOPSE
Nossas escolhas tecem as tramas dos fios de nosso destino.
A inteligência da vida, contudo, transforma nossas decisões em fonte de auto-conhecimento.
Por que um acidente de carro ceifa duas jovens vidas?
O que ou quem toma a decisão de qual dos dois irmãos gémeos deve morrer?
E a identidade da moça morta, por que foi ocultada?
Se a vida é inteligente, o mistério é apenas reflexo da ignorância.
O destino tem suas leis.
Neste livro encontramos muitas respostas que nos ajudam a entender como a vida funciona.
Mas não queira adivinhar o futuro, pois tudo segue na Sabedoria Universal.
E diante de nossas limitações: Só Deus Sabe.

1966. O mundo passava por uma das mais profundas transformações sociais, políticas e culturais ocorridas no século XX.
As pessoas assistiam extasiadas, outras tantas estarrecidas, aos avanços tecnológicos, à evolução da guerra fria, ao surgimento da cultura pop e às mudanças radicais no comportamento dos jovens.
A rebeldia juvenil tomava proporções cada vez maiores, atingindo e se manifestando através de vários outros segmentos da sociedade.
Logo, o mundo inteiro seguia a juventude britânica, aderindo ao som dos Beatles e às ousadas mini-saias criadas por Mary Quant.
Os Estados Unidos, ao mesmo tempo em que investiam em tecnologia para enviar o homem à lua antes dos soviéticos, também enviavam seus jovens para a Guerra do Vietnã.
No início desse ano, já eram contabilizados mais de cento e oitenta mil soldados em combate.
Os americanos passavam também por graves problemas sociais.
Os negros, depois de anos sendo mantidos à margem da sociedade, lutavam pela igualdade de direitos, tendo Martin Luther King como líder desse movimento.
O Brasil também não escapou das transformações.
O golpe dado pelos militares havia quase dois anos, começava a mostrar as profundas feridas criadas na sociedade.
Considerado o país do futebol, nem mesmo a expectativa de se tomar tricampeão com a próxima Copa do Mundo na Inglaterra, como acontecera respectivamente em 1958 na Suécia e 1962 no Chile, era capaz de amenizar a dura vida de muitas das oitenta e quatro milhões de almas brasileiras sufocadas pela ditadura.
O Congresso fora fechado, direitos políticos foram cassados, os partidos políticos extintos.
A população começava a questionar o golpe.
Afinal de contas, para que ele servira?
Por quanto tempo duraria?
Voltaríamos a ser um país democrático?
Eram perguntas que circundavam as mentes de alguns sectores da sociedade, descontentes com o rumo que a nação tomava.
O país começava a se transformar numa bomba prestes a explodir.
Manifestações pela democracia pipocavam nas praças públicas quase que semanalmente.
Muitos estudantes, artistas, intelectuais e políticos clamavam pelo retorno dos civis ao poder.
Esse clima tenso e pesado diminuía um pouco com os recém-criados festivais de música popular, com a empolgação pelas novelas diárias e com a turma da Jovem Guarda.
Embora diante desse panorama tumultuado, nada era capaz de tirar Rogério de seu estado de euforia.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Mar 11, 2016 8:11 pm

Enquanto para muitos o ano fosse palco de lutas e manifestações, para ele seria um ano de conquistas e realizações.
Acabara de terminar a faculdade e antegozava o prazer da tão esperada festa de formatura.
Os pensamentos fervilhavam-lhe a mente, com as imagens dele e Leonor, a namorada, chegando à colação de grau, sendo cumprimentados por amigos e familiares.
- Imagine só, eu entrando no baile de formatura com Leonor, a mulher mais linda que eu já conheci - pensava.
Ele estava coberto de razão.
Leonor era uma moça encantadora, linda.
Alta, esguia, pele bem clara, cabelos castanhos, olhos verdes, lábios carnudos.
Fazia um belo par ao lado de Rogério, também muito atraente.
Alto, forte, pele bronzeada, olhos azuis e cabelos pretos bem lisos, que o gel teimava em manterem jogados para trás.
Namoravam havia dois anos e formavam um casal adorável.
O sonho maior do jovem, de formar-se em Administração de Empresas já estava concretizado.
Faltavam dois sonhos a serem realizados ainda no decorrer desse novo ano: diversificar os negócios de seu pai e casar-se com Leonor.
Rogério sempre fora um rapaz aplicado.
Mesmo fazendo parte de uma família economicamente estável, quis ser independente desde cedo, sentir-se útil, ter o próprio dinheiro.
Trabalhava no escritório central do pai, responsável pelo controle de uma rede de papelarias, desde os quinze anos.
O contacto desde cedo com o escritório lhe dera estímulo para estudar Contabilidade e, posteriormente, Administração.
Seu irmão gémeo, Ricardo, não se interessava muito pelos negócios.
Nunca se adaptara à rígida disciplina imposta pelas escolas da época e tampouco se interessara em trabalhar, fosse no escritório ou em alguma loja da rede do pai.
Embora fosse firme e decidido quanto à profissão que desejava seguir, perdia-se no campo afectivo. Ricardo sentia muita dificuldade em se relacionar com as meninas, o que o tornava um rapaz tímido e inseguro.
A toda e qualquer moça que se aproximava, ele se entregava de corpo e alma, fazendo todos os caprichos da amada.
Desnecessário dizer que tempos depois a garota se enjoava dos excessos de agrados, e ele era abandonado.
Frustrado em suas relações, extravasava seus sentimentos reprimidos através de monólogos, sempre diante de um espelho como testemunha e fiel espectador.
Ricardo adorava representar.
Desde garoto era flagrado em frente à penteadeira de Ester, sua mãe, fazendo poses e gesticulando.
A contragosto, André matriculara o filho numa escola de teatro.
Era uma preocupação diária que povoava a cabeça do pai:
- Puxa vida! O que vai ser do meu filho quando crescer, quando se tornar um homem?
Eu sei que tenho dinheiro para que ele viva bem, mas ser actor?
Isso não é carreira... - dizia sempre, orando para que o filho não seguisse essa profissão.
Ricardo não dava ouvido a tais comentários.
Compreendia que, desde a morte de sua mãe, naturalmente seu pai passara a se preocupar cada vez mais com ele e com seu irmão.
Ele tentava, debalde, mostrar ao pai que não tinha perfil para ser seu sucessor frente às papelarias.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Mar 11, 2016 8:11 pm

Demonstrava, através de um temperamento divertido, que controle de dinheiro, organização e sentar-se atrás de uma mesa cheia de papéis não eram o seu forte.
- Pelo menos há alguém na família que vai fazer essa rede de papelarias prosperarem.
Acho óptimo que Rogério goste de ficar enfiado horas a fio dentro do escritório - dizia sempre ao pai.
Os irmãos se davam muito bem e eram fisicamente idênticos, nos mínimos detalhes.
Somente os pais, depois de anos de contacto, conseguiam distinguir quem era quem, embora fosse nítido o devotamento maior por parte da mãe a Rogério.
Ricardo incentivava Rogério nos estudos, que retribuía incentivando o irmão a dedicar-se ao teatro, cinema e mais recentemente, à televisão.
Rogério ultimamente sentia uma felicidade indescritível.
Estava realizando seus sonhos, portanto era natural estar feliz, muito embora, lá no fundo de seu peito, sentisse que algo muito maior estava por acontecer.
Não conseguia decifrar, só sentia um bem-estar muito grande.
Começara o ano sentindo-se leve como uma pluma.
Logo ele, um rapaz que sempre fora muito dinâmico, dedicando-se aos estudos e às lojas do pai.
Numa dessas noites quentes de janeiro, ao deitar-se, Rogério sentiu-se muito cansado.
Após remexer-se de um lado para o outro, levantou-se da cama e abriu a janela.
Procurou inspirar o ar puro da leve brisa que, sorrateira, invadia seu quarto.
Sentiu um delicioso aroma de perfume, e em seguida todo o cansaço começou a desaparecer.
Espreguiçou-se, bocejou e deitou-se novamente.
Olhando para as estrelas através da janela de seu quarto, Rogério adormeceu.
Nesse momento, seu espírito separou-se de seu corpo físico.
Ele acordou, sentindo-se mais leve e disposto.
Ao olhar para os lados, viu sua mãe ao pé da cama.
- Mamãe! Quanto tempo! - exultou.
Ester, procurando conter as lágrimas que se misturavam, entre doces e amargas, afagou-lhe os cabelos com amor.
Com voz doce e melodiosa, tornou:
- Querido, não reclame.
Passamos o réveillon juntos, não se lembra?
O jovem, um tanto confuso, procurando fazer força para lembrar-se, retrucou:
- Vagamente...
Mas por que papai e Ricardo nunca estão connosco?
Por que só aparece para mim?
- Disse-lhe isso muitas vezes, meu amor.
Ainda não está no tempo certo de saber.
Em breve à vida espiritual ser-lhe-á descortinada.
Estou aqui para dar-lhe todo o meu amor e apoio, além de torcer para que você aceite os factos como são. Confie.
- Você me disse isso na outra vez.
Confie... - Ele coçou e meneou a cabeça, procurando entender o que a mãe lhe falava.
- Isso meu amor, confie.
Agora preciso ir.
- Mas já?
- Já, mas em breve teremos mais tempo.
Aguarde... E confie.
Ester levantou-se e beijou a testa do filho.
Em seguida, Rogério adormeceu e seu espírito permaneceu deitado um palmo acima de seu corpo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Mar 11, 2016 8:11 pm

