LUZ ESPÍRITA
Gostaria de reagir a esta mensagem? Crie uma conta em poucos cliques ou inicie sessão para continuar.

Ícaro Redimido - A vida de Santos Dumont no Plano Espiritual - Adamastor/Gilson Teixeira Freire

Página 10 de 11 Anterior  1, 2, 3 ... , 9, 10, 11  Seguinte

Ir para baixo

Ícaro Redimido - A vida de Santos Dumont no Plano Espiritual - Adamastor/Gilson Teixeira Freire - Página 10 Empty Re: Ícaro Redimido - A vida de Santos Dumont no Plano Espiritual - Adamastor/Gilson Teixeira Freire

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Mar 02, 2024 7:46 pm

Entrementes, recordei-me de curiosa notícia que ouvira de amigos, dias atrás, compreendendo, num átimo, o que se passara. Não pude evitar de lhe chamar a atenção para a ocorrência, embora duvidasse, em breve relance, se isto era efectivamente o melhor que lhe convinha. Algo aliviado, agreguei:
— Alberto, você não se deu conta de que há outras estátuas em falta nesta cidade? Nossos amigos alemães estão ávidos por matéria prima para confeccionar munições e andaram recolhendo algumas daquelas que não lhes demonstram significativo valor, para se prestar a esse fim. A sua foi uma delas, simplesmente isso. Não se trata de mera aversão à sua memória, seguramente. Seu belo ícaro foi reduzido a projécteis para alimentar canhões, meu amigo, os mesmos a que outrora dedicara tamanho empenho em construir e cuja lembrança, depois, tanto o martirizou!
— Meu ícaro transformado em balas de canhão! Vejo que o malfadado invento me persegue até hoje!..
— Que estranha ironia do destino, seu mais precioso bem terreno convertido em objecto de destruição! Podemos, entretanto, ver neste facto de aparente casualidade um insigne óbelo da sabedoria da vida, que não desperdiça oportunidades para nos fazer crescer.
A lição, destarte, já havia sido assimilada e Alberto denotava, de fato, haver superado a sua decepção. Aliviados, adentramos em nossa enfermaria, a fim de cuidar daqueles que precisavam muito mais do que nós, deixando ao mundo o que a ele pertence e permitindo ao império do mal satisfazer a sua ânsia na confecção de ruínas, até que a Lei o detenha no cadinho das inevitáveis reacções.
Relatamos o ocorrido a Adelaide que, embora lamentando a perda de seu relicário, reconhecia que fora salutar providência do destino, demonstrando-lhe a inconveniência de percorrer as faustuosas rotas do passado, somente para degustar novamente os trunfos da glória. Em breve Alberto se olvidava do facto, retornando à sua habitual diligência, demonstrando-nos que o esforço no serviço era precioso medicamento para lhe sanar a fixação no pretérito.
Tornando aos campos de combate, prosseguíamos na charrua redentora, recolhendo os famigerados desencarnados, preparados para lutar, porém não para morrer. Devíamos dirigir toda nossa atenção para o socorro aos aflitos, onde quer que estivessem e a que lado pertencessem. Deixando que o Mal destruísse a si mesmo, cabia-nos edificar na eternidade, espargindo valores imorredouros do Bem, cujas recordações jamais nos ferissem a alma.
Nossa enfermaria se apinhava de estropiados, muitas vezes inimigos mortais, colocados lado a lado, em meio à névoa ténue, flutuante, acima dos leitos, impregnada de eflúvios mefíticos, que poucos podiam denotar. Os cuidados que os recém-desencarnados requerem nestas condições se assemelham em tudo aos traumatizados humanos, necessitando de curativos, ataduras ou até mesmo verdadeiras cirurgias de recomposição de tecidos esfacelados e ossos fracturados. Seus organismos psicossomáticos se impregnam das mesmas lesões físicas que os levaram à desencarnação, até que, assumindo a consciência da nova condição em que vivem, conseguem desenvencilhar-se destas sequelas, demonstrando-nos que o fato guarda íntima relação com os fenómenos da mentalização e que o corpo perispiritual, embora entretecido em substrato celular é, na verdade, uma construção ideoplástica do espírito.
Muitos necessitavam de ser induzidos ao sono profundo diante dos sofrimentos insuportáveis e a impossibilidade de compreenderem a situação em que se encontravam, enquanto outros careciam apenas de palavras de consolo.
As diversas nacionalidades de nossos assistidos transformavam nosso ambiente de trabalho em verdadeira Babel, exigindo-nos grande esforço na lida dos muitos idiomas envolvidos. Neste aspecto é compreensível, como já nos referimos, que a morte não situe o espírito de mediana evolução, de imediato, em contacto com as comunicações puramente mentais dos planos elevados, e prosseguimos usando o mesmo mecanismo da fala para nos entendermos. Somente aqueles moralmente muito adiantados conseguem, em curto prazo, adentrar a linguagem dos sentidos em avançado processo de percepção das correntes de pensamentos.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122625
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Ícaro Redimido - A vida de Santos Dumont no Plano Espiritual - Adamastor/Gilson Teixeira Freire - Página 10 Empty Re: Ícaro Redimido - A vida de Santos Dumont no Plano Espiritual - Adamastor/Gilson Teixeira Freire

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Mar 02, 2024 7:47 pm

Com a prestimosa ajuda de Adelaide, Alberto adestrava-se no trato com os feridos de guerra, desenvolvendo, paulatinamente, novas aptidões, bastante distanciadas do papel que desempenhara na jornada terrena. O novo panorama, que a vida na Erraticidade abre para a dilatada consciência espiritual do desencarnado em equilíbrio, projecta-o, quase sempre, muito além das acanhadas perspectivas terrenas, levando o homem comum, muitas vezes, a duvidar de nossas diferenciadas prerrogativas. Não nos surpreendia, por isso, ver nosso amigo convertido em autêntico enfermeiro de guerra, pensando os feridos, dirigindo-lhes palavras de reconforto, distanciando-se a cada dia mais do que fora na Terra, Santos Dumont.
Sem dúvida, sentia ele que este era o único caminho que podia preencher-lhe o vazio que trazia na alma, e empreender o voo do espírito era agora seu máximo anelo. Um novo sonho de ícaro lhe ocupava a mente, voar por entre os espaços do amor e sobre as planícies do saber, albergando o Divino na alma e saciando a fome de sentimentos que uma vida assoberbada de máquinas e mecanismos lhe impregnara. Enredando renovados valores para a Vida Eterna, seguramente se preparava para outros misteres no futuro, segundo as premências que a evolução nos concita a fim de nos conduzir para a perfeição.
Vendo-o estampar um sorriso para cada ferido que encontrava, consolando com palavras doces os desesperados, admirava o verdadeiro milagre que se operava em sua alma, rememorando a precária condição em que o recebemos em nossa colónia. Agradecia a Deus pela sua recuperação, caminhando a passos rápidos para o completo restabelecimento e alta da condição de assistido. E, recordando as palavras do apóstolo Pedro, certificava-me de que servir aos que sofrem é o mais precioso medicamento para sanar todas as chagas de nosso pretérito.
A guerra prosseguia em sua saga sangrenta, em direcção agora às plagas soviéticas, pois os beligerantes germânicos, rompendo seu pacto de interesses egoísticos com os russos, intencionavam dilatar suas fronteiras por toda a Ásia, demonstrando que suas ambições eram excessivamente desmedidas e impróprias para a paz mundial. As forças do destino atuam segundo os Planos Superiores que nos regem a evolução, e os protagonistas da vida lhes obedecem, muitas vezes acreditando estar agindo segundo seus próprios anseios. Por isso, achávamo-nos seguros de que tomando essa nova direcção as potências do Eixo94 estavam, na verdade, seguindo sugestões do Invisível, selando seu esboroamento, na medida que dividindo seus exércitos em novas frentes de ataques se enfraqueciam. Seguramente não poderiam vencer o gigante russo pois as condições climáticas lhes eram adversas e, apesar do sacrifício de milhões de vidas, esta era uma solução para minar os recursos da guerra, fazendo com que o Mal fosse derrotado pela sua própria ganância.
Embora não nos fosse dado tomar partido no conflito, sabíamos que nossos irmãos alemães excediam em suas ambiciosas pretensões, baseadas em equivocadas e orgulhosas utopias. Distanciados do bem comum e do respeito aos irmãos em humanidade, pleiteavam de fato a completa dominação do orbe, objectivando a exploração económica, a escravização dos vencidos e a desapiedada eliminação das raças consideradas inferiores, como os humildes povos asiáticos, os ciganos e os judeus, reputados como estirpes desprezíveis e indignas de participarem da nova ordem social que imporiam ao mundo. Aqueles que lhes disputavam as aspirações colonialistas, como os bolchevistas russos e os impérios capitalistas ocidentais, deveriam também ser destruídos e dominados. Deliberações estas que correspondiam às malignas sugestões das Sombras e que não se coadunavam, em absoluto, com os ideais superiores que nos dirigem a vida.
Nesta arena de disputas, o pacto nazi-soviético era, de fato, uma grave ameaça à ordem mundial, pouco avaliada pelos observadores da História, pois a união dos dois grandes gigantes em um esforço conjunto de conquistas os tornaria imbatíveis, estendendo a Grande Guerra para limites insuportáveis pelo planeta, impondo-se imensos sofrimentos à humanidade. Os encarnados não se deram conta do risco que corriam e dos esforços envidados pelo Plano Espiritual superior para desmantelar este desequilíbrio de forças, coibindo a inadequada aliança.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122625
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Ícaro Redimido - A vida de Santos Dumont no Plano Espiritual - Adamastor/Gilson Teixeira Freire - Página 10 Empty Re: Ícaro Redimido - A vida de Santos Dumont no Plano Espiritual - Adamastor/Gilson Teixeira Freire

