LUZ ESPÍRITA
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Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

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Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini - Página 3 Empty Re: Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 13, 2024 10:39 am

Capítulo VII - Diante das dores do mundo...
Corria o ano de 1279. Pedro III preparava-se para o desfecho do conflito com o irmão, deflagrado desde 1276. Depois de três anos de acirradas batalhas, o rei de Maiorca rendia-se, batido e refugiado nos confins de Montpellier.
- O maldito usurpador, finalmente, baixa a cerviz, Cabrera - diz orgulhoso o rei de Aragão, ao fiel conselheiro, do alto de uma das janelas do salão de audiências do palácio de Valência. - Acertadas as contas com o verme,1 e apaziguados os gentis senhores catalães,2 é preciso olhar para diante, para além desse mar!... - e se ri satisfeito.
Pedro III ia invadir o norte da Africa. Em 1277, morrera o emir Muhammad I al-Mustansir,3 que jurara vassalagem a Jaime I; entretanto, agora, as coisas mudavam, e a Tunísia quebrava o pacto de paz; os sucessores de al-Mustansir não se entendiam e não davam qualquer sinal de estarem dispostos a chegar a um acordo entre si.4 Era necessário, então, intervir...
- Precisamos dar um jeito em Túnis, Cabrera).... - diz o rei. - Nossa armada já se encontra a postos, para invadir o norte da Africa.
- O almirante Lanza5 já me pôs a par de tudo, senhor - diz o conselheiro do rei. - E quando pretendeis atacar?
- Já, Cabrera! - exclama o rei. - Agora que temos o integral apoio dos grãos senhores catalães, é preciso ir adiante!... - e, abrindo largo sorriso, prossegue: - Sempre em frente!... A coroa tem muito ainda a crescer!... Maiorca já não nos é mais entrave!... Dali, partiremos para o sul da Itália!... Sabeis que a coroa da Sicília pertence, por direito, à nossa rainha, não?... Um porco francês senta-se sobre o trono que nos pertence!...6 É preciso, portanto, pô-lo a correr, sem mais delongas!...
- Admiro-vos a perspicácia, senhor! - brada o conselheiro. - Fazei bem jus à alcunha que vos deram os vossos súbditos: "O Grande"!
- O povo sabe... Reconhece quando possui um grande líder a comandá-lo! - ri-se satisfeitíssimo Pedro de Barcelona. E, fazendo-se sério, prossegue: - Mas, tudo isso ainda é pouco, Cabrera!... Aragão ainda dominará todo esse mar... - e, com os olhos fixos na extensa paisagem que dava no azul profundo do Mediterrâneo, prossegue, agora, quase num murmúrio: - lxo ye o que quiero!... 7
Naquela manhã de maio de 1276, a princesa Isabel de Aragão acordara-se ainda escuro. Como era primavera, Valência abria-se em ares esplêndidos. Não era à toa que Pedro III a escolhera como sede do governo da federação catalã-aragonesa. Em primeiro lugar, fizera isso, certamente, pelo ponto estratégico em que se localizava a cidade;8 depois, pelas amenidades dos ares ali existentes.
Isabel despertara, fazia já um bom tempo e, no momento, encontrava-se ajoelhada, diante do rico oratório de prata, com os olhos fixos na pequenina face da imagem da insigne Maria, a mãe de Jesus. Os lábios da menina moviam-se, quase que imperceptivelmente, em fervorosa prece, enquanto seus dedinhos
desfiavam as contas de rico rosário de prata, encastoado de brilhantes contas de âmbar amarelo e que lhe fora presenteado pelo avô morto.
"- Sancta Maria, mater Dei, ora pro nobis, peccatoribus, nunc et in hora mortis nos trae... "9
Por duas longas horas, Isabel já ali estava a rezar, altamente contrita. Seus olhos não se moviam; achavam-se estáticos, como duas magníficas pedras preciosas azuis, a faiscarem esplêndida luz, arrancada à pouca luminescência existente em sua câmara de dormir. Nada mais, além da adoração que devotava à Virgem, parecia importar-lhe. O mundo, como que por encanto, sumia-lhe à percepção, e ela se sentia alçar à magnífica paz dos céus!
De repente, os sinos principiaram a dobrar, a anunciarem as ma¬tinas,10 e ela desperta do seu êxtase, com ligeiro estremecimento. E, com um fundo suspiro de desolação, a realidade desabava-lhe sobre a cabeça, como se fora imensa rocha, e duas lágrimas brotam-lhe aos cantos dos olhos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 13, 2024 10:39 am

- Por que, Mãezinha, as coisas têm de ser assim?... - murmura ela entre soluços. - Corta-me o coração e me doem tanto e tão fundo à alma, as misérias deste mundo!... A orfandade desamparada faz-me fremir de dor tão intensa que o meu coração parece querer explodir-se em mil pedaços dentro do meu peito!... E a fome, Senhora?... A fome?... Que fazer para excluir esse execrável monstro que anda a devorar tantos, neste mundo?... Oh, Maria Santíssima!... Que graça posso ter eu diante das delícias dos banquetes que se dão no palácio, se sei que há tantos a suplicarem por uma simples côdea de pão endurecido?... Oh, sofrimento insano e cruel!... Que paz posso ter, se posso ouvir-lhes os gemidos e os lamentos de desespero, mesmo sob as janelas deste magnífico palácio, onde extravasa o luxo e a abundância, calcados sobre toda essa miséria extrema?...
Oh, dor!... Não suportarei tamanha aflição, assim, diante dos meus olhos, Senhora, se escuto os rangeres de dor e de aflição das mãezinhas, nos infectos tugúrios, diante do insistente choro dos seus rebentos, a reclamarem o alimento diário?... Oh, não resistirei, Mãezinha, a tais monstruosidades, se sei que são todos eles meus irmãos!... - e uma série de soluços convulsiona-a, ostensivamente.
O repicar dos sinos das igrejas estrondam, sistematicamente, sobre a cidade, despertando-a para mais um dia que chegava. Isabel continuava de joelhos, diante do oratório, com os olhos vermelhos pelo pranto. Era patente o sofrimento que lhe ia pela alma.
- E as doenças, Mãe? - prossegue ela, com a voz molhada pelo pranto. - A peste aí grassa, como um vendaval, a ceifar vidas, não poupando nem mesmos as tenras criancinhas, tão cruamente arrancadas aos trémulos braços das suas mães, tremendamente batidas e maceradas pelo inominável sofrimento da perda dos seus pequeninos!... E a lepra?... Oh, a lepra!... As terríveis chagas, a carcomerem as pobres criaturas, com apetite voraz!... Quanta dor!... Quanta desgraça, Mãezinha!... Que peso não terá essa dor insana, ao se verem as carnes corroídas, e inexoravelmente devoradas por esse terrífico e inclemente mal?... Oh, que tamanha desdita não será para essas criaturas verem, paulatinamente, suas feições irem sumindo e sendo substituídas pela máscara do horror?... Olhos que outrora brilharam, cheios de esperança, ora se apresentam estatelados, em órbitas descarnadas, a evidenciarem eterno e patético assombro!... E os narizes, Senhora?... Do conjunto harmónico facial de que faziam parte, ora mostram-se apenas como duas hiantes covas, a chiarem, tetricamente, o ar que se lhes atravessam, misturado às excreções purulentas que brotam incessantes, à guisa de perenes fontes de podridão e de fedor!... "Impuros!... Impuros!... ", bradam eles, a badalarem os cincerros de advertência!... Isso se lhes imputou a severa lei, a segregá-los do convívio com os sãos!... "Impuros!... " E as bocas, Senhora Santíssima?... Os lábios, corroeu-lhos o tetro mal, impiamente, a deixar-lhes à mostra os dentes - dentes!... Senhora Santa!... - dentes que mais se assemelham a toscos cotos, enfiados às tontas sobre gengivas inchadas e violáceas, a forçar-lhes a exibição de sinistro e permanente sorriso!...
- Feliz o que consegue partir deste mundo, a carregar consigo um pouco dessas desgraças!... - ouve-se, no ambiente, conhecida voz.
-¡ Paye!... - grita a princesinha de Aragão, erguendo-se do chão frio e gelado. De repente, da tristeza infinita, brota a felicidade extrema!... -¿Yes tu?...11
- ¡Güenos diyas, pequeña rosa!...12 - exclama o Espírito do velho rei de Aragão, a materializar-se, nimbado de luz dourada, na semiobscuridade reinante na câmara de Isabel.
- Oh, querido!... - diz a menina, altamente emocionada. E, aproximando-se do ser amado, tenta abraçar-se a ele.
- Oh, sabes que não podes tocar-me, meu bem!... - diz o Espirito, entristecendo-se. - Agora sou feito...
- De outra coisa!... - atalha a menina, a rir-se. E, sentando-se no leito, convida o avô, indicando-lhe confortável divã recoberto de afável pele de camurça: - Por que não te sentas aí?... Acaso, agora que és feito de "outra coisa", não te sentes fatigar, não?
- Oh, Isabelita]... - diz o avô, a rir-se. - Tu e o teu inesgotável bom humor!... Acho que é por isso que sempre te quis manter por perto!... - e, a fazer-se sério, prossegue: - Lembras-te do quanto me distraías e me alegravas, quando a coroa pesava-me sobremodo, à cabeça, a ponto de esmagar-me, sob o seu desmesurado peso?... Entretanto, agora, não me sinto mais cansar ou me tomar de desânimos!... Vês, a morte tem lá as suas vantagens!...
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 13, 2024 10:40 am

--Oh, paye!... - diz a menina, a olhar, fixamente, nos olhos do avô. -Sinto imensamente a tua falta!...
- Também eu, meu bem!... Também eu sinto a tua ausência!... -Paye- pergunta a menina, depois de breve silêncio instaurado entre
ambos -, por que é que tu sempre apareces quando me acho triste?
- Porque ouço o chamamento do teu coração, querida!... - diz o Espírito de Jaime de Barcelona. - Para os apelos da voz da alma não existem distâncias!... Por mais afastados que nos encontremos dos nossos entes amados, poderemos sentir-lhes os clamores do coração!...
- Si no bibises tan lexos...13 - diz a menina, entristecendo-se. - Não sabes o quanto essas guerras trazem desgraças e fazem aumentar ainda mais a miséria já existente!... - e, a tornar-se infinitamente triste, prossegue: - Nada pôde demover papai de fazer guerra ao seu irmão... E, recentemente, mamãe contou-me que tio Jaime capitulou, depondo as armas em Montpellier... Papai encontra-se lá, a firmarem as cláusulas do acordo de paz.
- jSisquiera no se faigan mal!...14 - diz o Espírito do velho rei, com fundo suspiro. - Espero que não se esqueçam de que, em suas veias, corre o mesmo sangue... O nosso sangue...
- Vovô - prossegue Isabel -, desta vez não conseguiste evitar que a guerra acontecesse?
- Oh, minha querida! - exclama o rei, a olhá-la nos olhos. - Sei o quanto abominas as guerras!... Mas, não!... Não foi possível fazer nada desta vez!... - e, depois de cogitar por instantes, o Espírito continua: -Sabes, meu bem, existem coisas as quais não conseguiremos demover do coração das pessoas!... Há uma Lei15 cujo preceito caberá somente a nós mesmos executar!...
As resoluções que tomarmos, e as acções que desenvolvermos em nossa vida dependerá, exclusivamente, de nós mesmos, sem levarmos em conta a influência de ninguém!... Será sempre a expressão da nossa vontade e da nossa própria escolha e, por conseguinte, seremos, também, os únicos responsáveis pelas consequências daí advindas!... Deus nos concedeu a liberdade de agir e de pensar, e a decisão por um ou por outro caminho a seguir será sempre a nossa!...
- Dizes, então, que foi inevitável a guerra?
- Não sei, querida - responde o Espírito do velho rei. - Na realidade, não te posso afirmar que assim ocorreu; apenas te digo que existem Leis que se acham acima das nossas vontades e que regulamentam tudo que acontece por aqui!... São os desígnios de Deus!... Quem é que pode contestá-los?... Como é que nós, reles pecadores, poderemos entender o que vai pelo pensamento do Criador?... Seria muita pretensão nossa!... Entretanto, uma vez longe do corpo, nossa mente acha-se um pouco mais clara, mais aberta à compreensão de certos fenómenos, entendes?...
- Não... - responde, lacónica, a menina, a fitar, firmemente, os olhos do avô.
- Oh, sincera e autêntica como sempre, pequena rosa!... - ri-se o Espírito. - Sei que te é difícil entender as minhas palavras!... Mas, dou-te um exemplo: qual será a razão de existirem as fortes tempestades, acompanhadas de tremendos vendavais, a promoverem mais destruição e morte que, propriamente, desempenharem a salutar e imprescindível tarefa da chuva que é a de molhar a terra ressequida e, propiciar, destarte, a continuidade da vida?... Já te envolveste, acaso, com tal questão?
- Acho que sim - responde a menina. - E qual seria, então, a razão disso?...
- Para que haja a renovação, Isabel, é preciso, primeiro, que aconteça a destruição!... - diz o Espírito de Jaime de Barcelona, com um sorriso.
- Dessa forma, entenderás muitas das coisas que, aparentemente, não têm explicação ou razão de existirem sobre este mundo!... Como acontece à outra Lei, da qual te falei há pouco, esta é mais uma delas, a regulamentar-nos a Vida!...16 Somos todos regidos por Leis eternas e imutáveis: as Leis Divinas!
- Seria a guerra, então, a vontade de Deus?... - questiona a menina.
- Confesso-te: é-me difícil à razão - e muito mais ao coração! - entender que algo tão nefasto possa advir da vontade divina, não achas?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 13, 2024 10:40 am