Uma voz doce, porém firme, tirou Ester do pranto que teimava em dominá-la.
- Querida, agora deixe-o.
Ele não pode perceber o seu desespero.
Controle-se. Você encontra-se preparada para essa empreitada.
O plano maior confiou-lhe essa missão.
Não vá ceder. Estamos quase chegando ao fim.
Você precisa manter sua vibração em sintonia com nossos amigos da luz.
Ester, limpando as grossas lágrimas que desciam pelo rosto, procurou recompor-se.
- Você está certo, Octávio. Desculpe.
Quando chego perto de Rogério meu coração começa a trepidar...
Ela ruborizou-se.
Octávio considerou:
- Deixe-o trepidar.
O coração, quando trepida por amor, está em sintonia com a luz, vibrando de acordo com a alma.
Não se acanhe pelo que sente por Rogério.
Lembre-se que ele foi seu filho nessa última encarnação justamente para perceberem o verdadeiro amor que os une.
- A vida nunca erra.
Somente sendo mãe eu pude aprender a reformular a paixão doentia que arrastamos por muitas vidas.
- Exactamente.
O amor de mãe é incondicional, puro e verdadeiro.
Por viver em sintonia com esse amor, você foi capaz de reavaliar seus verdadeiros sentimentos por Rogério.
Só Deus sabe como manejar isso, Ester.
Agora vamos. Não podemos mais ficar aqui.
Passamos da hora.
- Está certo.
Ester passou delicadamente as mãos nos cabelos do filho.
Virou-se para Octávio e lhe deu as mãos.
Logo ambos volitaram e seus espíritos fundiram-se ao brilho magistral das estrelas, que davam um colorido prateado ao vasto universo.
A ideia da compra de um carro para Rogério, como presente de formatura, fora de seu irmão.
Ricardo procurava, sempre que possível, incentivar o pai.
Costumava dizer:
- Pai, ele se matou de estudar.
Ficava o dia inteiro trabalhando a seu lado e depois saía correndo para a faculdade.
Eu sei que ele gosta muito de estudar, e que está se formando naquilo que gosta que e sempre sonhou.
Bem que o senhor podia dar um carro para ele, não?
André, passando as mãos por entre os cabelos prateados, procurou argumentar:
- Eu estava juntando dinheiro para comprar um carro para cada um.
Embora estejamos bem de vida, não tenho condições de comprar dois carros de uma só vez.
Eu mal terminei de pagar o Simca.
- Sei disso.
Não estou resmungando, porém levo uma vida mais sossegada.
Não preciso e não dependo de carro.
Um veículo não está nos meus sonhos, por enquanto.
- Você não se importaria meu filho?
Não ficaria zangado caso eu comprasse primeiro um carro para o seu irmão?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Mar 11, 2016 8:12 pm

- Claro que não, pai.
Ele merece.
E caso precise de carro, eu pego o dele, ou o do senhor, ou ando com o Douglas, nosso motorista.
- Filho, você vale ouro! - tornou o pai emocionado.
Pena que não abraçou uma profissão de futuro certo.
Gostaria muito que você seguisse uma carreira sólida.
Infelizmente nem tudo na vida é como queremos que seja.
Mas você é um excelente rapaz. Adoro você.
- Eu também o adoro.
Quanto à carreira, não se preocupe.
Estou seguindo a minha intuição, a minha vontade.
Sou-lhe profundamente grato por me pagar o curso de teatro.
Saiba que não farei faculdade somente para agradá-lo.
- Estude Comunicação, então.
Estapeando levemente as costas do pai, Ricardo redarguiu:
- Pai, eu adoro o que faço.
O senhor ficaria contente de ver seu filho trabalhando em algo que não gostasse que não preenchesse sua alma de alegria e contentamento?
- Você não acha que isso é conversa fiada?
Como fica o amanhã?
E quando eu não estiver mais aqui?
Vai viver do quê, meu filho?
- Vou viver de rendas - concluiu o filho, com largo sorriso nos lábios.
Já temos um administrador na família, não preciso me preocupar.
E tem outra coisa, pai.
- Fala Ricardo, fala...
- Rogério está pensando em ficar noivo.
Um carro para ele e Leonor será mais útil do que para mim, que estou sem ninguém, concorda?
André percebeu o tom de malícia com que o filho lhe dirigira a palavra.
Passando as mãos pelas costas de Ricardo, respondeu bem-humorado:
- Está certo. Você sempre me dobra.
Mas acha mesmo que seu irmão vai ficar noivo de Leonor?
E se ela não quiser morar em São Paulo?
- Duvido. Leonor gosta muito da irmã.
- Aquela tal de Odete que anda sempre de mal com a vida?
- Não a conheço para tecer quaisquer comentários.
- Não falo por mal.
Seu irmão que me disse.
Ela vivia bem em Brasília com o marido.
Vai ver ficou deprimida quando ele foi transferido para São Paulo.
- Pode ser.
Em todo caso, tudo caminha a favor de Rogério.
Ele é muito convincente.
Se quiser, pode fazer Leonor mudar-se com ele até para o Amazonas.
Ele tem muita lábia.
- Espero que seu irmão se acerte com Leonor.
Sempre gostei muito dela, é excelente moça.
Caso decidam morar no Rio, pelo menos eu e você vamos nos divertir com aquelas beldades na praia, certo?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Mar 11, 2016 8:12 pm

Ricardo se divertia com o jeito do pai.
Mas sentia um leve aperto no peito quando tocava no nome de Leonor.
Percebera desde o início o quanto invejava o irmão.
Em sua mente havia inclusive aventado a possibilidade de se passar por Rogério para chegar mais perto, sentir o aroma suave que seu perfume vaiava.
Afastava-se sempre quando ela estava por perto.
Não podia trair o irmão.
Procurando disfarçar o que ia a seu peito, perguntou bem-humorado ao pai:
- Já pensou no carro?
- Cheguei a pensar num Simca igual ao nosso.
- Pensou em algum outro modelo?
- Talvez um Aero-Willys.
- É gozação?
Pai, você está comprando um carro para o seu filho.
Esses modelos são lindos, excelente mecânica, mas muito conservadores.
- E qual carro você acha que deveríamos comprar para seu irmão?
Passando os dedos pelo delicado furinho no queixo que deixava-o mais bonito, Ricardo considerou:
- Um Fusca. Um carro super bacana.
É uma brasa, mora?
- Está certo.
Mas pare de falar comigo usando essas palavras esquisitas.
Você já é um homem, não um adolescente.
Por acaso aderiu à Jovem Guarda?
- Não. Mas outro domingo, quando estava passando pela Consolação, foi impressionante ver a quantidade de jovens que faziam fila para entrar no teatro e assistir ao programa.
Pelo menos agora a garotada tem o rock nacional.
E lembre-se que não há limite de idade para se apreciar qualquer género musical.
- Você está certo.
Fale como quiser, ouça a música que quiser.
Estou muito feliz.
Você tirou o fardo que eu carregava nas costas.
Estou aliviado por compreender-me.
Assim que os negócios melhorarem, dar-lhe-ei um carro.
- Não pense nisso agora.
Já disse que me viro.
Agora vamos até a loja.
Estou louco para escolher a cor.
Saíram de casa felizes e radiantes, em busca do presente de Rogério.
Ricardo era um rapaz educado e inteligente, não seguia os ditames sociais.
Por mais avassaladoras e desastrosas que fossem suas relações afectivas, ele era equilibrado.
A única mulher que lhe despertara o interesse fora Leonor.
Ele a vira primeiro, mas Rogério fora mais rápido.
Quando tomara coragem para falar com a moça, ela já se encontrava nos braços do irmão.
Resignara-se e procurara esquecer.
Rogério não se envolvia afectivamente com as mulheres.
Desde adolescente namorava uma garota atrás da outra.
Estava sempre atrás do prazer.
Nunca acreditara numa relação estável, até o dia em que conhecera Leonor.
Nesse verão Rogério sentia-se leve, feliz, pressentia que algo muito bom estava por acontecer.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Mar 11, 2016 8:12 pm

