LUZ ESPÍRITA
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Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 20, 2024 7:38 pm

Daí a alguns dias, D. Trancoso chegava a Santarém, onde, desde o armistício, o infante passara a residir.
- Dizeis, então, D. Trancoso, que o meu pai anda a reabilitar aquele bastardo? - pergunta.
- Sim, Alteza - responde o velho companheiro. - E, como já muito bem o percebestes, o vosso pai não anda a cumprir a promessa que vos fez!...
- Pior: perjura!... - exclama o outro, altamente irado. - Meu pai é um sacripanta perjuro, da pior espécie!... Deus do céu!... Mas que fixação tem ele por aquele bastardo!...
- Bom que vos acauteleis, senhor - aconselha o outro. - Em pessoa, verifiquei que o rei anda adoentado, já há algum tempo, e está a piorar, tanto que não pôde, ainda, retornar a Lisboa!... Não vos parece estranho que tenha chamado de volta o seu preferido?... Quem é que saberá o que andam ambos a tramar?... Ou-e queira Deus que ainda não! - não tenha já ele ditado novo codicilo aos seus tabeliães?... Ninguém ficaria sabendo, se o fizerem às escondidas!
- Corremos tal risco, sim, D. Trancoso] - diz o outro, a pôr-se altamente preocupado. - E só há um jeito a descobrir se isso já ocorreu: vou-me a Leiria, a fazer-lhe uma visita!... Acaso não se acha o rei enfermo?... Eis a deixa!
- Sim - concorda o outro - E deveis, senhor, muito bisbilhotar, com o propósito de descobrirdes se, de fato, existem mudanças no ar!... É só seguirdes o cheiro da carniça e tudo descobrireis!...
- Minha mãe me contará! - diz D. Afonso. - Ela sempre esteve do nosso lado!
- Mas, tende cautela, senhor! - aconselha a velha raposa. - Cautela nunca vos será demasiada!... Olha que o vosso pai não é nenhuma besta!... Até agora, nunca fostes de o louvaminhar!... Credes não desconfiará ele de nada?... Assim não penso... O rei é esperto... Estendei, primeiro, os palpos, quando vos puserdes a bisbilhotar!...
- Oh, meu pai de mim não guardará reservas!... - abre um riso cínico o infante. - E, por outro lado, nunca será tarde para começar a turibula-lo, não concordais, D. Trancoso!
- Queira Deus que tenhais razão, senhor! - responde o outro. -Contudo, não custa tentar!... Entretanto, aconselho-vos: se quiserdes, de fato, encher o vosso farnel, tende cuidado!... Fingi muito, mostrai-vos bem arrependido e beijai não só as mãos, mas também os pés do vosso pai, se preciso for!... Ele precisa voltar a confiar em vós!... Tereis de vos mostrar tão amoroso quanto o outro, o bastardo infame!... Procurai com ele concorrer, se não quiserdes perder a coroa!
- Minha mãe não permitirá que ele cometa tal despautério!... -redargui Afonso. - E minha aliada incondicional!
- Não vos fiai muito nisso, não, meu senhor! - rebate o outro. - Já vos esquecestes de que o rei a confinou em Alenquer e lhe sequestrou as rendas todas, ao perceber que ela vos auxiliava em oculto?... Aprisionou-a, sem mais aquela, e, ainda, lançou a pobre à miséria!... - e grave, a fixar os olhos no outro: - Com a cabeça de um rei não se brinca!
- Farei o que me sugeres, D. Trancoso - afirma o príncipe herdeiro, altamente preocupado. - Sei que vivemos momentos graves e difíceis!... Nada custará ao meu pai proscrever-me e deitar a coroa à cabeça daquele um!
Quando D. Afonso chegou em Leiria, o rei, ainda muito abatido pela doença que o acometia, sentiu-se feliz, ao ver o filho que ali estava a visitá-lo.
- Prezo que, doravante, tu e eu estejamos sempre juntos, a deixarmos de lado as nossas desavenças, meu filho! - exclama o rei, altamente emocionado pela inesperada visita que lhe fazia o herdeiro.
- Oh, não sabes o quanto nos felicitas com este teu ato de bondade e piedade filial, querido! - exclama Isabel, imensamente feliz pela chegada do filho. - Teu pai e eu anelávamos tanto, para que este dia, finalmente, chegasse, e tu te achasses de volta ao nosso convívio!
- Também eu, meus queridos! - retruca Afonso, assaz gentil. -Doravante, serei eu o mais ardoroso defensor da paz interna do reino! Acreditai, pois, ser bem essa a verdade que jorra do meu coração!
- Isso demonstra que a razão, finalmente, brota em tua cabeça! - diz o rei, a rir-se. - Sabia que a voz do sangue falaria mais alto.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 20, 2024 7:39 pm

- Disseste-o bem, pai: a voz do sangue! - exclama Afonso. O forte despeito que ainda lhe machucava o peito não conseguia conter-se: emanava espontâneo, posto que era verdadeiro e intenso!
Isabel percebeu os laivos do incontido ciúme, a manchar o conteúdo aparentemente nobre daquelas palavras. Tanto que se apressou em mudar os rumos da conversa:
- Sabias, querido, que, com a morte da tua sogra,4 os castelhanos voltam a desrespeitar as nossas fronteiras?
- Sim - completa o rei. - As questões sucessórias5 assanham os usurpadores da coroa de Leão e Castela e, por causa disso, buscam perturbar a ordem e andam a rondar as nossas fronteiras, a afrontar-nos!... A paz com os nossos vizinhos anda por um fio!... - e, buscando selar, de vez, a reconciliação com o filho: - Andei a pensar que tu poderias substituir-me à frente das nossas forças, a guardar a nossa fronteira com Castela. Chegam-nos rumores de que D. Filipe ronda Badajoz, com o intuito de tomá-la!
- Ah, isso não! - inflama-se o infante. - Por Deus que o expulsarei de lá a pontapés!
- Por que não buscais, antes, o entendimento com D. Filipe? - intervém Isabel. - Por que sempre as armas primeiro?... À frente da brutalidade, deixai falar, primeiramente, a razão! Sois homens, não feras irracionais!
- Entretanto, digo-te, mãe, que a única razão que esses cães castelhanos conhecem é a que provém do ferro! - brada Afonso, em sua costumeira agitação. - Ou achas que querem brincar connosco?... Se andam a invadir o que nos pertence, é porque desejam fustigar-nos!
-Afonso tem razão, senhora! - intervém o rei. - E ninguém mais indicado que o nosso filho, a fazer frente àquele miserável usurpador!... Além do mais, acaso esqueceste que ele almeja lançar mão à coroa que pertence ao nosso neto? Dona Maria de Molina já se foi, e os únicos a velarem, efectivamente, pelo futuro do filho de nossa Constança somos nós! - e com determinação:
- Desde já, Afonso, nomeio-te o defensor das nossas fronteiras!... Põe-te a caminho e que Deus te proteja!
- Que assim seja, senhor! - diz o orgulhoso herdeiro da coroa portuguesa, a pôr-se de joelhos, diante do pai, e a beijar-lhe, respeitoso, a mão que aquele lhe estendia. - Vou-me de volta a Santarém, a arrebanhar forças e a aguardar o vosso socorro.
Em pouco tempo, o orgulhoso infante Afonso de Borgonha marchava à frente do valoroso exército português, formado por gentes da região, acrescido da grandiosa hoste que lhe enviava, de Lisboa, o pai, com o propósito de retomar Badajoz que, por esse tempo, já caía, vencida sob as tropas castelhanas, comandadas pelo revoltoso príncipe D. Filipe.
O entrevero entre as forças inimigas mostrava-se inevitável; entretanto, não se deu, de fato. Aquartelando-se às cercanias de Viseu, Afonso envia emissários ao príncipe castelhano, a dar-lhe o ultimato que deixasse, imediatamente, as terras portuguesas; o castelhano, então, ao estudar o poderio das forças majoritárias do exército português, aliado ao competente comando de Afonso, cuja fama de excelente estrategista, de havia muito, já percorrera as terras castelhanas, resolveu-se por não enfrentá-lo e, sem apresentar qualquer reacção, deixou as terras lusitanas, regressando a Sevilha, a toda a pressa.
Enquanto isso ocorria, o rei D. Dinis, seja pelo que pensava ser a inesperada sujeição do filho às suas vontades, seja pelas animadoras notícias que vinham da fronteira castelhana ou, ainda, seja pelos intensos carinhos, atenções e tratamentos ministrados a ele por Isabel, o fato é que principiou a demonstrar boas melhoras, a ponto de poder regressar, com segurança, a Lisboa.
Contudo, a vitória de Afonso sobre os castelhanos, sem que uma só batalha fosse travada, subiu-lhe à cabeça. Como era excessivamente orgulhoso, pensava recair sobre si, tão-somente, aqueles felizes resultados e, por ter sob o seu comando tamanho cabedal de força, e porque desse trela às coscuvilhices que lhe despejavam, incessantemente, os aduladores, aos ouvidos, resolveu por rebelar-se, uma vez mais, e, em vez de retomar a Lisboa, a pôr-se às ordens do pai, manteve-se em Santarém, a maquinar com seus sequazes.
- Dizes então D. Duarte que, enquanto andávamos por Badajoz, o bastardo veio, de novo, à corte? - pergunta Afonso a um de seus seguidores.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 20, 2024 7:39 pm

- E o que vos digo, senhor - responde o outro. - E o que é pior: o rei anima-se! Anda a recuperar-se!... Precisáveis ver!
O herdeiro da coroa portuguesa limita-se a lançar pesada imprecação, enquanto meneia a cabeça, altamente nervoso.
-D. Trancoso já vem da corte, a trazer-vos as novas! - prossegue D. Duarte.
Em três dias, o velho arcediago da Sé de Lisboa chegava a Santarém.
- Confirmais, então, D. Trancoso, que o bastardo anda a rondar a corte, novamente? - pergunta-lhe D. Afonso.
- Sim - responde o velho conselheiro. - Eu mesmo vi o rei e D. Afonso Sanches, por diversas vezes, a confabularem, no alto das muralhas de São Jorge! E precisáveis ver como Sua Majestade anda a fortalecer-se!... Ganha novos vigores, a olhos vistos!
- Desgraçados!... - ruge D. Afonso, entre dentes.
- E tem mais: o rei decretou perseguição e aprisionamento de todos os que vos seguiram até hoje, senhor! - diz o prelado. - Nem os nobres e os religiosos acham-se a salvo!... - e a persignar-se, com os olhos desmedidamente arregalados: - Já pressinto a corda, a enroscar-se em meu pescoço!...
- Não!... Ficai sossegado! - diz D. Afonso. - Meus leais amigos estarão a salvo! - e mudando o assunto: - E o que nos sugeris, D. Trancoso!
- Não vencestes aos castelhanos? - responde o outro. - Agora é o tempo de fazerdes as vossas exigências!
- E o que deverei exigir do meu pai?
- Em primeiro lugar, ouro, que nunca é demais! - prossegue a velha raposa. - Depois, que vos aumente o vosso pai as vossas propriedades!... Exigi mais, muito mais!... Quanto mais, melhor e, por fim, de novo, a proscrição definitiva de D. Afonso Sanches! Esta a mais importante de todas, a qual Sua Majestade não poderá, de forma alguma, deixar de atender-vos!
- E se se negar?
- Tenho uma saída para isso! - prossegue o velho prelado, depois de cogitar por instantes. - Se se negar a atender-vos, devereis exigir a conclamação das Cortes de Lisboa!... - e a sorrir, triunfante: - O que elas decidirem vosso pai não poderá contestar!... Terá de acatar e pronto!
- Sábias conclusões, D. Trancoso] - exclama o infante. - Esse me parece ser o caminho a seguir!... Despacharei, imediatamente, meus negociadores, a levarem a minha proposta ao meu pai!... E mais: se me negar o que lhe solicito, que me apresentarei, pessoalmente, diante das Cortes, a exigir os meus direitos e, principalmente, que, se isso ele não fizer, que denunciarei a sua abjecta conspiração na questão sucessoral!
- Perfeito!... Desta vez, o rei não terá escapatória! - conclui o velho prelado. - Ou atende às vossas exigências ou terá de se haver com as Cortes!
Alguns dias depois, D. Dinis recebia os emissários do filho, a apresentarem-lhe o rol de exigências que deveria cumprir.
- Nosso filho anda a fazer novas exigências, minha cara - diz o rei a Isabel, após ouvir tudo o que Afonso mandara dizer-lhe. - E, se não o atender, ameaça conclamar as Cortes de Lisboa, a denunciar-me por conspiração contra si, na sucessão!
- Que tipo de exigências faz ele? - pergunta a rainha, a demonstrar profunda decepção às feições. Já contava que o filho houvesse deixado aquelas querelas de lado e que, efectivamente, houvera se bandeado para o lado do pai. Mas, infelizmente, constatava que assim não era.
- Que almeja Afonso, minha cara?... - responde o rei. E, depois de emitir fundo suspiro de desgosto: - Exige uma exorbitância em ouro puro, mais propriedades e a velha fixação: a proscrição de Afonso Sanches!
- Oh, Dinis, por que tem ele que ser tão intransigente? - observa Isabel, a encher-se de tristeza profunda. - Não teve ele já provas suficientes de que confias nele e que só desejas, efectivamente, caminhar do lado dele?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 20, 2024 7:39 pm