-A princípio isso te pode parecer paradoxal, querida! - diz o Espírito de Jaime de Barcelona, a abrir ligeiro sorriso condescendente. -Entretanto, assim não é!... Presta bem atenção: as guerras não acontecem pela vontade expressa de Deus!... Seria um absurdo afirmar tal coisa!... As guerras acontecem, sim, pela predominância da nossa natureza animal sobre a natureza espiritual e, destarte, para a satisfação das nossas paixões, valemo-nos da força!... E, enquanto existirem tantas desigualdades entre os homens e valer apenas o direito do mais forte, as guerras, fatalmente, existirão!... No momento, só pela espada conseguiremos mostrar o nosso valor e defender os nossos interesses e as nossas ideias!... Não existe outra maneira!...
- Dizes, então, que as guerras ainda são um mal necessário?
- Por certo que sim!... - observa o Espírito. - Certamente, um dia, no futuro, quando os homens deixarem a barbárie, as guerras deixarão de existir, mas, infelizmente, por ora, ainda são necessárias!... Para que haja liberdade e progresso, Deus permite a existência das guerras!17
- Por insondáveis caminhos marcha a sabedoria de Deus!... - exclama a menina.
- Sim, querida - diz o Espírito. - E, cabe-nos atender as vontades do Criador!... - e, depois de curto silêncio, durante o qual ambos cogitaram profundamente, Jaime de Barcelona prossegue: - Talvez Pedro ande a atender aos desígnios de Deus...
- Sim, e disso não nos apercebemos - junta a menina. - Não é por acaso que alguém carrega uma coroa à cabeça...
- Eu que o diga, meu bem!... - diz o Espírito, com fundo suspiro. - Eu que o diga!... E tu, um dia, por certo, também o saberás!...
Durante a celebração das matinas, Isabel, como sempre, permanecera altamente contrita, ajoelhada ao lado da mãe, na capela do palácio de Valência. A voz do celebrante soava metálica e canónica, recitando a litania. Sem tirar os olhos do altar-mor, e altamente concentrada no ritual, a princesinha movia os lábios e respondia à ladainha, acompanhando as pessoas mais velhas que com ela assistiam ao ofício religioso naquela manhã.
Terminadas as orações matinais, a rainha Constança volta-se para a filha:
- Oh, meu bem!... Faz dias que não conversamos eu e tu!... Não queres juntar-te a mim?... Poderemos tomar o desjejum juntas!
- Por certo que sim, mamãe! - responde a menina. - Aguarda-me que, em pouco, lá estarei!
- Por que não vens de imediato? - diz a rainha. - Que te impede de vires neste momento?
- Oh, mamãe, tenho algo importante a fazer, antes de ir ter contigo! - e, a beijar, afoitamente, as mãos da mãe, sai, quase a correr, seguida pelo seu esbaforido séquito.
A saída abrupta da filha fez Constança de Hohenstaufen intrigar-se. Que teria Isabel de tão importante a fazer àquelas horas da manhã?...
Já a caminho do palácio, Constança estaca de inopino. A atitude da filha mostrara-se estranha; aliás, não vinha acompanhando a vida da filha, ocupada que andava com as questões comezinhas da corte. Havia tantos banquetes, tantos saraus, tantos bailes a ir, que não lhe sobrava tempo para ver os filhos!... Oh, que lástima!... As vezes, a rainha de Aragão culpava-se, mortificava-se, mormente, após assistir às cerimónias religiosas!... Depois, entretanto, havia tantos trajes a experimentar, tantos filieis, tantos calçados novos a provar, tantos mantos, tantos xales... Tanta coisa!... Deus do céu!... Acabava por sempre se esquecer dos filhos!... Quando voltava a vê-los, haviam crescido tanto que quase não os reconhecia!...18
- Condessa Herédia, despedi as demais senhoras, mandando-as à nossa frente!... - ordena a rainha à sua dama de honor. - Vós permanecereis, a fazer-nos companhia!
- ¡Sí, Majestad!... - diz a outra, afastando-se, após ligeira reverência.
Em pouco, a dama de companhia de Constança retornava, e a rainha determina, cheia de pressa:
- Aviemo-nos, condessa, a seguir os passos de Isabel!...
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 13, 2024 10:40 am

E, a manter relativa distância da filha e do seu séquito que, após apanharem uma porção de cestos cobertos de panos, que se achavam ocultos a meio da sebe que margeava uma das aleias do frondoso jardim interno do palácio, o pequeno grupo marchava em direcção aos portões de entrada, tendo Isabel à frente, também ela a sobraçar volumoso cesto, recoberto com panos de alvíssimo linho.
Ao chegar à entrada, a princesinha ordena, com voz firme, aos soldados que faziam a guarda:
-Abri os portões!
Sem titubearem, por um só instante, os lanceiros abrem os pesados portões, franqueando a saída de Isabel e de seu jovial cortejo que se
lança, então, alegre e descontraído, à liberdade das ruas da pitoresca Valência. A grande praça diante do palácio achava-se abarrotada de pessoas: aguadeiros, arqueados sob o peso dos barris que carregavam aos esfalfados ombros; vendedores de pães, com os cestos à cabeça, a apregoarem a mercadoria em altos brados; verdureiros, a exporem seus produtos sob as árvores; peixeiros, fruteiros, funileiros, alfagemes... E, a meio da pequena multidão que se aglomerava na praça, uma infinidade de mulheres esquálidas, a arrastarem extensa prole pelas mãos, a mendigar - viúvas e órfãos das guerras constantes, lançados ao abandono extremo -; soldados mutilados e feridos e despejados à própria sorte, caminhavam trôpegos, com olhares cansados e faltos de esperança, a gemerem as suas aflições e desditas, ora transformados em bandos de inúteis à necessidade dos exércitos ou de mão-de-obra para os campos, e se tornando, destarte, mais num dos incómodos pesos que a insensibilidade dos poderosos descartava pelas ruas da cidade, a subsistir, se pudessem, ou, de antemão, condenados à morte, na mais absoluta miséria e abandono! E, naquela reluzente manhã primaveril, Isabel, acompanhada do seu rutilante séquito, qual panapaná multicor, principiava a volitar por entre aquele jardim de penúria e desgraças!... Quanta alegria aos olhos daqueles andrajosos e desvalidos da vida, ao avistarem o resplandecente grupo de gentis senhorinhas, tendo à frente aquele anjo de candura, a semear espórtulas à multidão de desgraçados, a lhes estenderem às sequiosas mãos o substancioso pão!... Quanta miséria!... Quanto desespero!... Quanta fome!...
- O pão!... - grita Isabel às suas damas de companhia. - Daz-les-ne agora mesmo!...19
Então, aquelas gentis senhoras, a descobrirem os cestos de vime que sobraçavam, distribuíam grossas fatias de substancioso pão de trigo àquela pequena multidão de desvalidos da vida. Quantas lágrimas de gratidão, quantos agradecimentos, de joelhos, àquelas benditas mãos que lhes traziam o alimento necessário, a apaziguar o terrível monstro da fome a roer-lhes, sem tréguas, as entranhas!... Quanto choro a misturar-se aos risos de contentamento!... E Isabel ria-se e se abraçava a todos, a beijar-lhes, em contrapartida, as mãos sujas e descarnadas, todas as vezes que aqueles desgraçados, num átimo de profunda gratidão, lançavam-se-lhe aos pés, a lhe beijarem a fímbria do manto ou as mãos branquíssimas e perfumadas!... Oh, benditas aquelas mãozinhas que, desde pequeninas, já entendiam qual era o modo correto de juntar-se a Jesus!...
- ¡Gracias, Siná!
- ¡Pro Dios!...
- ¡Iste presén ye ta busté!...20 - diz Isabel, a sorrir, pondo algumas moedas de ouro às mãos descarnadas de pobre mulher, acompanhada de meia dúzia de pequerruchos não menos magros e esfaimados que a mãe.
- Oh, Deus vos cubra de graça, senhora!... - exclama a andrajosa mulher, a lançar-se de joelhos, infinitamente agradecida e, a beijar a fímbria do rico manto de seda de Isabel, prossegue em altos brados: - Que Deus vos anteceda a glória celeste!
- E tu já a tens, querida!... - diz Isabel, a abraçar-se à mulher e a beijar-lhe as faces sujas e descarnadas. - De antemão, Deus vos confere um lugar ao Seu lado!... Persevera em tua luta, que ao céu chegarás!
A mulher afasta-se a soluçar, altamente emocionada e a arrastar a extensa fieira de filhos atrás de si. Entrementes, de detrás de vetusto tronco de árvore da praça, duas mulheres, com os rostos ocultos pelos véus de seus fillets, assistiam ao que faziam Isabel e suas damas de companhia.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 13, 2024 10:41 am

- Condessa Herédia, vedes o que vemos?... - cochicha Constança de Hohenstaufen à dama de companhia. - Por Deus!... Isabel é louca!... Vistes como ela abraçou e beijou aquela mendiga horrorosa?... Será que nossa filha perdeu a capacidade de cheirar as coisas?... Aquela gente fede como porcos!...
- ¡Pro que si, Majestad!... - cochicha a outra, de volta, com um esgar de nojo. - Que estranhos modos demonstra a princesinha!...
-Ai, que vamos até lá, a dar-lhe algumas palmadas!... - diz a rainha de Aragão, agora, a desvelar-se, e pouco se preocupando com o local onde se achava. - Isso já é demais!... Antes, só ouvíamos falar desses disparates; agora, entretanto, vemos com os nossos próprios olhos!... Não!... Não podemos deixar passar esta oportunidade!... Vinde, condessa!... - e, a puxar a outra pela mão, sai furibunda em direcção de Isabel que, no meio dos miseráveis da rua, continuava a distribuir-lhes pão e moedas de ouro.
- ¡Isabel!... - chama pela filha Constança de Hohenstaufen. - Que febas?21
- ¡Mai!...22 - exclama a jovenzinha, ao perceber que a mãe aproximava-se furiosa.
- Qué febas con ixos trastes?... 23 - grita a rainha de Aragão, com as mãos espalmadas aos flancos, e cheia de ira até as orelhas.
E, a armar-se do longo abano de seda bordada de riquíssimos aljôfares que trazia a mão, Constança principia a dar bastonadas a torto e a direito nos pobres mendigos que se acotovelavam para receberem a esmola das mãos da princesinha, e a gritar, feito uma louca:
- Jopo!... Jopo!... 24 Arreda!... Passa, fedido!
- Por Dios, no!... - grita Isabel, tentando controlar a mãe que agia qual desvairada, a espumar de ódio.
- Jopo!... - prosseguia a gritar, estentórea, a rainha. E a desferir, agora, sopapos e pontapés, indiscriminadamente, a quem se lhe metesse no caminho, continua a berrar, a plenos pulmões: - Jopo, miserables!...25
- Majestad- diz a Condessa Herédia, tentando deter a furiosa mulher que se esfalfava em dar bastonadas e chutes nos pobres mendigos -, contende-vos, Siná, por Dios]...
- ¡Ay, que m 'amorto!... 26 - geme Constança, jogando-se aos braços da dama de companhia. - Minha filha mata-me de desgosto!... - grita, a vazar poltronice por todos os poros.
- ¡Por Dios, Siñá!...27 - grita a Condessa Herédia, amparando Constança de Hohenstaufen aos braços. - Mantende a calma!...
Isabel, pilhada no meio dos miseráveis da rua, a distribuir esmolas e pão, sentiu-se vexar pela atitude que demonstrava a mãe. Em seu íntimo, não aceitava que alguém pudesse mostrar-se tão insensível à dor dos seus semelhantes.
- Por favor, mai!... - suplica ela. - Deixa-me minorar um pouquinho a dor dessas pessoas!... Vê como nada possuem de seu, além da miséria extrema!...
- ¿¡Presonas?!... - grita Constança, às raias da fúria extrema. E, a apontar um desgraçado soldado ferido, que rastejava, à míngua, a ostentar fundas chagas recobertas de bichos, a pulularem nas feridas, grita cheia de nojo: - ¿¡Presona?!... Ixo ye um can no una presona!...28
Isabel, entretanto, volta-se para o pobre homem que rastejava qual um cão tomado de peste, a gemer, lobregamente, a implorar por misericórdia, a estender uma tremente mão descarnada e pálida e, num impulso, lança-se para o desditoso homem e o ampara, a confortá-lo com palavras de carinho e de ânimo. Em seguida, do bolso de seu manto, retira uma mancheia de reluzentes moedas de ouro e se lhe as coloca, suavemente, à descorada palma da mão.
O desventurado soldado, tomado de extrema gratidão e a arrebanhar as derradeiras forças que lhe restava, põe-se de joelhos diante da princesinha e, respeitoso e a soluçar de profunda emoção, beija aquelas alvíssimas mãos que lhe proporcionavam substancial alívio ao seu terrível martírio.
- Deus vos abençoe, Siña!... - geme o homem, entre soluços.
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Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini - Página 3 Empty Re: Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 13, 2024 10:41 am

