LUZ ESPÍRITA
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Medo de Amar - Marco Aurélio/Marcelo Cezar

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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 21, 2024 10:13 am

b]Medo de Amar[/b]
Marcelo Cezar

pelo espirito Marco Aurélio

A Márcia, mais do que irmã, anjo em minha vida.

Prólogo
Maria Lúcia remexeu-se na cama, abriu os olhos e moveu lentamente a cabeça de um lado para o outro.
"Como vim parar aqui?", indagou a si mesma, confusa.
Perpassou o olhar pelo ambiente e deduziu estar num quarto de hospital. A atmosfera do local era azul, as paredes pintadas em tons de azul-bebê. Próximo à sua cama, um criado-mudo com um jarro de água e um copo. Na parede oposta, um pequeno guarda-roupa e, ao lado deste, uma poltrona. Atrás da poltrona, um abajur iluminando palidamente o ambiente. À esquerda da cama ficava a janela, com as cortinas cerradas. Seria dia ou noite? Impossível precisar. Ela tacteou os lençóis: eram macios, alvos e perfumados.
Ouviu passos no corredor e, em seguida, leve batida na porta. Uma simpática negra, de olhos verdes profundos, entrou no quarto, sorrindo.
- Já não era sem tempo!
- De quê?
- Faz um mês que dorme sem parar. Estava na hora de acordar.
Maria Lúcia fez força e ajeitou-se melhor na cama.
Recostou-se na cabeceira.
- Onde estou?
- Num hospital. Não se lembra do acidente?
- Não. Nem imagino como vim parar aqui.
- Logo vai se recuperar e se lembrar de tudo.
- Quem é você?
- Meu nome é Bárbara. Sou enfermeira desta ala.
- Que horas são? É dia ou noite?
Bárbara foi até a janela e, num movimento gracioso, puxou delicadamente as cortinas para os lados.- Está uma linda tarde.
- Bonita mesmo - concordou Maria Lúcia.
- Sente fome?
- Não. Mas estou com sede.
- Natural que sinta sede. Dormiu muito tempo.
- Por que dormi tanto?
- Você se safou de uma! O dr. Lucas...
- Quem é ele?
- Seu médico. Ele virá lhe fazer uma visita. Menina, por pouco não...
Lucas entrou no quarto e interrompeu a conversa, repreendendo a enfermeira com o olhar.
- Queira se retirar, Bárbara, por gentileza.
Ela baixou a cabeça envergonhada, rodou nos calcanhares e saiu cabisbaixa.
- Com licença.
Lucas aproximou-se da paciente.
- Como vai, Maria Lúcia?
- Sonolenta.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 21, 2024 10:13 am

- Mais alguns dias e, se tudo correr bem, vou lhe dar alta.
- Quanto tempo mais ficarei aqui? - indagou ela, com visível apreensão.
- Não sei precisar ainda.
- Não gosto de hospital.
- Quase ninguém gosta. Mas tem o lado bom.
- Qual?
- As visitas.
- Visitas? Para mim? Tem certeza?
- Posso mandar entrar?
Ela ajeitou os cabelos.
- Pode.
Lucas saiu do quarto e retornou logo em seguida com dois homens. Um deles ela reconheceu imediatamente.
- Papai! — exclamou, comovida.
Floriano correu até a cama e abraçou a filha, emocionado. Delicadamente estreitou a cabeça dela em seu peito.
- Querida, quanta saudade! Desde seu resgate, estava impaciente. Esperei tanto por seu despertar.
- Papai, não imagina como tenho me sentido só nesses últimos tempos.
- Vim para ficar.
Ela olhou por cima do ombro de Floriano e fitou o rapaz atrás dele. Era bonito, cabelos anelados, olhos vivos e expressivos. Aparentava não mais que trinta anos de idade.
Seu sorriso era cativante. Maria Lúcia sentiu um friozinho na barriga. Seu rosto era-lhe profundamente familiar.
- Quem é você?
- Um velho amigo de Floriano.
Ela se encantou com o rapaz. Sua voz era aveludada, porém firme. Sentiu vontade de abraçá-lo, mas se conteve.
- Deixaremos pai e filha matando a saudade - tornou o médico. - Voltaremos daqui a alguns minutos. Com licença.
O rapaz despediu-se com ligeiro aceno de mão. Ele e Lucas retiraram-se. Ao ver-se a sós com o pai, Maria Lúcia confessou:
- Foi muito duro ter de viver sozinha. Você sempre me amparou; era meu único defensor.
- A vida sabe o que faz, minha filha.
- Será? Se pudéssemos estar mais tempo juntos...
Num lampejo, Maria Lúcia lembrou-se de tudo: dos mais recentes acontecimentos, de sua raiva, do acidente.
- Meu Deus! O acidente! - bramiu ela.
O que estava acontecendo? Não podia estar conversando com seu pai. Jamais! Ela o empurrou com toda a força.
Gritou horrorizada:
- Saia daqui! Você não é real!
- Filha, sou eu, sim. Calma!
- Não! Suma de minha frente! Desapareça!
Floriano tentou acalmá-la. Maria Lúcia quis correr, mas suas pernas não respondiam à sua vontade. O pavor apoderou-se de seu corpo. Sentiu forte pontada na cabeça e, antes de cair desfalecida sobre si mesma no chão, disse com um fio de voz:
- Papai, você morreu há vinte anos...
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 21, 2024 10:13 am

Capítulo 1
O som agudo e irritante do despertador, obrigava Maria Lúcia a acordar. Em vão ela se revirava na cama e tapava os ouvidos com o travesseiro.
Meteu as mãos no aparelho e desligou-o com violento tapa, denotando seu mau humor.
- Droga! Estou com sono.
Enquanto ela se espreguiçava e bocejava, Iolanda entrou no quarto.
- Sem delongas.
- Quero dormir, mãe.
- Está atrasada.
- Atrasada para quê?
- O café está na mesa.
- Mas hoje é sábado.
- Não vai chegar de novo atrasada no salão. Levante-se.
- Estela me deu o dia de folga.
- Qual foi a mentira desta vez?
- Ah, mamãe. Não encha.
- O dia em que Estela descobrir quanto você a faz de boba, vai despedi-la.
- Ela é fácil de ser enganada. O mundo é dos espertos.
- Ingrata. Ela lhe deu oportunidade.
- E daí? Odeio trabalhar naquele salão reles.
- Então por que você parou de estudar? Se tivesse completado o colegial teria chance de arrumar emprego melhor.
- Não gosto de estudar. Não sou como a tonta da Marines.
- Pare de implicar com sua irmã.- Não quero falar sobre ela. Logo cedo?
- Marines é uma fiorde menina. Sempre procurou ser sua amiga. Não sei por que tamanha implicância.
- Ela é boa demais, certinha demais. Isso me irrita.
- Por quê? Não acredita na bondade das pessoas?
- Só no cinema.
Iolanda meneou a cabeça para os lados.
-Você não toma jeito. Arrume-se rápido, pois Gaspar está aí.
Maria Lúcia deu um salto da cama.
- Gaspar?!
- Veio tomar café da manhã connosco.
- Não posso acreditar!
Iolanda aproximou-se dela, com chispas saindo pelas ventas.
- Pode se arrumar já.
Maria Lúcia afundou-se nos travesseiros.
- Pois podem começar o café. Não vou descer. Acordei indisposta - mentiu.
- Vai fazer outra desfaçatez com o moço?
- Não o chamei, ora.
- Vocês namoram há três anos. Ele é praticamente da família.
- Então não precisam de minha companhia.
Iolanda andava de um lado para o outro, visivelmente perturbada.
- Por que namora esse moço?
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 21, 2024 10:13 am

- Como?
- Por que o namora? Você não o ama.
- Isso é problema meu.
- Não pode tripudiar sobre Gaspar.
- Não tripudio. Só porque não o amo, tenho de deixar de namorá-lo?
- Então termine esse namoro e deixe-o seguir seu caminho. Por que fazer o moço de bobo? Ele está apaixonado por você.
- Problema dele.
Iolanda levantou as mãos para o alto.
- Eu não disse? Você tripudia, brinca com os sentimentos das pessoas.
- Eu gosto dele. Mas pensar em algo mais sério com Gaspar? Você deve estar brincando comigo. Ele não tem onde cair morto. Quer que me case com um pobretão?
- Você e sua mania de grandeza...
- Gaspar é bom para namorar, não para casar.
- Você é desumana, cruel.
- Sou realista. De que adianta ser bonito, atencioso, educado, e não ter dinheiro no Banco? Ah, mamãe, faça-me o favor...
- Então por que não tenta por si mesma? Por que não termina os estudos, não batalha uma boa colocação profissional?
- Não nasci para estudar, tampouco para trabalhar.
- Nasceu para quê?
- Nasci para ser rica, famosa. Não me contento com pouco.
- Benza Deus! Quanta ilusão! Nem parece que você e Marines são irmãs.
Maria Lúcia sentiu o sangue subir-lhe. Encarou a mãe com rancor.
- Marines sempre tem de entrar no meio da conversa, não é?
- Ela dá o exemplo.
-Trabalhar como louca e ganhar tão pouco? Fazer cursinho à noite? Que tipo de exemplo é esse? Só se for de imbecilidade.
- E você, não ganha pouco no salão?
- É diferente. Preciso me vestir bem, e dinheiro não cai do céu. E, de mais a mais, é emprego passageiro. Já decidi qual o caminho mais fácil: vou arrumar um marido rico. Consegue entender minhas reais intenções?
- Entendo. Essa é sua meta de vida?
- É, sim.
- Se tem um pingo de dignidade, termine o namoro.
- Você não me entende. Dispenso seus conselhos.
- Vá atrás de sua meta. Não fique Iludindo as pessoas.
Você já tem dezanove anos; não é mais adolescente.
Maria Lúcia deu de ombros.
- Por que o defende tanto?
- Porque Gaspar é moço bom, sincero, trabalhador.
A jovem deu uma gargalhada.
- Então se case com ele.
Iolanda levantou a mão e ameaçou dar-lhe um tapa.
- Nunca bati em você ou em sua irmã. Mas não me obrigue!
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 21, 2024 10:14 am

