LUZ ESPÍRITA
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Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

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Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini - Página 10 Empty Re: Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 21, 2024 7:01 pm

- Foi pouco...
- Pensando bem, tens razão - diz Isabel. - Foi muito pouco. Pela imensidão do amor que sinto por ti, teria sido necessária a eternidade toda como contrapeso à necessidade que tenho da tua presença constante!...
- Quisera que fosse tudo infinito, que nunca tivéssemos de nos separar...
- E o será, meu querido!... - diz ela, a beijar-lhe as faces marcadas pelas lágrimas. - Sê-lo-á!... Juro-to!... Nosso amor transcenderá à morte!
Isabel e Dinis abraçam-se. Ela soluçava baixinho, e ele se tomava de forte comoção. Sua respiração tornava-se difícil, penosa. Palidez intensa invadia-lhe as feições, já altamente vincadas pelas marcas do tempo. As cãs e a barba encanecidas, aliadas ao forte palor da tez envelhecida, davam-lhe um aspecto deplorável à fisionomia. A vida do rei mantinha-se por ténue fio, apenas.
Dinis de Borgonha finou-se a 07 de janeiro de 1325, e Isabel, após a realização de longas e exaustivas exéquias, sepultou-o no Mosteiro de São Dinis, em Odivelas.
Pouco tempo depois, já em Coimbra, D. Isabel e sua fiel dama de companhia confabulavam:
- Dizeis, então, senhora, que, doravante, estais propensa a professar? - pergunta Maria Ximenes Cronel.
- Oh, não, Ximena - responde a rainha. - Propus-me a tomar o hábito das monjas de Santa Clara, assim que me tornasse viúva, mas não pretendo, na realidade, professar. A mudança de trajes, que ora prefiro envergar, nada mais será que o sinal da minha lealdade à memória do meu saudoso esposo; nada mais que isso!... Além do mais, não pretendo fazer qualquer voto de obediência àquela ordem ou a qualquer uma outra.
- Não entendo, senhora... - diz a dama de honor. - Não é obrigatório, então, fazer-se o voto de obediência?
- Não, Ximena - responde a rainha. - Não existe tal obrigatoriedade.
E, não desejaria, em hipótese alguma, ver-me presa à clausura de um convento. Não é o que pretendo, pois, se assim fosse, acabaria por perder a autonomia dos meus actos e como poderia, depois - como costumo fazer, diariamente -, atender às necessidades dos miseráveis que enxameiam pelas ruas da cidade, sendo que deveria solicitar aos meus superiores a anuência para deixar a clausura ao que, talvez, viessem a impedir-me de fazer o que sempre fiz.
- Oh, tendes toda a razão, senhora! - diz a companheira da rainha. - Quem vos garante que não tentariam obstar-vos a saída diária, não é mesmo? Todos sabemos muito bem como costumam ser temperamentais esses religiosos...
- E também me faz lembrar o caso de Dona Maior Dias...
- E mesmo! - concorda a dama de companhia. - Pobre mulher!... A ela fizeram poucas e boas os cónegos do Mosteiro de Santa Cruz!... Lembro-me perfeitamente de tudo!... Moveram mundos e fundos, com o propósito de apoderarem-se da sua fortuna!
- Assim sói acontecer, Ximena, onde só imperam a impostura e a cobiça! - diz a rainha. - E a pobre viu-se prestes a ter os seus bens todos espoliados por conta da extremada cupidez de alguns poucos falsos religiosos! E o que pretendia ela era tão-somente tomar o hábito de Santa Cruz, para sentir-se segura, após a sua viuvez.
- E não correis o mesmo risco, senhora? - pergunta a aia da rainha, a mostrar funda preocupação. - E se fizerem convosco o mesmo?
- Oh, não creio que farão o mesmo comigo, Ximena - responde a rainha. - Ando já a precaver-me contra a desmedida cupidez dessa gente!
- E como fareis, senhora? Não ignorais, por certo, que os de Santa Cruz andaram a preparar uma série de armadilhas para a pobre D. Maior Dias!
- Sei muito bem o que lhe fizeram aqueles crúzios inescrupulosos, Ximena, quando ela, empregando a sua fabulosa fortuna, predispôs-se a erguer o convento de Santa Clara! Ao lhe tomarem conhecimento dessa intenção, ficaram extremamente irritados e intentaram embargar-lhe a obra, por diversas vezes, ameaçando-a, acintosamente, com a excomunhão e a alegarem que ela já professara naquele convento e, portanto, não era mais dona do seu destino.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 21, 2024 7:01 pm

D. Maior Dias não se deixou intimidar pelas ameaças e prosseguiu, até levantar algumas casas do novo convento. E, além do mais, embutido nessa trapalhada toda, a darem aos de Santa Cruz todo o apoio, havia ainda o interesse dos franciscanos em ocupar as edificações já feitas em Santa Clara.
- Sim, pois o convento dos franciscanos já andava a escavaçar-se todo pelas constantes cheias do Mondego - observa a aia da rainha.
- Facto que lhes ensejava apoderar-se da obra de D. Maior Dias, ao aliarem-se aos de Santa Cruz nesta sórdida massagada! - completa a rainha. - Mas, aquela valorosa mulher lutou, com unhas e dentes, com o propósito de dar continuidade à sua obra, só que, em contrapartida, aí é que se iniciavam as verdadeiras e terríveis perseguições, a transformarem-lhe a vida num inferno2, até a pobre finar-se3 entre angústias e temores de que os seus detractores viessem, uma vez mais, atrapalhar-lhe os planos.
- E a enfrentar imensas dificuldades, com as rendas a minguarem-se-lhe, enormemente, pois tivera que dividir a sua fortuna entre as duas ordens: Santa Cruz e Santa Clara! - diz a aia. - Ou os crúzios não lhe dariam trégua, a exigirem-lhe sempre mais e a impedindo de seguir adiante em seus propósitos.
- Mas ela foi em frente, apesar dos empecilhos que sempre lhe puseram ao caminho aqueles cobiçosos de Santa Cruz! - prossegue a rainha. - O convento de Santa Clara acabou por diminuir o tamanho, em razão do minguamento das suas rendas, mas D. Maior, ainda em vida, conseguiu, mesmo bem menor do que era o seu projecto inicial, concluí-lo e povoá-lo com algumas religiosas!
- E ainda - e não sei como! - conseguiu edificar o hospital de Seira! - observa a aia. - Como os de Santa Cruz intentaram impedir que ela levantasse aquela piedosíssima obra, a beneficiar os pobres daquela freguesia!
- E, depois de morta D. Maior, é que a demanda pelo seu espólio acirrou-se entre a vigaria de Santa Clara, D. Domingas Peres, e os crúzios, pois eles exigiram sine qua non que o convento fosse fechado - lembra a rainha.
- Tudo com o vil propósito de apossarem-se de todos os bens que a defunta deixara!
- Sim - continua a rainha -, entretanto, pouco antes de finar-se, D. Maior ditara um codicilo, a nomear seus testamenteiros os bispos de Lisboa e do Porto, facto que dificultou a tentativa dos crúzios de anular o testamento.
- Bem se precaveu ela, coitada! - observa a aia da rainha. - Mas de que lhe valeu essa precaução? Pelo que dessa embrulhada toda tomei conhecimento, os cónegos de Santa Cruz não desistiram e até conseguiram atrair D. João4 para o seu lado e dando uma pernada na vigaria de Santa Clara!... Como são espertos aqueles!
- Entretanto, a vigaria de Santa Clara não se mostrou nada imbecil: também cúpida e assaz esperta, fingiu achar-se do lado dos cónegos de Santa Cruz, a dar-lhes a promessa de que, feita a eleição da abadessa do convento, os bens todos, dados à sua confiança para a manutenção daquela entidade, seriam passados às mãos daqueles, sem maiores embaraços; entretanto, a arguta vigaria, sempre a lançar mão de artifícios bem engendrados, conseguia postergar sempre a eleição que, de fato, nunca chegou a acontecer.
- Espertíssima essa D. Domingas Peres! - diz a aia da rainha. -Como bem defendeu os seus interesses!
- E sabes muito bem, Ximena, o quanto essa contenda estendeu-se, pela demasiada teimosia dos crúzios como também de D. Domingas Peres em não cerrar as portas do Convento de Santa Clara!
- Nem mesmo a constante intervenção do bispo conseguiu pôr termo a essa peleja!
- Tampouco a solicitação feita ao papa por D. Soalhães conseguiu apaziguá-los, Ximena! O que os fez calarem-se e aceitarem - não sem ruidosos protestos, é claro! - foi a nossa ingerência no caso, com a ameaça de levá-lo à arbitragem dos magistrados!
- Só assim sossegaram, não foi?... Foi o medo de perderem a batalha que os fez aceitarem o acordo.
- Por fim, concordaram com a proposta que lhes fiz: ficaram com gorda fatia da herança de D. Maior que já detinham e acabaram por se contentar com ela, deixando a parte menor à manutenção do Convento de Santa Clara e do hospital de Seira!
Entretanto, a rainha, com o passar dos anos, e, aos poucos, foi aumentando as minguadas posses daquele convento, com uma porção de doações, até permitir que suas rendas próprias se lhe bastassem.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 21, 2024 7:02 pm

Ao enviuvar, D. Isabel tomou, imediatamente, o hábito das clarissas, mas não foi residir no convento por ela aparelhado; preferiu tomar outro destino: foi residir em Coimbra, sim, mas nuns paços que houvera comprado, anos antes, ao Convento de Santa Ana e situados junto ao Convento de Santa Clara, porém um pouco mais próximos ao Mondego. O casario adquirido pela rainha encontrava-se, à época, bastante avariado; entretanto, ela os mandou reconstruir e aumentar-lhes algumas partes, passando ali residir e deixando o lugar apenas quando necessidades prementes exigiam-lhe a presença, em outros cantos.
Nos primeiros anos da sua viuvez, ocupou-se em dar continuidade à conclusão da sua nova morada, mais a ampliação do convento e a construção de nova igreja para ele, uma vez que a antiga, a que fora construída por Dona Maior, por esse tempo, encontrava-se bastante avariada pelas constantes enchentes do rio Mondego.
A vida da rainha, por essa época, achava-se dividida entre a inspecção das obras que fazia erigir, mais a eterna preocupação que sempre lhe causara o filho, por sua natural impulsividade.
Certa manhã, ainda pelos inícios de 1325, andava ela por entre os canteiros de cantaria, a estudar, minuciosamente, os trabalhos de estereotomia que as mãos dos hábeis artesãos executavam com precisão, e confabulava com Maria, sua neta favorita:
- Trazem-me preocupações o que o teu pai impôs ao teu tio, Maria! - confidencia Isabel à neta que, apesar de contar apenas doze anos, já se tomara a principal confidente da avó. - Tenho a absoluta certeza de que a turbulência voltará a agitar o reino!
Oh, senhora - diz a outra -, credes, então, que D. Afonso Sanches irá afrontar o meu pai?...
- Não tenho a mínima dúvida quanto a isso, minha cara! - responde Isabel, a demonstrar intensa preocupação. - Conheço muito bem a ambos!... - e, após emitir fundo suspiro: - Teu saudoso avô advertiu-me, por diversas vezes, que, mal se apanhasse com a coroa à cabeça, Afonso arrojar-se-ia sobre o irmão como uma fera sanhuda!... E, conforme muito bem foi previsto pelo pai, a primeira acção de Afonso, como rei, foi decretar a proscrição de Afonso Sanches para Castela, retirando-lhe todos os títulos e bens! Dinis estava certo...
- Mas D. Afonso Sanches não se encontra, já, em Castela, há algum tempo, senhora?... Que temeis, exactamente?
- D. Sanches conspira, Maria - responde Isabel. - Tenho certeza disso!... E certo que não terá aceitado, passivamente, tamanha ofensa que lhe pespegou o irmão! Por seu lado, sei que se sente lesado, uma vez que, no fundo, até os últimos instantes, ainda anelava em ver o pai preferi-lo a Afonso, na sucessão!... E, em Castela, onde se exila, conta com muitos amigos e partidários, a darem-lhe guarida e não lhe será difícil armar-se contra nós!
- Pelo que dizeis, senhora, será bem possível que isso aconteça! - diz a jovem princesa. - E lá se vão os tempos de tranquilidade!
- Custou-nos tanto manter a paz no reino! - prossegue a rainha, com fundo desalento. - Não fosse o senso pacífico do meu querido Dinis, aliado à minha vontade de vê-los unidos e irmanados, o caos já se teria instaurado há tempos...
- Sei que o meu pai não saiu ao pai dele, senhora - diz Maria que, apesar da tenra idade, mostrava-se dona de invejáveis inteligência e argúcia. - Se o meu avô era pacífico e adorava cantar, o meu pai vive a ensejar a guerra!
- Tens toda a razão, querida! - concorda a rainha. Conhecendo o meu filho, como o conheço, o reino doravante não será o mesmo. Temo que teremos de deixar Coimbra, a postar-nos ao lado do teu pai; preciso convencê-lo a perdoar ao irmão!
De facto, conforme temia D. Isabel, notícias chegavam de Lisboa, a confirmarem-lhe as suspeitas: D. Afonso Sanches, armado de força que cooptara com aliados, em Castela, ameaçava a fronteira castelhana.
Decidida, D. Isabel parte para Lisboa. Carregava a penosa missão de impedir mais um confronto entre os dois irmãos. Difícil tarefa seria aquela; entretanto, não poderia permitir que o filho manchasse as mãos com o sangue do irmão.
- Deus haverá de dar-me a força! - confidencia ela à neta que a seguia, na viagem ao Sul. Sempre confiei n'Ele e na Sua Providência.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 21, 2024 7:02 pm

