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Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Abr 11, 2024 7:20 pm

- E deixa que os virotões prepararei eu! - emenda Constança, decidida. - Não confiarei tal mister a ninguém, e penso que tal detalhe deverá permanecer apenas entre nós dois. Além do mais, tenho em meu poder pequeno frasco de potentíssimo veneno que adquiri, certa feita, de velho herbanário cipriota, ainda quando eu vivia em Palermo. Garantiu-me o bruxo que seu efeito far-se-ia fulminante, em pouquíssimos segundos!... Testei-o, certa feita, num daqueles colossais mastins, empregados na guarda do palácio, e o bicho expirou em segundos!... - e explode em mefistofélica gargalhada: - Ha!... Ha!... Ha!... Ha!...
- Oh, mais um motivo para eu me encher de medos de ti, minha cara! exclama Pedro de Barcelona, a simular altíssimo apavoramento. Depois,
a rir-se, emenda: - Não é que me casei com legítima Messalina?14
- Oh, a quem me comparas!... - retruca ela, fingindo amofinar-se.
- Apenas brinco contigo, minha cara!... - diz ele, a atraí-la para si e a estreitá-la, apaixonadamente, aos braços fortes.
- Oh, Pedro!... - murmura ela, com a voz rouca, e a tomar-se de incontido arroubo, olha-o, fundo, nos olhos e continua: - Tudo dará certo, tu verás!...
Através da alta janela do aposento real, a tarde insinuava-se radiosa e banhada pelo esplêndido sol valenciano, enquanto longo e voluptuoso beijo silenciava a boca carnuda e aflante da futura rainha de Aragão...
______________________________________________________________________________________________
1. O Réquiem. No rito católico, oração que se fazia nos actos fúnebres. O texto todo: "Requiem aeternam dona eis, Domine, et lux perpetua luceat eis. Requiescant in pace. Amen."
2. A Catedral de Valência, a princípio, fora uma mesquita muçulmana e, desde a sua origem, em 1238, encontra-se consagrada à Virgem Maria, ante cuja imagem celebrou a primeira missa o bispo Pere de Albalat. Essa imagem era propriedade do mesmo Jaime I que, após a reconquista de Valência, armou-se com um martelo de prata e destruiu as paredes do templo onde havia a decoração muçulmana. A essa tarefa somar-se-iam seus homens, deixando a mesquita convertida em ruínas, em poucas horas.
3. Na Idade Média, a partir do século XII, surgiram as "poulaines ", calçados extremamente pontudos e fabricados em couro, veludo ou seda e bordados com fios de ouro, muito difundidos, então. E, quanto maior fosse o bico do sapato, mais importante seria o seu dono, caracterizando, destarte, a ordem hierárquica de quem o possuísse.
4. "-Adeus, meu amigo!... ", em aragonês.
5. Em Fevereiro de 1221 Jaime de Aragão contraiu matrimónio com a infanta Leonor de Castela (1202-1244), filha de Afonso VIII de Castela e Leonor Plantageneta. Desse casamento, anulado pelo papa Gregório IX, em 1235, por consanguinidade, nasceu Afonso, príncipe herdeiro de Aragão (1229-1260), casado com Constança de Moneada. A 8 de Setembro de 1235, o rei casou-se, em segundas núpcias, com Iolanda (1215-1251), filha de André II da Hungria e de Iolanda de Courtenay, princesa de Constantinopla. Antes de enviuvar, em 1251, nasceram: Violante (1236-1301), casada com Afonso X de Leão e Castela; Pedro III de Aragão e Sicília (1239-1285), seu sucessor no trono da Coroa de Aragão; Constança, infanta de Aragão (1238-1269), casada com Manuel, infante de Castela, senhor de Escalona e Penafiel, irmão de Afonso, o Sábio; Jaime II de Maiorca (1243-1311), herdeiro do reino de Maiorca, que compreendia as ilhas Baleares, os condados de Rossilhão e Cerdanha, e parte da Occitânia; Fernando (1245-1250); Isabel, casada com Filipe III de França, filho de São Luís; Maria (1248-1267), religiosa; Sancho (1250-1279), arcediácono em Belchite, abade em Valladolid e arcebispo de Toledo, faleceu prisioneiro dos mouros de Granada e Sancha, monja, que morreu em Jerusalém.
6. Rio Túria. em cuja margem direita ergue-se a cidade de Valência.
7. Constança de Hohenstaufen (1249 - 1302) foi princesa da Sicília e rainha consorte de Aragão de 1275 até à sua morte.
8. "-Assim é!... (...) Não!.... ", em aragonês. "- Se fosse vós, nada diria!... ", em aragonês.
9. “ – Se fosse vós, nada diria!...”, em aragonês.
10. Por essa época, final do século Xlll, ainda se discutia se as mulheres teriam ou não uma alma semelhante à dos homens.
11.O relacionamento homem-mulher, no decorrer da História da Humanidade, tomou características bem diversas. Na baixa Idade Média, época em que se passam os presentes factos, vigia o amor cortês - situação em que o relacionamento dos casais tinha como referência a relação de vassalagem, existente entre os senhores e os seus servos, além do Código de Honra da Cavalaria Medieval. Diferentemente do que aqui afirma o personagem, na realidade, a mulher não passava de uma serva do homem.
12. Pequeno dardo disparado pela balestra ou besta, arma inventada pelos romanos e largamente empregada na Idade Média.
13. A partir do reinado de Pedro II, avô de Pedro III, e por bula papal de 6 de Junho de 1205, os monarcas aragoneses passaram a ser coroados pela Santa Sé, devendo fazê-lo na Sé de Saragoça Pelo arcebispo de Tarragona.
14. Valéria Messalina Augusta, (17 - 48 d.C.) foi a terceira mulher do imperador Cláudio. Filha de Marco Valério Messala Barbato Suetónio, membro de uma família tradicional da aristocracia da República Romana, e de Domícia Lépida, casou-se com Cláudio em 38 d.C. Messalina é descrita como uma mulher cruel e ambiciosa, com enorme influência sobre o marido, incentivando-o a mandar executar todos aqueles que a ela desagradavam.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Abr 11, 2024 7:20 pm

Capítulo IV - Tramas e traições
Jaime de Barcelona olha, contra a luz da janela, o esplêndido anel de ouro maciço que houvera recebido, um pouco antes, das mãos de um emissário do irmão. Depois, relê, com o cenho carregado, as palavras rabiscadas, a próprio punho, num pergaminho que acompanhava aquele mimo, inusitadamente recebido àquela hora da manhã:
"Receba, amado irmão, esta preciosa jóia, digna de ser ostentada à mão do futuro rei de Maiorca. E que ela seja o lastro a contrapesar o meu pedido de desculpas pelo infausto acontecido de ontem. Queira Deus que a tua bondade seja do tamanho da capacidade que tem o teu coração de remir o nosso ultraje a ti endereçado. Perdoa-me, irmão, por Deus e pela memória do nosso amado pai.
Beijo-te, Pedro "
- De quem recebeste tal preciosidade?... - aproxima-se, altamente interessada, a esposa de Jaime 1
- Do meu irmão - responde o infante de Aragão, com fundo suspiro de agastamento, enquanto depositava o anel à palma da mão da mulher.
- Oh, põe-no ao indicador!... - exclama Escalamonde, devolvendo a finíssima joia ao marido, após detalhado e meticuloso exame. E, a abrir largo sorriso de satisfação, insiste: - Vamos!... Põe-no ao dedo!... Quero ver como te fica ele!
-Não!... - responde Jaime, cheio de rancor. - Nada quero que venha daquele ordinário!... Vou devolver-lhe o anel!...
- Oh, por que ages assim? - exclama Escalamonde de Foix, olhando em redor.
- Todos os teus leais companheiros estão a observar-te!... Vamos, mostra que és superior àquele pulha e aceita o anel, vamos!...
- Não! - responde o herdeiro do trono de Maiorca. - Jamais lhe perdoarei tamanha afronta!... Humilhou-me, diante de todos!
- Entretanto, mostra-te superior a ele!... - diz ela. E, a baixar, propositadamente, a voz, cochicha-lhe: - Melhor tu te sairás, tendo-o como aliado!... Esqueces-te de que ele herdará Aragão, Valência e a Catalunha?... Em contrapartida, tu...
- Já o sei!... - exclama Jaime de Aragão, extremamente irritado. -Não precisas atirar-me às fuças que herdei querelas!...
- Oh, também não é assim!... - diz ela, a comedir-se, para não enfurecê-lo ainda mais. - Teu pai foi até bom contigo... Imagina se faz como as demais casas reinantes!... Teu irmão levaria tudo, por ser o primeiro na linhagem da sucessão, e tu e eu ficaríamos a ver navios, na expectativa de que ele e seus herdeiros morressem todos!... Oh, Jaime, teu pai legou-te uma coroa também!... Não é o que desejavas, mas serás rei como o teu irmão!...
- Serei rei, sim, minha cara, mas de algumas ilhas e de uma nesga de terra no continente e de alguns castelos, somente!... Enquanto que ele...
Escalamonde de Foix limita-se a suspirar fundo. Em seguida, olha em redor. Aquela discussão suscitara o interesse das três dezenas de homens e mulheres - a reduzida corte - que ali se reunia com eles, naquela ensolarada manhã, no amplo salão de banquetes do palácio real de Valência. Todos se haviam calado, de inopino, a espicharem as orelhas, para bisbilhotarem o que diziam o príncipe e a princesa.
- Agora toda a tua corte já sabe que o teu irmão mandou-te um rico presente, que te pede perdão e, ainda, que tu é que não desejas reatar amizade com ele!... - cochicha ela. - Já podes concluir, então, quem será o malvado nesta história toda...
- Pouco me importa o que pensem de mim! - diz Jaime, a encaminhar-se para o parapeito de uma das janelas do salão. E após percorrer, com os olhos, demoradamente, a esplêndida paisagem da cidade que se descortinava abaixo, diz, entre dentes, a morder as palavras, cheio de ódio: - Por mim, matava aquele desgraçado!...
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Abr 11, 2024 7:21 pm

Em pouco, novo mensageiro de Pedro chegava ao salão onde se achavam Jaime, a esposa e o seu séquito; faz longa mesura diante do infante de Aragão e, a desenrolar um pergaminho, alteia a voz, e se põe a ler:
"Sereníssimo Senhor Dom Jaime,
Sua Alteza Real, o Infante Pedro de Aragão suplica a vossa prestimosa atenção para este humilde convite que vos faz, para caçada ao faisão, em que ele e seus insignes pares tomarão parte na alvorada do domingo porvindouro.
Contando com a vossa gentil, certa e grata presença ao feito, mais a companhia dos vossos augustos e leais paladins, deseja nosso senhor, o Príncipe de Aragão, Valência e Catalunha, que se intensifique em mil, o melhor que Deus tem a vos ofertar para o dia de hoje.
Com o coração, os pensamentos e os afectos todos,
Pedro, Príncipe de Aragão, Catalunha e Valência"
Jaime ouve a mensagem do irmão, com as feições fechadas, ainda altamente carregadas de rancor. A mulher incita-o:
- Vamos, manda dizer-lhe que vais!...
- Não!... - responde ele, entre dentes.
O portador da mensagem postava-se de pé, ali no meio do salão, a aguardar a resposta. Uma trezena de pares de olhos achava-se cravada no príncipe de Aragão.
- Vamos, Jaime, aceita!... - murmura-lhe a mulher. - Faze as pazes com o teu irmão!...
O herdeiro de Maiorca passeia os olhos pelo salão. Seus pares olhavam-no com insistência. O que seria melhor?... Acaso, perdoar e esquecer tudo não seria sinal de fraqueza, de covardia?... Jaime sentiu-se embaraçar. No fundo, entretanto, não desejava indispor-se com o irmão. Sabia-o violento e cruel. Tal recusa, fatalmente, redundaria em mais ofensas e em mais provocações. Busca, então, os olhos do seu grande parceiro e amigo, o Conde de Centelles,2 que, notando-lhe a indecisão, faz-lhe disfarçado e ligeiro sinal afirmativo com a cabeça.
- Está bem!... - brada Jaime de Barcelona, com a foz firme. - Dize a teu senhor que lhe aceitamos o convite!
O mensageiro faz longa mesura e sai. O Conde de Centelles aproxima-se do infante de Aragão.
- Achais, então, que é melhor fazermos as pazes com o nosso irmão?
-pergunta-lhe Jaime.
- Pro que si, Sinor! - exclama Centelles. - Não seríamos fortes o suficiente para enfrentá-lo, por ora; mais tarde, quem sabe, quando tivermos formados os nossos exércitos...
- Tendes razão, conde - diz o infante de Aragão. - Primeiro, a coroa à cabeça; depois, a forra!... Pedro pagar-nos-á por essa e pelas outras ofensas!... Reuni os demais cavalheiros e combinai com eles a estratégia a empregarmos durante a caçada!... Fiquemos todos de olhos bem abertos, pois não devemos confiar em nosso irmão!...
- Tendes razão, senhor! - exclama o outro. - Quem nos garante que semelhante convite não oculta uma armadilha?
* * * * *
No dia seguinte, no aposento que ocupavam, Pedro e Constança exultavam, após haverem recebido a confirmação da aceitação do convite que tinham feito a Jaime.
- Viste? - diz, satisfeitíssima, a futura rainha de Aragão. - Tudo caminha conforme os nossos planos!...
- Tens toda a razão, minha cara! - retruca Pedro. - Jaime saiu-se bem mais idiota do que pensei!... Em três dias, à esta hora, estaremos a velar-lhe o cadáver!... Ha!... Ha!... Ha!... Ha!...
- E, ainda, não te será difícil juntar os teus domínios aos que ele pensa que herdou do teu pai! - prossegue Constança, com estranho brilho aos olhos. - Teus sobrinhos - os herdeiros de Jaime - não passam de simples bebés, os quais não serão difíceis de aniquilar, sufocando-os em seus berços... E Escalamonde mostra-se grandíssima tonta, que de nada desconfiará!... Ha!... Ha!... Ha!... Ha!...
- Oh, contigo ao meu lado, iremos longe, minha cara!... - diz Pedro, abrindo largo sorriso de satisfação.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Abr 11, 2024 7:21 pm