- Vai!... - diz Isabel, pondo-se de joelhos diante do homem. E, a beijar-lhe as esquálidas mãos, prossegue: - Vai, procura alguém que te dê socorro e guarida!... - e a abrir um sorriso cheio de alegria: - Agora tens como pagar!...
O homem sai, a caminhar, trôpego, mas feliz. As mãos daquela brilhante menina traziam-lhe de volta a esperança.
- Vistes, condessa?!... - exclama horrorizada Constança de Hohenstaufen. - Ela deu ao traste bichado uma pequena fortuna em ouro!... - e, a cuspir fogo, brada: - Isabel, tu achas que o ouro vem das árvores, para andares a atirá-lo aos cães da rua, é?... Por Deus, onde é que andaste a rastelar isso?!...
- Esse ouro, mai, deu-me o meu saudoso paye!... - e, a encarar a mãe aos olhos, prossegue: - Para que nos serve o ouro, senão para apagar a miséria da vida dos nossos irmãos menos favorecidos?... Já temos tanta riqueza em nosso tesouro particular que, se vivêssemos por mil anos, não daríamos conta de liquidar com toda ela!... Oh, mãe, que nos ensinou Jesus?... Acaso não disse Ele: "Não ajunteis para vós tesouros na terra; onde a traça e a ferrugem os consomem?... 29
- Já sei!... Já sei!... - brada Constança, altamente irritada, uma vez que tomou aquela resposta como demonstração de altíssima insolência da filha. - Conheço isso tudo melhor que tu!... - e, a acrescentar à voz profundo tom de ironia, prossegue: - Tesouros no céu e besouros na terra!... Isso é o que acabarás tendo na tua vida, se continuares a atirar porta fora o que te legou o teu desmiolado avô!... Pensas viver do quê, minha cara?... Da brisa que sopra do mar?... E as delícias a que estás habituada a bicar, na farta mesa que te põem todos os dias, além das belas roupas que ostentas e das rutilantes jóias que te adornam?... Tudo isso custa muito, queridinha!... E quem suprirá o teu luxo?... Teu futuro marido?... Queira Deus que não desposes um canguinho desses que enxameiam por aí e verás como é boa a mendicância a que tanto te dedicas e que desejas, tão ardentemente, extirpar da face do mundo!... És uma doida, isso, sim!... Pobres sempre os houve e sempre os haverá!... São como os ratos!... Quanto mais se os matam, mais se multiplicam!...
- Oh, mai!... - diz a menina, a entristecer-se ao máximo. - Sei que não podes entender isso!... Para que me servem as coisas do mundo?... Vê a sabedoria do Cristo: "Porque nada trouxe para este mundo, e nada podemos daqui levar... "30
- Oh, és mesmo uma doida, Isabel!... - exclama Constança, a extravasar ironia até pelas orelhas. - És uma princesa de uma das mais eminentes monarquias do mundo e, certamente, muito antes do que possas imaginar, serás rainha!... Aí então, saberás o peso da responsabilidade que terás!... Quero ver se o teu marido, a tua corte e os teus súbditos desejarão ver-te aos abraços e aos beijos com a escória do mundo!... Tomar-te-ão por uma demente e de ti zombarão!... Não sabes como é essa gente!... Terão asco de ti, se te presenciarem - como eu vi com os meus próprios olhos! - tu te abraçares a esses mendigos imundos e a beijar-lhes as purulentas chagas!... Oh, minha filha, isso não é natural!... Tu és uma princesa!... Leva em conta os meus conselhos!... Tu te rebaixas muito e muito sofrerás por causa disso!... Mas, sei também o quanto és renitente e não me ouvirás, como fizeste das outras vezes!... - e, após curto silêncio, durante o qual fixou a filha, firmemente, nos olhos, prossegue, com fundo suspiro de desapontamento: - Paciência!... Se Deus me der vida até lá, eu hei de ver o quanto ainda sofrerás por conta dessa tua teimosia!... - e, decidida, ordena à dama de companhia: - Vamo-nos daqui, condessa!... Isso tudo me causa nojo!... En ixe puesto, no bi tiengo cosa ta fé!... Tornar ta casa: ixo ye o que quiero!...31
Isabel, de braços temporariamente caídos, olha, com profundo pesar, a mãe que se afastava furibunda, em companhia da Condessa Herédia.
- Ela ainda não consegue entender essas coisas, Ximena... - diz a princesinha de Aragão à fiel dama da companhia que se lhe postava ao lado. - Mas, um dia, por certo, seu coração estará um pouquinho mais aberto ao amor!... - e, voltando-se para a companheira, abre um brilhante sorriso, e emenda: - Mas nós, não!... Nós já sabemos o que é amar!...
E, a rir-se, efusivamente, abraça-se à fiel amiga e a conduz ao magote de desgraçados que, temerosos pelos ríspidos e grosseiros falares da rainha, mantinham-se calados e amontoados à pequena distância.
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Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini - Página 3 Empty Re: Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 13, 2024 10:41 am

- Venha!... - brada Isabel felicíssima, pondo-se de joelhos e, a abrir os braços, recebe neles uma pequerrucha que se destacara do grupo e correra até ela: - Iste presén ye ta busté!...31 - diz-lhe, amavelmente, e lhe mete à mãozinha suja e descorada uma reluzente moeda de ouro.
E, na praça do palácio de Valência, Isabel e suas leais companheiras, como reluzentes borboletas douradas, prosseguiam a volitar, entre aquela multidão de desafortunados, a distribuírem pão, ouro, afagos e sorrisos. Não era só de pão a necessidade daqueles desgraçados molambos; também o era a fome de amor. De muito amor!... No alto, o sol continuava lindo, a espalhar seus dardos luminosos, a tingirem tudo de ouro, naquela singela manhã primaveril...
______________________________________________________________________________________________
1. Em 1279, pelo Tratado de Perpignan, Pedro III, pela força das armas, obrigou o irmão Jaime II, rei de Maiorca, a reconhecer que administrava a ilha apenas na qualidade de feudatário honrado do conde-rei, isto é, apenas como vassalo do Reino de Aragão. Assim, o Estado maiorquino convertia-se numa série de distritos territoriais integrados à confederação aragonesa. Estava dado, dessa forma, o primeiro grande passo para o estabelecimento da hegemonia catalã-aragonesa do Mediterrâneo, tão almejada por Pedro III.
2. Pedro III refere-se à rebelião ocorrida na Catalunha, liderada pelo Visconde de Cardona, instigada pelo Conde Rogério Bernardo III de Foix, Arnoldo Rogério I de Paliais Sobirà. e pelo Conde Ermengol X de Urgel a qual foi sufocada, em pouco tempo, pelo rei. Em 1278, Ermengol X de Urgel, o herdeiro de Álvaro de Urgel, conseguiu recuperar a maioria do seu Património, depois de longa disputa contra outros pretendentes, inclusive com Pedro III, e chegou, finalmente, a um acordo com o rei, de quem se reconheceria vassalo e concluindo, destarte, uma contenda que se estendia desde 1268.
3. Abu Abdallah Muhammad I al-Mustansir(1249- 1277) foi califa, em Túnis a partir de 1249. Além de político de prestígio, tratava-se de homem culto, perito em Lógica e em Ciências Naturais, e se fez amigo de Jaime I de Barcelona e de Luís IX de França (São Luís).
4. Após a morte de al-Mustansir. ocorrida em 1277, a situação foi se deteriorando e, durante mais de um século, o Império Haféssida conheceu lutas intestinas periódicas, entre os membros da dinastia reinante, sendo, ainda, abalado pela revolta dos árabes e pela dissidência de cidades como Bidjaya e Constantine e, até mesmo, de regiões inteiras que se tornaram principados independentes do poder central.
5. Referência ao almirante Conrado Lanza, primo de Constança de Hohenstaufen, rainha de Aragão e da Sicília e esposa de Pedro III.
6. Desde 1266, o Reino da Sicília encontrava-se sob a soberania de Carlos de Anjou (1227 - 1285) que derrotara Manfredo de Hohenstaufen (1232 - 1266), morto na batalha de Benevente Carlos de Anjou foi, então, investido rei, sob o apoio do papa Clemente IV, que não desejava nenhum Hohenstaufen soberano no sul da Itália. Depois de coroado, o monarca angevino mandou cegar os três filhos varões de Manfredo de Hohenstaufen e, em 1268, capturou e mandou decapitar Conradino, neto de Frederico da Germânia e último herdeiro varão da casa Hohenstaufen. A linha sucessória do Reino da Sicília passou, destarte, para Constança, esposa de Pedro III de Aragão.
7. "- Isso é o que quero!... ", em aragonês.
8. Valência localiza-se na costa do Mediterrâneo, a leste do território hispânico. Esta cidade, de origem romana, fundada no século 11 a.C, só se desenvolveu com a ocupação árabe, no ano de 718. Os muçulmanos construíram uma nova muralha e intensificaram o regadio na região. Em 1238, o rei Jaime I, da Coroa de Aragão, conquistou a cidade, que passou a desenvolver-se nas áreas comerciais, artesanais, além da mouraria.
9. "- Santa Maria, mãe de Deus. ora por nós, pecadores, agora e na hora da nossa morte... " , em latim.
10. Na liturgia católica, a primeira parte do ofício divino, rezada de madrugada.
11. "-Vovô!... " (...) "- És tu?... ", em aragonês.
12. "- Bom-dia, pequena rosa!... ", em aragonês.
13. "- Se não vivesses tão longe... ", em aragonês.
14. "- Oxalá não se façam mal!... ", em aragonês.
15. O Espírito refere-se à Lei de Liberdade, contida em O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec, capítulo X, mais especificamente, no subitem Livre-Arbítrio.
16. Referência à Lei de Destruição, contida no capítulo VI, sessão V, em O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 13, 2024 10:41 am

17. Corroboram-se essas afirmações do Espírito, no Capítulo VI, subitem Guerras, em O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec.
18. Constança de Hohenstaufen teve seis filhos, todos de Pedro III: Afonso, nascido em 1265; Jaime, de 1267; Isabel, de 1271; Frederico, de 1272; Iolanda, de 1273 e Pedro, de 1275.
19. "- Dai-lhes agora mesmo!... ", em aragonês. Embora a língua mais falada em Valência fosse o valenciano, Isabel usava o aragonês que, ao lado do catalão e do provençal, eram as línguas mais faladas ao sul da Europa, à época, e por existir, ainda, íntima relação entre essas línguas.
20. “Este presente é para você!... ", em aragonês.
21. “ Que fazes?... ", em aragonês.
22. “ Mãe!...", em aragonês.
23. “Que fazes com esses trastes?... ", em aragonês.
24. “Fora!... Fora!... ", em aragonês.
25. “Fora!..." (...) "— Fora, miseráveis!... ", em aragonês.
26."-Ai, que eu morro!... ", em aragonês.
27. "- Por Deus, senhora!... ", em aragonês.
28. "— Pessoas?!... " (...) "— Pessoa?!... Isso é um cão, não uma pessoa!... ", em aragonês.
29. Evangelho de Mateus, 6:19-21
30.1 Timóteo, 6:6-8
31. "_ Nada tenho a fazer neste lugar!... Voltar para casa é o que desejo!... ", em aragonês.
32. "- Este presente é para ti!... ", em aragonês.
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Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini - Página 3 Empty Re: Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 13, 2024 10:42 am

Capítulo VIII - Uma tragédia
Os anos houveram passado. Isabel completara onze anos, e já se cogitava, na corte de Valência, arranjar-lhe um casamento de valor e à altura da Casa de Aragão.
- É preciso casar Isabel - diz o rei à sua mulher, enquanto passeavam ambos pelos jardins internos do palácio, em cálido entardecer de outono. -Nossa filha já anda a completar onze anos!
- Sim, e, se não nos apressarmos em arranjar-lhe um pretendente, correrá o risco de ninguém mais a querer!... - concorda Constança. - Já passa da hora!... Sabes muito bem que ninguém gosta de trinchar pelancas aos dentes!... Ha!... Ha!... Ha!... Ha!...
- Tens razão, minha cara - diz Pedro de Aragão, abrindo ligeiro sorriso, à facécia mandada pela esposa. E, depois de breve silêncio, prossegue: - E as ideias de Isabel?... Conseguiste, acaso, demudar-lhe os intentos de professar?... Imagina só as intenções dessa criatura!... Internar-se num convento!...
- Oh, com jeito tudo se consegue, meu querido!... - diz ela, com um sorriso aos lábios. - Eu jamais permitiria que Isabel fizesse uma tolice dessas!... -e, fazendo-se séria, prossegue: - Mas, sabes muitíssimo bem que tudo isso não passa das nefastas influências que o teu pai despejou sobre a cabeça dela!...
- Ora!... Por que é que andas sempre a remeter sobre papai toda a culpa pelas esquisitices que andam pelas ideias da nossa filha?... – rebate o rei, um tanto aborrecido. - Mas te esqueces de que papai foi um homem profundamente pio, generoso, além de cristão exemplar!...
- Cristão exemplar!... - ironiza Constança de Hohenstaufen. E, abrindo um sorriso de deboche, prossegue: - A não ser que te referiste a exemplos de crueldade!... Vais, acaso, negar o que te contaram sobre ele e Teresa de Bidaurre? 1
- Oh, andas, agora, a dar azo às intrigas palacianas? - observa Pedro III, cheio de sarcasmo. - Sabes, também, o quanto as famílias reais são vítimas do imaginário dessa gente!... Ora, faz-me o favor!...
- completa ele, zangado.
- Oh, se fosse tu, não daria somenos importância a esse fato, não!...
- Sabes, muitíssimo bem, que o teu pai foi ameaçado de excomunhão, pelo que mandou fazer ao bispo de Chirona!...2 Seria isso, acaso, mais uma louca fantasia da cabeça dos cortesãos de Saragoça?... Tu mesmo lá te achavas, quando mutilaram o pobre homem, a mando do teu pai!...
- O bispo de Chirona bem que o mereceu!... - exclama o rei, colérico.
- Meu pai agiu acertadamente!... O imbecil sublevador teve o que mereceu!... Se houvesse ousado levantar-se contra mim, o castigo teria sido pior: mandaria decapitá-lo!... Meu pai foi até magnânimo para com aquele asno!...
- Sabes, querido - prossegue Constança, após ligeiro calafrio, diante das palavras do marido -, no fundo, acho que tens toda a razão!... Sublevadores sempre aparecem, a insurgir-se contra nós, e é preciso mostrar-lhes a força da nossa mão!...
- Ou quem perderá a cabeça seremos nós!... - arremata Pedro. - Com essa gente não se brinca!... - e a mudar, propositadamente, de assunto, prossegue: - Pedirei ao rei da França a mediação para os possíveis contratos de matrimónio para Isabel.
- Achas que Filipe3 aceitará a tua proposta?...
- Tenho a certeza de que mediará o contrato de casamento de Isabel. Ajudar-nos-á a escolher o mais acertado para o reino. Amanhã mesmo despacharei nossos embaixadores a Paris, com a proposta. Pressinto que Filipe anseia aproximar-se de nós. E este é o momento propício!
- Se o dizes... - diz Constança que andava pouco se importando com os negócios de Estado. Suas preocupações, no momento, eram outras. E, após curto silêncio que se estabelecera entre ela e o esposo, diz, a olhá-lo nos olhos: - Algo anda a inquietar-me infinitamente muito mais que estabelecer amizade com o reino francês, meu caro!... Nossa filha!
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 13, 2024 7:40 pm