Quando D. Isabel chega a Lisboa, já se fazia tarde: o filho, à frente de numerosa força, antecedera-a, a enfrentar o irmão que invadia a raia castelhana. A rainha, então, não se deixou intimidar. Decidida como era, foi-lhe no encalço, mas só conseguiu alcançá-lo, quando a luta iniciava-se. E, destemida como sempre se mostrara, a cavalgar, determinadamente, a sua montaria, foi ao encontro do filho que se mostrou altamente surpreso ao ver a mãe que, uma vez mais, surgia no meio do calor de uma batalha.
- Enlouqueceste, senhora?! - ralha ele com Isabel.
- Tu é que andas a perder o teu juízo! - grita ela, a meio do vozerio e do estrugir da peleja selvagem. - Anda! Ordena que se execute o toque de retirada!... Abstém-te de mais essa trapagem que armaste!
Afonso de Borgonha quis protestar, mostrar-se irredutível, porém o olhar firme da mãe fê-lo amainar-se. Sabia que lhe era impossível sustentar a autoridade moral. Relutou um pouco mais, mas se deixou vencer. Com um gesto, chamou o capitão e lhe ordenou:
- Recolhamo-nos por ora!... Já se faz noite!...
Pouco depois, a sós, na tenda, com o filho, Isabel prossegue na tentativa de fazê-lo desistir de enfrentar o irmão.
- Teu pai tinha razão! - diz ela, olhando para ele que se mantinha cabisbaixo e carrancudo, e não procurava esconder a grande contrariedade que o invadia, por vê-la, uma vez mais, a intrometer-se em suas questões. - Mal te apanhaste com a coroa à cabeça, trataste logo de perseguir e escorraçar o teu irmão daqui!... - e, tomando-lhe a mão, a forçá-lo a olhar para ela: - Nem imaginas o quanto o teu pai deve andar a padecer, lá no céu, com essa tua atitude!
- Meu pai está morto! - ruge o rei. - Como poderá saber do que se Passa aqui?
~ Oh, muito te enganas, se pensas assim!... - diz a rainha. - Aliás, das coisas da alma, nada nunca te interessou, não é mesmo? Oh, meu filho, cuida para que não te percas, a meio de tanto orgulho e desmedida insensatez!... Prima pela paz com o teu irmão!... Tem o teu pai como exemplo!... Volta-te às questões mais prementes que andam a atormentar o teu povo!... Assim devem agir os reis de verdade!... A coroa serve-te apenas como instrumento de bem servires a Deus e ao teu próximo, não para te locupletares das vantagens que ela, pretensamente, oferece-te!
Afonso limita-se a olhar para a mãe, meio pasmo. Que coisas eram aquelas que andava a dizer?...
- Talvez te seja difícil entender o que te digo, meu filho, porque as trevas da ignorância impendem-te de enxergares as coisas de Deus! -prossegue Isabel, na difícil incumbência de convencer o filho a perdoar ao irmão. - E ignoras, completamente, que eu e o teu pai sempre nos preocupamos de como seria a maneira como tu reinarias sobre Portugal!... E o teu pai sempre se tomou de altas apreensões sobre o que farias ao teu irmão e ao reino, quando chegasse a tua hora de auxiliares Deus na condução dos destinos do teu povo!... - e, altamente súplice: - Peço-te, meu filho, pela memória do teu pai, apazigua-te com o teu irmão!...
- Impossível o que me pedes, mãe!... - rebate Afonso, irredutível. E, em tom de desabafo: - Acaso sabes que foi isso que tanto anelei por toda a minha vida?... Ir à forra contra aquele maldito sempre foi o meu principal intento, uma vez me tornasse rei! E por que é que agora devo, então, desistir de vê-lo pagar por tudo que me fez passar?... Não, decididamente, não posso atender-te!... E, além do mais, sabias que o maior propósito dele é usurpar a coroa, é fazer-se rei em meu lugar?
- Não creio que o teu irmão teria qualquer chance de alcançar o que intenta! - O povo não o aclamaria rei jamais!... Sequer a Santa Sé o reconheceria como tal, uma vez que o teu pai o reconheceu, mas nunca solicitou a sua reabilitação ao papa!... Sossega, que tudo andou a teu favor desde sempre!... Os teus devaneios e os dos teus amigos é que te viraram a cabeça!... E posso jurar-te que, no fundo, o teu pai jamais colocaria o teu irmão em teu lugar!
- Por que dizes isso, se tu mesma és testemunha de quanto o meu pai andou a tentar fazê-lo o seu herdeiro!... Como podes negar isso?
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 21, 2024 7:02 pm

- O sonho do teu pai era esse, não o nego; contudo, entre o desejo do teu pai e a necessidade de pôr os fatos de acordo com a lei, vai grande distância!... O teu pai não quis, nunca, indispor-se com a Santa Sé e, tanto isso é verdade que sequer intentou, uma só vez, pedir a reabilitação de Afonso Sanches ao papa!... Se, de fato, acreditasse ser fácil colocar o teu irmão no teu lugar, teria, ao menos, efectivamente, tentado, não concordas?
- Assim é... - responde o rei, depois de cogitar por instantes. - Mas, e Afonso, como é que agirá, doravante, se eu me resolver por perdoá-lo?... Acaso não tomará isso como fraqueza da minha parte e não prosseguirá a conspirar às minhas costas? Quem me garante que, ao permitir que regresse a Portugal, não fará isso?
- Eu te garanto!... - afirma a rainha, peremptória.
- E como farás isso?
- Peço-te, apenas, que confies em mim! - diz ela. - Eu criei Afonso Sanches e o eduquei da mesma forma que fiz contigo! E sei que me respeita tanto quanto a sua própria mãe!... Amanhã bem cedo, vou-me até ele! Tenho a certeza de que me ouvirá!
Mal amanheceu o dia, Isabel partiu para o acampamento de Afonso Sanches.
- Majestade!... - espanta-se o fidalgo, ao reconhecer a imponente figura de Isabel que lhe surgia, assim pela manhã, de inopino, à porta da tenda. - Que fazeis em tão inusitadas paragens?
- A dar-te um puxão às orelhas, maroto! - brinca Isabel com aquele cavalheiro educado, de finos modos, de carácter bem distinto daquele que exibia o filho. A semelhança dele com o falecido esposo era tamanha que Isabel sentiu o coração palpitar de tanta saudade.
- Tu te pareces demais com o teu pai! - exclama ela, depois de abraçar-se a ele, demoradamente. - Quanto mais o tempo passa, mais te assemelhas ao teu pai, em quase tudo!
- Se dizes, senhora! - diz D. Sanches, altamente lisonjeado. - Mas a que devo tanta honra?
Isabel não responde de imediato. Primeiro, organiza bem as ideias. Era preciso ir devagar, empregar diplomacia, para que a sua empreitada surtisse o efeito que desejava. Toma as mãos daquele homem gentil e airoso entre as suas e as aperta forte.
- Sabias, meu querido, que sempre foste o preferido do teu pai? - diz ela, olhando-o nos olhos. - E que ele anelava fazer-te o rei em lugar do teu irmão?
- Sim... - responde Afonso Sanches, meio reticente. - Sempre o soube. Meu pai nunca mo escondeu.
Isabel volta a silenciar, propositadamente, a fazer o filho de criação pensar sobre aquele assunto. Notava que ele se tomava de altas emoções.
- E ora te revelo que, pouco antes de se ir, o teu pai insistiu comigo que aceitasse a coroa, em lugar de Afonso, a proteger-te das investidas que este, fatalmente, desferiria sobre ti, assim que se achasse com o ceptro à mão!...
- E por que não aceitaste? - pergunta Afonso Sanches. - Terias evitado, sim, mais esse entrevero estúpido entre nós e que o reino caísse nas mãos de um déspota!
- Oh, não menoscabes a cobiça do teu irmão, Afonso! - diz a rainha. - Ele se lançaria, primeiro, sobre mim, a tratar-me como usurpadora da coroa e, depois de dominar-me, saltaria, em seguida, sobre ti!... - e altamente aflita: - Crês que, se soubesse haver a mínima oportunidade de evitar o que ora acontece, eu não teria aceitado o que me propôs o teu pai?... Por certo que sim!... Tu sabes que até a minha vida eu daria, sem titubei-os, a salvaguardar a ambos que, para o meu coração, sois os meus filhos amados!
Afonso Sanches toma-se de grande emoção, diante das palavras sinceras de Isabel. E, a abraçá-la forte, diz-lhe:
- Sabes que és para mim tão preciosa quanto foi a minha mãe! Mas, o meu irmão ofendeu-me fundo à alma, quando arrestou os meus bens e honras com que me presenteou o meu pai, além de me desterrar do reino!
- Sei que andas, agora, a conspirar...
- Sim, conspiro! - confirma o outro, a tomar-se de alta agitação. -Como quererias que eu reagisse?... Que passasse o resto dos meus dias na mais negra miséria? E, além do mais, sou o primogénito do meu pai, facto que me dá garantias e primazia sobre a sucessão!...
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 22, 2024 11:22 am

Acaso o meu pai não me reabilitou?... Que me custa pedir ao papa que também o faça? E porventura, não deste, também, a tua aquiescência?... Pelo que me consta, foste tu a pedir ao meu pai que me buscasse e me trouxesse a viver juntamente com os vossos filhos legítimos! - e, procurando acalmar-se, toma as mãos da rainha entre as suas e, após beijá-las, continua: - Perdoa-¬me o rompante, mas não o pude evitar!... Desculpa-me, pois tu de nada tens culpa!... Nunca tiveste!... És o anjo que sempre nos protegeu a todos!... - e depois de curto silêncio: - Tenho a plena consciência de que estás imbuída dos melhores propósitos, senhora, mas não vejo como Afonso irá reabilitar-me!
- Só te peço uma trégua - diz Isabel. - Retira-te, por ora, para o lado castelhano e aguarda! - e, buscando tranquilizá-lo: - Confia em mim!... Sei o que estou fazendo!...
- Dou-vos um voto de confiança, senhora! - diz Afonso Sanches, depois de pensar por alguns instantes. - Pelo que sempre foste pela tua vida toda, dou-te fé também desta vez!
- Deus te proteja, meu filho! - diz Isabel, plenamente satisfeita com a resposta dele. E, a estender-lhe a mão em despedida: - Por Jesus Cristo, Nosso Senhor, eu te juro: tu não serás passado para trás!... Tens a garantia do meu juramento!... - e para tranquilizá-lo ainda mais: - Se Afonso, eventualmente, negar-se a restituir-te tudo o que já foi teu, dar-te-ei o equivalente das minhas posses pessoais pelo que perdeste!
Afonso Sanches, tomado de forte emoção, ajoelha-se e, a apanhar, respeitoso, as níveas mãos de Isabel, beija-as, ternamente.
- Deus vos aumente a glória, senhora! - diz ele, com a voz embargada por forte emoção.
Isabel deixa o acampamento de D. Sanches e se volta para o lado do filho.
- Teu irmão concorda em baixar as armas, se tu o reabilitares! - diz ela, directa.
- Como conseguiste isso? - espanta-se o rei. E, depois de cogitar por instantes: - E que garantias terei eu de que ele não voltará a conspirar contra mim?
- Prometeu-me que nada mais fará contra ti, se cumprires o acordo que ora te proponho: devolve tudo o que ele tinha e que lhe foi dado pelo teu pai!... Nada retenhas do que não te pertence!
- Como não me pertence? - tentar ironizar Afonso. - Eu sou o herdeiro universal do meu pai!
- Imploro-te, Afonso! - diz a rainha, súplice. - Basta de contendas!... Amo a ambos na mesma intensidade e me despedaça o coração ver-vos, assim, em contínuos desentendimentos!... Por Deus, meu filho!... Considera o que te peço!... Era a vontade do teu pai!...
Afonso, mesmo diante da forte súplica da mãe, parecia mostrar-se arrependido do que lhe prometera antes, ao início das negociações. Certamente, andara a dar ouvidos aos seus conselheiros que, na verdade, por inveja ou por despeito, o que desejavam, mesmo, era vê-lo em desarmonias com o irmão, a injectarem mais combustível àquela fogueira, a armarem mais e mais intrigas, a esquentarem as ideias do rei.
- Penso que te arrependeste do que me disseste, antes que me fosse ter com o teu irmão...
O rei não responde. Resume-se a olhar para a mãe, com olhos cheios de ironia.
- Porém, digo-te, Afonso - prossegue a rainha, sem se deixar intimidar pela desprezível reacção do filho -, se te negares a cumprir a tua promessa, lanço-me à mendicância, mas reverto todos os meus bens ao teu irmão!... Se não desejas tê-lo de volta ao reino, dou-lhe tudo o que me doou o teu pai - e sabes muito bem que não é pouco! -, para que compre, em Castela, o que bem lhe aprouver! Dessarte, resolvemos, duma vez, esse e todos os demais assuntos que detemos com D. Sanches! - e diante do espanto do filho: - E, sobre isso tudo, a ti restará apenas o que dirão de ti e sobre a tua desmedida cobiça e insensibilidade que te impediram de salvaguardar a própria mãe de cair na miséria e no abandono!
E, depois dessa conversa mui clara e directa, sabe-se que o armistício entre o rei e D. Afonso Sanches ocorreu logo em seguida, com o cumprimento de todas as exigências apresentadas pelo irmão proscrito. Uma vez mais, Isabel garantia a unidade do reino e impedia um derramamento de sangue entre irmãos...
___________________________________________________________________________________________________________
1. Entretanto, o rei já houvera ditado o seu terceiro e último testamento, a 31 de dezembro de 1324, e nele já ordenava que Isabel ocupasse o principal lugar entre os que deveriam cumprir as suas determinações finais.
2. Esse litígio tomou tamanha proporção que D. Maior Dias, por se manter obstinadamente fiel aos propósitos, chegou a ser excomungada pelo prior de Santa Cruz; porém foi absolvida num apelo que fez ao tribunal eclesiástico.
3. D. Maior Dias faleceu ao final de 1301.
4. Referência a D. João Martins de Soalhães. bispo de Lisboa, à época.
4 - Maria de Borgonha (1313 -1357), infanta de Portugal, filha de D. Afonso IV e de D. Beatriz de Castela. D. Isabel tomou a guarda de Maria e a manteve junto de si até o seu casamento com 0 rei Afonso XI de Castela, ocorrido em setembro de 1328.
5- Conforme era previsto, o infante D. Afonso,
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Capítulo XXVIII - A Formosíssima Maria de Borgonha
D. Isabel houvera tomado sob sua protecção a sua neta Maria, 1 primogénita de seu filho Afonso, desde que a menina nascera, e por ela tinha demonstrado sempre grande afeição. A infanta Maria cresceu sob as vistas amorosas da avó e com ela aprendera a cultivar as virtudes e se educara sob as rígidas observações que a rainha se propunha a si mesma, em relação, principalmente, à prática da caridade e ao fiel exercício das rígidas normas que impunha a religião católica aos seus profitentes, àquela época.
Confabulavam Isabel e sua neta, certa tarde de verão de 1327, quando ambas costuravam panos para o Hospital de Santa Isabel, 2 fundado pela rainha, em 1322.
- O céu tu só ganharás, se demonstrares completo desapego às coisas mundanas e pela mortificação da carne, Maria - diz Isabel à sua neta. - E, se o teu corpo não estiver plenamente dominado e abatido sob as tuas vontades férreas, os vícios subjugar-te-ão, lançando-te às voragens do pecado!... Para tanto, o conselho maior que te dou é este: foge dos prazeres da carne!... E, quando se é bela como tu, o diabo mais empenho faz a pôr-te a perder!...
- De facto, senhora, de há muito já percebo o quão difícil é-me carregar o fardo da beleza! - diz a linda jovem de dezasseis anos.
Maria, de fato, era portadora de estonteante beleza: tinha os olhos azuis, como os da avó; os cabelos alourados e ligeiramente ondulados davam-lhe aos ombros; a pele branca e sedosa assemelhava-se ao pêssego maduro.
- Também eu sofri o martírio de ostentar um rosto bonito, quando jovem, assim como tu! - diz a rainha, fixando os olhos da neta. - Os homens sentem-se acender de volúpia e tentam lançar-se sobre nós como abutres esfaimados, a saciarem a sua fome de carne!... Oh, como isso já me fez sofrer, um dia!...
- E ora sofro eu, senhora! - diz a jovem infanta. - Sinto-me mal, diante dos olhares cúpidos que lançam sobre mim, como se desejassem devorar-me viva!
- E o farão, se não te precaveres, meu bem! - diz a rainha, séria. -Mesmo sendo filha do rei, não te respeitarão!... Se lhes abrires a menor das frestas, invadir-te-ão como gafanhotos ao trigal e, depois de se locupletarem com a tua beleza e jovialidade, lançar-te-ão ao monturo da desonra e da ignomínia!... E assim que agem: como lobos vorazes!... Para tanto, é preciso a vigilância constante!... Satanás ronda-nos, a todo instante, com o único propósito de fazer-nos perder!... E, para facear o seu maligno poder de nos subjugar, é preciso lançar mão das defesas que Deus nos deu: a oração constante, a vigilância dos pensamentos e a mortificação da carne!...
-Assim tenho feito, senhora! - diz a jovem princesa. - Procuro seguir-vos o exemplo.
- E o cilício? - pergunta Isabel. - Andas a usá-lo?
- Sim, senhora - responde Maria. - Desde que em mim o colocaste, pela primeira vez, quando eu ainda era bem menina, tenho cultivado esse hábito!
- O cilício é o nosso melhor companheiro! - exclama Isabel. - A roer-nos, constantemente, as carnes, impede-nos de pecar!... - e, depois de calar-se por instantes, continua: Nossos pensamentos são como potros selvagens, a arrastarem-nos para a perdição!... Mas, poderemos retê-los, indefinidamente, se mantivermos o cilício a chamar-nos, constantemente, a atenção, pelo intenso incómodo que nos propicia!...
-Assim é, senhora - concorda a jovem infanta. - Embora a carne se nos mostre como inimiga impiedosa, a ininterruptamente clamar pelos gozos deste mundo, a alma, se bem conduzida, através dos caminhos ditados pela rectidão dos procedimentos e pelo exercício constante da fé, dificilmente se deixará seduzir pelo falso brilho das ilusões, dos vícios e das paixões!... - e, tomando a mão da avó, aperta-a com carinho, e prossegue: - Tu és a responsável pela construção e pela manutenção da minha fé!... Foste-me o exemplo vivo a seguir!
- Oh, bondade sua! - exclama Isabel, com os olhos tomados pelas lágrimas. - Assim entendes, porque tens a alma boa, minha querida!... O mesmo fiz com o teu pai; entretanto, ele não aceitou os meus conselhos ou sequer me tomou como exemplo: pelo contrário, desde menino sempre se mostrou arredio e não quis intimidades com as coisas da alma. Optou pela espada!... O clangor das batalhas é que lhe faz fremir o coração!
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Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini - Página 10 Empty Re: Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 22, 2024 11:23 am