- O Mediterrâneo todo será nosso, meu amor! - continua ela. -Esqueces-te de que sou a herdeira da coroa da Sicília?
- Tens razão!... Tens razão!... - exclama Pedro, cheio de animação.
- Imagina só quão grande não será o nosso reino!... Somem-se aos domínios de Aragão, além da Catalunha e de Valência, tudo o que herdou o imbecil: Maiorca, Montpellier, o Rossilhão, a Cerdanha, Vallespir e Conflent...
- Esqueceste a Sicília...
- Mas a Sicília será tua...
- Eu ta darei, de bom grado...
- Oh, Constança... - diz ele, a abraçá-la, afectuosamente. - Sabia que nunca me iria arrepender, casando-me contigo!...
- O teu pai era contra...
- Meu pai era um imbecil!... Certamente, desejava ligar-me a alguma princesinha de Castela, estúpida e insulsa!...
- Negócios de Estado...
- É... - diz ele, a estreitá-la, fortemente, aos braços. - Ele pensava, destarte, estabelecer duradoura paz com os castelhanos. - E, a rir-se, prossegue: - Mas, resolvi contrariar-lhe os planos e decidi casar-me, por amor, escolhendo-te!... - e a beija, sofregamente, aos lábios.
Através da janela, o esplendente sol valenciano lançava sua luz dourada ao ambiente. Após o longo beijo e, ainda abraçados, ambos encaminham-se à ampla janela do aposento e observam, em silêncio, a deslumbrante paisagem que se abria abaixo.
- E os dardos? - pergunta Pedro, depois de instantes de profunda cogitação. - Já os preparaste?
- Com desmesurado capricho, meu caro!... - exclama ela, a rir-se. -Deixei-os a se embeberem, mergulhados no veneno, pela noite a fora!... E, advirto-te: se não tiveres cuidado e, só em olhá-los, poderás cair mortinho!... Ha!... Ha!... Ha!... Ha!...
- Dá-mos, então, para que eu instrua o archeiro escolhido. Não poderá haver contratempos!
Pedro apanha os dardos envenenados e, cuidadosamente, envolve-os numa trouxa de couro. Depois, beija a mulher, apaixonadamente, à boca, e sai apressado. Era preciso dar continuidade ao funesto plano. Nada poderia dar errado. Nada mesmo!...
* * * * *
Após a saída do esposo, Constança de Hohenstaufen permanece a sós, em sua câmara. Seus olhos faiscavam, estranha e maleficamente, a indiciarem o que lhe ia à cabeça. "Depois disso, somente a glória!... ", pensa ela, cheia de contentamento. "Rainha de uma das maiores e mais eminentes cortes do mundo!... "
Neste comenos, batidas insistentes à porta tiram-na de tais cogitações. Alguém chegava.
- Posso entrar, mamãe? - ouve a voz de Isabel que adentrava a câmara, seguida de duas das suas principais aias.
Oh, minha querida! - exclama a futura rainha de Aragão, a abrir os braços. - Que bom que aqui estás!... Vem, corre a dar-me um abraço apertado!...
- Sentia-me só! - diz a menina, deixando-se abraçar pela mãe.
- Oh, ainda bem que voltaste a conviver connosco! - exclama Constança. E, a afastar de si a filha, olha-a, atentamente, e prossegue: - Contudo, sinto-te, hoje, um tantinho triste e abatida!... Que se passa contigo?... Vamos, abre o teu coração!... Conta-me tudo!...
-Ah, mamãe, esta noite tive um pesadelo horrível!... - diz Isabel, a sentar-se ao lado da mãe, no espaçoso divã recoberto de peles.
- E o que sonhaste, assim, de tão horrível?
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Abr 11, 2024 7:21 pm

- Oh, nem gosto de lembrar!... - exclama a menina, extremamente entristecida. - Sonhei que papai e o meu tio Jaime andavam a caçar, juntos, num campo aberto, e papai lançava o seu falcão a perseguir um pombo que voava ligeiro, fugindo, a ganhar o bosque que começava no limiar do campo; uma vez solta, a ave de rapina desferiu altíssimo voo e se abateu, ligeiríssimo como um virote disparado, sobre o indefeso pombo; entretanto, ao se aproximar da sua vítima, o falcão não a atacou; ao contrário, desviou-se e, ligeiro e inesperadamente, deu meia volta e voou em direcção do tio Jaime e, ferozmente, atacou-o, cravando-lhe ao peito as potentes garras e lhe arrancando, num átimo, o coração ainda pulsante!... E...
- Que horror!... - interrompe-a Constança, altamente terrificada com a narrativa que lhe fazia a filha. - Donde tiraste tais ideias, menina?...
-Não são ideias, mamãe!... - corrige-a Isabel. - Foi um sonho!... -e prossegue com a apavorante narração: - Tio Jaime oscilou sobre a sela do cavalo e se estatelou ao chão, completamente encharcado pelo sangue que lhe brotava do peito, aos borbotões!... E, papai a tudo presenciava, sem esboçar o mínimo gesto para socorrer o irmão que, ferido de morte, agonizava sobre a relva do campo; entretanto, o que me deixou ainda mais triste foi que papai sequer se desmontara do seu cavalo e, a gargalhar, juntamente com os seus homens, divertia-se muito, a ver o falcão que, pousado ali do lado, alimentava-se, gulosamente, do coração do meu tio!
- Oh, que coisas horripilantes andas a sonhar, criatura!... - observa a futura rainha de Aragão. E, cheia de preocupações, pergunta: - Andas a confessar-te e a comungar, amiúde?...
- Diariamente, mamãe!... - responde a menina. - Não me tenho descuidado das coisas da alma!... - e, a levantar, ostensivamente, as longas vestes, exibe-se à mãe: - Vê!... Nem do cilício aparto-me!...
- Que horror!... - exclama Constança, ao constatar a terrível maceração que a menina ostentava à altura dos rins. - Andas a endoidecer, é?...Corre, já, a te livrares de tal abominável coisa!... - e se voltando para as duas aias que ali se postavam de prontidão: - E vós, suas parvas inúteis, como é que deixastes a nossa filha tomar tais caminhos?... - e, levantando-se e principiando a caminhar em círculos, prossegue, a esbracejar: - Oh, eu sabia!... Eu sabia!... Aquele velho gagá não foi capaz de criar-te a contento!... Bem que eu dizia ao teu pai!... Teu avô andou a encher-te a cabeça de bobagens, não é?... Para isso que ele te queria ao lado!... Para transformar-te numa parva, numa doida!... Onde já se viu?... Devias, sim, era ter sido criada por mim, no bom estilo siciliano!... Que despautério!... - e, puxando a filha para si, abraça-a e continua, ainda alteradíssima: - Oh, pobre criatura!... Pobre criatura!... No entanto, que culpa tens tu?... Eu é que sou a verdadeira culpada de tudo!... Teu pai e eu é que somos, na verdade, os responsáveis por essas tuas loucuras!... - e, voltando-se para as duas aias que se achavam acuadas a um canto, cheias de terror: - E vós, parvas, imbecis, onde é que andáveis que não vistes tais despropósitos?... Quem é que vai querer casar-se com uma mutilada?... E vós, Condessa Afonso, acaso não sois esposa e mãe?... Não víeis tais abominações cometidas contra a nossa menina?... A outra tonta ainda é solteira e nada sabe dessas coisas, mas, vós, condessa, francamente!...
- Perdão, Alteza!... - exclama a Condessa Afonso, caindo de joelhos e, a chorar, prossegue: - Bem que avisávamos a princesinha, senhora, mas ela a ninguém ouve!... Sempre fez o que quis!... Sequer o velho rei conseguiu tirar-lhe certas tendências!...
- Tendências?!... - esbraveja a futura rainha de Aragão, indignadíssima. -A que tendências andais a referir-vos, condessa?...
- Oh, senhora, sempre achamos que a princesinha apresentava comportamento estranho, não é, Ximena!... Costuma passar o dia inteiro a rezar, na capela; depois, concita-nos a sair, a buscar os miseráveis das ruas, a dar-lhes esmolas e a confortá-los com alimentos, agasalhos e roupas quentes!... Ao lado desses é que a vossa filha gosta, na realidade, de estar!...
- O que dizem essas doidas é verdade, Isabel! - pergunta Constança à filha.
- Sim, mamãe... - responde a menina, a baixar os olhos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Abr 12, 2024 10:27 am

- E o teu avô sabia dessas doidices? -Não...
-Ah, ele não cuidou de ti decentemente!... - esbraveja Constança de Hohenstaufen. E prossegue, cheia de estupefacção: - E a que te saíste?... A uma toleirona que vive atrás da escória do mundo!... Não, Isabel, minha filha, tu és uma princesa pertencente a uma das maiores e mais importantes famílias de toda a Europa!... Tens de agir de acordo com a tua nobreza!... Como reinarás ao lado dalgum desses garbosos senhores que, conforme creio, em breve, já deverão enxamear por estas bandas, no teu encalço!... - e, altamente aflita, ajoelha-se diante da filha e, a tomá-la aos braços, continua: - Que mãe fui eu!... Que mãe fui eu, deixando-te à custódia daquele maluco!... Mas, oh, ainda haverá tempo de remir-me!... Deus haverá de ajudar-me a tirar-te dessa vida miserável a que te acostumaste!... Serás uma rainha, meu bem, não podes sair por aí, a torto e a direito, a atenderes a esses espantalhos que pululam, por todo o canto, aos milhares, a empestarem o mundo inteiro!... Oh, não, tu tens de aprender outras coisas!... - e, a fixar, ferozmente, as duas mulheres que se achavam agarradas uma à outra, trementes de medo, prossegue, ameaçadora: - E vós, oh, vós, suas idiotas, vou ainda pensar em algo que, efectivamente, far-vos-á suplicar pela morte, antes da hora!...
- Por Deus, não, Alteza!... - exclama Ximena, caindo-se de joelhos diante da princesa consorte de Aragão. - Não tivemos culpa!...
- Sim!... - grita a outra aia, aos prantos. - Não tivemos culpa!... A princesinha a ninguém ouve!...
- Mamãe!... - diz Isabel, a tocar o braço da genitora, que ameaçava saltar sobre as duas apavoradíssimas aias. - Mamãe, por favor!... Acalma-te!...
- Oh, deixa-me, Isabel, que tenho ganas de dar, eu mesma, às fuças dessas doidas!...
- Mamãe, ouve-me, por favor, pois tenho algo ainda a relatar-te! -prossegue Isabel, agora a interpor-se entre Constança e as duas damas de companhia que já se encontravam às raias do pavor. - Por favor, ouve-me, primeiro!... Ximena e a Condessa Afonso de nada têm culpa!... Eu, realmente, desobedecia-lhes as advertências e até mesmo forçava-as a acompanharem-me a cuidarmos dos mendigos e dos leprosos!...
- Ai, não!... - grita Constança de Hohenstaufen, deixando-se cair sobre um divã, a apertar as mãos contra o peito opresso. - Ai, meu Deus!... Socorro, que ando a morrer!... Socorro!... Acudi-me, que desfaleço!...
- Senhora! - acorrem, preocupadíssimas, as duas aias, a acudirem Constança que arfava e revirava os olhos. - Por favor, senhora!...
- O ar!... - grita a princesa consorte de Aragão. - Levai-me à janela, que ando falta de ar!... Socorro!... Leprosos?!... Ai, não, que desgraça!... Vem cá, minha filha, deixa-me olhar-te com rigor!... Não escondes nenhum bubão, aí, sob os teus panos, ou escondes?... Nenhuma mancha escura ostentas?... Nenhumazinha, mesmo?... Tens certeza?... Ai, Deus do céu, que desdita!... - e, ameaçando levantar-se e saltar sobre as damas de companhia, brada, como uma possessa, a espumar de ódio: - À forca com ambas!... Hoje mesmo solicitarei a Pedro que vos execute em praça pública, como exemplo!... Doidas, destrambelhadas!...
- Mamãe, ouve-me, por favor! - diz Isabel, a tomar as mãos da mãe e a fazê-la sentar-se no divã. Em seguida, acomoda-se-lhe ao lado e prossegue: - Acalma-te, que as duas não têm culpa alguma!... A única culpada que há nesta história toda sou eu!... Fui eu que as forcei a fazer isso!... Não foram elas que me forçaram, entendes?... E, se disseres qualquer coisa ao meu pai, intercederei por elas!... Além do mais, que crime cometemos?... Não estávamos, acaso, a fazer a caridade?... Que foi que nos mandou Jesus fazer?... Ficarmos encasteladas, no meio do luxo e da ostentação, ou sairmos a fazer o bem aos pobres e a consolar os aflitos e os desvalidos do mundo?... Vê bem, mamãe, o que andas a pensar de nós!... Meu avô ensinou-me, sim, uma infinidade de coisas, muito além do que possas imaginar, mas, principalmente, ensinou-me a ter fé, a amar a Deus e a Jesus acima de tudo; ensinou-me, também, que a coroa não nos faz diferentes de ninguém; pelo contrário, pesar-nos-á muito mais se mau uso dela fizermos!... O que nos salva, mamãe, é, primeiramente, o amor que devemos devotar ao Criador; em segundo, todo o bem que pudermos fazer a quem quer que seja, sem distinção!... Não te esqueças: "Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo!..." O cilício escandaliza-te?... Pois me escandaliza muito mais o pecado!...
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Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini - Página 2 Empty Re: Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Abr 12, 2024 10:28 am