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Mar 02, 2024 7:47 pm

Felizmente esse desiderato foi facilmente atingido, pois as desmesuradas ambições que os motivavam impediam-lhes de se consorciarem em um objectivo comum. A associação entre russos e Aliados era, neste momento, a melhor maneira de se evitar um desproporcional conflito entre as grandes potências bélicas, sedentas de conquistas, entretanto, os antagonismos existentes entre os ideais comunistas e os interesses capitalistas tornavam essa união difícil e delicada. As constantes ameaças de ruptura de suas relações aparentemente amistosas eram sobrecarga para a Direcção Espiritual, interessada em manter-lhes a coalizão, que somente se justificava mediante a identificação de um inimigo comum.
Os imensos conflitos entre as Forças Aliadas, convivendo com objectivos divergentes e disputas de domínio contraproducentes, sofriam, a todo instante, a interferência dos espíritos elevados, que se esforçavam para manter a situação no melhor equilíbrio possível, evitando-se danos maiores para o progresso humano. A dificultosa situação tornava-se grave em muitos momentos, quando ambas as partes, capitalistas e comunistas, sentiam-se prejudicadas em seus anseios de conquistas territoriais e na doentia valorização dos nacionalismos em jogo.
Não podemos, contudo, deixar de considerar que não havia uma facção do Bem em luta contra uma do Mal, pois, todos, indistintamente, achavam- se distanciados do amor evangélico e intencionavam também a expansão de domínios, almejando inadequadas explorações colonialistas, em franco desrespeito aos direitos de que cada povo irmão é meritório. Se o Plano Inferior tomava decisivo partido nas contendas humanas, o Mundo Maior não se posicionava contra quem quer que fosse, mas somente em oposição à maldade descabida, onde estivesse, interferindo com recursos apaziguadores, como um pai diante dos filhos em altercação.
Iniciavam-se ainda os ataques no Pacífico, envolvendo directamente os povos americanos, estendendo-se o teatro da guerra para uma amplitude mundial, em proporções jamais vistas. O planeta de fato era incendiado pelo despropósito humano, convertendo-se em imensa furna de tormentos infernais.
Como os embates prosseguiam, avolumando-se nos territórios em que atendíamos, não fomos convocados para trabalhar nestas novas frentes orientais de combates, onde sofrimentos inenarráveis eram-nos descritos como os mais bárbaros da Grande Guerra. Em Stalingrado, pereciam milhões de almas em triste urdidura assassina e a cidade sucumbia em meio às ruínas, onde a vida valia bem pouco diante da imensa maldade humana. Enquanto isso a fome, o frio e a crueldade sem limites solapavam as amofinadas populações europeias, exauridas pelos extensos bombardeios e sufocadas pelo ribombar incessante dos canhões. Penava-nos ver tamanho morticínio em nome de insofreáveis orgulhos nacionalistas, completamente distanciados das realidades espirituais da vida.
Presenciamos cenas imorredouras, tecidas com requintes de inenarráveis crueldades jamais vislumbradas na Terra. Enquanto os germânicos cuidavam de derruir as cidades inglesas com fantásticas e terríveis bombas voadoras, disseminando o pânico e a dor, os Aliados respondiam com a operação cognominada “ataque exterminador”, empregando centenas de bombardeiros que enxameavam os céus sobre as populações inimigas, despejando milhares de bombas, muitas incendiárias, em centros urbanos e indefesos, assassinando impiedosamente populações civis que, aparentemente, não se coadunavam com as disputas de seus governos. Acorríamos, em equipes formadas por espíritos de variadas nacionalidades, em socorro aos pretensos inimigos, mortos aos milhares em chamas pavorosas, em Hamburg, Colonia, Dresden, Essen, Bremen e outras localidades. Os brutais ataques, porém, causavam plena e incompreensível fruição de prazer naqueles que os protagonizavam, atestando-nos que o distanciamento do Amor Divino se responsabilizava por todas as desabridas cruezas, praticadas em ambos os lados da guerra.
Populações inteiras eram dizimadas barbaramente, aos milhares, sem uma razão que o justificasse senão o completo domínio do coração humano pelas Trevas, assenhoreando-lhe os sentimentos e aflorando-lhe o potencial de agressividade, denotando-nos o quanto ainda temos que palmilhar no caminho da dor para transformar a casa planetária em um reduto de paz. Massacres que se constituíam em verdadeiros banquetes de sangue, festejados com requintes diabólicos pelas entidades que os suscitavam, fazendo da Terra um prolongamento dos Abismos avernais.
Lamentávamos a pobre humanidade, divorciada dos propósitos do amor fraternal, digladiando-se por valores tão efémeros, pois a morte a todos surpreendia, solapando-lhes os fúteis ideais de conquistas e o soberbo patriotismo, convocando-os à vivência da inanidade que a insensibilidade e a inclemência cavam no espírito. Multiplicando-lhes abundantemente a miséria, o único galardão de suas pretensões eram o desespero e a inconsciência, até que a Providência Divina disponibilizasse os recursos da dor para a correcção dos graves equívocos a que se entregavam.

94 Alemanha, Itália e Japão formaram, nesta ocasião, uma coligação assim denominada.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122625
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Ícaro Redimido - A vida de Santos Dumont no Plano Espiritual - Adamastor/Gilson Teixeira Freire - Página 10 Empty Re: Ícaro Redimido - A vida de Santos Dumont no Plano Espiritual - Adamastor/Gilson Teixeira Freire

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Mar 02, 2024 7:47 pm

35 - Quando o Passado Socorre o Presente
“Enquanto temos oportunidade, façamos o bem a todos. ” Paulo - Gálatas, 6:10

Após um dia de intensas actividades, ao retornar ao nosso posto em Saint Philippe, fomos surpreendidos pela visita de Heitor.
Informado de nosso paradeiro, aguardava-nos junto a Adelaide, enchendo-nos de satisfação, em meio às aflições do momento. Vinha não somente para rever-nos, mas para nos solicitar, humildemente, a colaboração em urgente tarefa que nos explicaria no seu transcurso.
Acompanhados por Adelaide e Alberto, partimos sem demora, após o devido encaminhamento de nossas inadiáveis obrigações, sem imaginar que participaríamos de surpreendente feito. Estacionamos em Bordeaux, demandando imediatamente nobre residência, envolvida nas sombras soturnas da madrugada, onde nos deparamos com um cavalheiro do plano físico, cabisbaixo, assentado na cama, ao lado de uma dama de nossa esfera, envolvida em vestes de freira, que identificamos imediatamente.
Para imensa surpresa nossa, ali estava, dirigindo-nos expressivo olhar, Catherine Lyot, a amiga de quem não tivéramos mais notícias. Adelaide, tomada de admiração, dirigia-me muda interrogação, enquanto Heitor, sem se fazer esperar disse-nos:
— Nossa querida Catherine não os conhece, porém, sente-se em presença de amigos queridos, pois, indubitavelmente os identifica, pelos liames do coração, como irmãos de longo convívio de outros tempos e sabe que muito lhes deve.
E, dirigindo-se à irmã, continuou:
— Apresento-lhe os companheiros de quem muito lhe falei. Estes são Adamastor e Adelaide, conhecidos que a assistiram desde o Mundo do Invisível, no doloroso transe que a arrebatou da carne.
E, apontando para Alberto, a quem envolvia em paternal abraço, completava:
— Quanto a este outro amigo falar-lhe-ei em breve. Aguardemos nosso entendimento diante deste inusitado e providencial encontro, pois nossas necessidades não são prementes e podem muito bem esperar. Urgente tarefa nos convoca à caridade cristã, para a qual solicitamos a todos a concentração de nossas atenções.
Abraçamo-nos rapidamente, enquanto Catherine e Alberto trocavam significativo olhar, interrogando-se intimamente de onde se conheciam, atraídos por poderosa onda de mútua simpatia. Entretanto não nos cabia qualquer altercação que desviasse nosso precípuo objectivo e continuamos atentos ao nosso estimado mentor, cujas palavras ansiávamos ouvir novamente:
— Amigos, devo informá-los de que também estamos em tarefa nestas plagas de dores, atendendo ao apelo de nosso passado, ainda bastante devedores do Velho Continente, onde guardamos nossas origens e entesouramos ricas aquisições evolutivas na carreira de tantos séculos. Assumi compromisso junto a trabalhadores de minha colónia, em socorro às especiais vítimas desta injustificável guerra: os judeus. Estes nossos irmãos, como certamente já sabem, estão sendo recolhidos e enviados para campos de concentração na Polónia, onde começam a ser brutalmente assassinados. Serão alvo de atrocidades inimagináveis, mortos aos milhões, e formidandos meios de exterminação em massa já estão sendo providenciados, em obediência a funestos planos, aventados pelos desapiedados protagonistas deste conflito. Já pudemos presenciar alguns destes massacres, assustando-nos sobremaneira pelo fragor de desumanidade com que se realizam, comovendo-nos às lágrimas.
De facto, ouvíramos notícias do ocorrido, mas não sabíamos que o Mal atingiria proporções tão assustadoras. Ante nosso assombro, prosseguiu o benfeitor:
— Em uma operação intitulada “solução final”, nossos irmãos alemães intencionam aniquilar todos os semitas por considerá-los raça desprezível e indigna de participar da nova ordem que pretendem impor ao mundo.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122625
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Ícaro Redimido - A vida de Santos Dumont no Plano Espiritual - Adamastor/Gilson Teixeira Freire - Página 10 Empty Re: Ícaro Redimido - A vida de Santos Dumont no Plano Espiritual - Adamastor/Gilson Teixeira Freire