- E isso vos entristece muito, não é?
- Sim, pois anelava vê-lo homem mais sensível às coisas de Deus; entretanto, saiu-se bem às avessas: ama a conquista, e a ambição desmedida controla-o!... - e, mostrando-se imensamente triste: - E sei, de antemão, que isso lhe causará a perdição da alma! - Mas fizeste a tua parte! - observa a jovem Maria. - Diante de Deus não falhaste!
- Fiz muito para que Afonso se emendasse, mas ele nunca me deu ouvidos e, se ainda não caiu mais fundo, foi porque, mesmo a contragosto, acabou por desistir, primeiro, de afrontar, ostensivamente, o pai; depois, o irmão, a quem sempre devotou intenso ódio e aversão!
- Mas sei que tu sempre conseguiste impedi-lo de confrontar, em armas, o meu avô e o meu tio!
- Oh, não sabes a custo de que coisas consegui demovê-lo de enfrentar o pai! - diz a rainha. - Quanta angústia, quantos tormentos vivi, para que ambos jamais chegassem às vias de fato!
- Entretanto, sempre foste tu a vencedora! - exclama a jovem. - E o reino acha-se unido e em paz, pela tua intercessão, nos momentos mais críticos!
- Sabes, minha querida - diz a rainha, depois de curto silêncio -, também eu, como tu, não fui criada pelos meus pais. Meu avô educou-me e devo a ele toda a experiência para gerir as intricadas questões do governo!... Meu avô sempre se mostrou hábil negociador!... A ele deve-se a expansão e a unificação do Reino de Aragão!... E, como sempre me teve como a sua principal confidente, dele assimilei as mais preciosas lições acerca da negociação entre Estados. Dele aprendi que a diplomacia sempre deverá anteceder a batalha. E, desse modo, muito se ganha em, primeiro, buscar sempre a conversação e lançar mão da força somente em último caso. Ganha-se tanto em assim se agindo!... Poupam-se vidas, evitam-se gastos inúteis em armamentos, em provisões, em soldo para os soldados e em se ter de reconstruir, depois, tudo o que a guerra destrói...
- Tens razão...
- Mas, agora, a minha principal preocupação é o teu futuro! - exclama a rainha, a fixar, preocupada, os olhos da neta. - As negociações do teu casamento com o teu primo Afonso3 já se acham em andamento. A desvinculação do parentesco foi solicitada ao papa e, em breve, sei que teremos a resposta! - e, com os olhos a encherem-se de lágrimas: - E tu te irás, então, para sempre de mim...
- Oh, vovó... - exclama a jovem princesa, também a chorar. –
Quisera não ter de deixar-te, jamais!
- Mas assim será!... - prossegue Isabel, tomada de alta comoção. -Como aconteceu com a tua tia Constança - ainda uma menininha de poucos anos! - que, um dia, cheia de dor, entreguei às mãos de D. Maria de Molina. Não sabes o quanto sofri, ao vê-la que se ia, para sempre, longe dos meus braços!... E o pior, minha querida, o pior é que sabia que a minha filhinha cresceria longe dos meus olhos e nada poderia fazer para moldar-lhe o carácter, segundo os mandamentos da Igreja. Tanto foi verdade, que não teve suporte para enfrentar as grandes provações que lhe invadiram a existência, assim que se fez rainha!... Sucumbiu, ainda muito jovem, diante das dores acerbas que lhe minaram a vida tão sofrida que levou entre os castelhanos!
- Crês, então, que a minha tia tenha morrido como consequência dos maus tratos que por lá recebeu, senhora?
- Tenho a absoluta certeza de que assim foi, querida! - diz Isabel, com a voz embargada pelo pranto. - Tua tia sofreu intensas e continuadas agressões por parte do esposo e da sua corte malfazeja e indecente! E temo que contigo venham a fazer o mesmo!... Os castelhanos sempre tiveram ciúme e inveja de nós e não nos perdoam, quando detêm algum de nós sob os tacões!... Humilham-nos a não mais quererem!... E isso que temo aconteça também para ti, meu bem!... A maldade castelhana não nos perdoa!
- Entretanto, a minha mãe é de Castela e foi bem recebida por vós!
- O povo português tem se mostrado mais humano que os castelhanos, minha filha - diz Isabel. - Quando aqui cheguei, vinda de Aragão, receberam-me de braços abertos! E, como consequência, amo Portugal da mesma forma que amo a Aragão, a minha terra natal!... Por este reino, faço tudo o que se encontrar ao meu alcance!
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Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini - Página 10 Empty Re: Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 22, 2024 11:23 am

- E por isso que os teus súbditos amam-te e te glorificam, senhora! - exclama a jovem princesa. - Nunca fizeste nenhuma distinção entre eles!
- E jamais farei, minha querida! - diz Isabel. - Não vejo a raça, nos homens; vejo-os tão-somente como meus irmãos em humanidade!
-Ah, se todos nós assim também agíssemos, senhora! O mundo seria outro!
- Mas, diz-me, com sinceridade, minha querida: tu te achas realmente preparada para o destino que te aguarda em Castela? - diz a rainha, a segurar forte as mãos da neta. - Não sabes o quanto o meu coração acha-se aflito com essa tua eventual partida!
- E haveria acaso outro modo? - observa a infanta portuguesa. - Ao que me consta, as conversações entre o meu pai e o rei de Castela já se encerraram; apenas, aguarda-se a anuência papal para que as bodas se realizem.
- Oh, como gostaria que o papa não vos liberasse para esse casamento! - diz, pesarosa, a rainha. - Prezava-me, antes, ver-te reclusa num convento a ver-te casada com um infante castelhano!
- Poderia professarem segredo, senhora! - observa a jovem princesa. - E, depois disso feito, ninguém me poderia obrigar a mais nada: teria a protecção da Igreja!
- Vejo que não conheces muito bem o teu pai, minha cara! - diz a rainha. - Ele jamais aceitaria essa tua decisão e te arrancaria do claustro sob pancadas e ainda mandaria pendurar à forca aqueles que te houvessem propiciado a profissão!... Seria uma tragédia!
- Então não há o que fazer, senhora - observa a mocinha, altamente desalentada -, a não ser entregar-me à vontade de Deus!
- Infelizmente, assim deverá ser, meu anjo!... E suplicar ao Criador que te dê protecção nesta tua difícil jornada! - e, levantando-se, caminha até a janela e espia, por instantes, o mundo lá fora. Depois, volta-se e, encarando a neta, prossegue: - Pouco conheço, efectivamente, o meu neto, com quem te casarás. Vi-o, por duas ou três vezes, apenas, quando era ainda um bebê, das vezes em que estive em Castela, a visitar a tua tia Constança. Mas, como sabes, ela logo enviuvou4 e morreu ainda bem jovem, deixando o filho à guarda e protecção da sogra, Dona Maria de Molina, a mesma que a houvera criado, desde menina. E o meu medo é que D. Maria de Molina tenha cometido os mesmos erros, ao educar o neto, como os que cometeu com o filho: foi por demais condescendente com ele e acabou por criar um tirano desalmado e herege que destruiu a minha filha e, também, a si próprio!
- É bem verdade que pouco conhecemos do carácter de Afonso, senhora - diz Maria.
- Entretanto, mesmo pelo pouco que já dele ouvi - fala Isabel -, deu-me para perceber que muito deverá assemelhar-se ao do pai!... - e, tomando as mãos da neta entre as suas, aperta-as, forte, e prossegue: - Mas não te deixes levar pelo receio, querida! Sabes que terás, em mim, sempre, uma mão a dar-te o apoio incondicional!... Não te intimides e, se de mim necessitares, para o que quer que seja, estarei a postos para sair em teu socorro!... Algumas vezes fui a Castela, a entrever-me com Constança, a socorrer-lhe as aflições e o mesmo farei a ti, se me chamares! Portanto, não te deixes intimidar; se te sentires ameaçada, manda-me avisar, que lá estarei a defender-te!
- Oh, vovó! - diz a jovem infanta, abraçando-se a Isabel. - As vezes, tenho tanto medo!...
- Entendo-te o medo, meu bem! - diz a rainha. - Também eu me deixei tomar de intenso receio, quando tive de deixar a segurança da minha terra e a protecção daqueles que me amavam!... Porém, tive sorte: minha nova terra recebeu-me de braços abertos, e a corte portuguesa - a tirar algumas excepções! -, tratou-me muitíssimo bem! - e buscando consolar a pobrezinha: - Oxalá Deus também te prepare boa recepção entre os castelhanos!... Afonso é meu neto e teu primo! Quem sabe o sangue não falará mais alto?
-Tens razão! - responde a jovem infanta, buscando consolar-se. - A minha tia Constança não detinha nenhum parentesco com o seu esposo? Nenhum laço de sangue ligava-os?
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Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini - Página 10 Empty Re: Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 22, 2024 11:24 am