- Mas assim não pensa ele, infelizmente, minha cara! - diz o rei. - E ainda me faz ameaças: se não lhe cumprir as exigências, que me denunciará às Cortes de Lisboa!
- E por que chegar a tanto? - diz Isabel. - Tu tens competência suficiente para julgar o que tem ele direito ou não! Não precisas do parecer e da anuência das Cortes!
- Entretanto, não lhe entregarei o que me pede! - diz D. Dinis, irredutível.
Apesar de vir apresentando evidentes melhoras, essa nova situação, provocada pelo filho, causava ao rei forte apneia. Intensa palidez cobria-lhe as feições. Era patente que aquilo o agastava, enormemente, e que não mais tinha forças para lutar. O filho mostrava-se por demais obstinado em suas ideias! Sentia-se derrotar: ninguém conseguiria demover Afonso das suas fixações.
- Peço-te, meu querido, que ponderes muito bem, antes de tomares qualquer atitude - fala a rainha. - Tu não podes, de forma nenhuma, por ora, contrariá-lo, ou se arremeterá contra ti!... Tu não estás bem!... Vejo-te o intenso palor às faces; tuas mãos estão trémulas e frias!... Peço-te, meu amor, por Deus, não afrontes Afonso]... Busca o diálogo com ele; escuta-lhe, pessoalmente, as razões!... Sempre agiste assim, antes, e as coisas tenderam a melhorar, sempre!... Tem paciência, meu querido!
- Oh, és testemunha do quanto tenho sido paciente, Isabel] - responde o rei. E, por outro lado, as cortes andam a exigir-me que ponha um fim a este estado em que chegaram as coisas!... Indignam-se da maneira como o nosso filho anda a afrontar-me! E se sabem elas que anda ele a fazer-me mais exigências ainda...
- E se, de facto, negares o que te pede Afonso, o que crês que fará? -pergunta Isabel.
- O que já vem fazendo - responde o rei. - Ajuntará a sua hoste de facínoras e me fará cerco; tentará subtrair-me o trono à força! É isso o que anela...
- Então, recorre às Cortes, a darem-te o apoio! - diz a rainha. - Não foi ele que te disse que recorrerá a elas, se lhe negares o que te pede?... Vai tu, antes!
-Tens razão! -responde o rei.-Farei isso!... E as Cortes, certamente, saberão como agir!... Por mim, ando a cansar-me disso tudo...
Neste entrementes, Afonso surge na corte, a reforçar, pessoalmente, ao pai as exigências. Coincidentemente, dá com o irmão junto ao pai e se toma de intensa ira.
- Nada te concederei, Afonso! - brada o rei, diante das absurdas exigências que lhe fazia o filho. - Nada mais além do que já deténs!
- Mas, para o bastardo, as tuas mãos acham-se sempre pródigas! -rosna ele. - Nunca encontraram limite algum!
- Oh, Afonso - intervém a rainha Isabel -, respeita o teu pai e as suas vontades!... Não percebes o quanto ele anda mal?... És tão insensível assim?
- Não, mãe! - refuta o infante. - Minha paciência esgotou-se!... O melhor que fazia o meu pai era abdicar do trono, antes que a desgraça se instaure de vez!
- Não carece que me ponha a fazer isso! - grita o rei. - Tu já me feriste, mortalmente, o meu coração!... Não te aperreies por isso: em curtíssimo tempo, garanto-te, a coroa estará sobre a tua cabeça!
- Entretanto, não tenho paciência para esperar que isso aconteça! -impiedosamente, rebate Afonso de Borgonha, a arrostar, ferozmente, as descoradas faces do pai. - Exijo que me defiras tudo o que te pedi, ainda hoje, e, se me negares, conclamarei às Cortes que o façam por ti! Ou acaso pensas que todo o reino não conhece as tuas preferências? Por que é que chamaste de volta o maldito bastardo para junto de ti? Nega que não pretendes, efectivamente, passar-lhe a coroa, à sorrelfa!... Tem coragem e me lança essa verdade às minhas fuças!
- Oh, Afonso - geme a rainha, tomando o filho pelas mãos -, deixa de lado essas absurdas pretensões que direccionas ao teu pai e esquece essas sandices que te despejaram à cabeça!... O teu pai jamais pretendeu deserdar-te!... Eu te garanto!...
- Poderias jurar isso, mãe? - diz o infante Afonso, com um estranho brilho aos olhos. Era a deixa para saber da boca de Isabel toda a verdade. - Jurarias que o meu pai jamais pretendeu meter a coroa à cabeça do bastardo?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 20, 2024 7:39 pm

- Não... - responde Isabel, num murmúrio, a baixar os olhos, vencida. Ela era simplesmente incapaz de mentir ou de jurar em falso...
- Eu sabia!... Eu sabia!... - grita Afonso, estentóreo. - Andais a trair-me, pelas minhas costas!... - e, voltando-se para o pai: - Dou-vos 0 prazo de três dias para convocares as Cortes de Lisboa, senhor!... Pessoalmente lá estarei, a gritar-lhes aos ouvidos toda essa tibornice que andais a armar, juntamente com aquele maldito bastardo! - e, virando-se, sai abruptamente.
Fundo silêncio estabelece-se entre Isabel e o esposo. O rei arfava, tomado de intensa apneia. Suas feições, dir-se-ia fossem as de um cadáver, tamanha a palidez que as envolvia.
- Querido... - diz Isabel, por fim, tomando-lhe as álgidas e brancas mãos -, busca o consolo em Deus!... Não te deixes levar pelo desencanto!... Nosso filho não sabe o que diz e nem o que faz! Deixou-se contaminar pelo ódio e pela ganância extremos e só faz cair mais e mais em fundo abismo, do qual lhe será tremendamente penoso sair, um dia, quando cair em si, e perceber o quanto errou!
- Estou cansado... - geme o rei. Duas grossas lágrimas descem-lhe face abaixo...
- Mas não estás só! - diz Isabel, a apertar-lhe, forte, as mãos e, em seguida, a cobri-la de beijos, prossegue: - Aqui estou a sofrer as tuas dores e também a chorar contigo todas as tuas lágrimas... - e repete, com os olhos a tisnarem-se, também, de dorido pranto: - Não estás só!... Não estás só!...
Aquele dia de primavera mal começava e já era portador de tantas dores para os reis de Portugal. Isabel levanta-se e, cingindo a cabeça do esposo, afaga-lhe os cabelos encanecidos. Depois, curvando-se, beija-lhe o alto da cabeça. Triste, muito triste, pensou, então, que, diante de tanta dor, a vida do seu amor consumir-se-ia, ligeira, muito ligeira, mesmo...
___________________________________________________________________________________________________________
1. Tradução livre do galaico-português:
"Quero eu de modo provençal
fazer agora uma canção de amor,
e quero muito nela louvar minha amada
a quem prendas nem formosura faltam,
nem bondade; e ainda mais vos direi:
tanto a fez Deus plena de bens
que mais que todas as do mundo vale... "
2. Vento quente que, na latitude de Portugal, sopra entre Leste e Sueste.
3. Como segundo filho, Afonso III, pai de D. Dinis, não deveria herdar o trono destinado a Sancho, seu irmão mais velho, e, por isso, viveu na França, onde se casou com a Condessa Matilde II de Bolonha, em 1235, tornando-se, assim, conde jure uxoris de Bolonha, onde servia como chefe militar, combatendo em nome de Luís IX, rei de França, seu primo. Entretanto, em 1246, as dissensões entre Sancho II e a Igreja tornaram-se insustentáveis, e o Papa Inocêncio IV ordenou a substituição do rei pelo Conde de Bolonha. Afonso acatou a ordem papal e se dirigiu a Portugal, onde se fez coroar rei em 1248, após o exílio e morte de Sancho II, em Toledo. Para ascender ao trono, Afonso abdicou de Bolonha e repudiou Matilde para casar-se com Beatriz de Castela. Em 1253, o rei desposou D. Beatriz, filha de D. Afonso X de Castela. Desde o início, tal atitude tornou-se polémica, pois D. Afonso já era casado com Matilde II de Bolonha. O Papa Alexandre IV respondeu a uma queixa de D. Matilde, ordenando ao rei D. Afonso que abandonasse D. Beatriz, em respeito ao seu matrimónio com D. Matilde. O rei não obedeceu, mas procurou ganhar tempo, nesta delicada questão, e o problema ficou resolvido com a morte de D. Matilde, em 1258.0 infante D- Dinis, nascido durante a situação irregular dos pais, foi então legitimado em 1263.
4. O príncipe D. Afonso era casado com a princesa Beatriz, filha de D. Maria de Molina e D. Sancho IV, de Castela. A rainha regente de Castela, D. Maria de Molina, morreu em 1321.
5. Afonso XI era filho da infanta Constança de Portugal e de Fernando IX de Leão e Castela. Era, por isso, neto materno de D. Isabel e de D. Dinis e neto paterno de D. Maria de Molina e de Sancho IV de Leão e Castela. Seus pais morreram muito cedo: Fernando, em campanha, em 1312, e Constança, em 1312, com apenas 23 anos de idade. Assim, Afonso XI foi aclamado rei em Jaén, cm 1312, com três meses de idade. A regência, mais uma vez, foi entregue à sua avó paterna, Maria de Molina, que governou Leão e Castela até a sua morte, ocorrida em 1321, quando Afonso XI contava apenas nove anos de idade, fato que atiçou a cobiça do seu tio, o infante D. Filipe que almejava usurpar-lhe o trono.
6. As Cortes de Lisboa eram representadas pelos três estados - Clero, Nobreza e Povo
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 20, 2024 7:40 pm

Capítulo XXV - Confronto em Alvalade
D. Dinis cogitou, profundamente, por algum tempo, acerca das exigências que lhe fazia o filho e então convocou os Três Estados a se reunirem em Lisboa, ao final de 1323. As Cortes rapidamente concordaram com a solicitação do rei, uma vez que se apresentavam, também, alguns assuntos prementes de Justiça a resolverem-se, e aquela era a ocasião propícia a ensejar-se. Contudo, ao se reunirem, as Cortes, propositadamente, deram prioridade às questões de Direito que, havia tempos, encontravam-se em pendência, em detrimento das espúrias exigências que fazia D. Afonso ao seu pai.
Contando com a presença do rei, as Cortes, primeiramente, deliberaram acerca das questões de Justiça que mais impediam a equânime aplicação do Direito aos cidadãos do reino. Legislou-se, então, sobre os direitos gerais da população, sobre o casamento, a propriedade, a agricultura e o comércio; corrigiram-se os propositais desvios que comumente se criavam, a promoverem a habitual morosidade nos trâmites dos processos bem como se buscou refrear a costumeira cavilação que praticavam os advogados em relação aos seus honorários e foram regulados, ainda, os sistemas de prevenção e castigo dos mais variados crimes os quais tiveram as respectivas penas corrigidas e actualizadas.
E, somente quando essas questões mostraram-se plenamente resolvidas é que as Cortes passaram a discutir sobre as exigências que o Infante D. Afonso tão afrontosamente reclamava do pai. O príncipe herdeiro, entretanto, não demonstrara coragem suficiente de, pessoalmente, apresentar-se às Cortes, com o propósito de exigir o cumprimento das suas solicitações. O rei, então, diante dos magistrados, defendeu-se das ignominiosas acusações que lhe fazia o filho e foi, com unanimidade, encorajado a não atender às absurdas exigências que lhe apresentava o seu herdeiro e, de antemão, puseram-lhe à disposição tudo o que fosse necessário, inclusive bens próprios, para coibir aqueles que intentassem perturbar a ordem geral. Logo que tomou ciência das deliberações das Cortes, D. Afonso, altamente agastado, rumou para Santarém, a realinhar o seu exército, com o propósito de tomar Lisboa e, assim, tentar assenhorear-se do trono à força.
- As Cortes deram-me apoio, senhora - relata o rei a Isabel as conclusões a que haviam chegado os três Estados. - Negaram-se, peremptoriamente, a permitir que eu atendesse às exigências que me faz Afonso.
- E as consequências disso? - pergunta Isabel, tomando-se de altas preocupações. - Como pensas que Afonso receberá tal deliberação das Cortes?
- Afonso já se foi daqui, a saber, de antemão, o que pensavam as Cortes. Tanto que não teve coragem de apresentar-se, pessoalmente, a 1 elas. Acovardou-se, pois sei que, em seu íntimo, tinha plena consciência dos absurdos que andava a exigir de mim!
- E crês que o nosso filho se conformará e que não revidará a essas decisões? - pergunta a rainha.
- Conhecendo-o, como o conheço, tenho a plena certeza de que, neste preciso momento, já deverá ele andar a reunir seus sequazes, a marcar novas ofensivas contra mim! - exclama o rei, cheio de desolação. - Isso nunca terá fim, minha cara!
- E o que pretendes fazer, meu querido? - pergunta Isabel. - Se ele vier contra ti, vais contra-atacar?... Não tentarás, antes, demovê-lo desse infeliz intento?
- Sabes que nunca o ataquei primeiro, não é? - responde o rei, com fundo suspiro. - És minha testemunha de que sempre procurei, antes, contornar os confrontos armados, preferindo o diálogo. E, se algumas vezes já nos encontramos às raias do entrevero, não foi nunca por minha culpa...
- Sei disso... - observa a rainha, buscando consolá-lo. Sabia o quanto o esposo encontrava-se mal de saúde e o quanto aquela situação andava a empurrá-lo, mais depressa ainda, para o fim. - Mas, tenta conversar, antes...
- Farei isso, Isabel - diz o rei, deixando-se sentar, pesadamente, num divã forrado de peles de cabras. - Mesmo porque não tenho mais forças para uma única batalha sequer...
Exactamente como o rei previra, naqueles instantes, Afonso de Borgonha achava-se em Santarém, a confabular com seus mais leais conselheiros:
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 20, 2024 7:40 pm