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Mar 02, 2024 7:48 pm

Denominados “insectos infectantes”, com requintes draconianos, estão sendo maltratados, escravizados e entregues a experiências funestas, como se fossem míseros animais. Estamos envidando esforços para minorar- lhes os padecimentos e evitar o que for possível.
Atendendo às inquietantes interrogações que, tacitamente, percorriam nossas mentes, ousei perguntar-lhe:
— Entendemos que o equívoco obedece à maldade dos homens, consorciados às sugestões das Trevas, mas haverá, amigo, na Lei Maior, motivos que justifiquem tamanha barbárie? Alguma coisa fez este inditoso povo para merecer tão execrável e aparentemente gratuita agressão?
— Sem dúvida existirão razões mais profundas que nos escapam à compreensão, pois a Lei é perfeita e não lhe podemos imputar acasos, mesmo que o homem tenha liberdade para agir, dentro de certos limites, em prol do Bem ou do Mal. Os povos, assim como os indivíduos, semeiam destinos colectivos, e no passado sempre encontraremos as justificativas seguras que colocam cada qual no seu justo lugar. As acções humanas, por isso, obedecem às invisíveis sugestões que permeiam seus sentimentos e entretecem o concatenar de suas vidas. E, embora a maldade não se justifique jamais, dela se serve a Lei, como instrumento de coerção, uma vez que o ser é livre para exercê-la nos patamares inferiores da evolução. Portanto, é nossa inerente condição de inferioridade, aliada ao nosso passado de crueldades, que nos coloca no lugar de vítimas, entregues aos desmandos de uma sociedade ainda involuída e afeita a atrocidades. No caso em questão, vemos nos agressores o despropósito de um povo que, considerando-se raça superior, pretende dominar o mundo, expurgando- o de toda imperfeição, reflectindo a natureza extremamente rebelde do homem, que se coloca egoisticamente como centro de referência para a vida. Por outro lado, os semitas, desde eras remotas, nutrem doentio orgulho, julgando-se também povo eleito e destinado à supremacia, o que tem sido motivo de antipatias e agressões por parte daqueles que não puderam lhes suportar o inconsciente sentimento de elação. Percorreram os tempos em busca de uma Terra Prometida e não se acomodaram no seio de outras culturas, não se permitindo, com facilidade, a miscigenação com outros irmãos. Reservados, cultivaram hábitos de se infiltrarem nas organizações estrangeiras com intenção de exploração económica, mantendo-se presunçosamente recluídos em núcleos separatistas. Isso estimulou, em todos os tempos, a antipatia gratuita das demais etnias, que nunca lhes toleraram o soberbo e insistente isolamento racial, em decorrência de suas próprias e orgulhosas discriminações. Entrementes, justificando-se ou não as dores imputadas, como seareiros do Bem, somos compelidos a minorar ao máximo o sofrimento alheio, empregando os meios possíveis ao nosso alcance para sufocar o clamor de maldade que ainda vigora em nós.
Embora o assunto nos suscitasse um debate mais profundo, satisfazíamos nossa indignação diante do imenso massacre e não ousávamos intervir, delongando considerações, pois o amigo tinha premência em dar cumprimento à importante actividade. Com a sensibilidade que o caracterizava, prosseguiu Heitor, agora com a voz embargada de emoção:
— Precisamos evocar o passado para agir com eficiência no presente e para isso necessito de que os amigos me auxiliem na composição de painel ideoplástico a fim de envolver nele o nosso caro amigo Aristides, aqui presente, aproveitando-nos de sua proverbial aquiescência e bonomia. Como vocês vivenciaram comigo parte de meu pretérito e detêm o conhecimento técnico para isso, muito poderão ajudar-me. Como podem denotar, ele se acha envolto em grave questão que o mobiliza por completo, impedindo-lhe o sono.
De facto, o irmão encarnado, aturdido, sustentando a cabeça entre as mãos, chafurdava-se em um nicho de impressões que vivenciava no momento, dominado por acerbas preocupações, completamente insone, apesar de exausto e da adiantada hora que já adentrava a madrugada. Convidando-nos a envolvê-lo em vibrações de simpatia, após breve pausa, continuou a nos falar Heitor:
— Expliquemos, contudo, o nosso plano de acção e a necessidade da tarefa.
Como certamente observaram, a cidade de Bordeaux vive instante de intensa agitação. Verdadeira multidão de judeus aqui se aglomera, na esperança de se evadir da atroz perseguição nazista.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122625
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Ícaro Redimido - A vida de Santos Dumont no Plano Espiritual - Adamastor/Gilson Teixeira Freire - Página 10 Empty Re: Ícaro Redimido - A vida de Santos Dumont no Plano Espiritual - Adamastor/Gilson Teixeira Freire

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Mar 02, 2024 7:48 pm

A única saída no momento é para a Espanha ou Portugal, onde estarão seguros, porém, os dirigentes dessas nações lhes negam sistematicamente vistos de entrada em seus domínios e os franceses impedem a evasão daqueles que não possuem autorização de transferência, trazendo os corações empedernidos, obedientes ao governo provisório de Vichy que, infelizmente, denota também atitude anti-semita e certa complacência com os interesses germânicos, para desgosto de muitos.
Aristides é cônsul de Portugal e pode homologar permissão de entrada em seu país, salvando estes pobres refugiados de inditoso destino. Já conseguimos fazer com que grande número de petições chegasse até ele, porém a dúvida domina-o e ele recalcitra diante da possibilidade de fazer o bem, pois seu governo já lhe proibiu formalmente a chancela de qualquer ato com este fim. Naturalmente que ele teme por seu cargo e sua integridade política, desobedecendo às ordens de seus superiores. Precisamos urgentemente convencê-lo a superar as ordenações humanas transitórias, abdicando-se das prerrogativas pragmáticas da vida na carne, em prol da vitória do Bem e da própria felicidade. Eis nossa missão, irmãos.
Certamente os amigos se recordarão dele, pois estamos diante do desembargador João Marques95. Foi ele o implacável juiz, na mesma época em que eu envergara a trágica personalidade do Cardeal da Cunha. Era meu cúmplice de prevaricações e dele me servia no indigno ofício do Tribunal da Inquisição, como já lhes dei a conhecer, na exposição de minhas transactas desventuras, compartilhadas com o padre Bartolomeu e Sóror Paula. Na direcção do alcácer, cumpria ele, com enérgica determinação, as minhas execráveis ordens, exorbitando muitas vezes em sua execução, atendendo aos requintes da própria crueldade.
Juntos realizamos implacáveis perseguições a incontáveis judeus e simpatizantes do semitismo, condenando-os ao degredo, à reclusão ou mesmo à fogueira. Não posso olvidar os pobres inocentes que, sob hedionda tortura, confessavam crimes e práticas demoníacas que jamais haviam cometido, habituados que nos achávamos a manobras espúrias, visando unicamente à instância de estelionatos abjuratórios, acafelados por mentirosa defesa da Santa Sé. Carregamos na lembrança tamanho passado de opróbrios que precisamos escoimar da consciência a fim de trazer paz à alma. Somente a prática sincera do bem pode nos permitir este desiderato, justificando para isso a renúncia aos interesses falaciosos da vida. Por isso, iniciemos, sem demora, a tarefa que nos compete.
Compondo sentida prece, Heitor evocava a ajuda divina para a excelsitude do serviço. Sob sua orientação, entorpecemos a mente do irmão encarnado, fazendo-o, finalmente, adormecer. Contudo, o cônsul não se dispunha à emancipação do corpo, estando fortemente atado à mente física, assoberbada por graves inquietações. Após grande esforço, operando energias magnéticas de elevado teor, conseguimos desprendê-lo da veste orgânica, porém, o amigo não podia perceber-nos, ainda entorpecido pelos eflúvios de baixo quilate que o envolviam e tivemos que activar sua visão espiritual, permitindo-lhe divisar-nos com clareza. Diante de sua absoluta tranquilidade, identificando de imediato nossas amistosas intenções, entretivemos com ele proveitosa confabulação, considerando a relevância dos últimos acontecimentos que lhe ocupavam por completo o pensamento.
Convidando-o ao recolhimento para que pudéssemos ajudá-lo no delicado momento que vivia, iniciamos a mentalização de um quadro da época, seguindo a tecelagem ideoplástica emanada de Heitor, enquanto este se transmutava no Cardeal da Cunha. Em breve, achávamo-nos envolvidos por um recinto cuja decoração adivinhávamos tratar-se do Tribunal do Santo Ofício. Tocando-lhe a mente e subjugando-a por poderosas energias hipnóticas, proferiu o mentor, com forte inflexão de voz:
— Desembargador João Marques, desperte das profundezas do tempo e recomponha a memória nas lembranças que não morrem jamais. Sou o Cardeal da Cunha e venho convocá-lo do passado para mais uma de nossas missões.
Paulatinamente, Aristides se metamorfoseava na figura do antigo desembargador, sem denotar assombro, pois sua mente se acomodava passivamente ao influente magnetismo de Heitor.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122625
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Ícaro Redimido - A vida de Santos Dumont no Plano Espiritual - Adamastor/Gilson Teixeira Freire - Página 10 Empty Re: Ícaro Redimido - A vida de Santos Dumont no Plano Espiritual - Adamastor/Gilson Teixeira Freire