- Sou adulta. Não se meta em minha vida.
A mãe, desolada, baixou os braços e retirou-se do quarto. Ao dobrar o corredor, ameaçou:
- Não demore no banheiro. Caso contrário, arrasto você escada abaixo até a copa.
Maria Lúcia mordeu os lábios com raiva. Sua mãe sempre se metia em sua vida. Dava conselhos. Dizia que uma boa mãe deve orientar seus filhos. De que adiantavam seus conselhos? Maria Lúcia sabia o que era melhor para si.
Namorava Gaspar porque ele era bonito, atraente. Era puro divertimento, mais nada. Suas amigas suspiravam por ele porque eram bobas, acreditavam em amor, cumplicidade, fidelidade. Tudo balela!
Nos três anos de namoro, ela deu suas escapadas, foi infiel. Toda vez que conhecia um rapaz em situação financeira melhor que a do namorado, Maria Lúcia dava suas investidas, entregava-se. Quando percebia que a conta bancária do novo pretendente não era tão atractiva quanto imaginara, ela o dispensava.
"Vou mudar minha táctica, é isso. Não adianta arrumar namoradinho classe média, como Gaspar. É melhor mesmo eu acabar com esse namoro e ir atrás de meus objectivos.
Estou perdendo tempo. Preciso entrar no mundo dos milionários, pescar um peixe bem grandão. Mas como me infiltrar nesse mundo tão distante?"
Maria Lúcia pensou, pensou. Andou de um lado para o outro do quarto. De repente teve um estalo.
"Sónia, herdeira dos Laboratórios Vidigal. Estudei com ela no ginásio. Por que não me lembrei da lambisgóia antes?
Rica, bem relacionada e facilmente manipulável. Era tonta na escola, influenciada por todos, não tinha opinião própria.
Chorava por qualquer coisa. Não deve ter mudado muito nesses anos. Uma menina chorosa geralmente se transforma numa mulher frágil, dependente. Henrique é bem relacionado; vai conseguir o endereço ou telefone dela."
Desceu as escadas pé ante pé, para não fazer barulho.
No hall, tirou o fone do gancho e discou. Falou baixinho:
- Alô, Henrique?
- Oi, queridinha.
- Preciso de um favor urgente.
- O que é desta vez?
- Lembra-se daquela menina bobona do ginásio?
- Qual? Eram tantas.
- Sónia.
- Que Sónia?
- Soninha, que você apelidou de Sonsinha.
- Aquela manteiga derretida? A milionária abobada?
- Essa mesma! Preciso encontrá-la.
- O que quer com a herdeira dos Laboratórios Vidigal?
- Henrique, preciso do telefone, endereço, uma pista que seja.
- Estou sentindo cheiro de golpe no ar - disse ele, rindo.
- Isso é problema meu. Ajude-me e eu lhe serei grata.
- Vou ver o que posso fazer.
- Preciso disso para já. Você conhece Deus e o mundo.
- Isso é verdade — vangloriou-se ele.
- Vá atrás do pessoal do colégio, daquelas meninas bobinhas que andavam com ela.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 21, 2024 10:14 am

- Não preciso disso, não.
- Não? Por quê?
- Estou saindo com um fulano que trabalha com o pai dela.
- Jura?
- Vai ser fácil descobrir o endereço da Sonsinha.
- Por favor. É urgente.
- Conte comigo.
- Você é meu anjo da guarda, Henrique. Vou tomar café e em seguida passo em sua casa. Preciso desligar. Tchau.
Maria Lúcia pousou o fone no gancho com indescritível sensação de alegria. Subiu os degraus da escada bem devagarinho. No quarto, deu sonora risada e trancou-se no banheiro. Ligou o chuveiro e meteu-se embaixo da água morna, concatenando as ideias.
Quando desceu, estavam terminando o café.
- Bom dia — disse a todos, com os lábios esticados, num sorriso forçado.
Gaspar levantou-se.
- Bom dia. Como vai?
- Óptima.
- Dormiu bem?
- Sim.
O silêncio tomou conta do ambiente. Marines procurou ser cordial:
- Hoje vai passar o último capítulo da novela das oito.
Está tão emocionante, que não vou perder por nada!
Maria Lúcia riu com desdém.
- Só você para perder tempo com esse mundo cor-de-rosa. Como é mesmo o nome? Irmãos Bobagem?
Floriano riu. Iolanda fulminou-o com o olhar, e ele se conteve. Gaspar olhava a namorada de través. Marines respondeu com naturalidade:
- Irmãos Coragem é um grande sucesso. Janete Clair, a autora de tamanha façanha, criou uma linguagem própria para a teledramaturgia brasileira.
Gaspar interveio:
- Sua irmã tem razão. Nunca uma novela fez tanto sucesso. Estourou de ponta a ponta no país. Sempre que possível, eu assistia a um ou outro capítulo...
Enquanto ele falava, Maria Lúcia fitava-o detalhadamente. Gaspar era o objecto de desejo de qualquer mulher.
Cabelos negros levemente ondulados, a pele clara. Era alto, corpo naturalmente musculoso, olhos de um castanho profundo. Tinha um sorriso encantador, dentes perfeitos. Era educado, galante... mas pobre. Servia para ser amante, e só. Temporariamente Maria Lúcia teria de reprimir o instinto sexual, fazer pequeno sacrifício. Precisava acabar com o namoro e ir atrás de seus objectivos. Depois, seduziria Gaspar novamente.
A jovem foi arrancada de seus devaneios com suave toque nos braços.
- Hã? O que foi que disse, Gaspar?
- Nada de importante. Vamos dar um passeio mais tarde, depois do almoço?
- Gostaria muito, muito mesmo, mas infelizmente... — disse ela em tom desolador.
- Você não tirou folga do salão? Então temos o dia livre.
- Não tenho o dia livre. Uma amiga está doente, e tirei folga para poder visitá-la - mentiu.
- Que amiga?
- Sónia. Ela está mal. Preciso visitá-la de qualquer jeito.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 21, 2024 10:14 am

Iolanda interveio, desconfiada:
- Que Sónia? Nunca ouvi falar dela.
- Uma amiga de colégio. Eu a encontrei na rua por acaso semana passada. Está com anemia, coitada.
- Podemos ir juntos - propôs Gaspar.
- Quero ir sozinha. Não tenho intimidade com ela. Não nos vemos há anos. Não é de bom tom levar alguém junto.
- Que pena! Gostaria muito de ir ao cinema. Juntei dinheiro para os ingressos.
- É, mas não vai ser possível. Prometi visitar Sónia hoje.
- Está certo. Vamos deixar o cinema para outro dia.
Iolanda, Floriano e Marines entreolharam-se. Levantaram-se e deixaram os dois à vontade.
Vendo-se a sós com a namorada, Gaspar tornou, delicado:
- Você está diferente. Algum problema?
- Sim, todos.
- O que houve?
Maria Lúcia pousou levemente sua mão na de Gaspar.
- Quero terminar o namoro.
Ele gelou. Sem saber o que dizer, perguntou:
- Como assim? Acabar?
- É. Acabar.
- O que aconteceu?
- Nada.
- Eu a amo, Maria Lúcia.
- Mas eu não o amo.
Uma lágrima sentida escorreu pelo canto do olho do rapaz.
- Três anos juntos, e você não me ama?
- É.
- E quer terminar assim e pronto?
Maria Lúcia exalou profundo suspiro de contrariedade. Não estava com vontade de explicar, de conversar, de nada. Queria ver-se livre dele.
- Você arde em meus braços - suplicou Gaspar.
- Isso não quer dizer que eu o ame.
- Não quer conversar melhor outra hora? Não está sendo precipitada?
- Não. Acabou.
- Está me descartando?
- Sim, estou.
Gaspar fez sinal de levantar-se, mas ela o impediu.
- Deixe-me sair primeiro. Estou atrasada. Até logo.
Maria Lúcia deu-lhe as costas e partiu. Gaspar tentou segui-la, mas foi impedido por Floriano.
- Deixe, meu filho. Ela está com a cabeça quente.
- Mas eu a amo...
Gaspar cobriu o rosto com as mãos, desesperado.
Chorava feito uma criança. Marines abraçou-se a ele. Iolanda foi incisiva:
- Maria Lúcia não o ama. Por que perder tempo com ela?
- Só que eu a amo, d. Iolanda.
Ela pousou as mãos sobre seus ombros.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 21, 2024 10:14 am