-As Cortes denegaram minhas petições ao rei, senhores! - exclama ele, altamente inflamado. - E hora, então, de marcharmos sobre Lisboa, a tomar o trono à força, uma vez que o bastardo usurpador por lá ronda, feito um desfaçado abutre, a aguardar que o rei expire!
- Sim, Alteza - concorda Bartolomeu Trancoso. - Por esse tempo, o rei já deverá ter ditado novo codicilo aos seus tabeliães, a pôr aquele um como seu principal herdeiro e, certamente, deixando-vos de fora, na miséria, como acabam de roborar as Cortes de Lisboa!
- Ah, as Cortes de Lisboa! - brada, furioso, o infante português. -Ainda verão de mim o que lhes tenho reservado mais adiante, quando deitar a minha mão à coroa!... Haverão de sentir, mui em breve, o peso da minha ira!... - e, a tremer-se de intenso ódio: - Mas, antes, é preciso arrancar a cabeça àquele maldito bastardo!
Tendes razão, senhor! - concorda o outro. - Somente quando matarmos aquele verme, teremos, de fato, a paz!
- Nossas forças já se acham aquarteladas e prontas para a marcha -declara o infante. - Agora que estais todos connosco, poderemos partir.
Os ânimos dos partidários do príncipe exacerbam-se e, então, explodem, a dar-lhe o apoio irrestrito:
- A guerra!... A guerra!...
- Morte ao desgraçado usurpador!...
- Arranquemos-lhe a cabeça!...
Logo a notícia de que D. Afonso, novamente, rebelava-se, chegou ao conhecimento de D. Dinis, em Lisboa.
- Nosso filho, de novo, arma-se contra nós e intenta marchar sobre Lisboa - diz o rei a Isabel, altamente indignado. - Viste como é ele?... Não perde tempo!
- É hora, então, de enviares os teus emissários, a confabularem com Afonso - pede Isabel. - Não permitas que as coisas tomem força a tornarem-se incontroláveis!... Apressa-te a acalmar-lhe a sanha!
- Tens razão - concorda o rei. - Melhor que fique por lá, a vir cá, a dar-nos trabalho, outra vez - e envia emissários a confabularem com o filho.
Entretanto, Afonso mostrou-se irredutível e, como resposta ao pai, desceu, rapidamente, com suas forças, de Santarém, e se aquartelou no paço do Lumiar, bem próximo de Lisboa, em franco sinal de afronta ao poder real.
- Não há solução, minha cara-fala D. Dinis a Isabel, profundamente desgostoso. - Afonso e suas hostes alojam-se no Lumiar, a fustigar-nos, ofensivamente. Não sei até quando me aguentarei, a suportar as suas afrontas!
- Tenta uma vez mais, meu senhor - insiste Isabel. - Antes de rebateres Afonso, envia, uma vez mais, um teu emissário de confiança e capaz de convencê-lo a desistir de mais essa loucura!
- Tens razão - consente o rei, depois de cogitar por instantes. - Tu estás certa e vou ouvir-te, posto que sempre foste ponderada e de tuas boas razões sempre obtivemos os melhores resultados. Queira Deus que, mais esta vez, logremos sucesso!
D. Dinis, com o intento de obter uma conciliação com o filho, enviou a D. Álvaro de Azevedo, como seu emissário, ao paço do Lumiar.
- El-Rei exige que vos sujeiteis à coroa, imediatamente, Alteza - diz, ostensivamente, o destemido fidalgo ao príncipe revoltoso.
- E quem é o rei a exigir a nossa sujeição? - rebate Afonso de Borgonha, cheio de cinismo. - Não reconhecemos o poder de um rei que deserda o filho natural, em favor dum miserável bastardo que recolheu ao volutabro!
- Pensamos que vos equivocais, se pensais dessa forma, senhor! - rebate o outro, sem se deixar intimidar pela atitude hostil como era recebido pelo infante. - Todo mundo sabe, neste reino todo, que sois o único herdeiro de Sua Majestade!... - e, a olhar, em redor, a malta que o cercava, prossegue, sem demonstrar o mínimo sinal de hesitação ou de temor pela atitude provocante de toda aquela gente: - Se tiverdes um pouquinho de juízo à vossa cabeça, senhor, não deveis afrontar o rei e suas hostes! Com excepção de poucos, todo o reino acha-se do lado de Sua Majestade e creio que, se vos atreverdes a atacar, por certo, levareis a pior, e as consequências disso creio que já podeis imaginar...
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Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini - Página 9 Empty Re: Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 20, 2024 7:40 pm

- Insolente!... Quem pensais que sois, a ditar-nos o que devemos ou não fazer, desgraçado?! - grita, estentóreo, Afonso de Borgonha e, a desembainhar a espada que trazia pendente à cinta, salta sobre Álvaro de Azevedo, com o propósito de feri-lo mortalmente.
- Não, Alteza! - grita D. Bartolomeu Trancoso, sustando-lhe, ligeiro, a mão, antes que desferisse o golpe certeiro ao peito do fidalgo emissário do rei. - Não façais tal sandice!... - e, puxando-o a um lado, cochicha-lhe rente ao ouvido: - Não percebeis que, se fizerdes isso é o que de fato querem os nossos inimigos para darem total e irrestrito apoio às pretensões do rei e do bastardo?... Acalmai-vos, que temos de fazer tudo sem quaisquer actos de pesada afronta ao vosso pai, como esse que íeis cometer!... Enfrentemos, sim, o rei, mas em campos de batalha!... Não assim!...
- Tendes razão, D. Trancoso - diz o infante, a acalmar-se. - E preciso não lhes dar nenhumas razões para que efectivem o golpe sujo que engendram - e se voltando para o emissário do rei que se mantinha a um canto, aparentemente inabalável pela reacção do príncipe: - Retornai ao nosso pai e lhe dizei que a nossa resposta ele a terá nos campos de batalha!
Desta vez, a ocorrência da batalha entre pai e filho era impendente. A rainha D. Isabel, diante da iminência do terrível conflito que se armava, tenta, desesperadamente, argumentar com o esposo, uma vez mais, antes que fosse tarde:
- Pondera uma vez mais, meu senhor! - suplica a rainha. - Pensa bem qual será a reacção do teu filho, quando vires que lhe vais ao encontro, ao lado do irmão que ele tanto odeia?... Oh, meu querido, tu irás ensandecê-lo, de vez, e acabará por crer que teve sempre razão em duvidar de ti!... Sabes muito bem que a proscrição de Afonso Sanches foi uma das exigências para a paz! Não obstante, o que fazes? Tu o reabilitas, assim, às claras, diante de todos!... Verão que o nosso filho tem razão em acusar-te!...
- Tu deverias saber que esse não é o meu intento e que não terei forças suficientes para enfrentar, sozinho, as hostes de Afonso. Para isso é que solicitei o apoio dos meus outros filhos! - rebate D. Dinis.
-Oh, não percebes que, com essa atitude, tu o açulas ainda mais?... Não percebes que te excedes, em assim agindo?
-Afinal, de que lado tu te encontras, Isabel? - diz o rei, inflamando-se. - Se chamei Afonso Sanches e João Afonso a darem-me sustentação neste impasse é porque em ambos confio e lhes prezo os conselhos e a experiência que eles detêm!... -e firme: -Não proscreverei mais os meus filhos!... Nenhum deles!... Creio que sabes muito bem como tudo isso me está sendo difícil de suportar!... Ando enfermo e, quem saberá o quanto ainda viverei neste mundo?... E por que haveria eu de viver o pouco que me resta, longe de Afonso Sanches, o meu filho adorado?... Só porque Afonso assim o quer?... E, além do mais, quem pensa ser ele a ditar-me ordens e a fazer sempre mais e mais tantas exigências descabidas?... Anda a desafiar-me por conta de tudo o que faço!... Acho que se esquece de que o rei ainda sou eu!...
- Mas, com isso, meu querido, andas, constantemente, a açular-lhe a ira contra ti e contra Afonso Sanches. - observa Isabel. - E quem conseguirá provar-lhe, agora, que tu em nada desejaste provocá-lo, a não ser o fato de ter o teu filho ao teu lado tão-somente?... - e a apertar, fortemente, a mão do esposo: - Sei que te encontras enfermo, meu amor!... E grande parte da tua doença proveio da carrada de desgostos que, ultimamente, andaste a amargar!... Mas Afonso mostra-se insensível, mesmo diante da hipótese de que tu principiaste a definhar, depois que tu e ele vos metestes nestes embates estúpidos!... Mas eu sei que assim o foi...
- Que remédio, Isabel? - geme o rei, altamente agastado pela dor que o consumia. - Como poderia um pai ser feliz e realizado, a ter o sangue do seu sangue sublevando-se, constantemente, contra ele?... Haverá pior castigo que esse?
- E o que farás, diante de mais esta afronta que te dirige Afonso? - pergunta Isabel.
- O que não gostaria nunca de ter de fazer!... - responde o rei, com fundo suspiro de desolação. - Entretanto, será preciso opor-lhe resistência ou, então, que tragédia não nos causará mais esse seu arroubo de loucura?
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Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini - Página 9 Empty Re: Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 20, 2024 7:40 pm

- Só Deus o sabe, meu querido - diz a rainha. E depois de cogitar por instantes: - Permite, então, que eu vá ter uma vez mais com Afonso, a chamá-lo à razão!
- Oh, não, lsabel!... - fala o rei, altamente desolado. Para que humilhar-te uma vez mais?... Tu e eu sabemos, de antemão, que ele não te ouvirá!... Sua fixação em ver Afonso Sanches longe de mim cegá-lo-á, como sempre!... E, desta vez, não lhe cederei à coerção!... Não lhe atenderei às exigências absurdas que me dirige e nem desterrarei meu filho adorado, simplesmente para contentar-lhe as fantasias!
-Oh, agindo assim, tu te mostras também obstinado em tuas ideias!... - diz Isabel. - Lembra-te do que, da outra vez, eu te disse sobre a questão do amor: mais lhe fruímos as benesses, se o aliarmos à renúncia!... Acaso esqueceste?...
- Não, não me esqueci das tuas palavras!... - responde o rei. - Mas por que deverei ser eu a ceder, sempre?
- Por que és o mais sábio e o mais forte! - redargui Isabel. - A tua sabedoria e a tua fortaleza dar-te-ão suporte a enfrentares a dor da separação do teu filho do coração! - e súplice: - Peço-te, meu amor, com a tua renúncia, evitarás mais e maiores dores que esta, garanto-te!... Deus pôs, sob a tua guarda, um reino!... E, desde o instante em que tiveste esta coroa colocada sobre a tua cabeça, os teus desejos e as tuas vontades já não foram mais, exclusivamente, teus, mas de toda a nação sobre a qual passaste a reinar!
- Esses são os teus conceitos sobre uma coroa, minha cara! - rebate o rei, mostrando-se contrariado. - Os meus são diferentes!
-Oh, não são, não! - insiste Isabel. - Conheço-te muito bem! Sempre colocaste as vontades das gentes à frente das tuas!... Sempre governaste a atender às necessidades do teu povo!... Fizeste de Portugal um grande reino, invejado e respeitado pelos outros povos!... Quem mais primou pela cultura do teu país do que tu mesmo?... No teu íntimo, sei que não és um guerreiro, como o teu filho: és um poeta, e os poetas não gostam de sangue derramado, pois amam cantar a vida, o amor!... E ora entendo, perfeitamente, porque tu e o teu filho não vos entendeis: um ama a espada; o outro, a lira!
-Agora sabes porque eu prefiro Afonso Sanches...
- Sim, porque é um poeta como tu, e os poetas amam a mesma coisa! - diz Isabel, a fitá-lo aos olhos.
- Mas Afonso não entende essas coisas! - diz o rei. - Ouve e entende apenas a voz e as razões do ferro! - e, irredutível: - Desta vez, peço-te: fica de fora!... Minha paciência esgotou-se!
- Oh, por favor, Dinis! - geme Isabel. - Se te vais assim, com tamanha fúria, ao encontro do nosso filho, a tragédia instaurar-se-á, com toda a certeza!
- Desta vez, será inevitável o confronto, minha cara! - diz o monarca português, tomando-se de intensa ira. - Vou mostrar a Afonso quem é que manda, efectivamente, neste reino!... Chega de rodeios!...
Antes, entretanto, de ir ao encontro do filho, o rei mandou-lhe um ultimato: que sobrestivesse a sua marcha e, dali, retornasse aos seus domínios; D. Afonso, entretanto, ignorou a advertência que lhe dirigia o pai e persistiu em seu intento de fazer o cerco a Lisboa.
Auxiliado pelos filhos bastardos, D. Afonso Sanches e João Afonso, D. Dinis reuniu as suas hostes e foi tomar posições no campo de Alvalade, nos arredores de Lisboa, enquanto D. Afonso mantinha o seu arraial no Lumiar. Não se negociava mais. Apenas mediam-se, reciprocamente; o furor, de ambos os lados, recrudescia mais e mais e, hora ou outra, era sabido que haveria de explodir.
No Castelo de São Jorge, Isabel achava-se proibida de sair ou de manifestar-se. A rainha, extremamente desesperada pelo rumo que as coisas tomavam, enchia-se de aflições. Rezava, horas a fio, suplicando a Deus que abrandasse o coração daqueles dois homens, embrutecidos pelo ódio recíproco que se devotavam.
- Oh, Ximena - confidencia ela, à sua fiel dama de companhia -, desta vez ambos irão à refrega!... O embate parece-me inevitável!
- Oh, senhora - diz a outra -, a que ponto chegaram eles!... Que notícias tivestes, efectivamente, de Alvalade?
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Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini - Página 9 Empty Re: Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Abr 20, 2024 7:41 pm