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Mar 02, 2024 7:48 pm

Enquanto fornecíamos energias ectoplasmáticas necessárias à sustentação da tarefa, prosseguia o insigne preceptor:
— Amigo, sei que, como eu, pesa-te neste instante a rememoração das tamanhas barbaridades que juntos praticamos, quando envergávamos estas tristes personalidades que ora nos vestem o ser. São tantos aqueles que fizemos aflitos e que ainda choram as desditas que lhes imputamos! Trazemos até hoje a consciência acoimada por suas dores, desejando ardentemente libertar a alma do calabouço de improbidades que criamos para nós mesmos e somente um caminho nos é possível: a realização de um grande bem com o sacrifício de nosso conforto imediato e de nossos interesses mundanos. Neste comenos de desabridas angústias que vivenciamos, exoro o pretérito, não com o intento de acicatar-lhe a alma, já reformada para o Bem, mas porque, compungido, ouço o apelo de muitos, batendo às portas do teu coração, suplicando-te por socorro.
Se não fizeres nada para salvá-los, serão deportados para os campos de concentração da Polónia, onde serão cruelmente assassinados, tu sabes disto.
Não deixemos o espírito sufocar-se no despautério da insensatez, pois não renascemos na carne unicamente para a satisfação do mundanismo, mas nela comparecemos a soldo da Unção Divina, a fim de refazer todo o mal praticado e atender aos imperativos da reconstrução da angelitude em nós.
— Compreendo, magno Cardeal. Compadeço-me deste pobre povo que me pede ajuda, vejo crianças chorosas e famintas, mulheres aflitas, velhos tristes e lamento seus destinos, mas meus superiores proíbem-me qualquer actuação e não me convém contrariá-los, pois, lhes sou subordinado.
— Devemos nos subordinar apenas à vontade do Cristo e não temos outro compromisso senão atender aos apelos do bem. Os poderes temporais são irrisórios e passam como os ventos fortes, porém transitórios, causando apenas movimentos das massas. Somente o Bem é força poderosa o bastante para construir valores sempiternos, imprimindo-nos reformas imorredouras ao espírito e modelando-nos para a perfeição. Por isso não podemos deixar que a oportunidade de executá-lo se esvaia nos despropósitos vãos de nosso orgulho e de nossos infundados receios. Transformemos cada átimo do tempo em uma acção para a eternidade, fazendo de nossa vida uma missão e encontraremos a tão almejada paz.
— Sinto de facto o coração pejado de aflições e o clamor das minhas muitas vítimas suplicando piedade ainda ecoa nos ouvidos de minha alma, solapando-me o sossego espiritual. Sei que devo fazer o bem, porém sou fraco para abdicar-me das prerrogativas de minha posição no mundo. Ajuda-me, honorável cardeal! Tu conheces os caminhos do Céu.
— Sou teu comparsa de torpes desventuras e indigno do sacrário cristão, amigo, pois se me fiz representante do Cordeiro na Terra e preguei em Seu Santo nome, jamais Lhe segui os passos e palmilhei, na verdade, as tortuosas rotas de Satanás. Não mereço as alcunhas das honrosas referências humanas e ser chamado simplesmente de irmão me é, no momento, o maior título que posso pleitear. E como tu, também ignoro os caminhos do Paraíso, pois, acumpliciado com as Sombras, perdi o contacto com as miríficas claridades do Evangelho, mas sei que Cristo já no-los indicou. Para segui-los, porém, é preciso renunciar às credenciais que os homens nos emprestam e sair de nosso comodismo. Como demandar as estradas alvissareiras do Divino, se o egoísmo permanece conspurcando-nos a consciência, impedindo-nos a actuação em favor daqueles que naufragam nas peias da ignomínia?
— Mas sou o cônsul, homem de confiança de Salazar e lhe devo irrestrita obediência. Como não cumprir com sua determinação, se ele já me proibiu de qualquer interferência nos assuntos dessa Guerra? Poderei colocar em risco a neutralidade de minha nação. Serei eximido de meu posto e execrado pelos meus, pobre de mim...
— Sabemos que tua atitude não será compreendida na Terra, porém o Céu a acolherá com imenso júbilo, preenchendo-te a alma de indizíveis alegrias. Confie em minhas palavras, pois não há outra direcção a seguir na encruzilhada em que te encontras. Comprometo-me a ajudar-te como possível, pois sou ainda um homem endividado com a dor alheia e não podemos desbaratar a oportunidade de ressarcimento de um débito comum.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122625
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Ícaro Redimido - A vida de Santos Dumont no Plano Espiritual - Adamastor/Gilson Teixeira Freire - Página 10 Empty Re: Ícaro Redimido - A vida de Santos Dumont no Plano Espiritual - Adamastor/Gilson Teixeira Freire

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Mar 02, 2024 7:49 pm

Perseguimos incontáveis judeus, sem uma justa razão senão a nossa perfídia, cometendo ainda o sacrilégio de apregoar, pelo exemplo, uma falsa moral cristã. Hoje precisamos dar mostras de que estamos mudados e o Cristo verdadeiramente habita nossos corações, recompondo o grave delito. Os primeiros cristãos não se imolaram nos circos romanos por amor ao Mestre e para que Sua Palavra sobrevivesse na eternidade dos tempos? Preocupas-te com a posição que os títulos terrenos te conferem, porém o cognome de Paladino de Jesus não te parece ser o mais alto epíteto que podemos almejar na Terra?
Aristides, um pouco combalido, vergado pelas indecisões do grave instante que vivenciava, a custo conseguia manter-se desperto, acompanhando o inusitado diálogo, misto de remoto passado com o presente. Premido pela impossibilidade de imediata decisão, mostrava-se desejoso de evadir-se da freima de sofreguidão que lhe dominava o mundo íntimo, mergulhando no torpor. Seus olhos se fechavam e não podíamos mais sustentá-lo no transe, em decorrência das tumultuadas vibrações do ambiente, as quais não conseguíamos isolar de todo. Era prudente interromper a vivência, despertando-o na carne, propiciando-lhe ainda uma clara recordação do momento, alimentando-o com as efusivas sensações de realismo do precioso sonho vivenciado.
Ao acordar, o cônsul chorava abundantemente, sem compreender a excelsitude do instante que presenciara. Sentia o coração preenchido com os mais elevados sentimentos já nutridos na vida. A inquestionável autenticidade da lembrança, ainda esfuziante na memória, e a nítida sensação de nossa presença arrancavam-lhe lágrimas de insopitável emoção. Uma profunda alegria lhe banhava a alma com inebriantes albores de paz, embora compungido por uma imensa culpa de que não lograva identificar a origem. O enorme salão do Tribunal do Santo Ofício se lhe desenhava na mente, com minúcias, e divisava, na tela mental, a figura excelsa de Heitor, compondo-lhe palavras que julgava vir de Deus. Não podíamos, no entanto, deixá-lo entregue às próprias confabulações e prosseguíamos apoiando-o nos propósitos que nos reunia, envolvendo-o em um dúlcido clima de tranquilidade.
Trancafiamo-nos com ele, em seus aposentos, enquanto Heitor seguia seu diálogo, iluminando-lhe a consciência na tentativa de persuadi-lo à tarefa. Vivenciando inefáveis sensações espirituais, não se animava a sair para atender aos compromissos rotineiros, receando privar-se do clima que o envolvia, em meio ao vendaval das paixões desenfreadas que o aguardava lá fora. Seus serviçais, cansados de bater à porta, temendo que algo se lhe havia passado, deixaram-no finalmente, depois de ouvirem dele, repetidas vezes, que tudo estava bem, mas que não desejava ser molestado. Sequer comera algo, tamanho o envolvimento espiritual que assenhoreava por completo todos os seus sentidos.
Após o terceiro dia, saiu, enfim, com a firme resolução de fornecer autorização a todos que o procurassem, indistintamente. Sem atinar sobre as razões de sua arrojada e incompreensível atitude, instalou seu gabinete de trabalho em plena rua e se pôs activamente à emissão de vistos e providenciando, inclusive, para que todos fossem levados à fronteira. Salvou do holocausto milhares de judeus e, embora não se tenha registado com ênfase o fato, foi aquele que, individualmente, conseguiu ajudar o maior número de pessoas de que se tem notícias na história dos homens. Sua façanha ficou registada nos anais do Mundo Espiritual como um dos maiores actos heróicos da Guerra, um exemplo vivo e convincente de que o amor evangélico tudo pode.
Obedecendo aos nobres imperativos da consciência, amadurecida por verdadeiro sentimento cristão, desacatou as ordens de seus superiores, sacrificando sua posição social e abdicando- se dos valores humanos. Retornando ao seu país, foi condenado à prisão, arruinando-se-lhe a carreira diplomática e a própria vida, vindo a morrer na penúria em um mosteiro franciscano, nimbado, contudo, por benfazejos eflúvios espirituais e enriquecido de inapreciável relicário divino. Foi recebido como um prócer em nosso Plano, por milhares de espíritos reconhecidos pelo enorme bem que praticara. Muitos daqueles a quem socorreu, sensibilizados pelo exemplo de renúncia cristã, converteram- se aos propósitos da Boa Nova, convencidos da poderosa força do amor ao semelhante e do exemplo do Cristo. Refugiaram-se, mais tarde, no continente americano e, imbuídos de tamanho entusiasmo pela fé renovada, comprometeram-se, entusiasticamente, com a semeadura do Evangelho redivivo nas terras do Novo Mundo, trabalhando com entusiasmo nas fileiras desbravadoras do Espiritismo cristão, para a reconstrução de uma humanidade verdadeiramente feliz.