Sair à cata dos desgraçados do mundo, a propiciar-lhes um pouco de atenção e de conforto faz-te fremir de raiva?... Pois a mim me deixa furiosa o abandono, o ranger de dentes, diante da dor inclemente e da fome pertinaz!... Causam-te asco e nojo as carnes dilaceradas dos leprosos?... Eu, entretanto, beijo-lhes as chagas e os bubões, posto que estes lhes são o fogo purificador, a alimentar as luzes que lhes iluminarão os futuros trajos espirituais!... Pobres, mamãe?... Pobres somos nós, os de espírito, os que nada possuímos, além de um coração cheio de orgulho e de desejos vazios!... Miseráveis somos nós que ostentamos frias coroas à cabeça e riquíssimas jóias que mais se assemelham a infelizes cadeias, a jungir-nos à impiedosa jactância!... Cobrimo-nos com custosas vestimentas de seda e de linho, bordadas com fios de ouro e aljôfares de pérolas, ou de perfumado âmbar, mas, na verdade, encontramo-nos nus, despidos da caridade pura!... Dizes que devemos ser fortes... Entretanto, que fortaleza é essa que aparentamos se, na verdade, o que ostentamos é desmedida debilidade espiritual?... Oh, mamãe, onde será que se escondem as verdades, afinal?... Existem tantos mendigos a envergarem aparatosas vestes reais, e muitos reis a se vestirem como execráveis párias!... Pena que não se lhes possam ver os trajos da alma!...
- Que dizes, Isabel li... - admira-se Constança de Hohenstaufen. Aquelas falas da filha desconcertavam-na sobremaneira. - Não entendo o que dizes!
- Acho que entendes, sim, mamãe! - responde Isabel, a fitar a mãe aos olhos. - Uma coisa é, realmente, de fato, nada entender; a outra é não desejar entender...
-Tu me confundes a cabeça!... - exclama a futura rainha de Aragão, levantando-se. E, a premer as têmporas com a ponta dos dedos, prossegue: - Essas coisas me fazem doer a cabeça!...
- Senta-te, mamãe, que ainda não terminei! - diz Isabel, a seguir, com os olhos redondos, a mãe que caminhava em círculos pelo aposento, a demonstrar profundo nervosismo.
- Tens mais ainda?! - exclama Constança, voltando-se para a filha. - Que doidices mais tens a relatar-me?... Quando o teu pai souber de tudo o que andas a fazer... Oh, não quero nem pensar!...
- O fantasma do vovô apareceu-me, hoje de manhã, quando eu orava as matinas, na capela!... - solta a menina, de chofre.
- O quê?!... - grita Constança de Hohenstaufen, a estacar-se estupefacta. - e, voltando-se para as duas aias que se postavam mudas, coladas à parede, ordena-lhes aos gritos: - Fora!... Passem daqui!... Sumam das minhas vistas!...
As duas mulheres apressam-se em deixar a câmara, entre atropelos de desajeitadas mesuras e encontrões que se davam, no afã de saírem ligeiras.
- Conta-me essa história direito!... - diz Constança, sentando-se, afoitamente, ao lado da filha. Tinha a respiração ofegante e os olhos desmedidamente abertos. - Vamos, Isabel, sem rodeios, desembucha essa asneira que disseste!...
- Não foi asneira, mamãe! - reafirma a menina. - Vovô achava-se, sim, ao meu lado, na capela, hoje de manhã!...
- Oh, os mortos não voltam, menina!... - diz a futura rainha de Aragão, a tremer-se toda de profunda agitação. E, a demonstrar excessiva preocupação às feições, prossegue: - Agora acho que o que te acomete é deveras grave!... Teu pai precisa saber de tudo, urgentemente!...
-Não, mamãe, os mortos vivem e falam connosco, sim!... - diz a menina, convictamente. - Vovô tem vindo visitar-me amiúde!
- E o que te disse o teu avô? - pergunta Constança, mais pelo desejo de tomar conhecimento do que ia pela cabeça da filha.
- Disse-me, cheio de tristeza profunda e com os olhos a lacrimejarem, que o trono de Aragão andava prestes a manchar-se de sangue inocente, sangue fratricida...
- O quê?!... - grita Constança, levantando-se, ligeiríssima, como se uma víbora a houvesse picado. - Terei ouvido bem?!... Repete, Isabel, bem devagarinho, o que me acabas de relatar!
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Abr 12, 2024 10:28 am

- Sim, mamãe!... Vovô acha-se extremamente triste, porque o sangue dum inocente deverá correr, se eu não me aprestar a avisar o herdeiro... Mas, sinto-me confusa: o herdeiro do trono de Aragão não é papai?...
- Deus do céu!... - grita Constança, a gelar-se toda e a sentir o chão desaparecer de sob os seus pés. - Não é possível!... Não é possível que tu saibas!... - repete ela, a olhar para os olhos redondos e límpidos da filha. - Impossível que ficasses a saber!... - e a torcer as mãos, cheia de aflição, olha em redor, apavoradíssima, e prossegue: - E o teu pai?... Onde se terá metido o teu pai?... Preciso contar-lhe tudo!... Ele precisa saber disso, urgentemente!...
- Direi a papai, se o desejares, mamãe - diz Isabel, inocentemente. - Se assim o quiseres, poderei procurá-lo por ti!...
- Oh, não!... Não!... - exclama Constança, levantando-se do divã, nervosíssima. - Sinto-me confusa; primeiro, deixa-me ordenar as ideias!... - e, enquanto pensava, caminhava em círculos. De repente, decide-se: - Olha, Isabel, tu ficarás aqui! Não deixes o aposento sob qualquer hipótese, que irei ao encalço do teu pai!... Presumo saber onde ele se encontra! - e, a curvar-se, ainda bastante alterada, beija a filha à face e reforça: - Ouviste bem, meu anjo?... Por nada deste mundo saias daqui e, especialmente, nada digas sobre isso que conversamos a ninguém!... A ninguém, entendeste?
Constança deixa os aposentos, vexadíssima, em busca do esposo. Fecha a porta atrás de si, com um estrondo, e, aos lanceiros que, ali postados, faziam a guarda, ordena, energicamente:
- Se a princesinha decidir-se por deixar a câmara, impedi-a, entendestes?... Sob pena de perderdes a vossa vida, não na deixeis sair daí, ouvistes bem? - e apressada, quase a correr, desaparece pelo extenso corredor.
Isabel manteve-se, obedientemente, na câmara dos pais. Não havia entendido bem o desmedido nervosismo da mãe, depois que lhe relatara os fatos. Talvez aquelas coisas fossem realmente graves, e era natural que a mãe tivesse se mostrado tão preocupada. Não muito habituada a ficar a sós, a menina encaminha-se até o parapeito da janela e, alçando-se a ponta dos pés, espiona a paisagem lá fora. A tarde agonizava e, em breve, os sinos da capela do palácio e de todas as igrejas da cidade dobrariam, a anunciarem as vésperas. Se a mãe se demorasse, certamente, ela, Isabel, perderia as orações da tarde, e isso a entristeceu. Entretanto, jamais ousaria desobedecer às ordens da mãe. Volta-se e se senta no amplo divã recoberto de peles de gamo e se põe a aguardar o regresso da mãe. Amiúde, seus olhos buscavam a porta, na expectativa de que a mãe regressasse. Entretanto, o tempo escoava-se, lento, e nada de a mãe voltar. De repente, os sinos de toda Valência explodem em unissonante dobrar.
Os olhinhos azuis de Isabel enchem-se de lágrimas. Mesmo que a mãe retornasse naquele instante, não haveria mais tempo de correr até a capela do palácio, a assistir às vésperas...
- Perdoa-me, Jesus!... - murmura Isabel, a soluçar, enquanto que, a persignar-se, punha-se de joelhos sobre o chão de pedras. E, molhada pelo doloroso pranto, ouve-se-lhe a voz, quase um murmúrio: - Ave Maria, grafia plena, Dominus tecum, benedicta tu in mulieribus...
Quando Constança de Hohenstaufen retornou, acompanhada do marido, a noite já caíra, e, na penumbra reinante na câmara, divisaram Isabel, ajoelhada e de braços cruzados sobre o peito, e com os olhos cravados, fixamente, no crucifixo preso à parede. Em profundo êxtase, sequer percebeu que os pais voltavam...
- Isabel!... Isabel!... - chama-a a mãe. - Vamos, menina, levanta-te desse chão frio!... Queres apanhar uma doença, é?...
Pedro troca ligeiro olhar com a esposa, enquanto Isabel, a desentorpecer-se, levantava-se, devagar.
- Minha filha - diz Pedro, a tomar a filha aos braços. - Repete tudo o que contaste à tua mãe...
O futuro rei de Aragão, com expressão grave às feições, ouvia, atentamente, tudo o que lhe narrava Isabel. Amiúde, trocava significativos olhares com a esposa.
- Agora tu nos prometerás, querida - diz Pedro, após ouvir toda a narrativa feita pela filha-, que nada dirás sobre tais coisas a ninguém!... A ninguém, entendeste?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Abr 12, 2024 10:28 am

- Sim, papai - responde a menina. - Prometo-vos que nada a ninguém direi!
-Agora, vamos!... - diz Constança, a tomá-la pela mão. - Despede-te do teu pai, que te levo a dormir.
Em breve, a futura rainha de Aragão retornava e encontrou o esposo ainda altamente preocupado.
- E então - pergunta ela - o que decidiste?
- Preciso pensar - responde Pedro - As coisas encaixam-se, perfeitamente, entendes?... Tudo se ajusta, sem nenhuma folga, para, eventualmente, não se mostrar verdadeiro o que Isabel nos relatou!...
- Estás certíssimo, querido!... - diz Constança. - E não tens nenhum receio?
- Sim - responde ele. - E se isso vier a público?... Serei tido como um fratricida!...
- Oh, nem quero pensar!... - exclama ela. - As coisas teriam que sair, completamente, à sorrelfa, ou...
- Se a culpa de tal crime sobre cair sobre a minha cabeça, as coisas tornar-se-ão difíceis para nós!...
- Sem dúvida, é preciso que se elimine o teu irmão usurpador, mas sem qualquer risco para ti!...
- O que temo, minha cara, é que, se papai, efectivamente, apareceu para Isabel - e se isso, realmente, aconteceu! , por que não poderá ter aparecido para outros?... Quem nos garante?
É, tens razão, querido - diz ela. - Fazer Isabel calar-se não nos será difícil, mas, e se outros vierem a tomar conhecimento?... Que decides, então?
- Agora, o segredo não nos pertence mais!... - exclama Pedro. -Esqueces que Dom Juan Cornei já está a par de tudo, além do archeiro que ele me indicou?... As setas envenenadas já se acham com o soldado escolhido!...
- E o Conde de Cabrera?... Também ele sabe?... - pergunta Constança.
- Sabes que Dom Julian é o meu principal conselheiro e que não o poderia deixar de lado!
- E o que te disse Dom Julian?
- Recomendou-me cautela - responde Pedro. - Qualquer coisa será motivo para que estoure uma guerra civil!... Sabes como costumam agir os eternos descontentes...
- E os invejosos!...
- Entretanto, reiterou-me seus préstimos!... O Conde de Cabrera é, de fato, meu leal companheiro!
- Então, se assim é, por que voltar atrás?... - diz a mulher. - Por que não prossegues?...
-Não sei!... Não sei!... - explode Pedro, altamente injuriado. - Tenho que pensar!... Temos a noite toda para pensar, antes de tomarmos, de fato, tal atitude!... - e, depois de calar-se por instantes, encara a mulher e prossegue: - Como a nossa filha pôde ter tido acesso a tudo?... Não te parecem muito estranhas as atitudes de Isabel?
- Estranhíssimas, meu caro!... - responde, séria, Constança. - E ainda há uma porção de coisas que tu não sabes acerca da nossa filha...
- Deveras?!... Que tipo de coisas?
- Prepara-te para o pior! - diz a mulher. - Presumo que cairás das nuvens...
E, minuciosamente, relata-lhe sobre a singular conduta que Isabel vinha apresentando até então.
- Se tudo o que me relataste é verdadeiro, minha cara, muitas dores de cabeça teremos, então, com a nossa filha! - e, a mostrar-se altamente contrariado, continua: - Entretanto, por ora, basta de tormentos!... Encontro-me cansado e preciso dormir... Pela manhã, refeito, penso achar-me-ei mais propício a tomar a decisão certa!
E, atirando-se sobre o amplo leito senhorial, não levou mais que alguns segundos a cair em profundo sono. Constança de Hohenstaufen olha, demoradamente, para o marido que ressonava profundamente e murmura:
- Se depender de mim, meu caro, a decisão já está tomada... - e abre malicioso sorriso.
Depois, com gestos levíssimos quais os de uma gata, deita-se ao lado do marido e, em pouquíssimo tempo, também ela se juntava a ele, ressonando como um beatífico anjo...
______________________________________________________________________________________________
1. O príncipe Jaime era casado com Escalamonde de Foix, Condessa de Andorra.
2. Conde Guilherme de Centelles, amigo e conselheiro de Jaime de Aragão.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Abr 12, 2024 10:28 am