- As piores possíveis, minha cara! - responde a rainha. - Não há mais conversação entre eles; apenas aguardam o momento propício de se atracarem!
- Que tragédia, senhora! - diz a aia da rainha. - Desta vez, nada fareis?
- Que poderei fazer, Ximena! - proibiu-me o rei, peremptoriamente, de deixar o castelo, desta vez, sob pena de mandar-me aprisionar, se a ele desobedecer!... - e, a demonstrar profundo desespero, a torcer, aflitivamente, as mãos: - Encontro-me de pés e mãos atados!... Mas o meu coração dói, horrivelmente, cá, inerte, sem nada poder fazer, enquanto aqueles dois malucos acham-se prontos a engalfinhar-se, como se fossem, de fato, dois contumazes inimigos!...
- Oh, pressinto que o resultado disso será, uma vez mais, um mar de cadáveres a sepultar, senhora! - observa a aia, entristecendo-se, grandemente.
- Tens razão, Ximena! - concorda a rainha. E, decidindo-se: - Que me mande encarcerar o rei ou, mesmo, que me mande à forca, mas aqui não ficarei, a assistir a toda essa sandice, de braços cruzados!... Não é do meu feitio!... - e sai, abruptamente, com passos firmes e ligeiros, e a gritar:
- A minha mula!... Quero pronta, a cavalgar, a minha mula!
Neste ínterim, ao ver que o pai aquartelava-se em Alvalade, sem mais demoras, o príncipe D. Afonso ordenou às suas hostes que se pusessem a caminho e, ao se avizinharem das tropas reais, logo se iniciou a fustigação recíproca, com a troca de dardos e setas. Os amentos às mãos dos peões, as lanças da cavalaria e os montantes mantinham-se rijamente empunhados, a esperarem, afoitos, tão-somente o sinal para entrarem em combate. A tensão nos dois lados crescia...
- Que aguardais, senhor? - instiga ao príncipe D. Bartolomeu Trancoso, com o propósito de pôr fim àquela angustiante espera. - Melhor que se inicie logo o recontro, enquanto se tem a luz do dia!
Nenhum dos dois lados, na realidade, desejava ser o primeiro a ordenar o ataque. E, quando Afonso de Borgonha ia, finalmente, levantar a mão direita, a dar a ordem ao seu capitão para que iniciasse o ataque, súbito e intenso clamor ouve-se de ambos os lados. Como que movidos por uma força invencível, guiões, lanças e montantes abateram-se, de um e de outro lado, e toda a peonagem ajoelhou-se no terreno. Acontecia que, montada na sua mula, surgira, entre as duas facções prestes a digladiarem-se, a venerável figura da rainha...
- Por Jesus Cristo, Nosso Senhor!... - gritava ela, a cavalgar, desabaladamente, a sua mula, indo cá e lá, no corredor que se formava entre as duas hostes. - Sois irmãos, e irmãos não se devem matar!...
- Virgem Santa!... - exclama o rei, estupefacto, do alto da sua montaria. - A rainha endoideceu!... E se lhe acertam um dardo?!
- Vejo que não, senhor! - exclama D. Afonso Sanches que se lhe posicionava ao lado, no posto de comando. - Incrível!... Os soldados respeitam-na; põem-se de joelhos e se benzem!
Isabel não parava. Cavalgando sua mula, sem se deter, diante daquela imensidão de guerreiros, mostrava-se o exemplo da coragem e da fé vivas!... Sua figura grandiosa e veneranda, sempre amada e respeitada pelos seus súbditos, conseguira seu intento. Nenhuma seta mais fora disparada, nenhuma praga ou imprecação se ouvia da boca daqueles homens rudes; a rainha tivera o poder de acalmar-lhes os ânimos, exaltados para a batalha. Ao contrário, punham-se de joelhos, e muitos, com lágrimas nos olhos, posto que, quantas vezes já não haviam recebido daquelas mãos dadivosas o alimento a saciar a fome da prole sempre faminta, o agasalho a enfrentar os rigores do frio e o bálsamo curador para as feridas do corpo?... Suas vozes roucas formavam destoado coro de súplicas e de agradecimentos à bondade daquela mulher que, além de benevolentíssima e extremamente caridosa, ora se mostrava tão valente e corajosa, a ponto de expor a própria vida, a desafiar a insensatez do filho cúpido e a intransigência do esposo amargurado... O intenso coro de vozes, permeado de sinceras lágrimas de gratidão, surgia, indistintamente, dos dois lados do campo de batalha:
- Salve, mãezinha!...
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 21, 2024 10:36 am

- Santa senhora!...
- Filha da Santa Virgem Maria!...
- Abençoa-nos, senhora!:..
- Dona Isabel...
- Ai, minha santinha!...
- Que faz a minha mãe?!... - grita D. Afonso, diante daquela estupenda manifestação de coragem que demonstrava a rainha de Portugal. - Acaso deseja matar-se?
- D. Isabel enlouqueceu! - brada D. Trancoso, a estupeficar-se. - E se lhe acertam uma seta?
- Vou-lhe no encalço! - grita o infante de Portugal, a cutucar, nervosamente, com os pés, as ilhargas da sua montaria.
- Acautelai-vos, Alteza! - brada D. Trancoso, quando o outro já cavalgava, indo atrás da mãe. - Não vos exponhais assim, tão abertamente!... Cuidai que não vos acertem um dardo!
Neste exacto momento, D. Dinis fazia o mesmo. Propusera-se, também, a retirar a esposa do meio do campo de batalha.
E, com ideias concomitantes, pai e filho lançam-se em direcção da rainha que, a cavalgar, ligeira, a sua mulinha, continuava a incitar os soldados, em altos brados, a não se entregarem àquela estúpida batalha. E, o que se tornaria inevitável, com aquela atitude de ambos, aconteceu: encontraram-se, no justo momento em que alcançavam Isabel e sua montaria. Freiam-se os cavalos. O intenso alarido daquele mar de soldados cessa, de inopino. Milhares de olhos fixam-se no rei e no príncipe herdeiro. Pai e filho estudam-se, reciprocamente. Em seus olhos, havia brilhos diferentes: nos do infante, intenso ódio notava-se; nos do pai, entretanto, lia-se apenas incontida expressão de funda melancolia. Isabel, ao perceber que a turba-multa, inopinadamente, cessara seu alarido, estacara sua montaria e, voltando-se, dera com o esposo e o filho a estudarem-se, mutuamente. Dá meia volta em sua mula e retorna alguns passos, interpondo-se entre os dois. E, a olhar, alternadamente, para ambos os rostos, diz, com a voz firme:
- Por que chegastes a tanto?... Não percebeis que o povo não deseja o que desejais? - e em tom de súplica: - Por que insistir em tamanho erro? Não entendeis que, em assim agindo, despencareis em fundo e escuro báratro, de onde vos será extremamente difícil e penoso retornar depois? Só a custo de muitas lágrimas e de dores supremas é que vos libertará a vossa consciência de culpa assim atroz!... Por Deus, meus queridos, suplico-vos: é o momento de vos dardes as mãos, a selarem a paz duradoura!
- Impossível o que pedes, mãe! - rebate D. Afonso, como se mordesse as palavras, de tanto ódio, e sem tirar os olhos, única vez, dos olhos do pai.
- Não! - geme a rainha. - Com Deus ao coração, nada nos é impossível!... - e, com lágrimas aos olhos: - Meu filho, olha em redor e vê o povo sobre o qual um dia, certamente, tu reinarás! Que exemplo andas a dar-lhe?... Para esses homens, serás como um grande pai e que respeito tu deles terás, se diante de todos, tratas dessa forma o teu próprio pai? Agindo assim, de antemão, sei que não te amarão e nem te respeitarão como rei!
- Tua mãe tem razão, Afonso - diz o monarca português, em tom grave. - Respeito e obediência não granjearás com o peso da tua mão, mas com o exemplo que deres dos teus actos de justiça e de atitudes cristãs!
- Entretanto, não foste para mim o exacto bom exemplo de justiça e de actos cristãos! - rebate o infante, com a voz cheia de cinismo.
- Sei que ando cheio de erros, meu filho! - exclama o rei. E, pondo-se altamente humilde: - Entretanto, agora, peço-te perdão, aqui, diante de todos!... E, por Deus, suplico: vai-te daqui!... Evita mais esta tragédia!
- Sim! - reforça Isabel. - Também eu te imploro: vai-te daqui e assim não permitirás que a desgraça se abata, de vez, sobre a nossa casa!... Pondera, meu querido, por Deus, o que te suplicamos!
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Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini - Página 9 Empty Re: Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 21, 2024 10:36 am

Afonso de Borgonha olha, então, demoradamente, em redor, enquanto cogitava. Ao imenso cabedal de homens ali reunido, bastaria um só gesto seu, e eles atacariam, ferozmente, o inimigo; ou então, com um outro gesto, retirar-se-iam dali incólumes, sem mais dispararem um só dardo. Competia a ele fazer a escolha. Prossegue, então, a correr os olhos por aquele mar de cabeças que, perfiladas e em prontidão, olhavam, silenciosas, para ele. Depois, fixa os olhos do pai e, em seguida, os da mãe.
- Vou-me - murmura ele, mantendo os olhos apenas nos olhos dela.
- Mas o faço por ti!... Tu venceste esta batalha!... - e, com gesto brusco e ligeiro, fustiga a sua montaria e se vai, sem mais fixar o rosto do pai, única vez sequer.
- Deus te abençoe! - grita Isabel, quando ele ainda se achava a alguns metros dela.
Afonso não se volta. Apenas levanta, ligeiramente, o braço direito, em resposta.
- Vamo-nos de volta a casa, querido - convida Isabel ao esposo, tomando-lhe as álgidas mãos entre as suas e as beijando, com extremoso afecto. E, percebendo a intensa tristeza que lhe ia aos olhos, pela patente desfeita que lhe dirigira o filho, diz-lhe: - Perdoa-o, meu bem... Sabes o quanto ele é impulsivo e rebelde!
- Não confio nele! - exclama o rei, ofegante pela excitação nervosa.
- Vou-lhe no encalço, a vigiar-lhe os passos!
- Não carece de isso fazeres, meu senhor! - fala a rainha. - Viste bem a promessa que me fez ele! Sei que a cumprirá à risca!
- Não serei tão crédulo quanto tu, minha cara! - rebate o rei. - Não confio em Afonso] Tenho de certificar-me se, de facto, vai-se de volta a Santarém.
- Sei que o fará, meu senhor! - insiste a rainha. - E, se o seguirdes, acaso não entenderá ele que tu andas a desafiá-lo?... Sabes muito bem como é ele!
- Que entenda o que desejar! - exclama o rei, irredutível. - Mas que lhe vou no encalço, vou!
- Então, vou-me contigo! - diz a rainha, resoluta.
D. Afonso, efectivamente, levantara acampamento e seguia para o Norte. D. Dinis deu-lhe um dia de vantagem e se lhe pôs na pista, com suas forças.
- O rei segue-nos, Alteza! - confabula D. Trancoso ao príncipe herdeiro. -Vejo que não acreditou em vossa palavra!... Não convém, então, que estaquemos nossa marcha e se lhe façamos a espera?
- Não! - contraria o infante. - Penso aquartelar-me em Santarém, a aguardar-lhe a chegada. Melhor em nossos sítios!
- Bem pensado! - concorda o outro. - Melhor por detrás das muralhas, se resolver atacar-nos!... A propósito, convir-nos-ia que o rei nos atacasse!
- Se não nos atacar, daremos um jeito para que o faça! - observa o infante, com um sorriso cheio de malícia.
- E rezemos para que a rainha, desta vez, não se meta a atrapalhar!
- Minha mãe tem se intrometido por todo o tempo, D. Trancoso! - diz o infante, com fundo suspiro. - Não fossem essas suas atabalhoadas ingerências, e já teríamos dado um justo fim nessas questões!
- E se ela se meter de novo? - questiona D. Trancoso.
- Já ando a cansar-se das suas intromissões! - responde o príncipe herdeiro. - Mas só abrirei mão de revidar ao ataque ou de atacar, se o meu pai atender às minhas solicitações! Caso contrário...
Bem logo, as hostes reais aquartelaram-se às portas de Santarém. Entretanto, mantinham-se quietas; nenhuma ordem de ataque fora expedida.
- Vamo-nos de volta para casa, meu querido! - insiste Isabel com o esposo. - Observaste muito bem que Afonso cumpre o prometido!... Agora é a tua vez de cumprir a tua promessa!... Por Deus, vamo-nos, antes que ele resolva atacar-te!
- Se me atacar, será sinal de que não cumprirá o que te prometeu! - rebate o rei. - Quero testar-lhe o carácter!
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Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini - Página 9 Empty Re: Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 21, 2024 10:36 am