- Que tem Isabel? - pergunta o rei. - Sua aparência não me preocupa!... Anda a desenvolver-se magnificamente bem!... Não vais negar que a nossa filha torna-se uma moçoila bem atraente... E, ainda, provém de uma das mais eminentes cortes da Europa!... Dificilmente seria repudiada por alguém, em sã consciência!...
- Sei!... Sei!... - exclama Constança, irritadiça. - Não é a beleza de Isabel nem o estrondoso dote que a acompanhará, ao casar-se, que ora me preocupam!... Nossa menina é um anjo de beleza!... Além de jovial e muito inteligente!... Se brinco, passa-me, na esperteza, e até a ti, se não tomares tento!... Não nego que, nessas coisas, aprendeu ela tudo direitinho das lições que lhe passou o avô!... Não haveremos de negar que o teu pai era uma verdadeira raposa de sagacidade, a resolver as questões do governo!... E Isabel herdou-lhe tais prendas, eu bem o sei!... - e, a torcer as mãos de nervosismo, prossegue: - Porém preciso contar-te!... És o pai, e é bom que saibas: é a conduta de Isabel que me tira o sossego!...
- Que anda ela a fazer?... - espanta-se o rei. - Do jeito que te mostras, deve ser algo deveras grave!... - e, a tornar-se austero, continua: - Não vais dizer-me que já anda de namoricos!... E, já te adianto que, se for isso, bastarão apenas alguns bons correctivos para trazê-la de volta à trilha certa!
- Oh, não!... Não!... - apressa-se em acalmá-lo a rainha. - Garanto-te que não se trata disso!... Quisera eu que fossem apenas namoricos!... São outras coisas!... - e após raciocinar, por instantes, a medir bem as palavras que iria proferir, segue: - Pedro, a tua filha continua a meter-se com os mendigos e os estropiados das ruas!...
-O que dizes?!... - esbraveja o rei, a tomar-se de cólera intensa. -Não é possível que continue a fazer tais sandices!...
- Sim! Afianço-te que sim!... - fala a rainha. - Conferi tudo com os meus próprios olhos!... Eu andava a desconfiar das atitudes dela e, ontem, segui-a, sem que me percebesse. Pois bem, eu e a Condessa Herédia pilhamo-la, juntamente com as suas damas, a distribuir polpudas esmolas entre as gentes desqualificadas que, como bem o sabes, enxameiam pela praça do palácio!...
-Aqui?!... E sob as nossas fuças?!... - exclama o rei, a tomar-se de alto espanto. - E nós de nada sabíamos!...
- Vês como são as coisas!... - diz Constança. - Fomos os últimos a saber!... Até que não me importaria, se a princesinha saísse a fazer a caridade entre os pobres!... - prossegue ela. - É muito louvável o que faz!... Mas não que se imiscuísse entre aqueles farrapos humanos, a abraçá-los e a beijar-lhe as mãos imundas e a tratá-los como iguais!... Oh, isso não!
- Tens razão, minha cara!... - concorda o rei, a demonstrar fundo desgosto à face. - Isabel nivela-se a eles, e eles não na respeitarão!...
- Porém, ainda não te contei o pior, meu caro! - prossegue a rainha de Aragão, um tanto temerosa em açular, ainda mais, a fúria do esposo. - Isabel não se limita, simplesmente, a esbanjar o ouro que herdou do avô, distribuindo-o, a torto e a direito, entre os desgraçados do mundo, não!... Há coisas piores!... Ela lhes beija os pés imundos e descarnados e, ainda mais: beija as chagas e os bubões aos leprosos!...
- Que horror!... - exclama o rei, a tomar-se de intensa repulsa. -Como pode Isabel cometer tais despautérios?... Isso fere fundo a nossa dignidade real!... Não!... Não admitirei mais tais práticas absurdas!...
- Além do mais, corre o risco de contagiar-se com essa terrível enfermidade!... - acrescenta Constança. - É nosso dever impedir que faça isso!... E se ela contrair o mal?... - e a persignar-se, cheia de temores: -Deus do céu!... Não quero nem pensar, se nos ocorre tal tragédia!
Agora mesmo ordenarei aos archeiros a varrerem essa escória da praça do palácio!... - brada o rei. - Quero-a limpa dessa imundície!
- De nada adiantará tal atitude, meu caro!... - diz Constança. - Tenho a absoluta certeza de que Isabel ir-lhes-á no encalço, aonde quer que os desterre!... Conheço a obstinação da nossa filha mais que tu!
- E o que veremos, minha cara! - esbraveja furioso o rei. - É o que veremos!... - e, a fechar os punhos, numa demonstração de intensa raiva, prossegue: - Nem que tenha de encerrá-la numa enxovia, eu a deterei!
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Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini - Página 3 Empty Re: Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 13, 2024 7:40 pm

- Oh, Pedro - exclama Constança, já arrependida de tê-lo posto a par do que fazia Isabel -, terias mesmo coragem de mandar que a encarcerassem?...
- Tu verás, minha cara!... - diz ele, a cuspir ódio. - Isabel que não deixe de fazer tais asneiras, e tu verás do que serei capaz!
-Não te excedas!... - grita a rainha, a tomar-se de altas preocupações e repesa de tudo ter contado ao esposo, pois sabia o quanto ele se mostrava temperamental. E, tentando suavizar-lhe a conduta imoderada, prossegue: -Não te excedas, Pedro; sabes o quanto Isabel é sensível!... Não na quero magoada, entendes?
- Deixa por minha conta, que tudo resolverei a meu modo! - retruca ele e sai furioso, a bradar pelo ordenança: - Cabrera).... Cabrera)....
Em pouco, terrível agitação apoderava-se da grande praça fronteiriça ao Palácio de Valência. Gritos de terror misturavam-se a pungentes gemidos de dor, enquanto os cavalarianos do rei, a golpes de lança, expulsavam a ralé que esmolava, amontoada sob o arvoredo da praça. Os que ainda possuíam forças para fugir escapavam, sob a ameaça das pontiagudas lanças, a ferirem-lhe os dorsos descamados; entretanto, aqueles que já se achavam plenamente exauridos em suas forças eram sumariamente abatidos a golpes de lança. Em breve, o vozerio carregado de terror e de dor foi se amainando e, em pouco, as pedras do calçamento da praça achavam-se encharcadas de sangue. Cadáveres de desgraçados mendigos encontravam-se espalhados por todos os lados.
Do alto da janela do seu quarto, Isabel a tudo assistia estarrecida. Por que é que os soldados do palácio estavam atacando aquelas pessoas na praça?... Que teriam feito assim de errado, para pagarem de forma tão cruel e desumana, com a própria vida, sem terem a mínima chance de escapar?...
Com os olhinhos redondos e azuis a varrerem, toldados pelas lágrimas, aquela infinidade de corpos - indistintamente, de velhos, mulheres, homens, crianças - estendidos, bizarramente, com os olhos tetricamente abertos, ainda a guardarem os derradeiros esgares de terror tão insano, a princesinha de Aragão gritava, a ordenar que os soldados do pai cessassem de abater, tão impiamente, aquela chusma de desgraçados!... Mas a sua ténue voz perdia-se a meio do intenso alarido que subia do horrendo massacre que tão violentamente acontecia lá embaixo, na praça.
-Ximena!.... - grita ela, aterrada, a jogar-se aos braços da fiel companheira. - Por Deus!... A desgraça!... Vê os soldados a matarem os inocentes da praça!... Oh, horror!... Por que fazem aquilo, Ximena!...
- Certamente, por ordem de Sua Majestade, vosso pai, Alteza!... -brada a amiga, também tomada de fundo terror pela crueza do dantesco espectáculo a acontecer lá embaixo, no meio da praça.
- Oh, não!... Por Deus, não!... - grita a menina, desesperada. E a tomar-se de mais aflição ainda, põe-se a cogitar, tomada de profunda angústia, sobre o sentido de tamanha barbárie. E lhe vem, então, à mente, a razão daquela desgraceira toda: - Mamãe!... - grita ela. - Minha mãe contou ao meu pai sobre a nossa saída à praça, ontem!... E isso!... Papai mata-os, para que nós não lhes socorramos mais os sofrimentos!... Oh, meus pais não conseguem compreender a razão de eu fazer isso!... Eles não entendem porque o meu coração ordena que eu faça essas coisas!... É Deus a agir por mim, Ximena!... É uma força tão poderosa a invadir-me a alma, que eu não posso relutar!... Sou assim!... Deus manda-me, e eu Lhe obedeço!... E a força do Amor Divino a comandar essa minha atitude!... Como pode Deus agir entre nós, se não for através de nós, minha amiga?... Temos de ser os olhos e as mãos do Criador, a operarem por Ele neste mundo!... Se não for por meio de nós, como poderá Deus agir, a socorrer as suas criaturas?... Eu já não mais me pertenço, Ximena!... Eu pertenço a Deus e à Sua Obra!... É para isso que vim a este mundo!... Sou-Lhe serva fiel, entendes?... - e, com fundo suspiro, a indicar o quebrantamento que lhe ia fundo à alma, prossegue: - Meus pais não podem derramar tanto sangue inocente assim!... Toda essa dor voltar-se-á, inevitavelmente, contra eles!... - e, lançando-se de joelhos, diante do oratório, brada, a fixar, firmemente, os olhos na representação de Jesus Crucificado: - Oh, Senhor!... Impedi tamanha desgraça!... Ponde no coração do meu pai a piedade!... Fazei-o suspender essa matança!... Por nossa culpa, Jesus, morrem os inocentes!... - e profundos soluços sacodem-na, insistentemente.
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Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini - Página 3 Empty Re: Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 13, 2024 7:40 pm

-Alteza!... Alteza!... - chama-a a dama de companhia, altamente preocupada com o estado em que se encontrava Isabel. - Não foi vossa a culpa!... Que fizestes de errado, ao dardes o pão a matar a fome àqueles desgraçados?... Oh, não vos martirizeis assim!...
- É minha a culpa, sim, Ximena!... - insiste Isabel, a tremer-se toda, tomada de profunda comoção. - Eu lhes causei a morte!... Sou a responsável por toda essa tragédia!... Oh, Senhor Jesus, perdoai-me por crime tão cruel!... - e se joga ao chão, diante do rico oratório, tomada de fundo desespero.
E, com ardor crescente e intenso, a princesinha de Aragão põe-se a orar, com veemência, a suplicar a Deus que a impiedosa mão do pai cessasse aquele morticínio cruel. Maria Ximenes Cronel ajoelha-se-lhe ao lado, acompanhando-a em sua pungente prece em louvor daqueles desgraçados que deixavam o mundo, de forma tão desumana!
As horas passaram e Isabel, finalmente, cessa as suas orações, um tantinho mais aliviada em suas terríveis aflições. Resoluta, levanta-se do chão e encara a companheira nos olhos.
- Vem, Ximena, preciso falar ao meu pai! - convida ela, decidida. -Papai não pode continuar a cometer tamanhas atrocidades para com esses desgraçados!... - e, cheia de indignação, prossegue: - Um rei precisa amparar os seus súbditos, não assassiná-los, barbaramente!...
Em pouco, Isabel e seu pequeno cortejo de damas de companhia adentravam a sala do trono, onde se achava o pai, a reunir-se com seus pares.
- Preciso falar-vos, Siñor! - brada a princesinha ao rei de Aragão, após fazer-lhe longa reverência.
- Oh, és tu? - diz o rei, de cenho carregado. - Também nós ansiávamos por falar-te!... - e, com significativo gesto das mãos, despede a todos que se achavam no recinto.
Em instantes, no salão do trono, permaneciam apenas Isabel e o pai.
- Primeiro tu!... - exclama o rei, quase brusco, pondo-a a sentar-se-lhe ao lado, no lugar que pertencia à mãe. - Anda lá: o que tens a dizer é ao teu pai ou ao rei de Aragão?
- A ambos, Siñor! - exclama a menina, a mirar, fixamente, os olhos do pai. E, sem demonstrar qualquer inibição ou indecisão, acrescenta: - Venho suplicar-vos, meu pai, que não mais ordeneis outro massacre aos mendigos como esse que ocorreu, ainda há pouco, na praça do palácio!... Eles não tinham nenhuma culpa!... A única responsável por tudo sou eu, vossa filha!... E a mim que deveis castigar, não a eles, cujo único crime cometido foi o de serem miseráveis, doentes e mutilados da guerra por vós deflagrada contra o vosso irmão!... Vossa mão, Siñor, deverá abater-se sobre a minha cabeça, não sobre a deles!...
- ¡O mia filia! 4 - exclama Pedro de Barcelona, inexplicavelmente desarmado, perante a veemente indignação que lhe demonstrava Isabel. Diante da firmeza dos olhos da filha, sentiu-se, ligeiramente, envergonhar, pelo nefando crime que havia pouco ordenara a seus soldados executarem. Porém, num instante, recupera o autocontrole e diz: - Fi-lo por ti, minha querida!... Eu e a tua mãe decidimos que não deves sair por aí, a dilapidares, a torto e a direito, todo o ouro que te legou a bondade do teu avô!... Além do mais, é preciso resguardar a tua integridade física e moral!... Onde já se viu uma princesa da Casa de Barcelona sair, assim, a abraçar mendigos e desqualificados das ruas?... - e, a tomar entre as suas as níveas mãozinhas da filha, pergunta, a olhá-la, fundo, nos olhos:
- E, diz-me, filla mia, é verdade que andas a beijar as chagas e os bubões aos leprosos?
- Sim, papai... - responde Isabel, a fixar firme os olhos do pai.
- Oh, minha filha!... - exclama Pedro de Barcelona, agora, abraçando-se à menina. - Dói-me à alma ouvir essa confirmação vinda dos teus lábios!... Custava-me crer que fosse verdadeiro o que me disse a tua mãe!... - e, pondo firmeza à voz, prossegue: - Mas tu não podes fazer isso!... Não sabes que essa doença é perigosa?... E que, invariavelmente, as pessoas contaminam-se umas às outras pelo contacto próximo?... Impossível que já não te tenham explicado isso!... Olha em redor, Isabel!... Tu te sentas num trono!... És uma princesa e, certamente, em breve, serás, também, rainha!... Já estamos cuidando para que isso aconteça, o mais breve possível!... Procura entender-me: tu terás um trono!...
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Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini - Página 3 Empty Re: Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 13, 2024 7:40 pm

