LUZ ESPÍRITA
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Medo de Amar - Marco Aurélio/Marcelo Cezar

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Medo de Amar - Marco Aurélio/Marcelo Cezar - Página 6 Empty Re: Medo de Amar - Marco Aurélio/Marcelo Cezar

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Mar 27, 2024 11:52 am

Henrique nada disse. A dor da humilhação e dos cortes em seu rosto era imensa. Sentia-se um nada, uma coisa qualquer, impotente. Quando as coisas não caminhavam como ele queria, sentia-se o pior dos indivíduos.
Baixou a cabeça, ajeitou a camiseta, cuja gola havia sido esgarçada, e foi embora, com ódio de Matilde e muito mais de si mesmo.
O casal despediu-se do guarda e partiu em silêncio.
Matilde foi extremamente discreta. Controlou as emoções.
No meio do caminho, ordenou:
- Deixe as crianças na casa de meus pais. Amanhã eles voltarão à fazenda. O ar do campo vai lhes fazer bem.
- Oba! — gritaram os dois meninos, em uníssono.
Túlio nada respondeu. Fez sinal afirmativo com a cabeça.
O casal deixou as crianças com os avós maternos e, no caminho para casa, ambos permaneceram em silêncio. Chegando em casa, caminharam calados até a sala.
Túlio cobriu o rosto com as mãos e apoiou os cotovelos sobre os joelhos. Não sabia o que dizer. Matilde respirou fundo e tornou:
- Pensei, no início, que aquele rapaz o houvesse confundido com alguém. Mas quando ele falou sobre a marca em sua virilha, pensei que meu coração fosse saltar pela boca.
- Mas...
- Você se entrega, Túlio, nos menores gestos. Toda vez que se sente em apuros, não faz nada, não grita, não xinga, não toma atitude. Durante o imbróglio, permaneceu o tempo todo calado.
- Desculpe.
- E o que iremos fazer?
- Não sei.
- Hoje foi esse desequilibrado. E amanhã?
- Não haverá outro que venha nos ameaçar. Eu não...
Matilde interrompeu-o, com elegância:
- Você não vai parar, Túlio. Faz parte de sua natureza.
Ele tirou as mãos do rosto e encarou a mulher com estupor.
- Eu não quero mais saber dessas coisas, Matilde. Foi um deslize, uma fraqueza. Perdoe-me, por favor. Juro que não vou mais me envolver com essa gente.
A mulher levantou-se e caminhou até a poltrona onde ele estava sentado. Abaixou-se e ficou de joelhos. Pegou em suas mãos.
- Eu sempre soube.
Túlio quase emudeceu.
- Como assim? Do que está falando?
- Não adianta mais mentirmos um para o outro. Eu sou sua mulher, estamos juntos há alguns anos. Não sou burra. Você pode ter jeito de brutamontes, pode enganara muitos pelo seu tamanho, que mete medo e que está muito longe do estereótipo que as pessoas fazem.
- Não... Matilde... Eu não...
Ela delicadamente pousou seus dedos nos lábios do marido.
- Psiu! Não precisa mais se torturar. Acho que chegou o momento de termos uma conversa há muito tempo evitada.
Túlio timidamente assentiu com a cabeça. Matilde continuou:
- De alguma maneira, não sei explicar, talvez intuição feminina, eu suspeitava de sua sexualidade.
- Eu nunca lhe dei motivos para...
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Mar 27, 2024 11:52 am

- Isso, não. Você nunca teve trejeitos, nunca foi afectado. Mas sempre teve uma postura controlada, reservada demais. Quando começamos o namoro, eu percebia que não me atacava, não ia além do convencional.
- Sempre a respeitei.
- Éramos jovens e estávamos vivendo uma época de liberação dos costumes. Você sabe do que estou falando.
Túlio nada disse. Ela levou adiante:
- Percebi que, disfarçadamente, você olhava para os namorados de minhas amigas. No início, achei que fosse pura comparação, mas depois tive certeza de que você os observava com outros olhos. Eu já havia namorado outros rapazes e sabia como geralmente se comportavam.
- Timidez. Nunca fui de abordar directamente uma mulher. Se você não desse em cima de mim, não sei se estaríamos juntos.
- No começo pensei que você fosse muito tímido. Sei que dei em cima, que insisti na relação. Eu me iludi; achei que com o namoro você não fosse mais ficar tanto tempo saindo com amigos.
- Eu bem que tentei.
- E, um facto que sempre me incomodou: você não desgrudava de Zeca.
- Ele era meu amigo do peito - disse ele, tentando defender-se.
- Sabemos que não. Se Zeca não tivesse morrido naquele acidente, será que teríamos nos casado?
Túlio baixou os olhos e começou a chorar.
- Ele era meu amigo.
- Sabemos que era mais que um amigo.
Túlio não sabia o que dizer. Matilde estava lá, à sua frente, falando a verdade, sem rodeios. E ele achando que a enganara aqueles anos todos.
- Você é a única mulher que amei em toda a minha vida — retorquiu, sincero.
- Sei disso. Nunca duvidei de seu amor. Mas você não me deseja como mulher. Você me ama como uma amiga, irmã, companheira.
Ele assentiu com a cabeça. Ela continuou:
- Não posso viver com um homem que não sente desejo por mim. Por mais que eu o ame, Túlio, não posso negar que sinto falta do prazer.
- Desculpe, mas não posso mais me agredir. Eu não consigo...
- Tentei me enganar. Achei que, com a morte de Zeca e com o tempo, você fosse se conformar e mudar seu jeito. Mas não há como mudar. Faz parte de sua natureza.
Túlio abraçou-se a ela em desespero.
- Não sei o que fazer. Estou com medo. Hoje tenho certeza do que quero, do que sinto. Mas tenho medo de magoá-la, de ferir nossos filhos. Não quero que as pessoas apontem para eles na rua e façam comentários maledicentes. Você e nossos filhos não têm culpa de nada.
- Claro que não. Mas você está pintando um quadro muito triste e sombrio da realidade. Juntos, acharemos uma saída para que nossos filhos não sofram, para que eu não me iluda mais e para que você não se machuque e se torture ainda mais.
- Você não existe! Posso lhe assegurar que nunca houve e nunca haverá outra mulher em minha vida.
Matilde deixou que uma lágrima escapasse pelo canto do olho.
- Sei disso. E você também foi único para mim. Mas serei sincera: preciso ter a meu lado um homem que me deseje como mulher.
Túlio deixou que as lágrimas corressem livremente pelo rosto. Entrelaçou-se a Matilde e ficaram assim, em silêncio, tocados com a sinceridade daquela conversa. Nunca haviam conversado tão abertamente. Ela ressaltou:
- Sempre o respeitei e sempre o respeitarei. Não adianta eu exigir que você seja o que não é. Isso só vai nos trazer mais dor e frustração.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Mar 27, 2024 11:53 am

Não sou preconceituosa, e lá no fundinho de meu ser eu sabia que mais cedo ou mais tarde nosso casamento iria acabar. Quando deixou de me procurar, no início fiquei um pouco cismada. Achei que eu não era mais atraente e que você preferia outras mulheres.
- Nunca me interessei por mulher que fosse.
- Acredito em você.
- É difícil para mim. Embora você seja atraente, perdi completamente o desejo.
Matilde exalou profundo suspiro. Levantou-se e andou calmamente de um lado para o outro da sala.
- Ultimamente tenho pensado em nosso casamento, em nossa relação. Estava para ter uma conversa franca fazia algum tempo. O incidente desta manhã adiantou o processo.
- Esse tipo de incidente não vai mais acontecer. Eu prometo que...
- Chega de falsas promessas, Túlio. Não vamos mais nos enganar. Temos a vida pela frente. Quero ser feliz e quero que você também o seja.
-O que pretende, então?
- Vou me mudar com as crianças para a fazenda. Tenho saudade do campo, de ficar mais tempo com meus pais. Eles raramente vêm a São Paulo, e estamos sempre correndo, sem tempo de visitá-los. As crianças precisam crescer num lugar onde haja qualidade de vida. Precisam andar descalças, ter contacto com terra, plantas, animais. E confesso que São Paulo sempre me sufocou. A cidade é muito grande, tem muita gente, a violência aumenta a cada dia...
Túlio estava, de fato, emocionado.
- Eu amo tanto nossos filhos!
- Não vou privá-lo de vê-los. Mas a vida é feita de escolhas. Se você quer ter uma vida diferente, precisa abrir mão das crianças. Você não terá mais o contacto diário com seus filhos, mas poderá vê-los nos feriados, fins de semana, férias, quando quiser. Sempre será bem-vindo.
- Mas e a escola? Como fica?
- Já estamos no fim do ano lectivo. E tenho certeza de que as crianças vão adorar a mudança.
- Os meninos vão estranhar uma mudança súbita.
Ainda mais sem o pai.
- Pode confiar em mim: as crianças de nada saberão.
Afinal, ainda não têm idade para absorver a verdade. E que diferença faz? Tantos casais se separam hoje em dia. Eles vão ficar felizes em ficar com os avós. Sabe quanto eles adoram a fazenda.
- Isso é verdade.
- Somos adultos, sabemos lidar com nossos sentimentos. Mas as crianças dependem de nós. Não sabem ainda trabalhar com as emoções. Fabinho tem percebido nossa distância e anda perturbado. Serginho vai mal na escola.
Acho que a mudança vai ser boa para eles.
- Você é fantástica! Nunca pensei que fosse tão forte.
Aceita-me do jeito que sou.
- Quando os meninos se tornarem adultos, poderão compreender melhor tudo que aconteceu. Torço para que o aceitem do jeito que é. Eu o aceito da maneira que é porque o amo de verdade.
Túlio abraçou-a novamente e perguntou:
- O que vamos fazer?
- Preciso de um tempo para me organizar. Ainda bem que papai está na cidade. Mais tarde vou até lá, pretextando buscar as crianças, e vamos conversar.
- Ele pode querer explicações. Uma filha separada...
Não fica bem.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Mar 27, 2024 11:53 am