Será que se casaria em breve?
Chegara a pensar nessa possibilidade, afinal de contas Leonor era excelente companheira.
Gostava muito dela, mas não sabia ao certo se era amor.
Será que logo assumiria a direcção das lojas do pai?
Indagava-se para tentar descobrir o porquê de sentir-se excitado e feliz, porém leve e despreocupado.
Radiante com o presente de formatura, Rogério subia e descia a Rua Augusta, na capital paulista, com os amigos madrugada adentro.
Sentia-se um adolescente.
Agora que tinha as noites livres, frequentava lugares interessantes e na moda, como a badalada boate Cave.
Leonor, por sua vez, prestara vestibular para o curso de Psicologia no Rio e em São Paulo.
Conseguira passar nas duas cidades.
Estava feliz ao lado de Rogério.
Por essa razão, optara por fazer o curso em São Paulo, estando mais perto dele e de sua irmã Odete.
Sentia-se triste por deixar Carmem, sua mãe, sozinha morando no Rio.
Tentava a todo custo convencê-la a morar em São Paulo, mas Carmem não queria sair do Rio.
Sempre dizia:
- Eu não sou uma inválida.
Trabalho e sou dona da minha vida. Sou funcionária pública.
Tenho emprego fixo e garantido.
Graças a Deus, seu pai nos deixou esta bela casa.
Não preciso de ninguém.
- Vai ficar aqui sozinha?
A sua filha, o seu genro e os seus netos estão em São Paulo.
Agora sou eu quem está se mudando para lá.
Peça transferência na prefeitura.
- Não é tão fácil assim, filha.
Está tudo muito conturbado neste país.
Eu prefiro ficar quieta no meu canto, levando a minha vida.
Tenho minhas amigas, minhas novelas.
Você vem passar os feriados comigo, o que acha?
- Você é osso duro de roer!
Percebendo a firmeza na decisão da mãe, Leonor deu novo rumo à conversa:
- Rogério está chegando amanhã.
Vamos passar o fim-de-semana com a senhora e depois partimos para São Paulo.
As aulas vão começar logo e a faculdade precisa de uma série de documentos.
Há também o baile de formatura semana que vem.
Quem sabe Rogério não a convença?
- Pode vir o Rogério, a sua irmã, ou o papa.
Estou convicta do que quero.
Sempre gostei de me virar.
E vou continuar assim até morrer.
- Como eu e Odete podemos ser tão diferentes da senhora?
Odete é tão insegura que às vezes chego a pensar que ela não seja sua filha.
- Engano seu.
Sempre fui apegada a vocês duas, dependente de seu pai, e muito, mas muito insegura.
Daí a vida tirou o seu pai de mim.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Mar 11, 2016 8:12 pm

Tive de me virar.
Não tínhamos parentes ricos.
Só ficamos com esta casa, mais nada.
Batalhei muito. Valeu o esforço.
Como poderia ficar apegada às minhas filhas se eu tinha que pensar numa maneira de sustentá-las?
Hoje estamos bem.
Trabalho, ganho o meu dinheiro.
Não preciso me preocupar em pagar seus estudos, pois você ingressou numa universidade pública.
O que mais posso querer?
- Um marido!
Não seria óptimo a senhora se casar de novo?
- Não me faz falta nenhuma, tanto que nem penso nisso por ora.
Estou viúva a tanto tempo que já me acostumei a viver sozinha.
- Mas quem sabe, não é?
Um bom partido sempre é bem-vindo!
E a senhora ainda não é de se jogar fora.
- Sei disso. Quem sabe, um dia apareça um que arrebate o meu coração?
Carmem possuía atitudes firmes e temperamento forte.
Casara-se com Octávio mal havia completado dezasseis anos, pouco depois de perder os pais num acidente de trem.
Não tinha irmãos e perdera o contacto com seus familiares, que moravam na região Centro-oeste.
Era uma linda garota.
Olhos verdes penetrantes, estatura mignon, cabelos castanhos que contrastavam com sua tez morena.
Logo no primeiro ano de casamento nascera Odete.
Dez anos depois, Carmem engravidara novamente.
Durante a gestação, Octávio morrera de ataque cardíaco.
Fora um grande baque.
Por pouco ela não perdera Leonor.
Com duas filhas para sustentar e sem nunca ter trabalhado, matriculara-se às pressas num supletivo.
A duras penas, formara-se e prestara concurso para trabalhar na prefeitura.
Desde então fizera tudo o que estava ao seu alcance para criar suas duas meninas.
Aos dezoito anos, Odete casara-se com Tadeu e logo engravidara.
Assim, Carmem seguia sua vida junto a Leonor.
Davam-se muito bem. Eram muito amigas.
Continuavam, mãe e filha, a conversar animadas, quando foram surpreendidas pelo som de uma buzina estridente.
Como não a reconheceram, Carmem perguntou:
- Quem será à uma hora dessas?
- Deve ser o Rogério, mãe!
Tenho certeza que é ele.
- Mas ele não vinha só amanhã?
- Não sei, mas algo me diz que é ele. Vamos ver.
Foram até a porta de entrada.
Ao abrir a porta Leonor gritou, animada:
- Ele veio no carro novo.
Nossa, Rogério, que carro lindo!
- O carro pode ser lindo, mas o som da buzina é horroroso - retrucou Carmem, bem-humorada.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Mar 11, 2016 8:13 pm

- Desculpem, meninas.
Não esperava chegar a esta hora.
É que está chovendo muito, senão chegaria muito mais cedo.
Parece que o Rio vai sumir em meio a tanta água.
- Entre logo, meu filho - disse Carmem.
A chuva está muito forte.
Rogério entrou correndo pela varanda da casa.
Abraçou e beijou Leonor.
Após beijar Carmem, considerou:
- Estou morrendo de fome.
Por acaso tem alguma coisa que restou do seu jantar?
- Claro que sim.
Fiquem aí na sala conversando e namorando um pouquinho, enquanto eu vou esquentar sua comida.
Volto num instante.
- Puxa, Leonor, sua mãe é maravilhosa.
Pena que eu não tenha mais uma mãe - lamentou.
- Não fale assim, querido.
Você ainda teve a sorte de conhecer e conviver um pouco com sua mãe.
E eu que nem cheguei a conhecer meu pai?
- De certa forma não fez falta alguma.
Sua mãe tem cumprido os dois papéis muito bem.
Carmem, ouvindo a conversa, deu meia-volta:
- Meu filho, esta é a única cobrança que sinto por parte de Leonor.
Ela sempre reclamou por não ter tido um pai.
Se a vida a privou de um é porque havia motivos.
- A senhora fala assim porque nunca foi órfã de pai.
Perdeu o seu quando tinha quinze anos, mas pelo menos conviveu um pouco com ele.
Eu acredito em Deus, mas nunca aceitei o facto de não ter um pai.
Nas minhas orações sempre peço isso.
- Isso o quê? - perguntou Rogério, com expressão interrogativa no semblante.
- Peço para Deus me dar um pai.
Sonho com um casamento para minha mãe.
Minhas preces serão ouvidas, acredite.
- Não ligue para ela, Rogério - tornou Carmem, meneando negativamente a cabeça.
Se ela pensa que vou caçar um marido para satisfazer os seus caprichos, vai morrer órfã.
- Assim é que se fala, dona Carmem.
Deixe que vou demovê-la dessa ideia.
- Tenho certeza disso, meu filho - respondeu Carmem, sorridente.
Dando o assunto por encerrado, a jovem senhora beijou a testa do casal e voltou para a cozinha.
Meia hora depois, o casal foi chamado para comer.
Levantaram-se e foi com gosto que Rogério saboreou a refeição.
Leonor, vendo o semblante do namorado contorcido de prazer, também não resistiu e fez seu prato.
Ao terminarem, Carmem perguntou, ansiosa:
- Quando vão embora?
Rogério apressou-se em responder:
- Amanhã à noite, porquanto quero chegar o mais rápido possível em São Paulo.
Leonor precisa dar entrada com os papéis na universidade.
Odete vai querer grudar na irmã por um bom tempo.
Por isso quero ir rápido para ficarmos a sós um pouco.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Mar 11, 2016 8:13 pm