Capítulo V - Um atentado
Constança de Hohenstaufen desperta e abre os olhos, piscando-os, ostensivamente, para acomodá-los à ténue claridade que se coava pelos interstícios da grande janela fechada. Em seguida, volta-se e tacteia o espaço do leito ao seu lado: vazio. O esposo já houvera deixado a cama, precedendo-a.
- Oh, foi-se ele, sem nada me dizer!... - murmura ela, levantando-se, ainda bastante estremunhada. E, visivelmente aborrecida, encaminha-se à ampla janela e a escancara. A esplendente luz do sol nascente cega-a, temporariamente. Fechando os olhos, repetidas vezes, Constança acomoda-os à luz. Depois, sonda a paisagem, esquadrinhando-a, meticulosamente. Nada de anormal mostrava a cidade. - Que horas serão? - pergunta-se. E, a demonstrar profundo descontentamento, volta-se para o interior da câmara, a monologar: - Que terá decidido Pedro!... Levantou-se tão sorrateiro que sequer percebi-o a mexer-se no leito!... Oh, como ficarei sabendo que atitude terá tomado ele?...
Em seguida, a futura rainha de Aragão toca a sineta, freneticamente, chamando por suas damas de honor que, àquela hora, certamente já se achariam de prontidão, diante da porta da sua câmara. Em pouco, três senhoras adentram o quarto, a desmancharem-se em longas reverências.
- Condessa de Ampurias, vós que sempre madrugais, dizei-me: acaso vistes quando o príncipe saía esta manhã? - pergunta Constança, ansiosíssima.
- ¡Pro que sí, Siñá!.. - responde a aia.
- E vistes que rumo tomou ele?
- ¡Ye difizil de dizir!... 1 - diz a aia. - Porém, creio que se dirigia para
o campo, a caçar, uma vez que seu séquito seguia-o, além dos escudeiros, da guarda e dos mestres falcoeiros.
- Oh, então ele foi!... - exclama Constança, excitando-se, enormemente. E, puxando, nervosamente, a aia pela mão, fá-la sentar-se a seu lado, no divã, e prossegue: - Dizei-me, Dueña Consuelo, notastes se, no cortejo de Pedro, seguia, também, o infante Jaime?
-Acho que sim, Alteza - responde a aia. - Mesmo os tendo visto do alto da janela do meu quarto, quando deixavam o palácio, pude perceber que Sua Alteza, o príncipe Jaime, cavalgava ao lado do vosso esposo!
- Oh, esplêndido!... - diz Constança, alegrando-se ainda mais. E, num murmúrio que somente ela ouviu: - Agora, é só aguardar!... - e, levantando-se, com os olhos a brilharem de excessivo contentamento, ordena: - Vinde, senhoras, auxiliai-me no vestir!
Neste comemos, um pouco distante dali, nos amarelecidos campos cultivados, nos arredores de Valência, Pedro de Barcelona e o irmão, acompanhados de numeroso séquito, propunham-se a iniciar a caça ao faisão.
- Desejo que tenhas sorte, irmão! - exclama Jaime, a abrir um sorriso forçado.
Era patente que um não tolerava a presença do outro, e Pedro limita-se a devolver-lhe o sorriso, cheio de satisfação. No íntimo, antegozava o terrível fim que aguardava o irmão. E, retirando o pequeno capuz que cobria, totalmente, a cabeça do falcão que trazia pousado à mão enluvada, lança-o ao ar, incitando-o a dar início à caça ao faisão. Concomitantemente e, a um sinal do chefe dos falcoeiros, alguns jovens batedores puseram-se a correr, por toda a extensão do campo onde amarelecia a palha do trigo recém-ceifado, a emitirem altos brados, fazendo com que as frágeis aves, pousadas e camufladas no restolho da colheita, a alimentarem-se dos grãos sobrados e, assustando-as, faziam-nas levantar sobressaltados voos, tornando-se, destarte, potenciais preias para o falcão que já se alçara às alturas, e se preparava para desferir o certeiro ataque à indefesa presa, previamente escolhida.
- Em cheio!... - grita Pedro, em comemoração à formidanda investida que desferira o seu agílimo falcão sobre o frágil e indefeso faisão e a provocar, do brutal impacto, uma explosão de penas que, a baloiçarem lentas e a rodopiarem, no ar fresco da manhã, pousavam, placidamente, sobre a palha umedecida pelo rocio. - Viste que ligeireza? - arremata satisfeitíssimo o futuro rei de Aragão.
- Felicito-te!... - exclama Jaime. - O teu falcão é tão veloz quanto um virote!...
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Abr 12, 2024 10:29 am

-Agora é a tua vez!... - diz Pedro, a rir-se. - Vamos, quero ver como se sai o teu falcão!
Jaime retira o capuz que cobria a cabeça da exuberante ave que trazia à mão enluvada e, com um gesto ligeiro, fá-la alçar-se aos ares. Aquele era o sinal adrede combinado com o archeiro que se postava de espreita, escondido no meio das árvores de um bosquete que se erguia no limiar do campo onde caçavam. Entretanto, no exacto instante em que o soldado tocara o dedo no gatilho da mortífera arma, o cavalo de Jaime, como que ferroado por uma vespa, alteia-se sobre as patas traseiras, a elevar o seu cavaleiro bem acima da mira que o atirador fizera, ao disparar a seta envenenada que, a desfocar-se do seu alvo primeiro, vai cravar-se fundo, no pescoço do animal que, após emitir sonoro relincho de dor, tomba ao chão, mortalmente ferido e a lançar Jaime, estrepitosamente, ao solo!
A estupefacção foi geral. Atónito, Pedro troca ligeiro olhar com o seu particular amigo e conselheiro, o Conde de Cabrera, que, a perceber a gravidade da situação, finca as esporas em seu cavalo e, ligeiríssimo, encaminha-se para o pequeno bosque. Uma dúzia de outros cavaleiros, mormente os do séquito de Jaime, saem-lhe atrás. Entretanto, Cabrera levava-lhes pequena, mas importante dianteira e, a precedê-los, teve o tempo hábil de aproximar-se do infeliz archeiro que se mostrava apavorado e sem saber o que fazer, diante do inusitado; então, a aproveitar-se daqueles curtíssimos momentos que tinha a seu favor, com um único e certeiro golpe de espada, o agílimo ordenança de Pedro decepa a cabeça do infeliz soldado!
- Pronto!... - murmura Cabrera, com um sorriso aos lábios. Agora tu só dirás a verdade ao diabo!...
- Quem era o infame, Dom Cabrera! - pergunta um grão senhor, partícipe do séquito de Jaime.
-Não sei!... - responde Julian Cabrera, a apear-se da sua montaria. - Desconheço o rapaz!... - emenda ele, após apanhar a cabeça decepada e, a segurá-la pelos cabelos empapados de sangue, prossegue:
- Juro-vos que jamais o vi antes!... E vós, acaso o reconheceis?... - e exibe, ostensivamente, a cabeça ensanguentada do pobre archeiro.
Uma vintena de pares de olhos curiosíssimos estuda as feições contorcidas do rosto decapitado. Em seguida, trocam-se uma série de olhares, entre desconfiados e inquiridores: quem seria aquele soldado?... A quem se acharia subordinado?...
Depois do meticuloso exame, todos declararam, unanimemente, desconhecer o desafortunado soldado.
- Trazei a cabeça, Dom Cabrera! - ordena, por fim, um dos amigos de Jaime. - Importante que se faça o reconhecimento desse infeliz!... Só assim chegaremos ao mandante do atentado!...
De volta ao palácio, Pedro adentra, abruptamente, os aposentos, a fremir de raiva.
- Temos de conversar a sós, Constança]
- Que tens, Pedro?! - exclama preocupadíssima a futura rainha de Aragão, enquanto gesticulava, nervosamente, a despedir as suas aias que, ligeiríssimas a atenderem à ama, saem apressadas a atropelarem-se, entre si, e estabanadíssimas, no meio de longas mesuras.
- Tudo se saiu às avessas, Constança! - brada ele, a cuspir intenso ódio, agora, às claras, longe das bisbilhotices das damas de companhia da esposa.
- Que dizes?! - replica ela, a encher-se de estupefacção. - Como pôde tudo dar errado?!... Explica-te!
E Pedro passa a narrar-lhe, minudentemente, o ocorrido no campo de caça.
- Por Deus!... - exclama Constança de Hohenstaufen, após o relato que lhe fizera o esposo. - Não pode ser verdade!... Impossível que se saísse tudo errado, assim dessa forma!... Como o infeliz pôde errar o alvo?... Acaso não era um dos melhores?
- Era o mais hábil dos archeiros que eu tinha! - replica Pedro, altamente desolado. - Entretanto, não foi dele a culpa!... O cavalo é que se assustou, no exacto momento em que o tiro foi disparado!
- E como se postou o teu irmão, diante de tal desastre?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Abr 12, 2024 10:30 am

- Desconfiadíssimo, minha cara!... Desconfiadíssimo!... Não só ele, mas todo o seu séquito!... Entretanto, há pouco, quando me dirigia para cá, informaram-me que Jaime prepara-se para deixar Valência!... Depois desse atentado, não mais se sente seguro por aqui!
- Oh, então não teremos outra chance como esta! - exclama desapontada a mulher.
- Por certo que não! - retruca Pedro. - Resta-me, então, caçá-lo nos campos de batalha!
- Que lástima!... Por que teve tudo de sair-se dessa forma?
- Não vamos ficar a lamentar o que não aconteceu, minha cara! - diz Pedro. E, resoluto, prossegue: - Também nós partiremos!... Vamos para Tarragona, a aguardarmos lá a bula papal.2
- Acaso o teu irmão não rumará também para lá? - observa ela, reacendendo-se.
- Não - responde ele. - Jaime, certamente, não desejará encontrar-nos nunca mais! Tenho a certeza absoluta de que tomará outro rumo, enquanto espera a aquiescência do papa.
Neste ínterim, batidas à porta ouvem-se. Era Isabel que adentrava a câmara dos pais.
- Oh, querida!... - exclama Constança, a abraçar, efusivamente, a filha. - Que bom que vieste ver-nos!
- Vossa bênção, meu pai! - diz a menina, genufletindo-se diante de Pedro e, tomando-lhe a mão, beija-a, amorosamente.
Tenho algo a comunicar-vos - diz Isabel, sentando-se no divã, entre os pais.
- Que tens a dizer-nos, minha filha? - pergunta atencioso o pai.
- Vovô esteve comigo esta manhã - diz ela, sem titubear.
- O que dizes?! - espanta-se a mãe.
- Isabel... - admoesta-a Pedro. - Vê bem o que vais dizer!
- Juro-vos, por Jesus Crucificado! - exclama a menina, com os olhos brilhantes, a olhar, alternadamente, para o rosto do pai e para o da mãe. - Não há motivo algum para pregar-vos mentiras!... Vi e conversei com vovô, sim!
Os genitores de Isabel trocam-se ligeiro e expressivo olhar.
- Olha, meu bem - diz Constança, a tomar as mãos da filha entre as suas -, tens certeza de que não sonhaste?... Os mortos não voltam!
-Vovô volta, sim, mamãe!... - retruca ela, completamente segura de si. - Volta, amiúde, e conversa comigo!
- E o que te disse o teu avô? - pergunta Pedro.
- De manhã, ao acordar-me, notei que uma luminescência formava-se na penumbra do quarto. Depois de instantes, a luz aumentou de intensidade e, ao aproximar-se do meu leito, percebi que era ele, o meu avô!
- Tens certeza de que não estavas sonhando? - pergunta Pedro, a tomar-se de assombro.
-Não na interrompas! - exclama Constança. - Deixa-a falar, homem! - e a voltar-se para a filha: - Vamos, meu bem, conta-nos tudo o que te contou o teu avô!
- Vovô segurou a minha mão e, a olhar-me, fixamente, nos olhos, disse-me: "Consegui evitar que o sangue do herdeiro fosse covardemente derramado, Isabel!... ". "Oh, e como conseguistes fazer isso, vovô?... ", perguntei-lhe. Ele, então, abriu um sorriso e me explicou: "No exacto momento em que o assassino, covardemente, disparava a seta envenenada, postei-me diante do cavalo em que se achava o meu filho e assustei o animal, fazendo-o empinar-se e se alçar sobre as patas traseiras, desviando, destarte, o alvo do tiro traiçoeiro!... Foi-se a vida do pobre bicho, mas Jaime saiu-se ileso!... "3
Após a narrativa de Isabel, Pedro e a mulher trocam-se significativo olhar, cheios de estupefacção.
- Disseste tais coisas a alguém, além de nós, minha filha? -pergunta Pedro, altamente impressionado com as palavras da menina.
- Não, papai responde inocente a princesinha. - Ninguém mais, além de nós tem conhecimento dessas coisas!
- E o teu confessor? - pergunta aflita Constança. - Por certo que ocultarás tais coisas em tua próxima confissão!
- Isso não te posso prometer, mamãe! - reponde a menina. Como poderia omitir a Deus algum fato da minha vida?
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Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini - Página 2 Empty Re: Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Abr 12, 2024 10:30 am

- Entretanto, se andares a contar tais coisas ao teu confessor, ele certamente te matará nas penitências que te impingir! - observa Pedro. -Melhor que te abstenhas de narrar-lhe esses fatos!
- Dom Pedro4 já conhece tais acontecimentos, papai! - diz Isabel.
- E não te fez admoestações a respeito? - pergunta Constança.
- Meu confessor mostrou-se altamente preocupado - responde a menina. - E me fez prometer nada lhe ocultar sobre as minhas visões.
- E não te aplicou ele terríveis penitências? - prossegue Constança. - Esses padres adoram judiar das criaturas, quando pegas em semelhantes faltas!
- Aconselhou-me a penitenciar-me, continuamente, com o cilício, e a orar em todas as horas do meu dia; entretanto, essas são condutas às quais já me habituei, faz alguns anos... - diz Isabel, baixando os olhos, humildemente.
- Oh, meu bem! - exclama Constança, abraçando-se à filha. - És uma princesa da Casa de Aragão e não precisas sujeitar-te a esses suplícios, se não desejares!... Tu deves aprender a ordenar, não a obedecer!
- Tua mãe tem razão, Isabel! - acrescenta Pedro. - És demais preciosa para nós, para te obrigares, dessa forma, ao jugo de quem quer que seja!... Um dia serás rainha e terás de mostrar-te forte ou então pagarás alto preço pela tua tibieza, sob o jugo dos que desejarão dominar-te, para de ti auferirem vantagens e favores, tão-somente!... Sê forte e arguta, minha filha, ou não te respeitarão!
- Julgo-me forte, papai, achando-me ligada à vontade absoluta de Deus! - exclama a menina, a fixar o genitor com seus olhinhos redondos e azul-claros, como o céu primaveril. - E busco, principalmente, amar a todos e a tudo, incondicionalmente, pois nada existirá, neste mundo, mais forte que o amor!... Creio na incomensurável força que tem a bondade, aliada à fé verdadeira, que se fundamenta na prática da caridade e no perdão às ofensas!... Nenhuma arma existirá, por certo, capaz de facear o amor, em pé de igualdade!... Diz-nos o Evangelho de Jesus que devemos amar-nos, intensa e reciprocamente, uns aos outros, porque o amor cobre uma multidão de pecados...5
- Oh, sabemos de tais coisas, querida! - observa Constança. - Mas o teu pai tem razão!... Experimenta te mostrares dócil e humana e verás o que farão de ti os teus súbditos!... Essa gente tem que ser mantida sob o nosso tacão, ou a inveja que têm de nós fá-los-á engendrarem infinitos e ignóbeis ardis a envolver-nos, com a finalidade única de nos usurpar a coroa!... Age assim e terás a confirmação do que te dizemos!...
- Digo-vos, mais: minha tia santa6 vem, amiúde, conversar comigo!... - prossegue Isabel, aparentemente sem se importar com o que lhe dizia a mãe. - E o que me diz ela, mostra-se assaz diferente disso tudo que ora me dizeis. Tia Isabel orienta-me sobre a necessidade da prática constante da caridade e da misericórdia para com os desafortunados do mundo!... Que exemplo deixou-nos ela?... Viveu a praticar a caridade plena e, apesar de impiedosamente perseguida e caluniada,7sempre se mostrou fiel a Jesus e ao Seu Evangelho!...
- Oh, andas a comparar-te com a tua tia santa?! - exclama Constança, a estupefazer-se enormemente.
- Não, mamãe, mas eu ficaria imensamente feliz, se pudesse seguir-lhe as pegadas!... - diz a menina, firme em seus propósitos. - Pena que, entre mim e ela, existe ainda infinita distância a percorrer!
- Minha filha - diz Pedro de Barcelona, a afagar, amorosamente, os cabelos aloirados da menina -, andamos a dar-te tais conselhos, para que não sofras!... És tão especial para nós que não suportaríamos ver-te padecer sob o guante dos ignorantes e dos ímpios da terra!... Tu ainda não sabes, efectivamente, de que forma marcha o mundo!... Teu avô, certamente por excesso de amor, desejou proteger-te das agruras da vida, mas é nosso dever ensinar-te a te defenderes dos maus!... Certamente, muito em breve, tu deixarás o nosso regaço e partirás para viveres nalgum reino distante, ao lado de gente estranha, que te verá como uma indesejada estrangeira; sentirás, então, o peso da saudade da tua terra natal e deverás expressar-te, para sempre, numa língua que não é a tua; terás de, obrigatoriamente, sujeitar-te às normas e às leis daquela terra, e a saudade, por certo, roerá, impiamente, o teu coração, constantemente, a lembrar-te as coisas daqui, as quais sei que tanto amas!...
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Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini - Página 2 Empty Re: Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Abr 12, 2024 10:30 am