- Papai é como eu: não liga para os outros. Ele torce por minha felicidade. Mamãe também tem boa cabeça. Eles me respeitam e vão acatar qualquer que seja minha decisão.
- E, agora estou lembrando: além de tudo, você é valente.
- Eu?!
- Puxa, quase levou aquele coitado a nocaute.
Ambos riram.
- Não tenho mais nada a ver com sua vida daqui em diante, meu querido. Desejo vivamente que se dê bem.
Esse tipo de vida ainda gera hostilidade por parte de alguns sectores da sociedade, contaminados pelo preconceito. Espero que aprenda a não se envolver mais com gente como o rapaz do parque. Aquele não serve para você.
- Fique sossegada. Henrique é carta fora do baralho.
Espero nunca mais vê-lo.
- E, se vier a vê-lo, dê uma de Matilde: acabe com a raça dele! Afinal de contas, você é macho ou não é?
Túlio abraçou a mulher com amor. Jamais esperava que ela tivesse uma compreensão daquele quilate. Matilde fora espectacular. Mas, agora que ele estava livre para seguir seu caminho, sentia enorme insegurança. Não havia mais desculpas; podia escolher com quem viver, trazer à tona os sentimentos represados há anos, assumir suas preferências.
Será que havia feito a coisa certa? Não estaria jogando fora uma relação estável, desperdiçando-a por conta do desejo?
Eram tantas as perguntas, que Túlio sentiu-se atazanado.
Subiu as escadas e foi ao banheiro. O melhor era tomar uma refrescante ducha, para relaxar o corpo tenso e concatenar melhor as ideias. Debaixo da água, mais calmo, lembrou-se de Alzira. Na semana seguinte iria conversar com ela, iniciar novo tratamento. Sabia que a partir daquele momento era um homem livre e sua vida seria muito, muito diferente.
Túlio chorou pelo afastamento dos filhos. Ficar longe deles seria terrível, mas era o preço que tinha de pagar.
Matilde, por sua vez, pressentiu que a separação seria inevitável. Só não imaginava que seria assim, de uma hora para outra. Mas valera a pena tal resolução. Esperar mais para quê? Por que adiar uma decisão que teria de tomar mais dia, menos dia? Isso também lhe tirava um peso das costas. Agora podia pensar em sua vida, no que iria fazer dali por diante. Com os pais a seu lado, seria mais fácil criar os filhos. E de uma coisa ela não tinha dúvidas: precisava e queria encontrar um novo amor, um homem que, além de amá-la, a desejasse como mulher. E ela tinha certeza de que iria encontrar um feito sob medida para ela, mais cedo ou mais tarde.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Mar 27, 2024 11:53 am

Capítulo 23
Marines, aos poucos, recuperou dos abusos a que fora submetida naquela funesto interrogatório. Graças a encontros diários com Alzira e ao carinho e amparo dos pais, sobretudo de Iolanda, pôde levar a vida adiante. A muito custo compreendeu o que lhe
acontecera, o porquê de ter atraído situação tão desagradável em sua vida. Além de frequentar o Centro, lia e estudava bastante. Sempre que podia, fazia perguntas a Alzira, que lhe dissipava todas as dúvidas.
Marines passou a ter nova visão da vida, mais ampla, mais profunda, menos iludida. Sua fé, calcada na inteligência, ajudou a alargar sua consciência. A mudança em seus pontos de vista foi imperiosa para uma transformação radical e positiva em sua vida. Aprendeu que nossas crenças trazem consequências, agradáveis ou não. Foi difícil, mas, depois de tamanho choque, passou a rejeitar a moral humana, tão doentia, segundo ela. Marines compreendeu que o que valia para estar de bem com a vida era dar valor ao que sentia, e não ao que aprendera.
A moça voltou a dar largas ao amor que sentia por Eduardo. Não tinha dúvidas de que o amava e de que era correspondida. Acreditava que um dia ambos ficariam juntos, mesmo que a realidade lhe mostrasse o contrário. Era visível o esforço que Eduardo fazia para não se aproximar dela.
Marines sabia que não era rejeição, mas que, se se aproximassem, ambos não resistiriam. E era evidente a relação fria e distante entre ele e Maria Lúcia. As pessoas comentavam, os pais dele e dela comentavam. Eduardo perdera o brilho no olhar. O que segurava mesmo aquele casamento era o filho, que ele amava de paixão. Marines acreditava que Eduardo não suportaria e em breve daria um basta à situação, desquitando-se da irmã e correndo para seus braços. Marines passou a mão pela testa, como a afastar os pensamentos. Naquela tarde, sentia-se contente. Era fim de ano lectivo e, com a ajuda dos amigos e professores, conseguiu apresentar todos os trabalhos solicitados, fez todas as provas e passou de ano. Tinha, acima de tudo, de agradecer ao professor que mais a ajudou naquele período. Na verdade, ela até jogou charme sobre ele, logo que voltou às aulas, numa tentativa desesperada de esquecer-se de Eduardo por completo. Com o tempo, percebeu que aquele não era o caminho a seguir, e ela e o professor ficaram muito amigos.
A moça queria agradecer-lhe. Comprou-lhe uma calça Lee e iria fazer-lhe surpresa naquela tarde. Ela se arrumou, pegou o pacote bem embrulhado e foi para a universidade. Ao dobrar a alameda onde ficava o prédio, interpelou o guarda:
- Sabe onde encontro o professor Clóvis?
- Está no segundo andar, corrigindo provas.
- Obrigada.
Marines subiu contente os lances de escadas. Entrou sorridente na sala.
- Boa tarde.
Clóvis levantou a cabeça e sorriu feliz.
- Que surpresa agradável! Sente-se aqui perto.
- Não vou atrapalhar?
- De jeito algum. É um prazer.
Ela lhe deu o pacote.
- O que é isso?
- Presente de Natal.
- Já?
- Não consegui me conter.
- Obrigado.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Mar 27, 2024 8:22 pm

Clóvis rasgou o embrulho.
- Puxa! Adoro calça de brim!
- Espero que tenha acertado seu número, porque essa calça veio de muito longe.
Ele deu uma risadinha.
- Ah, então era por isso que me fitava nas aulas?
Ficava medindo minha cintura?
Marines balançou a cabeça para os lados.
- Eu e a classe toda. As meninas suspiram por você.
- Menos você - brincou ele.
- Meu coração já tem dono. O que posso fazer? Você chegou tarde.
- Você é a mulher que todo homem sonharia em ter ao lado.
Ela suspirou.
- Não quero pensar nisso agora. Estou tão feliz!
- Por quê? Por acaso viu seu cunhado hoje?
-Antes fosse! Maria Lúcia nunca se deu bem connosco. Desde que se casou, nunca mais pôs os pés em casa, nem para visita. Encontrei Eduardo e meu sobrinho no baptizado, semana passada.
- E como foi? Conseguiu se conter?
- Senti um arrepio, benza Deus! Fiquei o tempo todo grudada em d. Alzira. Quase tive um treco. Mas durou pouco.
O baptizado terminou em confusão.
- É mesmo?
- Maria Lúcia se desentendeu com mamãe. Eduardo procurou contemporizar. Papai se meteu, claro que sempre dando razão à filha. Mamãe não aguentou e explodiu. Não foi um encontro tão agradável assim. Acabei nem cumprimentando meu cunhado.
- Mas vai ficar sendo sempre assim? E quando for aniversário de seu sobrinho? Não acha melhor ter uma conversa definitiva com Eduardo?
- Já pensei nisso. Esta semana ele me ligou duas vezes. Quer conversar.
- E você?
- Sinto-me insegura. Maria Lúcia é vingativa; pode fazer chantagem se descobrir alguma coisa.
- Do jeito que fala de sua irmã, e pelo que leio nas revistas, ela está mais interessada em nome, status, dinheiro.
Está na cara que ela não ama o marido.
- Eduardo sofre com tudo isso.
- Se ele voltar a ligar, marque um encontro.
- Minha intuição diz para esperar, para não precipitar as coisas.
— Então respeite sua intuição. E não se esqueça de uma coisa.
— De quê?
— Só vou abençoar essa união se eu for o padrinho.
Marines fez beicinho.
— Não vai ser possível. Se Eduardo se desquitar, não poderá se casar novamente.
— A gente faz uma reuniãozinha, poucos amigos. Celebramos como se fosse legal, e eu me torno padrinho do mesmo jeito.
— Ah, como adoro você, professor.
Clóvis abraçou-a com carinho.
— Você é muito especial para mim.
— Estou achando-o muito optimista, contente. — Ela se afastou com delicadeza e fitou-o nos olhos. - O que está acontecendo?
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Mar 27, 2024 8:23 pm