- Deus, certamente, dar-me-á um trono, para eu fazer a caridade!... - replica firme a menina. - Não para que me locuplete com o suor e o sangue dos meus súbditos!... Principalmente o dos mais miseráveis, aqueles a quem a minha mão deveria proteger, não assassinar!...
-Isabel!... - grita o rei, de repente, a tomar-se de ofensas pelas palavras da filha. - Não te esqueças de que, acima do fato de ser o teu pai, sou, também, o teu rei!... O que me disseste reveste-se de alta afronta à minha dignidade!... Mede bem as tuas palavras!... E, se tomei essa atitude tão extrema, foi tão-somente para salvaguardar-te!... Percebo que ainda não reparaste muito bem nas extravagâncias que andas a cometer, junto com as tuas aias!... - e, levantando-se, a despedir a filha, prossegue, com extremo rigor à voz: - Ordeno-te, Isabel, como rei e como teu pai: doravante os teus bens estarão sob a minha custódia!... Meu tesoureiro sequestrará o teu cofre pessoal!... Se quiseres ouro para atirar aos porcos, terás de ganhá-lo por ti mesma!... - e sai apressado.
Isabel permanece só, no imenso salão do trono, agora completamente vazio. Seus olhos percorrem o luxo e a ostentação, a decorarem o sumptuoso ambiente.
- Quanto desperdício!... - murmura ela, com os olhos a empanarem-se pelas lágrimas. - Para que o desmedido luxo e a bizarria, se há tanta miséria a cercar-nos?... - e soluços brotam-lhe da garganta: - Como pode alguém ser feliz no meio de tanto brilho, se se encontra rodeado de dor e de lamúria, pelo ínfimo necessário à sobrevivência?... Não, não posso ser feliz, enquanto houver choro e ranger de dentes à minha volta!... - e, decidida, deixa o salão, a dizer baixinho: - Se me sequestram o meu ouro, Deus, por certo mo dará de outra forma!... Eu creio, piamente, que meu Senhor suprir-me-á as minhas deficiências!...
Fora, encontra o fiel cortejo a aguardá-la.
- Vamos, senhoras!... - ordena resoluta Isabel. - Os soldados do meu pai deixaram um rastro de desgraças maior e pior do que aquele que antes já havia!... Há muitas feridas a pensar e muitas lágrimas a enxugar!...
- Mas, Alteza - exclama a Condessa Afonso -, ides desafiar as ordens do vosso pai?... Vimos quando Sua Majestade deixou a sala do trono, furiosíssimo!... Cá de fora, ouvimos-lhe os gritos - sem o querermos, é claro! -, proibindo-vos de sair à cata dos indigentes!... Ides, agora, contrariar o vosso pai?!... Acaso não lhe temeis a ira?
- Só temo a Deus, Condessa Afonso!... - responde a princesinha. - A ninguém mais neste mundo!...
-Oh, Alteza!... - diz Maria Ximenes Cronel, acercando-se de Isabel. - Pela Virgem Santíssima!... Ouvi-nos, por favor!... Vosso pai mandará os soldados em nosso encalço!... Tenho a certeza de que, doravante, andarão a vigiar-nos!...
- Oh, que fé tens tu? - admoesta-a Isabel. - Acho que bem apoucada é a tua fé, Ximena!... Fica tranquila!... Meu pai nada fará contra nós!... Eu te garanto!... Se Deus está connosco, quem poderá estar contra?...
- Oh, quisera ser como vós, senhora! - exclama a jovem aia. - Mas tenho tanto medo!... Vi bem o que os soldados fizeram àquela pobre gente!...
- Vamos, Ximena!... - exclama Isabel. - Nada de temores ou hesitações, diante da missão que Deus nos confiou!... Há uma infinidade de inocentes criaturas feridas lá fora e, certamente, morrerão à mingua, se a nossa mão não os socorrer!... Lembra-te: Deus age por meio de nós!... Vamos!
Em pouco, Isabel e seu pequeno séquito de damas de honra achavam-se na praça, sob o sol brilhante.
- Alteza - aproxima-se da princesinha a Condessa Afonso -, como pretendeis socorrer aqueles pobres desgraçados, se nada trouxemos às mãos?... Deveis saber muito bem que, para acudirmos os feridos, fazem-se necessárias muitas coisas!...
- Sim - reforça Maria Ximenes Cronel que, do lado da princesinha, também entrava na conversa -, como haveremos de lavar e de pensar-lhes os ferimentos?... Nada trouxemos connosco!... Sequer um só trapo temos, para estancar os sangramentos!
- Volto a dizer-vos: somos os olhos, as mãos e os pés de Deus, a representá-Lo neste mundo!... - e a olhar, alternadamente, para o rosto das duas, prossegue: - Onde se encontra a vossa fé, senhoras?... Acaso não nos ensinou Jesus: "Se tiverdes a fé como um grão de mostarda, direis a este monte: Passa daqui para acolá, e ele passará. Nada vos será impossível. "5
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Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini - Página 3 Empty Re: Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 13, 2024 7:42 pm

As duas mulheres entreolham-se. Vindo de Isabel, de nada se poderia duvidar. De nada mesmo!...
Em dado momento, Isabel percebe algo e cochicha às duas:
- Bustez lo sintioron?6
Apuraram os ouvidos e descobriram, escondidos atrás de baixa mureta de pedras, um pequeno grupo de mendigos feridos, a gemerem desamparados. Fundas feridas, provocadas pelas agudíssimas pontas das lanças dos soldados, despejavam um sangue ralo - com tonalidade tendente mais para o rosa que para o usual vermelho, a atestar-lhes a patente fraqueza-, a ensopar-lhes as esfarrapadas e imundas roupas. Seus olhos, transidos pela dor intensa, perdiam, paulatinamente, a luz e se embotavam, já prestes a expirarem, em consequência do extremo abandono.
- Por Dios!... - grita Isabel, ao constatar-lhes a penosa condição. - Cuántos bi'n-ha?7
-Acho que uns trinta!... - exclama a Condessa Afonso, após ligeiro exame.
- Depressa! - exclama a princesa de Aragão, saltando ligeira a pequena mureta de pedras e, ajoelhando-se ao lado do primeiro ferido que encontrou, principia a passar-lhe as mãos sobre a chaga aberta pelo cruento golpe de lança, desferido à altura do estômago. - Tende fé, senhor!... - murmura ela ao homem que gemia desesperado, premido pela dor cruel. - Tende fé na bondade de Jesus e ficareis curado! - repete ela, a consolá-lo e, em seguida, a volver os olhos para o céu, principia a mover os lábios em sentida prece.
Isabel passava as mãos sobre o ferimento do homem e orava e, incitando as damas de honra a imitarem-na, no atendimento aos demais feridos, puseram-se, assim, todas elas a fazerem como fazia a princesinha: orando e massageando, com as próprias mãos, as feridas que sangravam.
E, como prova de que a fé, de fato, remove montanhas, em pouquíssimo tempo, as feridas todas estancaram o sangramento. Admirados com aquilo, os mendigos entreolhavam-se extasiados. E, a sentirem-se miraculosamente fortalecidos, bradavam louvores e agradecimentos a Isabel e às suas damas de companhia que, também admiradas, olhavam-se, cheias de espanto pelo que haviam presenciado.
Agora, rezemos todos em gratidão à misericórdia com que Deus premiou-nos! - convida Isabel, cheia de júbilo.
E, ajoelhando-se todos, seguiram a sentida oração que a princesinha dirigiu ao Criador, pelas graças ali recebidas.
- Precisamos retomar ao palácio, Alteza! - observa, altamente preocupada, a Condessa Afonso. - Imaginai só, se o vosso pai ou a vossa mãe pilham-nos por esses lados, a envolver-nos com os mendigos! Nem quero pensar!... Vosso pai é capaz de nos mandar encarcerar a todas, amontoadas numa só enxovia!...
- Iremos, sim, condessa - retruca Isabel -, porém, antes, temos de prover as necessidades desses desgraçados!... E preciso garantir-lhes o pão!... Como irão recuperar-se sem alimento?
- Como lhes daremos pão, Alteza, se nenhuma côdea sequer trouxemos connosco? - pergunta intrigada Maria Ximenes Cronel.
Oh, a vossa fé!... A vossa apoucada fé!... - admoesta-as Isabel. E, enfiando a mão por debaixo do manto, retira um punhado de reluzentes moedas de ouro e as estende à ressequida mão do primeiro dos mendigos. - Toma, toca a comprares o teu pão!...
Infinitamente agradecido, o homens lança-se de joelhos e lhe beija a fímbria do manto. E, a enfiar a mão sob as vestes, repetidas vezes, a princesinha de Aragão ia retirando-a repleta de reluzentes moedas de ouro e as ia distribuindo, prodigamente, entre aquelas dezenas de descarnadas mãos que se lhe estendiam, avidamente. Era muito ouro, e muitas mãos a solicitá-lo!... As damas de companhia entreolhavam-se, estupefactas: onde Isabel guardaria toda aquela preciosidade?... Era uma profusão de reluzentes moedas a encherem-lhe a mão, sempre que ela a colocava sob o manto!... Como seria possível aquilo?!... Se andasse a carregar todo aquele tesouro consigo, certamente haveria de andar toda curvada, pelo desmedido peso do metal!... Mas não era assim!... Isabel, ao contrário, sempre se apresentara leve e solta como um passarinho!...8
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Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini - Página 3 Empty Re: Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 13, 2024 7:42 pm

Encerrada aquela fantástica empreitada, Isabel aproxima-se das suas companheiras.
- ¡Quiero tomar ta casa! - ordena ela. - ¡Ixo yera o millor que po-débanos fer!...9
No curto trajecto de volta ao palácio, o grupo mantinha-se em silêncio. Era mais um silêncio misto de respeito e de estupefacção, diante do estranho fenómeno que houveram presenciado. Deus manifestara-Se, ostensiva e visivelmente, pouco antes. Isabel ia ligeiramente à frente, claramente feliz e radiante.
- Alteza - quebra o silêncio Maria Ximenes Cronel, estugando o passo e se emparelhando com Isabel-, como realizastes tal prodígio?... Vede, todas nós estamos maravilhadas com o que acabais de fazer!... Como conseguimos estancar as hemorragias, e de onde tirastes todo aquele ouro?... Nem que, porventura, tivésseis um fardo de cem quilos oculto sob o vosso manto, guardaríeis nele tanto ouro assim!...
- Oh, Ximena!... - exclama Isabel. - Quantas vezes já te disse que Deus opera através de nós?... Não fomos nós que fizemos aquilo! Foi Deus, a realizar tais prodígios por nosso intermédio!... Lembras-te?... Somos nós os olhos, as mãos e os pés do Criador, a representá-Lo neste mundo!...
- Sei disso, senhora! - insiste Maria Ximenes Cronel. - Mas Deus só Se manifesta por meio das vossas mãos ou quando estais por perto, a comandardes as coisas!... Por que é que Ele não Se manifesta, quando estais ausente, ou, ainda, através de outros?... Nem mesmo aos padres soem acontecer tais maravilhas!...
Sequer ao senhor bispo!... Não são eles, acaso, os lídimos representantes de Deus entre nós?... E por que não operam tais prodígios como vós?
- Oh, Ximena!... - responde Isabel, a fitar a querida companheira aos olhos. - Digo-te que talvez lhes falte a verdadeira confiança no poder manifestado de Deus!... Afirmo-te que a fé sincera não admite vacilação, sob qualquer pretexto!... Nunca!... Deus jamais alicerça as suas obras sobre a fraqueza, mas, sim, sobre a rocha!... Há tantos que trazem Deus aos lábios e o demónio ao coração!... O báculo e a mitra não santificam ninguém, minha cara, mas, sim, todo aquele que se torna instrumento útil e fiel às mãos do Criador!... Talvez seja por isso que o mal ainda sobrepuje o bem neste mundo! São, ainda, muito poucos os que se prontificam a amar a Deus, acima de tudo, e ao próximo como a si mesmos! E, enquanto a Lei de Amor aqui não se efectivar, a dor haverá de campear, sem tréguas!... Sabes, Ximena, o homem sofre porque não ama!... O dia em que aprender a amar, incondicionalmente, não mais sofrerá, porque o amor cobre a multidão de pecados, conforme nos ensina São Pedro.10
- E o vosso pai, o rei, Alteza?... - questiona a outra. - E quando Sua Majestade se puser a par de tudo o que fizestes hoje?... Acaso o vosso pai não vos proibiu de sair a fazer tais coisas aos estropiados das ruas?... Oh, tremo só em pensar o que nos poderá acontecer!
- Tremes, porque não tens fé, Ximena!... - redargui a princesinha. -Percebo que nada entendeste do que te disse há pouco!... Se Deus ampara as aves do céu, porque é que não nos ampararia a nós, que somos gente, se Ele nos ama com toda a força do Seu Amor?... Oh, minha amiga!... Quanto ainda tens a aprender neste mundo!... Quem ainda treme diante das dores da carne, não é digno de receber o galardão do céu!... Que tipo de mal poderão fazer-nos, efectivamente, os homens?... Nenhum!... Se nos matam, destroem-- nos tão-somente a nossa roupagem de carne!... Não pertencemos a este mundo!... Somos eternos; somos de Luz!... Que nos ensinou Jesus?... Esqueceste?... "O meu reino não é deste mundo... "11
- Oh, Alteza, como gostaria de ser como vós!... - exclama a jovem dama de companhia. - Entretanto, considero-me tão fraca, diante das dores da carne!... Sinto-me desfalecer só em pensar, se o vosso pai descobrir o que fizemos esta tarde!...
- Contudo, prepara-te, Ximena, porque meu pai ficará sabendo!... -observa Isabel. - Tenho a certeza absoluta de que o rei colocou alguém de sua confiança a espionar-nos!...
-Oh, céus!... - brada Maria Ximenes Cronel, apavoradíssima. - Vosso pai vai mandar-nos todas à forca!... Ou pior: seremos todas queimadas vivas!... Oh, meu Deus!... Que será de nós?... Bem que escutamos as terríveis ameaças que vos fez ele, ainda há pouco!... E vós não o ouvistes, senhora!... Por quê?...
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Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini - Página 3 Empty Re: Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 13, 2024 7:42 pm