Por isso, querida, é que precisarás de armar-te de cautela e de vigilância!... E, especialmente, não te deixes, jamais, Isabel, envolver pelo excesso de confiabilidade!... Lembra-te das palavras de Jesus: "... sede, portanto, prudentes como as serpentes!... ".8
- "E símplices como as pombas!... "9 - completa Isabel. - Não te esqueças, papai, de que Jesus recomenda-nos, juntamente com a prudência, também a simplicidade das pombas!... E, como a simplicidade é filha do amor, podeis muito bem comprovar que Cristo recomenda-nos, sempre, o amor!... Nada, em nossa vida, será completo, se não tivermos amor!
Pedro e Constança trocam-se longo olhar, cheio de admiração e de espanto. Como é que aquela menina que apenas acabava de completar sete anos, falava daquele modo?
- Diz-me, minha filha - diz Constança de Hohenstaufen, ainda tremendamente admirada do alto teor filosófico que continha o razoado da menina -, onde é que aprendeste a te expressares dessa maneira?... Não quererás dizer-nos que foi o teu avô que te ensinou...
- Vovô conversava muito comigo, mamãe - responde Isabel. - Ele sempre me cercou de muito amor e me deu toda a atenção que permitiu a sua alta posição. Conversávamos sobre todos os assuntos, uma vez que ele me ensinou como me tornar uma rainha e como se deve governar sob as vontades de Deus; contudo, a maior parte dessas ideias brota-me, assim, espontaneamente, do coração!...
Por ora não te sei explicar como isso acontece, mas considero tudo isso como inspiração vinda directamente de Jesus e da Virgem Maria!... - e, olhando, alternadamente, para as faces do pai e da mãe, continua: - Sabíeis que apenas repito muitas das coisas que minha tia Isabel confidencia-me, quando me vem visitar?... Ela anda a instruir-me sobre a necessidade da prática constante do Evangelho de Jesus, posto que, só assim, é possível suportar-se o peso de uma coroa, e ainda, reinar, sem se deixar apanhar pelas inúmeras armadilhas que um trono esconde...
- E que armadilhas seriam essas, querida? - pergunta curiosíssimo o futuro rei de Aragão.
-A soberba, o egoísmo, a impiedade, a ganância, o luxo desmedido, a luxúria, a bajulação, a concussão, a corrupção... - responde a menina, depois de cogitar por instantes. - Atrás de um trono, papai, costuma esconder-se uma avalancha de vícios que costumam matar, ainda no nascedouro, os melhores ideais que possam, presumidamente, andar pelas cabeças recém-coroadas do mundo!... O poder exercido de modo inconsequente enfraquece-nos as reservas morais que, eventualmente, possuamos e lança, fragorosamente, a nossa alma à lama da degradação e da perdição!... Portanto, a única aliança que nós - os que herdamos de Deus tamanha responsabilidade! devemos fazer é com os ensinos de Jesus!... Se nos afastarmos do Evangelho, consequentemente, isso nos remeterá à danação eterna!... Deus dá-nos os tronos, papai, não para deles nos locupletarmos e darmos vazão aos nossos vícios, mas, sim, para sermos a Sua extensão no mundo!... Na verdade, quem é a mão do Criador, a executar as Suas vontades?... Os homens de boa vontade, e aqueles que detêm o transitório poder às mãos são as criaturas em quem Deus, efectivamente, confia!...
Pedro e Constança olham-se pasmos. Como a filha houvera crescido longe deles, não na conheciam de fato. Tudo o que a menina dissera assombrava-os, uma vez que a discussão ali mantida revestia-se de carácter elevadíssimo para o conhecimento natural de uma criança de sete anos. Será que o velho rei teria tomado ciência da precocidade da neta?... E por que motivo houvera ele ocultado tais fatos deles, os pais da menina?
- Dizei-nos, minha filha - interpela-a Pedro, ainda tomado de assombro -, falaste que esses conselhos dão-te a tua tia santa?... E como te aparece ela?... Acaso isso se dá nos teus sonhos?
- Não, papai - responde a menina, plenamente segura das suas palavras -, vejo-a, assim como vejo a vós e à minha mãe!...
- E conversa contigo a tua tia, da mesma forma como fazemos nós? - atalha Constança, deixando-se levar pela curiosidade.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Abr 12, 2024 10:30 am

- Sim, mamãe - diz Isabel. - Exactamente como ora faço convosco!10
- E também é assim que ora te aparece o teu avô morto? - pergunta Pedro. - Tu o vês, e ele fala contigo?
- Sim, papai - responde a menina. - Meu avô vem, constantemente, haver-se comigo, em meu quarto, mormente quando me proponho a dormir.
- E foi ele quem te avisou sobre o atentado que sofreria o teu tio? -prossegue Pedro, agora, altamente interessado no assunto.
- Sim - responde lacónica Isabel.
- E sabes quem ordenou tal infâmia contra o meu irmão? Isabel resume-se a sacudir a cabeça, afirmativamente.
- E quem é ele?... - prossegue Pedro de Barcelona, entre interessado e cauteloso.
Isabel não responde de imediato. Mantém-se em silêncio, por instantes, pretensamente, a fitar o vazio, com os olhinhos redondos e claros como o céu profundo. Depois de curto tempo, olha para os olhos do pai e diz:
- Meu avô, que aí está, aconselha-vos, senhor, a sondardes o fundo do vosso coração, uma vez que lá se esconde a verdade!
Trocam-se, então, significativo olhar cheio de assombro, o futuro rei de Aragão e a sua mulher que, até então, vinha se mantendo calada, a roer-se de curiosidade pelo andar do diálogo entre o pai e a filha.
- E tu, o que sabes sobre isso, minha filha? - pergunta Constança, agora, a tomar-se de altíssima aflição.
- O mesmo que tu e papai sabeis, mamãe!... - responde Isabel, a entristecer-se, enormemente. E, com os olhinhos a inundarem-se-lhe de abundantes lágrimas, prossegue: - Ainda bem que meu adorado avô impediu que tal infâmia nos manchasse de sangue inocente o nosso lar!... Agradeço à Virgem Santíssima, por ouvir as minhas preces, e permitir que vovô assustasse aquele cavalo, ou então, a seta envenenada teria trespassado, impiedosamente, o coração do meu tio, em vez de ir alojar-se ao pescoço do pobre animal!... - e, pondo-se de joelhos, prossegue, tomada de forte emoção: - Oh, por que são tão maus os homens?... Qual a razão de tanta cobiça?... Oh, Deus, que se leva do mundo?... Nada, além do amor e da caridade que se dedicou ao próximo!... - e, a soluçar, cheia de comoção, lança-se de bruços sobre o piso de pedras e brada: - "Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia!" 11
Os pais da menina, tomados de intenso espanto, ante a ardorosa manifestação de fé da filha, olham-se, a princípio, cheios de emoção. Mas, durou pouco essa comoção, uma vez que a frieza de seus corações, endurecidos pelo orgulho e pela desmedida prepotência, bem depressa vem sufocar-lhes aqueles breves instantes de profunda contrição, ainda em seu nascedouro, e a soberba fala-lhes mais alto. E, então, Pedro levanta-se, extremamente irritado pelos soluços da filha, e lhe ordena:
- Vamos, Isabel, deixa-te de lamúrias e te ponhas decente, conforme sói a uma princesa de Aragão!
- Sim, minha filha! - junta-se Constança ao marido. - Teu pai tem razão!... Que ultrajante não é presenciar uma futura rainha postar-se de forma tão ignóbil e tão indigna da sua posição!... Agindo assim, tu nos diminuis a nobreza!... - e, a endurecer, ainda mais, o tom da voz, prossegue: - Oh, se pudesses ver-te a ti mesma!... Que belo vexame andas a dar!... Ainda bem que nos achamos a sós!...
- Sim! - exclama Pedro, altamente indignado. - Ou todo o reino rir-se-ia de ti!
Diante da carrada de admoestações que lhe faziam os pais, Isabel passou a soluçar ainda mais alto. Como era difícil agir de uma forma que não lhe era natural!...
- Tu nos decepcionas a cada dia, Isabel! - brada altamente agastada a futura rainha de Aragão. - Oh, como me arrependo de haver permitido que o teu avô tomasse sob as suas mãos a tua educação!... Vê-se, claramente, que ele não soube educar-te como se deve!... Mas, ainda haverá tempo de moldar o teu carácter!... E sei que tu mudarás!... Sob as minhas vistas, tu tomarás outro rumo!... Ah, se tomarás!... Onde é que se esconde o orgulho de uma princesa?... Noto que não te dedicas ao teu enxoval; que não tomas de uma agulha para bordar, nunca!... E as tuas roupas?... Não fossem as tuas aias a proverem-te de ricas e luxuosas vestes, certamente, andarias aos andrajos!... Oh, não, não!...
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Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini - Página 2 Empty Re: Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Abr 12, 2024 7:20 pm

Tua educação está errada!... Nós, as mulheres, temos de nos ocupar de outras coisas!... Viu que falta de fez uma mãe presente?...
- Meu avô cercou-me de todo o carinho deste mundo! - atalha Isabel.
- Deu-me amor intenso!
- Teu avô pôde te ter amado muito; deve, sim, ter sido louco por ti, mas era homem, minha cara!... - prossegue Constança, a fremir de raiva.
- Que sabia ele o que vai pelas ideias das mulheres?...
- Tive sempre a atenção e os cuidados das minhas aias!... - diz Isabel, entre os soluços. - Dona Maria Ximenes Cronel e a Condessa Afonso sempre me supriram das minhas necessidades, uma vez que são distintíssimas damas da corte aragonesa!
Aquelas duas parvas? - ironiza Constança. - Bem se vê porque ages assim!
Pedro mantinha-se em silêncio, de cenho carregado, a presenciar o nervoso colóquio. De repente, a dar mostras de grande enfado com a arenga das duas, levanta-se e sai, a bater a porta, estrondosamente, atrás de si.
- Viu o que fizeste? - acusa Constança. - Conseguiste irritar, ainda mais, o teu pai!
- Oh, mamãe!... - diz Isabel, a levantar-se do chão. - Sinto-me tão confusa!... Às vezes, não sei o que fazer, diante disso tudo que me acontece!... Tu e papai forçais-me, para que eu viva uma vida vazia, gastando o meu tempo, a adornar-me de finas roupas e a cobrir-me de jóias rutilantes!... Entretanto, não é por tais coisas que anseia o meu coração!... Sinto-me bem, somente quanto estou a rezar e a mortificar-me com o cilício!... Meu coração exalta de ventura, quando me acho entre os pobres e desvalidos do mundo!... Sinto-me feliz, quando consigo mitigar a fome e cobrir a nudez dos miseráveis que enxameiam por todos os lados!... Faz-me mal, mamãe, a inércia, o nada fazer!... Se não agir dessa maneira, sinto-me impotente, diante das tentações de satanás!...
- Oh, que andaria o diabo a querer de ti, menina?... - observa Constança, às raias da impaciência. - Ainda és uma criança!... Tu tens a protecção natural dos anjos!... Poderás fazer o que quiseres, que tudo te será perdoado!12
- Já fiz sete anos... - responde a menina, a baixar os olhos.
- Deus do céu!... - grita a futura rainha de Aragão. - Que pecados poderia cometer uma criança de sete anos?... Oh, Isabel, tu te martirizas à toa!... Vamos, deixa de te atormentares por nada!...
És, ainda, um anjinho e que pecados poderias cometer?... - e a pôr-se de pé, agitadíssima, principia a caminhar, em círculos, pela câmara, enquanto prossegue altamente inflamada: - Oh, não me cansarei nunca de exprobrar-me pelo dia em que te deixei, ainda bebê, junto do teu avô!... Como disso me arrependo!... E os padres, Deus do céu!... O que não terão enfiado os senhores padres na tua cabeça?...
- Nada de mal fez-me o meu avô, mamãe; tampouco os santos padres!... - responde Isabel. - Nada, além de pregarem-me o Evangelho de Jesus e a seguir os mandamentos da Santa Igreja. Acaso poderia haver algum erro nisso?
- Não... - responde, lacónica, Constança. E, depois de fixar os olhos, por alguns instantes, no rosto da princesinha, prossegue: - Custa-me entender-te, minha filha!... Tu te mostras tão diferente de nós!... Conversas e ages como um adulto; andas a martirizar-te com o cilício como se fosses uma monja e entras em conflito contigo mesma como alguém que já tivesse trinta anos!... E ainda dizes que só te sentes bem no meio dos miseráveis e dos desgraçados!... -e, com as feições tomadas de alta aflição, põe-se de joelhos diante da filha e continua baixinho, como a confidenciar-lhe: - Algo me deixou deveras apreensiva, quando, outro dia, contaste-me - e a olhar, ligeiramente, para os lados, como a certificar-se de que ninguém a ouvia, prossegue, quase num cochicho: - Então, responde-me, minha filha, assim, a olhar-me aos olhos: é verdade, mesmo, que andavas a beijar as chagas e os bubões aos leprosos?
- Sim, mamãe... - reponde Isabel, quase num sussurro, sem tirar os profundos olhinhos azuis e redondos dos estarrecidos olhos de sua mãe.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Abr 12, 2024 7:21 pm