Clóvis deu uma piscada para Marines e uma risada maliciosa.
— Estou apaixonado.
- Jura? E quem é o sortudo?
Clóvis deu uma risada alta.
— É rapaz interessante, inteligente, carinhoso. Meio pedra bruta, precisa se refinar um pouco. Mas é boa gente.
Acabou de se separar. Estou dando um tempo. Ele não sabe que estou apaixonado.
— Está sendo o amigão de todas as horas?
— Isso mesmo. Na hora certa, dou o bote.
Marines riu a valer. Clóvis tinha um jeito gostoso de se expressar, além de ser muito bem-humorado. A companhia dele fazia-lhe um bem enorme. Ficaram conversando animadamente e, ao anoitecer, Clóvis levou-a para casa.
***
Henrique estava dando mamadeira ao pequeno Marcílio.
— Como este menino mama! Onde vai parar?
— Não sei, mas acho óptimo. Vai ser forte e lindo como o pai — retrucou Maria Lúcia, deitada na cama, com aspecto nada agradável.
- Nossa, essa sua cara está difícil de aguentar. O que se passa?
- Não sei. Sinto-me mole, sonolenta, e tenho tido náuseas matinais. É uma sensação esquisita.
- Há quanto tempo está com esses sintomas?
- Há algumas semanas.
- E sua menstruação?
- Nem tenho pensado nisso. Não me lembro se veio ou não.
- Está abatida, perdeu peso.
- Deve ser o calor. Fim de ano me deixa mole por natureza.
- Mas assim está demais.
Henrique terminou de dar a mamadeira ao pequeno.
Brincou:
- Pronto, a titia agora vai pôr você no berço. Precisa descansar.
- Pôr o menino no berço? Está louco? Tem de fazê-lo arrotar, primeiro.
- Ah, esqueci.
Maria Lúcia pegou o filho nos braços e colocou-o em posição para facilitar a eructação. Quando Marcílio arrotou, regurgitou. Aquele odor penetrou as narinas de Maria Lúcia e ela pensou fosse desmaiar. A náusea foi crescendo. Ela devolveu Marcílio aos braços de Henrique e correu para o banheiro.
Quando voltou, estava mais pálida ainda. Seu rosto não estava com aspecto agradável. Maria Lúcia, embora mais magra pela falta de apetite, estava com as extremidades inchadas. Henrique apavorou-se.
- Precisamos ir ao médico. Você não está bem.
- Não mesmo.
- O que fez no banheiro?
- Vomitei bastante. Sinto-me fraca.
- Vou solicitar que a empregada fique de olho no bebê.
Vamos ao consultório do dr. Odair agora.
- Acha mesmo necessário?
- Maria Lúcia, olhe para sua cara!
Ela fez força e levantou-se. Olhou-se no espelho.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Mar 27, 2024 8:23 pm

- Não está pior do que a sua. Você ainda tem marcas dos arranhões daquela doida varrida que o atacou no parque. Henrique fulminou-a com os olhos.
- Já faz tempo. Não tenho marca alguma.
- Claro que tem. Dá para ver umas marquinhas no pescoço.
- Aquela vadia me paga!
- Deixe essa história de lado.
- Não é justo.
- Quem mandou se meter com mulher, e ainda por cima casada? Não sabia que quando elas se sentem acuadas, perdem o juízo e partem para a briga? Isso é para você aprender.
- Aprender o quê, ora?
- A não se envolver mais com homens casados.
- Nisso tem razão. Há tanta gente solteira dando sopa!
Maria Lúcia teve nova ânsia. Henrique colocou o pequeno Marcílio no berço e chamou a empregada para ficar de olho no menino. Puxou a amiga pelo braço e foram directo ao consultório médico.
Henrique ficou na sala de espera enquanto ela era atendida. Num determinado momento, um grito de pavor ecoou por todo o consultório. A secretária assustou-se, as pacientes olharam-se atónitas. Henrique levantou-se de imediato e correu até a sala.
O obstetra estava pasmo, em estado de choque. Nunca uma paciente sua comportara-se de maneira tão desequilibrada. Maria Lúcia chorava copiosamente sobre a maca, balançava a cabeça de um lado para o outro, desesperada.
Henrique indagou, confuso:
- Doutor, o que está acontecendo?
- Ela está fora de si. Vou receitar um calmante. Maria Lúcia está muito nervosa. E, no estado em que se encontra, precisa de repouso absoluto.
Henrique não entendeu. Correu até Maria Lúcia.
Ajudou-a a levantar-se.
- O que aconteceu? Algo grave?
Ela só chorava; nada dizia. Abraçou-se a Henrique.
- Tire-me daqui já. Quero ir embora.
O médico interveio:
- Preciso de uns exames de laboratório para confirmação. A senhora terá de voltar na semana que vem.
Maria Lúcia cortou-o violentamente:
- Eu não virei aqui na semana que vem, nem nunca.
Isso que me disse é absurdo. Não pode ser verdade. Deviam cassar seu diploma.
Henrique continuava sem entender. Perguntou:
- Afinal de contas, doutor, o que se passa?
- Maria Lúcia está grávida.
- Mentira! - retrucou ela. - Não pode ser verdade.
O médico tentou acalmá-la.
- O aumento de seu útero e certo amolecimento do colo são indícios incontestáveis. Os exames laboratoriais irão confirmar, mas não tenho dúvidas: você está grávida.
Ela quase desmaiou. Henrique pegou a receita do calmante, a solicitação dos exames e saiu, carregando-a pelos braços. No carro, a caminho de casa, ele indagou:
- E agora?
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Mar 27, 2024 8:23 pm

- Agora o quê?
- O que vai fazer?
- Eu, grávida!
- Por que não se cuidou? Não tomou pílulas?
- Eu não fazia sexo desde a lua de mel. Eu iria tomar pílula anticoncepcional para quê?
- Você, grávida, é o cúmulo!
- Acha possível eu carregar um filho de Eduardo no ventre?
- Pelo menos um legítimo, né?
- Cale a boca! Não estou para brincadeiras.
- Desculpe, só queria descontrair.
- Isso só pode ser inveja, olho gordo, praga mesmo.
- Calma, tudo se resolve.
- Eduardo não pode saber dessa gravidez.
- Por que não?
- Já sondei alguns advogados. Estava planejando me separar depois do ano-novo.
- Você não me contou isso.
- Ia contar, lógico. Acha que dá para ficar no mesmo tecto que Eduardo? Impossível!
- Mas vocês dormem em quartos separados.
- Mesmo assim. Sinto repulsa, só de saber que ele mora no mesmo apartamento.
- Peça o desquite, grávida mesmo.
- Não. Meus sogros iriam pressionar. O que faço?
Henrique deu uma risada sarcástica.
- Ora, faça um aborto.
- Como disse?
- Um aborto. É só arrancar essa coisinha aí de dentro.
Pronto!
Maria Lúcia beijou-o várias vezes na face.
- Você é incrível! Porque não pensei nessa possibilidade? Tanto drama por nada!
- Quando foi que se entregou a Eduardo?
Maria Lúcia pensou, mordiscou os lábios.
- Foi aquela noite, lembra? Eu liguei para você e depois saímos. Foi a única vez que fiz amor com Eduardo.
- Você está louca?
- Por quê?
- Faz mais de três meses!
- Não pode ser! Estou enjoando somente há duas semanas.
- Faça as contas, querida. Não notou a menstruação atrasada?
Maria Lúcia fez gestos com os dedos. Apavorou-se.
- E agora?
- Temos de agir rápido.
- Uma clínica de aborto? - ela sugeriu.
- Não. Clínica, não! Não dá mais tempo para fazer curetagem ou sucção. A coisa já deve estar grandinha.
- Henrique, ajude-me.
- Que tal agulhas de tricô?
- O quê?
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Mar 27, 2024 8:23 pm

- É. Vi num filme. Parece que funciona. Dói, mas dá para arrancar o feto num piscar de olhos.
Ela fez ar de repulsa.
- Isso, não. Não quero sentir dor.
Henrique pensou, pensou.
- Já sei! Ouvi falar de um curandeiro que prepara umas ervas. Muita gente diz que é tiro e queda.
- Que tipo de ervas?
- Ele prepara um chá abortivo. É uma mistura de arruda, losna, cipó mil-homens e mais um punhado de ervas amargas.
- Consegue me arrumar essas ervas?
- O risco de abortar é tão alto quanto o risco de morrer.
- Dane-se o risco! Preciso arrancar esse bicho de dentro de mim.
- Posso tentar.
- Tentar, não. Eu não o pago para tentar.
- Não sei como localizá-lo assim tão rápido.
- O tempo urge.
- Amanhã, está bom?
- Vamos atrás desse homem agora mesmo.
- Não sei o endereço. Tenho de ligar para um amigo.
- Sem delongas! Se não me aparecer com o pacote de ervas ainda hoje, considere-se demitido.
- Devagar! Não sei se...
- Não quero saber. Eu o ponho no olho da rua. Esvazio o apartamento e arranco o carro em dois tapas.
- Ei, não precisa tanta pressão! Quem disse que eu não a ajudaria?
- Pois então me deixe em casa e corra atrás desse curandeiro. É caso de vida ou morte.
- Está bem. Deixe comigo.
A contragosto, Henrique largou Maria Lúcia em casa e foi atrás de Marcos. Sabia que ele ajudava algumas prostitutas a se livrarem dos fetos indesejados tomando um chá amargo feito por um curandeiro nos arredores da cidade.
Enquanto isso, Maria Lúcia chegou em casa e correu para o quarto. Dispensou a empregada e agarrou-se ao filho.
- Filho querido, mamãe não vai ter outro bebê. Você é único; não vai ter de dividir nada com ninguém, não vai ter com quem brigar dentro de casa, não vai ter a atenção dividida com outro. Sempre seremos só você e eu, meu tesouro, mais ninguém. Mamãe jura que não vai ter outro filho.
Ela embalou a criança, e as lágrimas escorriam sem parar. Vez ou outra consultava o relógio, torcendo para que Henrique chegasse logo. Foi sorte Eduardo estar viajando a negócios naquela semana. Tudo se resolveria num piscar de olhos.
***
Henrique encontrou Marcos perambulando pelas ruas.
— Preciso de sua ajuda.
- Agora, não. Estou à cata de clientes.
— É importante.
— Preciso de dinheiro. Depois passo em sua casa.
Henrique exasperou-se:
— Eu disse agora! Pago o que for.
Ao entrar no apartamento, Henrique jogou-se no sofá.
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Medo de Amar - Marco Aurélio/Marcelo Cezar - Página 6 Empty Re: Medo de Amar - Marco Aurélio/Marcelo Cezar