- É porque ela foi sua primeira namorada. Agora você é homem feito; precisa seguir seu caminho, encontrar uma moça que o ame e o valorize.
- Eu me acostumei com ela.
- E vai se desacostumar.
- Será?
- Sim, meu filho. O tempo cura tudo.
Gaspar limpou as lágrimas com o guardanapo.
- Por que não procura Estela? - indagou Marines.
- Estela? Ela é só minha amiga.
- Mas ela não o vê como amigo.
- Como sabe?
- Coisas de mulher — respondeu ela, rindo.
- Estela estava saindo com Olavinho.
- Porque você estava namorando minha irmã. Assim que Estela souber que está livre, virá correndo.
- Não tenho cabeça para nada. Estou triste.
- Vá para casa e descanse. Depois, dê uma volta.
- Pode ser.
- Caminhar ajuda a esfriar a cabeça.
- Obrigado. Nunca me esquecerei do carinho de vocês.
Iolanda pegou nas mãos do rapaz.
- Eu o adoro, como se fosse meu filho. Sinto como se fizesse parte da família. Sou amiga de sua mãe. Adoraria tê-lo como genro, mas o que fazer? Maria Lúcia é voluntariosa, dissimulada, nunca respeitou ninguém.
- Não exagere - replicou Floriano, contrariado.
- Você e sua mania de defendê-la. É por isso que
Maria Lúcia não tem limites. Você a protege demais. Isso ainda vai nos trazer muito desgosto.
Marines interveio:
- Gosto muito de você, Gaspar. Gostaria que nossa amizade não fosse prejudicada.
- Não será. Nada será capaz de comprometer nossa amizade. Também gosto muito de você.
O moço despediu-se e partiu, cabisbaixo. Iolanda fechou a porta e suspirou:
- Maria Lúcia jogou fora sua felicidade.
- Ela é jovem. Não vamos exagerar - tornou Floriano, voltando da cozinha.
-Também percebo que a protege, papai. Infelizmente
Maria Lúcia não aceita a realidade, prefere iludir-se.
- Mas ela não ama o moço. Fez o que achava melhor.
- Será?
Iolanda sentiu o peito apertado. Pressentia que Maria
Lúcia iria pagar muito caro por suas escolhas.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 21, 2024 10:15 am

Capítulo 2
Maria Lúcia dobrou a esquina, atravessou alguns quarteirões e chegou a casa de Henrique. Tocou a campainha.
- Oi, queridinha.
- E então? Conseguiu?
- O que não consigo? - Ele tirou um papelzinho do bolso. - Aqui está o endereço da Sonsinha.
Ela o beijou no rosto.
- Você é rápido e eficaz.
- Desmarquei um encontro promissor e ainda terei de sair com o fulano que me deu a informação. Tenho de pagar pelo serviço - disse, às gargalhadas.
- Não estão namorando?
- Namorar? Você é louca?
- Eu e você somos parecidos: namorar não dá futuro.
- E o que faz ao lado de Gaspar há tanto tempo?
- Terminei com Gaspar.
- Não acredito! Então você deve estar tramando um golpe dos grandes.
- Estou aqui arquitectando. São conjecturas.
- Não se esqueça de mim.
- Não vai se arrepender. Se eu conseguir o que quero, você será regiamente recompensado.
- Espero.
Ela se despediu e foi para o ponto de ônibus. Fez sinal, subiu. Estava lotado. Teve de ficar em pé, balançando de um lado para o outro. Mesmo enraivecida, ficou imaginando como faria para se aproximar de Sónia.
"Sou bonita, atraente, não vai ser difícil fazê-la gostar de mim. Se ela continua tonta daquele jeito, vai ser moleza."
Ao saltar do ônibus, Maria Lúcia pisou em falso. Desequilibrou-se. A avenida Paulista estava em reformas para alargamento de suas vias e ela meteu o salto do sapato num buraco. Alguns operários no local fizeram gracejos:
- Aí, gostosona! Requebra mais esse quadril - dizia um.
- Cocota! — dizia outro.
Ela fez gesto obsceno com o dedo e atravessou a avenida. Desceu a rua da Consolação a toda brida e pouco tempo depois dobrou uma de suas alamedas. Parou diante de sumptuoso edifício.
- É aqui que ela mora. Preciso usar todo o meu charme.
Ela se aproximou da portaria. O zelador indagou:
- O que a senhorita deseja?
- Precisava falar com Sónia Vidigal.
- A família foi ao aeroporto.
Maria Lúcia ficou desapontada.
- Eu tinha assunto urgente a tratar - mentiu.
O zelador coçou a cabeça. Estava impressionado com a beleza da moça.
- É amiga dela?
- Sim, somos amigas de escola.
— Não sei se a empregada está...
Maria Lúcia deixou a bolsa cair e imediatamente curvou o corpo, abaixou-se e, de propósito, deixou que parte dos seios ficassem à mostra. O porteiro ficou embasbacado. Ela se levantou e tornou com voz melosa:
— Preciso tanto falar com ela!
— Eu a acompanho até lá em cima.
— Obrigada.
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Maria Lúcia sorriu triunfante e apertou o botão do elevador. Aproveitou e deu uma olhada no hall. Era um luxo só. Esse, sim, era o ambiente que combinava com ela, não aquele sobrado na Bela Vista, caindo aos pedaços, tão decaído.
— Eu me submeteria a qualquer coisa para ter uma vida igual à dela. Faria o impossível para me dar bem. Não nasci para ser pobre. Onde já se viu? Vir até aqui de ônibus, chacoalhando, em pé, transpirando, enfrentando piadinhas de peão de obra. Eu deveria ter motorista, carro com ar condicionado...
O porteiro gentilmente abriu a porta do elevador.
Maria Lúcia saiu na frente.
- Obrigada.
Ele tocou a campainha. Uma empregada vestindo impecável uniforme, muito simpática, atendeu-os.
- Bom dia, Sebastiana.
- Bom dia. O que desejam?
Maria Lúcia interveio:
- Preciso falar com Sónia. Ela está?
- Você é quem?
- Sou amiga de escola. Maria Lúcia.
- Um momento. Vou ver se está acordada.
Alguns minutos depois ela voltou, convidando.
- Faça o favor de entrar. Dona Sónia vai recebê-la.
- Obrigada.
O zelador despediu-se de Maria Lúcia. Ela lhe deu uma piscadinha e entrou. Sentou-se numa confortável poltrona e passou a observar o ambiente. A sala era mobiliada com extremo bom gosto. Aquele era seu mundo.
Passados poucos minutos, uma moça simpática, de cabelos molhados e escorridos até os ombros, metida sob um roupão branco felpudo, entrou na sala.
- Maria Lúcia? Há quanto tempo!
A visitante levantou-se e cumprimentou-a.
- Soninha! Eu estava em casa olhando o álbum de formatura do colégio e me bateu uma saudade...
- Saudade de mim? - estranhou a moça.
A reacção de Sónia era cabível. Maria Lúcia nunca simpatizara com ela e, juntamente com Henrique, infernizava-a com apelidos e brincadeiras de mau gosto. Adoravam fazê-la chorar. Era muito certinha, comportada, daquelas que levavam maçã para a professora. Não fazia parte da turma de Maria Lúcia e Henrique, um grupo que se sentava no fundo da classe e mal prestava atenção às aulas.
- Sempre a admirei.
- Você nunca quis minha amizade.
- Mentira! Isso era intriga de adolescentes. Os anos passaram e agora aprendi a valorizar uma boa amizade.
Quando vi sua foto no álbum, pensei comigo: Sónia sempre foi lúcida, inteligente, superior àquelas meninas fúteis com as quais me iludi e me decepcionei. Arrependi-me amargamente de não ter compartilhado sua amizade.
Sónia sentiu-se surpresa.
- Nunca imaginei que você me admirasse.
- Eu sempre a idolatrei.
- Não era a imagem que passava.
Maria Lúcia aproximou-se e pegou nas mãos dela.
- Querida, vim aqui justamente para dissipar, arrancar essa imagem ruim que possa ter feito de mim.
Sónia sempre fora tímida, e tinha dificuldade de fazer amigos. Vivia sozinha e carente de amigos. E agora aparecia Maria Lúcia, oferecendo sua amizade, seu carinho.
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Ela se comoveu.
- Desculpe. Estou confusa. Você sempre me pareceu tão arrogante.
- Deixe-me aproximar-me de você. Prometo que serei óptima amiga.
Maria Lúcia engoliu em seco. Então a tonta julgava-a arrogante? Essa era boa! Tinha de disfarçar, fingir ao máximo, para manipular a garota. Sónia continuava tímida, boba. Graças a Deus não tinha mudado! Na escola, era motivo de chacota. Ao invés de se defender, ela chorava.
Maria Lúcia iria tirar proveito disso. Com voz que revelava doçura hipócrita, tornou:
- Você está tão bonita! O que tem feito?
- Nada em especial. Estudo bastante.
- Estuda? Que delícia! Está fazendo o quê?
- Cursando o segundo ano de ciências sociais.
- Que interessante! O curso abrange o quê?
Sónia animou-se:
- Trata-se do estudo da origem, evolução, estrutura e funcionamento das sociedades humanas.
Maria Lúcia fez força para não mostrar seu aborrecimento. Que assunto mais enfadonho! Como um ser humano podia perder tempo com tanto lixo?
— Conte-me mais - perguntou, exibindo falso sorriso.
- Como cientista social, terei condições de estudar os fenómenos sociais, tais como revoluções, guerras. Poderei também ajudar no planeamento e assessoria de organizações que atuem nas áreas de saúde, habitação.
Era muita besteira! Só podia ser coisa de gente rica e à toa, porque definitivamente não era profissão que desse dinheiro. Mania de intelectual. Maria Lúcia virou os olhos para cima. Sónia indagou:
- E você, estuda o quê?
— Prestei vestibular para letras, mas não consegui passar.
— Vai tentar de novo?
- Pode ser. Na verdade, eu não gosto de estudar.
— Disso me lembro bem. Foi difícil você conseguir o diploma.
Nas entrelinhas, Sónia estava querendo dizer o quê?
Que ela era burra? Maria Lúcia segurou-se. Tinha de engolir tudo, não podia perder a compostura.
- Quero me casar, ter filhos. Nasci para ser mãe amorosa, esposa zelosa.
- Tudo que nossa geração abomina,
- Sou antiquada, casadoura. Ajudo minha mãe nos afazeres domésticos.
— Parabéns! Pensei que moças assim não existissem mais.
- Sou prova viva de que existimos.
- Tomou café?
- Faz tempo. Acordei bem cedo. Na verdade, sou eu quem vai à padaria buscar pão fresquinho para meus pais e minha irmã.
- Quanta dedicação!
— Eles merecem.
- Você é minha convidada.
Sónia chamou a empregada e solicitou:
— Sirva o café lá no quarto, para nós duas.
— Sim, senhora. Num instante.
Dirigiram-se ao quarto. Sónia tirou o roupão. Enquanto procurava uma roupa no closet, continuou fazendo perguntas a Maria Lúcia. Esta respondia à deriva, sem prestar muita atenção. De repente, ela viu um porta-retrato na mesa de cabeceira: Sónia abraçada a um rapaz, até que simpático.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 21, 2024 8:08 pm