- Não fale assim de minha irmã.
Grudar em mim?
Ela não tem ninguém para conversar.
Só a mim. Se o marido lhe desse mais atenção...
- Não diga isso, Leonor - redarguiu Carmem.
Sabemos que Tadeu tem feito tudo para manter o casamento.
Sua irmã vestiu o papel de esposa.
Tadeu não queria uma esposa, mas uma companheira.
- A senhora defende o seu genro, dona Carmem?
- Não é questão de defendê-lo.
Sabe, meu filho, Odete sempre demonstrou ser dependente e insegura.
Desde garota. Quando meu marido morreu, ela entrou em paranóia.
Achava que não iríamos conseguir sobreviver sem ele.
Sempre foi muito medrosa.
E não acho que ela estivesse pronta para se casar, embora percebesse em seus olhos o amor que sentia por Tadeu.
- Mãe! - gritou Leonor.
Como pode falar uma coisa dessas na frente de Rogério?
- Não me importo em falar a verdade, minha filha - e virando-se para Rogério:
- Bem, meu filho, o casamento de Odete para mim sempre foi fadado ao fracasso, mesmo Tadeu sendo louco por ela.
Odete não expressa o seu amor, não faz nada por si.
Sempre precisou ter alguém que lhe desse o comando.
Por isso é infeliz.
E do jeito que as coisas andam, acho que Tadeu vai pedir o desquite.
Leonor empalideceu.
Não imaginava que a relação de sua irmã com o marido estivesse tão ruim.
- É verdade, mãe? E aí?
O canalha larga dela, deixa os filhos...
E o que Odete vai fazer?
Sempre foi uma mãe e esposa dedicada.
Não tem profissão nenhuma.
Parou de estudar para casar-se.
- Não sei, Leonor.
Sua irmã fez uma escolha.
Ninguém a obrigou a casar-se.
Tadeu também não foi machista a ponto de não permitir que ela trabalhasse.
Ela quis ser dona de casa e mãe, por livre e espontânea vontade.
Caso ocorra o fim do casamento, ela terá de fazer o que eu sempre fiz desde que seu pai morreu: se virar.
- Mas o seu caso é diferente, dona Carmem - disse Rogério.
O marido morreu, mas o marido de Odete está vivo.
- E o que importa estar morto ou vivo?
De que adianta um casamento de aparências, onde não há trocas, onde só há dependência e falta de sintonia?
Qual o problema de se separarem?
Tadeu não merece ter uma mulher apagada e infeliz a seu lado.
- Acha que eles não se amam, mãe?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Mar 11, 2016 8:13 pm

- Tadeu sempre amou e sempre vai amar sua irmã.
Odete é que não consegue perceber isso.
Dedica-se demais a suas lamentações e esquece de seu marido.
Tudo tem um meio-termo.
Ela abusa demais da paciência de Tadeu.
- Nossa! Agradeço a Deus por ser sua filha e amiga, mãe - e virando-se para Rogério:
- Você já viu uma cena como esta, meu bem?
Uma mãe que, em vez de defender a filha, defende o genro?
- Acho que sua mãe está certa.
Eu mal conheço Odete e Tadeu.
Tivemos pouco contacto.
Mas agora, ouvindo sua mãe falar, percebo que ela está coberta de razão.
Sua irmã nem parece esposa do Tadeu, mas sim a mãe dele.
Aliás, sua mãe está com a aparência muito melhor do que a dela.
- Você acha, meu filho?
Estou tão bem assim?
Leonor, esse é o homem certo para você.
Ele é muito sincero.
Riram muito. Continuaram a conversa por horas a fio.
Não se deram conta do horário.
Após tomarem um delicioso licor, Carmem pacientemente ajeitou o quarto que antes era de Odete para Rogério.
Despediram-se e foram desfrutar o silêncio que a alta madrugada lhes ofertava.
Carmem demorou a conciliar o sono.
Mal cochilou, começou o pesadelo.
Gritos, pedidos de socorro, pânico e desespero.
As cenas embaralhavam-se em sua mente.
Imagens se sobrepunham.
Nas cenas, a imagem de seu marido falando-lhe com firmeza, porém tranquilo:
- Estarei a seu lado.
Não se preocupe.
Carmem sentiu ser tão real que acordou assustada, suando bastante.
- Meu Deus, o que será isto?
Um sinal?! Que sonho mais confuso!
Por que venho sonhando a mesma coisa há dias?
Que esquisito...
Levantou-se, perdera o sono.
Sentiu sede e foi para a cozinha.
Bebeu um pouco de água e ficou sentada numa cadeira, apoiando os cotovelos na mesa.
- Uma semana sonhando a mesma coisa!
O que Octávio quer me dizer com estarei a seu lado?
Será que alguma coisa ruim vai acontecer comigo?
Tenho só quarenta e quatro anos!
Será que está chegando a minha hora?
Será que vou partir?
Carmem sentiu uma grande dor no peito.
Não era uma dor física, mas um aperto emocional, uma sensação de perda.
Friccionou o peito, como a arrancar essa sensação.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Mar 11, 2016 8:13 pm

Foi até a estante na sala e começou a vasculhar os livros, enfileirados e organizados.
Curvou sua cabeça para ler os títulos, que se encontravam na vertical.
Falava para si mesma:
- Onde está aquele livro que Marta me emprestou?
Continuou procurando. Achou.
- Ah, é este livro aqui.
Hum, O poder do pensamento positivo, de Norman Vincent Peale.
Já ouvi bons comentários a respeito.
Pegou o livro, sentou-se em sua poltrona preferida, ao lado de um grande abajur.
Com as lâmpadas voltadas para a cabeceira e o centro da poltrona, sentiu-se à vontade para iniciar a leitura.
Carmem não era religiosa.
Não gostava de ser escrava de alguma doutrina ou religião que fosse.
Era católica apenas pelas convenções sociais.
Raramente ia à igreja.
Quando seu marido falecera, não conseguira encontrar respostas do porquê de sua partida.
Após sentar-se na poltrona e antes de ler o livro, lembrou-se da época em que fora buscar conforto com um padre.
- Não sei o que fazer!
Eu não tenho parentes, meu marido morreu.
Tenho uma filha de dez anos e outra recém-nascida para criar.
Por que Deus me tirou Octávio?
- Foi vontade Dele.
Agora seu marido descansa no mundo dos justos.
- Descansa?!
Octávio era um homem dinâmico, trabalhador muito activo.
Era moço, não gostava do ócio.
Acha que iria querer descansar?
Ele sempre gostou de trabalhar.
Se for assim, por que então Deus não mata os maridos vagabundos, bêbados e encrenqueiros, ou aqueles que batem nas esposas?
Por que Deus tem que levar o bom marido, companheiro, atencioso, carinhoso como o meu...
- Porque o seu marido era bom.
E Deus quer pessoas boas a seu lado.
- Desculpe-me, padre.
Mas não somos todos filhos de Deus?
- Claro.
- E por que Ele não leva os filhos imprestáveis?
Não seria melhor bani-los do mundo?
Já que Ele é o Pai, que leve os filhos para o lado Dele e lhes dê uma lição.
- Você não está entendendo.
Todos somos filhos de Deus, mas alguns preferem seguir outro caminho.
Esses nunca mais serão chamados por Ele.
- Eu vim procurar conforto, e veja só o que encontrei:
bagunça na minha cabeça.
Da maneira como fala, me parece que Deus é parcial, levando somente aqueles que Lhe são caros.
Isso não é justo.
E deixar uma mulher sem marido também não é leal.
Desculpe, mas estou com muita raiva, não entendo esse jogo de Deus.
Até mais...
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Mar 11, 2016 8:13 pm