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Mar 27, 2024 8:24 pm

Suspirou, irritado. Estava nervoso, odiava ser pressionado.
Levantou-se e serviu-se de uísque.
— Preciso daquele chá abortivo.
— Que chá?
— Não se faça de besta, Marcos. Sei que você é quem arruma chá para as rameiras aqui da região.
— Custa caro.
— Eu pago.
— Custa muito caro.
— Maria Lúcia tem dinheiro para pagar quanto for preciso.
Aquilo encheu os olhos de Marcos de cobiça. Precisava arrumar mais dinheiro do que o pouco que conseguia nas ruas. Tentara arrancar algum de Henrique, mas percebera que o rapaz era esperto demais. Quando Marcos ia ao apartamento dele, nunca encontrava objectos de valor ou grande quantia em dinheiro. Sabia que o jovem escondia seus pertences de valor num cofre ali mesmo no apartamento. Mas onde? Era melhor procurar outro tonto. Mas, naquele instante, esqueceu-se dos planos, do cofre. Viu no desespero de Henrique grande oportunidade de conseguir bastante dinheiro.
Marcos ganhava muito pouco nas ruas. Já não era tão moço e tão atraente, atributos indispensáveis para um prostituto masculino. Ultimamente envolvera-se com consumo e venda de cocaína, que era a droga do momento. O preço era alto, e Marcos tornou-se um viciado da droga. Felizmente, sabia onde encontrar o tal curandeiro. Iria cobrar três vezes mais. Com isso, pagaria sua dívida com os traficantes e também a taxa aos policiais, atrasada dois meses. Até pouco tempo, pensara em livrar-se de Henrique, visto que ele era afectado e insuportável. A situação agora se invertia. Precisava aguentar Henrique. Suspirou e disse:
- Ligue para sua patroa e diga que consigo as ervas para hoje à noite. Mas vai sair caro.
- Ela paga o que quiser.
- Mil dólares.
Henrique levou a mão à boca.
- Está louco? Arruda e losna agora valem ouro?
- Mil dólares.
- Sem essa! Sei que as prostitutas não pagam nem duzentos cruzeiros pelas ervas.
- Trata-se de pedido especial.
- É muito dinheiro.
- Problema seu. É pegar ou largar.
Henrique hesitou. Marcos continuou com a pressão psicológica:
-A madame não precisa? Eu consigo para hoje, ainda.
- E o chá é tiro e queda, mesmo?
- Já viu alguma de minhas amigas aqui do pedaço de barrigão?
- Não.
- Então! Confie em mim.
- Você está de sacanagem comigo.
- Não estou.
- Sabe que estou desesperado. Por isso está pedindo mais dinheiro.
- O dinheiro não é seu.
Henrique sentiu-se desarmado.
- Está certo. Espere um momento.
Ele se levantou e foi até o quarto. Trancou a porta e abriu uma das portas do armário com delicadeza, para não fazer barulho. Num dos cantos do armário, havia um fundo falso. Henrique deu pequena batida e o fundo se abriu.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Mar 27, 2024 8:24 pm

Lá era seu cofre. Meteu a mão lá dentro, pegou dez notas de cem dólares. Cobriu novamente o fundo falso e fechou o armário. Ligou para Maria Lúcia.
- Quer me matar, Henrique? Estou ansiosa.
- Consigo as ervas para hoje à noite.
- Quanto?
- O preço é salgado. Não sai por menos de três mil dólares, mas é tiro e queda.
- Não importa o preço. O chá vai ajudar?
- Vai.
- Então pague o que for preciso - disse ela, convicta.
- Passo em sua casa daqui a pouco. Não disponho de tanto dinheiro.
- Pode vir. Eu tenho umas economias em casa.
Henrique, voz melíflua, tornou:
- Três mil dólares é muito dinheiro, mas me deram total garantia de que funciona.
- Pode vir pegar o dinheiro, Henrique. Se esses três mil dólares vão resolver o problema, ainda assim saiu barato.
- Ah, mais uma coisa. Tive uma conversinha com o dr. Medeiros, o delegado, sobre aborto.
- Falou de mim? - perguntou assustada.
- Claro que não, queridinha. É que ele financia uma clínica clandestina de aborto no centro da cidade. Quero ver se ele tem alguma sugestão.
- Obrigada. Você vale ouro!
Henrique pousou o fone no gancho, triunfante. Além de levantar o moral com Maria Lúcia, mostrando sua eficiência, tirara proveito da situação.
- Mais dois mil dólares para meu cofrinho. Essa Maria
Lúcia é muito trouxa. O que uma mulher em desespero não é capaz de fazer?
Marcos aguardava sentado no sofá da sala. Pensava:
"Tenho certeza de que essa bicha guarda jóias e dinheiro no quarto, em algum lugar. Ainda vou descobrir onde."
Henrique saiu feliz do quarto, fingindo preocupação.
- O que foi? - perguntou Marcos.
—Tudo bem, Maria Lúcia disse que paga, mas só metade agora; a outra metade vem quando o chá surtir efeito. Marcos fez força para não avançar em cima do outro e cobri-lo de socos. Respirou fundo.
- Bom, vocês é que sabem. Quem precisa das ervas é ela. Ou me dão os mil dólares de uma vez ou nada feito.
Procurem outro.
- O delegado Medeiros vai gostar de interrogá-lo.
Marcos sentiu o chão desaparecer. Odiava ser chantageado, ainda mais por uma pessoa sem escrúpulos como Henrique.
Argumentou:
- O curandeiro só aceita pagamento à vista, em dinheiro.
- Não me faça de otário. Sei que está me pedindo muito mais do que vale. Então vamos combinar o seguinte: vou lhe dar duzentos dólares agora. Isso dá para pagar um caminhão de ervas. Quando voltar com a mercadoria, eu lhe dou os oitocentos restantes.
- Vou buscar.
Henrique tirou duas notas do bolso e entregou-as a Marcos.
- Às dez da noite me traga as ervas.
- Pode deixar.
Henrique fechou a porta e correu até o telefone. Precisava consultar um advogado bem ordinário.
- Vou arrancar algumas informações com Medeiros - disse para si, animado.
Marcos saiu contrariado.
"Ele tirou dinheiro do bolso. Esse cara esconde grana no quarto; só pode ser. Eu estava quase desistindo dele, mas agora vou descobrir o esconderijo. Essa bicha vai pagar caro por tanto desaforo que levo para casa. É só uma questão de tempo."
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Mar 27, 2024 8:24 pm

Capítulo 24
Marcos cumpriu com sua palavra. Às dez da noite entregou o pacotinho. Henrique ouvira um LP em alto som. Marcos gesticulava e ele, cantarolando, fazia sinal afirmativo com a cabeça. Havia cheirado um bocado de cocaína.
- O curandeiro foi incisivo: a mulher tem de tomar duas xícaras de uma só vez. Uma xícara não vai fazer efeito.
Mais de duas, pode ser fatal. Entendeu?
Henrique assentiu com a cabeça.
- Entendeu meu recado?
- Sim. Deixe o resto por minha conta. - Sacou um punhado de notas. - Aqui estão: setecentos dólares. Agora pode pagar sua droga.
Marcos pegou o dinheiro, olhos brilhantes.
-O combinado eram oitocentos.
- Bobinho! Passe aqui amanhã à noite. Vou fazer você merecer os outros cem dólares... - sussurrou Henrique, com sensualidade.
Marcos procurou disfarçar o nojo. Aquele jogo de dominação o massacrava. Estava ficando cansado de tanta provocação e submissão. Mas naquele momento não teve como discordar. Precisava acertar suas contas com os traficantes e com os policiais.
***
Perto da meia-noite, Henrique chegou à casa de Maria
Lúcia. Ele mesmo preparou o chá.
- Aqui está.
- Ui, que gosto horrível! É amargo demais!
- Beba tudo.- É só essa xícara?
- É. Por quê? Quer tomar um litro?
- Não. É muito ruim. Uma xícara foi suficiente para me enjoar.
Esperaram dez, vinte minutos. Nada.
- Se esse chá não surtir efeito, nunca mais quero cruzar com você.
- Calma! Talvez demore um pouco. Em breve o chá vai atacar esse pedaço de gente aí dentro - fez sinal apontando para a barriga dela.
- Vou me deitar.
- Qualquer coisa, pode me chamar.
Algumas horas depois, alta madrugada, Maria Lúcia acordou com fortes dores abdominais. Gritou de dor e Henrique veio correndo.
- Não aguento mais de dor! Será que está fazendo efeito?
- Claro! Marcos garantiu que era tiro e queda.
- Mas dói muito.
- Não acha melhor irmos até o hospital?
- De jeito algum!
- Vamos a um hospital público. O chá já deve ter matado o feto. Essa cólica pode ser aviso do organismo para expelir o que sobrou.
- Estou suando frio.
- Vou pegar um copo de água.
Henrique saiu e voltou num instante. Ordenou:
- Tome.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Mar 27, 2024 8:25 pm