95 Ver capítulo 29.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122625
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Ícaro Redimido - A vida de Santos Dumont no Plano Espiritual - Adamastor/Gilson Teixeira Freire - Página 10 Empty Re: Ícaro Redimido - A vida de Santos Dumont no Plano Espiritual - Adamastor/Gilson Teixeira Freire

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Mar 02, 2024 7:49 pm

36 - Reencontro Memorável
“Tornaste o meu pranto um regozijo, tiraste o meu cilicio, e me cingiste de alegria ” Salmo, 30:11

Heitor exultava de contentamento pela tarefa cumprida. Sensibilizados pela excelsitude da empreitada, assistindo ao passado socorrer eficazmente o presente, reconhecíamos a força da Misericórdia Divina actuando em socorro de quantos possuem méritos inseridos em Sua Magna Lei de causa e efeito. Gostaríamos de permanecer junto ao prestimoso mentor, conduzindo aquele sofrido povo até aportar em terras seguras, porém nossas obrigações nos chamavam de volta às actividades habituais que necessitavam de nosso modesto concurso. Ao nos prepararmos para a partida, o dilecto amigo ainda nos disse, movido pela modéstia que caracteriza os espíritos superiores:
— Somente Deus poderá recompensá-los pela prestimosa ajuda, sem a qual nada me teria sido possível. A alegria da consciência redimida não tem preço e jamais olvidarei a colaboração dos amigos. Certamente nos encontraremos em breve, pois irei visitá-los quando possível. Por ora o dever nos chama ao trabalho e não podemos adiar nossas obrigações. Antes que partam, preciso, no entanto, pedir-lhes mais um favor. Catherine, que finalmente puderam rever depois do interstício de nosso silêncio, necessita novamente do precioso concurso de vocês. Ela fez questão de acompanhar-me no atendimento às vítimas do holocausto, porém sua sensibilidade a tem impedido de actuar como convém, diante dos atrozes sofrimentos que vem presenciando. Tenho que continuar assistindo este sofrido povo, junto à minha equipe de socorro, e gostaria que a levassem para trabalhar ao lado de Adelaide nas enfermarias de Saint
Philippe, domiciliando-a em seus afectuosos corações.
Ante nosso aceno de anuência ao afável pedido, prosseguiu o amigo:
— Nossa boa irmã sente-se profundamente constrangida na presença de vocês, ciente de que lhe conhecem o delituoso passado, o qual deseja encobrir. Logo que se deu conta de sua actual condição, acoimada por imenso sentimento de culpa e cientificando-se, por nosso intermédio, de sua vida transacta e dos motivos que nos unem, ocultou-se no hábito freiral que vestia no pretérito, a fim de evadir-se de si mesma. Intentando retroceder à sua anterior reencarnação, ensejava eliminar definitivamente da lembrança os opróbrios perpetrados em sua última experiência carnal e solicitou-nos que a tratássemos pelo antigo nome. Porém, como não podemos fugir indefinidamente de nós mesmos, aconselhamo-la a enfrentar com galhardia a penúria íntima, fixando imorredouras lições para o futuro, reassumindo sua personalidade actual.
Adelaide, comovida, envolveu-a em acolhedor abraço, externando- lhe profunda compreensão e carinho, desfazendo instantaneamente seu injustificável desconforto em nossa presença. A amiga, entibiada, esboçava acanhado, porém meigo sorriso, completamente distanciada da expressão orgulhosa que antes deixava exalar de sua altaneira personalidade, em meio às extravagantes fragrâncias francesas de outrora.
Heitor, registando os nossos pensamentos, sorria, continuando a nos dirigir a palavra:
— Contudo, não posso deixá-los, sem apresentá-la devidamente a Alberto.
Como vocês certamente já se deram conta, há profundas razões nas teias do destino que os reúnem neste momento. Não nos convinha antes esta revelação, pois nossos amigos precisavam do recolhimento a fim de se refazer dos dolorosos dramas que confeccionaram para si mesmos. Destarte, a hora é chegada.
E, diante do novo assombro que nos tomava o espírito, achegando-se carinhosamente à sua pupila, abraçando-a com desvelado amor e indicando Alberto, revelou, enfim:
— Catherine, minha querida, eis Alberto, aquele que você colheu no seio materno para depois rechaçar do corpo por ato impensado, indigno do seu coração, pouco antes de seu retorno à pátria do espírito... Alberto, irmão dilecto, esta é aquela a quem você deve a recuperação integral da consciência e a evasão das dores do suicídio doloso, renegando a bênção da vida... Filha, este é ainda Bartolomeu de Gusmão, de quem lhe falei e com quem você compartilhou juras de paixão, em Portugal, no século dezoito, embora envergassem hábitos sacerdotais...
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122625
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Ícaro Redimido - A vida de Santos Dumont no Plano Espiritual - Adamastor/Gilson Teixeira Freire - Página 10 Empty Re: Ícaro Redimido - A vida de Santos Dumont no Plano Espiritual - Adamastor/Gilson Teixeira Freire

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Mar 02, 2024 7:49 pm

Bartolomeu, esta é a irmã Paula, quem o acolheu no coração e soube honrar o amor que lhe devotava e quem você procurou por tanto tempo, ansiando saciar a imensa fome de amor que lhe devorava a alma... Irmã Paula, este é ainda Zennon, aquele que inventou a mais destrutiva das armas humanas e empreendeu a guerra, somente para se vingar dos bárbaros que a roubaram de seu coração... Zennon, esta é, enfim, Constança, quem lhe ensinou as primeiras lições de afecto, domando-lhe o espírito rude e guerreiro e aquela ainda que o libertou do pesadelo de sombras que o retinha nos abismos do ódio... Regozijemo-nos, irmãos, e agradeçamos ao Senhor a oportunidade deste memorável reencontro.
Os dois amados se reviam, afinal, após longas peripécias do destino, emudecidos e extasiados ante a inesperada revelação, justificando-se os sentimentos recíprocos que inexplicavelmente os atraíam naqueles poucos dias de agradável convivência.
Com a voz embargada de emoção, continuou Heitor:
— Aprouve o Senhor reuni-los em minha presença, pois, fui eu quem os separei drasticamente, causando-lhes enormes males, dominado pela doentia personalidade do Cardeal da Cunha, há tantos anos, cujas lembranças não podemos olvidar. Duas almas comprometidas pelos laços de genuíno amor, superando os séculos e a maldade alheia, hoje se reencontram, ainda que em local tão impróprio, embora irmanados pelo ideal cristão. Imensamente agradecido a Jesus por patrocinar-me esta oportunidade, ainda lhes suplico o perdão pelo passado de inomináveis crueldades que equivocadamente lhes impus. Acolho-os como verdadeiros filhos do coração e espero que me considerem em seus sentimentos de piedade, dignificando-me perante suas consciências e ajudando-me em minhas muitas necessidades.
Desfeitos em ardentes lágrimas, os três se abraçaram, enleados por imenso júbilo e entretecidos por elevados sentimentos, arrancando-nos profundas emoções de gratidão a Deus, Incansável Reconstrutor de nossas almas. Admirávamos a acção persistente das forças da vida, que se utilizam de intricados caminhos para tecer os fios do destino, enlaçando todos aqueles que se comprometem com o desamor ou com a afectividade sincera, unindo-os em indissolúveis cadeias sedimentadas pelo amor verdadeiro. Era um instante memorável e somente a prece silenciosa podia ocupar nossos corações que, mesmo em meio ao torvelinho das mais infrenes paixões humanas que o mundo já presenciou, inundavam-se de inefáveis eflúvios.
Estava revelada, enfim, toda a trama que envolvia nossos amigos e entrelaçava suas vidas, tudo se explicando em lógica irretorquível.
— Como vêem, amigos — finalizava Heitor, profundamente emocionado, — grande ventura concede-me hoje o Senhor, permitindo- me, conjuntamente, o ressarcimento de duas grandes dívidas de meu pretérito, num mesmo momento, mesmo em meio às acerbas infelicidades que nos cercam. Vemos a vitória do Bem por intermédio de Aristides, salvando milhares de irmãos de inditoso destino e duas almas se reencontrando nos descaminhos da vida. Quiçá prossigam, agora refeitos de tantas dores e tamanhos erros, nas pegadas do Cristo, reconstruindo futuro promissor de alegrias. Agradeço-lhes imensamente por me haverem auxiliado nesta hora de importantes conquistas e desejo que o Bem continue a iluminar-nos no firme propósito de prosseguir na trilha de nossa redenção.
Abraçando-nos, despedimo-nos, reconhecidos à Providência Divina, capaz de nos recompensar todo o esforço despendido no trabalho socorrista, com multiplicadas bênçãos de reconforto, ainda que as tormentas das Trevas nos ameaçassem a paz do espírito. E, com os corações embriagados de pura afectividade, partimos em busca do serviço que nos aguardava, convencidos de que o Amor vence os séculos, supera todas as distâncias, aplaca e transforma o ódio por maior que seja, ultrapassa todas as barreiras dimensionais para unir as almas em indissolúvel conúbio divino.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122625
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Ícaro Redimido - A vida de Santos Dumont no Plano Espiritual - Adamastor/Gilson Teixeira Freire - Página 10 Empty Re: Ícaro Redimido - A vida de Santos Dumont no Plano Espiritual - Adamastor/Gilson Teixeira Freire

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Mar 02, 2024 7:50 pm

37 - Em um Campo de Luzes
‘Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não temeria mal algum, porque tu estás comigo, a tua vara e o teu cajado me consolam. ” Salmos, 23:4