Carmem voltou ao presente.
A conversa com o padre na época da morte de Octávio fora um ponto decisivo para não seguir mais nenhuma religião.
Em seu íntimo, acreditava que a vida continuava depois da morte.
Mas não gostava de se meter nesses assuntos.
Tinha medo, e o preconceito sobre o tema era muito forte.
Novamente seus pensamentos começaram a fervilhar.
Pensou em sua vizinha, que tinha como melhor amiga.
Marta era uma mulher liberada para a época, que passara alguns anos morando com parentes em Washington, nos Estados Unidos.
Tempos atrás, participara de uma manifestação contra a guerra no Vietnã.
Desiludira-se com o governo americano, mas encantara-se com alguns membros de um grupo pacifista dos quais se tornara amiga íntima.
Esse grupo mostrou-lhe algumas obras sobre o poder do pensamento e outras obras ligadas à espiritualidade, pois naquela época começaram a pipocar grupos pacifistas nos Estados Unidos, principalmente em São Francisco.
Marta ficara encantada com a possibilidade de poder se expressar livremente no mundo, sem estar ligada a qualquer tipo de convenção.
Mesmo beirando os trinta anos, sentia-se jovem.
Não considerava idade factor limitante, pelo contrário.
A liberdade de poder ser e de fazer o que o coração clamava, e não o que a sociedade mandava, alegrava sua alma.
Assim que retornara ao Brasil, procurara encontrar livros que retractassem de maneira livre as leis da vida.
Marta instalara-se em pequeno, porém gracioso sobrado em frente à casa de Carmem, no bairro de Ipanema.
Por ser diferente da maioria das mulheres de seu tempo, encontrara em Carmem uma grande amiga. Carmem, também descontente com os ditames da sociedade, encantara-se com a maneira descontraída de Marta, suas histórias e seu modo novo e interessante de pensar.
A princípio, acatara com facilidade os ensinamentos relativos ao pensamento positivo.
Quando o assunto chegava próximo às questões espirituais, ela vetava o assunto, com veemência.
- Não adianta Marta.
Não me venha com delongas.
Pensamento positivo faz sentido, mas espiritualidade, não.
Já chega o que passei sendo educada em colégio de freiras e sendo obrigada a frequentar a igreja aos domingos.
Com paciência e ternura na voz, Marta insistia:
- O que lhe ofereço são outras coisas.
Nada ligado a dogmas ou igrejas.
Pelo menos, você podia me ouvir.
Veja, para se ligar em Deus, ou estar conectada aos espíritos de luz, não há necessidade de se converter em alguma religião.
Basta aceitar e observar que essa realidade existe, que estamos cercados por espíritos.
- Por enquanto fico com este livro aqui que você está me emprestando.
Só de você falar em espíritos eu fico toda arrepiada.
Já não chega sonhar com meu marido falecido?
Não me sinto preparada para aceitar essa realidade agora.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Mar 11, 2016 8:14 pm

- Está bem, você é quem manda.
Muito embora algo me diga que você logo interessar-se-á pelo assunto - disse Marta, olhando para um ponto indefinido da sala e com voz suave, porém firme.
- Por que me diz isso?! - rebateu Carmem, assustada.
- Disse o quê?
Eu não disse nada de mais.
Carmem abriu os olhos, suspirou profundamente.
Voltou a colocar atenção no livro e começou a folheá-lo. Leu alguns trechos.
Foi se acalmando lentamente, mas o aperto em seu peito continuava forte.
Mais algumas páginas e, vencida pelo sono, adormeceu na poltrona.
Assustada pelo barulho dos trovões e relâmpagos, Carmem acordou.
Sonolenta, procurou pelo relógio. Oito da manhã.
Falou em voz alta, ainda que bocejando:
- Nossa, acabei dormindo na poltrona.
Levantou-se, sentiu o corpo dolorido pela posição em que dormira.
Procurou se espreguiçar.
Pegou o livro, que havia caído de seu colo e o pôs na estante.
Ouviu passos no corredor.
- Bom dia.
- Ainda é cedo, Rogério.
Por que não volta para a cama?
- Bem que eu queria.
Dormi bem, graças ao silêncio da noite.
Mas há pouco acordei incomodado com o barulho das trovoadas.
- Estão fortes mesmo.
Fique aqui na sala, vou fazer um bom café para nós.
Depois acordaremos Leonor.
Antes, vou me banhar.
Tive poucas horas de sono e preciso me refazer. Com licença.
Carmem foi para o banheiro.
Rogério ligou a televisão e recostou-se no sofá.
- Venha ver, dona Carmem.
Olhe que calamidade.
A emissora está mostrando tudo.
Carmem voltou para a sala.
- Meu Deus, Rogério! Que horror!
Realmente, o estado da Guanabara estava um caos.
Centenas de barracos deslizaram pelos morros feito casas de papelão.
Muitas ruas se transformaram em rios, tamanha a quantidade de água que não parava de cair.
Milhares de desabrigados.
- A emissora está fazendo colecta de mantimentos e cobertores.
Há muita gente desabrigada.
A senhora tem alguma coisa para ofertar?
- Tenho sim.
Há ainda algumas roupas do Octávio que estão no guarda-roupa.
Acho que vou juntar tudo e poderemos enviar.
Agora eu vou me banhar e fazer um bom café.
Pegue o endereço aí na televisão.
Depois do almoço poderemos levar algumas coisas.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Mar 11, 2016 8:14 pm

- E eu passarei num mercado qualquer e comprarei alimentos de primeira necessidade.
Carmem voltou para o banheiro.
Não lhe agradava ver aquelas cenas tão assustadoras e trágicas.
Rogério continuou assistindo ao noticiário.
- Bom dia, meu bem!
Já está acordado?
- Eu que pergunto, Leonor.
Você, tão dorminhoca, já está de pé?
- Não aguento mais ouvir tanta trovoada.
Esparramando-se no sofá e recostando a cabeça suavemente no peito de Rogério, Leonor perguntou, olhos fixos na televisão:
- O que é isso?
- É o estrago que as enchentes estão causando aqui no Rio.
- Puxa, eles estão fazendo campanha de arrecadação de mantimentos e roupas.
Eu não podia sequer imaginar que a cidade estivesse sendo tão castigada pelas chuvas.
Carmem veio até a sala.
- Bom dia, minha filha.
Também está assustada com as cenas das enchentes?
- Estou, mamãe.
- Eu estava com Rogério agora a pouco na sala e resolvi que vou ajudar, levando as roupas de seu pai que ainda tenho no guarda-roupa.
- Vou fazer uma compra de géneros alimentícios de primeira necessidade - tornou Rogério.
- Óptimo. Também quero ajudar.
Depois do café vou fazer uma limpeza no meu armário.
Tenho um monte de roupas que não uso há muito tempo.
A senhora também podia fazer o mesmo.
Veja o que não usa há bastante tempo e doe também.
- Pronto! - rebateu animadamente Rogério.
Agora arrumamos serviço.
Enquanto vocês ficam arrumando os armários e separando as roupas, eu vou ao mercado aqui perto fazer as compras, o que acham?
- Está chovendo muito, Rogério - disse Carmem.
Espere baixar um pouco a água.
- Qual o problema, dona Carmem?
O mercado fica aqui perto, não se preocupe.
Mas, por favor, vamos tomar café?
Estou morrendo de vontade de comer os seus bolinhos.
Desligaram a televisão e seguiram animados até a cozinha.
Após o café, Carmem e Leonor foram vasculhar os armários.
Rogério saiu à compra de mantimentos para as vítimas da enchente.
- Mãe sabe que tem muita roupa aqui que eu não vou usar mais, mandei tanta roupa lá para a casa da Odete e ainda tem mais.
Não sei por que, mas estou com vontade de doar tudo.
- Vá com calma.
Não adianta você agora querer vestir todos os desabrigados.
- Não é isso.
Sinto que não preciso disso tudo.
Além do mais, Odete prometeu-me comprar roupas novas.
Disse que é presente de Tadeu.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Mar 12, 2016 9:01 pm