- Na linhagem directa, com a casa real portuguesa, não - responde Isabel. - Entretanto, Fernando era neto de minha tia Violante, irmã do meu pai.5 Eram primos, portanto, em terceiro grau, pela linhagem materna, Constança e seu esposo.
- Prezo, então, que, em havendo ligação tão directa de parentesco entre mim e Afonso, quem sabe o meu primo não me levará em alto apreço?
-Assim espero, meu bem, assim espero! - exclama Isabel, com longo suspiro.
No fundo, a rainha não acreditava muito que a neta fosse feliz, junto aos castelhanos. Tinha sido sempre assim: mesmo entre aragoneses e castelhanos, a paz não se tinha mostrado muito duradoura: Aragão e Castela, apesar de os seus monarcas serem aparentados, viviam em constantes conflitos.
Um ano se passou. A infanta Maria casou-se com Afonso de Castela, em Alfaiates, a 26 de março de 1328. O encontro das duas cortes, na cidade da raia entre Portugal e Castela, reuniu milhares de pessoas das duas nacionalidades, a festejarem, por três dias, o matrimónio entre o rei de Castela e a infanta Maria, de Portugal.
- Estás um primor, minha querida! - exclama Isabel, a beijar a face da neta, pouco depois da longa cerimónia, realizada na Igreja da Misericórdia, em Alfaiates. - Entretanto, noto-te triste!
- Este deveria ser o dia mais feliz da minha vida, vovó! - diz a jovem, ora já a rainha consorte de Leão e Castela. - Mas aquilo sobre o qual conversamos acerca do carácter de Afonso, pressinto que se realizará!... Não lhe notei aos olhos nenhuma empolgação, ao ver-me, pela primeira vez!
- Oh, se não te notou a graça e a beleza é porque se deve achar mal das vistas! - brinca a rainha, com o propósito de desanuviar aquela tristeza que pairava no olhar da neta. - Estás refulgente como uma joia de extremo valor!... E, se te ignorou a beleza e o brilho, é porque deve ser um parvo daqueles!
- O que temo, senhora, é que o coração do meu marido já tenha dona! - diz a jovem rainha de Leão e Castela.
- Oh, os homens são assim mesmo, querida! Em nós, só enxergam o objecto dos seus desejos sórdidos! Nada, além disso!... - e a dar leves tapinhas ao dorso da mão da neta que mantinha entre as suas: - Sossega: agora tu és a rainha da corte castelhana, e nenhuma aventureira poderá mais ocupar o teu lugar, enquanto viveres!
- Entretanto, assim será somente se eu for capaz de dar um herdeiro ao trono! - exclama Maria de Borgonha. - Caso contrário, poderei ser repudiada, por incapacidade de ser mãe!
- Oh, mas isso não sucederá contigo! - diz Isabel. - Na nossa estirpe, nunca faltaram as boas parideiras!... Fica sossegada, pois tu não serás excepção!
- Prezo que assim seja, vovó! - exclama a jovem rainha de Leão e Castela, com fundo suspiro. E olhando o grande burburinho que se fazia no grande festejo, prossegue: - Observa Afonso como se entope de vinho, entre os seus pares!... Sequer olhou-me única vez!
- Porque é um idiota! - exclama Isabel. - Em contrapartida, se notares em redor, verás como as damas castelhanas olham-te cheias de inveja e de despeito!
- E isso que temo, senhora! - diz a jovem rainha. - A inveja é o combustível para uma série de desgraças!
- Somente se permitires que alimentem essa fogueira, querida! - fala Isabel. - Se tiveres a capacidade de tratar a todos com gentileza e carinho, os invejosos sentir-se-ão desarmar!... E, principalmente, procure amá-los!... Não há nada que possa fazer frente ao amor!
-Amar essa escória, senhora?! - espanta-se a jovem rainha. E a menear a cabeça: - Acho que somente tu consegues tal façanha! A minha vontade real, entretanto, é dar-lhes de relho às fuças!
- Contenha-te, Maria! - diz Isabel. - Pensa que, doravante, terás tão-somente essa gente por companhia e, se não te deres bem com eles, serás tu a prejudicada!... Mostrar-te-ás apenas uma contra todos!... Melhor que te faças simpática a eles, para que te aceitem; caso contrário, sofrerás as penas do inferno, em vida!... Lembra-te da tua tia Constança!
- Mas lá é que não ficarei, se me tratarem mal! - rebate a jovem rainha. - Voltarei à tua casa, se me aceitares; se não, professarei no primeiro convento que achar!
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 22, 2024 11:24 am

- Nunca te precipites, Maria! - admoesta-a a avó. - O teu pai não perdoaria aos castelhanos tamanha humilhação, e isso, fatalmente, geraria mais uma guerra entre os reinos! - e em tom grave: - A tua tia Constança desejou, por muitas vezes, retornar à casa do pai, diante das constantes humilhações que sofria, principalmente do esposo, que jamais a aceitou. Entretanto, aconselhei-a a permanecer, pois a missão de uma princesa é honrar o matrimónio, muito embora, a grande maioria dos casamentos seja simples arranjo entre Estados.
-Assim tem sido, vovó! - exclama Maria, cheia de tristeza. - Mas se nos calarmos, sempre, diante da humilhação que recebemos de nossos consortes e das suas cortes impiedosas, isso nunca mudará!
- Por isso que sempre te disse que a coroa é mais um áspero e rude fardo a pesar sobre a nossa cabeça que alguma glória ou ventura que muitos, erroneamente, pensam ser!... Ser rei ou rainha mais é uma difícil provação a carregar-se aos ombros que qualquer outra coisa!... - e, depois de instantes de silêncio: - Esta é a tua missão, meu bem: dares um herdeiro à coroa castelhana, nada mais!... Se anelas outra coisa para a tua vida, esquece!... Às rainhas consortes cabe apenas essa difícil tarefa, nada além!
- E que o primogénito seja homem, senão!
- Preferencialmente que assim seja, pois, se te meteres a parir apenas princesinhas, umas atrás das outras, a tua situação complicar-se-á; o teu esposo tratará de corrigir tal defeito, apelando para as suas amantes! E, se alguma delas tiver mais sorte que tu, poderás perder o trono!
- Ou a vida! - exclama Maria. - Nesses casos, os venenos costumam agir muito bem, com o propósito de apressarem a viuvez dos reis!
- Infelizmente, assim é, meu bem! - concorda a rainha. - Presumo que a tua tia Constança tenha sofrido uma série de tentativas de envenenamento!... Sempre teve boa saúde, desde menina. E, como é então que, de repente, passou a ter a saúde grandemente abalada, assim, do nada?... E tu, acautela-te! Não confies, cegamente, no primeiro que te oferecer o braço!... Preza, antes, as tuas aias portuguesas que levarás em teu séquito!... E, principalmente, cuidado com o que vieres a comer ou beber: toma um ou dois provadores, que deverão fazer a prova, sempre às tuas vistas!... Jamais desobedeças a essa minha recomendação ou te darás mal entre essa gente que, desde já, mostra-se fria e distante de ti, a prenunciar que também não te aceitarão!... E, tem a plena certeza de que o meu pensamento sempre estará contigo, e rogarei a Deus e à Santa Mãe que te protejam sempre!... Ora e confia, sem titubeares na tua fé, conforme te ensinei, e sentirás que, se Deus está connosco, nada poderá estar contra nós!
Maria partiu para Castela, entre lágrimas de dor e de antecipada saudade da avó, a quem tanto amava. Isabel, por seu lado, sentiu o coração apertado, e um nó intenso tampava-lhe a garganta, quando se abraçou à querida neta pela derradeira vez.
- Vai com Deus, meu anjo! - murmurou ela ao ouvido de Maria, que se desmanchava em sentidas lágrimas pela dor da separação. E, num sussurro inaudível para os que as rodeavam, prossegue, em tom firme: - Se de mim precisares, já sabes: antes de tomares qualquer decisão sobre a tua vida, manda-me dizer, primeiro!... E, principalmente, não te precipites nunca, pois estarei do teu lado!...
Após a partida da neta, Isabel sentiu-lhe, intensamente, a falta. Maria houvera sido, pelos últimos anos, a sua companheira inseparável. Juntas, oravam e ouviam as missas diárias; saíam, em romaria pelas ruas, a acudirem as mazelas e os sofrimentos das gentes desgraçadas pela fome, pelas doenças e pelo abandono. Entretanto, como era do seu feitio, a rainha de Portugal, mesmo já avançada em anos, e maltratada pelos achaques das doenças que também não a poupavam, não parava nunca. De braços com as suas fiéis damas de companhia, saía ela, todas as manhãs, a distribuir as benesses àquelas mãos estendidas à sua passagem, sempre sequiosas e faltantes de tudo...
- Os anos pesam-me à carne, Ximena! - geme ela à fiel companheira de tantos anos. - Minhas juntas doem, intensamente, às noites frias. O reumatismo me consome!
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 22, 2024 11:24 am

- Não seria hora, então, de parardes de sair, todas as manhãs, senhora? - observa a aia. - Já fizeste tanto nesta vossa vida que o céu já vos pertence de há muito!
- Nunca, Ximena!... - rebate Isabel, firme. - Mesmo a arrastar-me, prosseguirei servindo ao meu próximo!... - e, depois de meditar por instantes: - Como poderia sentir-me bem, fechada em minha casa, rodeada de confortos, sabendo que há tanta miséria em redor?... Oh, não!... Minha razão não permite tal procedimento! Vivo para promover o bem-estar dos que me estão próximos!... Se não atender às necessidades dos que padecem, à minha volta, que espécie de pessoa seria? Infeliz aquele que nada faz para mudar as desgraças e as misérias deste mundo!
- Se todos pensassem como vós, senhora, o mundo tomaria outras feições! - exclama a aia da rainha.
- Entretanto, pelo muito que fizermos, Ximena, ainda será pouco, diante da enormidade de desgraças que campeiam por todo o lado!... A injustiça permeia a nossa vida: uns poucos têm, a não mais quererem, a ponto de desperdiçarem o muito que detêm; muitos, ao contrário, nem o mínimo necessário à subsistência possuem!
- Tenho percebido, senhora, por todos esses anos que vos tenho servido, que vós, na realidade, muito pouco pensastes em vosso próprio conforto! - diz a aia, depois de observar que, enquanto caminhava com extrema dificuldade, a rainha mal conseguia sofrear os gemidos pelas intensas dores que lhe cometiam os membros inferiores. - Andais quase a vos arrastar e ainda carregais esses enormes cestos cheios de pães!... Por que é que não relegais essa pesada tarefa aos pajens?
- Por que é a mim que compete tal mister, Ximena! - responde a rainha. - E, por maior que seja a minha dor, nada será diante das excruciantes aflições que sofreu Nosso Senhor, ao ser humilhado pela brutalidade e pela insensatez dos homens!
- Pois penso que, agindo assim, andais a piorar a vossa situação! - redarguiu a dama de honor. - Eu mesma, que sou bem mais jovem que vós, já não quase mais suporto essas nossas peregrinações diárias!... Não achais que devamos espaçar essas nossas incursões?... Em pouco, estaremos todas estropiadas, a capengar por aí!
- Estropiadas e capengas, mas felizes, Ximena! - exclama a rainha.
- Que nos adiantaria estarmos lustrosas, repimpadas e repoltreadas, mas com a alma empenhorada a satanás?... Melhor esfoladas e fiéis servas de Deus que redondas e pomposas, mas serventes do diabo!
Fazia, já, quase um ano, que Maria houvera partido para Castela. Isabel, amiúde, punha-se melancólica, a pensar na querida neta. Como estaria se saindo a sua menina, longe dos seus braços e da sua protecção? Ter-se-ia acostumado ao casamento, aos costumes castelhanos?
Na realidade, eram tantas as questões que lhe surgiam à cabeça, mas que, para as quais, entretanto, não tinha nenhuma resposta.
- Maria deve andar a sofrer, distante de nós, a meio de gente estranha! - confidencia ela à sua fiel companheira. - E me angustio tanto por nada saber de como vive a minha menina!
- Oh, senhora - diz a dama de companhia -, a infanta Maria, por certo, já se habituou aos castelhanos! Não carece que estejais tão preocupada desse modo! - e, procurando apaziguar as aflições da sua senhora: - Por esses tempos, Dona Maria já deverá achar-se a aguardar o seu primogénito, o herdeiro do trono!
- Gostaria de ter essa tua certeza, Ximena! - responde a rainha. - E essa é a minha principal preocupação. Maria somente se efectivará como consorte de Afonso, se lhe der um menino! Caso contrário...
- Oh, Deus não haverá de faltar-lhe, senhora! Bem mais cedo do que imaginamos, receberemos a notícia!
- Oxalá tenhas razão, Ximena! Anelo tanto que Maria seja feliz! Entretanto, um ano já se passou, depois do casamento, e minha neta, certamente, ainda não engravidou! Senão, já me teria enviado notícias! E isso me causa tanta aflição!
- E por que não lhe escreveis, então? Podereis solicitar-lhe que mande notícias suas!...
Isabel escreveu longa carta para sua neta, pois a falta de notícias causava-lhe intensas preocupações.
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Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini - Página 10 Empty Re: Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 22, 2024 11:25 am