- Acho que andas mesmo é a fustigá-lo! - exclama a rainha. - Tu ages exactamente como ele!
O rei dá de ombros e nada responde. Isabel emite fundo suspiro e, buscando lugar reservado, põe-se a orar, fervorosamente, à Virgem Maria, suplicando-lhe fizesse cessar aquela teimosia do esposo. Era preciso ir-se dali e dar tempo ao tempo. Quem sabe o filho, desta vez, não se emendasse?
Entretanto, na manhã do dia subsequente, forte alarido percorreu o acampamento do rei. Do alto das muralhas da cidade, uma chuva de setas abateu-se sobre os soldados que faziam a guarda.
- Não te disse? - exclama o rei à rainha. - Muito pouco durou a promessa que te fez Afonso! - e, ligeiro, ordenou que se revidasse o ataque.
- Oh, Dinis, por Deus! - geme Isabel. - Vais reiniciar tudo outra vez?... Suspende o contra-ataque e nos vamos de volta a casa!... Desta vez, foste tu a procurar o revide, não ele!
Porém o rei não a ouviu e, reunindo-se a Afonso Sanches e a seus capitães, ordenou severo contra-ataque à cidade.
Trocaram-se, então, chuvas e chuvas de setas e dardos. Alguns soldados perderam a vida, de ambos os lados. Isabel desesperava-se. Era preciso pôr um fim àquela refrega imbecil. Decide-se, então, à revelia do rei, procurar por Afonso Sanches.
- Por Deus, meu filho - diz-lhe ela -, tu tens bastante ascendência sobre o teu pai!... Imploro-te, então, que busques convencê-lo de cessar este cerco absurdo!...
- O sítio à cidade fará com que o meu irmão renda-se, senhora! - argumenta o outro. - Se vencido, Afonso terá de aceitar as condições da rendição! O rei, então, achar-se-á em vantagem sobre ele, não concordais?
-A custo do quê, meu filho? - redargui a rainha. - De um mar de cadáveres e de uma cidade desolada?... Não, não posso ser conivente com essas ideias!... Insisto: convence o teu pai a deixar-me ir ter com Afonso!... Eu o farei render-se de vez!
Tanto insistiu a rainha que D. Afonso Sanches não teve outro remédio senão atender-lhe aos insistentes rogos. O rei, por sua vez, como a petição viesse do seu filho predilecto, resolveu aquiescer com a intervenção da esposa, uma vez mais.
- Teu pai enviou-me a propor-te a paz duradoura, meu filho! - diz Isabel, a abraçar-se a Afonso, depois de lhe ir ao encontro.
- E o que me propõe o meu pai para selarmos a paz? - pergunta o príncipe herdeiro.
Propõe-te que desmanteles o teu exército e que te sujeites ao poder real! - responde Isabel.
- Sabes muito bem qual a condição para a paz, mãe! - diz Afonso de Borgonha, com um sorriso cínico. - Se o meu pai não desterrar da corte aquele bastardo e se não aumentar as minhas rendas pessoais, não haverá paz alguma!
- Oh, por que te manténs assim tão irredutível, meu filho? - diz a rainha, tomando-lhe as mãos. - Já não te basta o que deténs? E quanto ao teu irmão, procura amá-lo e lhe aceitar a presença!... Sabes muito bem que não podes escolher o que vem de Deus!... - Não adianta insistires, mãe! - rebate o príncipe herdeiro. - Odeio Afonso Sanches de toda a minha alma, e não serás tu ou qualquer um deste mundo que me fará aceitá-lo!... E é bom que saibas, desde já: se não o proscreve o meu pai, será esse o meu primeiro ato, quando eu meter a mão à coroa! Melhor, então, que se vá agora!
- Por que tanto ódio, meu filho? - prossegue a rainha, a insistir. - Teu pai amofina-se, enormemente, com o desprezo que lhe devotas. Além do mais, acha-se ele muito doente, e creio não viverá muito! Por que, então, não lhe poupas tantos dissabores e mágoas, logo agora, ao final da vida?... Dá-lhe um tantinho de alegrias, as derradeiras, para que parta em paz! Rende-te a ele! Aceita-lhe as condições para a paz!... Por Deus, peço-te!... Ou, então, tu acabarás por matá-lo de desgosto!
- Não, mãe! - responde Afonso, frio como uma pedra. E a olhar, fixamente, ao longe, pela janela: - O meu pai já matou, primeiro, o amor e o respeito que eu por ele sentia, faz, já, muito tempo...
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Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini - Página 9 Empty Re: Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 21, 2024 10:36 am

- E o que digo a ele? - pergunta a rainha, depois do longo e gelado silêncio que se abriu entre ambos.
- Diz-lhe o que quiseres... - responde Afonso de Borgonha, com profundo desdém. - O rei já sabe, de sobejo, quais as minhas condições para a paz...
Isabel deixa o filho e se vai, tremendamente triste. Voltava de mãos vazias e sabia que o esposo entristecer-se-ia ainda mais.
- E por que não cedes tu, então? - diz a rainha, após relatar ao esposo as considerações que lhe fizera o filho.
- E porque haverei de ser eu, uma vez mais, a ceder? - rebate o rei.
- Minha vontade é, na verdade, de ir desentocá-lo à força, a dar-lhe a lição definitiva!
- Tua saúde não permitiria que fizesses tal despautério e não tens, de fato, nenhuma necessidade de fazer isso ao teu filho! - exclama Isabel.
- Sabes muito bem o quanto ele é teimoso e que só o desalojarias do seu reduto, morto!... -e, depois de instantes, afixar, firme, o rosto do esposo, prossegue: - E é isso que, no fundo, desejas, realmente?
- Não... - responde lacónico o rei.
- Então, deixa dessas pendências estúpidas e atende o que deseja ele duma vez! - expõe Isabel, firme. E, emenda decidida: - E queres saber mais?... Ando eu também a cansar-me de tudo isso!
Dinis de Borgonha, finalmente, deixa-se abater. A esposa estava certa. Fazia já tanto tempo que essa desinteligência com o filho andava a acontecer. Era preciso ponderar. E, depois de cogitar longo tempo, decide-se:
- Estás certa, minha cara - diz ele, infinitamente triste. - Em breve, Afonso será, mesmo, o novo rei. E, em lhe atendendo as solicitações, nada mais estarei a fazer, senão a antecipar o que já lhe pertence, não é mesmo?
- E quanto a Afonso Sanches!
- Quanto a esse - malgrado a intensa dor que me causará ao meu já tão combalido coração! - também o desterrarei da corte, como quer Afonso, porque sei que, assim que eu expirar, e ele se achar com a coroa à cabeça, será esse o primeiro decreto que assinará, se não ordenar que façam coisa pior!
Assim foi feito. D. Afonso de Borgonha teve as suas rendas fabulosamente aumentadas, e Afonso Sanches partiu, pela segunda vez, da corte para as suas terras, e a odiosa guerra que perdurara por cinco anos veio a extinguir-se, por completo, em 1324.
___________________________________________________________________________________________________________
2. João Afonso (1280 - 1325), senhor de Lousã, um dos filhos ilegítimos mais velhos de D. Dinis, dos havidos em 1280, de suas favoritas; outros também nascidos nesse ano: Fernão Sanches e Pedro Afonso.
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Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini - Página 9 Empty Re: Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 21, 2024 10:36 am

Capítulo XXVI - Pães e rosas...
A paz finalmente voltava ao reino português. O príncipe Afonso tendo, incondicionalmente, atendidas todas as suas exigências, não encontrou mais nenhuns motivos que lhe propiciassem incomodar ou afrontar o pai, senão se resignar e se recolher aos seus domínios, em Santarém, e por lá acomodar-se; D. Afonso Sanchez, por sua vez, altamente magoado e ferido pela resolução do pai em atender a todas as solicitações do meio-irmão, isolou-se em seu castelo, em Viseu.
A rainha D. Isabel, por fim, encontrava-se mais tranquila. A absurda animosidade entre pai e filho, com a graça de Deus, parecia se ter extinguido para sempre. Entretanto, a sua paz não era plena, porque o esposo definhava-se, a cada dia; a cruel doença invadia-lhe o ser, atirando-o, por inúmeras vezes, ao leito, forçando-o a guardar repouso absoluto, por recomendação dos seus médicos. E a rainha rezava tanto; tantas espórtulas dava às igrejas, aos mosteiros e aos conventos, para que os religiosos juntassem às suas, contantes e incessantes preces, com o propósito de suplicarem a Deus a recuperação da saúde do rei, bem como andava ela a distribuir, ainda, a mancheias, imenso cabedal de esmolas aos pobres e estropiados que abundavam pelas ruas das cidades, sempre em nome e em intenção da recuperação da saúde do amado esposo que se abatia a olhos vistos.
E tanto se orou pela recuperação do rei e tantos foram os cuidados a ele dispensados por Isabel que, depois de alguns dias, o homem pareceu reequilibrar-se um tantinho, pelo menos, para recobrar, efectivamente, a sua capacidade de locomoção por si e, aos poucos, ir retomando as rédeas do governo; entretanto, a par do recobro da sua relativa saúde, desenvolvia-se-lhe, paulatina e concomitantemente, ao carácter, razoável montante de ranzinzasse e de sovinice sem igual, nunca antes notado em sua pessoalidade, a ponto de meter-se ele a vigiar tudo o que havia nas despensas do castelo e o que se gastava, diariamente, dos víveres ali armazenados. A avareza passava a dominá-lo, insistentemente, chegando a torná-lo ridículo, mesmo diante dos seus pares e de toda a corte que já passava a zombar e a se rir dele, pelas costas! Não poucas vezes já se lhe haviam escutado os estentóreos brados, a admoestar, ostensivamente, os pajens, os cozinheiros, os despenseiros e os ecónomos do castelo, pelos pretensos desperdícios de alimentos.
Isabel, sempre paciente e extremamente amorosa, seguia-lhe os passos, a vigiar-lhe o comportamento bizarro. Sabia que a tremenda carga emocional que dispensara, por tanto tempo, a conter as loucuras do filho, enfraquecera-lhe os nervos, a ponto de transformá-lo naquela pessoa iracunda e cruel. Não raras vezes, tinha o rei ordenado que se castigassem os serviçais do castelo, com as cem chibatadas, por faltas comezinhas e de somenos importância. Até mesmo com ela, Isabel, também já se houvera ele enfurecido, por diversas vezes, à frente de toda a corte, pela mínima contradição que ela demonstrara às atitudes absurdas que ele tomava.
Por último, andava ele a implicar, ostensivamente, que a rainha saísse com o seu séquito, como sempre fizera, desde sempre, a socorrer os desvalidos das ruas. E, nessas andanças que ela fazia, semanalmente, a percorrer os bairros mais afastados e mais miseráveis dos arredores da cidade, sempre ao lado de suas fiéis servidoras, nunca ia de mãos vazias; portavam cestos e mais cestos, repletos de víveres, de roupas e de remédios que distribuíam àquele mar de mãos mendicantes, a suplicarem o mínimo indispensável à manutenção da miserável vida que levavam...
E Isabel sempre os servia, e por eles todos era adorada!... Sabia, entretanto, que mais importante que a sua presença, para aquela gente miserável e sofrida, era a ajuda que ela lhes levava!... E, com o rei a vigiar-lhe, insistentemente, os passos, para que ela nada retirasse das despensas do castelo, tornava-se-lhe extremamente difícil continuar a fazer o que sempre fizera: levar o pão àquela multidão de aflitos!... E Isabel sofria. Punha-se a imaginar o desespero daquelas criaturas - mormente as criancinhas! - a serem martirizadas pelo monstro da fome, a roer-lhes as entranhas, e pior: a aguardarem, ansiosamente, a presença dela, a ministrar-lhes um pouco de lenitivo para aquele tormento!... Isabel sabia o quanto padeciam aquelas gentes e sofria junto com elas. Porém, achava-se impedida de ordenar aos cozinheiros que se pusessem a cozer aquela costumeira imensidão de pães, uma vez que o rei andava a vigiar, como incansável cão de guarda, todos os movimentos que se faziam nas cozinhas do castelo...
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Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini - Página 9 Empty Re: Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 21, 2024 10:37 am