Arriscou:
- Esse da foto é seu namorado?
- Qual?
— Este aqui. — Maria Lúcia pegou o porta-retrato e levou-o até o closet.
— Não. É meu irmão, Eduardo.
— Não me lembro dele na escola.
- Não lembraria mesmo. Quando estávamos no ginásio, ele estava se graduando na faculdade. Eduardo vai fazer trinta anos no mês que vem.
- E quantos sobrinhos ele lhe deu?
Sónia riu.
- Nenhum. Eduardo é solteiro.
— Não namora? - perguntou Maria Lúcia, interessadíssima.
- Não.
Sebastiana entrou e depositou sobre a cama uma bandeja enorme, com porcelanas finas, pães, bolos, café, leite, sucos. Saiu rápida. Sónia prosseguiu:
— Eduardo regressa hoje da França. Ficou dois anos fazendo especialização em finanças. Não acredito que namore. Ele respira trabalho. E você, namora?
Agora era chegado o momento de Maria Lúcia representar com perfeição. Precisava medir cada palavra, calcular cada gesto, levar a amiga na conversa.
— Não, imagine.
- Tão bonita! Eu me lembro como os meninos babavam e corriam atrás de você.
— Sou casta. Os rapazes, hoje em dia, só querem saber de diversão, sexo.
- Isso é verdade.
- Por isso me interesso por homens mais maduros.
Os mais velhos, de outra geração, sabem respeitar uma mulher. Quero me casar e encher minha casa de filhos.
— Eduardo iria adorar conhecê-la.
- Por quê?
- Meu irmão adora crianças.
Maria Lúcia perdeu o brilho no olhar. Detestava crianças. Elas davam muito trabalho. Mas, se casasse com um homem rico, como Eduardo, por exemplo, precisaria fazer o sacrifício e engravidar. Pelo menos um filho. Era receita certa para garantir o futuro. Um filho de pai rico era praticamente um tesouro inesgotável. Assegurava-lhe direitos, herança.
- Eu também adoro crianças - dissimulou, entre um pedaço de bolo e um gole de café.
- Eu adoraria ajudar as crianças em geral. Há tantas sofrendo no mundo. E muitas só carecem de carinho e atenção. Fico com o coração partido imaginando as crianças atingidas na guerra do Vietname. Você não tem pena?
- Morro de pena. Nem assisto aos noticiários.
Maria Lúcia finalmente descobriu o que queria. Aquele era o ponto fraco de Sónia. Então a idiota tinha peninha de crianças atingidas pelas guerras? Ela baixou a cabeça e fechou os olhos. Precisava arrancar lágrimas à força.
-O que foi? - perguntou Sónia, preocupada.
- Nada.
- Como nada? O que você tem?
- Esse assunto me comove.
- Está chorando?
- Não... eu...
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 21, 2024 8:09 pm

Sónia estreitou a cabeça de Maria Lúcia em seu peito.
- Não sabia que você era tão sensível.
- Fico comovida com tanta brutalidade. Pobres crianças, tão indefesas!
- Desculpe-me.
A encenação deu certo. Sónia deixou-se levar. Maria
Lúcia nunca imaginou ser tão fácil conquistar a simpatia e a confiança de alguém.
- Tome um lenço. Vamos mudar de assunto. Você sempre andava com aquele menino...
- Henrique.
- Esse mesmo. Ele era bem delicado.
Maria Lúcia sorriu. Intimamente deu uma gargalhada.
"Delicado" era eufemismo. Henrique era uma bicha louca e afectada. Maria Lúcia gostava de andar com esse tipo de gente, párias da sociedade. Se Sónia estudava ciências sociais, provavelmente não era preconceituosa. Maria Lúcia procurou manter tom natural.
- Continuo amiga de Henrique. É homossexual, o pobrezinho.
- Dava para notar. Ele é feliz?
- Sim, do jeito dele. Sou sua única amiga.
- Ele deve sofrer à beça. Não é fácil ser diferente.
Será que agora Sónia iria começar discurso em prol da homossexualidade? Só faltava essa agora! Sónia mostrava-se enfadonha, mas o que fazer? Assim que Maria Lúcia conseguisse o que queria, iria descartá-la. E o que poderia falar de Henrique? Que chantageava homens casados, vivia de pequenos golpes? Dissimulou:
- Ele tira de letra todo esse preconceito.
- Que bom! Ele continua fazendo gracinhas?
- Ainda mantém o bom humor.
Continuaram a conversa. Sónia convidou:
- Vamos dar uma volta?
- Pode ser. As ruas do bairro são tão elegantes!
- Mas eu não gostaria de andar por aqui. Ando pela redondeza todos os dias. Gostaria de ir ao cinema. Vamos?
- Pode ser, mas vim desprovida de dinheiro. Saí apenas para visitá-la.
- Que é isso, Maria Lúcia? Eu pago. Você é minha convidada.
- Oh, não é correto.
- Que é isso? A conversa está tão agradável! Por favor, aceite.
- Aceito. Obrigada.
- Vamos até o centro da cidade. Lá ainda há aquelas telas grandes.
- O centro anda muito decadente.
- E daí? Vamos de motorista. Ele nos aguarda até o término da sessão e nos traz de volta.
Aquele era o mundo de Maria Lúcia: ir de motorista assistir a um filme de cinema. Quanta mordomia! Estava adorando aquela reaproximação forçada e interesseira. Sónia era fácil de ser manipulada e tinha um irmão solteiro e rico. Que mais queria? Precisava agir com cautela. Iria conquistar cada vez mais a simpatia da amiga.
Maria Lúcia respirou aliviada. Fez bem em terminar o namoro com Gaspar. Agora iria apostar todas as suas fichas em Eduardo Araújo Vidigal.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 21, 2024 8:09 pm