- E pretendes, acaso, continuar a fazer isso? - pergunta Constança, com os olhos fixos nos olhos da filha.
- Sim, mamãe...
- Deus do céu!... - brada a futura rainha de Aragão, com intenso tremor à voz. No fundo, já previa qual seria a resposta da filha.
Em seguida, devagar, Constança de Hohenstaufen retira os olhos dos olhos da filha e, a tremer, tomada de altíssima comoção, cambaleia até a grande janela e, demoradamente, passeia o olhar pela paisagem. Duas grossas lágrimas rolavam-lhe face abaixo...
______________________________________________________________________________________________
1."- É difícil de dizer!... ", em aragonês.
2. Tal procedimento ocorria desde o reinado de Pedro II (abril de 1196 a 12 de setembro de 1213), época em que se renovou a vassalagem de Aragão ao trono de S. Pedro, tal como antes o tinham feito Sancho Ramires e Pedro I. De fato, Pedro II foi o primeiro monarca deste reino a ser coroado pelo papado, na igreja de S. Pancrácio, em Roma, a 4 de Fevereiro de 1204. A partir de então, e por bula papal de 6 de Junho de 1205, os monarcas aragoneses tiveram a permissão de ser coroados na Sé de Saragoça pelo arcebispo de Tarragona, depois de, obviamente, solicitar-se a aquiescência papal.
3. "É certo que os Espíritos podem tornar-se visíveis e tangíveis aos animais e, muitas vezes, o terror súbito que eles denotam, sem que lhe percebais a causa, é determinado pela visão de um ou de muitos Espíritos, mal-intencionados com relação aos indivíduos presentes, ou com relação aos donos dos animais. Ainda com mais frequência vedes cavalos que se negam a avançar ou a recuar, ou que empinam diante de um obstáculo imaginário. " Trecho de uma comunicação dada pelo Espírito Erasto, em seguida a uma discussão, que se travara, sobre o assunto, na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, e contido no capítulo XXII, item 236, de O Livro dos Médiuns, de Allan Kardec, edição da Federação Espírita Brasileira.
4. Frei Pedro Serra, da Ordem dos Mercenários, primeiro confessor de Isabel.
5.I Pedro, 4:8
6.Referência à rainha Santa Isabel da Hungria, (Pressburgo, 7 de Julho de 1207 - Marburgo, 17 de Novembro de 1231), filha de André II da Hungria e da rainha Gertrudes de Andechs-Meran, descendente da família dos condes de Andechs-Meran. Do lado materno, era sobrinha de Santa Edwiges, tia das santas Cunegundes e Margarida da Hungria e tia-avó de Isabel de Aragão e, do lado paterno, prima de Santa Inês da Boémia.
7. Isabel da Hungria casou-se com o Duque Ludwig da Turíngia, filho do landgrave HermanoI e de Sofia da Bavária, soberano de um dos feudos mais ricos do Sacro Império Romano-Germânico. O noivado foi realizado no Castelo de Wartburg, em Eisenach, capital do Ducado da Turíngia, quando Isabel tinha apenas 4 anos, e Luís, 11. Os dois príncipes tiveram três filhos e realmente se apaixonaram e viveram uma grande e intensa história de amor, num matrimónio exemplar, que atraiu sobre Isabel os ciúmes da sua sogra, a duquesa Sofia e dos demais parentes do esposo. Foi fortemente influenciada pela espiritualidade franciscana, cuja ordem surgiu naquela época. Quis viver uma pobreza voluntária total, no que foi desaconselhada pelo seu director espiritual, Conrado de Marburgo, que a aconselhou a viver as virtudes da sua condição. Ludwig apoiava e auxiliava a amada esposa em suas grandes obras de caridade. Porém, tamanha prodigalidade para com os pobres irritava os seus cunhados, os príncipes Henrique e Conrado da Turíngia. Ao partir para as cruzadas, acompanhando o imperador Frederico II, Ludwig faleceu de peste em Otranto, o que causou enorme dor em Isabel, que recebera a notícia da morte do esposo em outubro, após o nascimento da terceira filha, Gertrudes. Esta dor, entretanto, foi ainda acrescida de maiores agruras, quando seus cunhados, livres do temor que nutriam pelo irmão mais velho, expulsaram-na do castelo com seus filhos, em pleno inverno, sem dinheiro e sem mantimentos e ainda proibindo o povo de agasalhá-la e a seus filhos. Resgatada, mais tarde, por sua tia Matilda, abadessa do Convento Cisterciense de Ktizingen, Isabel preferiu confiar a seus parentes a educação dos três filhos - Hermano, Sofia e Gertrudes - e quis tomar o hábito da Ordem Terceira de São Francisco, junto das suas duas fiéis damas de companhia, Jutta e Isentrude. Algum tempo depois, entretanto, os cavaleiros que tinham acompanhado o Duque da Turíngia à cruzada voltaram, trazendo seu corpo. Corajosamente enfrentaram os príncipes, irmãos do duque falecido, e exprobaram-lhes a crueldade praticada contra a viúva de seu próprio irmão e contra seus sobrinhos. Os príncipes não resistiram às palavras dos cavaleiros e pediram perdão a Isabel e a restauraram em seus bens e propriedades.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Abr 12, 2024 7:21 pm

Mestre Conrado de Marburgo orientou-a para uma vida de renúncia (não sem ele mesmo impor-lhe uma rígida e sufocante disciplina que precisou da intervenção dos amigos para ser abrandada), e ela usou parte da sua fortuna para construir um hospital em honra de São Francisco de Assis, em Marburgo. Nesta época da sua vida, a santidade de Isabel manifestou-se de forma extraordinária, e seu nome tornou-se famoso em todas as montanhas da Alemanha. Dizia-se que São João Batista vinha lhe trazer, pessoalmente, a comunhão e que, inúmeras vezes, ela foi visitada pelo próprio Jesus e pela Virgem Maria, que a consolavam em seus sofrimentos. Uma das suas amigas depôs no processo de canonização, afirmando que surpreendera várias vezes Isabel elevada no ar, a mais de um metro do chão, enquanto contemplava o Santíssimo Sacramento, absorta em profundo êxtase contemplativo.
8. Evangelho de Mateus, 10:16
9- Evangelho de Mateus, 10:16
10. Possivelmente, Isabel era clarividente, capacidade que algumas pessoas possuem de ver os espíritos. "Os médiuns videntes são dotados da faculdade de ver os espíritos. Alguns gozam dessa faculdade em estado normal, quando perfeitamente acordados, e conservam lembrança precisa do que viram. Outros só a possuem em estado sonambúlico, ou próximo do sonambulismo. Raro é que esta faculdade se mostre permanente; quase sempre é efeito de uma crise passageira. " Trecho extraído do capítulo XIV, item 167, de O Livro dos Médiuns, de Allan Kardec, edição da Federação Espírita Brasileira.
11.0 Evangelho de Mateus, 5:7
12. Importante observar que os pensamentos aqui manifestados pelas personagens referem-se àqueles pregados pela Igreja Católica da Idade Média.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Abr 12, 2024 7:21 pm

Capítulo VI - Prepara-se uma guerra
Pedro de Barcelona, agora coroado rei de Aragão, de Valência e da Catalunha,1 era o terceiro da sua linhagem a ostentar esse nome, e, como ele e a esposa, desde longo tempo, já viviam ali, pois preferiam os ares catalães, em detrimento de qualquer outro lugar, haviam ambos escolhido, de comum acordo, a cidade de Barcelona para fixarem a sua corte.2
Entretanto, Pedro não se conformava com a divisão da sua herança com o irmão Jaime, também já instituído monarca de Montpellier, das ilhas Baleares, dos condados do Rossilhão, da Cerdanha e das regiões fronteiriças de Vallespir e Conflent.
Naquela gélida manhã de janeiro de 1277, o novo rei de Aragão acordara-se bem cedo e passeava pelo alto das muralhas do castelo
de Alfofra3. Do alto do outeiro onde se erguia a majestosa construção, tomada aos mouros pelo seu pai, durante a reconquista da Península, o monarca aragonês olhava a paisagem, a estender-se, ao longe, até fundir-se ao céu. Entretanto, seu cérebro não registrava as maravilhas dos campos de Alicante; ao contrário, nele despencava uma catadupa de ideias; tantos eram os conflitos a resolver, e tantas eram as resoluções que deveria tomar; agora, como governante de reinos distintos, teria de relacionar-se com gentes diferentes, cujos anseios nem sempre eram os mesmos que os dele e os dos seus súbditos aragoneses. Muitos nobres catalães teimavam em não o reconhecer como seu rei; negavam-se, até mesmo, em tributar-lhe vassalagem. O primeiro ato de Pedro, como rei, fora tentar concluir a pacificação dos seus territórios valencianos, continuando o trabalho do seu pai. No entanto, ocorrera uma revolta, ali mesmo, na Catalunha, liderada pelo Visconde de Cardona, instigada pelos condes Rogério Bernardo Ilide Foix, Arnoldo Rogério Ide Pallars Sobirà e pelo Conde Ermengol X de Urgel. A hostilidade demonstrada por esses rebeldes era mais uma consequência da severidade com que o novo rei lidara com eles, ainda durante a vida do seu pai, que qualquer outra coisa.
Puro arrufo de gente teimosa e, mais que isso, de gente invejosa, embirrenta!... Agora, opunham-se a ele, por não haver convocado as cortes catalãs, imediatamente após a coroação, conforme esperavam aqueles odientos prepotentes!... Que pensavam que eram?... Um bando de cobiçosos, cuja esganação pela posse de ouro não tinha fim!... A edacidade daqueles lobos era insofreável!... Então, uma onda de ódio faz o novo rei de Aragão fremir, da cabeça aos pés, ao lembrar-se de que o que aqueles nojentos queriam, na certa, era que, agora, ele, Pedro, é quem deveria procurá-los, a implorar-lhes a sujeição, e não eles, a jurar-lhe fidelidade e vassalagem e a confirmarem, destarte, seus privilégios. O rei de Aragão olhava a paisagem e pensava. Apesar de todo o entrave da jactância catalã, em reconhecê-lo rei, infelizmente, ele precisava do apoio daqueles miseráveis hipócritas; sozinho ninguém consegue governar nada!... Portanto, era por isso que, primeiro, precisava botar ordem na casa, apaziguar aqueles odientos catalães, sopesar muito bem as exigências que lhe faziam, abrir mão de algumas prerrogativas que, por direito, cabiam-lhe, e conceder a eles as vantagens que pleiteavam, com o propósito de obter-lhes a vassalagem, para, depois, tendo à mão o exército mais poderoso do Mediterrâneo, poder marchar até o ninho do usurpador, fustigá-lo, acintosamente, a fim de desentocá-lo e, assim, tê-lo à mercê, nos campos de batalha, para humilhá-lo até não mais querer e, por fim, subjugá-lo sob os tacões da bota!...
- Tu me pagarás, infame!... - murmura Pedro III, a rilhar os dentes de ódio, ao lembrar-se do irmão.
Neste ínterim, percebeu que não se achava só, ali, no alto das imponentes muralhas do castelo de Alfofra; volta-se, então, e vê, à certa distância, o amigo que se postava a observá-lo, com os cotovelos repousados sobre o parapeito de uma ameia, e a se manter discreto e fiel, como sempre.
- Cabrera... - murmura Pedro III, com um ligeiro sorriso. Depois, faz-lhe um sinal com a mão para que se aproximasse.
- Cüenos diyas, Majestad!...4 - diz o Conde Cabrera, aproximando-se. E, enquanto fazia ligeira mesura diante do rei, ilumina o rosto de contentamento e prossegue: - Bem cedo vos levantastes!
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Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini - Página 2 Empty Re: Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Abr 12, 2024 7:21 pm