- Oh, Ximena! - desabafa ela com a fiel dama de companhia, certa tarde em que ambas confabulavam a sós, na câmara da rainha. - Angustio-me, enormemente, por não mais podemos sair a visitar as ruas, a socorrer os necessitados... O rei vigia-me os passos! Nada lhe escapa à atenção!
- Senhora - diz a ama -, e se derdes a ordem a que cozam os pães de noite, quando o rei se achar a dormir, e sairmos a distribuí-lo, bem cedinho, antes da alva?
- Não sei, Ximena... - diz a rainha, reticente. - O rei anda muito nervoso e até mesmo cruel. Temo as consequências desse ato, se ele nos apanhar em flagrante! Nunca se sabe qual será a sua reacção!
- Tendes razão, senhora! - retruca a ama. - Pelo que já temos visto dos castigos que Sua Majestade mandou aplicar aos que andou pilhando em patente desobediência!... Uü... Dá-me arrepios!... Imaginai, senhora, o nosso lombo todo lanhadinho pelas chibatadas do carrasco!... Valha-nos Deus!...
- E esse o meu temor, Ximena! - diz a rainha. - Se nos surpreende a desobedecer-lhe as ordens!... Acho que nem eu mesma escaparei ao relho do verdugo!
- Será que teria ele coragem de mandar que vos surrassem, senhora? - pergunta a dama de companhia, tremendamente assustada.
- Se me manteve prisioneira em Alenquer... Esqueceste?... E, naquele tempo, nem não andava ele, ainda, com as ideias assim tão desordenadas!... Portanto, minha cara, não duvido de que o mandará fazer!... Não duvido, não!
- E o que faremos, então, senhora?
- Não sei, Ximena! - responde a rainha, pensativa. E, depois de instantes de funda cogitação, prossegue: - Por outro lado, nunca fui de deixar-me incomodar ou de intimidar-me por qualquer empecilho que fosse!... Por que haveria, então, de acovardar-me agora?... A sugestão que me deste, há pouco, apresenta-se excelente! Ordenarei aos padeiros que cozam os pães, durante a noite, e, pela madrugada, sairemos a distribuí-lo, mesmo antes que o sol nasça!
- Correrás, então, o risco, senhora?! - espanta-se a dama de companhia. E, mostrando-se, altamente arrependida: - Ah, eu e a minha boca grande!... - e a desesperar-se: - Não, senhora, eu não!... Eu não vou!... Por caridade, deixai-me fora dessa trapalhada!... Ai, por que não mordi a minha amaldiçoada língua?...
- Ora, Ximena, deixa-te de poltronices!... - diz a rainha, a ralhar com a desesperada aia. - Vais comigo e com as demais senhoras, sim, e pronto!... Sempre assim fizemos!... E, se nos apanha o rei, defender-vos-ei!... Nem tu e nenhuma das outras sereis surradas pelo carrasco, garanto-te!
- Não, senhora! - rebate a outra, extremamente desesperada. - Nem mesmo vós vos livrareis da mão do rei!... Vós já isso dissestes!... Se nem vós conseguireis escapar da ira do rei, quanto mais nós outras!... Não e não!
- Está bem, Ximena! - diz a rainha. - Se não queres, não tenho o direito de forçar-te a ir - e resoluta: - Irei com as outras damas! Tenho a certeza de que não se acovardarão, diante dessa possibilidade de sermos apanhadas pelo rei!
A dama de companhia fez-se pensativa por um tempo. Depois, arrependida, diante da atitude firme e corajosa da rainha, reconsiderou:
- Perdoai-me, senhora! - diz ela, ajoelhando-se diante de Isabel. E, tomando-lhe as alvas mãos, beija-as e prossegue: - Perdoai-me, pela minha covardia!... Junto-me a vós, também!
- Deus haverá de nos sustentar, Ximena! - fala a rainha, com extrema doçura à voz. - A fé que temos em Sua providência sempre nos tem amparado até aqui; por que então haveremos de duvidar que nos faltará agora?
-Acho que tens razão, senhora! - responde a aia. E, ousando encarar a rainha aos olhos: - Se o rei, eventualmente, pilhar-nos a desobedecer-lhe as ordens, apanharemos todas juntas, unidas, não é?... Penso que assim doerá menos...
Isabel não conseguiu sofrear o riso. Sua mais fiel dama de companhia era, efectivamente, bastante espirituosa.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 21, 2024 10:37 am

E assim fez Isabel. Naquela mesma noite, depois que o rei se recolheu a dormir, desceu ela à cozinha principal do castelo e ordenou aos padeiros que fizessem uma fornada extra de pães e que se achassem prontos para o alvorecer do próximo dia.
De manhã, aos albores da madrugada, estava ainda quase escuro, quando Isabel, após rezar longamente, diante da imagem da Virgem, em seu oratório particular, vestiu-se e, decidida, saiu. Suas damas de companhia já a aguardavam à porta da sua câmara. Em silêncio, o pequeno séquito da rainha dirigiu-se à cozinha. Os padeiros, conforme ela lhes solicitara na véspera, já tudo haviam preparado. Razoável quantidade de excelentes e perfumados pães amontoavam-se sobre grande mesa de carvalho. Satisfeita, Isabel ordena que repletassem cestos com aqueles pães. Em seguida, ela sobraça um deles e, cobrindo-o com o seu longo e pesado manto de veludo azul-celeste, põe-se em marcha. Suas companheiras, cada uma delas a carregar o seu cesto, imitaram-na. Lá fora, o sol lançava os primeiros dardos no horizonte.
Mantenhamo-nos no mais profundo silêncio, senhoras! - recomenda a rainha, em voz baixa. E ordena: - Vamo-nos!
Era inverno, o frio era intenso, a queimar-lhes o rosto, e Isabel, resoluta, caminhava à frente do grupo, pelas alamedas dos jardins internos do Castelo de São Jorge. Seus olhos redondos e azuis estavam firmes; seus lábios moviam-se, levemente, em sentida prece, dirigida à Virgem Mãe. Não sairiam pelo portão principal; iriam deixar o castelo por uma passagem secreta que dava ao exterior, através de pequeno túnel, cavado sob as colossais muralhas. Até a cidade, lá embaixo, seria uma boa caminhada. Isabel ia apressada, concentrada em sua oração. De repente, o inusitado: de detrás de grossa sebe, saltou-lhe, de inopino, à frente, o esposo. A rainha empalideceu. Receava que o marido descobrisse o que levava oculto sob o manto.
Saudaram-se, entretanto, de modo cortês e, barrando, ostensivamente, o caminho da rainha, pergunta-lhe D. Dinis:
- Aonde ides, assim tão de manhãzinha, senhora?
- Vou-me a arranjar os altares da igreja de Santa Cruz, senhor! - responde ela, firme.
- E o que levais sob o vosso manto, minha rainha? - pergunta ele. Por alguns instantes, Isabel hesitou, antes de responder:
- São rosas, senhor!
- Rosas, senhora?! - gritou, altamente encolerizado, o rei. - Rosas, em janeiro?!... 1Quereis enganar-nos, por suposto!
Sem perder, entretanto, a grande dignidade que sempre a caracterizara, Isabel, lentamente, solta a ponta do manto que trazia presa com a mão.
- Uma rainha de Portugal não mente, senhor! - responde ela, com firmeza.
E, tremendamente estupefactos, todos viram despencar, de onde sabiam existir apenas pães, uma catadupa de belíssimas e frescas rosas brancas, ainda molhadas pelo rocio... 2
Tal fenómeno arrancou, de todas as bocas ali presentes, um coro de expressões de espanto e de admiração. O próprio rei sentiu-se embasbacar diante daquilo, uma vez que tinha a certeza absoluta de que a esposa procurara enganá-lo. Acaso o chefe dos padeiros teria mentido, ao ir avisá-lo, logo em seguida ter recebido as ordens da rainha, para cozer quantidade exagerada de pães?... Não, o homem não poderia ter mentido! Era pessoa da sua extrema confiança!... Então?!...
- Perdoai-nos, senhora! - brada ele, altamente desapontado, a tomar a mão de Isabel. E, a beijá-la, humilde, prossegue: - Não sabemos, efectivamente, aonde fostes buscar tão frescas e excelentes rosas, debaixo das geadas de janeiro; entretanto, rendemo-nos às evidências! - e, afastando-se, algo confuso, arremata: - Segui com Deus o vosso caminho, senhora!
Isabel segue-o com os olhos, em silêncio. Depois, ordena ao grupo de mulheres que a observava em total estupefacção:
- Vamo-nos, senhoras! Os famintos das ruas aguardam-nos o socorro!
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 21, 2024 10:37 am

Retornando aos seus aposentos, aquele episódio martelava na cabeça do velho rei. Como poderia ter acontecido tal coisa?... Acaso não sentira, antes, o forte odor do pão recém-assado que a esposa, certamente, levava oculto sob o manto, e cujo cheiro peculiar, de repente, fora substituído pelo doce perfume das rosas que se lhe despencaram do colo, aos borbotões, lindas, frescas?...
- Foi um milagre... - murmura Dinis de Borgonha, com os olhos a encherem-se de lágrimas. - Isabel é uma santa!
O fato foi que, depois desse episódio marcante, o rei deixou de lado uma porção de manias que o tornavam assaz ridículo e intransigente e passou a privar da constante companhia que, prazerosamente, devotava-lhe a esposa; e, ainda, nunca mais impediu ou se interpôs entre ela e o seu costume de peregrinar entre os miseráveis de todos os lugares, a levar-lhes um pouco de conforto...
- Quando me for, que farás? - pergunta D. Dinis à rainha, estando ele acamado, já, por longo tempo, e ela, a fazer-lhe constante companhia, sempre a enchê-lo de agrados e de atenções.
- Oh, não digas tamanha sandice! - censura-o ela. - És forte como um rochedo e, certamente, ainda serás tu a mandar encomendarem-me a alma Deus!
- Sabes que não, minha rainha... - diz ele, a abrir um sorriso triste. -Vou-me muito em breve! - e depois de curto silêncio, durante o qual ele a olhava, cheio de embevecimento: Vamos lá: diz-me o que farás depois que me for...
- Se pensas que me vou atrás de outra paixão, esquece! - diz ela, a olhá-lo aos olhos. - És e serás o meu único amor!... Em meu coração, não há lugar para outro! E como prova do que te digo, já fiz exarar um documento no qual prometo vestir o hábito de Santa Clara, caso fique viúva e, ao mesmo tempo, disponho, por mera formalidade que, se, por acaso, venha a falecer antes, que seja sepultada com o mesmo hábito.
- Oh, fizeste isso? - exclama o rei, altamente admirado. E, a olhá-la, com os olhos rasos de lágrimas: - Também já convoquei os tabeliães e lhes ditei um codicilo, a alargar, mui expressivamente, as tuas posses e rendas!
- Oh, já tenho o suficiente! - exclama a rainha. - Para que precisarei eu de tanto dinheiro?
Melhor para ti, que sabes muito bem o que fazer com o teu ouro! -exclama o rei. - Por mim, preferiria deixar o reino aos teus cuidados que a outros que da coroa só extrairão desgraças!...
- Referes-te, acaso, a Afonso! - pergunta a rainha.
- Sim, minha cara - responde ele, com fundo suspiro. - Se te achares ainda viva, serás testemunha do que te digo!... Verás como terei razão!...
- Oh, crês mesmo que o nosso filho tornar-se-á um tirano, quando te suceder?
- Quanto a isso, não guardo qualquer dúvida e temo, principalmente, pela vida de Afonso Sanches!
-Não!... - rebate a rainha. - Juro-te que, se ainda viver, não permitirei que Afonso cometa tamanha barbárie, tornando-se um fratricida!
O rei limita-se a olhá-la. Curto silêncio estabelece-se entre ambos. Apenas mantinham os olhos cravados uns nos outros.
-Apanha lá o meu arrabil, querida - pede o rei, rompendo, por fim, o silêncio. - Desejo cantar para ti!
-Ah, não devias esforçar-te! - ralha a rainha. - Ainda te encontras mui fraquinho...
- Oh, tu te preocupas à toa! - ri-se ele. - Consideras-me, assim, tão debilitado que não possa cantar uma canção para ti?... Pois te digo que me restam forças ainda suficientes para cantar não uma só cantiga, mas um serão inteiro!...
- Se achas...
E, ajeitando-se sobre as almofadas, em seu leito, o rei põe-se a executar, magistralmente, o seu instrumento.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 21, 2024 10:37 am

No tempo certo da melodia, sua voz entra, um pouco débil, mas ainda clara e gentil:
Um pastor se queixava
muit', estando noutro dia,
e sigo medes falava
e chorava e dizia
com amor que a forçava:
"— Par Deus, vi-t 'em grave dia,
Ai amor!"

Ela s 'estava queixando,
come molher com gram coita
e que a pesar, des quando
nascera, nom fora doita;
porém dizia chorando:
"— Tu nom és senom mià coita,
Ai amor!"