Capítulo 3
Floriano foi à padaria comprar um frango assado para o almoço. Marines ficou na cozinha ajudando Iolanda no preparo da sobremesa.
- Estou cansada — lamentou-se Iolanda.
- Tem trabalhado muito, mãe.
- Quem trabalha, seus males espanta. Gosto de me sentir independente. Logo vou me aposentar. Vou ficar cuidando de seu pai enquanto você vai reformar e decorar casas.
Marines riu com gosto.
- Vou reformar esta casa tão logo receba meu diploma.
- Podia ter começado arquitectura numa faculdade particular. Eu e seu pai podíamos nos espremer um pouco mais, mexer no orçamento.
- Nada disso. Vou conseguir entrar na universidade pública.
- Tomara que sim.
Iolanda passou delicadamente as mãos pelo rosto da filha.
- Você é meiga, doce, vai se dar muito bem na vida.
É ajuizada, enquanto sua irmã...
- Deixe Maria Lúcia. Ela tem seu jeito de ser. É minha irmã e gosto dela. No que puder ajudá-la, estarei sempre à disposição.
- Vocês duas são tão diferentes! Como pode? Saíram do mesmo útero, diferença de idade de um ano e criadas iguaizinhas...
- Características do espírito, mãe, mais nada.
- Você é tão novinha e já metida com esses assuntos...
- Qual o problema? Acha d. Alzira maluca?- Claro que não! Sempre foi vizinha atenciosa, amiga, uma mulher fora de série.
- Nossas conversas são edificantes, saudáveis. Ela entende bem de espiritualidade. E não tem nada de diabólico, não. Há muita fantasia na cabeça das pessoas leigas.
- Não sei. Eu gosto de Alzira, mas você é muito nova para se meter com isso.
Marines deu uma risada gostosa. Abraçou a mãe pelas costas e beijou-lhe o rosto.
- Não sou mais criança. Estou com dezoito anos de idade. Você poderia participar de nossas conversas.
- Não quero me meter nisso.
- Estou aprendendo sobre o mundo invisível, sobre mediunidade. O assunto é fantástico. Qualquer hora, você vai à casa de d. Alzira e pode tirar suas dúvidas ou mesmo visitar a creche.
- Isso, sim. Adoraria visitar as crianças. Infelizmente, trabalho o dia inteiro. Ainda bem que tenho você para me ajudar com os afazeres domésticos, porque, se fosse depender de Maria Lúcia, estaríamos perdidas. Ela nem tira o prato da mesa!
- Não faz serviço pesado porque estraga as unhas.
- E nossas unhas por acaso são diferentes? Não estragam?
Marines riu com gosto.
- É o jeito dela, mãe. Logo arruma um bom partido, se casa e vai seguir sua vida.
- Não tenho dúvidas de que vai conseguir achar um otário.
- Mãe!
- É verdade. Olhe o coitado do Gaspar. Apaixonado, e viu como o moço saiu de casa? Parecia um trapo humano.
Marines desgrudou-se da mãe e continuou a bater a massa do bolo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 21, 2024 8:09 pm

Após exalar profundo suspiro, disse, de cabeça baixa:
- Ele, também, se põe muito lá embaixo, sabe, mãe?
No fundo, mulher não gosta de homem assim, submisso, que diz "sim" toda hora. Gaspar sempre fez o que podia, o que estivesse ou não a seu alcance para paparicar Maria Lúcia.
Ele até se meteu em dívida por causa dela.
- Em dívida? Como assim?
- No aniversário dela, ele lhe deu aquela camisa de seda. Era de grife; comprou numa butique lá na rua Augusta. Pagou uma fortuna! Pediu dinheiro emprestado para Henrique.
- Como soube?
Marines deu uma risadinha.
- E Henrique é de guardar segredo? Contou para o bairro inteiro.
- Henrique está interessado em você.
Marines sentiu um torpor, ligeira sensação de mal-estar. Lembrou-se de cena desagradável tempos atrás.
Afastou os pensamentos com as mãos.
- O que foi, filha? Não se sente bem?
- Nada, mãe.
- Não gosta de Henrique, não é?
- Ele não está sendo verdadeiro. Ele não gosta de mulher.
- Como sabe?
Aquilo era desagradável. Marines não queria ser indelicada.
- Ele é delicado, um pouco afectado.
- Porque é órfão e foi criado pela avó. Foi muito paparicado.
- Não gosto dele.
- E as rosas que ele lhe mandou semana passada?
- São só para impressionar. Henrique não gosta de mim.
- Você é quem sabe. Mas, então, por que esse interesse súbito dele por você?
Marines fitou um ponto distante na cozinha. Depois de medir as palavras, disse:
- Preciso ter uma conversa séria com Henrique. Ele está com medo.
- Medo? - Iolanda ficou confusa. - De que está falando?
- Nada. Isso é assunto meu, particular.
Floriano chegou em casa e disse em alto tom:
- Meninas, temos visita para o almoço. Olhem quem estava perdido na rua...
Iolanda enxugou as mãos no avental e foi logo cumprimentar o rapaz. Marines fez um esgar de incredulidade.
"Falando no diabo, e ele aparece", pensou.
Marines sentia repulsa por Henrique. Sabia que ele estava sendo falso. Não era preconceituosa, muito pelo contrário: tinha amigos homossexuais no cursinho. Mas a presença dele deixava-a zonza, o peito apertava sobremaneira. Ela procurou ser amável.
- Como vai?
No bairro, Henrique fazia esforço para disfarçar seus trejeitos. Engrossou a voz e fez gestos bruscos com as mãos para impressionar Floriano.
- Vou bem. E você? Como sempre, linda.
- Imagine, estou de pijamas. Nem tive tempo de subir e me arrumar.
- Com pijamas ou qualquer outra roupa, estará sempre bela.
Ele a beijou na face e roçou os lábios próximo a seus ouvidos. Marines sentiu um arrepio inquietante.
- Aceita alguma coisa?
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 21, 2024 8:09 pm

- Uma cerveja.
Iolanda foi para a cozinha.
- Pode deixar, que eu vou pegar. Quer também, Floriano?
- Sim. Traga dois copos.
Marines também se virou em direcção à cozinha. Henrique rogou:
- Fique, por favor, gostaria de conversar com você.
- Fiquem à vontade, vou colocar o frango numa forma.
Em quinze minutos, almoçamos — disse Floriano.
Os dois ficaram a sós na sala. Henrique pegou nas mãos de Marines. Ela o empurrou e se afastou.
- Não precisa fazer cenas comigo. Por que representar?
Henrique começou a suar frio. Marines inquietava-o.
- Por que não quer me namorar? O que viu na cidade...
- Não me interessa o que vi. O que faz de sua vida é problema seu. Sabe que não sou preconceituosa. E pode ficar sossegado: minha boca é um túmulo.
— Não acredito. Você sabe que tenho uma reputação a zelar, pelo menos enquanto minha avó estiver viva. Ela sofre dos nervos e...
- Para cima de mim? Você seria capaz de empurrar sua avó escada abaixo.
— Se você fizer algum comentário...
- O que foi? Está me ameaçando?
- Estou. Quem você pensa que é?
- Não penso nada. Deixe-me em paz.
- Vai contar o que viu, né?
- Jurei para você que não vou contar nada a ninguém.
Conhece-me desde criança. Não confia em mim?
- Confio um pouquinho em sua irmã.
— Estou pasma. Maria Lúcia seria bem capaz de aprontar uma com você.
— Somos cúmplices. Guardo segredos dela, e vice-versa.
— Vi sem querer. Não tive culpa. Já apaguei aquela cena da memória. Agora, por favor, retire-se, senão vou chamar meu pai e...
Henrique sentiu o sangue subir.
— Você vai contar. Quer acabar com minha reputação, né?
- Sua reputação tem a ver com seus actos.
— Você não gosta de gente como eu.
- Não tenho nada contra. Aceito as pessoas como são.
— Mentirosa! Você tem nojo de mim. Nunca vai se esquecer daquela cena enquanto viver.
— Besteira de sua cabeça. Tenho muito o que fazer na vida. O que você faz é problema seu. Agora, por favor, retire-se.
Henrique rangeu os dentes. Marines estava sendo
sincera. Ela não era futriqueira, não iria falar nada. Mas ele tinha pavor do que pudessem pensar a seu respeito.
Sempre surgia um ou outro comentário, mas à boca pequena. Quando criança, cansou de ser chamado de maricas.
Apanhara muito por conta de seus trejeitos, e, quando adulto, jurou que ninguém mais encostaria os dedos nele por causa disso.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 21, 2024 8:10 pm