Maria Lúcia bebeu um pouco.
- Tenho medo de hospital. E se descobrem?
- O quê?
- E se descobrem que ingeri um chá abortivo?
- Acha que médico de plantão, num hospital público, a esta hora da noite, vai investigar alguma coisa?
- Mas tenho medo.
- Você sempre foi tão corajosa!
- Se Eduardo descobre que estou grávida, estou perdida.
- Quando ele voltar de viagem, nem vai perceber.
- Não sei. Poderá desconfiar de algo.
- Ele quer tanto outro filho?
- Nunca conversamos a respeito. Acho que nem pensa nisso. Estamos a um passo da separação.
- Então sossegue.
- Eduardo é contra o aborto. Mesmo com o casamento por um triz, ele iria me obrigar a ter a criança.
- Que horror!
- Por isso preciso abortar antes que ele volte de viagem.
- Mas você não está bem.
- E daí? Logo passa.
- Não se preocupa com Marcílio? E se algo ruim acontecer a você?
Maria Lúcia olhou para o berço e sentiu um aperto no peito.
- Tem razão. Não havia pensado nisso. Meu filhinho precisa de mim.
- Mas vamos voltar a falar do aborto. Se esse parasita resistir ao chá, pratique infanticídio.
- Como?
- Mate o recém-nascido.
- De onde tirou essa ideia?
- Não lhe disse que eu era prestativo? Tive um longo papo com o dr. Medeiros. Como ele mantém uma clínica de aborto, sabe de memória os artigos 123 a 128 do Código Penal, que tratam do caso. A lei brasileira julga o infanticídio delito muito específico, da mãe que mata seu bebê no período puerperal.
- Que disse? Fale direito! Está parecendo até um advogado...
Henrique sorriu. Percebeu que conquistava ainda mais a simpatia e apreço de Maria Lúcia.
- O período puerperal se dá durante a recuperação do parto, quando supostamente o estado perturba o juízo da mãe. Está no artigo 123 do Código Penal. Você pode ser presa por um período de dois a seis anos. Mas, com o sobrenome e dinheiro que tem, livra-se fácil da detenção.
Henrique entabulava conversação para que Maria Lúcia esquecesse por ora da dor e o chá surtisse efeito. De facto as dores foram diminuindo, mas, de repente, Henrique deu um grito:
- Olhe para o colchão! Você está sangrando! - disse, horrorizado.
- Está surtindo efeito!
- Não sei, não... É muito sangue. Vamos para o hospital agora mesmo.
- E Marcílio?
- Eu chamo a empregada. Vamos! Não temos tempo a perder.
Poucos minutos depois, ambos estavam no carro.
Sem trânsito, cruzaram as ruas rapidamente e logo chegaram a hospital público. Maria Lúcia foi atendida e medicada imediatamente. Henrique recostou-se numa cadeira, numa grande sala de espera. Estava cansado. Um dos médicos do plantão foi ter com ele.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Mar 27, 2024 8:26 pm

- E então, doutor?
- Ainda bem que a trouxe.
- Fiz o que precisava fazer.
- É marido dela?
- Não, amigo. O marido encontra-se fora, em viagem de negócios.
- Ela por pouco não perdeu o bebê. Foi por um fio.
Henrique arregalou os olhos.
- Quer dizer que ela não perdeu o bebê?
- Não.
- Não sabe o peso que tirou de minha consciência, doutor.
- O feto está bem-formado.
- Quantos meses?
- Deve estar perto de quatro meses de gestação.
- Quatro meses?
- Diga-me: ela nunca sentiu nada nesses últimos meses?
- Que eu saiba, não. Os sintomas começaram há cerca de duas semanas. Maria Lúcia estava mais preocupada com a falta de secreção de leite ao filhinho.
- Ela tem um filho pequeno?
- Uns sete meses.
- Pode ser que ela tenha se confundido. Mas não notou a menstruação atrasada?
- Parece que não.
- Ela vai precisar de muito repouso.
- Mesmo?
- Está fraca. Sabe o que ela ingeriu?
- Não faço ideia.
- O senhor pode ficar por aqui. Ela vai ser liberada logo mais. Vai passar a manhã sob observação.
- Quando poderá voltar para casa?
- Se tudo correr bem, no final da tarde será liberada.
Henrique precisava agir rápido. Assim que Maria Lúcia soubesse a verdade, que não perdera o bebê, iria culpá-lo pelo fracasso, odiá-lo, talvez se afastar dele. E iria fazer de tudo para interromper a gravidez. Quando ela metia uma ideia na cabeça, não havia quem a tirasse. Henrique não podia permitir que ela cometesse mais desatinos. Se tivesse demorado um pouquinho mais para chegarão hospital, Maria Lúcia teria conseguido seu intento. Mas ele não podia deixar que ela colocasse a própria vida em risco. Afinal de contas, ela era sua galinha dos ovos de ouro. E se ela morresse? O que poderia acontecer se a hemorragia evoluísse?
- Ela não vai se livrar de mim. Hoje, mais do que nunca, preciso de aliados. Essa louca precisa viver. Tenho de demovê-la da ideia de abortar. Não posso colocar em risco meu futuro, meu dinheiro, meu status, por um capricho dessa doida. Maria Lúcia é importante para mim... ainda.
Deu uma risadinha e, num lampejo, teve uma ideia.
Assim que se iniciou o horário de expediente na empresa de Eduardo, Henrique correu até um orelhão e ligou para o escritório. Quando atenderam, ele cobriu parcialmente o bocal do fone e fez voz esganiçada, tipicamente feminina. Pediu pela secretária de Eduardo.
- Quem gostaria?
- Sou a empregada dele. A patroa não passou bem e saiu daqui às pressas. Está hospitalizada. Sabe como faço para encontrá-lo?
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Medo de Amar - Marco Aurélio/Marcelo Cezar - Página 6 Empty Re: Medo de Amar - Marco Aurélio/Marcelo Cezar

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 28, 2024 11:28 am

- Vou tentar localizá-lo. Pode me dar um telefone de contacto?
- Telefone eu não tenho, mas vou lhe dizer onde ela está internada. — Henrique deu o endereço do hospital.
- Por favor, peça para ele procurar Henrique, na porta de entrada.
- Henrique?
- É. A patroa foi com ele para o hospital.
- Está certo. Vou localizá-lo.
Henrique pousou o fone no gancho, gargalhando alto.
Vibrava de felicidade. Uma hora depois, Eduardo apareceu no hospital, arfante, tom preocupado.
- O que aconteceu?
- Não estava viajando?
- Cheguei agora cedinho e fui directo ao escritório. Iria para casa daqui a pouco. Minha secretária não sabia como me dar a notícia, estava...
- Maria Lúcia passou mal e eu a trouxe até aqui. Agora ela está fora de perigo - interrompeu Henrique.
- Por que a trouxe a um hospital público?
Henrique tinha de agir rápido. Replicou em tom afectado, fingindo preocupação.
-O que podia fazer? Ela me acordou de madrugada, morrendo de dor. Fiquei tão nervoso, que, quando percebi, estava defronte a este hospital. Pelo menos ela recebeu pronto atendimento.
- O que ela teve? Algo grave?
Henrique deu uma risadinha. Balançou a cabeça para os lados.
- Que eu saiba, Eduardo, gravidez não é tão grave assim...
- O que disse?
- Gravidez. Maria Lúcia está grávida. Passou mal, teve hemorragia.
- Está brincando!
- De jeito nenhum. E, pelos cálculos, ela deve estar de quase quatro meses. Não é maravilhoso?
Eduardo não conseguia articular som algum. Fora pego de surpresa.
- Tem certeza?
- E eu sou de brincar com uma coisa dessas?
- Maria Lúcia, grávida?
- Lembra-se daquele banho demorado, meses atrás?
Eduardo sentiu o sangue subir. Achava um absurdo Maria Lúcia contar tudo de sua vida a Henrique. Mudou o tom de voz:
- Preciso vê-la.
- Ela logo vai estar na enfermaria, papai.
- Obrigado por tê-la socorrido.
- O que é isso, Eduardo? Falando nesse tom você me ofende. Sabe que me preocupo com Maria Lúcia.
Eduardo nada respondeu. Foi ter com o médico que tinha atendido Maria Lúcia. Tratou logo de removê-la para um hospital particular, sob os cuidados da equipe do dr. Odair.
Henrique entrou no carro com indescritível sensação de prazer.
"Agora, Maria Lúcia que se dane! Ela vai ficar fula da vida, mas vou botar a culpa na empregada. Direi que ela ligou aflita procurando Eduardo e o fez correr até o hospital.
Pronto: assim me livro de acusações. Vai ser a palavra da empregada contra a minha e a da secretária, que caiu como um patinho. Vou levar a melhor. Maria Lúcia nunca vai desconfiar. E ganhei a confiança do idiota do Eduardo. As coisas estão indo muito melhor do que eu esperava."
* * *
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 28, 2024 11:28 am