Coitas Ihi davam amores,
que nom Ih 'eram senom morte,
e deitou-s 'antr 'üas flores,
e disse com coita forte:
"— Mal ti venha per u fores,
ca nom és senom mià morte,
Ai amor!" 4

-Mui linda!... Lindíssima!... - brada a rainha, ao fim da execução da canção, a bater palmas, efusivamente. - Cantas, ainda, maravilhosamente bem!... Como dantes!...
- Se dizes, é porque é verdade! - exclama o rei, a abrir um sorriso pleno de satisfação. - Da tua boca não costumam sair veleidades ou falsidades!
Isabel, entretanto, por dentro, enchia-se de melancolia e de tristezas. Percebia o intenso palor que cobria as faces do esposo, ao mínimo esforço que ele fazia. E, à simples ideia de que aquele homem extremamente garboso, gentil e cavalheiresco, que a encantara sempre com sua inteligência e ponderação, andava a finar-se, pouco a pouco, fazia-a angustiar-se, enormemente. No fundo, sabia que ele tinha razão, quando se preocupava com o futuro do reino; o filho herdaria a coroa, certamente, mas nada carregava dos traços do pai: nem física nem moralmente, Afonso saíra-se ao pai!...
Como eram diferentes!... Quem não os conhecesse não os situaria, jamais, como pai e filho!... Entretanto, o outro, o bastardo, Afonso Sanches, era-lhe mais aproximado aos traços físicos e aos modos de agir e de pensar. Tinham ambos quase os mesmos gostos, partilhavam as mesmas ideias... Eram cultos, ponderados e, também, ligados às coisas de Deus!...
Já o filho, desde pequenino, mostrara-se irascível, genioso, rebelde e amante das armas, tanto que se revelara estrategista ímpar!... Em questões religiosas, resumia-se a executar, friamente, os sacramentos, na quantidade mínima exigida pela Igreja... Percebia-se, claramente, nele, quase que uma aversão ao que era sagrado e às necessidades e cuidados para com a alma!... Quão diferente era do pai e do meio-irmão!
Isabel olha o esposo que, recostado às almofadas, repousava, de olhos cerrados. O pequeno esforço de executar o arrabil e de cantar para ela cansara-o.
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Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini - Página 9 Empty Re: Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 21, 2024 10:37 am

As feições do velho rei murchavam, patentemente: os olhos fundos, encovados, rodeados de escuras olheiras; a face e a larga testa, grandemente enrugadas; o nariz, ligeiramente adunco; os bastos bigode e barba, já totalmente encanecidos, deixavam-lhe a tez ainda mais branca. "Estás morrendo, meu amor!...", pensa ela, com infinita tristeza, e grossas lágrimas rolam-lhe face abaixo. Segurava, entre as suas, as mãos do esposo e as sentia álgidas, quase sem nenhum sinal de vida mais...
"Às vezes, imagino se não tinhas razão em fazer rei o outro teu filho, e no lugar de Afonso... ", pensa Isabel. "Será que, ao instar tanto para que não deserdasses o nosso filho, não terei cometido grande erro?... Sempre insististe nesse ponto: preferias o outro, em detrimento do teu filho legítimo!..."
Nesse comemos, o rei abre os olhos.
- Que andavas a pensar? - pergunta ele, apertando a mão de Isabel.
- Oh, nada pensava de especial - mente ela, abrindo um sorriso. -Apenas rezava, para que Deus te devolva, bem ligeiro, a saúde!
- Oh, desta vez acho que Ele não te ouvirá, minha cara! - brinca Dinis de Borgonha, esforçando-se por abrir um sorriso. - Ando aos cacos!...
- Para Deus nada é impossível, meu amor! - diz ela, apertando-lhe, forte, a mão. - E preciso não duvidar nunca!
- Eu sei, meu amor! - fala o rei. - E tu sempre me deste razões ímpares, a provar-me que sempre estiveste com a razão!... Não sabes o quanto és a responsável pela ardente fé que mantenho em Deus!
- Ao nosso filho, entretanto, não pude fazer enxergar a grandeza de Deus! - diz Isabel, com um laivo de tristeza, a perpassar-lhe pelos olhos. - Sempre se manteve arredio e avesso às coisas da alma!
- Tu não falhaste, meu bem! - observa o rei. - Acho que, quando a pessoa não tem ainda a capacidade de estender o seu olhar para as alturas, toma-se-lhe muito difícil acreditar nas maravilhas da criação divina!... E assim que ocorre com Afonso: seus olhos encontram-se assestados para baixo, tão-somente!... É-lhe impossível levantá-los e desviá-los do que não sejam interesses mundanos!... Coisas da alma, simplesmente, não lhe interessam!
-Acho que tens razão! - assente Isabel. E, depois de pequeno silêncio: - E me pergunto, hoje, se não tinhas razão em ameaçá-lo com a exerdação!
- Sabia que, um dia, ainda me darias razão!... - observa o rei, com fundo suspiro. - E rezo, minha querida, para que aquilo que tu e eu empenhamos em evitar, por todo o tempo - uma guerra fratricida -, que, se ainda não aconteceu, por conta da minha e da tua ingerência constante, não venha, contudo, macular o solo português, mui em breve!
- E o que temo, querido... - diz a rainha, a fitar o esposo. - Até quando a bondade de Deus manter-nos-á por aqui, a cercear as loucuras de Afonso?
O rei, tornando-se intensamente triste, faz um gesto inane com a mão. E, depois de curto silêncio que se estabelecera entre ambos, diz ele:
- Sabes, querida, muito me tem vindo à lembrança a nossa saudosa Constança... -e, com os olhos a encherem-se de lágrimas: - Quão pouco a tivemos connosco e quão jovem foi-se ela!... Tenho sonhado, amiúde, com a nossa menina!...
- Deveras?! - interessa-se a rainha, empertigando-se, e a ter, repentinamente, os olhos tomados de brilho intenso. - E o que te disse ela em sonho?
- Constança revelou-se-me da mesma forma de quando se finou: bastante jovem e, mostrando-se cheia de melancolia, abraçou-se, fortemente, a mim e me sussurrou ao ouvido: "Urge que mandes selar o teu cavalo, pai... ", e, osculando-me, depois, à face, foi-se, a meio de espesso nevoeiro!... Nada mais, além disso!
- Oh, não te deixes influenciar pelos sonhos, querido! - diz a rainha, apertando-lhe, forte, a mão. - Constança amava-te tanto que, certamente de onde se encontra, anda a preocupar-se com a tua saúde, nada mais!
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Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini - Página 9 Empty Re: Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 21, 2024 7:00 pm

-Acho que não, minha querida! - diz ele, com a voz triste. - Entendi, muito bem, o recado que a minha filhinha endereçou-me!... Devo preparar-me, para fazer a minha viagem... - e, a abrir um sorriso, no meio daquela tristeza toda: - Sabes, meu amor, o que me consola é que guardo, no recôndito do meu ser, a certeza de que, após a nossa morte, voltaremos a ver os nossos queridos que se foram antes de nós!... Não me perguntes como isso se dará, mas te garanto que agora assim sinto, verdadeiramente, dentro de mim!...
- E se te disser que assim é e que, amiúde, vejo e até converso com os nossos queridos que já passaram pelo enigma da morte!
- E verdade! - diz o rei, a mostrar-se altamente interessado. - Tu já me revelaste, no passado, que conversavas com o teu avô!...
- Sim! - prossegue Isabel. - Não só o meu querido avô veio ter comigo, por diversas vezes, mas também o teu irmão Afonso – lembras-te? -, na questão da herança com as filhas dele!
- Sim! - responde o rei. - A época, não te dei crédito; tinha-te, às vezes, por demais fantasiosa! - diz ele, com ligeiro sorriso. - Mas, o tempo passa, e as nossas experiências, na vida, fazem-nos mudar o nosso pensamento!... E, como podes bem notar, já não considero tudo isso como simples devaneios da tua cabeça!
- Fico feliz em saber que ora assim pensas! - exclama ela, a beijar-lhe as mãos. - Dessarte, posso conversar contigo sobre tais questões, mais objectivamente, sem quaisquer reservas!
- Faz-me esse favor, querida! - diz ele. - E, de antemão, peço-te perdão, por não te ter dado crédito, desde sempre!
- Em relação à Constança, por exemplo - prossegue Isabel -, estive com ela, após a sua morte, e, juntamente com o meu avô, livramo-la do purgatório, onde se arrojara, por conta da sua morte prematura, causada por algumas malogradas tentativas de suicídio. - O quê?! - espanta-se Dinis de Borgonha. - Dizes que a nossa querida Constança andou a atentar contra a própria vida?!... Como?!...
- Poupei-te desses dissabores, à época, meu senhor, por conta do que poderia disso advir, se de tudo soubesses!... Tenho a plena certeza de que, se ficasses sabendo do quanto o esposo e a corte castelhana andavam a maltratar a nossa filhinha, por certo tu haverias de te haver arremessado sobre eles, com toda a tua força e a tua fúria!... Já imaginaste o que daí não teria advindo para ambos os reinos?... Quanta ruína e quanta gente não haveria, então, perdido a vida?
- Por Deus, Isabel!... - explode o rei, tentando levantar-se do leito. E, a demonstrar excessivo furor: - Como pudeste ocultar-me tamanha afronta?!...
- Oh, acalma-te, meu bem! - diz a rainha, procurando contê-lo e o forçando a manter-se deitado em sua cama. - Tu não te encontras mais capaz de tamanhas exaltações!... E, além do mais, tudo já passou!... Não há como voltar atrás!
- Oh, tu me enganaste! - geme o rei, a tomar-se de forte apneia. -Permitiste que aqueles desgraçados castelhanos judiassem de minha queridinha, a ponto de ela procurar o abreviamento da própria vida!... Oh, quero vingar-me!... - grita o rei. - Morte àqueles desgraçados!...
- Ora nada mais podes fazer, meu querido!... - diz a rainha, procurando acalmá-lo. - Todos os incluídos nesse caso já se foram: Constança, Fernando, Dona Maria de Molina...
- Mas os desgraçados cortesãos de Fernando e seus herdeiros ainda lá se acham...
- Afonso é o rei de Leão e Castela, agora, e, também, o nosso neto, esqueceste? - diz Isabel, firme. - Terias coragem de vingar-se do teu genro, perseguindo o nosso neto?... Que culpa tem ele dos erros do pai e, além disso, o filho de Constança ama-te e te respeita muito, como bem o sabes!... - e, encarando-o, firme: - E, ainda, posso garantir-te que, do modo enfraquecido como te encontras, sequer conseguirias manter-te a prumo sobre o teu cavalo, por um mínimo de tempo!... Ora, meu querido, deixa a Deus a cobrança dos débitos do teu genro para com a nossa querida Constança1.... Tenho a certeza de que a Divina Justiça encarregar-se-á de cobrar-lhe tudo o que deve à vida!
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Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini - Página 9 Empty Re: Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 21, 2024 7:00 pm

- Oh, Isabel, gostaria de ser como tu! - rebate o rei, altamente inconformado. - Entretanto, o meu coração só se sente em paz quando a minha mão castiga o meu ofensor!... Neste momento, o meu peito inflama-se de incontido ódio aos castelhanos pelo que fizeram à minha adorada filhinha! - e, a mostrar-se grandemente indignado: - Consegues aquilatar tamanho cabedal de covardia quanto o foi esse, cometido por nosso genro?... - e a esconjurar, assaz ofendido: - Oh, como fui imbecil em confiar cegamente naquele maldito!... E Dona Maria de Molina!... Vais dizer-me que não sabia ela de tudo?
- Dona Maria de Molina sabia de tudo, sim, meu querido - explica a rainha. - E protegeu Constança da sanha de Fernando o quanto pôde! Entretanto, nem mesmo ela conseguia detê-lo, e até dele acabou por receber inomináveis tripúdios! Não teve ele, acaso, a desfaçatez de acusá-la de improbidade na regência do reino e a cobrar-lhe pretensos desvios do erário? Chegou até mesmo a inculpar, publicamente, a pobrezinha, de ter furtado as jóias da coroa!... Que se poderia aguardar de pessoa detentora de carácter assim desprezível? Não poupou nem mesmo a própria mãe que sempre primou e zelou para que o desalmado não perdesse a coroa aos usurpadores!
- Maldito! - rosna Dinis de Borgonha, entre dentes. - E eu a dar-lhe suporte, para que o tio não o destronasse, e a mediar-lhe a contenda com o teu irmão Jaime]... Pena que esse infeliz já se finou, senão iria sentir o peso da minha espada! - e, depois de cogitar por instantes: - Mas como conseguiu Constança ocultar-me por todo o tempo que o marido e seus sequazes ultrajavam-na, constantemente?... Acaso lá não estivemos a visitá-la, por algumas vezes?... No entanto, mostrou-se sempre jovial e bem disposta!... Por que é que não nos aproveitou a presença e não delatou os maus tratos que recebia daquela súcia?
A mim, entretanto, nada passou despercebido, meu caro - observa
Isabel. - As mães costumam mostrar-se mais perspicazes em questões como essa. Pressenti que algo ia mui mal, na vida de nossa filhinha, e me bastou apenas pressioná-la! Relatou-me, sem nada ocultar, a terrível provação que levava na corte castelhana que nunca a aceitou!
-Não a aceitou porque o próprio marido a vituperava! E, certamente, fazia-o, às claras, em público, expondo-a ao mais cruento ridículo!
-Assim foi... - confirma Isabel.
- E Dona Maria de Molina1? - indaga o rei. - Nada fez com o propósito de barrar essa monstruosidade que o filho fazia à jovem esposa?... Sempre a tive como dama cordata, possuidora de altas qualidades morais!
- Mantive sério colóquio com Dona Maria - responde Isabel -, mas percebi que pouca ou quase nenhuma ascendência mais possuía ela sobre o filho!... Mostrou-se altamente condoída pela situação de Constança e me confessou achar-se, ela mesma, presa de calúnias e de perseguições encetadas pelo filho e pela sua corte constituída de ignóbeis homens e mulheres tão desprezíveis quanto o seu soberano!
- Pobre Constança] - murmura Dinis de Borgonha, a menear, tristemente, a cabeça. - Posso imaginar o quanto sofreu a minha bonequinha em mãos tão abjectas! - e, depois de pensar por instantes, volta a perguntar: - Mas como conseguiram esconder de mim tamanho vitupério, por todo o tempo?
- Pela forte amizade que detinhas com o teu genro, não percebeste e sequer quiseste saber daqueles que procuraram chamar-te a atenção sobre tamanha desfaçatez!... - diz Isabel. - Da parte que me cabe, sabes que jamais te levaria tais coisas ao conhecimento, e tudo o que pude ocultar de ti, eu o fiz! E disso não me arrependo, pois sei que assim evitamos o derramamento de sangue e a ocorrência de mais uma guerra que, quiçá, teria perdurado por anos e anos...
- Oh, confesso que fui cego, sim, em relação aos castelhanos, minha cara - fala o rei, mostrando-se altamente arrependido. - Tens razão: pequei por excesso de confiança! Meus olhos achavam-se obnubilados pela presunção! E, por conta desse meu erro, minha adorada filha pagou com a própria vida!
- Constança foi um mártir, na realidade, meu querido - diz Isabel. -Se eu tivesse desejado salvá-la, bastaria ter despejado aos teus ouvidos tudo o que eu sabia; entretanto, decidi-me por evitar mais essa tremenda tragédia que, fatalmente, abater-se-ia sobre os dois reinos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 21, 2024 7:00 pm