O rapaz tinha comportamento autodestrutivo; sentia-se menos que os outros por ser homossexual, facto que não admitia a ninguém. Maria Lúcia era a única a quem revelara abertamente suas preferências. Ela o ajudava, dizendo aos meninos do bairro que Henrique era garanhão.
Maria Lúcia representava tão bem esse papel, que logo os rapazes passaram a acreditar em suas histórias e deixaram Henrique em paz. Essa paz, ele devia a ela.
Maria Lúcia deu-lhe alguns toques de como se comportar sem revelar suas tendências. Assim, Henrique cuspia no chão, procurava ser grosso, mantinha aparência desleixada, continha-se nos modos, engrossava a voz. Tudo para mostrar às pessoas que não era fresco. Seus encontros sexuais eram geralmente anónimos, longe dali. Não se envolvia com pessoas do bairro.
O rapaz sonhava com a morte da avó, Lurdes, chegando até a rezar por isso. Ele era inescrupuloso, não tinha amor por si próprio; como poderia ter por alguém? Ao saber que a velha senhora possuía títulos do Tesouro Nacional, seus olhos cresceram. Imaginou Lurdes morrendo de diversas maneiras. Fez planos de como gastar o dinheiro:
mudaria dali, iria para o centro da cidade e se instalaria num confortável apartamento na avenida São Luís, perto da praça da República. Lá era seu mundo, onde viviam muitos homossexuais. Quando descobriu que os títulos estavam
vencidos e nada valiam, Henrique sentiu vontade de esganar a pobre coitada. Não sonhava nem rezava mais pela morte dela. Não valia a pena.
Os pensamentos de Henrique foram interrompidos
pela chegada de Floriano na sala, trazendo um copo e uma garrafa de cerveja.
- Está geladinha.
- Obrigado, seu Floriano, mas preciso ir.
O rapaz despediu-se e, antes de sair, encarou Marines com olhos de fúria.
- Até qualquer hora.
Ela não respondeu. Henrique baixou os olhos, envergonhado, mas sentiu dentro de si um ódio surdo. Marines sentiu forte tontura quando ele fechou a porta. Quase desfaleceu.
- O que foi, filha?
- Nada. Só uma tontura. Acho que é fome. - Ela procurou manter um tom amável na voz. — Vamos almoçar?
Henrique saiu da casa ruminando os pensamentos. Os vizinhos estavam acostumados com a delicadeza do rapaz.
Muitos acreditavam que era devido aos cuidados excessivos da avó. Às vezes ele exibia uns trejeitos, falava mais as mãos do que com a boca. Gaspar já havia notado isso, mas se fazia de bobo e também lhe dava conselhos sobre como se comportar.
Para Henrique, a saída era mesmo mudar de bairro.
Mas com que dinheiro? Acabara de terminar o colégio.
Ganhava muito pouco como dactilografo numa firma perto de casa. A aposentadoria da avó mal pagava o aluguel, e os golpes aplicados nos homens casados rendiam-lhe pouco dinheiro.
Ele tinha pavor de que caçoassem dele de novo. As cenas das surras nas ruas e das gracinhas, das pessoas apontando-lhe o dedo e cochichando... Não queria mais passar por isso. E justo agora, que havia conseguido um pouco mais de sossego, havia a possibilidade de Marines abrir a boca. E se ela abrisse o bico? E se colocasse a reputação dele na lama? E se as pessoas voltassem a caçoar dele? Ele estava descontrolado.
Henrique não percebeu, mas sombras escuras abraçaram-se a ele, enchendo-o de dúvidas e alimentando-se de seu ódio.
Entre ranger de dentes, ele disse a si mesmo:
- Marines, você vai se ver comigo. É capaz de abrir o bico só para me humilhar. - Ele chutou uma garrafa na calçada e continuou vagando. — Enquanto eu não tiver condições de arrumar um cara rico que me tire deste bairro, preciso manter a compostura. Marines viu o que não devia.
Preciso dar um susto nela, fazer com que ela se esqueça por completo daquela cena. Vou bolar uma maneira.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Mar 21, 2024 8:10 pm

Capítulo 4
O cinema estava lotado e abafado. Ao acenderem as luzes, Maria Lúcia deu graças a Deus. Tinha cumprido o papel de amiga fiel. Levantou-se da poltrona sentindo imenso alívio. Puxou Sónia com rapidez e logo entraram no saguão do cinema. Estavam falando sobre outros filmes em cartaz quando Gaspar esbarrou-se nela, sem querer. Maria Lúcia sentiu o sangue sumir do rosto. Ele podia pôr tudo a perder. Pálida, perguntou:
- Você aqui?!
- Eu é que pergunto. Você não ia visitar uma amiga doente?
Ela tinha de ser ágil. Vendo Estela ao lado dele, respondeu com ironia:
- Hmm... Parece que você se recuperou rápido...
- Não disfarce! Você não tinha pedido folga no salão para passar o dia com uma amiga doente?
Maria Lúcia sentiu o sangue subir. Afastou-se, puxando Sónia para um canto.
- Espere-me no carro. Vou resolver um probleminha.
- Quem são aquelas pessoas? Por que o moço está tão bravo?
- Nada. É um casal de vizinhos. Eles têm muita inveja de mim. Aguarde um minutinho. Volto logo.
- Está bem - assentiu Sónia.
Maria Lúcia voltou até o saguão do cinema, avançando em direcção ao casal.
- Da próxima vez que me virem na rua, finjam que não me conhecem.
Gaspar sentiu os olhos marejados. Estava muito abalado com a separação. Havia convidado Estela para sair, espairecer, mais nada. Sua secura com Maria Lúcia tinha sido pura defesa.
- Estou magoado.
- Eu disse a verdade. Se doeu, é problema seu. E, se está magoado, saiba que eu, por minha vez, estou decepcionada.
- Por quê?
- Não sabia que gostava de andar com rameiras.
Estela avançou para cima dela:
- Quem pensa que é? Acha que pode ferir os sentimentos das pessoas, xingar, tripudiar? Não tem limites?
Antes de Maria Lúcia responder, Estela desferiu-lhe um tapa no rosto. Gaspar colocou-se entre as duas. Estela tentou dar outro tapa.
- Não apareça na porta do salão.
- Pegue aquele salão e enfie...
Gaspar interveio:
- Epá, olhe o respeito!
- Pensa que um salãozinho de bairro a faz superior? Aliás, salão de cabeleireiro o escambau! Eu sei dos mimeógrafos lá nos fundos, dos panfletos que você roda, sua comunista desgraçada!
- Não sei do que está falando - tornou Estela, dissimulando. - Gosto de Gaspar e sei o que se passa com ele.
Você não tem sentimentos, só pensa em si mesma. Merece levar uma surra, para ver se acorda.
- Ninguém nunca me bateu; nem meus pais. Você não passa de uma subversiva. Devia arder nos porões da ditadura, como aquele seu ex-namorado, Olavinho.
Estela perdeu as estribeiras. De um esforço descomunal, desenvencilhou-se de Gaspar e avançou para cima de Maria Lúcia. As pessoas em volta abriram um círculo e a garota bateu em Maria Lúcia com vontade. Gaspar puxou Estela de lado.
- Não faça isso, Estela. Vamos embora.
- Atrevida! Desgraçada! Quem ela pensa que é para falar assim de mim, de Olavinho? Ela inspira desprezo.
Sónia viu a briga e, assustada, saiu do carro e correu até eles. Ajudou a amiga a levantar-se. Maria Lúcia passou as mãos pelo rosto e sentiu as faces arderem. O gosto amargo de sangue nos lábios encheu-a de ira.
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- Espero que você morra, Estela. Vou rezar todas as noites para que alguém a pegue e a torture.
- Vamos sair daqui - sugeriu Sónia.
Gaspar puxou Estela pelos braços. Logo as pessoas dispersaram-se e Maria Lúcia e Sónia estavam sozinhas na calçada.
- O que aconteceu? - perguntou Sónia, aturdida.
- Estela me odeia.
- Por quê?
- Ela é uma sirigaita. Sai com todos os rapazes do bairro e me odeia porque sou casta. Ela me persegue.
- Não fique assim. Vamos para minha casa.
- Obrigada, Sónia.
- Somos amigas, não somos?
Maria Lúcia assentiu com a cabeça. Entraram no carro e permaneceram em silêncio durante o trajecto. Maria Lúcia não conseguia esquecer os tapas, a humilhação. Gaspar não a ajudou. Estela nunca deveria ter lhe dado um tapa. Com isso, ganhou uma inimiga, feroz e sedenta de vingança.
Maria Lúcia tinha de bolar um plano para castigá-la. Henrique, com certeza, saberia sugerir algo.
O carro entrou na garagem do prédio.
- Puxa, chegamos tão rápido!
- Vamos subir e fazer um lanche. Quer ligar para sua mãe?
- Para quê?
- Está tarde. Ela pode estar preocupada.
- É mesmo. Acabei esquecendo. Coitadinha de minha mãe — fingiu.
Sónia deu um gritinho. Maria Lúcia assustou-se:
- O que foi?
- Olhe! Papai e mamãe estão chegando. Eduardo também.
Um automóvel de luxo último tipo, que encheu de cobiça os olhos de Maria Lúcia, parou próximo às meninas.
Sónia não cabia em si de felicidade.
Adelaide saiu do carro com o semblante iluminado.
- Agora ele chegou para ficar - foi logo dizendo para Sónia.
Ela nem deu ouvidos à mãe e correu até o irmão.
- Eduardo, querido! Quanta saudade! Como está?
- Estou cansado de tantas horas de voo, mas estou bem.
- Agora vai ficar em definitivo?
- Vou. A proposta que recebi para trabalhar com papai é irrecusável.
- Vai ser seu braço direito?
- Não. Vou trabalhar com o papai; é diferente.
Osvaldo veio logo atrás:
- Vou realizar um grande sonho: ter meu filho a meu lado, ajudando-me nos negócios.
- Desta vez vamos nos entrosar. Prometo que vou me reunir com os directores nesta semana. Trouxe tantas ideias!
Adelaide interveio, amorosa:
- Não vamos perturbar o menino, Osvaldo. Acabamos de chegar. O voo atrasou, passamos quase todo o dia no aeroporto. Estamos cansados. Vamos conversar coisas agradáveis. Nada de negócios.
- Só tenho Eduardo e Sónia. Ela não quer saber dos negócios; então sobrou nosso filho. Não acha justo que eu fique empolgado?
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- Claro que acho. Sempre foi seu sonho. Mas Eduardo está cansado; não é hora para tratarmos disso, ainda mais perto de estranhos...
Adelaide baixou o tom de voz e fez o marido notar a presença de Maria Lúcia. Osvaldo calou-se. Sempre acatava as resoluções da mulher. Com Adelaide ninguém podia, nem mesmo ele. Enérgica e de temperamento forte, ajudava o marido até nas decisões de trabalho. Era uma companheira exemplar, que ele agradecia todos os dias por ter a seu lado.
Enquanto Osvaldo solicitava ao motorista ajuda com as malas, Sónia apresentou a mãe à amiga.
- Esta é Maria Lúcia.
- Como está, querida?
- Muito bem. Prazer em conhecê-la.
- Este é meu filho, Eduardo. — E, virando-se para ele:
- Esta é Maria Lúcia, amiga de sua irmã.
- Prazer.
- O prazer é todo meu.
Maria Lúcia era ousada. De maneira graciosa, foi logo passando seu braço pelo de Eduardo, caminhando com ele até o elevador.
- Quanto tempo esteve fora mesmo?
- Dois anos.
- Tudo isso? Não sentiu saudade da família?
- Papai e mamãe, sempre que podiam, iam me visitar.
Não me senti tão só. Nem tive tempo para isso. Estudei sem parar.
- Trabalhar com negócio próprio é tão bom, tão tranquilo!
- Pelo contrário: exige mais dedicação, pois eu sou ao mesmo tempo empregado e patrão.
- Mas pode mandar e desmandar. Quer coisa melhor?
Eduardo riu.
- Nisso está certa.
- Vai trabalhar ao lado do pai... Que sorte, não?
- Gosto dos Laboratórios Vidigal. Sempre sonhei em administrá-los.
Maria Lúcia ficou observando Eduardo pelo canto dos olhos. Até que era atraente. Físico atlético, olhos castanhos, cabelos no mesmo tom, aparência máscula; uma covinha na ponta do queixo conferia-lhe charme à parte.
Ela ficou fitando-o de cima a baixo e indagou, embora soubesse a resposta:
- Quantos anos você tem?
- Vou fazer trinta. E você?
- Dezanove.
- Novinha.
- Novinha, mas experiente.
Os dois riram.
Maria Lúcia entrou com Eduardo no elevador. Adelaide, que ia logo atrás com Sónia, baixou o tom de voz:
- Ela é abusada, não? Seu irmão mal chegou... Queremos matar a saudade!
- Maria Lúcia está sendo gentil.
- De onde surgiu essa amiga?
- Da escola.
- Ela vai ficar para o jantar?
- Eu a convidei para um lanche. Seria deselegante dispensá-la, não acha?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Mar 22, 2024 10:02 am