À tardinha do mesmo dia, Maria Lúcia foi transferida para um hospital particular, sob efeito de forte medicação.
A equipe do dr. Odair aplicou-lhe soro, pois ela se encontrava com princípio de anemia.
Eduardo estava sentado na poltrona, pensativo. Tencionava separar-se quando o filho completasse um ano de vida, e faltavam poucos meses para isso. E, agora, essa surpresa! Como Marines reagiria a tudo isso? Seria impossível separar-se agora. Teriam de adiar seus planos. Será que Marines iria esperá-lo? Eduardo sentiu o pânico tomar conta de seu corpo. Começou a suar frio. Ao ver Maria Lúcia entrar no quarto, levantou-se rápido e afastou os pensamentos. Os enfermeiros delicadamente deitaram a paciente na cama. O médico veio logo atrás, sorridente.
- Parabéns!
- Obrigado, doutor.
- Colhemos sangue, fizemos ultra-som. O feto não corre perigo.
- Graças a Deus!
- Sua mulher precisa de repouso absoluto, permanecendo o máximo de tempo deitada, sem fazer movimentos bruscos. Deve evitar pegar o pequeno Marcílio no colo.
- O que mais, doutor?
- Ela está um tanto agitada. Isso é natural, principalmente nos casos de gravidez seguida uma da outra.
Aconselharia contratar uma enfermeira para ficar ao lado de sua mulher.
- Por quê, doutor?
- Desconfiamos que ela tenha ingerido um chá, uma substância abortiva.
Eduardo estava pasmo. O médico continuou:
- As substâncias encontradas no sangue revelam que sua mulher tomou algum tipo de chá abortivo. Fizemos colecta de material para análise, para confirmação. Por experiência, ouso afirmar que sua mulher tentou um aborto.
- Mas Maria Lúcia não sabia que estava grávida!
- Pelo estado como aqui chegou e pela análise da lavagem estomacal, parece que ela tentou um aborto. Em todo caso, a situação de sua mulher é muito delicada. Aconselho que alguém permaneça ao lado dela vinte e quatro horas por dia.
- Pode deixar, doutor. Muito obrigado.
O médico e os enfermeiros saíram e Eduardo aproximou-se da cama. Não levou em consideração o que o doutor lhe disse. Maria Lúcia não sabia nem sonhava estar grávida.
Nunca desejara ter outro filho. Seria absurdo acreditar que tentara abortar. Ele estava feliz, afinal adorava crianças.
Mas isso o afastava de seu grande amor. Preocupou-se com Marines. Como ela reagiria àquela surpresa?
Eduardo tinha a estranha sensação de ser pai pela primeira vez. Talvez pelo facto de Marcílio ter vindo de maneira inesperada, na correria, em cima da cerimónia de casamento, agora podia sentir o gostinho da paternidade, apreciar a gravidez de Maria Lúcia com total tranquilidade.
Ele não cabia em si de tanta felicidade, embora uma nuvem de preocupação pairasse sobre sua cabeça: não sabia como as coisas andariam dali para a frente.
Olhou para Maria Lúcia com carinho. Mesmo que não a amasse, sentia por ela imensa ternura, visto que ela era a mãe de seus dois filhos. Naquele instante, esqueceu-se de Marines e de todas as suas aflições. O momento era de equilíbrio. Carinhosamente pegou na mão de Maria Lúcia.
Ela lentamente abriu os olhos.
- Sente-se melhor?
Ela percebeu familiaridade na voz. Fez força para abrir os olhos. Pensou estar delirando.
- Eduardo?!
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 28, 2024 11:29 am

- Eu mesmo.
- O que faz aqui?
- Cheguei hoje cedo de viagem. Viu a coincidência?
Ela sentiu uma raiva surda. Tinha certeza de que Henrique tinha aprontado alguma. Se ele tivesse ligado para Eduardo, iria para o olho da rua, definitivamente. Mas, convicta de que estava livre daquela gravidez indesejável, precisava fingir lamentação, desespero pela perda inesperada do bebezinho. Estava aliviada por saber que não teria mais o corpo deformado. Chorou de contentamento.
- Nosso filhinho... Desculpe, Eduardo...
- Desculpar do quê?
- Oh, se eu soubesse, teria agido diferente.
- Você não teve culpa.
- Tive culpa, sim.
- Que nada. Estava fraca.
- Vou melhorar.
- Tudo vai se ajeitar. Desta vez não vou sair de seu lado.
Maria Lúcia tinha certeza absoluta de que o chá fizera efeito. Não imaginava que ainda estivesse grávida. Fez beicinho:
- Obrigada por estar a meu lado num momento tão difícil.
- Difícil?
- Prometo que iremos tentar novamente.
- Qual nada! Dessa vez vai ser diferente. Vou estar a seu lado até o nascimento de nosso filhinho. Nada vai lhe faltar.
- Do que está falando?
- De sua gravidez.
- O quê?
- Como estou feliz, Maria Lúcia!
- Eu perdi o bebê. Tive uma forte hemorragia. Nem sabia estar grávida.
Ele acariciou a barriga dela com carinho.
- Este aqui é forte. Resistiu.
- Não estou entendendo.
- O dr. Odair afirmou que só um milagre fez este bebê resistir.
Por sorte Maria Lúcia estava deitada, caso contrário teria desfalecido. Um ódio surdo brotou dentro dela.
Imediatamente começou a chorar, de verdade desta vez.
Eduardo achou que eram lágrimas de felicidade, que ela estava emocionada. Maria Lúcia chorava de ódio. O tiro saíra pela culatra.
***
As famílias receberam a notícia da gravidez com um misto de surpresa e felicidade. Acreditavam que Eduardo e Maria Lúcia estivessem próximos do desquite e, de repente, aparecia a gravidez. Sabiam que o casal não se dava bem em público; mal se tocavam. Claro que, dessa vez, houve suspeitas: o filho seria mesmo de Eduardo?
Marines ficou chocada com a notícia inesperada. Se Eduardo a amava de verdade e havia prometido separar-se assim que o filho completasse um ano de vida, como aparecia nova gravidez? Cegonha é que não era. Aquela surpresa desagradável a afastava cada vez mais de Eduardo. As coisas não estavam indo como idealizara. Será que estava alimentando uma fantasia impossível? Seu sonho jamais iria se concretizar. Ela foi ter com Alzira.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 28, 2024 11:29 am

Precisava desabafar.
- Dona Alzira, não sei o que fazer. Sinto-me feliz com a chegada de mais um sobrinho. Adoro crianças. Mas o que posso fazer? E o que sinto por Eduardo? Preciso arrancar esse sentimento de dentro de mim. E não venha a senhora me dizer que estou errada.
Alzira permaneceu em silêncio. Marines replicou.
- Não vai dizer nada?
- Você já fez sua escolha, querida. De que adianta eu lhe dizer para aguardar?
- Mas, perante esse quadro, o que posso esperar?
- Não tem confiança na vida?
- Mais ou menos.
- Precisa ter confiança.
- Será? Acredito no amor, acredito que Eduardo é o homem de minha vida. Mas, afinal de contas, que raio de vida é esta?
- Tudo ia bem, até a chegada dessa notícia. Sua vida não é boa?
- É... Quer dizer... Mais ou menos.
- A vida que escolheu tem de ser boa para você. Não se esqueça de que você deve assumir as consequências por tudo aquilo em que acredita. Se houver sentimento e inteligência andando de mãos dadas, é só aguardar. Tudo vai a seu favor.
- Mas estou num beco sem saída. Não sei mais o que pensar. Estou perdendo a fé.
- Querida, com inteligência você assume uma série de qualidades humanas. A inteligência é a base da fé.
- Sinto minha fé abalada. O que fazer com o que sinto? Amo um homem que é pai de dois filhos e, pior, casado com minha irmã. Tudo isso é loucura! Como a senhora pode apoiar esse sentimento?
- Apoio porque é verdadeiro. E seus guias espirituais afirmam que você está no caminho certo. Por que colocar sob suspeita um sentimento tão puro?
Marines pegou nas mãos de Alzira, em desespero.
- O que fazer?
— Como eu disse, aprenda a ter paciência. Você sabe que nós fazemos nosso destino, portanto, cuidado com o que pensar daqui por diante.
Marines baixou a cabeça, envergonhada. Alzira alisou delicadamente seus cabelos.
- Ah, minha filha, se você soubesse o que vem pela frente! Adianto que haverá turbulências no caminho, mas você vai conseguir o que tanto anseia.
- Acredita mesmo nisso?
- Vou devolver a pergunta. Você acredita nisso?
- Às vezes me sinto insegura.
— Por isso precisa alimentar essa fé, essa força interior que tudo é capaz de mudar e transformar. É só confiar.
Continua amando Eduardo de verdade?
— Com toda a força de meu ser.
— Então você está fazendo sua parte. O resto, deixe na mão de Deus.
— Obrigada. Vou alimentar minha fé, com inteligência.
Pode acreditar.
Marines despediu-se de Alzira sentindo-se animada, forte, com um pressentimento indestrutível de que tudo iria se acertar, não importava o tempo que levasse. Ela amava Eduardo e ia aguardar os acontecimentos. Ia esperá-lo, nem que demorasse a vida toda para tê-lo em seus braços.
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Medo de Amar - Marco Aurélio/Marcelo Cezar - Página 6 Empty Re: Medo de Amar - Marco Aurélio/Marcelo Cezar