- Está vendo? E você implica com seu cunhado.
Ele é um amor de pessoa.
- Às vezes eu sinto que a senhora é muito dura com Odete.
Mas algo lá no fundo me diz que fala a verdade.
Não gosto de dar o braço a torcer, mas realmente Tadeu é um excelente marido.
- Marido, companheiro, amigo e amante - completou a mãe.
Odete me diz que ele é perfeito em tudo.
Mas ela se perde naquela casa, implicando com as crianças, e também não se cuida mais.
- Concordo. Sabe, o que Rogério falou na cozinha é verdade.
A senhora parece filha dela. Odete está um caco.
Engordou tanto! E os cabelos, então?
Aqueles cabelos cacheados, longos, viraram um monte de tufos desalinhados.
Ela está acabada.
- Corre sério risco de perder o marido.
A vida está sendo muito generosa com sua irmã, porquanto Tadeu continua lindíssimo, como sempre foi.
E está apaixonado por ela, ainda.
Mas saiba que o amor precisa de combustível.
Um homem apaixonado precisa de uma mulher também apaixonada, que se cuide e que tenha uma boa conversa, que seja companheira.
Não vejo isso em Odete.
Acho que ela vai perder o marido, caso não mude a postura.
- Não diga isso, mamãe!
Pode deixar que assim que eu me instalar em São Paulo, vou ajudá-la.
Dar-lhe-ei uns conselhos.
A meu ver, essa minha ida para São Paulo vai mudar as nossas vidas.
- Tenho certeza. Você tem a cabeça aberta, tem opinião.
Odete se parece comigo na época em que me casei.
Precisei levar uma bofetada para acordar.
- A senhora acha que a morte de pa... Papai...
Leonor pigarreou.
Emocionada, com os olhos marejados, tornou:
- Desculpe, mãe, ainda é difícil para mim.
Nasci e cresci sem a presença dele.
Carmem passou delicadamente as mãos sob os olhos da filha, procurando secar suas lágrimas.
- Imagino que isso não tenha sido fácil para você - tornou, também emocionada a mãe, tentando penetrar no íntimo de sua filha para perscrutar-lhe a dor.
Ficaram quietas por alguns segundos.
Não perceberam que foram envolvidas por deliciosa e suave brisa.
Um bem-estar invadiu o quarto.
Sentindo-se aliviada de súbito, Carmem continuou:
- Seu pai estava radiante com a gravidez, fez planos para você.
Pelo menos ele a amou enquanto você estava aqui dentro - falava, fazendo sinal com a mão apontando para a barriga.
- Que intuição, a de papai.
Quanto mais você fala, mais gostaria de conhecê-lo, ou de ter um.
Por que você não se casa de novo, mãe?
- Ora, filha, continue separando as roupas. Que conversa!
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Mar 12, 2016 9:01 pm

Meneando negativamente a cabeça, Carmem considerou:
- Você arrumou um bom partido, talvez seja hora de largar essa fixação de ter um pai.
Não me obrigue a fazer coisas das quais não gosto.
Nos damos bem porque nos respeitamos.
Não quero que esse respeito entre nós seja quebrado por um capricho seu.
Leonor, envolvida ainda pela brisa suave que pairava no quarto, tornou, amável:
- Peço desculpas.
Você sempre foi fantástica, mãe e pai ao mesmo tempo.
Devo tudo o que sou a você, inclusive o ingresso na universidade.
Sem o seu suporte, amor e carinho, tudo seria mais difícil.
Carmem nada falou.
Apenas deixou que lágrimas de gratidão escorressem pelo seu rosto.
- Mãe, eu fico aqui reclamando a falta de um pai, enquanto você me deu tudo.
Agora fico pensando, deve ter sido duro para você também.
Leonor, limpando as lágrimas e esboçando um leve sorriso, continuou:
- Caso seu pai não morresse, eu não teria virado a mulher que sou hoje.
Com a morte dele tive de despertar e me virar na vida, entende?
- Mas não poderia haver um jeito mais fácil da senhora acordar?
Precisava Deus matar papai?
- Não meta Deus nisso, Leonor.
Eu tenho o meu jeito de enxergar as coisas.
Se o seu pai continuasse vivo, eu continuaria sendo a pacata esposa de sempre.
Não teria estímulo para mudar, e nem consciência.
Eu acho que a vida, como é sábia, tirou-o de perto para que eu voltasse a me valorizar, a descobrir a força que há em mim.
E graças a Deus hoje eu sei que tenho muita força.
- Concordo. Você anda muito filosófica ultimamente.
De onde vem tirando esses novos conceitos?
Marta está enchendo a sua cabeça?
Daqui a pouco a senhora vai usar mini-saia e ser falada na rua.
Deram sonoras risadas.
Carmem continuou:
- Eu sempre fui assim, desde que Octávio morreu.
Você é que nunca percebeu.
- Pode ser, mamãe.
Agora que me sinto madura, começo a perceber outras coisas.
Mas prometo-lhe que nunca serei como Odete.
Rindo muito, mãe e filha foram tirando do armário às roupas que não mais queriam usar.
Carmem estava um pouco intrigada com tudo isso.
Leonor estava tirando todas as suas roupas, e deixou o armário totalmente vazio.
Até algumas peças que antes nem Carmem se atreveria a usar, tamanho o apego, estavam agora entrando na velha mala para serem doadas.
Carmem sentiu novamente o aperto no peito.
- Talvez seja a chuva, ou o noticiário - pensou.
Continuaram a ajeitar as roupas. Duas horas da tarde.
Nada de Rogério aparecer.
O telefone tocou.
Mãe e filha correram desesperadas para atendê-lo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Mar 12, 2016 9:01 pm

Leonor alcançou primeiro o aparelho:
- Que é minha filha? - perguntou Carmem, aflita.
Leonor fazia gestos largos com a mão para que a mãe baixasse o tom de voz.
- Fale mais alto...
Não estou escutando direito.
A ligação está com muito chiado!
Carmem, postada aflita ao lado da filha, apertava as mãos em desespero.
- Está bem - respondeu Leonor.
Estarei aguardando...
Ah, a ligação caiu.
- Quem era, minha filha?
- Rogério. Parece que atravessou uma rua toda alagada, entrou água no motor, ou algo parecido.
Está saindo do mecânico.
Disse que em meia hora estará aqui.
- Então vamos voltar a assistir à TV.
Carmem foi até o aparelho e o ligou.
A emissora continuava com transmissão ao vivo, mostrando pontos da cidade do Rio completamente inundados.
Logo depois ouviu-se o repórter dizer:
- Serão bloqueadas as vias que dão acesso às estradas, devido aos deslizamentos de terra.
Por precaução, o aeroporto também será fechado.
- Leonor, acho que vocês vão ter de ficar alguns dias por aqui.
Do jeito que andam as chuvas, você e Rogério não poderão partir.
- Isso não. Nem que tenhamos de ir de trem.
Eu preciso entregar os papéis da universidade na segunda-feira.
Tenho a prova do vestido de formatura com a modista.
Não se esqueça que o baile é sábado próximo.
- Sei, mas, e aí?
É melhor perderem dois dias, não acham?
- Que coisa!
Você nunca foi assim antes.
O que está acontecendo?
Por que tanto medo?
- Sabe, você tem razão. Nunca fui medrosa.
Faz uma semana que venho sentindo essa dor no peito...
- Dor no peito?
Por que não me falou?
Vamos marcar uma consulta hoje mesmo.
- Não é isso. É uma dor esquisita.
Eu sinto um aperto, uma tristeza muito grande.
E tenho sonhado com seu pai.
- É mesmo?
A última vez que a senhora sonhou com ele foi quando a tia Alzira morreu.
- Isso é o que me preocupa.
Sempre que sonho com seu pai tenho a certeza de que algo ruim vai acontecer.
Talvez eu esteja ficando velha e...
- Velha?! Mãe, você é engraçada.
Mal virou os quarenta anos se acha uma velha?
Bonita desse jeito?
Está melhor do que eu.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Mar 12, 2016 9:02 pm