- Biengo astí toz os diyas!...5 - fala o rei de Aragão, agora com o rosto a fechar-se, de novo, com gravidade. - Os campos de Alicante têm o poder de abrandar o fogo que me vai pela alma!
- Já vos pesa tanto assim a coroa à cabeça, Siñor? - pergunta o amigo e conselheiro.
- Não podeis imaginar quanto, conde - responde o rei, com um fundo suspiro. - As cortes catalãs, conforme sabeis, ignoram nossos éditos; sofreamo-nos, ao máximo, para não nos lançarmos sobre aqueles abutres, com toda a nossa força, a esmagá-los, como sói fazer-se aos vermes!
- Se me permitis o conselho, Majestade, bem sabeis que, no momento, a prudência é o melhor alvitramento!... Cedo ou tarde, cairão de joelhos diante de vós!... Sei que bem o conheceis!... Sequer se dão entre si!... Odeiam-se e se invejam, reciprocamente, e acabarão, como sempre fizeram, por desacordarem uns com os outros e virão correndo, a solicitar-vos socorro e protecção!...
- Que nos aconselhais, então, conde?
- Se tendes pressa em fazerdes guerra ao rei de Maiorca, melhor é acordardes com os nobres catalães; se, por outro lado, não existe urgência em vossos propósitos de domínio sobre os territórios usurpados por vosso irmão, deveis aguardar e, até mesmo, fomentar as dissensões entre os revoltosos.
- Tendes razão, conde - diz o rei de Aragão, depois de cogitar por instantes. - Convém que esperemos; não temos tanta pressa assim.
Sabeis que se faz necessário muito tempo para armar-se um exército vigoroso e imbatível como o que pretendemos para a expansão dos nossos domínios; há que se fundirem armas, construírem-se máquinas e navios de guerra e, ainda, recrutar e treinar os soldados e os marinheiros. Entretanto, enquanto nos armamos e esperamos pelo momento aprazado, é preciso solucionar, o quanto antes, a questão do Condado de Urgel. Digo-vos que, grande parte das dissensões que encontro diante dos senhores desta terra encontra-se exactamente aí!... Sentem-se feridos, ultrajados em suas raízes!... Pensai bem, Conde Cabrera, o que não lhes vai pela cabeça orgulhosa, terem de curvar-se diante de um senhor que não lhes tem a mesma raça?... No fundo, sentem-se humilhados e ultrajados até o âmago das suas almas!... E, enquanto essas questões não se resolverem, não teremos, efectivamente, os nobres senhores catalães do nosso lado.6
- E, para tanto, acaso dissestes que estais propenso a abrirdes mão da parte que vos cabe naquelas possessões, senhor?
- Oh, claro que não, Cabrera! - responde o rei, com um sorriso. -Herdamos parte do Condado de Urgel, do nosso augusto pai, e não vamos deixar que aquele abutre7 meta a mão em tudo, sozinho, não!
- E o que pensais fazer, então?
- Negociar, meu caro!... Negociar!... - responde o rei, a rir-se.
- Uma das grandes coisas que sempre admirei, no carácter do meu pai, foi que ele, além de ser extraordinariamente sábio, era, antes de qualquer coisa, habilíssimo negociador!...
- Quanto a isso, tendes toda a razão, senhor! - exclama o Conde Cabrera, também a rir-se. - Jaime I não se valeu apenas da força para reconquistar a Península!... Mais afiadas que a sua espada santa8
- eram as suas palavras de persuasão!... Ninguém delas escapava!... - e explode em estrepitosa gargalhada: - Ha!... Ha!... Ha!... Ha!...
- E, então, o que nos aconselhais, conde?... - pergunta o rei, agora, olhando sério para o outro. - Achais que assim devemos proceder?
- Penso que o vosso pensamento encontra-se correto, senhor!... No momento, a melhor estratégia é esperar, dando-nos, assim, folga, a nos prepararmos para o ataque!
- O rei de Maiorca não sabe o que o aguarda!... - diz Pedro III, fechando a mão energicamente e apertando os dedos como se, imaginariamente, estrangulasse o irmão. Seus olhos tomaram-se de um brilho glacial, pejado de impiedade, enquanto arremata, a rilhar os dentes de ódio profundo: - Por Deus que o matarei com as minhas próprias mãos!
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Abr 12, 2024 7:22 pm

Julian Cabrera, entre amedrontado e espantado com a terrífica expressão que se desenhava no rosto do rei, baixa a cabeça e pensa: "Queira Deus que tu não enlouqueças antes!... "
Pedro III calava-se. Seus olhos, como dois pequenos blocos de gelo, perscrutavam a exuberante paisagem dos campos de Alicante.
- Vinde, Dom Cabrera, entremos - convida o rei, depois de instantes. - Faz muito frio aqui!... Entremos, a aquecer a nossa alma com uns bons tragos de vinho - e, resoluto, põe-se a caminhar rumo às escadas que davam acesso às altas muralhas do castelo de Alfofra.
A pequena Isabel acordara-se havia pouco. Seus olhinhos redondos perscrutavam o ambiente do seu quarto. De repente, da semiobscuridade reinante, em ponto definido e bem próximo ao seu leito, ela observa, entre curiosa e uma pontinha de medo, um clarão que se formava.
- Paye?... - arrisca-se a murmurar. E prossegue, enchendo-se de coragem: - Yes tu?...9
- Sí!... Soi yo!... 10- ouve, nitidamente, a adorada voz, enquanto a luminescência dourada condensava-se, tomando as formas do avô falecido. 11
- Meu querido!... - exclama a menina, a encher-se de intenso júbilo. E, ágil como uma raposinha, senta-se na cama e, predispondo-se a levantar-se, com o intuito de abraçar-se ao ente adorado, diz, cheia de alegria: - Tu voltaste!... - e se lança aos braços do avô.
- Não, pequena rosa!... - brada o espírito, advertindo-a. - Não te levantes!... Faz muito frio!... Fica aí, em teu leito quentinho, ou te vais congelar!... E, além do mais, não adianta te aproximares de mim!... - e, achegando-se mais, tenta, inutilmente, apanhar a mãozinha da neta. -Vês, se te toco, simplesmente, atravesso-te!... - e, a abrir um sorriso maroto, prossegue: - Agora sou feito de outra coisa!...
- Vejo que sim, paye!- replica a menina, entristecendo-se. E, com os olhinhos azuis a encherem-se de lágrimas, prossegue: - Queria tanto te abraçar, como outrora!...
- Oh, não fiques triste, princesa!... - exclama o espírito do velho rei.
- ¡Beye!... Iste presén ye ta busté!...12
- ¡Una rosa!... - grita feliz a menina, a bater palmas de contentamento. - Uma rosa de luz!...
E, com a ponta dos dedos, Isabel acaricia, ternamente, a borda das pétalas da exuberante rosa luminescente que o adorado avô apresentava-lhe, cavalheirescamente.
- Sim, uma rosa, para a minha pequena dama!... - brinca ele, a rir-se.
- Oh, paye!... - diz a menina, sentindo-se tocar pelo comovente gesto do avô. - Pena que não na possa pôr a secar, para que dure para sempre!... - e, a fazer-se triste, prossegue: - Sequer posso recebê-la, de verdade, pois se apagará, se a tomar da tua mão!...
- Guarda-a na tua lembrança, meu amor! - diz o velho rei, com a voz trémula pela emoção. E, a aproximar-se mais da adorada neta, tenta, com a ponta dos dedos, acariciar-lhe as faces redondas e rosadas.
A menina, também a tomar-se de alta comoção, tenta segurar as mãos do avô e se predispõe a beijá-las. Entretanto, havia uma terrível barreira entre ambos, a indevassável trincheira da morte, a separá-los...
-Paye... - prossegue Isabel, a esforçar-se, enormemente, para conter a emoção que lhe invadia a alma. - Qué fa busté agora?13
- Agora - diz o velho rei, com os olhos fixos nos olhinhos brilhantes da neta -, continuo o meu trabalho... - e, após alguns momentos de reflexão, prossegue: - Sabes, Isabelita, Deus deu-me uma grande tarefa!... Para mim, coube dar início à difícil empreitada de unir todos os povos ibéricos numa única e forte nação!... Aragoneses, catalães, leoneses, castelhanos, navarros... Hoje sei que os planos para essas terras são esses... Primeiro, entretanto, haverá que se varrerem, definitivamente, os muçulmanos daqui; fiz a minha parte, mas essa chaga ainda se encontra aberta, a ensopar de sangue o sagrado solo hispânico!...14 A Espanha só será única, quando o estrangeiro for escorraçado de volta à sua terra!
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Abr 12, 2024 7:22 pm

- Entendo... - diz a menina, pensativa. Depois, a abrir um sorriso pejado de inocência, prossegue: - Foste um grande rei, paye!... - diz ela, com orgulho. - Nem sabes o quanto o povo louva e guarda a tua memória!... Pelo muito que fizeste por Aragão, hoje temos um pouco de paz!...
- Sei que assim é, pequena rosa - concorda o espírito do velho rei, a ameigar a voz. - Sempre fizemos as guerras, com vistas ao estabelecimento da paz duradoura e, principalmente, visando à união dos povos ibéricos sob um mesmo ceptro!... - e, como sempre fez, enquanto viveu ao lado da neta, continua a conversa, a tratar aquela menina de olhos brilhantes e doces, como se ela fosse adulta e, ainda, a melhor e a mais confiável das pessoas deste mundo: - Os passos do nosso pai, em direcção à expansão do Reino de Aragão, foram tímidos...15 Preocupou-se ele mais em adular os castelhanos - e te confesso com certo desaire! - que me envergonho da forma como ele se sujeitou aos caprichos de Afonso de Castela!.... 16 Sabes o quanto aquela gente detesta-nos!...
- Sei... - diz Isabel, a baixar os olhos. Entretanto, como era do seu feitio, por nada deste mundo deixar-se abater, prossegue, a reavivar-se:
- E, quando, efectivamente, teremos a paz entre os povos ibéricos, vovô? - pergunta a menina.
- Oh, querida!... - exclama o espírito do velho rei. - No fundo, todos nós ansiamos pela paz!... Mas, vê!... Quando é que a humanidade, realmente, encontrou-se em paz?... Nunca!... Se não temos guerra aqui, certamente, havê-la-emos alhures!... Sempre foi assim!...
- E, crês, no fundo do teu coração, que, um dia, mesmo num futuro bem distante, os homens achar-se-ão em paz duradoura?
- Oh, meu bem! - exclama o espírito de Jaime de Barcelona, depois de emitir longo e fundo suspiro. - Quem te poderá dar tal resposta com certeza?...
-Acho que Deus não criou as guerras - diz a menina, como se cogitasse em voz alta -, os homens é que a inventaram...
-Tens razão, querida! - concorda o Espírito. - Deus, certamente, terá criado apenas a paz!
- Sim! - exclama ela, a avivar-se. - Não achas que Deus e guerras não combinam?
-Acho...
- E papai? - pergunta Isabel, a fixar os olhos no vetusto rosto do avô.
- Crês que seguirá os teus passos?
- Não sei, meu bem! - responde o rei, de repente, com os olhos a toldarem-se de expressiva tristeza. - Pedro é desmedidamente ambicioso!...
- Mas essa ambição do meu pai não terá um bom sentido, se voltada à reconquista desta terra? - pergunta a menina.
- Quisera que assim fosse, querida!... - redargui o rei. - Quisera que assim fosse!... -e, a tornar-se grave, prossegue: -Digo-te que a ambição nunca é boa para nada!... A ambição é filha do desejo e, diz-me, o que é que o desejo, efectivamente, arrasta atrás de si?... Nada mais, além da insaciabilidade!... Os desejos não têm fim, Isabel!... Uma vez que tu satisfaças um deles, imediatamente, um outro, mais voraz que o anterior, brotar-lhe-á das cinzas!... E, da mesma forma como faz a Fénix mitológica, os teus desejos assim também farão!... Se te empenhares a atender aos desejos que enxameiam no teu coração, louca ficarás e não conseguirás pôr termo a eles!... Eles te matarão sufocada como fariam os tentáculos de ascoso polvo, se enredada neles te encontrasses!... Nós, querida filha, temos de atender somente às nossas necessidades que, se prestares atenção, resumem-se a pouca coisa... O orgulho, a preguiça, a luxúria, o vício é que costumam açular os nossos desejos!... Por isso é que Nosso Senhor Jesus Cristo faz-nos sérias advertências sobre a nossa ansiosa solicitude pela vida...17
- "Observai as aves do céu... "18 - lembra a menina.
- Justamente!... Aí tens toda a confirmação do que acabo de te dizer!... Acaso tais coisas não vieram dos lábios de Jesus?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Abr 12, 2024 7:23 pm

- Sim, vovô...
- Temo pela desmedida ambição do teu pai, Isabel - diz o velho rei. E, com a fisionomia a tomar-se de excessiva preocupação, prossegue:
- O coração de Pedro anda a transbordar de desejos...
- E o que temes, paye?... - pergunta a menina.
- Oh, meu bem!... - diz o Espírito, a encher-se de aflição. - Se soubesses o que anda, de fato, pelo coração do rei de Aragão!... - e, a levantar as mãos para o alto, põe-se a caminhar em círculos pelo aposento. Isabel seguia-o com os olhinhos redondos e brilhantes, enquanto o avô bradava, às raias do desespero: - Eu não quis errar!... Não fiz com o propósito de castigar Pedro!... Mas ele assim me interpreta o desejo de também ter feito rei ao teu tio!... Eu não no quis castigar, juro-te!... Mas ele não me perdoa e exprobra a minha atitude, execrando-me a memória!... Oh, o coração do teu pai é duro e frio como uma rocha, Isabel!... - e, parando diante da neta, fita-a nos olhos e diz: - Fi-lo por amor, entendes?... Também amo Jaime... Da mesma forma e na mesma intensidade, amo Jaime, como amo a todos os outros!...
Acaso haveria qualquer distinção no amor que sinto por Afonso, Violante, Constança, Fernando, Isabel, Maria, Sancha, Sancho...?19
- Sei que papai não te perdoa isso... - diz a menina. E, com os olhos tristes, prossegue: - Até tentou matar o meu tio...
- Oh, que vergonha sinto disso!... - exclama o rei, cheio de indignação.
- Não fosse a ajuda de Deus, não teria livrado Jaime da morte, e o teu pai de manchar as mãos de sangue, a tornar-se um abjecto fratricida!... Oh, à esta hora, quão horrível não se teria tornado a sua vida, com o cadáver do irmão a pesar-lhe, eternamente, aos ombros!... Onde errei?!... - brada o Espírito do velho rei, às raias do desespero. - Por que não se une o teu pai ao irmão?... Esse era o meu real desejo!... Vê-los unidos, a expandirem os nossos domínios!... Mas, não!... Ei-los a se odiarem, como se em suas veias não corresse o mesmo sangue!... E, no presente momento, minha querida, arquitecta arremeter poderoso exército contra Jaime, a destituí-lo da coroa que lhe dei!... Pura e desmedida ambição!... Não haveria necessidade de assim proceder!... Bastaria que se unissem e, juntos, reinariam absolutos sobre todo o Mediterrâneo!...
- Paye... - diz a menina, a romper pequeno silêncio que se estabelecera entre ambos.
- ¡Si, pequeña rosa!
- Por que tu também não apareces a papai?... Assim, poder-lhe-ias dar orientações, fazê-lo arrepender-se do que faz!
- Oh, meu amor!... Oh, meu amor!... - exclama o Espírito do velho rei, aproximando-se da neta, com os olhos a encherem-se de lágrimas.
-Não crês que, se fosse possível, eu já não no teria feito?... - e, cala-se, por instantes, metido em fundas cogitações. Depois, afastando-se para um canto do quarto, continua, cheio de tristeza: - Acho que, mesmo se me visse, assim como tu me vês e comigo conversas com tanta facilidade, teu pai não creria!... Nem assim!... - e, após engolir em seco, prossegue: - Teu pai está perdido, meu bem!... A coroa deixou-o fraco das ideias!... Sabes, nem todas as cabeças estão preparadas para suportar o peso de uma coroa, e a do teu pai é uma delas... Acabará esmagado pelo peso da sua desmedida prepotência...
- Paye, e se eu lhe disser tudo o que me contaste?... - diz a menina, de repente, a iluminar-se. - Não crês que o possamos demover das suas intenções contra tio Jaime?
- ¡Si yo estase tu, no dizirba cosa!...20 - exclama o Espírito de Jaime de Barcelona. - Além do mais, conhecendo o teu pai como o conheço, seria bem capaz de irritar-se contigo!... Melhor que tu não o açules com nada, minha filha!... Poderia voltar-se contra ti!... Aliás, ainda nada te disse sobre isso: acautela-te de dizeres a quem quer que seja sobre esses nossos encontros!...
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Abr 12, 2024 7:23 pm