Escolhi, então, oferecer a minha filha em holocausto, para que houvesse paz!... Não sabes o quanto padeceu o meu coração de mãe e o quanto supliquei a Deus, para que isso não acontecesse. Mas foi inevitável: tive que imolar a minha filhinha do coração, para que muitos vivessem, e a desgraça não se abatesse, uma vez mais, sobre o reino...
- Mas por que Constança nada me disse? - custava ao rei aceitar a passividade da filha, diante de vida tão degradante. - Éramos tão amigos ela e eu...
- Eu e Dona Maria de Molina muito conversamos sobre essa questão, meu caro! - explica Isabel. - Encontrei-me com ela, algumas vezes, como bem o sabes, e confabulamos sobre tão delicado assunto. Não penses que aquela gentil senhora mostrava-se insensível ao que acontecia à nossa filha!... Pelo contrário!... Eram ambas mui amigas; conforme é do teu conhecimento, Dona Maria foi a tutora de Constança, uma vez que a recebeu de nós ainda meninazinha de poucos anos, e lhe foi a mãe substituta; entretanto, ela mesma nada mais pôde fazer, por si mesma e por Constança, depois que o filho tomou-se rei e acabou por revelar-se bem acabado tirano! E, conhecendo o filho como conhecia, aconselhou-nos a nada te revelarmos, como prevenção do que poderia advir da tua reacção, se de tudo tomasses conhecimento!... Muito ponderamos, as três, sobre o assunto, e nos resolvemos por deixar nas mãos de Deus a solução de tal impasse.
Dinis de Borgonha cala-se, altamente amargurado. Agora, nada mais, efectivamente, poderia fazer, a não ser lamentar-se pelo triste destino que se reservara à sua adorada filha.
- No fundo, meu caro - diz Isabel, quebrando o pesado silêncio que se armara entre ambos -, Constança foi mais uma vítima das negociatas que se fazem entre os Estados. Para que servem, na realidade, as princesinhas?
- Como moeda de troca... - responde o rei, com infinita tristeza aos olhos. - Como contrapeso de barganhas...
E, pesado silêncio abate-se entre ambos. Lá fora, a tarde caía monótona. Isabel toma as mãos do esposo, entre as suas, e as aperta forte.
- Consola-te, meu amor, pois também nós, os reis, não somos donos dos nossos destinos... - diz ela, com intensa melancolia à voz. - Também nós não somos donos das nossas vidas...
___________________________________________________________________________________________________________
1. No hemisfério norte, em janeiro faz-se inverno.
2. Tal fenómeno enquadra-se no rol das manifestações de efeitos físicos em que os espíritos possuem a capacidade de manipular o fluido cósmico universal e causar, instantaneamente, a transmutação da matéria. "Sobre os elementos materiais disseminados por todos os pontos do espaço, na vossa atmosfera, têm os espíritos um poder que estais longe de suspeitar. Podem, pois, eles concentrar à sua vontade esses elementos e dar-lhes a forma aparente que corresponda à dos objectos materiais. " O Livro dos médiuns, Allan Kardec, cap.VIII, item 127. Feb, 56ª ed.
3. É sabido que o rei, durante todo o seu casamento com D. Isabel, presenteou-a com uma série de V1'as e castelos, tomando-lhe a renda anual superior a 40 000 libras.
4. A composição acima, intitulada "Um pastor se queixava", é a primeira das três pastoreias compostas por D. Dinis. Tradução livre do galaico-português:
Uma pastora se queixava
muito, estancio noutro dia
e consigo mesma falava
e chorava e dizia
com amor que a forçava:
"- Por Deus, vi-te em doloroso dia.
Ai amor!

Ela se estava queixando,
como mulher com grande sofrimento
e que apesar, desde que nascera,
jamais fora tanto; porém dizia chorando:
"- Tu não és senão meu sofrimento,
Ai amor!"

Sofrimentos lhe davam amores,
que não lhe eram senão morte,
e deitou-se entre umas flores,
e disse com dor forte:
"-Mal te venha por onde fores,
pois não és senão minha morte,
Ai amor!"
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 21, 2024 7:01 pm

Capítulo XXVII - O adeus a D. Dinis
Iniciava-se o ano de 1325. O rei e a rainha de Portugal achavam-se em Santarém. Fazia alguns meses que o monarca encontrava-se altamente enfermo, sem quaisquer perspectivas de obter melhoras. Contava, por essa época, sessenta e três anos e sentia as forças esvaírem-se-lhe, rapidamente, em consequência da contumaz doença que o acometia, fazia já alguns anos. Haviam, ele e a esposa, buscado os excelentes ares daquela cidade interiorana, erigida no coração do Ribatejo e cercada de vastas planícies verdejantes, a estenderem-se, ondulantes, até o horizonte longínquo.
- Aprazem-me os ares do Ribatejo... - diz o rei a Isabel, certa manhã do princípio de janeiro, quando ambos aqueciam-se do intenso frio, junto ao fogo. Entretanto, a palidez e a debilidade do monarca eram patentes.
- Penso que deveríamos ter ficado em Lisboa, onde o frio anda a fazer-se menos intenso - observa Isabel, altamente preocupada com a aparência depauperada que exibia o esposo. - Na corte terias mais conforto que aqui!
- Lisboa, às vezes, cansa-me! - rebate o rei. - E o meu espírito nunca se aquietou num só lugar. A monotonia traz-me inquietações!... Tu bem me conheces...
- Mas não te encontras mais em condição de andares cá e lá, à cata de emoções, meu caro! - redargui ela. - Não tens mais idade para saíres a desentocar aventuras, como sempre fizeste; a tua saúde tem piorado muito, e o melhor que fazias era aquietar-te num só canto...
- A espera das gafas da morte, queres, naturalmente, dizer-me...
- Oh, não ponhas palavras na minha boca!... - ralha ela. - Penso no teu resguardo!... E como sei o quanto és teimoso...
- Estou no fim, minha querida... - diz ele, com fundo suspiro, e, tomando-lhe as mãos, prossegue: - Entretanto, o que me consola e me faz realmente feliz, nestes meus derradeiros dias de vida, é a graça de ter-te sempre ao meu lado, a consolar-me e a ajudar-me a suportar as dores e o sofrimento!...
-A dor faz parte do viver, meu querido! - diz Isabel, buscando suavizar-lhe, de algum modo, o padecimento. - Se observares em redor, verás que todas as criaturas sofrem!... - e, depois de cogitar por instantes: - Desconheço, ainda, a razão da existência da dor entre nós, mas creio que, se Deus a colocou presente na vida de todas as Suas criaturas, é porque ela deverá encerrar em si uma causa muito forte, não concordas?
- Tens razão - assente o rei. - Na humanidade até que se consegue entender a razão da dor, uma vez que somos criaturas capazes de fabricar, intencionalmente, o mal e, consequentemente, merecedoras de castigo; entretanto, o que dizer da ocorrência da dor, na vida dos animais? Que mal cometem eles?
- Nenhum - responde Isabel, pensativa. - Entretanto, sofrem dores tão excruciantes como qualquer um de nós!
- Estariam recebendo castigo em consequência de quais actos, se nenhum mal cometeram, deliberadamente?
-A razão impele-nos a concluir que a dor, então, não advém apenas como consequência das faltas cometidas!... Deverão existir, ainda, outros factores a desencadeá-la. - observa a rainha.
- E te pergunto: por que sofreu Jesus?... Quais crimes houvera Ele cometido para que O tivessem humilhando tanto e acabassem por crucificá-lo como um mísero malfeitor qualquer?
- Nenhum crime Jesus cometeu, meu querido! - responde Isabel. -Daí eu entender que a existência da dor ainda guarda inextrincáveis mistérios a serem desvendados!
- Hás de convir que a vida reserva-nos, ainda, uma infinidade de enigmas a revelar, não concordas?
- Se não entenderes que tudo que existe no mundo provém de uma Causa Inteligente, de fato, muito há que ser esclarecido, ainda, em muitas situações que, aparentemente, se nos afiguram cheias de injustiça... Basta que olhemos em redor... - responde Isabel. - À parte que me toca, entretanto, não ando a cogitar, relativamente, às pretensas injustiças cometidas pelo Criador. Contento-me, outrossim, em tributar-Lhe sabedoria máxima acerca de tudo o que criou, e minha alma não entrou, jamais, em conflitos ou em revoltas. E uma questão de aceitação e de submissão à Vontade Maior, tão-somente... E, se assim passares a encarar as dores e os dissabores que te vêm à existência, mais leve parecer-te-á o fardo a carregar...
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 21, 2024 7:01 pm

- Gostaria que a minha fé fosse assim do tamanho da tua, minha cara! - diz o rei, um tanto desolado. - Sempre me foste o exemplo de coragem e de confiança no poder de Deus, diante das grandes provações que, amiúde, bateram-te à porta da existência!... Entretanto, nunca te deixaste, efectivamente, tomar pelo desespero ou puseste em dúvida o poder da tua fé, mesmo frente às mais acerbas aflições!
- Tens razão! - concorda a rainha. - Tudo isso me brota do coração, espontaneamente, e tenho a absoluta certeza de que o Poder Maior - Que sempre Se me tem mostrado extremamente potente e presente, até o presente momento - tem-me suprido, invariavelmente, as minhas fraquezas e as minhas deficiências, diante das tantas incertezas e vacilações que a minha alma já viveu neste mundo!... E tal resultado, creio, é consequência do poder da fé inabalável e absoluta que deposito em Deus...
Dinis de Borgonha limita-se a olhar para a esposa, altamente admirado pelas suas palavras de profunda sabedoria, em relação a questões tão obscuras, pertinentes à vida e suas complexidades.
Lá fora, o dia marchava monótono e cinzento. O vento do Norte sibilava furioso, trazendo os rigores do inverno inclemente.
- Que farás quando eu não mais aqui estiver, a seroar contigo, nas tardes tão frias como esta? - pergunta o rei, a abrir um sorriso cheio de tristeza.
- Que farei sem ti? - responde Isabel, tomando-lhe as álgidas mãos entre as suas e, a beijá-las, delicadamente, prossegue: - Posso garantir-te que as coisas sem ti não serão as mesmas, meu amor!... Os campos do Alentejo não serão mais tão alegres e tão joviais como o foram, posto que o vento que neles sopra não carregará mais, em suas asas ligeiras, a tua risada, nem a tua maviosa voz, a cantar as tuas cantigas... - e com os olhos a marearem-se de lágrimas: E nem Lisboa, nem Sintra, nem Ourém, nem Coimbra, nem o Porto, nem Leiria, nem nada mais será a mesma coisa, para mim, sem a tua presença... E nem Portugal e nem o mundo serão os mesmos, porque o teu porte altivo, robusto e seguro, a cavalgar, destemido, o teu corcel, não mais será visto, em quaisquer paragens desta terra... E a mim, reservar-se-á, tão-somente, o triste cumprimento do resto dos dias que Deus reservou-me neste mundo!
- Oh, meu amor!... - fala Dinis de Borgonha, altamente emocionado pelas palavras da esposa. E seus olhos inundam-se de pungentes lágrimas, enquanto exclama: - És uma santa!... Deus agraciou-me com um anjo por companheira!... - e súplice: - Vai lá: diz-me o que desejas, que te darei neste instante!... - e a acariciar-lhe, ternamente, o rosto com a ponta dos dedos: - Queres a coroa até a tua morte?... Dou-ta, por testamento, e, só depois que te fores, então, é que Afonso a cingirá... E, destarte, evitaríamos uma série de problemas... Nosso filho não ousaria levantar-se contra ti, Q Afonso Sanches estaria a salvo!... Vamos, aceita-a!... Basta que me digas uma palavra, tão-somente, e ordenarei aos escrivães redigirem novo codicilo, pondo-te como minha herdeira universal!
- Oh, que faria eu com mais uma coroa? - diz ela, a abrir ligeiro sorriso, cheio de humildade. - O peso de uma só já me basta e, além do mais, não creio que Afonso aceitaria, passivamente, esse teu procedimento!... Tomaria tudo à feição de traição e viria, sim, reclamar-me o que lhe pertence por direito de nascimento!... - e a olhar, fixamente, nos olhos do amado esposo: - Deus deu-me a ti, e isso era tudo o que eu desejava, meu querido!... Ora nada mais anelo, a não ser ver-te feliz e curado dessa tua moléstia!...
Pressinto ser impossível que se realize esse teu desejo, minha cara, mas, em lugar disso, deixa-me ditar novo codicilo, a aumentar-te a fortuna pessoal!... - insiste ele. - É o mínimo que posso fazer, pelo tanto que me fizeste de bem!... 1
- Tudo que fiz a ti, foi por amor, e o amor não admite cobranças, pagamentos ou indemnizações!... O preço do amor é outro: é a presença constante da pessoa amada; são as atenções que a ela se dispensam; são os agrados, os mimos, as carícias, os segredos e as juras que se trocam; são as complacências, os perdões, as desculpas, a graça e a cumplicidade que sempre deverão existir entre ambos... A paga do amor é tudo isso... E tudo isso tu sempre me deste, pela nossa vida afora, esqueceste?...
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