Alguns dias depois, obteve a resposta. Maria retornava-lhe, relatando o que a rainha, previamente, já suspeitava que ocorria: a neta ainda não engravidara, e o marido culpava-a pela demora, hostilizando-a e a fazendo passar por suplícios e humilhações constantes.
- Pobre Maria - geme Isabel, com os olhos a inundarem-se de lágrimas. - Bem cedo começou o teu calvário!
E, pondo de lado a longa carta, cheia de lamentos e tristezas, que a neta houvera lhe escrito, a rainha pôs-se a chorar, copiosamente, pelas dores por que passava aquela pobre moça que mal completara dezoito anos!
Isabel tanto chorou pelas tristes notícias que a neta lhe relatava que, intensamente exausta, buscou o leito, a repousar, diante da extrema depauperação que o extenuante pranto causara-lhe. Mal se lançou sobre o leito, estranho torpor tomou-lhe o corpo, tremendamente esgotado pela grande comoção por que passara, instantes antes. Tentou reagir contra a intensa formicação que lhe dominava o corpo todo, mas foi inútil. A mente precipitava-se-lhe em intenso turbilhão, e tudo passou a girar em estonteante velocidade. Em pouco, Isabel sentiu-se fora do corpo. Por instantes, olhou para o corpo que jazia inerte sobre o grande leito e, em seguida, seu pensamento dirigiu-se para Maria. Num átimo, sentiu-se arrastar por poderosíssima força e, em seguida, transportar pelos ares, em altíssima velocidade, e, em pouco, achava-se sobre a cidade de Toledo, onde a corte castelhana encontrava-se, naquele momento. Isabel, a princípio, sentiu-se tomar por estranhas apreensões, mas, logo, desanuviou-se, pois já estava acostumada àquilo. Não era a primeira vez que lhe sucedia tal fenómeno. Anos atrás, viera a Castela, também daquele modo, a visitar Constança. "Maria? ", pergunta-se ela, em pensamento, ainda a pairar sobre os telhados do casario da cidade.
Num instante, mesmo antes que pudesse reordenar as ideias, achava-se dentro de amplo aposento - uma câmara de dormir - e, sobre o leito, jovem mulher soluçava, deitada de bruços, com o rosto afundado sobre o travesseiro.
- Maria?... - murmura Isabel, aproximando-se.
A jovem, entretanto, nada lhe percebia da presença. Continuava com o rosto escondido na almofada de cetim, a soluçar convulsivamente.
- Oh, meu bem! - diz Isabel, sentando-se-lhe ao lado. E, a tocar-lhe, levemente, os cabelos com a ponta dos dedos: - Tem fé em Deus, meu amor!... A bondade do Criador não te desamparará!... - e, em tom de infinito carinho, repete: - Dorme, meu bem!... Dorme, que preciso falar-te!... Dorme!...
Em pouco, uma nuvem brilhante formou-se acima do corpo da jovem rainha de Castela e, paulatinamente, foi se condensando até lhe tomar a forma espiritual. Ainda um tanto aturdido, o espírito de Maria de Borgonha olha em redor.
- Vovó! - grita ela, ao reconhecer o espectro luminoso que, a sorrir, estendia-lhe os braços.
- Sim, meu anjo!... Sou eu!... Vem!...
- Oh, vovó querida!... - exclama Maria, a lançar-se aos braços amorosos da avó. - Como é possível que estejas aqui?
- Nossas almas encontram-se, enquanto dormimos! - responde Isabel. - Observa, lá, o teu corpo a jazer sobre o leito!
Maria volta-se e espia o corpo que repousava sobre a cama.
- Que mistério é esse, vovó? - pergunta, intrigada.
- Não há mistério algum, meu bem! - responde Isabel. - Simplesmente, descobri que as almas emancipam-se, ao dormirem. É algo tão corriqueiro, a suceder-nos, todas as noites...
- Mas como é que não nos lembramos disso?
- Como não? - redargui a rainha. - E os sonhos que temos?... Alguns deles nada mais são que lembranças da libertação da nossa alma, durante o sono!
Maria cala-se, por instantes, a cogitar sobre o que lhe dissera a avó acerca daquele fenómeno. Depois, mudando de assunto:
- Oh, não sabes o quanto me alegras, ao vires ter comigo! - diz ela. - Nem imaginas o inferno em que se tornou a minha vida!
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Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini - Página 10 Empty Re: Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 22, 2024 11:25 am

- Eu já o pressentia, meu bem! - diz Isabel, abraçando-se à neta. Eu já imaginava que sofrias, tanto que te escrevi e, ao receber a tua resposta, tanto chorei por ti, e a vontade de estreitar-te aos braços era tamanha que a minha alma emancipou-se e aqui veio ter!
- Meu esposo ignora-me, vovó! - geme a jovem rainha de Castela. - E anda a lançar-me, ostensivamente, ao rosto, que sequer para parir sou capaz! E isso vem me atormentando a alma e não me deixa ter paz! Os cortesãos humilham-me a não mais quererem! Para a corte toda, sou motivo de chacota!
- Bem que te preveni sobre essa gente, Marial - diz Isabel, a mostrar-se altamente condoída pela situação em que se achava a neta. - Fazem contigo o mesmo que fizeram com a tua tia Constança! Repetem a desgraceira toda!...
- A minha tia logo conseguiu dar um herdeiro ao seu esposo -prossegue Maria -; entretanto, mesmo assim, eles a humilharam!
- Foi o que já te expliquei, meu bem! - diz Isabel. - Os castelhanos maltratam-te nem tanto pelo fato de ainda não teres engravidado; maltratam-te porque são maldosos e não toleram os portugueses! Essa animosidade já vem de longo tempo!... No fundo, têm despeito da gente lusitana!
- E por que, então, aceitam esses casamentos?... Se nos odeiam tanto, deveriam buscar as princesas para casarem com os seus príncipes, em outros povos!
- Mas não se dão somente com os portugueses, não, minha filha! -responde a rainha. - Os castelhanos são hostis para com os outros vizinhos, também! A ninguém toleram! Aragoneses e castelhanos nunca se houveram bem!... Digo-te que essa é uma questão difícil a ser resolvida! Espero que, com essa mistura do sangue real português-castelhano, que já se iniciou, a animosidade entre ambos os reinos venha a amainar-se!
- Deus vos ouça, senhora! - geme a jovem rainha. - Por que a minha vida se fez insuportável!... Além do mais, Afonso tem a desfaçatez de lançar-me ao rosto que, se bem depressa não lhe der um herdeiro, legitimará algum dos que já tem com as suas favoritas!
- Oh, os homens são assim mesmo, minha cara! - diz Isabel. - Não te apoquentes com essas ameaças!... Reabilitar bastardos não é tarefa muito fácil, como pensam eles!... O reconhecimento, puro e simplesmente feito pelo pai, é relativamente simples; mas daí a tê-lo confirmado e legitimado pelo papa é bem diferente. Os sumos pontífices não andam, costumeiramente, a legitimar bastardos a torto e a direito, não!... E isso é o que nos dá certa garantia!... Se não fosse a aversão que a Santa Sé detém sobre a carrada de filhos da nobreza, tidos na ilegitimidade, a garantia do equilíbrio da ordem, de há muito, já se teria esboroado!... Preze Deus que assim continue!
- Entretanto, existem excepções, vovó! - exclama Maria. - Existem casos de reabilitação de filhos ilegítimos, feitos pelo papa!
- Há casos e casos, Maria - observa Isabel. - Porém, os poucos que foram concedidos, sempre o foram, após longo e meticuloso estudo, realizado pela cúria. Nesses casos, nunca há precipitação. A Igreja sabe manter a ordem natural das coisas! Há que se confiar nela! - e, a fitar os olhos da neta: - Peço-te, meu bem, confia em Deus!... Ele sabe o que é melhor para todos nós!... Nunca te precipites em nada, pois se o teu pai vier a saber o que te faz o teu esposo e a sua corte, advirá uma tragédia, por certo. Conheço-o muito bem!... Seu carácter impulsivo não perdoará essa afronta!... Virá, imediatamente, a tomar satisfações com Afonso, e já podes imaginar o que disso resultará, não é?... Também do teu avô escondemos, Constança e eu, sobre o que ela passava por aqui! Minha filha imolou-se com o propósito de evitar mais uma carnificina, a troco de nada, entendes?... E se ora fizeres o mesmo, a guardar paciência e resignação, sei que vencerás!... Por minha vez, prometo-te que estarei vigilante, a ajudar que tu suportes a tua desdita!... Dia e noite suplicarei a Deus que te dê forças para resistires a este teu martírio!... Lembra-te da tua tia Constança\... Em vida, suportou as terríveis penas dessa mesma provação, mas ora vive amparada nos braços de Deus!
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Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini - Página 10 Empty Re: Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 22, 2024 11:26 am

-Não sei se possuo a força e a resignação que teve a minha tia, vovó! - diz a jovem rainha de Castela, com os olhos intensamente tristes. - Na realidade, a minha vontade é retornar ao seio da minha gente!
- Se fizeres isso, estarás provocando uma terrível guerra, Maria. Pensa, antes, se isso te convém!... Tens o teu livre-arbítrio, a fazeres o que bem desejares, mas te advirto: serás a responsável por tudo o que vieres a promover! Todo o sangue derramado nessa guerra será, também, responsabilidade tua!
- Deverei, então, imolar-me, para que tal desgraça não venha a suceder-se?...
- Antes de te colocares como mártir dessa difícil questão, lembra-te de Jesus, Que se imolou, para que o mundo conhecesse a paz!... Se anelas pela vida, perdê-la-ás; entretanto, se a perderes para que o bem triunfe sobre o mal, então a ganharás!6 Também essa foi uma das incomparáveis lições de Nosso Senhor!
Maria de Borgonha calou-se, diante dos argumentos da avó. Com fundo suspiro, buscou resignar-se. E, com os olhos cheios de lágrimas, lágrimas de profundo desencanto, fixou o rosto amorável da avó. Ia buscar suportar aquela dor intensa. Pelo muito amor que despendia àquela mulher encantadora e afável, tinha de suportar...
Toma-lhe, então, as níveas e sempre benevolentes mãos e as oscula, delicadamente.
- Vou tentar suportar, vovó... Vou tentar...
Isabel abraça-se à neta adorada e lhe beija os cabelos sedosos.
- E vais conseguir, meu bem... Tenho a plena certeza de que vais conseguir...
Depois, longo silêncio estabelece-se entre as duas. A câmara mergulhava em negra escuridão, sinal de que já se fazia noite. Avó e neta nada mais se falavam; apenas se sentiam. Prevalecia apenas o terrível aguilhão da dor intensa, a uni-las naquele momento tão penoso!...
___________________________________________________________________________________________________________
1.Maria se saíra à avó, D. Isabel no tocante à aparência física e até mesmo nos traços de alta moralidade que sempre pautou a existência da rainha santa de Portugal.
A infanta Maria era tão bela que Camões imortalizou-a no seu célebre “ Os Lusíadas”, no trecho seguinte, pertencente ao canto III, estrofe 102:
“Entrava a formosíssima Maria
Pólos paternais paços sublimados,
Lindo o gesto, mas fora de alegria,
E seus olhos em lágrimas banhados.
Os cabelos angélicos trazia
Pelos ebúrneos ombros espalhados”
2. D. Isabel mandou construir um hospital, junto ao convento de santa Clara, em Outubro de 1322, com a finalidade de abrigar homens e mulheres de cinquenta anos para cima, oriundos da nobreza, que tivessem caído em pobreza.
3. Referência a Afonso XI, filho de Fernando IV de Castela e da princesa portuguesa Constança, filha de D. Dinis c de D. Isabel.
4. Fernando IV de Castela, esposo de Constança, faleceu em sua tenda, em Jaém, a 7 de setembro de 1312, aos 26 anos de idade, vítima de impaludismo, quando se propunha tomar Granada aos mouros, mas morreu durante a preparação desta empresa, deixando dois filhos pequenos e sua consorte viúva, que também veio a falecer um ano depois.
5. Violante. infanta de Aragão e mãe de Fernando IV de Castela, era filha do rei Jaime I de Aragão, avô de Isabel.
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Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini - Página 10 Empty Re: Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 22, 2024 7:16 pm

Capítulo XXIX - Maria e Afonso XI
O casamento de Maria de Borgonha com o rei castelhano, Afonso XI, corria o risco de fracassar. A rainha consorte de Castela não conseguia engravidar, e a vinda do herdeiro ao trono custava concretizar-se.
Afonso XI]á fora casado, antes, em 1325, com Constança Manuel, infanta de Castela, filha do seu primo e tutor, o infante João Manuel de Castela, Príncipe de Vilhena, e de Constança de Aragão. Entretanto, Constança Manuel fora repudiada por Afonso e, presa no Castelo de Toro, não consumou o matrimónio. 1 E, passados, já, cinco anos, desde o seu casamento com Maria de Borgonha, a neta de Isabel, também o segundo matrimónio do rei castelhano andava na iminência de malograr-se.
Entrementes, já se fazia público, desde 1329, o escandaloso romance de Afonso XI com sua favorita, Leonor Nunes de Gusmão, 2 a bela e faceira sevilhana, com quem teve um primeiro filho, Henrique, nascido em janeiro de 1334, fato que tornou ainda mais periclitante a situação de Maria de Portugal, sua consorte.
Isabel, por esse tempo, sabedora do intenso conflito em que mergulhava a vida da pobre neta, procurava minorar-lhe os sofrimentos, enviando, amiúde, à corte castelhana, emissários de sua confiança, a portarem longas cartas suas e, de volta, a trazerem notícias de Maria.
- Oh, Ximena - confidencia a rainha à fiel dama de companhia, certa tarde de primavera, quando ambas cosiam agasalhos para os internos do Hospital de Santa Isabel -, as notícias vindas de Castela deixaram-me aflita!... Maria sente-se sufocar, diante de tanta afronta que lhe lançam em face o esposo e a amante, que ora já se sente prevalecer sobre a rival, por ser a primeira a dar um filho a Afonso
- Oh, pobre D. Marial... - exclama a aia da rainha, também se deixando tomar por altas apreensões. - Corre ela, então, o risco de ser repudiada, se também não engravidar!
- Queira Deus que a pobrezinha consiga emprenhar bem depressa! - diz a rainha. - Sei muito bem como são tais coisas!... Inda mais diante de paixão tão avassaladora qual essa que acomete Afonso e a sua preferida!
- Dizem que a tal sevilhana é muito linda! - exclama Maria Ximenes Cronel. - Tão linda que el-rei D. Afonso tomou-se de ardorosas paixões por ela!
- Maria também o é! - rebate a rainha. - E leva larga vantagem sobre aquela outra: além de ser também muito bonita, é pura e honesta!
- Pois assim é! - concorda a aia da rainha. - Mas parece que os homens demonstram uma queda natural pelas marafonas...
- Oh, Ximena, eu não quis dizer isso, sabes muito bem! - redargui a rainha, em tom de censura. - E não devias dizer tais coisas acerca do carácter da outra, se não na conhecemos de perto!
- Apenas tiro as conclusões, senhora! - rebate a aia. - Que nobre e honesta dama sujeitar-se-ia a tornar-se concubina dum homem casado, senão uma libertina como essa?
-Ximena!...- ralha a rainha, séria. - Abstém-te de julgar a quem quer que seja!
- Não estou a julgar ninguém, senhora - contesta a aia. - Não andamos, acaso, nós duas, apenas a comentar sobre a desgraceira em que se tomou a vida da pobre D. Maria?... E quem é que vai socorrer-lhe tamanha mazela?... Acaso Sua Majestade, o rei, já tem conhecimento de tudo o que fazem aqueles horrendos castelhanos à nossa querida infanta?
- Sim, Ximena, o rei já de tudo sabe - diz Isabel. - E essa é a minha principal preocupação! - e, em tom de alta aflição: - Conheço muito bem o meu filho e não sei até quando suportará ele tamanha afronta que lhe faz o genro!... Tenho rezado tanto, para que a Afonso não se zangue a ponto de lançar-se sobre Castela com toda a sua raiva!... E, já sabes qual seriam as consequências, se isso, efectivamente, vier a acontecer!
- Uma tragédia, senhora! - exclama Maria Ximenes Cronel. - ED. Maria, certamente, correria alto risco de vida, se uma guerra começasse entre nós e eles!
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 22, 2024 7:16 pm