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 28, 2024 11:29 am

Capítulo 25
Maria Lúcia voltou para casa amargurada. Consumia-se de ódio por dentro. Ao saber que tinha sido a empregada quem ligou para Eduardo nem pestanejou: despediu a pobre moça. A empregada tentou defender-se, chorou, implorou, rogou, mas em vão. Maria Lúcia por pouco não lhe esbofeteou, tamanho o fingimento da desaforada.
Henrique ficou feliz com o episódio. Safou-se de mais uma. Era mais fácil pôr a culpa numa pobre coitada do que se ver em maus lençóis com a galinha dos ovos de ouro.
Problema da empregada. Afinal de contas, o mundo era dos espertos. Sempre a corda arrebentava do lado mais fraco.
- Pombo, quando bobeia, vira asfalto - dizia sempre.
Para Maria Lúcia, a situação complicou-se. Eduardo sabia da gravidez, e, por causa disso, ela dificilmente conseguiria fazer nova tentativa de aborto.
Henrique, por sua vez, não desgrudava dela, e tudo faria para impedi-la de cometer uma besteira.
"Ela não pode morrer", pensava ele. "Esse bicho vai ter de nascer. Paciência!"
De certa forma, Henrique ajudou a que a gestação seguisse adiante. Os espíritos do bem aproveitaram o desejo do rapaz de manter Maria Lúcia viva e sussurravam-lhe palavras aos ouvidos. Henrique captava a vibração e não arredava pé do quarto. Eduardo até gostou da presença constante do rapaz em sua casa. Maria Lúcia precisava de repouso absoluto, e Henrique fazia-lhe todas as vontades.
Como na vida tudo é troca, a proximidade dos espíritos amigos ajudou Henrique a permanecer afastado de companhias desagradáveis, encarnadas ou não. Assim, Maria Lúcia passou os meses seguintes com medo de tomar qualquer chá ou outra substância abortiva.
Henrique bombardeava-a diariamente:
- Se você bater as botas, quem vai cuidar de Marcílio?
Maria Lúcia tinha pavor de morrer. Marcílio era a única pessoa que amava no mundo, além de seu pai. No fundo, ainda alimentava uma vaga esperança de interromper a gravidez. Pensava numa maneira que não oferecesse riscos.
Também não descartava a ideia de infanticídio sugerida por Henrique. De qualquer maneira, ela jurava a si mesma que o parasita que a sugava por dentro não iria escapar da morte, fosse agora, fosse depois.
Eduardo mandou instalar uma campainha no quarto.
Contratou nova empregada. Ele desejava muito aquele filho.
Mas Maria Lúcia, assim que Eduardo saía de casa, pretextava acúmulo de gases e trancava-se no banheiro. Remexia-se, fazia movimentos vigorosos. Pulava, sacudia-se, fazia exercícios de polichinelo.
- Por que esta placenta não se desloca? - indagava, enquanto se movimentava.
O desespero foi aumentando. Aproximou-se o sétimo mês de gravidez. Muitas vezes ela esmurrou a barriga, bateu com o ventre propositadamente sobre a quina da pia do banheiro. Mas tudo em vão. Certa manhã, em desespero, quase se atirou no chão. Olhou para o Marcílio brincando no canto do quarto, no chiqueirinho. Ele ia completar um ano de vida.
Ela precisava esperar um pouco mais. Quem sabe, depois da festinha de aniversário do filho? Infanticídio era crime, então por que não um acidente? Um tropeção sobre um brinquedo, uma bobagem qualquer. Ninguém iria desconfiar.
Maria Lúcia olhava para o ventre entumecido e sentia ódio descomunal. Era-lhe doloroso imaginar-se dando à luz um filho de Eduardo. Aquilo era o cúmulo. Odiava aquele ser.
Iria impedir a todo custo que ele nascesse, e, se nascesse, ela ia tomar outras providências.
Deu uma gargalhada descontrolada.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 28, 2024 11:29 am

"Ser infernal! Você é duro de ceder, mas um dia, por bem ou por mal, vai ter de nascer. Veio na hora errada, estragando meus planos. Você nunca foi desejado, você é um intruso em minha vida. Deformou meu corpo. Nunca vou perdoá-lo por isso. Eu o odeio. Eu o odeio!"
Maria Lúcia deu um tapão na barriga. Depois, novo soco. Dessa vez ela sentiu um chute forte. Era como se o pequenino lá dentro tivesse entendido o recado e tentasse se defender das barbaridades que ela lhe dizia e cometia.
Ela olhou para Marcílio.
- Venha até a mamãe, amorzinho.
O pequeno procurava se sustentar nas pernas, tropeçava e, aos poucos, chegou próximo da mãe. Marcílio era muito apegado a ela.
- Mã... Mamã.
- Meu tesouro! Meu filho lindo!
Ela fez grande esforço, contrariando as normas médicas, e pegou o filho no colo, de propósito.
- Mamãe vai lhe fazer uma festa linda de aniversário, cheia de balões, docinhos, brinquedos. Vai ser inesquecível.
O salão de festas está quase pronto. Mamãe vai levá-lo até lá, está bom?
O pequeno adormeceu. Maria Lúcia havia notado certa mudança no comportamento do filho. Nos últimos dias, o pequeno andava sonolento, o que ela julgava ser cansaço, pelo esforço dele em querer andar sobre as próprias pernas.
Maria Lúcia trouxe-o de encontro ao peito. Amava Marcílio acima de tudo. Fosse apego, fosse amor, ela nunca sentira gostar tanto de alguém como do filho. Não sabia explicar. Ela às vezes se espantava com tanto amor que sentia por ele, ainda mais ela, que sempre condenou esse sentimento. Mas o que fazer? Era algo inexplicável, um sentimento que ela não conseguia dominar; fluía naturalmente.
Pelo filho, ela se afastara temporariamente da sociedade. Trocava o menino, limpava-o, não deixava que nem a empregada nem ninguém chegasse perto dele. Nem mesmo Eduardo podia ficar muito tempo com o menino. Quem mais tinha contacto com Marcílio era Henrique, que não mostrava ter paciência ou desenvoltura com crianças. O rapaz fazia tremendo esforço para embalar a criança, quando solicitado.
Com a simpatia que granjeara de Adelaide após o baptizado, Maria Lúcia conseguiu preparar para Marcílio uma festa de aniversário impecável. A sogra, e também madrinha, fez questão de dar uma festa inesquecível ao neto. Convidou toda a alta sociedade, incluindo artistas e políticos. Queria que todos participassem do primeiro aniversário do novo herdeiro dos Vidigais.
Com sete meses de gestação, Maria Lúcia estava insuportável, e nem mesmo Henrique, com amparo espiritual, conseguiu permanecer ao lado dela. Ele começou a sentir falta de seu mundo, de suas conquistas, de suas transas e, principalmente, das drogas. Foi à cata de Marcos e conseguiu grande quantidade de cocaína. Precisava relaxar, distrair-se, e a cocaína ajudava-o.
Marcos percebeu o cliente em potencial e, de início, chegava a dar a droga de graça, acreditando no retorno. Tiro certo: em duas semanas, Henrique gastou enorme quantia na compra de cocaína. Ele e o michê falavam-se quase todos os dias. Marcos tramava, de alguma maneira, drogá-lo bastante a ponto de poder vasculhar seu quarto. Sabia que lá era o local onde Henrique guardava dólares e outros pertences de valor. Por isso tornara-se carinhoso, atencioso. Chegava a dar papelotes da droga como presente, para deleite de Henrique. Marcos estava cada vez mais endividado com os traficantes, mas isso era uma questão de tempo. Estava apostando no cofre, e, assim que pusesse a mãos nos dólares, pagaria os traficantes e fugiria para bem longe dali.
Henrique nunca saberia onde encontrá-lo.
***
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 28, 2024 11:30 am