Tornando às nossas actividades em Saint Philippe, Catherine e Alberto mal conseguiam dissimular a explosão de sentimentos que lhes dominavam o coração, e seguiam, embevecidos, porém ao nosso lado, empenhados na tarefa comum. Reassumimos nossas visitas diárias às frentes de batalhas, executando nossa tarefa, como programado, e sempre que retornávamos podíamos vê-los permutando amistosos diálogos, sem, contudo, demonstrarem as paixões comuns dos enamorados. O longo período que os apartara, certamente rompera com a intimidade que antes entreteciam e necessitavam de novo convívio para refazê-la. Além disso, certamente Catherine inibia-se diante da recordação de sua última experiência terrena, trazendo o coração conspurcado pelas leviandades afectivas a que se rendera e a consciência oprimida pelas culpas dos actos impensados, devendo esforçar-se por cicatrizar as feridas ainda abertas na alma.
Em nossas confabulações, revelava a amiga que se achava imensamente reconfortada, sobretudo, por estar diante daquele contra quem, sabidamente, havia praticado um irreflectido ato de maldade. Tinha plena consciência de que assassinara Alberto, cruelmente, no próprio seio, embora trouxesse a nítida impressão de que se tratava de alguém a quem muito queria, fazendo-me recordar da visão que vertera de sua memória profunda, no instante de seu desenlace96. Por muito tempo ansiara reencontrá-lo a
fim de desculpar-se e algo fazer em seu benefício, conquanto Heitor, sempre disposto a consolá-la, lhe solicitasse paciência e resignação, prometendo-lhe que esse dia não tardaria a chegar. Em suas orações pedia a Deus essa bendita oportunidade, embora a vergonha a suscitasse ao recolhimento, ocultando de todos o terrível passado.
Confessava assim seu alívio, afirmando, entretanto, que sua surpresa maior foi deparar-se com um homem já feito e não uma criança, como esperava. Somava a isso o enorme espanto de encontrar na mesma pessoa o amado de outros tempos, levando-nos a reflectir que, na iminência de se praticar o aborto criminoso, deveriam os homens ao menos pensar na possibilidade de estarem diante de alguém muito querido, contra quem jamais teriam a coragem de cometer a inclemência de qualquer ato. Alegrava-se por estar perante ele, porém não se sentia imbuída de instintos maternais para acolhê-lo como um filho rejeitado, encontrando-se decididamente com suas emoções femininas bastante confusas, mediante as quais a aconselhamos aguardar que o tempo lhe favorecesse a acomodação dos sentimentos. Arrependendo-se amargamente de todas as acções impensadas de sua vida, ainda se sentia envergonhada perante o companheiro de longas eras, por não lhe ter mantido a fidelidade.
Alberto, com sua característica timidez, aproximava-se aos poucos da amada de outros tempos, sem conseguir esconder seu profundo contentamento por reencontrar aquela a quem tanto buscara em prolongados e penosos anos de solidão.
Embora o imenso interregno sem vê-la e os choques trans-reencarnatórios tivessem lhe esvaído da memória a sua nítida recordação, estes não foram suficientes para apagar completamente os sentimentos que nutria por ela. Contudo a afectividade, por tanto tempo reprimida na última solitária incursão terrena, distanciara- lhe também do exercício da afeição, exigindo-lhe que o coração se acomodasse paulatinamente aos novos anelos que agora voltavam a vicejar em sua alma. Destarte, as circunstâncias no momento eram adversas e ambos deveriam se empenhar com afinco em prol dos sofredores da guerra, aguardando que a paciente obra do tempo, que opera milagres em nós, refizesse-lhes as relações de estima, vigorosas, porém ainda adormecidas no coração.
O espírito desencarnado detém as mesmas expressões de sentimentos da vida na carne e permanece imbuído de idênticas atracções amorosas que nos entretecem as construções afectivas. Podemos, inclusive, afirmar que a maioria das uniões conjugais duradouras se estabelece no Plano Espiritual, onde se constroem as verdadeiras afeições e se confeccionam os sonhos de amor, os quais prosseguem na vilegiatura terrena.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122625
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Ícaro Redimido - A vida de Santos Dumont no Plano Espiritual - Adamastor/Gilson Teixeira Freire - Página 10 Empty Re: Ícaro Redimido - A vida de Santos Dumont no Plano Espiritual - Adamastor/Gilson Teixeira Freire

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Mar 02, 2024 7:50 pm

Portanto, não é de se estranhar que as famílias se formem no Mundo dos Espíritos, tal como se organizam na Terra, e os casais que realmente se amam continuem compartilhando objectivos, estabelecendo lares e comungando a vida na Erraticidade, sem levarmos em conta que o amor é sobretudo imorredoura e estreme expressão da alma, transportada de uma existência para outra, sem que o esquecimento temporário da carne desate os poderosos laços que o sustêm.
Catherine servia com esmero aos desencarnados de guerra, adaptando- se ao penoso serviço, ao lado de Adelaide, demonstrando excelentes qualidades no exercício de enfermagem. Alberto, à medida que vencia a barreira de sua natural timidez, com vivo entusiasmo, interessava-se em relatar à companheira suas últimas façanhas terrenas, esmerando-se para não exibir presunção, enquanto a amiga permanecia reticente em lhe abrir o coração, não lhe expondo os motivos de suas penúrias que iam além do ato criminoso do aborto, pois se revestiam das execrandas e inditosas experiências de cortesã, como sabíamos. Respeitávamos sua reserva, aguardando que ela se superasse, retractando-se como lhe convinha. Entretanto, ante os insistentes pedidos de Alberto, sobejamente interessado em saber quem fora seu pretenso pai e se a irmã havia constituído uma nova família, a amiga terminou por relatar-lhe suas malfadadas peripécias, imbuída de laudável humildade. Sem conseguir ocultar a decepção, Alberto, demonstrando ainda a subjugação ao condicionamento humano, andou novamente constrito e arredio, esforçando-se para dissimular o desgosto que lhe invadira a alma. Porém seguia entretendo relações amistosas com aquela que paulatinamente voltava a lhe habitar o coração e sabíamos que superaria o cioso transe, pois já albergava certo equilíbrio emocional e suficiente compreensão para isso. Envidando esforços para superar o homem velho, permanecia em sua companhia, porém sem desejar tornar ao assunto, demonstrando o quanto a notícia lhe admoestara a alma, conquanto Catherine prosseguisse correspondendo-lhe com significativa candura, ainda que mesclada de vergonha e pesar. Compungia-nos vê-la tristonha, pois sabemos que para o espírito desencarnado a revelação dos grandes erros praticados na romagem terrena é uma de suas maiores dores, sobrepujando qualquer outro sofrimento. O atendimento aos enfermos, destarte, valia-nos como preciosa terapia para os males albergados na consciência e, aguardando a sábia acção do tempo, não nos animávamos a interferir na delicada questão pertinente aos seus corações.
Heitor, porém, em sua primeira visita ao nosso acampamento, interessado em acompanhar os progressos de seus pupilos, denotou, de imediato, a distonia que se estabelecera entre ambos, e convidou Alberto a reflectir, com seriedade, na embaraçosa dissensão que parecia dominar sua capacidade de reacção. Em nossa presença, asseverou-lhe como um verdadeiro pai:
— Filho, quando você irá abrigar-se, definitivamente, nas assertivas evangélicas? Ouço seu coração nublando-se de indignação, assumindo a postura do atirador de pedras, diante da sincera confissão de Catherine que, com humildade, expôs-se à sua compreensão. Na vivência essencial que já desfrutamos e no patamar de conhecimentos que já adquirimos, não nos convém estacionar nos melindres humanos inferiores, vivenciando ciúmes injustificáveis. Não olvide que sua parcela de responsabilidade nas transactas desventuras de nossa irmã é considerável, pois sua irreflectida infidelidade, ao envergar a promíscua figura do padre Bartolomeu, eivada de improbidades sexuais, maculou-lhe o digno coração de mágoas e forneceu o exemplo para desmandos de igual natureza. Como lhe exigir fidelidade em uma união que você mesmo se apressou a desrespeitar? Você foi o primeiro a se prostituir nas peias da libido infrene. E recorde ainda que foi você quem dela se distanciou por imposição da castidade compulsória, necessária ao seu reequilíbrio.
Sob o duro guante da solidão e alinhando na memória intuitiva a lembrança da traição, a irmã se viu lidimada a arrostar as tortuosas veredas do heterismo.
Sabemos que a um mal nunca se responde com outro e um erro não corrige o que o motivou, porém como não lhe perdoar os deslizes, se você foi o primeiro a semear a devassidão em seu coração, estimulando-lhe a reacção?
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122625
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Ícaro Redimido - A vida de Santos Dumont no Plano Espiritual - Adamastor/Gilson Teixeira Freire - Página 10 Empty Re: Ícaro Redimido - A vida de Santos Dumont no Plano Espiritual - Adamastor/Gilson Teixeira Freire