- Simplesmente, porque ninguém, neste mundo, vai impedir-me de fazer o que eu aqui vim realizar!... - devolve ela, categórica. - E olha que não estou a desafiar a autoridade do meu pai, não, Ximena; estou, sim, a obedecer ao que me mandou Deus fazer!... E, entre Deus e o meu pai, minha cara, não titubearei um só instante em escolher o primeiro!...
- E, quando o rei souber que andastes a lançar mancheias de ouro vivo aos miseráveis?... Acaso não vos proibiu ele de isso fazer e até não vos confiscou o vosso tesouro pessoal?...
- Meu pai apossou-se, sim, Ximena, do tesouro que me legou o meu avô, mas não precisamos dele: temos o ouro que Deus nos dá!... - responde a princesinha, segura de si. - Acaso não viste com os teus próprios olhos e não te admiraste da quantidade de ouro que pusemos às mãos dos necessitados?... - e, a abrir um sorriso de plena satisfação e felicidade, prossegue: - Percebeste o quanto Deus é pródigo?... Para Ele não existem misérias!...
O tesouro divino é inesgotável!... Basta estenderes a tua mão e dele retirar o quanto tu precisares para minorar as dores deste mundo!...
- Oh, quisera eu estender a minha mão, a apanhar preciosidades do tesouro do céu, assim como fazeis, senhora! - exclama a outra, a baixar os olhos. - Sois por demais modesta!... Então, por que não fazemos todos como vós?... Assim não haveria mais desgraçados neste mundo!...
- Primeiro, entretanto, é preciso tirar a miséria de dentro do coração, Ximena!... - explica a princesinha. - O homem torna-se miserável, porque a miséria já se lhe preexiste o ser!... Em princípio, Deus não deseja que ninguém se torne miserável!... O orgulho e a prepotência é que são, de fato, os principais geradores da pobreza da alma!... Não disse São Paulo: "Não vos enganeis: de Deus não se zomba; pois aquilo que o homem semear, isto também ceifará "?12 Eu creio, piamente, que o homem faz-se miserável por si mesmo!... Se olhares à tua volta, verás o quanto Deus é poderoso e rico!... Acaso, tudo o que há no mundo não Lhe pertence?... Os homens pensam que são os donos do mundo, mas sequer a própria vida lhes pertence!... O único que detém o real poder sobre tudo o que existe, minha amiga, é o Criador!... Só Ele conhece, a fundo, a sua criação!... E só Ele, de fato, é o verdadeiro dono de tudo!... Ninguém mais!... E, seria paradoxal crer que um pai, sendo assim tão rico, criasse filhos miseráveis!... Seria muito injusto, não concordas?
- Tendes razão, senhora - responde altamente pensativa a jovem dama de companhia.
- Um dia, por certo, seremos todos ricos, porque o nosso Pai é o legítimo dono do mundo!... - e, a abrir um sorriso, emoldurado pelo intenso brilho dos olhinhos azuis e redondos, completa: - Somos Seus filhos, não somos?... Que promessa fez-nos Jesus, acerca do futuro das nossas almas?
"E quando eu for, e vos preparar lugar, voltarei e vos receberei para mim mesmo, para que onde estou estejais vós também. " 13
O sol já principiava a pôr-se, no horizonte, a tingir o céu de vermelho-fogo, e o pequeno grupo de Isabel, vencido o grande portão das muralhas do Palácio de Valência, recolhia-se feliz a casa. Percorrendo as aleias do jardim interno, em direcção dos aposentos da princesinha, principiaram todas a cantar ardoroso hino em louvor a Jesus e à Virgem Maria. O pequeno coro de vozes perdia-se, a meio do frondoso parque, naquele fim de tarde primaveril, embalado pela fresca viração que já Principiava a soprar, amenizando os calores do dia...
______________________________________________________________________________________________
1. Em 1235, Jaime I casou-se com Violante, filha de André da Hungria, com quem teve três filhos e três filhas. Depois de morrer Violante, em 1251, de impaludismo, aos 35 anos de idade, o rei casou-se, em segredo, com Teresa Gil de Bidaurre, que acabou contraindo lepra. Jaime I quis repudiá-la, mas não conseguiu.
2. Jaime I mandou arrancar a língua a frei Berenguer de Castellbisbal, bispo de Chirona, por este se postar, publicamente, contra o matrimónio secreto do rei com Teresa Gil Bidaurre.
3. Referência a Filipe III de França, cognominado o Bravo (1245 - 1285) foi rei da França, de 1270 até a sua morte. Era o décimo monarca da dinastia capetiana e, ainda, Conde de Orleans.
4. "- Oh, minha filha!", em aragonês.
5. Evangelho de Mateus, 17:20
6. "- Ouvistes?... ", em aragonês.
7. "- Por Deus!... " (...) "- Quantos há? ", em aragonês.
8. Espíritos de alta condição moral, como o era Isabel de Aragão, já àquela época, carregam consigo a capacidade de transmudar a matéria, fazendo-a passar de um estado a outro, pela simples aplicação da força da sua vontade. Tal fenómeno é raro, mas patente em literatura específica e, sempre tido como "milagre", vamos encontrá-lo, com a mesma propriedade, no episódio da "multiplicação dos pães e dos peixes", operado por Jesus (João, 6).
9. "- Quero voltar para casa.'... " (...) "- Foi o melhor que podíamos fazer!... ", em aragonês.
10.1 Pedro 4:8
11. Evangelho de João, 18:36
12- Gálatas, 6:7
I3- Evangelho de S. João, 14:3
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Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini - Página 3 Empty Re: Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 13, 2024 7:42 pm

Capítulo IX - Crenças e mistérios...
O episódio envolvendo Isabel e suas damas de companhia não passou despercebido de Pedro III. Na tarde mesma do ocorrido, o Conde de Cabrera já punha o rei a par dos estranhos fatos.
- Dizíeis, então, conde , que vistes com vossos próprios olhos? – pergunta o rei ao seu principal conselheiro, enchendo-se de espanto.
- Com toda a certeza deste mundo, Majestade!... – retruca o outro, ainda a demonstrar profundo assombro. - Precisáveis ver com que facilidade a princesinha enchia a mão de moedas, ao colocá-la sob as vestes!... Calculo que foi para mais de uma arroba de ouro puro!... Digo-vos: nada me tira da cabeça que aquilo não foi obra de gente!
- Que insinuais com isso? – pergunta o rei, altamente intrigado. - Acaso andais a dizer que a nossa filha tem parte com o quê?... Com Deus ou ... - e preferiu não completar a frase.
- Não sei, Majestade!... – responde o outro, patentemente confuso. – Dessas coisas, confesso-vos, compreendo muito pouco!... Haverá de com quem disso entendesse!
- E quem sugeris?... – pergunta o rei.
- Talvez um padre ou o bispo!
- Hum!... – rezinga Pedro, também se tomando de alta indecisão. – Mas não credes que se isso fizermos, não tornaremos ainda mais públicas tais esquisitices da princesa?... Sabeis muito bem como são os da Igreja!... Loucos para apanharem-nos a fazer coisas erradas e para imediatamente, arremessarem-nos maldições e anátemas à cabeça!... Se fôssemos dar ouvidos a todas as admoestações e ameaças de excomunhões que tantas vezes, andaram a lançar-nos às fuças, de antemão já nos consideraríamos presa cativa de satã!... – e explode numa gargalhada: - Ha!...Ha!...Ha!... Ha!...
- Tendes toda a razão, Majestade!... – exclama o conde, também se rindo a pregas soltas. – Sabeis muito bem o quanto a igreja anda a vigiar-vos de perto!...
- Cautela, meu caro!... Cautela!...- diz o rei. – Na realidade, temem-nos, porque somos fortes!... E, além do mais , sabemos que o papa1 nunca escondeu as suas preferências pela França!
- Oh, sem dúvida!... – assente Cabrera. – Todas as vezes que o sumo pontífice mete-se em enrascadas, é sob as asas do rei de frança que vai esconder-se!
- O papa, na verdade, não passa de vil lacaio nas mãos de Filipe! 2 -prossegue o rei. – E, se alguma dúvida ainda acalentais em vosso coração sobre quem ganhará sempre as graças da igreja, em qualquer questão ou disputa, não vos esqueçais de que será sempre a França!...
- tendes toda a razão , Majestade – concorda o conselheiro. – O que o papa Martinho deseja, no momento, é pilhar-vos em falta grave contra a Santa Sé!”...
- Para excomungar-nos?... – e explode numa gargalhada: - Ha!...Ha!...Ha!...Ha!...
- Tivemos, já a prova, Majestade, de que o papa nunca nos será partidário!... Haja vista a resposta que dele obtivestes sobre a solicitação da santa cruzada contra os mouros! 3
- O infame negou-nos o pedido!... – respondeu o rei. – Martinho não nos perdoa, por andarmos a fustigar o usurpador da coroa da Sicília! 4 aquele trono pertence, por direito, à nossa rainha, e nós o tomaremos, custe o que custar!... E que o papa deseje ou não!
- Não temeis a excomunhão, Majestade?... – redargui o outro, preocupado. – Já vos enviou ele uma porção de ameaças!... qual é a força do papado!
E se Martinho convocar uma cruzada contra o reino? Sabeis muito bem
- Contra nós, Cabrera?... - retruca o rei, abrindo um sorriso de escárnio. - Contra nós, somente o papa e a França!... Ninguém mais ousará desafiar-nos!... Tenho a certeza disso!... A Inglaterra, por certo, não se meterá; a Hungria é nossa velha aliada; a Germânia também!... Quem restará?... Filipe e seu comparsa, ninguém mais!
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Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini - Página 3 Empty Re: Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 13, 2024 7:43 pm

- Mas ousarão, por certo! - insiste o outro. - Experimentai desalojar o usurpador do trono da Sicília e vereis, senhor!
- Que venham!... - retruca o rei. - E nós os receberemos como merecem!... Armas e força não nos faltam!... - e, após curto silêncio, prossegue: - Aliás, sabeis por que a França não nos respeita?... Culpa do nosso pai que, para assinar o tão desejado tratado de paz com os franceses, cedeu-lhes todas as nossas possessões no Langue d'Oc...5 Digo-vos, com toda a certeza deste mundo, de que já era pensamento notório e corrente à época - e nem mesmo a intransigência do papado disso mais se ocupava! - de que a França não mais tinha direito algum sobre os condados catalães - a caduca e absurda história da maldita e suposta herança que teria legado o Imperador aos seus descendentes franceses!...6
- Contudo, o nosso pai preferiu essa troca altamente desfavorável a Aragão, por uma paz duradoura com a França!... No entanto, com o tempo, a prática mostra-se o contrário: é-nos impossível manter um bom relacionamento com vizinhos tão vis e tão traiçoeiros!... -e, fazendo largo gesto inane com as mãos, encerra o assunto. E, depois de instantes de fundas e amargas cogitações, prossegue: - Mas, caríssimo Cabrera, acabamos ambos por divagar!... Antes de revolvermos o lodo do fundo do passado, falávamos de Isabel, lembrai-vos?... Nós a proibimos de tomar o ouro a seu tesouro particular para distribuí-lo aos cães das ruas; até sequestramos a fortuna que o nosso pai legou-lhe, com o intuito de coibirmos essas doidices da sua cabeça, e o que ela fez em seguida?... Desobedeceu-nos, acintosamente, e, ainda, de modo inexplicável, andou a multiplicar ouro!
- De fato, Majestade - retruca o outro. Penso achar-se aí grave questão a resolver!... Imaginai se se espalha aos ventos a notícia de que a princesinha anda a reproduzir ouro!
- Oh, seria uma tragédia!... - concorda o outro. E, após pequeno silêncio, prossegue: - Entretanto, Cabrera, custa-me crer que Isabel tenha a capacidade de fazer tais coisas!... Não andam, acaso, os sábios, a buscar tal façanha há séculos?... Vivem trancados, feito ratos, pelos escuros subterrâneos, junto aos seus crisóis e fráguas, a perseguirem a tal fórmula mágica!...7 Entretanto, pelo que nos consta, ainda ninguém nada de concreto já realizou!...
Pois é o que vos digo, Siñor, os alquimistas andam, há séculos, no encalço do que a vossa ilustre filha consegue fazer com a mais pura naturalidade!... E apenas se utilizando das mãos! Porém, penso ser necessário que se guarde segredo sobre a natureza desse facto!...
Não seria de bom alvitre expor a princesinha à apreciação de quem quer que seja!... Sequer do papa, se ele o solicitasse!
- Esse será o derradeiro a saber, eu vos garanto, conde!... Pela nossa honra!... - prossegue o rei, tomando-se de intensa raiva. - Por pura inveja, sei que seria capaz de lançar uma avalancha de anátemas à cabeça da pobrezinha!...
- E, certamente, acabaria por decretar o seu cozimento numa fogueira, por prática de bruxaria!...
- Canonizá-la é que não iria!... - rebate o rei, cheio de ironia. - Como é que o papa toleraria uma santa aragonesa?... Acho que preferiria pôr a mão a decepar, sem titubei-os, a ter de apor a sua chancela na bula de beatificação da nossa filha!... Ha!... Ha!... Ha!... Ha!...
- Tendes razão, senhor! - concorda o outro. E, fazendo-se grave, prossegue: - Se mo permitis, Majestade, achamos que deveríeis averiguar com mais propriedade o que anda a suceder com a vossa filha.
A plebe idolatra-a, e a notícia de tais fatos que ela, voluntariamente ou não, consegue realizar, mesmo que não o desejemos, acabará por ganhar o mundo! Sabeis muito bem como são essas coisas!...
-Sabemos!... São como plumas lançadas ao vento!... Impossível recolhê-las depois!... - exclama Pedro III, tomando-se de altas preocupações. E, depois de instantes de reflexão, prossegue: - Falaremos com Isabel, ainda hoje!... É preciso que se resolva tudo o mais depressa possível!
Pouco depois, Isabel e o pai passeavam a sós pelas ensombradas alamedas do jardim interno do Palácio de Valência. A tarde caía, amena embalada pela brisa fresca que provinha do mar. De mãos dadas, pai filha caminhavam devagar, longe da multidão de áulicos que, invariavelmente, cercavam-nos o tempo todo.
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Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini - Página 3 Empty Re: Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 13, 2024 7:43 pm