- Não gostei de como ela se atirou sobre seu irmão.
- Ela não se atirou para cima dele. - Sónia baixou o tom de voz. — Estamos chegando ao elevador. Ela pode nos ouvir.
Adelaide calou-se, mas seu semblante demostrava sua contrariedade.
"Essa que não venha jogando as asinhas para cima de meu filho", pensou.
Quando chegaram ao apartamento, Sónia lembrou à amiga que ligasse para casa. Maria Lúcia telefonou para casa, falou rapidamente com os pais e, assim que pousou o fone no gancho, convidou-se:
- Vou ficar para o jantar. Assim poderei conhecer melhor Eduardo.
Osvaldo foi cordial:
- Fique connosco, minha filha. Sua companhia nos fará muito bem.
- Obrigada, seu Osvaldo.
Adelaide puxou Sónia até a cozinha.
- Ela é muito atrevida! Não tem classe.
- Mamãe, que é isso? Está com ciúme?
- Não. Mas uma estranha em nossa casa? Bem no dia em que meu filho retorna depois de dois anos afastado?
- Vocês o visitaram três vezes nesse período.
- Quero privacidade.
- Maria Lúcia é de boa família.
- Não parece. Está sendo muito oferecida.
- Impressão de sua parte.
- Acha mesmo?
Sónia beijou a mãe na testa.
- Claro que sim. É uma boa moça.
Durante a refeição, Maria Lúcia mostrou-se atenciosa e cordata. Mesmo quando Eduardo discorria sobre assuntos de ordem técnica, ela demonstrava profundo interesse, um fingimento obtido com tremendo esforço.
O jantar correu agradável, e em seguida todos foram para a sala de estar tomar café e licor.
Passava da meia-noite quando o motorista deu a partida para conduzir Maria Lúcia até sua casa. No caminho, ela antegozava o prazer de já fazer parte da família Vidigal:
"Não é uma família tradicional, o que me deixa aliviada. Fizeram fortuna há poucos anos. O pai de Eduardo começou com um pequeno negócio e hoje possui um dos maiores laboratórios de análises clínicas do país. Dona Adelaide não liga para sobrenome; casou-se com ele sob uma saraivada de protestos, visto que ela era pobre e ele, um jovem rico. Notei que ela não gostou de mim, mas vai ter de se acostumar. Vou dobrar essa mulher. E vou fazer seu filho se interessar por mim, custe o que custar."
* * *
Na casa da família Vidigal, todos foram para seus respectivos quartos. Estavam cansados. Adelaide e o marido despediram-se dos filhos e recolheram-se a seus aposentos. Ela bem que tentou conciliar o sono, mas foi em vão. Sentia desagradável sensação no peito. Tentou a custo livrar-se, mas a sensação persistiu. Durante o jantar ela procurou disfarçar, mas a presença de Maria Lúcia incomodou-a sobremaneira.
Era quase de manhã quando, vencida pelo cansaço,
Adelaide finalmente adormeceu.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Mar 22, 2024 10:02 am

Capítulo 5
Nos dias que se seguiram, Gaspar mergulhou de cabeça no trabalho. Ele herdara do pai pequeno boteco, daqueles típicos de bairro, há poucos quarteirões da casa de Maria Lúcia. Com a ajuda de Celeste, sua mãe, transformou o boteco em lanchonete. Celeste cozinhava multo bem, e, além de sanduíches, eles serviam refeições no horário de almoço. A comida era boa e barata, algo raro na região. Logo, o boca-a-boca alastrou-se e agora entregavam comida em domicílio, fosse em residências, fosse em escritórios. A demanda foi aumentando e Gaspar teve de contratar um rapaz para ajudá-lo na entrega das refeições.
A companhia de Estela ajudava-o a preencher o vazio que Maria Lúcia deixara. Estela era boa moça. Havia se metido em política na época em que namorou Olavinho.
Quando ele desapareceu, ela percebeu que os militares não estavam de brincadeira e largou as reuniões clandestinas.
Montou um salão de beleza e, muito raramente, quando solicitada por amigos, usava um pequeno quarto nos fundos do salão para mimeografar panfletos e manifestos contra o governo militar.
Era uma moça bonita, de olhos verdes vivos, expressivos. Gostava da companhia de Gaspar. Eles até tentaram engatar um namoro, mas não ia para a frente. Ela não deixava de pensar em Olavinho, e Gaspar não esquecia Maria Lúcia.
Gaspar, na tentativa de esquecer aquela que julgava amar, ajudava a mãe no preparo das refeições, supervisionava os poucos funcionários da lanchonete, as entregas das marmitas. Nos últimos tempos, porém, recusava até mesmo a companhia de Estela. Chegava em casa e trancava-se no quarto. Caiu em tremenda depressão. Não havia nada, ninguém capaz de interessá-lo. Celeste já estava preocupada, e com razão: aquele estado só poderia terminar em doença.
Ela mesma nunca vira o filho daquele jeito. Ela não simpatizava com Maria Lúcia, mas nunca pensou que o filho fosse tão apaixonado por aquela garota.
"Se pelo menos ele se acertasse com Estela", suspirava. "Essa, sim, é mulher para meu filho, não aquela mocinha fútil e interesseira."
Celeste preparou uma canja e levou-a até o quarto.
Bateu na porta só por costume e foi entrando.
- Trouxe uma sopa.
- Não estou com fome. Não quero comer. Não quero nada.
- Seu corpo não tem culpa do que aconteceu. Vamos, pelo menos tome um pouco deste caldo. Não o vi comer nada lá no bar hoje. Desse jeito, vai cair doente.
- Seria melhor, mesmo. E não é bar, é lanchonete.
- Ah, bar, lanchonete, tudo é a mesma coisa para mim.
— Celeste pousou os dedos delicadamente sobre o rosto de Gaspar. - E eu? Acha que posso dar conta de tudo? Você é meu braço direito, filho. Não tenho mais idade para ficar sozinha fazendo tudo. Preciso de você. Somos só nós dois.
Ela terminou de falar e não conseguiu evitar que uma lágrima saltasse no canto dos olhos. Gaspar naquele momento ficou penalizado. Por pior que estivesse, por mais confuso e triste que se sentisse, não podia descontar na mãe.
Celeste tinha razão: ela só tinha a ele, mais ninguém. E se ele ficasse doente? Não havia pensado nisso. Sua mãe estava certa: eles poderiam até perder o pouco que haviam conquistado naqueles anos de trabalho árduo, caso ele ficasse preso a uma cama, e justamente agora, que ele aplicava na bolsa de valores tudo que sobrava. Era arriscado, mas ele tinha muita fé que iria fazer bastante dinheiro. Olhou para a mãe com comiseração. Levantou-se da cama e abraçou-a.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Mar 22, 2024 10:02 am