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Mar 02, 2024 7:50 pm

Nossas vidas, filho, estão peremptoriamente entrelaçadas em conúbio mantido pelas nossas acções e intenções, de forma que nossas atitudes indevidas se voltam sempre contra nós mesmos, impregnando-nos das mesmas dores que imputamos ao outro. O facto ainda nos deixa entrever, mais uma vez, a sábia acção da Providência Divina que, pela Lei do retorno o força a colher agora mais uma lição, embora advinda de tão distante passado.
Ante o constrangimento do companheiro, o estimado preceptor, acolhendo-o em afectuoso olhar e abraçando-o, continuou com a autoridade que lhe competia, coagindo-o a realinhar os sentimentos de acordo com as recomendações evangélicas:
— Contrista-me sobremaneira vê-lo em atitude de reprovação e injusta cobrança de fidelidade. Desfaça a máscara de ignomínia que lhe veste a alma e acolha no coração aquela que lhe é verdadeira alma gémea. Aprenda a amar sem caprichos, a fim de que seu amor não se converta em amargo fel, oprimindo a pessoa querida. Na escola evangélica que frequentamos é impossível pretender a compreensão sem antes compreender, o respeito sem antes respeitar, o perdão sem antes perdoar, como em prece tão bem nos ensinou o santo de Assis.
Alberto corou-se acabrunhado e, dirigindo-me o olhar complacente, buscava o apoio de minhas palavras, que, no entanto, não lhe pude dispor. Calando-se diante da realidade, sem ter o que dizer em sua defesa e, apercebendo-se perscrutado pelo pensamento do magno espírito, tratou apressadamente de modificar os sentimentos.
E, em breve, víamo-lo remindo os danos do coração, retornando ao bom humor.
Irradiando alegria diante de sua amada, para alívio de todos nós, denotava que rapidamente superara o desabrido transe emocional.
Nossa tarefa aumentava a cada dia, à medida que os conflitos se assomavam, atingindo o seu ápice. As forças aliadas invadiam o sul da Itália, iniciando a cruenta reconquista dos territórios ocupados pelo Eixo, deixando-nos entrever que os embates se intensificariam, assustadoramente, por tempo prolongado. Os planos de uma grande invasão na costa noroeste da França se estabeleciam como inevitáveis e compreendíamos que somente um estupendo enfrentamento das forças em conflito poderia colocar fim ao mesmo. Todas as possibilidades de um armistício, sugeridas pelo Plano Espiritual Superior e que poderiam ser ouvidas por aqueles que detinham o bom senso, encontraram-se com o fracasso. Na frente oriental, o povo soviético, apesar de sofrer imensa devastação, reagira ao morticínio e avançava a passos largos, adentrando-se nas regiões ocupadas pelos inimigos, sofreando-lhes a inadequada sede de conquistas.
Os dias se escoavam, amargos e tristes, lentamente, na pasma ampulheta do tempo, parecendo não ter fim o ciclópico pesadelo humano. O desalento por vezes parecia nos abater, dominando-nos completamente a capacidade de servir. Destarte, espíritos superiores, em atitude de imenso esforço se manifestavam, por vezes, ainda que debilmente, ao nosso lado, em meio às emanações da barbárie humana, cuidando-nos com imenso carinho e sopesando-nos o ânimo combalido. Exortando-nos ao trabalho, traziam- nos palavras de reconforto, acalentando nossas tristes horas com o bálsamo da esperança e demonstrando-nos que a luz crística continuava a brilhar por sobre a sombria furna humana, onde se chafurdava a maldade sem limites.
Os desencarnados se somavam aos milhões e nossos acampamentos e hospitais logo se tornaram insuficientes para a acomodação do elevado número de necessitados. Muitos sucumbiam de fome ou frio, em completa situação de desamparo, sem que nada se pudesse fazer, enquanto outros eram
desapiedadamente maltratados até a morte nos formidandos campos de concentração, em injustificáveis exibições de crueldade. Lares de encarnados, desde que possuíssem um mínimo de equilíbrio espiritual, passaram a receber aqueles que não tinham onde ser acomodados. Os óbitos em condições trágicas, em proporções jamais presenciadas, exorbitavam nossa capacidade de serviço e infelizmente muitos tardavam em encontrar o socorro, pois não alcançávamos atender a todos.
Trabalhávamos incansavelmente, dia e noite, orando com extremado fervor para não fraquejar ante o assédio das poderosas forças do Mal em acção no Orbe.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122625
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Ícaro Redimido - A vida de Santos Dumont no Plano Espiritual - Adamastor/Gilson Teixeira Freire - Página 10 Empty Re: Ícaro Redimido - A vida de Santos Dumont no Plano Espiritual - Adamastor/Gilson Teixeira Freire

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Mar 02, 2024 7:51 pm

Certos de que por cima do céu tempestuoso, resplendia ainda, sereno e imperturbável, o sol de todos os dias, cuidávamos de fazer o bem que nos competia, sem esmorecer, apesar da exaustão. E sob o caos da destruição, a sabedoria da Lei prosseguia confeccionando destinos em conformidade com as semeaduras de cada um, onde quer que se encontrasse. As forças mantenedoras da integridade da vida continuavam a suster o planeta, e o Plano Espiritual, atento aos movimentos inadequados das massas enfurecidas, tomava providências para que os danos se limitassem ao menor possível e a paz tornasse a resplandecer em seus benfazejos rincões. As turbas humanas, desvairadas, comandadas pela loucura e norteadas pelo ódio, seriam frenadas por suas próprias inépcias e insopitáveis ânsias de conquistas.
Heitor, que de contínuo nos visitava, sempre nos trazia notícias de seus assistidos, relatando-nos os ingentes sofrimentos a que se submetiam os famígeros semitas. Vítimas de inenarráveis maus-tratos, eram mortos aos milhares em câmaras de gás ou simplesmente fuzilados aos montões. Aqueles que denotassem saúde para trabalhar eram escravizados e submetidos a árduas tarefas, e poucos sobreviviam por tempo considerável. Enquanto outros ainda eram usados em exóticas e terríveis experiências médicas, como se fossem meros animais de laboratório. Diante do imenso pesar que nos invadia ao imaginar que havia naquela guerra cruel infortúnios e dores ainda maiores do que aqueles que presenciávamos, o estimado tutor, certa feita convidou-nos a conhecer de perto o seu posto assistencial, visitando um campo de refazimento dos imolados no holocausto.
Foi assim que demandamos a seara de trabalhos cristãos de nosso querido preceptor. Atingimos uma região situada em um vale cercado por montes alpinos, encimados por delicados capuzes de neve, onde se divisava um imenso pórtico, escalado por trepadeiras floridas, porém sem que nada mais se denotasse ao redor. Contudo, ao entrarmos por ele, um imenso ádito se entreabria aos nossos atónitos olhos. Uma bucólica paisagem se derramava a perder de vista, qual diferenciado mundo dimensional além do espaço que ocupávamos. Imediatamente fomos tomados por acolhedora temperatura e envolvidos por inebriantes essências florais. Uma mirífica planície se debruçava em um horizonte longínquo, onde um rio serpentava por entre campos verdejantes. À medida que nos aproximávamos, o cenário divino se enriquecia de belos detalhes. Rebanhos de ovelhas pastavam em nostálgico campo pastoril, sob cálido sol, em meio a reconfortantes sombras. Um lago cristalino, espelhando infinito azul, beijava docemente uma enseada, onde barcos pesqueiros descansavam mansamente. Oliveiras enfileiradas enfeitavam os montes próximos e singelas casas bordejavam por entre jardins esplêndidos, matizados de tons multifários e luzidios. Transeuntes serenos percorriam as alamedas amplas, acolchoadas de relvas macias e crianças corriam alegres e despreocupadas, sob o olhar cândido de mulheres afáveis. O clima transpirava imensa calma, adornado por melodias de pássaros, sobrepondo- se a fundo musical de cascatas, preenchendo o silêncio da paz que de imediato nos invadia.
Heitor nos recomendou fixar o pensamento nas sugestivas imagens que divisávamos, afastando firmemente qualquer ideia desalinhada que nos assaltasse, a fim de não perturbar a sustentação do ambiente. Ante nossa perplexidade, informou-nos:
— Encontramo-nos, amigos, em um verdadeiro “campo de concentração” de forças do Bem. Confeccionado em uma fenda dimensional, este espaço, inspirado nos dias pródigos do mar da Galileia, é na realidade uma construção ideoplástica edificada e sustentada por poderosas entidades superiores, condoídas dos acerbos sofrimentos impostos aos irmãos semitas. Como um autêntico limbo da teologia cristã, este ambiente os acolhe, nutrindo-os com poderosos recursos de refazimento, preparando-os convenientemente para a vida no Além.
Pasmos, diante do inusitado campo de forças mentais, não tínhamos palavras para expressar nosso assombro e continuamos a ouvi-lo:
— Famílias são aqui reunidas e recebem a palavra consoladora de preceptores que se lhes apresentam como antigos profetas bíblicos, despertando-lhes recônditas emoções, em base à fé que professam. Vivem aqui um verdadeiro interregno entre a vida física e a espiritual, percebido como um sonho real, afigurando-se-lhes a verdadeira “Terra Prometida” que por tanto tempo lhes acalentou os anseios.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122625
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Ícaro Redimido - A vida de Santos Dumont no Plano Espiritual - Adamastor/Gilson Teixeira Freire - Página 10 Empty Re: Ícaro Redimido - A vida de Santos Dumont no Plano Espiritual - Adamastor/Gilson Teixeira Freire

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Mar 02, 2024 7:51 pm

Realmente estávamos em um genuíno oásis em meio ao inferno em que todos vivíamos. Prosternados, reconhecíamos o imenso poder do Bem que, sob o broquel divino e desde que haja mérito, é capaz de superar todos os empecilhos do Mal.
Antes porém que perguntássemos, Heitor nos esclareceu:
— Não se iludam, não estamos o tempo todo em trabalho neste páramo de inefável quietude, enquanto os amigos servem em meio aos adidos infernais, sob o fogo acirrado da ira. Nosso atendimento tem-se feito principalmente junto ao sofredor ainda na carne ou prestes a desvencilhar- se dela. Como certamente os irmãos haverão de se recordar, habilitei-me na arte da tortura nos afligentes tempos da Inquisição e agora estou me adestrando no ofício do bálsamo, envolvendo os supliciados em fluidos anestesiantes e assistindo-os em suas mortes, muitas vezes lentas e penosas. Para este pórtico de paz são trazidos aqueles que detêm condições de aqui permanecerem sem perturbar excessivamente o ambiente. Como puderam notar, a maioria dos que aqui se aloja é composta de crianças, mulheres e idosos, pois, boa parte dos flagelados não guarda condições de se albergar neste cenáculo sublime. Muitos jazem ainda adormecidos em câmaras de regeneração, enquanto que os mais revoltosos compõem exércitos de vingança e acorrem ao encalço de seus algozes, arrastados por extremado furor, algemados ao ódio.
Seguindo Heitor, ganhamos o interior de uma das casas, construída na beleza rústica de pedras naturais. Adentrando-a, aspiramos de imediato reconfortante fragrância de sândalo, que, segundo nos informava o tutor, é capaz de arrefecer os eflúvios do ódio. Enfermeira de aspecto angelical assistia um velho esquálido, recém-desencarnado, sem dúvida submetido a atroz e prolongada fome, tendo ao lado uma senhora de cabelos alvos, sustendo-o no colo,' que o preceptor nos indicava tratar-se de sua esposa desencarnada e já recomposta do transe.
Em respeitoso silêncio deixamos o paradisíaco local, reconhecidos ao estimado amigo por proporcionar-nos momento de refazimento e consolo, assegurando-nos que, por maior nos pareçam a desdita e a maldade humana, o Senhor provê recursos suficientes para suplantá-las.
Assoberbados pelas excessivas crueldades que presenciávamos, respirávamos, enfim, em um campo de elísia paz. Extasiados diante do imenso poder do Bem, tornamos, refeitos, aos nossos prementes afazeres.