- Minha neta já anda a correr alto risco de vida, minha cara! - diz a rainha, a demonstrar profunda preocupação. E, depois de cogitar por instantes: - Sabes, Ximena, estranha-me o fato de Maria ainda não ter engravidado!... De há muito, a nossa estirpe tem se mostrado altamente eficaz na capacidade de procriar! E, tanto as infantas aragonesas como as portuguesas, temos gerado, até então, crianças fortes e sadias! Às vezes, perpassa-me a ideia de que andam a ministrar, à sorrelfa, substâncias contraceptivas à minha pobre neta!
- Deveras, senhora?! - espanta-se a aia. - Mas será que alguém teria coragem de cometer tal absurdo?
- Infelizmente, há gente assim, Ximena!
- Mas, com que propósito?
- Com o único intento de prejudicar o casamento de Maria, certamente!... - diz a rainha. - Devem ocultar-se, por detrás disso tudo, tantos interesses mesquinhos...
- Se dizeis, senhora!...
- E, guarda bem o que te digo: nada te espantes se ora, depois que aquela uma já saiu na dianteira, a dar um primeiro filho a Afonso, que a minha pobre Maria não venha a engravidar, também ela!
-A confirmar as vossas suspeitas, senhora?... Na verdade, o que a outra desejava mesmo era ser mãe do primogénito do rei!
- Certamente, Ximena!... E não te esqueças de que D. Leonor de Gusmão possuiu sangue real, de ascendência directa: é bisneta de Afonso IX, de Leão e, ainda, a facilitar-lhe mais a condição, é viúva, fato que lhe facilitaria casar-se com o pai do seu filho e tomar-se rainha de Castela, se Maria fosse repudiada ou - o que seria trágico! - viesse a morrer, o nascimento desse filho dá-lhe uma série de vantagens sobre a minha pobre neta!
D. Isabel estava certa: Henrique, o filho de Leonor Nunes de Gusmão,
nasceu em 13 de janeiro e, Maria dava à luz a Pedro, o seu primogénito e único filho que sobreviveu, a 30 de agosto de 1334.
Entretanto, nem o nascimento do legítimo herdeiro ao trono castelhano veio apaziguar o atormentado coração da pobre Maria de Borgonha. Seu esposo não mudou o modo de portar-se com ela; pelo contrário, altamente envolvido com a sua amante, continuou a tratá-la, publicamente, com desdém, e o mesmo fazia a sua odiosa corte.
Por dois anos, ainda, Maria, às instâncias da avó, que dela não descuidava, a mandar-lhe constantes recados e a escrever-lhe longas cartas, com o fito de dar-lhe suporte directo àquela terrível provação, conseguiu a pobre rainha consorte de Castela aguentar o suplício que lhe impunham o desalmado esposo e a sua detestável corte; entretanto, depois desse longo tempo, Maria acabou por não suportar tamanhas provocações e, nem mesmo os amoráveis e sábios conselhos da avó conseguiram suprir-lhe tão execrável condição e, então, num ato decidido, diante de tanta afronta que lhe faziam, decidiu-se por deixar o palácio e foi morar, juntamente com o filhinho, no Monasterio de La Cartuja de Santa Maria de las Cuevas, nos arredores de Sevilha.
Sabedor de tamanha infâmia que o genro propiciava à filha, Afonso IV de Portugal, de índole facilmente excitável, anelava saltar sobre Castela, com o propósito de chamar o odiento genro às falas. Entretanto, só ainda não tinha invadido o reino vizinho pela insistência da sua mãe, Isabel, que sempre preferira o diálogo, antes do uso da força. Porém, a gota d'água que faltava, a repletar a taça da paciência do rei português foi a atitude que a filha tomara, num momento de desespero, de deixar seu posto de rainha consorte de Castela e se internar num convento. A corte portuguesa, por essa época, achava-se em Estremoz, e para lá se dirigiu Isabel, em meados de março de 1336, com o propósito de impedir mais uma tragédia.
- Tu devias, primeiro, buscar outros meios - insiste Isabel com o filho -, antes de te lançares com toda a tua força sobre o teu primo!
- Não, mãe! - retruca o rei português, inflamado pela ira intensa. -Desta vez aquele desgraçado haverá de pagar-me caro por tamanha ofensa!... Quem pensa ele que é, a fazer-nos tamanha afronta?
- Tua irmã também padeceu os horrores do inferno, junto aos castelhanos!... Tu bem sabes disso! - insiste a rainha.
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Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini - Página 10 Empty Re: Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 22, 2024 7:16 pm

- E o teu pai, às minhas instâncias, desistiu de combatê-los!... Fáz-lo também tu!... Deixa a meu critério resolver esse impasse!... Permite que me vá a Castela, a confabular com Afonso!
- Nunca! rebate o rei. - Seria humilhar-te em demasia, diante daqueles desgraçados castelhanos!... Não!... Não te darei permissão a fazeres tamanho despropósito!
- Oh, Afonso - prossegue Isabel, em sua difícil missão de demover o filho de ir adiante, em seu intento de defrontar Castela. - Melhor que sofra uma só alma que milhares venham a perder a vida!... Poupa-te de mais essa desgraceira!... E, além do mais, Maria e o teu neto poderão sofrer terríveis consequências, se não chegares a tempo de libertá-los!... Não crês que poderão assassiná-los, mesmo antes que chegues a Sevilha?
- Oh, juro-te, mãe, que, se algum miserável castelhano ousar tocar um só dedo em Maria ou em seu filho, o reino de Castela deixará de existir sobre a terra! - brada Afonso de Borgonha, a fremir de ódio intenso. -Ah, que se atrevam a fazer tamanho despautério contra mim!
- E se, antes, tratasses de trazer cá Maria e seu filho, a pô-los a salvo? - prossegue a rainha, com o propósito de ganhar tempo, a fim de, mais tarde, convencer o filho a não ir adiante em seu intento. - Mais fácil ser-te-á trazê-la em segurança, entre nós!
-Não! - rebate, ainda mais furioso, o rei. - Crês, acaso, que, um dia, eu me acovardaria ou me humilharia diante dalgum castelhano?... Jamais!... Antes, deverei passá-los, um a um, ao fio da minha espada!
- Pondera, primeiro, meu filho! - prossegue Isabel. - Que adiantaria abater-te sobre o teu genro e lá só fosses buscar os cadáveres de Maria e do seu filhinho?... Peço-te, por Deus, Afonso, espera um pouco mais!
-Não, a minha paciência já se esgotou! - responde o rei português!... Além do mais, não é apenas essa afronta que me faz Afonso que anda a aborrecer-me: há outra! Sabes muito bem que aquele desgraçado brinca comigo, a meter mais e mais empecilhos à vinda da consorte de Pedro!
- Sei que Afonso anda a fustigar-te, também, com mais essa! - diz a rainha, a segurar as trémulas mãos do filho. - Tem paciência e usa a diplomacia, que ele cederá!
- O matrimónio de Pedro e Constança já se deu; tudo se acha justo e combinado e, entretanto, o que faz aquele miserável? Impede-a de cá vir, definitivamente, a consumar o casamento com o meu filho!... Até o dote já me pagou!... Que mais quer ele?... Já não desdenhou da pobre a não mais querer, com o propósito de humilhar o seu pai, não consumando o casamento e a mantendo presa em Toro? Que mais deseja agora? Reabilitar o casamento com ela e, desta vez, repudiar a minha filha?... Ainda não consegui atinar com os propósitos que alimenta aquele ordinário!... Oh, mãe, tens de enxergar que Afonso é um desgraçado covarde, a lançar odiosas afrontas por todos os lados!... É preciso que se lhe dêem uma lição! Que pensa ele ser? O dono do mundo?
- Estás coberto de razões, meu filho! - exclama a rainha, procurando acalmar o filho, pois sabia que era preciso empregar muita diplomacia e se empenhar ao máximo, a fim de evitar aquela invasão portuguesa em Castela, fato que abriria precedentes para o revide de Afonso, a dar sanha a seus odientos propósitos de acabar com a precária paz que vinha sendo mantida, a duras penas, entre os dois reinos. No fundo, o que o rei castelhano desejava, mesmo, era dar vazão à velada inimizade que, historicamente, sempre existira entre os dois povos. - Afonso espicaça-te, porque deseja a guerra, nada mais que isso! E pretendes, então, cair-lhe nas malhas da rede?... Pondera bem, antes: é isso que realmente desejas? Iniciares uma guerra que tem época a começar, mas que, certamente, não terá prazo a findar-se?... - e súplice: - Oh, meu filho, age como sempre fez o teu pai!... Nem sempre ceder ao inimigo é sinal de fraqueza: às vezes, é demonstração de alta sabedoria!... Mais o farás fremir de raiva e de despeito, se lhe ignorares as provocações!... Agirá ele, então, como o escorpião: vendo-se incapaz de picar o ofensor e, cheio de ódio e de despeito, ferir-se-á a si mesmo com o próprio aguilhão!
- Gostaria de enxergar as coisas como tu, minha mãe! - diz o rei português, a beijar a mão da mãe que mantinha entre as suas. - Respeito-te, como sempre o fiz, bem o sabes, mas não posso fazer como me sugeres!... A honra de Portugal acha-se em jogo! Como ficarei diante de todos? - e, depois de instantes de silêncio que se estabelecera entre ambos: - É imperioso que eu demonstre a minha força àquele cão!
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Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini - Página 10 Empty Re: Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 22, 2024 7:16 pm

- Mas te achas assim preparado? - pergunta Isabel, altamente preocupada. - Teu poderio encontra-se, de fato, superior ao dele?
- Tenho a real força e, se preciso for, lançarei mão de mesnadas! 6 -Ah, filho! - insiste Isabel, ainda uma vez. - Deixa-me ir ter com
Afonso... Ele é meu neto e sei que me ouvirá!
- Perderás o teu tempo, mãe! - rebate o rei português. - Aquele infame a ninguém respeita!... Além do mais, correrás o risco de, também tu, lá te veres afrontada por aquela gente odiosa!
-As afrontas a mim não me atingirão, Afonso, garanto-te! - segue a rainha em seu difícil intento. - Penso, antes, no acordo que poderá advir entre ti e ele!... Deixa-me, ao menos, tentar!
- Não, mãe! - diz o rei português. E a mostrar-se, já, enfarado daquelas conversas: - Desta vez, não te ouvirei!... Mostrarei àquele estúpido que um rei português jamais foge à luta!
- Mas e a tua filha e o teu neto? - pergunta a rainha, a demonstrar intensa preocupação. - Como farás para protegê-los?
-Não nos será difícil trazê-los cá! - responde o rei. -Como se acham internos em La Cartuja, basta que gente de nossa confiança vá até lá e, à noite, possam trazê-los em segurança até nós!
Isabel ressume-se a emitir fundo suspiro. Sabia que nada mais que dissesse demoveria o filho daquele intento. A ela restaria, tão-somente, orar, com fé, para que as coisas andassem bem.
* * * * *
Três dias depois, em Sevilha, em noite alta dos primeiros calores do verão, a jovem rainha de Castela, deitada ao lado do filhinho, em singelo leito de uma cela do Monasterio de La Cartuja de Santa Maria de las Cuevas, não dormira, ainda, apesar do avançado das horas. Seus olhos perscrutavam a semiobscuridade do ambiente, enquanto o pensamento fervilhava.
Mágoa intensa tomava-lhe o coração. Por longo tempo, vinha pensando em sua triste situação. Por inúmeras vezes, perpassara-lhe à cabeça o desejo de regressar a Portugal. Entretanto, as constantes cartas que recebia da avó, a instarem, continuadamente, que ela não fizesse aquilo, desencorajaram-na. Porém, ao deixar o palácio e vir internar-se no convento não surtira o resultado que ela previra. Já fazia um bom tempo que ali estava, e o esposo não viera buscá-la; sequer tomara conhecimento da atitude da esposa e nem mesmo se importara com o fato de ela carregar o infante junto de si. A demora em advir uma solução para a sua situação afligia-a, enorme te. Naquela noite, em especial, achava-se ainda mais amargurada. Cheia de desgosto, fixa os olhos lacrimejantes no rostinho do filho que, inocente do terrível drama que roía a alma da sua mãe, dormia tranquilo.
- Oh, meu anjinho! - exclama Maria de Borgonha, a passar, leve-vente, a ponta dos dedos pela face rosada do filho. - Dormes tão sossegado!... Sequer tens noção da desgraceira em que se tornou a nossa vida!... Teu pai não nos quer; tem as atenções todas voltadas para o teu irmão bastardo e para aquela ordinária que lhe roubou o coração! - e, com as lágrimas a rolarem-lhe face abaixo: - Que destino terá Deus reservado para ti, meu anjo?... És o herdeiro natural do teu pai, mas ele não te quer!... Nasceste com a coroa castelhana à cabeça, porém que armadilhas preparam para ti os teus inimigos?... Será que te deixarão cingir a coroa de Castela, um dia?
Maria de Borgonha perscrutava a singela cela e soluçava, diante das incertezas que lhe reservava a existência. Lembra-se da avó e da inusitada vez em que ela viera a Castela, de maneira tão estranha! A avó era uma pessoa tão diferente das demais!... Tão forte, tão segura, diante dos reveses da vida!... Oh, como gostaria de tê-la, ali ao lado, a dar-lhe a confiança e a segurança necessárias para enfrentar tamanhas dificuldades que a vida apresentava-lhe!...
Neste comenos, fracas batidas à porta da cela fazem-na sobressaltar-se. Quem seria àquelas horas?... O monastério todo já dormia, havia tempo, mergulhado no mais profundo silêncio!
Com o coração apreensivo, Maria encaminha-se à porta da cela.
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Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini - Página 10 Empty Re: Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 22, 2024 7:17 pm