- Também não é assim, minha filha.
Talvez seja algo com o casamento de Odete e Tadeu.
- Pode ser.
A senhora pode estar preocupada com ela.
Coisas de mãe.
Massageando levemente o peito, como a afastar a dor emocional que a incomodava, Carmem respondeu:
- Pode ser minha filha, pode ser.
Meia hora depois Rogério chegou.
- Meninas, é impressionante!
Acho que só o Cristo Redentor vai se safar dessa.
Carmem, ainda aflita, perguntou-lhe:
- Está tão feio assim, Rogério?
O que a televisão está mostrando é verdadeiro?
- Sim.
- Então o melhor a fazer é ficarmos por aqui.
- Nada disso, mamãe.
Vamos almoçar. Depois vamos levar as roupas e os mantimentos para a emissora.
Logo em seguida partimos.
- Isso não, Leonor.
Vocês não vão partir hoje.
- O que é isso, dona Carmem?
A senhora nunca agiu assim.
- Acho que ela está impressionada com as cenas que a televisão mostrou, Rogério.
- Também acho, filha.
Eu não sou assim.
Vamos almoçar e mudar de assunto.
- Assim é que eu gosto de ver.
Desligaram a televisão e foram para a cozinha.
Rogério e Leonor arrumavam a mesa para o almoço enquanto Carmem esquentava a comida.
Terminada a refeição, Rogério e Leonor foram pegar as roupas que levariam para a emissora, bem como os seus pertences.
- Filha, eles vão fechar o acesso às estradas.
Não acha melhor partirem amanhã?
- De jeito algum.
Leonor me disse que viu na televisão anunciarem o bloqueio às estradas logo mais à noite.
E por quanto tempo ficarão bloqueadas?
Eu já liguei para o meu pai e lá em São Paulo não chove tanto assim.
Portanto, creio que assim que pegarmos à estrada estaremos livres das águas.
- Concordo - disse Leonor.
Meia hora de estrada com chuva e depois acaba.
Fique tranquila, mãe.
- Vou tentar.
Carmem procurou ficar tranquila, mas não conseguia.
O aperto em seu peito voltou na mesma intensidade que antes.
Torceu as mãos no avental e abraçou os dois:
- Vão com Deus, meus filhos, mas tomem cuidado.
Você acha que o mecânico fez tudo direito, Rogério?
- Sim. Os freios ficaram molhados, mas o carro é novo, estou com ele há pouco mais de um mês.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Mar 12, 2016 9:02 pm

- Não se preocupe, mãe.
Assim que chegarmos, ligamos.
- Estarei esperando.
- Escutem - disse Rogério.
- O quê? - perguntaram ambas.
- A chuva parou.
Está vendo, dona Carmem?
Não precisa ficar preocupada.
Entraram no carro e partiram.
Carmem ficou acenando do portão de casa.
Do outro lado da rua, uma voz familiar:
- Boa tarde.
- Marta! Que bom vê-la.
Pensei ontem em você.
- Em mim? O que a fez pensar em mim?
- Lembra-se de um livro que me emprestou há um bom tempo?
- Lembro. Então finalmente você tirou o preconceito e começou a leitura.
- Livros sobre pensamento positivo, que possam me ajudar a mudar algumas crenças velhas e erradas, sempre foram bem-vindos.
Nunca tive preconceito em relação a esses livros.
- Eu a entendo. Não queira se forçar.
Deixe que a vida a conduza.
Saiba que ela usa uma série de recursos para a nossa melhora.
Se você tiver de aprofundar os seus estudos no campo da espiritualidade, aguarde.
A vida lhe dará o sinal, no tempo certo. É só confiar.
- Obrigada, Marta.
Conversando com você me sinto melhor.
Confesso que estava sentindo um aperto muito forte no peito.
Mas já passou. Estou sentindo isso desde a semana passada.
- E quando dorme, sente alguma coisa?
- Não. Mas tenho sonhado com Octávio, e imagens embaralhadas vêm a minha mente.
Marta sentiu leve tontura.
Procurando dissimular, redarguiu:
- Preciso ajeitar umas coisas em casa.
Depois nos falamos.
- Está certo, minha amiga.
Também preciso entrar. Tenho a cozinha para arrumar.
- Até logo, Carmem.
E lembre-se: tudo está certo na vida.
Só Deus sabe o que é melhor para nós.
- Por que está me dizendo isso?
- Por nada.
Vá descansar, minha amiga. Boa tarde.
- Boa tarde.
Marta entrou em casa e sentiu um grande desconforto.
Acostumada a preces e mentalizações, sentou-se no sofá.
Fechou os olhos e em sua mente vieram os rostos de Leonor e Rogério.
Sentiu arrepios pelo corpo.
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SÓ DEUS SABE - Marco Aurélio / Marcelo Cezar Empty Re: SÓ DEUS SABE - Marco Aurélio / Marcelo Cezar

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Mar 12, 2016 9:02 pm

Procurou serenar e orar, desejando o melhor para ambos.
Em seu íntimo sabia que algo estava prestes a acontecer.
Suspirou aliviada e adormeceu. Carmem entrou em casa.
Reinava um silêncio absoluto.
Ligou a televisão, foi virando o selector de canais até encontrar o programa de auditório.
Aumentou o volume, para ouvir da cozinha.
Cantarolando as músicas do programa, foi lavar a louça do almoço.
Rogério e Leonor chegaram ao endereço que a emissora havia dado.
Pararam perto de um enorme galpão.
Dezenas de pessoas corriam num frenético vaivém, procurando organizar o que os moradores da cidade mandavam aos desabrigados.
A cidade toda estava solidária com a tragédia das enchentes.
Roupas e mantimentos não paravam de chegar.
Entregaram o que traziam no carro e foram embora.
Por pouco, Rogério e Leonor não conseguiriam seguir viagem.
Quando acessaram a estrada, os policiais começaram a bloqueá-la.
- Tivemos sorte, hein, Leonor?
Imagine nós dois presos no Rio por mais alguns dias?
- Nem me fale.
Chegando hoje à noite na casa de Odete, tenho de agendar a prova do vestido.
Vai ser uma semana tumultuada, você verá.
Após uma hora de estrada, a chuva voltou forte.
- Não acha melhor pararmos?
Estou ficando com medo.
- Medo? Por quê?
Por acaso está chovendo dentro do carro?
- Não, claro que não!
Mas olhe, está ficando embaçado.
Vamos parar naquele posto logo ali.
- Está bem, você venceu, por ora.
Rogério pegou o acostamento.
Logo pararam no posto.
Leonor, menos preocupada, considerou:
- Vamos aproveitar e comer algo.
Não comi muito no almoço.
Temos horas de viagem pela frente.
- Concordo. Vamos fazer um lanche.
Desceram e foram ao restaurante do posto.
Aproveitaram e cada qual foi ao toalete.
Ao entrar no banheiro, Leonor deparou-se com uma moça aos prantos.
Sensibilizada com a cena, aproximou-se e perguntou:
- O que houve?
O que está acontecendo com você?
Está machucada?
A moça continuava a chorar.
Nada falava. Leonor continuou:
- Vamos, me diga. O que se passa?
A moça esfregou os olhos com a manga da blusa, como a afastar as lágrimas que teimavam em rolar pelo seu rosto.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Mar 12, 2016 9:02 pm

Leonor pegou um pedaço de papel higiénico para ela assuar o nariz.
Feito isso, a moça lhe disse:
- Desculpe. Estou sem rumo.
Perdi minha família num deslizamento de terra lá no Rio.
Desesperada, pedi carona a um motorista de caminhão...
Novamente o pranto a impedia de falar.
Leonor, com voz firme, disse:
- Calma. Pare de chorar.
Não sei o que lhe aconteceu, mas chorar não vai ajudar agora.
Continue, por favor.
- Abalada com a tragédia, eu não sabia o que fazer.
Com a roupa do corpo subi na boleia.
Chegando perto do posto, ele parou o caminhão no acostamento.
Disse que precisávamos acertar o preço da viagem.
Desatou a chorar novamente.
Leonor entendeu a situação.
Precisava saber se a garota tinha sido vítima de abuso sexual ou não, a fim de tomar providências. Perguntou:
- Não quero ser indiscreta, mas preciso que você continue a contar o que ocorreu.
Se ele abusou de você, vamos ter de procurar a polícia.
- Não! Ele não abusou de mim.
Eu tenho dezasseis anos, mas sou esperta.
- Você tem só dezasseis anos?
Parece que tem a minha idade.
- É porque sou alta como você - respondeu a garota.
- Bem, se ele não abusou, melhor assim.
- Eu sei me defender.
Ele veio em cima de mim, e eu dei um chute no seu...
- Está bem, está bem - disse Leonor -, não precisamos entrar em detalhes.
Mas por que então você está chorando?
- Porque eu não tenho para onde ir.
Não tenho dinheiro, não tenho família, não tenho nada.
- Então vamos.
Vá se lavar e passe bastante água no rosto que você volta comigo.
Estou indo a São Paulo.
Chegando lá, veremos o que fazer.
- Verdade?! Posso mesmo?
Não vai me cobrar nada?
- E eu tenho cara de quem vai querer cobrar alguma coisa, menina?
Ambas começaram a rir.
Leonor ajudou a garota a se lavar e foram ao encontro de Rogério.
Ele estava irritado com a demora:
- Pensei que você tinha se afogado.
O lanche já está frio.
Quer que eu peça para requentar?
- Não precisa, Rogério.
Não fique bravo.
Demorei-me porque estava com...
Com... Desculpe, mas qual o seu nome?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Mar 12, 2016 9:03 pm