- Nem mesmo ao meu confessor?
- Oh, nem mesmo a ele, peço-te!... - exclama o rei, aproximando-se da neta. - Nem mesmo a ele!... Não sabes o quanto temo por ti!... Não que eu ande a pedir que mintas para Deus!... Entendas: não é isso!... Mas é bom que nos acautelemos contra a ignorância dessa gente!... Imagina se resolvem tomar tais coisas por aparições do diabo!... Nem quero pensar o quanto de ti judiariam por conta disso!... E fica sabendo que a Inquisição a ninguém tem poupado... Nem mesmo as cabeças coroadas...21
- Se dizes... - observa pensativa a neta. - Crês, mesmo, que te tomariam pelo diabo?... Oh, seria o terrífico senhor das trevas tão esperto assim?... - e, após cogitar por instantes, enquanto estudava, meticulosamente, as formas do Espírito ali presente, prossegue: - Que és o meu avô, não há qualquer sombra de dúvida...
- És tu, verdadeiramente, nos mínimos detalhes, e eu te reconheceria em qualquer situação!... Nenhum ente da escuridão poderia, efectivamente, enganar-me, passando-se por ti!...
- Não desejo discutir contigo as qualidades de satanás, minha bela -observa o velho rei, mal sofreando o riso -, mas, ouve-me: nada digas a ninguém!... Se me quiseres ter contigo outras vezes, procede assim!... Ou verás o quanto pesam as mãos dos senhores padres, mesmo sendo uma princesa de Aragão!...
- Ou a mão do rei...
- Creio que entendeste, perfeitamente, o que eu te disse!... - diz o Espírito. E, a tornar-se triste, continua: - Agora, devo ir-me...
- Oh, já te vais?... - exclama Isabel, levantando-se da cama e, a aproximar-se do espectro do avô, ajoelha-se diante dele, e prossegue: - Quando voltarás?... Sinto tanto a tua falta!...
- Quero que saibas, meu bem, que sempre estarei ao teu lado, até quando a bondade de Deus permitir!... - e, a perceber que a neta entristecia-se, enormemente, exclama: - Olha, deixarei a rosa para ti! - e, a aproximar-se do rico oratório em que a imagem da insigne Maria, a mãe de Jesus, achava-se entronada, genuflecte-se, respeitosamente, dobrando os joelhos e, a persignar-se, deposita a exuberante rosa de luz aos pés da Virgem. A flor, misteriosamente, permanece a brilhar, e a sua luminescência dourada espalha-se pelo rico altar de prata, dando-lhe um ar mágico, feérico!
Mais tarde, quando as aias de Isabel adentraram a câmara, encontraram-na deitada de bruços sobre as frias pedras do chão, de braços abertos, em êxtase profundo. No altar da Virgem, uma exuberante e instigante rosa de luz emitia estranha luminescência dourada...
______________________________________________________________________________________________
1. Pedro e Constança foram coroados em Saragoça pelo arcebispo de Tarragona, em Novembro de 1276, numa cerimónia em que Pedro cancelou a vassalagem do seu reino ao papado, acordada pelo seu avô, Pedro 11 de Aragão. Tal rompimento da coroa de Aragão com o papado tinha uma razão de ser: Pedro não se conformava com a divisão da herança com seu irmão Jaime, uma vez que ele, Pedro, planejava a expansão aragonesa com vistas à hegemonia catalã-aragonesa no Mediterrâneo, e as Ilhas Baleares - agora em mãos do irmão - eram um ponto estratégico para o controle do comércio marítimo. A essas pretensões do rei de Aragão, opunha-se a casa real francesa que, por sua vez, achava-se protegida, abertamente, pelo papado, desde Urbano IV (1261 - 1264), papa francês, época em que o pontificado passou a buscar apoio e protecção da monarquia francesa, pois os graves conflitos entre aquele pontífice e o império, especialmente na pessoa de Frederico II, fato que levou o papado a aproximar-se da França, e também, pelo motivo de achar-se sentado no trono francês, Luís IX (1214 - 1270), futuro São Luís que, abertamente, exercia grande influência sobre a Igreja.
2. Pôr essa época, final do século XIII, Baixa Idade Média, não se cultivava, ainda, a ideia de uma cidade única para a sede do governo de um Estado. As cortes mudavam, constantemente, de lugar, segundo as conveniências dos seus governantes ou de acordo com as variações do clima ou, ainda, o que era bastante comum, a fugirem, escapando dos ataques e consequentes cercos de tropas inimigas, que poderiam durar meses ou até anos.
3. O Castelo de Alfofra localiza-se em Confrides, Alicante. Erguido sobre uma escarpa rochosa, remonta a uma fortificação muçulmana, profundamente reformada após a Reconquista Cristã da região. O seu recinto exterior compreendia, além das muralhas, duas torres, uma de planta quadrada, e outra, circular, alicerçadas na rocha. O recinto interior, de maiores dimensões, era delimitado por uma muralha ameada, na qual se rasgava um portão em arco de volta perfeita. Esses muros eram reforçados por outras duas torres, também uma de planta quadrada e outra, circular. Actualmente, o castelo encontra-se em ruínas.
4. "- Bom-dia, Majestade!... ", em aragonês.
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Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini - Página 2 Empty Re: Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Abr 12, 2024 7:24 pm

5. "— Venho aqui todos os dias!... ", em aragonês.
6. Pedro III enfrentava, também, uma crise de sucessão no condado de Urgel. Quando o conde Álvaro de Urgel morreu, em 1268, as famílias das suas duas esposas, Constança, filha de Pedro Moncada de Béarn, e Cecília, filha de Rogério Bernardo II de Foix, começaram uma longa luta pela herança do condado. Entretanto, uma importante extensão do domínio tinha sido revertida para Jaime I de Aragão, e, consequentemente, herdada por Pedro III. Somente no ano seguinte, em 1278, é que Ermengol X de Urgel, o primogénito de Álvaro, conseguiu recuperar a maioria do seu património e chegou a um acordo com o rei, de quem se reconheceria vassalo, facilitando, destarte, o início da pacificação interna do reino.
7. Referência ao Conde Ermengol X de Urgel.
8. A personagem aqui se refere ao fato de Jaime I ter sido membro da Ordem dos Templários, instituição que teve sua origem nas militae da Alta Idade Média, pequenos exércitos particulares, criados e mantidos por senhores feudais, para protecção das suas propriedades, mas que, com o passar do tempo, deram origem a bandos de desordeiros que aterrorizavam as populações de então, promovendo ataques a castelos, a vilarejos, a viajantes e a ninguém e a nada poupando ou respeitando, numa onda de terror, a matarem, roubarem, estuprarem e saquearem, sequer respeitando as igrejas, os conventos ou os mosteiros. Entretanto, a partir de 1128, o papa Honório II, altamente preocupado com o aumento desenfreado dessas hordas delinquentes, decidiu agir e convocou o Concílio de Troyes (1128), com o propósito de se encontrar uma solução para tamanho impasse que assolava a Europa toda, e Bernardo de Fontaine (1090 - 1154), monge cisterciense e abade do Mosteiro de Claraval, no vale de Langres, e futuro São Bernardo, revelava-se, então, grande pregador e defensor da Igreja e, convidado a participar desse concílio, como secretário, Bernardo de Claraval, como era conhecido à época, e, com o fim de pôr termo às práticas bárbaras que talavam a sociedade europeia desse tempo, escreveu e apresentou o tratado De laude novae militae, considerado uma das fontes do desenvolvimento do ideal da Cavalaria. Nesse documento, o monge de Claraval conclamava os cavaleiros a tornarem-se instrumentos de Deus, para castigarem os malfeitores e defenderem os justos. Surge, destarte, a Ordem dos Cavaleiros do Templo ou Ordem dos Templários, com dupla finalidade: atrair esses bandos de desordeiros para a Igreja, tornando-os soldados de Cristo, e, consequentemente, pôr fim à onda de terror que assolava a Europa. A ideia de Bernardo de Claraval não era nova, uma vez que já existiam outras ordens, sendo a primeira a Ordem dos Hospitaleiros, fundada em 1113, e organizada conforme a regra de Santo Agostinho. Posteriormente, surgiram a Ordem dos Cavaleiros Teutónicos, dos Cavaleiros de Alcântara, de São João de Jerusalém, de Calatrava, de Avis, dentre outras. As actuações dessas confrarias foram diferentes, se comparadas entre si, mas todas sempre se situaram dentro do contexto militar-religioso e contribuíram para criar as melhores tradições da Cavalaria Medieval. Em sua origem, essas Ordens possuíam um código de ética rígido, imposto aos seus membros sob severo juramento e que não deveria jamais ser quebrado. Por muito tempo, a Igreja teve os Cavaleiros a seu lado, mas, com o passar do tempo, veio a decadência, com os seus membros, inclusive reis e príncipes, cometendo perjúrio, luxúria e traições. A Ordem dos Cavaleiros Templários, da qual o rei Jaime I fazia parte, foi uma das que mais destaque teve, principalmente, no que concerne à libertação da Península Ibérica do domínio muçulmano, além da organização e da participação das cruzadas.
9. "- Vovô?... (...) "- És tu?... ", em aragonês.
10. "- Sim.'... Sou eu!... ", em aragonês.
11- "De todas as manifestações espiritas, as mais interessantes, sem contestação possível, são aquelas por meio das quais os Espíritos se tornam visíveis. Pela explicação deste fenómeno se verá que ele não é mais sobrenatural do que os outros. Vamos apresentar primeiramente as respostas que os Espíritos deram acerca do assunto: 1a Podem os espíritos tornar-se visíveis?
Podem. sobretudo, durante o sono. Entretanto algumas pessoas os vêem quando acordadas, porém, isso é mais raro. " Trecho extraído de O Livro dos Médiuns, de Allan Kardec, capítulo VI, item 100, editado pela Federação Espírita Brasileira.
12. "- Vê!... " (...) "- Este presente é para ti!... ", em aragonês.
13. "- Vovô... " (...) "- Que fazes agora?... ", em aragonês.
14. Só em 2 de Janeiro de 1492 - mais de 250 anos depois da reconquista de Sevilha (1248) pelo rei de Castela, Fernando III (1198 - 1252), época em que os invasores refugiaram-se numa pequena região da Andaluzia, onde formaram um pequeno reino, cuja capital era Granada -, é que os muçulmanos renderam-se aos reis católicos Fernando c Isabel e deixaram a Península para sempre.
15. De facto, a política de Pedro II, pai de Jaime I, não foi eminentemente expansionista e, durante o seu reinado, conquistou apenas inexpressivos territórios. Absorvido mais pela sua politica internacional, cujo principal objectivo era firmar uma paz duradoura com o Reino de Castela, Pedro II só reconquistaria algumas localidades, mormente aos reinos de Leão e de Navarra: Mora de Rubielos, em 1198; Manzanera, em1202; Rubielos de Mora, eml203; Camarena, em 1205 e Ademuz, eml210.
16. Referência a Afonso VIII de Castela, o Nobre (1155-1214), foi rei de Castela e de Toledo desde 1158 até à sua morte. Pedro II de Aragão estreitou relações com Castela, com quem assinou o tratado de Agreda-Tarazona contra Leão e Navarra, conseguindo, destarte, distinguir-se na decisiva batalha de Navas de Tolosa, em 1212, como parte da força aliada cristã liderada por Afonso VIII de Castela.
17. Evangelho de Mateus 7:25-34
18. Evangelho de Mateus 7:26
19. Jaime de Barcelona teve 11 filhos legítimos e 5 bastardos.
20. "- Se eu fosse tu, nada dizia!... " , em aragonês.
21. As origens da Inquisição remontam a 1183, quando o papa Gregório IX enviou delegados pontifícios para a averiguação dos cátaros de Albi, seita herética, surgida no Languedoc, no sudoeste da França, ao final do século XI. E, como consequência da constatação da existência dessa heresia, a instituição da Inquisição deu-se no Concílio de Verona, no ano seguinte. Numa época em que o poder religioso se confundia com o poder real, Inocêncio III, em 20 de Abril de 1233, editou duas bulas que marcaram o reinício da Inquisição. Nos séculos seguintes, ela julgou, absolveu ou condenou e entregou ao Estado (que aplicava a "pena capital", como era comum na época) vários de seus inimigos propagadores de heresias. Convém lembrar que ser cristão, à época, era entendido muito além de uma simples religião. Ser cristão era a maneira comum de ser e pensar. Um inimigo do Cristianismo era entendido como inimigo do pensar comum e da identidade nacional dos povos.
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Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini - Página 2 Empty Re: Isabel de Aragão, a Rainha Médium - Monsenhor Eusébio Sintra/Valter Turini

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