A princípio, falavam ambos de coisas corriqueiras, acerca de acontecimentos cotidianos da corte; em seguida e devagar, o rei foi conduzindo a palestra para os rumos que desejava, depois de convidá-la sentarem-se em banco de mármore alvinitente, sob a amena sombra d exuberante olmeiro.
- Fiquei sabendo que saíste, outra vez, a perambular pelas ruas cidade... - diz o rei, olhando-a nos olhos.
- Sim, papai... - confirma Isabel, baixando, ligeiramente, o rosto.
- E que andaste, de novo, a ocupar-te com os das ruas e a distribuir-lhes ouro...
Desta vez, a mocinha limitou-se a olhar para o rosto do pai, com um par de olhos azuis, como o mais puro céu de abril. Era tanta pureza e força contidas naquele olhar que quem baixou o rosto, dessa vez, foi ele. Não lhe pôde sustentar a firmeza do olhar. De repente, um nó de emoção entupiu a garganta do rei de Aragão. Por que é que se sentia fraquejar assim diante da filha?... Que sensação estranha era aquela que, de repente, passava a sentir?... Convidara Isabel a passearem, a sós, para inteirar-se do que andava a ocorrer com a sua menina e o que lhe acontecia? Subitamente, sentia-se incapaz de articular palavra diante dela!...
Pedro III estupefazia-se. Por que é que se sentia desarmar assim?... Trémulo e altamente sensível, conseguiu tomar as alvas mãos da filha entre as suas e as apertou forte. Depois, ainda bastante tímido, buscou-lhe o olhar. E seus olhares agarraram-se e se prenderam fortemente.
Grossas lágrimas, então, correram pelas faces do rei de Aragão. Envergonhado, Pedro enxugou-as com a ponta dos dedos e, em seguida, apertou forte as mãos da filha.
- Estás chorando, pai! - murmura a mocinha, tomando-lhe a mão e, aproximando-a dos lábios, beija-a ternamente.
- Ora, bobagens, Isabel!... - retruca o rei, altamente emocionado. -Bobagens!... - e, depois de tremendo esforço para articular as palavras, prosseguiu: - Precisava conversar contigo... Cabrera contou-me que te viu a tirar uma infinidade de ouro de sob os teus vestidos... É verdade isso?
- Sim, papai... - responde Isabel, com a doçura que lhe era peculiar.
- E como fazes isso? - quis saber o rei, olhando-a nos olhos, agora, ardendo-se de curiosidade.
- Nem mesmo eu o sei direito, papai - responde a mocinha. - Mas de algo tenho certeza: não sou eu a fazer tal coisa!... É Deus a agir por mim!...
-Como Deus?!... - pergunta intrigado o rei. - Acaso tu O vês?... Ele conversa contigo?... Deve haver o jeito de se fazer isso!
Oh, papai, digo-te que somos nós a agir por Deus neste mundo!... Não fora através de nós, Ele nada aqui poderia fazer directamente!... Como pode a árvore entrar em seu próprio fruto, ou o lago reentrar no rio que o alimenta?... Impossível isso!... Assim é Deus para com a Sua criação!... Somos os olhos, as mãos e os pés do Criador a agir por Ele neste mundo!... Deus socorre as Suas criaturas por meio das Suas próprias criaturas!... É por isso que Jesus sempre pregou e praticou o bem aos semelhantes!... Quando fazemos o bem, andamos a servir a Deus!... Servimos a Deus, semeando benesses e destruindo o mal que campeia pelo mundo!...
- Entendo... - murmura o rei, diante da veemência da filha. E, altamente admirado da sabedoria que, incontestavelmente, continham aquelas palavras, pergunta: - E quem te põe a par dessas coisas?... O teu confessor?
- Oh, não, papai!... - responde ela, com ligeiro sorriso. - Isso tudo brota do meu próprio coração!...
- Se dizes... - considera o rei. E, depois de instantes de íntima reflexão, prossegue: - Entretanto, confesso-te: sinto-me altamente curioso para saber como fazes para multiplicar o ouro...
- Ora, papai!... - exclama a mocinha, corando ligeiramente. - Eu já to disse: eu não sei, na realidade, como acontece!... Apenas desejo, fortemente, ter o ouro, a fim de abrandar as misérias deste mundo!... Nada mais que isso!...
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Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini - Página 3 Empty Re: Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 14, 2024 10:42 am

- Estranho o que dizes, Isabel... - observa o rei. - Poderia eu desejar, com todas as forças do meu ser, e por todas as horas de um dia inteiro, que o meu tesouro se multiplicasse; entretanto, de antemão, sei que isso jamais se realizaria!... Por isso é que penso que tens algum segredo e não mo queres revelar!... Se te pusesses a fabricar ouro, imagina só o quanto o reino de Aragão não seria poderoso e invencível!...
- Oh, papai! - exclama a mocinha, meneando a cabeça, tristemente. - Tu não entendes como são essas coisas!... O que Deus executa por minhas mãos não é para o engrandecimento de quem quer que seja!... Longe disso!... Deus dá-nos, apenas, o instrumento para combater o mal!... Tomamos desse ouro precioso, somente para estancaras lágrimas de desespero da orfandade e da viuvez desamparadas; Deus provê-nos, sim, de Sua riqueza, para que possamos socorrer os que nada têm de seu neste mundo e mitigar-lhes o monstro da fome a devorar-lhes, incansavelmente, as entranhas!... Nada, além disso!... Oh, papai!... Percebes, agora, como são as coisas do Altíssimo?
Pedro III ouviu-a, calado. Sabia que não seria fácil fazê-la revelar-lhe aquele segredo. Onde o teria aprendido?... Com o avô?... Sabia que o pai andava metido com os do Templo.8
- Diz-me, querida - prossegue o rei, depois de instantes de íntima cogitação -, quando ainda moravas em Saragoça, percebeste se teu avô ia amiúde a Monzon?9
- Sim - responde a mocinha. - E me levou consigo algumas vezes.
- E o que fazíeis por lá? - pergunta curioso o monarca de Aragão. -Com quem o teu avô avistava-se?
- Com o alcaide de Monzon e, algumas vezes, com o próprio Senhor de Beaujeu10, quando ele se achava em visita ao castelo.
E como te relacionaste com Beaujeu?... Ensinou-te ele algo?
- O Senhor de Beaujeu sempre se mostrou simpático e afável para comigo; amiúde me acariciava a face com a ponta dos dedos e repetia: "Ângel!... Dròlla del Cèl!... "11 Nada além disso. E passavam, ele e vovô, longas horas, trancados no salão de armas do castelo; porém, o que faziam por lá, não sei!
- Humm!... - grunhe Pedro de Barcelona. E, após cofiar a barba por instantes, enquanto pensava, prossegue: - E Guillaume de Beaujeu alguma vez foi à corte, em visita ao teu avô?
- Algumas vezes foi a Saragoça, sim - responde Isabel. - E faziam o mesmo, trancando-se, a conversarem longamente. Entretanto, sobre o que tanto falavam, eu nunca soube.
- Contudo, eu posso imaginar, minha cara! - observa Pedro III. - e, encarando a filha no rosto, prossegue: - Sabias tu que os Cavaleiros também andam a fabricar ouro?
- Deveras?!... - espanta-se Isabel. - E como o fazem?...
- Da mesma forma que tu, presumo eu!... - exclama o rei de Aragão. E, dando ares de impaciência, prossegue: - Ora, vamos, Isabel!... Não mais tentes enganar-me!... Foi o teu avô que te ensinou tal peripécia, não foi?... Sempre achei que papai tinha uma secreta fonte de ouro!... A mim nunca enganou!... E ele, Guillaume de Beaujeu, deve lhe ter passado o segredo muito bem guardado dos Cavaleiros do Templo!... Eram tão amigos... Papai fez-lhe urna infinidade de concessões!... Pensas que não sei?... E como o outro lhe devolveu os favores?... Dessa maneira, minha cara!... Indicando-lhe o caminho da mina!...
- Não posso responder por meu avô, papai - objecta séria a mocinha -, mesmo porque nunca soube dos seus segredos; contudo, afianço-te de que a mim nada nunca ensinaram sobre as coisas a que te referes!
- Por que mentes para mim, Isabel? - exclama impaciente Pedro III. - Acaso te ameaçaram eles de severos castigos, se revelasses tal segredo?... - e, depois de morder o canto dos lábios, a demonstrar profunda contrariedade, prossegue: - por que ainda a eles temes, se sabes muitíssimo bem que se acham, já, ambos mortos?... Não há o que receares... - e, diante da impassibilidade da filha, relativamente aos seus argumentos, continua: - Vai lá, então: és, mesmo, uma turrona e nada precisas contar-me; apenas que me fabriques todo o ouro de que preciso para armar o mais poderoso exército que o mundo jamais viu e a construir a maior de todas as armadas de todos os tempos!... Haveremos de dominar o mundo inteiro!... Seremos imbatíveis!...
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Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini - Página 3 Empty Re: Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 14, 2024 10:43 am

- Oh, papai! - diz Isabel, com os olhos a encherem-se de lágrimas -Acaso achas que Deus dar-me-ia o poder de fabricar ouro para financiar guerras, destruições?... Percebo que nada entendeste do que eu te disse, mas vou repetir: sei que fiz isso, sim, mas o foi num ato de muito amor!... Foi por amor, entendes?... para enxugar lágrimas e não para fazê-las verterem abundantes, como sói acontecer aos órfãos, viúvas e mutilados das tuas guerras!... Oh, como é difícil fazer-te abrir os olhos enquanto é tempo!... Estás equivocado, senhor: Deus nos deu o poder, para melhor servirmos aos desígnios da Sua Obra!... Nada além disso!...
- Oh, Isabel, quem se equivoca és tu!... - exclama o rei, tomando-se de alta impaciência. - És uma princesa e estás prestes a te casares com honrado príncipe que para ti já escolhemos!...12 E experimenta seres uma rainha que anda a meter-se no meio dos esfarrapados e dos mutilados deste mundo!... Tenta trocares o luxo, a ostentação e a companhia dos teus iguais - a que, naturalmente, tens todo o direito, porque dele foste investida por Deus - pelo convívio com os miseráveis das ruas!... Que te sobrará?... Garanto-te que nada, além da exprobração e do opróbrio que te lançarão em face os da tua própria corte!... Acaso saberás conviver com o escárnio e o vitupério dos teus pares?... E sequer o teu esposo respeitar-te-á, minha cara!... - e, fixando-a firme, nos olhos, continua: -É isso que realmente desejas para ti?... Pensa bem, minha filha!... Serás rainha!... É para isso que Deus te pôs neste mundo!... E espero que disso não te esqueças! - e, a fazer-se mais frio e mais duro, prossegue:
-Recomendar-te-ei, doravante, e pelo tempo que ainda connosco viveres, a te tratares com o Senhor de Villanova13 pois sei que se acha em Valência, conforme mo relatou o Conde de Cabrera. E, asseguro-te que não existe no mundo ninguém mais bem preparado que ele para cuidar de ti!
Isabel nada diz. Submissa às vontades do pai, faz ligeira reverência diante dele e lhe beija, respeitosamente, a mão que ele lhe estendia, despedindo-a.
Dois dias depois, o insigne Arnaldo de Villanova achava-se no Palácio de Valência, a convite de Pedro III, para que, na condição de exímio médico, examinasse a princesinha.
- Vossa Graça! - exclama o jovem médico, a curvar-se, cavalheirescamente, em longa mesura diante de Isabel, que se fazia acompanhar de Maria Ximenes Cronel e da Condessa Leonor Afonso, suas aias favoritas.
Isabel fixa, por alguns instantes, entre curiosa e admirada, os olhos castanho-escuros daquele homem bonito, elegante e ainda bastante jovem. Quantos anos deveria ter? Vinte e oito, ou, talvez, um ou dois menos...
- Embelinada, Sénher!...14 - diz a princesinha de Aragão, enquanto lhe estendia a mão a beijar.
Arnaldo de Villanova não conseguiu esconder a forte impressão que lhe causaram a beleza, a graça e a desenvoltura da jovem princesa. E, então, os olhos de ambos prenderam-se, firmemente, uns aos outros, tomados que foram pelo forte impacte inicial, motivado pela simpatia recíproca e imediata que ocorreu entre os dois. E, depois de amainada a intensa força que lhes colou, insistentemente, os olhares, ambos sorriram-se, meigamente, numa troca de mútua e autêntica consideração obversa.
- Ponde-vos à vontade, Sénher! - exclama Isabel, muito gentil, a indicar-lhe confortável divã recoberto de peles de camurça e se sentando, ela mesma, em outro semelhante, a postar-se bem diante do eminente médico provençal. E, depois de despachar, com significativo gesto com a mão, as duas aias que se lhe postavam próximas, prossegue: Desejo que saibais, senhor, que muito me honra a vossa presença no paço. Papai, certamente, já vos terá feito as necessárias recomendações a meu respeito.
-Não, especificamente, Alteza -responde Arnaldo de Villanova, sem tirar os olhos do azul profundo dos olhos de Isabel. A singeleza e a pureza daquele olhar tocavam-no sobremaneira. E, altamente cativado pela graça da jovem, prossegue: - Na realidade, nada me disseram acerca do mal que vos acomete.
- Oh, senhor - segue Isabel, sem demonstrar nenhum traço de timidez ou de retraimento, como lhe era peculiar -, na verdade, acho que anda a ocorrer pequeno equívoco entre nós: penso não me encontrar doente, na acepção justa, conforme estais habituado a compreender- e, pondo-se séria e grave, prossegue: - O que tenho não me causa sofrimento algum; pelo contrário, só encontro nisso profundo prazer e satisfação inigualável!... Meus pais é que não entendem o que faço...
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 14, 2024 10:43 am