- Cleide.
- Bem, eu estava com Cleide, batendo um papo.
Ela está precisando de carona e vai connosco para São Paulo.
- Connosco? Você é maluca, Leonor?
O carro está cheio de pacotes no banco de trás.
Esqueceu-se que você está se mudando?
Só tem espaço para nós dois.
- Calma. Esqueci-me desse detalhe, mas qual é o problema?
A Cleide aqui é magrinha.
Apertamos um pouco e vamos.
- Mas vai ser muito desconfortável.
Leonor são horas de viagem.
Não vamos conseguir, é loucura.
Cleide interveio na conversa:
- Desculpem-me, eu não quero amolar ninguém.
Só quero uma carona, mais nada. Com licença.
Leonor tentou segurá-la:
- Não, Cleide, fique.
Resolveremos à questão.
- Não se preocupem comigo.
Eu me arranjo. Até logo.
Cleide, cabisbaixa e passos lentos, saiu do restaurante, voltando ao banheiro.
Leonor virou-se para Rogério:
- Está vendo o que você fez?
- Como o que eu fiz? Ela se ajeita.
Não tenho nada a ver com isso.
Não gosto de dar carona a estranhos.
- Sabia que tentaram estuprá-la?
Rogério balançou a cabeça.
Confuso, indagou:
- Como assim? Quem?
- O rapaz que lhe deu carona lá no Rio.
Tentou agarrá-la à força.
Ela perdeu a família na enchente e está sem rumo.
Será que é muito para você fazer esse favor?
- Desculpe-me, não sabia que ela havia passado por situação tão desagradável.
Vá lá, chame a garota.
Nós a levaremos a São Paulo.
Leonor rodou os calcanhares e saiu alegre em direcção ao banheiro do posto.
Encontrou a garota chorando novamente.
Com voz amável, disse-lhe:
- Não fique assim. Já resolvemos tudo.
Vamos realmente levá-la.
Cleide estancou o choro no mesmo instante.
De seus lábios abriu-se um enorme sorriso.
- Muito obrigada. Deus lhe pague.
Saíram do banheiro e foram ter com Rogério, que ainda estava no restaurante.
Aproveitaram e pediram um lanche para Cleide.
Sua fisionomia demonstrava que seu estômago estava completamente vazio.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Mar 12, 2016 9:03 pm

Após comerem um delicioso misto quente acompanhado de guaraná, partiram.
Leonor ajeitou-se no banco de trás, em meio aos seus pertences e Cleide sentou-se no banco da frente.
Algum tempo depois, a noite era presente no cenário e forte chuva voltou a cair.
Leonor preocupou-se:
- O vidro está embaçando de novo.
A visibilidade está muito limitada.
- Eu sei, mas o que posso fazer?
Não posso desviar os olhos.
Leonor abriu uma sacola e tirou uma flanela.
Estendeu para frente, dizendo:
- Cleide, por favor, passe este pano aí no vidro.
- Deixe comigo.
Rogério, procurando dissimular o nervosismo, brincou:
- Logo a chuva passa.
Vamos, Cleide, passe o pano mais aqui perto de mim.
A garota, solícita, começou a limpar o vidro.
Abalada ainda pelos últimos acontecimentos, Cleide soltou um grito histérico, desviando a atenção de Rogério.
- Olhe o cachorro na pista! Cuidado!
Tudo aconteceu rápido demais.
Instintivamente, Rogério desviou o veículo e freou bruscamente.
A pista molhada facilitou a derrapagem e os freios não responderam.
O veículo desgovernou-se e atravessou a pista, capotando várias vezes.
Leonor foi jogada a grande distância.
Rogério e Cleide morreram na hora.
Noite de sexta-feira 13, mês de dezembro.
Tadeu estava sentado confortavelmente no sofá da sala, assistindo à televisão.
O programa foi interrompido pela voz grave do repórter:
- Interrompemos a programação para o pronunciamento do ministro da Justiça.
Através de cadeia nacional, o ministro colocava aos brasileiros os termos do Acto Institucional número cinco, bem como do Acto Complementar número trinta e oito, que decretava o fechamento do Congresso Nacional.
Com o AI-5, o Governo assumiria, por dez tenebrosos anos, controle irrestrito sobre a sociedade brasileira.
O país acabava de entrar num dos momentos mais tristes e duros de sua história, os famosos anos de chumbo.
Naquela noite, mesmo para os que não acreditavam nas crendices da sexta-feira treze, começava o drama de muitas famílias.
Muitas das pessoas que eram contra o regime militar foram perseguidas, torturadas e mortas.
Logo, a censura em todos os meios de comunicação não permitiria que a sociedade ficasse a par de tamanha barbárie.
Tadeu começou a suar frio.
Passou a mão nervosamente pela testa. Suspirou:
- Meu Deus! Eles não podem estar fazendo isso.
Não pode ser verdade!
Enquanto o ministro continuava com o discurso, Tadeu ligou para seu amigo da universidade:
- Alô, Cláudio? Você está vendo também?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Mar 12, 2016 9:03 pm

Do outro lado da linha, ouviu-se uma voz preocupada e tensa:
- Estou vendo sim, Tadeu.
E agora? Estou com muito medo.
Não é brincadeira. Eles vão pegar todo mundo.
É melhor a gente se preparar.
- Cláudio, somos professores.
Nós só estamos ensinando aos nossos alunos.
Não podemos deixar de contar-lhes a verdade.
Talvez precisemos mudar o tom e não contar aos alunos alguns factos da História que os milicos não queiram.
- Isso é um insulto - rebateu Cláudio.
Eu sou professor de História do Brasil.
Estudei e me formei para quê?
Só porque eles querem manter o controle acham que podem subjugar a nossa inteligência?
- Você sabe que tem gente do governo infiltrado lá na universidade.
Lembra-se de quando invadiram e fecharam a Universidade de Brasília?
Tivemos sorte de não sermos punidos.
Vamos nos encontrar amanhã no refeitório.
Não convém ficarmos ao telefone.
Com o decreto desse acto eles podem grampear o telefone de suspeitos.
E nós somos.
- Eu não sou suspeito, Tadeu.
- Como não?
Você conta factos da nossa História que não agradam aos militares.
E tem mais.
- Mais o quê?
- Lembre-se que faz menos de dois meses que quase fomos presos lá em Ibiúna.
Sabíamos que estávamos correndo risco, porque era um encontro ilegal, segundo o governo.
Procuramos ajudar os estudantes.
Marcaram a nossa cara, embora até hoje não saiba por que não nos prenderam.
Precisamos tomar cuidado. Amanhã conversamos.
- Mas amanhã é sábado.
- Por isso mesmo. Não teremos escuta.
E os últimos exames terminaram hoje, portanto não haverá alunos por lá.
É melhor. Às oito da manhã, no refeitório.
- Está combinado. Durma bem.
- Vai ser difícil.
Mas vou tentar. Até amanhã.
Tadeu desligou o telefone com as mãos molhadas pelo suor.
O pânico povoava sua mente.
O que faria agora?
Como viver num país amordaçado, tolhido por um regime que se mostrava cada vez mais austero?
Deixou-se cair pesadamente no sofá.
Na televisão, o ministro continuava com os termos do AI-5.
Na cozinha estava Odete, sentada na cadeira, escolhendo o feijão esparramado pela mesa.
Alheia ao que ocorria naquele momento, estava prostrada.
Cabeça baixa, olhos fixos nos feijões.
Suas mãos mecanicamente iam separando-os.
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