Chegou o dia do aniversário de Marcílio. Maria Lúcia, pela primeira vez nos últimos dias, acordou bem-humorada.
"Hoje é o grande dia. Festa. Aniversário de meu filho."
Ela se dirigiu ao berço. Marcílio completava um ano de vida e ainda dormia ao lado dela. Henrique afastara-se e Eduardo contratara uma babá, a contragosto da mulher.
Cida pouco fazia, mas apegara-se ao pequeno Marcílio.
Maria Lúcia cumprimentou secamente a babá:
- Bom dia, Cida.
— Dona Maria Lúcia, que bom que acordou! Estou preocupada.
— O que foi?
— Desde ontem Marcílio não passa bem. Está febril.
Maria Lúcia olhou para o filho com amor, abaixou-se e beijou-o na fronte. Sentiu o rostinho um pouco quente. Afastou as cobertas e pegou em suas mãozinhas: estavam frias. Maria Lúcia não deu muita atenção.
— Febrezinha passageira. Marcílio estava assim ontem. Gripezinha de criança. Se estivesse com o corpo todo quente...
— Não acha melhor ligar para o pediatra?
- Vamos aguardar. Se a febre persistir, amanhã eu o levarei. Hoje é dia de festa, Cida. Isso passa.
— Não sei, não, d. Maria Lúcia. A moleirinha está inchada. Não estou gostando disso, não. Vamos levá-lo ao médico.
- Cale a boca, Cida! Já disse que amanhã levaremos Marcílio ao médico.
— Desculpe.
A babá retirou-se do quarto. Maria Lúcia abaixou-se e beijou novamente a testa do filho. Marcílio mexeu-se na cama, abriu os olhinhos e sorriu.
— Mamã...
— Meu coraçãozinho! Mamãe vai tomar um banho e já volta.
Ela entrou no banheiro, olhou-se no espelho e deu um tapa forte na barriga.
- Você não desiste mesmo. Monstro! Estou gerando um monstro. Mas você vai pagar caro por tudo isso. Hoje você vai ter o dia livre; não vou importuná-lo. É aniversário de meu filho, entendeu? Meu único e amado filho, compreende?
Está me escutando?
Ela gritava e dava tapas na barriga, como se estivesse batendo no bebê.
Maria Lúcia ouviu leve batida na porta. Odiava quando vinham atrás dela logo que acordava. Já aturava o olhar perscrutador da babá toda manhã, o que era suficiente para irritá-la.
— O que é? - perguntou de mau humor.
— Dona Maria Lúcia, sou eu, Cida.
- O que foi?
- Marcílio. Não para de chorar.
Maria Lúcia saiu feito um jacto do banheiro. Correu até o berço, pegou o filho e embalou-o nos braços.
- Calma, querido, mamãe está aqui. Nada de mau vai lhe acontecer.
Marcílio chorava e Maria Lúcia percebeu que seus pezinhos, estranhamente, também estavam frios. Ela ia pedir para Cida ligar para o médico, mas sentiu uma dor tão forte no ventre, que Marcílio quase escorregou de seus braços.
Com muito esforço colocou o filho de volta ao berço. A babá notou seu rosto contorcido de dor.
- Dona Maria Lúcia, o que foi?
- Ai, ai... Eu não aguento de dor!
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 28, 2024 11:30 am

Ela caiu de joelhos, contraindo-se toda. Logo, um líquido viscoso começou a escorrer pelas suas pernas. Cida ficou horrorizada. Em desespero, ligou para Eduardo.
***
Maria Lúcia foi atendida tão logo chegou à maternidade. Eduardo estava estupefacto: Maria Lúcia e Marcílio estavam no hospital. Ele ligou para seus pais e seus sogros.
Não sabia o que fazer.
Algum tempo depois, o dr. Odair veio até ele, carregando preocupação no semblante.
- E então, doutor?
- Tivemos de fazer um parto de emergência.
- Como está...
- Calma! Foi necessária uma cesariana, e correu tudo bem. Sua mulher está muito fraca, mas não corre perigo de morte. Sabe como é: parto prematuro, sete meses de gestação... A menina nasceu bem fraquinha. Foi para a incubadora.
- Para onde?
O médico sorriu.
- A menina passa bem, mas precisa ficar alguns dias numa pequena câmara oxigenada, com temperatura e umidade controladas.
- Ela não corre riscos?
- Acredito que não. Mas prematuros exigem cuidados particulares. Seu quadro clínico inspira cuidados.
Somente naquele momento Eduardo deu-se conta de que era pai de uma garota. Seus olhos marejaram.
- O senhor disse "menina"?
- Sim. Parabéns! Menina forte, uma vitoriosa.
- Posso vê-la?
- Ainda não. Mais tarde, talvez. Mas tenho outro assunto desagradável para tratarmos.
- O que é?
- Seu filho.
- O que ele tem, doutor?
- Lamento informar que ele contraiu meningite.
- Meningite?
- Sim.
- Marcílio? Não pode ser!
- Temos de correr contra o relógio. Precisamos de sua autorização para levá-lo até o Hospital Emílio Ribas.
- Mas por quê? Não podem atendê-lo aqui? Estamos num hospital.
Eduardo estava visivelmente perturbado.
- Sim, estamos, mas somente o Emílio Ribas atende casos de meningite. No momento, não temos como atender seu filho. Precisamos urgentemente levá-lo para lá.
Eduardo sentiu as pernas bambas. Ao mesmo tempo em que recebia a notícia do nascimento de sua filha, era informado de que o filho contraíra meningite, aquela doença.
Naquele inverno a meningite tornara-se uma epidemia no país. Casos e mais casos surgiam sem parar. Só na cidade de São Paulo, eram atendidos mais de mil e quinhentos doentes por dia. Não havia vacinas para tantos casos. As férias escolares foram estendidas até meados de agosto, para evitar o contacto entre as crianças, as mais afectadas.
Marcílio deu entrada no Hospital Emílio Ribas ao meio-dia. Floriano e Iolanda ficaram na maternidade com Maria Lúcia. Ela havia sido sedada e estava dormindo; não sabia que tinha dado à luz, tampouco que seu filho estava doente.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 28, 2024 11:30 am

Adelaide e Sónia ficaram responsáveis por ligar para amigos e parentes, cancelando a festinha. Procuravam manter-se em equilíbrio, informando aos convidados que, logo que Marcílio se recuperasse, iriam marcar nova data.
Eduardo estava impaciente. Jamais entrara num hospital público daquele porte. Estava horrorizado. Os doentes não paravam de chegar. No fim da tarde, um médico veio conversar com eles.
— Doutor, como está meu filho?
— Estamos fazendo o possível.
— Tem certeza de que é meningite?
Osvaldo interveio.
— Desculpe, doutor, mas nos explique sobre essa doença.
— Bem, trata-se de uma inflamação dos tecidos que encobrem o cérebro. A meningite pode ser causada por bactérias ou vírus, sendo que variante bacteriana é a mais grave. A doença é acompanhada de febre alta, dores nas articulações e dores musculares. As crianças mais novas são afectadas principalmente pela meningite do tipo meningocócico.
— E o que isso quer dizer?
- Seu filho contraiu meningite bacteriana, caso grave.
Eduardo jogou-se nos braços do pai, arrasado.
— Isso não pode ser verdade. Meu filho? - E, virando-se para o médico: — Marcílio é bem-criado, bem cuidado. Como pode?
— Infelizmente, qualquer pessoa está à mercê de contrair a meningite. Trata-se de uma doença democrática, pois atinge todos os níveis sociais.
— Como não percebemos isso antes?
— Os primeiros sintomas da doença são facilmente confundidos com doenças consideradas inofensivas, como otite ou mesmo gripe. No caso de crianças com menos de dois anos de idade, como Marcílio, os sintomas são pouco evidentes, e o diagnóstico torna-se difícil. Nós, médicos, recomendamos atenção especial a sinais como febre, com mãos e pés frios, moleirinha inchada ou sonolência.
Eduardo não queria mais ouvir. Seu filho corria risco de morte. Ele se desesperou. Foi até um orelhão e ligou para Marines, implorando-lhe que fosse até o hospital.
Osvaldo estava desolado e indignado. Continuou a conversa com o médico.
- Há meios de transferirmos meu neto para outro hospital?
- Somente o Emílio Ribas atende casos de meningite.
Estão criando uma rede de hospitais conveniados para nos dar retaguarda. Houve uma explosão de casos na cidade, e já atendemos mais de dez mil pacientes até agora.
- Isso é alarmante. Uma calamidade. Como não soubemos de nada disso?
- O surto de meningite não é divulgado em nenhum meio de comunicação. O governo não admite a epidemia e por isso não toma providências.
- Mas isso é desumano.
O médico baixou o tom de voz:
-O governo não quer que a população faça associação entre a epidemia e a ditadura.
O médico afastou-se. Osvaldo sentiu-se impotente.
Uma lágrima desceu pelo canto de seu olho.
Outras crianças chegavam e eram imediatamente atendidas, fosse no saguão de entrada, fosse nos corredores. A capacidade de atendimento do hospital não chegava a setecentas internações, e, naquele dia, já haviam chegado quase dois mil pacientes.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 28, 2024 11:30 am

Osvaldo abraçou-se a Eduardo.
- Vai dar tudo certo. — Procurando animar o filho, bateu levemente em suas costas. - Esqueci-me de cumprimentá-lo pelo nascimento de sua filha, minha neta.
Eduardo esboçou leve sorriso.
- É. Parece que ela vai ficar uns dias no hospital, mas o médico disse que está tudo bem, se ela resistir.
- É claro que vai resistir. É prematura, inspira cuidados. Mas sua filha é uma vitoriosa.
- O doutor disse o mesmo: que ela é uma vitoriosa.
Vou registá-la com o nome de Vitória.
- Bonito nome. Gostei. Vitória!
Eduardo desesperou-se.
-Que ironia do destino, não, pai? No dia do aniversário de meu filho, ganho um presente e levo uma rasteira da vida.
Deus me deu uma filha e está tirando meu filho...
Não conseguiu segurar o pranto. Agarrou-se ao pai e ambos permaneceram assim, calados e embalados na dor que os massacrava.
Marines relutou, de início. Evitava ao máximo encontrar-se com Eduardo. Mas naquele momento, com a gravidade da situação, esqueceu-se de tudo e foi correndo ao hospital. Ficou abraçada a Eduardo, calada, transmitindo-lhe serenidade, dentro do possível.
Passaram assim o dia, a tarde, e nada de novidades.
Para tristeza de todos, no início daquela noite, Marcílio faleceu, aumentando o quadro desolador de mortes causadas pela meningite, que assolou o país naquele triste inverno de 1974.
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