-Majestade, perdoai-me a intromissão! - diz a superiora do convento, num sussurro, e a dobrar, ligeiramente, os joelhos, em curta reverência: - Porém, há algumas pessoas a buscarem-vos, da parte do vosso pai!
- Do meu pai?! - espanta-se a jovem rainha. - Que quererá de mim o meu pai?
- Nada sei, senhora! - responde a monja. - Contudo, solicitaram-me que vos levasse até eles, juntamente com o vosso filhinho, e que nada ajuntásseis a carregar convosco, além da criança!...
- A minha capa, senhora! - diz Maria, a azafamar-se. - Auxiliai-me com a minha capa!
- Por Deus, aviai-vos, senhora! - fala a freira, em atropelos. - Têm muita pressa aqueles cavalheiros!...
- Majestade!... - exclamam em uníssono e a fazerem longa reverência diante de Maria os três cavalheiros que se postavam no saguão, a aguardarem-na, ansiosos. E um deles, adiantando-se dos demais, declara: - Por ordem do vosso augusto pai, o rei, aqui estamos com o propósito de conduzir-vos, senhora, de volta a Portugal!
- Mas a estas horas?! - espanta-se a jovem rainha. - Não seria mais aconselhável que se viajasse ao amanhecer?
-Não, Majestade! - rebate o cavalheiro. - Trazemos para vós montaria adrede preparada. Urge que deixeis Castela imediatamente! Pelo caminho, dar-vos-emos específicos esclarecimentos a respeito!
Maria, acompanhada dos três cavalheiros, deixa Sevilha em plena escuridão da noite. Aos braços, carregava o filhinho que, inocente das desgraceiras do mundo, prosseguia a dormir profundamente.
- Nada podeis adiantar-nos do que deseja de nós o nosso pai? - pergunta a jovem rainha de Castela.
- Vosso pai decidiu por invadir Castela, senhora. - responde o cavalheiro. - Nossas forças já se acham aquarteladas à raia castelhana. Aguarda-se, apenas, o nosso regresso, para que a agressão se instale.
- E onde se encontra o meu pai?
- Sua Majestade aguarda-vos em Estremoz, senhora - responde o homem. - Portanto, tem-se largo troço a ainda cavalgar até que lá se chegue!
Árduas horas de cavalgada ininterrupta até que o grupo chegasse a Estremoz. Lá se achavam o pai de Maria, D. Afonso IV, mais a amorosa avó, que a receberam de braços abertos.
- Oh, meu tesoiro! - exclama Isabel, ao abraçar-se, em lágrimas, à querida neta. - Tanto rezei, para que Deus ma trouxe sã e salva!
- Ai, que vida desgraçada, senhora! - exclama a jovem Maria, a abraçar-se à querida avó!
- Porém, doravante, aquela gente maldita não mais te achincalhará! - diz o rei português, abraçando-se, também, à filha. - Vamos pô-los abaixo dos nossos pés, duma vez por todas!... Haverão de honrar-te, definitivamente, como rainha e mãe do herdeiro que já deste àquele reino!... Verás: diante das nossas forças, tremerão acovardados!... Conheço-os muito bem!
- Oh, pai - geme a jovem rainha de Castela. - Por que foi preciso que se chegasse a tanto?
- Ainda há tempo, Afonso - insiste a rainha. - Já temos Maria e o seu filho, a salvo, entre nós!... Desiste de afrontá-los!... Deixa-me antes lá ir, a confabular com o meu neto!... Sei que me ouvirá!
- Não, mãe! - persiste Afonso. - E ter de engolir tamanha afronta daquele um?... Jamais!
- Minha avó tem razão, senhor! - diz Maria, a tentar convencer o pai. - Afonso é um homem frio e orgulhoso; dificilmente se submeterá a vós pela força!
- Se não se sujeitar a nós, mesmo diante duma derrota flagrante, matá-lo-ei eu mesmo!... Juro a ambas que disso me encarregarei pessoalmente! Homem que assim age não se presta a ser rei!...
- Por Deus, Afonso - insiste Isabel. - Queres tornar-te o assassino do pai do teu neto?... Que não se dirá do teu carácter?
- Que fui homem valente, a lavar a honra da minha filha com o sangue dum covarde insensato!
Nesse comenos, à vista das tropas portuguesas que se aquartelavam a raia dos dois reinos, em Badajoz, Afonso de Castela, por esse tempo, já sabedor da fuga da esposa e do filho, apresta-se a buscar a defesa do seu território, indo, também ele, aquartelar-se bem em frente àqueles sítios, com o intuito de provocar, ostensivamente, o sogro. Afonso de Portugal, então, tomando-se de insofreável ira, ordenou que se iniciasse o ataque.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 22, 2024 7:17 pm

Ligeiro entrevero deu-se logo entre as forças portuguesas e castelhanas, a romper a ténue paz vigente, até então, entre os dois reinos.
Isabel, Maria e Beatriz, sua mãe, permaneceram em Estremoz, na expectativa do desenrolar dos acontecimentos.
- Ai, Deus, misericórdia para essa gente louca! - rezava Isabel, de joelhos, diante do seu altar móvel. - Fazei-os interromperem tamanha sandice!... - suplicava ela, com ardente fé, diante da imagem de Jesus Crucificado.
Horas a fio, a velha rainha de Portugal manteve-se diante do altar, a suplicar a Deus
interviesse a dar fim àquela guerra estúpida que travavam entre si, portugueses e castelhanos, por motivo tão absurdo!
Por fim, depois de longo tempo e a não sentir mais as pernas pelo intenso sacrifício que fazia, já, havia tanto tempo, Isabel resolveu-se por interromper as suas preces. Levanta-se, tropegamente, e vai ao encontro da neta, da nora e do netinho que repousavam em cómodo reservado.
- Deus haverá de ouvir as minhas súplicas! - diz ela à neta e à nora. - Tamanho absurdo não haverá de prosseguir!... Aqueles dois haverão de cair em si!
- A mim me parece muito difícil a solução de tal questão, senhora! - observa a neta, triste. - Tanto o meu pai quanto o meu esposo são homens obstinados!... Conheço muito bem a ambos!
- Maria tem razão, senhora! - exclama a rainha Beatriz? 7 - Conheço a pertinácia de ambos: um é meu esposo; o outro, meu sobrinho neto!
- Uma vez consegui evitar que Afonso e o pai se metessem em guerra estúpida quanto esta que estão a armar! - diz Isabel.
- E como conseguiste tal artimanha, senhora? - pergunta Maria.
- Meti-me a cavalgar a minha mula entre as duas forças, colocando-me como alvo principal dos tiros! - responde Isabel. E, pondo-se a cismar, por instantes, ao fim dos quais, prossegue: - Penso não ser hora de fazer o mesmo, de novo, a conter aqueles dois caturras!
- Se isso fizerdes, presumo que te terão, desta vez, à conta duma doida! - diz D. Beatriz. E, além do mais, estais doente, senhora!... Percebo o intenso sofrimento que causam os males que vos acometem!... Já não é hora de deixardes a vosso filho a função de gerir as questões do Estado?... Já fizestes muito bem a vossa parte!
- Que pensem de mim o que desejarem! - rebate Isabel, decidida. - Mas tenho de pôr fim a essa sandice! - e, a olhar, insistentemente, para a neta: - Diz-me, com toda a sinceridade, minha filha: tu estarias disposta, mesmo em sacrifício da tua vida, a retomares ao lado do teu esposo?... Pensa bem, lá é o te lugar!... Acaso o teu filho não é o herdeiro natural da coroa de Leão e Castela? É teu dever zelares para que isso, efectivamente, aconteça, um dia!
- E se te afastares da corte castelhana, mais fácil será aos usurpadores seguirem adiante em seus intentos!... - e, em tom súplice: - Peço-te, pondera bem!... Se deixares o teu posto, a outra, certamente, tomará o teu lugar! Não entendes que é exactamente isso que pleiteiam ela e aqueles que lhe querem ver o filho cingir a coroa castelhana em detrimento do teu? Anelam, sim, ver-te fora, a lhes facultares tal pretensão!... Além do mais, evitarás mais derramamento de sangue, nesta peleja inútil e absurda! Vamos, meu bem, dá-me a palavra de que tu assim agirás! Toma o teu filhinho e vai de volta a Castela!...
- Acho que a tua avó tem razão, Maria! - diz D. Beatriz. - Para o momento, é o melhor que devias fazer!...
No campo de batalha, a peleja entre castelhanos e portugueses prosseguia, em ligeiras escaramuças, ao final das quais, recolhiam-se os dois exércitos, cada qual a seu canto, a se medirem, reciprocamente, a pouca distância, como se esperassem que aqueles entreveros já houvessem servido de lição ao oponente.
Do alto de uma colina, Afonso de Portugal, juntamente com o filho que, pela primeira vez em sua vida, participava de uma batalha, estudava as posições do inimigo que se aquartelava à pouca distância da raia entre os dois reinos.
- O maldito não se deixa abater! - resmunga, entre dentes, o rei português ao filho, a sondar a postura do genro provocador.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 22, 2024 7:17 pm

- Não seria mais certo se nos arremetêssemos sobre aqueles cães castelhanos, a tocá-los de volta a seu covil? - Observa o herdeiro da coroa portuguesa.
- Acho que tens razão, Pedro! - diz o rei português, depois de cogitar por instantes. - Se nos mantivermos nessa brincadeira de gato e rato, isso é que não termina nunca!
- Pois assim deverá ser, meu pai! - continua o infante. Se saltarmos sobre eles com toda a nossa força, a invadir-lhes a terra, penso que fugirão como ratos chamuscados, a acobertarem-se atrás dalgum reduto fortificado! Em campo aberto, acham-se vulneráveis!
- Tens toda a razão! - exclama Afonso de Borgonha, a abrir um sorriso orgulhoso. E, apondo a mão sobre o ombro do filho, prossegue:
- Vejo que te revelas hábil estrategista! Era, pois, exactamente isso que eu pretendia fazer!
Nesse comenos, avistaram pequeno grupo que cavalgava em sua direcção.
- Quem serão os que lá vêm? - observa Pedro de Borgonha, a pôr a mão em concha acima dos olhos, para melhor ajustar a vista.
- Tua avó e a tua tia lá vêm! - exclama o rei, a contrariar-se, enormemente. - Que quererão elas aqui? O campo de batalha não é lugar seguro para damas!
- Minha avó sempre te surpreendeu, não é? - exclama o infante português. - Tu não consegues nada fazer sem que ela, primeiro, venha aconselhar-te!
- Assim sempre foi! - diz o rei, com fundo suspiro de agastamento.
- E também com o meu pai sempre agiu assim!... Mormente se a questão fosse uma guerra...
- Que farás?
- Deixemo-la, primeiro, dizer a que veio! - responde Afonso de Borgonha.
- Afonso! - exclama Isabel, ao aproximar-se do filho e do neto. - Preciso que me escutes!... Uma vez mais, peço-te!... Suspende os ataques e pede uma trégua! Deixa-me confabular com o meu neto! Maria predispôs-se a voltar a Castela, com o filho!
A velha rainha-mãe ofegava e intensa palidez cobria-lhe as feições. Dores acerbas acometiam-lhe o já cansado corpo.
- Não posso permitir que regresses para o lado daquele infame! - rebate o rei português, inflexível, dirigindo-se à filha. - Antes, dar-lhe-ei sentida lição, para que aprenda a tratar-te com o respeito e a dignidade que mereces!
- Oh, pai! - suplica a jovem rainha de Castela. - Minha avó tem razão: precipitei-me, quando deixei o posto que me cabia por direito; melhor que volte atrás, a corrigir esse malfeito!
- Voltarás para lá, sim! - responde o rei, com a voz firme. - Para lá sei que haverás de voltar, porque aquele lugar te pertence, e o teu filho será o rei de Leão e Castela!... Isso eu juro, por esta luz que nos alumia!... Por bem ou por mal, haverás de voltar a ocupar o teu posto!
- Atende o meu pedido, Afonso! - suplica Isabel, ainda uma vez. -Melhor que a tua filha retome a Castela, pelo caminho da paz!... Que lhe adiantaria regressar para junto do esposo, tendo sido ele humilhado por ti? Achas que, desse modo, acabará ele por tratar bem a tua filha?... Oh, meu filho, ledo engano cometerás, em assim procedendo! Não conheces, efectivamente, o poder que tem o orgulho ferido dum homem como o teu genro!...
- Que engula o orgulho! - brada o rei português, implacável. - Mas que lhe darei uma lição, estejam certos todos que assim farei! Nada me demoverá, agora, de voltar atrás!
Diante da rigidez das palavras do filho, Isabel faz significativo sinal à neta que, sem mais nada dizer, retornam a Estremoz.
Enquanto cavalgavam de volta, Maria percebia a acentuada palidez às faces de Isabel.
- Que tens, vovó? - pergunta a jovem rainha de Castela. - Tua palidez é patente!... Isso se dá tão-somente pelo malogro da nossa empreitada junto ao meu pai ou ainda há outra causa?
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 22, 2024 7:17 pm