E o que é que fazeis, Alteza? - pergunta altamente intrigado o jovem médico.
- Dizei-me, senhor, com toda a sinceridade do vosso coração: acaso é passível de censura praticar-se a caridade?
- Penso que não! - responde sucinto Arnaldo de Villanova. E, depois de cogitar por instantes, prossegue: - Que poderá haver de reprovável na prática da caridade?... Aliás, o Cristo andou a recomendar que se fizesse isso prioritariamente!... Não entendo, em princípio, como tal procedimento poderia ser-vos prejudicial!
- Pois é o que ocorre, senhor! - diz Isabel. - Meus pais não toleram o fato de eu sair, amiúde, a minorar a dor e o sofrimento das gentes das ruas...
Arnaldo de Villanova põe-se a olhar para a jovem princesa, com olhos altamente perquiridores. Em seu íntimo, ainda não conseguira atinar com a realidade do que lhe contava aquela adorável mocinha.
- Confesso que ainda não entendi como isso poderia prejudicar-vos, Alteza - diz ele, franco. - A menos que não estais a revelar-me todos os factos.
- Percebo que vos confundi a cabeça, senhor, e vos peço perdão!... -fala Isabel. - Talvez seja culpa da minha grande ansiedade. Entretanto, passo a relatar-vos tudo, desde o início.
Enquanto Isabel expunha o que andara a fazer pelas ruas, desde quando ainda era uma garotinha de cinco ou seis anos de idade, o jovem médico ouvia-a com toda a atenção. Seus olhos não se afastavam um só instante do rosto da bela princesa de Aragão. Seguia-lhe atento a narrativa, sem perder um único detalhe. Finda a exposição, Isabel emite longo suspiro e o fita nos olhos, a aguardar-lhe a observação.
- Acho que sei o que vos acomete, princesa - diz o médico, com a voz grave e pausada, depois de haver cogitado, profundamente, por algum tempo. - Penso ter a resposta!... - exclama ele, agora se levantando e se encaminhando para ampla e alta janela do salão em que se achavam. Isabel gira a cabeça e o segue com o olhar: ele espiava curioso a paisagem que se abria para a largueza do mar, lá embaixo. Depois de algum tempo, volta-se devagar e torna a sentar-se diante dela, no divã de peles de camurça. Olha-a nos olhos, fixamente, e prossegue: - Agis por força e sob a orientação do Espírito Santo, Alteza!
- E como tendes disso toda essa certeza? - pergunta directa Isabel.
- Pelos sintomas, Alteza! - responde ele. - Pelos sintomas!... Sois, na verdade, o Santo Vaso a abrigar o Santo Espírito!... Descreve-o, muitíssimo bem, o que considero o meu bem-amado mestre da Fiore!...15 Li-lhe os escritos todos!... E sabeis o que diz ele sobre a caridade?... Suplanta ela, até mesmo, a oração!...
- Que dizeis?!... - espanta-se Isabel com tal revelação. - Isso é o que sempre achei!... - e, a encher-se de alegria, prossegue: - Logo percebi que tínhamos, nós e vós, pensamentos símeis!... Entretanto, o que diz a Igreja acerca disso?... Não temos ouvido, acaso, o contrário do que afirmais?... Não dizem as bulas papais que as penitências, as mortificações, os rituais e as orações é que elevam as almas para Deus, livrando-as das tentações de satanás? Por outro lado, nada recomendam sobre a prática da caridade...
- O papa não é infalível, Alteza!... - exclama ele. - Pelo menos não o considero eu!... Vejo, no pontífice de Roma, apenas um homem como um outro qualquer, passível de erros e de acertos, nada mais!...
- Ousais, então, contestar a infalibilidade papal, senhor?! - espanta-se Isabel. - Acaso não temeis as consequências dessas afirmações?... Acautelai-vos das vossas palavras, para não caírdes nas malhas da Santa Inquisição, ou acabareis assado vivo, numa ignominiosa fogueira, conforme sói acontecer aos hereges do mundo!
- Oh, Alteza, as verdades têm que ser ditas!... - declara ele, com voz apaixonada. - Nunca tremi perante os homens e jamais me acovardei diante da mentira!... Só os pusilânimes temem a morte na fogueira!... Eu nela morreria com denodo e sem qualquer aflição!... Por Deus, juro-vos que me deixaria imolar, sem titubei-os, para o triunfo da verdade!...
-Admiro-vos a coragem, senhor! - exclama Isabel. E, sentindo-se ainda mais atrair pelas ideias daquele extraordinário homem, prossegue, a encher-se de curiosidade: - Entretanto, dizíeis que a imensa força que do meu ser apodera-se, impelindo-me a sair às ruas, a socorrer as desgraças da plebe, seria nada além que a manifestação do próprio Espírito Santo?
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Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini - Página 3 Empty Re: Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 14, 2024 10:44 am

- Sim, Alteza - responde ele, lacónico. E, depois de olhá-la nos olhos, por um bom tempo, e perceber que ela exigia, ansiosamente, mais detalhes sobre o assunto, continua: - Meu mestre, Gioacchino da Fiore, em traços gerais, divide a História em Três Idades: a Primeira Idade é a do Pai e corresponde à época de Moisés (Antigo Testamento). E a Idade da lei ou pena de talião - "Olho por olho, dente por dente" - e consiste na rigorosa reciprocidade do crime e da pena, apropriadamente designada por retaliação. Essa lei encerra a ideia de correspondência de correlação e semelhança entre o mal causado a alguém e o castigo imposto a quem o causou: para tal crime, tal pena. Os primeiros indícios da lei de talião estão no Código de Hamurabi, elaborado em 1730 a.C, no reino da Babilónia. A Segunda Idade é a do Filho e corresponde à época de Jesus, o Mediador (Novo Testamento). E a Idade da resolução amigável dos conflitos, através do diálogo e do perdão mútuos. A Terceira Idade, a do Espírito Santo, é a Idade da Liberdade, do amor universal, da igualdade - a Idade das Boas Novas Eternas. A correspondência dessas Três Idades a datas precisas já gerou um debate que perdura há anos e que não produziu até hoje nenhum consenso. Em termos gerais e imprecisos, podemos considerar a Primeira Idade, a do signo Aries, de 2500 a.C. a 300 d.C. A Segunda Idade corresponde ao signo Peixes, de 300 a 2000, e a Terceira Idade de 2000 a 4000, sendo o signo Aquário. Da Fiore pregava que, na Terceira Idade, a do Império do Espírito Santo, qualquer plebeu seria Imperador, já que a sabedoria divina iluminaria todos os seres humanos de igual modo e independentemente das estruturas religiosas tradicionais. A Terceira Idade será universal, já que toda a Humanidade compreenderá o significado do amor universal e da igualdade entre si. Não haverá necessidade de instituições religiosas, dado que todos se beneficiarão de uma "inteligência espiritual". E, como podeis muito bem constatar, o pensamento de Gioacchino da Fiore é complexo e pleno de interpretações livres do Antigo e do Novo Testamentos, sendo que os escritos do Apocalipse servem de base para a sua teoria do advento da Terceira Idade.16
Isabel permanece muda por instantes. As revelações que lhe fazia aquele homem vinham exactamente ao encontro dos anseios do seu coração. Sim!... No íntimo, era assim que sempre entendera como deveria postar-se diante da religião. Cheia de gratidão e feliz, a princesinha de Aragão levanta-se e despede o jovem médico.
- Deus vos aumente a sabedoria, Sénher!... - exclama ela, com intenso brilho ao olhar. - Fostes, realmente, o anjo bom, enviado por Deus, a apaziguar o meu coração!
- Deus vos conceda a paz, Alteza! - exclama ele, ao fazer longa reverência diante de Isabel. E, após beijar, respeitosamente, a ponta dos dedos da mão que ela lhe estendia em despedida, arremata, com um sorriso aos lábios: - Que sossegue o vosso coração!... Prometo-vos que o vosso augusto pai, ainda hoje, ficará sabendo que o que vos acomete não é nenhum tipo de mal, mas, sim, um sinal que Deus vos pôs à fronte!... Tereis, senhora, em breve, nobre missão a desempenhar como rainha de Portugal!... Em vossas mãos repousará a responsabilidade de promover a união e a paz entre todas as gentes portuguesas!... Para isso é que viestes ao mundo!
Em pouco, Isabel achava-se a sós, no aconchegante salão do Palácio de Valência. Arnaldo de Villanova fora-se, e a deixara cismática. Nunca houvera, antes, escutado revelações tão importantes acerca das questões da fé. A sucinta, mas substancial explanação que ele lhe fizera sobre as Três Idades da História encantava-a. "Na Terceira Idade, a do Império do Espírito Santo, qualquer plebeu seria Imperador, já que a sabedoria divina iluminaria todos os seres humanos de igual modo e independentemente das estruturas religiosas tradicionais. A Terceira Idade será universal, já que toda a Humanidade compreenderá o significado do amor universal e da igualdade entre si. "
Isabel ri-se feliz, ao rememorar as palavras de Villanova. Parecia ainda ouvir-lhe a voz sincera e segura. Depois, resoluta, levanta-se e sai. Doravante sabia onde é que iria buscar as inspirações para direccionar o seu destino: nos ensinamentos de Gioacchino da Fiore!... Fonte limpa e translúcida, a jorrar a verdade, como aquela, neste mundo ainda não havia!... Por certo que não!
______________________________________________________________________________________________
1- Alusão ao papa Martinho IV, francês de nascimento, cujo nome de baptismo era Simon de Brie e que pontificou de 1281 a 1285.
2. Referência a Filipe III de frança ( 1245 – 1285)
3. Em 1281, Pedro III armou uma frota, com 140 navios e um exército de 15.000 homens, para invadir Túnis, ao norte da África; porém, antes, solicitou ao recém-eleito papa Martinho IV uma bula que declarasse a operação militar como cruzada. Mas o papa, de origem francesa e partidário de Carlos de Anjou, recusou esse pedido.
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Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini - Página 3 Empty Re: Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 14, 2024 10:45 am

4. Desde 1266, a Sicília encontrava-se sob a soberania de Carlos de Anjhou, que derrotara |Manfredo de Hohenstaufen, morto na Batalha de Benevento. O príncipe francês foi então investido rei, com o apoio de Clemente IV, nascido Guy Fouques, que foi papa de fevereiro de 1265 a 29 de novembro de 1268. Soldado e advogado e, nesta última qualidade, foi secretário de Luis IX de França ( São Luis), a cuja influência deveu-se, provavelmente, a sua eleição ao papado.
5. Luís IX de França resolveu antigas divergências com Jaime I de Aragão através do Tratado de Corbeil (1258), pelo qual o rei francês renunciava a hipotéticos e caducos direitos sobre Aragão, em troca da renúncia do monarca catalão-aragonês a direitos muito concretos sobre vastos territórios no sul da França (região da Occitânia). Para selar esse tratado, Luís IX casou a sua filha Branca com o infante Fernando de La Cerda, príncipe herdeiro do reino de Castela, e Jaime I de Aragão casou a sua filha Isabel com o príncipe francês e futuro rei Filipe III de França.
6. Referência ao imperador Carlos Magno (747 - 814) que foi, sucessivamente, rei dos Francos (de 771 a 814), rei dos Lombardos (a partir de 774), e ainda o primeiro Imperador do Sacro Império Romano (coroado em 25 de Dezembro do ano 800), restaurando, assim, o antigo Império Romano do Ocidente e de quem, pretensamente, os reis franceses seriam herdeiros naturais, motivo pelo qual a França reclamava a posse dos condados catalães.
7. - Referência à Alquimia, conjunto das práticas, técnicas e conhecimentos químicos da Idade Média e da Renascença, especificamente aqueles voltados para a descoberta da pedra filosofal e da panaceia, ou remédio universal.
8. A Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão (em latim "Pauperes commilitones Christi Templique Solomonici"), vulgarmente conhecida como Ordem dos Templários ou Ordem do Templo foi uma das mais famosas das Ordens Militares de Cavalaria. A organização existiu por cerca de dois séculos, na Idade Média, e foi fundada por Hugo de Payens, após a Primeira Cruzada, em 1119, com a finalidade de defender a Terra Santa dos ataques dos maometanos, mantendo os reinos cristãos que as Cruzadas haviam fundado no Oriente. Os seus membros faziam voto de pobreza e seu símbolo passou a ser um cavalo montado por dois cavaleiros. Em decorrência do local de sua sede (junto ao local onde existira o Templo de Salomão, em Jerusalém), do voto de pobreza e da fé em Cristo, surgiu o nome "Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão". Com o passar do tempo, uma série de crendices e de lendas passou a envolver os Cavaleiros Templários e sua misteriosa Ordem, dentre as quais, a capacidade que guardariam - como segredo passível de morte, se violado - de fabricar ouro, pela transmutação de metais menos nobres, como o chumbo e o ferro.
9. O Castelo de Monzon localiza-se em Monzón, província de Huesca, em Aragão. Trata-se de uma fortificação doada por Afonso I de Aragão à Ordem dos Templários, no contexto da Reconquista Cristã da Península Ibérica. Contestada pelos herdeiros de Afonso, em Março de 1150, uma bula do papa Eugénio III, entretanto, confirmou essa doação. Monzón tornou-se o quartel-general da Ordem dos Templários no Reino de Aragão, controlando uma região com vinte e nove vilas cristãs e respectivas igrejas. Nela, a Ordem dedicava-se à pecuária, sendo proprietária de extensos rebanhos, com muitos milhares de cabeças de gado.
10. Referência a Guillaume de Beaujeu. grão-mestre da Ordem do Templo, de 1273 a 1291
11. Anjo!... Filha do céu!... ", em provençal.
12. As negociações para o casamento de Isabel com o jovem rei de Portugal, Dinis de Borgonha iniciaram-se em 1280, através de três embaixadores, João Velho, João Martins e Vasco Per enviados pelo rei português a Aragão,; a resposta de Pedro III foi que mandaria os seus representantes para tratar do negócio, fato que se consumou, em 24 de abril de 1281, no Castelo de Vide, e Portugal, quando os embaixadores aragoneses, Conrado Lanza e Beltran de Villafranca assinaram o documento que acordava o matrimónio de Isabel com D. Dinis.
13. Referência ao médico e grande humanista Arnaldo de Villanova (1240 - 1311), nascido na Provença, considerado o primeiro médico hermetista, alquimista e teólogo da Idade Média. Iniciou seus estudos na Faculdade de Arte em Provença e depois estudou medicina na Faculdade de Montpelier; obteve o grau de mestre em Paris e concluiu seus estudos na Sorbone. Foi professor na Escola Médica de Salerno, onde traduziu o famoso Regimen, antes de se transferir para a Escola Médica de Montpellier (1289) que se tornaria na mais célebre escola de medicina ocidental. Discípulo do frade britânico Roger Bacon, exerceu a medicina em toda a Europa e ganhou fama de cirurgião inovador, mas também atritos com as autoridades religiosas, acusado pelo uso de práticas mágicas e hipnóticas.
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Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini - Página 3 Empty Re: Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

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