- Desculpe. Você está certa. Preciso me alimentar.
Caso contrário, posso até ficar doente.
- Deus está ouvindo minhas preces. Você precisa reagir. Sei que dói, mas um dia passa. Não pode deixar que sua vida se transforme num inferno por causa de uma sirig...
- Mãe!
- Maria Lúcia não passa de uma sirigaita, mesmo.
Que me desculpe Iolanda. Há tantas moças interessantes na cidade!
- Essa é boa. Quem?
- Estela, por exemplo. É uma boa moça. Bem que vocês dois podiam se acertar.
- Estela é uma excelente amiga, nada mais.
- Também, você só tem olhos para aquela uma. Esqueça Maria Lúcia.
- Antes me contentava em vê-la passar pela rua, mas ela sumiu.
- Vai ver... - Celeste calou-se.
- Vai ver o quê? — perguntou Gaspar, voz irritadiça.
- Nada. Sem discussões, pelo menos dentro desta casa. Vamos manter o ambiente em equilíbrio. Sabia que Alzira colocou nosso nome na caixinha de vibrações do Centro Espírita que ela frequenta? Você não tem se sentido melhor?
Gaspar balançou a cabeça para os lados. Achava graça quando Celeste pedia esse tipo de auxílio para a vizinha. Mas ele gostava muito de Alzira. Tinha muita consideração por aquela senhora.
- Tenho me sentido melhor, sim. E esta sopa aqui vai me deixar melhor ainda.
- Bom que pense assim. Quando terminar de se alimentar, vá até a sala. Vamos assistir à televisão juntos. O que acha?
- Não sei.
- Você se distrai, o tempo passa, e, quando se der conta, já vai estar na hora de ir para a cama.
- Pode ser.
A campainha tocou. Celeste deixou Gaspar tomando a sopa e foi atender. Não gostou do que viu. Procurou ser simpática:
- Boa noite, Henrique.
- Boa noite.
- O que deseja?
- Vim visitar seu filho.
- Uma visita? Logo você?
- Por que logo eu? Sou amigo de seu filho desde criança — disse, enquanto engrossava a voz.
Celeste, mesmo contrariada, convidou o moço a entrar.
- Pode subir. Não acredito que seja necessário acompanhá-lo.
- Obrigado.
Henrique subiu rapidamente os lances de escada e entrou no quarto.
- E aí, rapaz? Como anda?
Gaspar estava terminando o prato de sopa. Respondeu sem levantar a cabeça:
- Vou bem.
- Não acha que está na hora de deixar essa fossa de lado?
- Pensa que é fácil?
- Fácil não deve ser, mas também não é impossível.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Mar 22, 2024 10:02 am

- Não sei. Estou desanimado desta vez. Já era tempo de Maria Lúcia ligar, confessar que estava enganada, com saudade. Mas não. Veja como o tempo tem passado, e nem um sinal de vida dela.
Henrique riu com sarcasmo. Em tom irónico, replicou:
- Claro que ela não é mais vista. Está com outro!
Gaspar sentiu o sangue sumir. Nem se importou com a afectação do amigo. Sorte estar sentado na cama, caso contrário iria ao chão. Não sentia as pernas, tamanha a sensação desagradável. Depois de conseguir concatenar os pensamentos, indagou:
- É verdade?
- Isso mesmo. Vim aqui porque sou seu amigo. Não quero que fique sabendo pela boca de terceiros. E minha obrigação, afinal gosto de você.
Henrique procurava manter tom grave na voz, torcia os músculos faciais, embora por dentro estivesse rindo à beça e xingando Gaspar. Dizia para si, enquanto ia respondendo mecanicamente algumas perguntas:
- Desgraçado! Quero vê-lo sofrer até não aguentar.
Sempre foi o gostosinho, o queridinho aqui do bairro. Agora quero ver essa pança toda ir para o chão.
Gaspar enchia-o de todo tipo de pergunta: Quem?
Como? Onde? Por quê?
- A própria Maria Lúcia me contou que está saindo com um tal de Eduardo.
- Que cara é esse? - perguntou Gaspar, fulo da vida.
- Um riquinho lá dos Jardins.
- Conhecido?
- É irmão de Sónia, aquela amiga dela.
- Que Sónia?
- Amiga dos tempos de escola. Andam juntas para cima e para baixo.
- Será que é namoro mesmo?
- É, sim. O rapaz conquistou Maria Lúcia. Se você ainda a quiser, é melhor correr atrás. Se demorar um pouco mais, vai dançar de vez.
Enquanto Henrique se deleitava com o sofrimento de Gaspar, a campainha novamente tocou na casa. Celeste perdeu a vontade de assistir à novela. Desligou o aparelho e foi atender, sem antes bradar:
- Parece que hoje nos pegaram para Cristo!
Abriu a porta e sentiu-se envergonhada.
- Alzira!
- Boa noite.
- Boa noite. Você aqui a uma hora dessas? O que foi? Algo grave?
- Calma, Celeste, é só uma visita.
- Desculpe. Entre, por favor.
Alzira acomodou-se no sofá. Era uma senhora na faixa dos cinquenta anos de idade, robusta, semblante forte. Possuía modulação de voz agradável, porém firme.
- O que se passa? - indagou Celeste, visivelmente preocupada. - Sei que vem vibrando por nós lá no Centro.
Sinto que o ambiente aqui está melhor.
-A energia aqui na casa está muito boa. E vim por causa disso. Os amigos do astral rogaram que não dêem importância ao comentário dos outros. Não deixem que pensamentos alheios entrem e fiquem parados nesta casa.
- Não entendo o que diz.
- Você e Gaspar formam os pilares deste lar. Tudo que pensam é transformado em energia. Mesmo sendo invisível, essa energia, não importa se positiva ou negativa, impregna a casa toda.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Mar 22, 2024 10:03 am

- Melhor se for positiva, certo?
- Sim. Impregnar o lar de bons pensamentos o mantém em harmonia. Estela está ajudando Gaspar a se esquecer de Maria Lúcia. Isso é bom.
- É uma boa moça. Pena que Gaspar não se interesse mais por mulher alguma.
Alzira franziu o cenho.
- Não sabemos o que o destino nos reserva. Gaspar não deve se envolver com Estela. Eles têm caminhos diferentes a seguir.
- Você diz com tanta propriedade! Isso me assusta.
- A verdade não assusta e não machuca ninguém. O que nos machuca é a ilusão.
- Mas os dois fazem um belo par. Eu teria muito gosto em ter Estela como nora.
- Mas ela tem seus compromissos, e a vida tem suas leis. Não podemos interferir.
- Estou intrigada. O que você faz aqui a uma hora dessas? Recebeu alguma notícia do mundo espiritual?
Alzira riu-se.
- Sim. Fui alertada há pouco de uma interferência energética.
- Como assim?
- Formas-pensamentos ruins, energias desagradáveis estão sendo lançadas aqui.
- Não pode ser, Alzira. Embora eu não frequente o Centro e não entenda muito sobre espiritualidade, tenho feito com muita fé o que me foi pedido. Tenho rezado com louvor, colocado os copos com água em minha cabeceira e na de Gaspar todas as noites. Ele também tem melhorado.
- Sei disso, mas há algo estranho no ar. Eu sinto as energias, aprendi a identificá-las. Há energias nocivas nesta casa. Quem está lá em cima com Gaspar?
Celeste arregalou os olhos. Puxou Alzira para perto e baixou o tom de voz.
- Como soube? Faz uns quinze minutos que Henrique chegou. Está lá no quarto.
- E/e não cultiva bons pensamentos.
- Mas chegou todo preocupado. Veio visitar Gaspar.
- É tudo mentira. Ele não gosta de seu filho.
Celeste colocou a mão no peito, preocupada.
-Como pode dizer uma coisa dessas?
- Enxergo além das aparências. Henrique tem inveja de Gaspar.
- Tem certeza do que diz?
-Tenho. Você não simpatiza com ele também. Aposto que o recebeu a contragosto.
Celeste levou as mãos até a boca. Estava sem palavras. Admirava Alzira por sua firmeza de carácter, por falar sem rodeios.
- É verdade. Toda vez que o vejo, sinto uma repulsa, uma coisa esquisita.
- Você capta com facilidade as energias que as pessoas emanam, Celeste. Já lhe disse para estudar a respeito do mundo das energias. Se soubéssemos um pouco mais sobre o assunto e déssemos mais atenção a nossos pensamentos, viveríamos muito melhor.
- Acredita que Henrique esteja influenciando negativamente meu filho?
- Sim. Henrique tem inveja de Gaspar. Está tentando confundir a cabeça de seu filho, atiçando-o. Isso desequilibra Gaspar emocionalmente e põe a perder todo o nosso trabalho.
- Não diga uma coisa dessas.
- Vamos subir. Darei um passe em Gaspar. Mas prometa que vai seleccionar as visitas daqui por diante.
Celeste baixou a cabeça e ambas subiram. Ao entrarem no quarto, Gaspar estava no canto, de cócoras e chorando. Tremia muito. Ambas olharam com estupor para Henrique.
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