Dói-me muito o meu braço, Maria! - queixa-se a velha rainha à neta. - Faz, já, alguns dias, que algo me brota por baixo da axila!
- E consultaste o teu médico?
- Sim, mas nada de grave notou ele; apenas um leicenço que ali anda a brotar!... Ui, e que dores anda a provocar-me!
- Devias, então, te manteres em resguardo, no leito!
- Oh, não seria para tanto, querida! - diz Isabel, a forçar um sorriso, no meio dos esgares de intensa dor.
- Creio que sim, senhora! - insiste a neta. - Tuas faces demonstram o contrário!...
- Deus haverá de prover-me a cura!
Ao chegarem ao Paço Real, 6 em Estremoz, Isabel foi forçada a buscar o leito, tamanho era o padecimento que aquele bubão, a brotar-lhe de sob o braço, causava-lhe.
Chamados foram os médicos da corte, a novamente examinarem a rainha D. Isabel. Desta vez, entretanto, a situação da venerável e piedosa dama inspirou cuidados e sérias apreensões a todos.
- Há que se fazer a extirpação do apostema, senhora! - diagnostica seu médico particular.
- Tendes a nossa permissão, D. Martinho1. - responde a velha rainha. - Fazei o que melhor achardes!
Então, logo em seguida, preparou-se D. Isabel para a cirurgia que durou não mais que duas horas. Extirpado o bubão, a rainha, entretanto, não apresentava melhoras; pelo contrário, intensa febre sobreveio-lhe, a fazê-la padecer ainda mais. Não suportando mais o sofrimento atroz, a insigne senhora não deixou mais o leito.
A noitinha, vendo os médicos que tudo o que aplicavam à rainha mostrava-se ineficaz, apresentaram-se eles, então, a D. Beatriz, a comunicar-lhe o grave estado de saúde de D. Isabel.
- Melhor então que se mande avisar o rei, senhor D. Martinho! - pergunta a rainha consorte de Portugal ao médico de D. Isabel.
- Assim devereis fazer, Majestade! - responde ele. - Temo que a rainha não passará desta noite!
Despachados foram, então, dois emissários a levarem a triste notícia a D. Afonso que se achava em seus arraiais, à fronteira castelhana.
Profunda tristeza abatia-se sobre toda a corte portuguesa. A amada e pia rainha-mãe agonizava, a meio de terrível sofrimento. As igrejas enchiam-se de devotos, a orarem e a fazerem promessas; missas eram ditas, umas atrás das outras, em intenção da recuperação da saúde daquela que era tida como a mãe dos pobres e dos desvalidos.
Entretanto, a grã senhora da caridade agonizava...
___________________________________________________________________________________________________________
1. A infanta Constança Manuel viria a casar-se, mais tarde, com o primo directo de Afonso XI, Pedro I de Portugal, filho de Afonso IV, irmão mais novo de Maria e neto de Isabel.
2.Leonor Nunes de Gusmão (1310 - 1351) era filha de Joana Ponce de Leão, bisneta do rei Afonso IX de Leão e de Pedro Nunes de Gusmão, pertencente à poderosa Casa de Gusmão. Foi casada com Juan de Velasco, que faleceu sem lhe dar filhos. Depois da morte do marido, foi amante do rei Afonso XI de Castela de quem teve os seguintes filhos: Henrique II de Castela; Pedro Afonso, Senhor de Aguilar; Fradique Afonso, Senhor de Haro; Fernando Afonso, Senhor de Ledesma; Telo Afonso, 1° Senhor de Aguilar de Campo; João Afonso, Senhor de Badajoz e Jerez; Sancho de Castela, Conde de Albuquerque e Joana Afonso.
3 Constança Manuel (1318-1345) nobre castelhana, rainha de Leão e Castela, consorte do infante D. Pedro de Portugal e mãe do rei D. Fernando I de Portugal. Filha de Constança de Aragão, era neta materna de Branca de Anjou, Princesa de Nápoles e de Jaime II de Aragão. O seu pai, o infante D. João Manuel de Castela, Príncipe de Vilhena e Escalona, Duque de Penafiel e tutor de Afonso XI de Castela, era neto do rei Fernando III de Castela.
4 A cerimónia realizou-se no Convento se São Francisco, em Évora, a 6 de fevereiro de 1336, com a presença do infante D. Pedro e dos seus pais, Afonso e Beatriz, e, por parte de Constança, seus procuradores Lopo Garcia e Fernão Garcia. O casamento realizou-se por procuração, portanto, sem a presença da noiva, uma vez que o rei castelhano não permitiu que Constança saísse de Cartela, com o propósito de espicaçar,, concomitantemente, os pais da noiva e do noivo.
5. O dote de Constança foi estipulado em 300 mil dobras, vultosíssima quantia à época.
6. Porção de soldados assalariados; tropa mercenária.
7. Beatriz de Castela e de Molina, (1293-1359), Infanta da Coroa de Castela e rainha de Portugal, entre 1325 e 1357, por seu casamento com Afonso IV de Portugal. Filha de Sancho IV, rei de Leão e Castela, e da rainha Maria de Molina.
8. O Paço Real, anexo do Castelo de Estremoz, no Alentejo, foi mandado construir por D. Dinis; localiza-se na cidade de Estremoz, freguesia de Santa Maria, Distrito de Évora, em Portugal. Entretanto, a grã senhora da caridade agonizava...
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 22, 2024 7:18 pm

Capítulo XXX - O adeus a Isabel
A rainha D. Isabel agonizava. Depois de ter buscado o leito, a piedosa senhora, tomada de intenso sofrimento, estertorava, cozida por febre contumaz.
- Onde está Afonso? - geme ela, a meio da intensa vasca que lhe causava o estado febril. - Desejo falar-lhe, antes que me vá!
- O rei já está a caminho, senhora! - responde a nora. - Tende paciência, um instante mais, que ele logo aqui estará!
- Afonso não pode seguir adiante, a afrontar o genro! - prossegue a velha rainha, com a respiração difícil. - Preciso fazê-lo parar com esta loucura!
- Acalmai-vos, senhora, que ele virá! - exclama Maria, a neta favorita.
- Vamos rezar, Beatriz] - convida Isabel, tomando, com extrema dificuldade, o rosário que mantinha ao pescoço. E, voltando-se para a neta que se conservava a postos, ao lado do leito: - Maria, também tu, vem, ajoelha-te cá e supliquemos a Deus que abrande o coração do teu pai!...
Mesmo sob o intenso peso dos extremados padecimentos, a venerável senhora principia a rezar o terço. A nora, a neta e as damas de companhia, todas genuflexas ao lado do leito, juntavam-se em coro às orações que comandava a velha soberana.
Por longo tempo, aquelas senhoras oraram. Por fim, percebendo que Isabel não mais possuía forças para seguir adiante, silenciaram; entretanto, se lhes percebiam os lábios a moverem-se em silentes preces. Todas, invariavelmente, tinham os olhos mareados pelo pranto. Aquelas mulheres sentiam-se tocar pelo intenso sofrimento pelo qual passava a amada companheira que se finava, entre terríveis espasmos de dor excruciante!
Isabel, vencida pelo cansaço, dormitava, a meio de incessantes gemidos.
Em pouco, entretanto, inopinadamente, abre os olhos e, aflita, passeia-os pela semiobscuridade reinante no ambiente.
-Onde está Afonso?... Por que ainda não veio cá ver-me?
- O rei apresta-se em vir, senhora! - responde Maria Ximenes Cronel, a fiel dama de companhia, com os olhos vermelhos pelo choro intenso.
- Põe-te a vigiar a janela, Ximena! - ordena a rainha à companheira de longo tempo. - Meu filho se demora tanto!...
Neste comenos, a porta da câmara da rainha abre-se, e D. Afonso entra, seguido pelo filho Pedro.
- Mãe! exclama ele, pondo-se de joelhos ao lado do leito de Isabel. E, tomando-lhe as pálidas e frias mãos, beija-as com grande afecto.
- Oh, que bom que vieste a tempo, meu filho! - exclama Isabel, a reacender a luz dos olhos que já principiavam a perder o brilho. - Deus ouviu-me as preces!... Aqui estás!
- Vim o mais depressa que me foi possível, mãe! - diz o rei português, tomando-se de alta compunção pelo estado crítico em que se encontrava a genitora.
- Oh, meu filho! - diz Isabel, a apertar forte a mão de Afonso. - Não desejava ir-me, de vez, sem de ti me despedir!... - e, a forçar um sorriso sincero, no meio de tanto sofrimento: - És o meu tesoiro e, como poderia ir-me, para sempre, sem, pela derradeira vez, ter-te em meus braços?
- Oh, mãe, como podes dizer, assim com tanta certeza, que já te vais? - pergunta o rei, com a voz embargada pela emoção.
- Eu o sei, meu filho! - responde Isabel. - E chegada a minha hora!...
- e, depois de curto silêncio: - Mas, antes de me ir ao encontro de Deus, desejo que me prometas algo...
- Prometo-te! - diz o rei, sem cogitar, de momento, sobre o que lhe pediria ela. Achava-se tomado de muita fragilidade, diante da perspectiva da morte da mãe.
- Cessa tuas represálias contra o teu genro!... - diz ela, a fitar, intensamente, os olhos do filho. - Permite que me vá feliz, deixando-te em paz com os castelhanos!... Assim, salvaguardarás o futuro do teu neto, como rei de Leão e Castela!
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 22, 2024 7:18 pm

- Mas, e como ficará a nossa honra?... - rebate ele. - Como se achará Maria, diante das afrontas que lhe dirigiram aqueles malditos?
- Perdoa-os... - responde Isabel. - Não existe nada mais dignificante que o perdão!... E serás tido como magnânimo, sábio e forte, pois somente os que realmente são fortes é que têm a capacidade de perdoar; os pusilânimes preferem a vingança, o revide!... Mostra a eles que és superior!... Se anelas, verdadeiramente, dar-lhes fina lição, perdoa-os!
- Está bem, senhora! - diz o rei português, vencido, finalmente, diante dos argumentos que lhe apresentava a mãe. - Ainda hoje, retirar-me-ei da raia castelhana.
- Deus cobrir-te-á de luz, meu querido, por este ato de amor!... - diz Isabel, com um suspiro de alívio. - Tens o coração justo e bom!... A razão venceu mais uma vez!... Agora posso ir-me feliz!
E, voltando-se para a neta, faz-lhe sinal para que se aproximasse do leito.
- E tu, Maria, retorna a Castela e toma lá o lugar que Deus te deu, como rainha e mãe do futuro rei daquele reino - e, tomando as mãos da neta entre as suas: - Não concedas tanta importância, assim, à felicidade que anelavas ter no teu casamento com Afonso!... - e, a fitá-la, firmemente, aconselha: - Perdoa-o, pois ele é o pai do teu filho! Se ele não te ama e não te respeita, ama-o tu, respeita-o, faze a tua parte! - e a abrir breve sorriso: - Sabes, Maria, ao amor não se força. Ou ele brota espontâneo, cristalino e transparente, como as águas de uma fonte, ou não é amor! Decididamente, Afonso não te ama! E não poderás, jamais, forçá-lo a amar-te!... E, se, eventualmente, tu o amas, prossegue assim, amando-o, mesmo que não consigas aprisioná-lo em teu coração, pois os que amam, de verdade, têm incomensurável prazer em se deixarem aprisionar um no coração do outro!... Amar é achar-se, voluntariamente, encarcerado em deleitosa prisão!... E não almejar, nunca mais, a pretensa liberdade e ter de desferir, depois, o frio voo da solidão!... - e, depois de curto silêncio: - Agora, promete-me: vais, de volta, com o teu filhinho, para o lugar que Deus te reservou?
- Sim, querida! - responde Maria de Bragança, com a voz embargada pelo pranto. - Prometo-te!
E, principalmente - prossegue a rainha, com grande dificuldade -, nunca procures ir à forra!... Perdoa sempre!... Não deixes que a vingança venha embotar-te a pureza e a simplicidade que sei, sempre carregaste, aí, no teu coração!... E exactamente por isso que lá não te aceitam: porque és pura e gentil!... Tua alma é doce, Maria, e não te permitas nunca ensalmoirar o coração, a troco de uma vingança que te transformará a vida num inferno!... E procura educar tu, o teu filho, para que se saia justo, bom e forte na fé em Deus!... Promete-me, Maria, que zelarás para que o teu filho cresça, consoante os mandamentos de Deus e da Santa Igreja! 1
- Prometo-vos, senhora!
- Eu vos deixo em paz, queridos! - diz a rainha, a postar, demoradamente, os olhos desmedidamente vermelhos pelo ardor da febre, no rosto de cada um dos que se achavam ali.
Silencioso, o pranto banhava a face daquelas pessoas que assistiam à piedosa rainha, em seus derradeiros momentos neste mundo.
O peito da venerável senhora arfava, em consequência da respiração que se lhe tornava cada vez mais difícil.
- Meus queridos - diz a rainha, com a voz fraca -, peço-vos que oreis, com fé, pela minha alma!... E chegado o momento de eu me apresentar diante de Deus!...
Um silêncio, forrado de dor e de compunção, seguiu-se às palavras da rainha D. Isabel que, tomada por altos estertores, gemia intensamente, em consequência dos acerbos sofrimentos que a acometiam.
De repente, a rainha levanta a cabeça do travesseiro, com extrema dificuldade, e seu rosto ilumina-se. Ordena, então, à nora que tomava assento em poltrona aos pés do seu leito:
- Beatriz, minha querida, cede o teu lugar à excelente dama de branco que acaba de chegar!
Todos se entreolham. Certamente, a rainha variava, diante de tanto sofrimento, pois não se via ninguém com aquele aspecto ali. A rainha Beatriz, entretanto, levanta-se, a deixar vago o lugar que ocupava.
Ave sem Ninho
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Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini - Página 10 Empty Re: Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

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