96 Ver final do capítulo 13
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122625
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Ícaro Redimido - A vida de Santos Dumont no Plano Espiritual - Adamastor/Gilson Teixeira Freire - Página 10 Empty Re: Ícaro Redimido - A vida de Santos Dumont no Plano Espiritual - Adamastor/Gilson Teixeira Freire

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Mar 03, 2024 11:36 am

38 - Nas Teias do Destino
“Então retribuirá a cada um segundo as suas obras. ” Jesus - Mateus, 16:27

Vivíamos naquele então horas decisivas na Grande Guerra. Enorme conjunção de forças aliadas se alinhava na costa inglesa, aguardando o momento para desferir crucial desembarque nas praias da Normandia. O fragoroso ímpeto fratricida prometia atingir o seu ápice, apesar da assombrosa destrutividade já demonstrada até então.
O Plano Espiritual Superior, destarte, movia-se, impávido, diante do mal necessário, tratando de tomá-lo o menor possível. A inclemência do tempo, reflectindo o perigoso acúmulo das crueldades humanas, desabava em incessantes tempestades, obstaculizando o deflagrar do assalto final da guerra. Foi preciso que espíritos superiores expedissem ordens, influenciando intuitivamente aqueles que detinham a capacidade de deliberação. Stagg, o meteorologista escocês que fazia previsões do tempo para os Aliados, de facto foi subjugado por estas operosas correntes espirituais, no comando dos destinos humanos, orientando-o a fim de apressar o fim do tormento planetário, garantindo uma correta previsão de um dia claro, adequado à decisiva invasão, impedindo-se desastres maiores para todos os envolvidos.
Estivemos na praia de Omaha e presenciamos os assombrosos embates corpo a corpo entre as forças em choque, persuadidas a ganharem terreno à custa de valorosas e inumeráveis existências humanas. Centenas de corpos jaziam espalhados entre os formidáveis penhascos da bela paisagem marinha, maculada pela dor e ultrajada pelo menosprezo ao dom divino da vida.
Em meio às brumas do desterro e da desilusão que a todos nos envolvia, notícias alvissareiras nos convocavam, por vezes, ao optimismo, acariciando-nos a alma com o beneplácito da esperança na vitória da concórdia. O exército alemão, estabelecido na famosa Fortaleza Europa, ameaçava derruir os diques de Zuider Zee, promovendo imensa devastação nas terras holandesas, quando a Esfera Superior, interferindo decisivamente na intimidade dos envolvidos, abrandou os corações em luta, levando-os a negociarem um armistício parcial, comprometendo-se os Aliados a não atacarem os inimigos sediados na Holanda em troca da preservação dos diques, amenizando-se as precárias condições de subsistência do povo daquela nação, onde milhares morriam de terrível fome. Formidáveis reuniões se realizavam no Plano do Espírito, convocando-se generais e dirigentes dos países, durante o sono físico, para confabulações em presença de magnas entidades, interessadas em apaziguar os absurdos enfrentamentos fratricidas. Alguns se davam conta da magnitude espiritual que vivenciavam nesses egrégios encontros e levavam para a carne as reminiscências das orientações recebidas, assumindo condutas apaziguadoras que terminavam em benefícios para todos, impedindo males maiores, enquanto muitos, completamente dominados pelas entidades malignas, não podiam sequer ser persuadidos a comparecer nessas luminares assembleias.
Estarrecemo-nos quando as Trevas, reagindo à actuação do Alto, respondiam, incentivando o comando alemão à descabida “política da terra arrasada”, através da conhecida “Operação Nero” que determinava às suas tropas a destruição de tudo que pudesse ficar para os inimigos e a execução imediata dos timoratos que se negassem a lutar até a morte. Atitude que nos revelava o imenso disparate da guerra, demonstrando- nos que a ganância de seus dirigentes era o seu único e verdadeiro móvel, pois uma vez que se viam impedidos de alcançarem seus egoísticos propósitos, não mais se interessavam pela sorte de seus comandados, preferindo fazer ruir a própria vida e a deles, a se curvarem diante dos vencedores. Fato que estampava ainda a imensa maldade que permanece dominando o coração humano, eco de clamorosa revolta que reside em nossos hábitos desde tempos imemoriais, denegrindo a nobreza da substância divina que nos compõe.
Contudo, o Mundo Maior, recorrendo à ajuda do Cristo, conseguia demover de muitos, que ainda guardavam o bom senso, a cruel determinação de tudo destruir, impedindo inúteis devastações e um número ainda mais elevado de mortes em diversos pontos do conflito.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122625
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Ícaro Redimido - A vida de Santos Dumont no Plano Espiritual - Adamastor/Gilson Teixeira Freire - Página 10 Empty Re: Ícaro Redimido - A vida de Santos Dumont no Plano Espiritual - Adamastor/Gilson Teixeira Freire

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Mar 03, 2024 11:36 am

O Führer de facto havia expedido a ordem explícita de reduzir a capital francesa a um monte de escombros, assustando-nos diante da terrível ameaça que reverberava das Trevas. Porém ele não foi obedecido, graças à actuação preponderante do Plano Superior, que mais uma vez se esforçou para comover o que restava de hombridade nos corações de seus empedernidos generais, macerados pela inevitável derrota. Aliviados, assistimos à Cidade Luz retornar à normalidade, após a capitulação das forças germânicas, sem maior derrame de sangue, denotando-nos que, finalmente, o bom senso prevalecia na alma humana e a paz vencia.
Apesar de algumas vitórias da Luz sobre as Trevas, os combates se avultavam com o avanço dos Aliados em direcção às terras alemãs. E nosso trabalho também se redobrava, parecendo exceder nossa capacidade de actuação, quando significativo
facto sucedia na vida de nossos amigos Alberto e Catherine, convocando-nos novamente a voltar-lhes nossa atenção. Vários irmãos desencarnados, provenientes de tropas brasileiras em luta nos territórios europeus, foram-nos encaminhados, tendo em vista nossa origem comum. Dentre eles havia um soldado, que de imediato chamou a atenção de Catherine, sem que ela soubesse o motivo. O homem havia desencarnado em decorrência da explosão de uma granada que lhe ferira profundamente a face, destruindo-lhe os olhos, impedindo-o de enxergar e desfigurando-o por completo. Sua voz, contudo, trazia-lhe recordações imprecisas de familiaridade. Ele, que ainda não se dera conta da própria morte, parecia corresponder a essas mesmas impressões, pois frequentemente lhe solicitava cuidados, dizendo-se impressionado com seu sotaque francês que muito lhe fazia recordar alguém de seu passado e que, se não a soubesse morta, afirmaria tratar-se da mesma pessoa.
Revelando-se invadida por estranhos sentimentos em sua presença, a amiga nos convocou a lhe explicar o que se passava. Reunimo-nos, assim, diante do companheiro que trazia o rosto envolto por uma faixa. Interrogando-o, ele retorquiu:
— Soldado Sampaio, 6° Regimento da Ia Divisão de Infantaria Expedicionária Brasileira, senhor. Acredito que fui ferido pela explosão de uma granada, como me informaram, pois nada vi na hora. O doutor acredita que voltarei a enxergar?
Estamos seguros aqui, senhor? Ainda ouço canhões...
— Acalme-se soldado, você ficará bom. Encontra-se em uma enfermaria, entre amigos, e nada há a temer.
— Não posso morrer agora, doutor, tenho uma esposa grávida aguardando-me em meu país e preciso ficar bom para cuidar de meu filho que em breve irá nascer.
Sob as ordens do General Mascarenhas, estamos lutando no Vale do Reno, em companhia do 5º Exército dos Estados Unidos, onde os alemães nos surpreenderam. Desejo recuperar- me prontamente para voltar ao combate, não podemos deixá-los escapar, senhor, esses brutamontes miseráveis precisam ser eliminados a qualquer custo...
Procurando afastá-lo do ódio, resguardava-o com palavras de consolo e, fixando-o atentamente, sentia também a nítida impressão de já conhecê-lo.
Tocando-lhe a fronte, concentrei-me, procurando penetrar-lhe a intimidade e estarreci-me ao identificá-lo prontamente. Heitor precisava ser informado de sua presença entre nós e não me convinha qualquer comentário a respeito do inusitado personagem, antes que nosso preclaro tutor examinasse a situação.
Atónito, solicitei paciência aos irmãos, convocando imediatamente a sua presença para que melhor nos esclarecesse sobre aquela arguta peça do fadário que nos dirige.
Assim que lhe foi oportuno, Heitor novamente compareceu junto a nós, abraçando-nos e cumprimentando-nos com o efusivo carinho que lhe é peculiar.
E bastou-lhe ligeiro olhar para que identificasse de imediato o espírito sob nossa análise. Com significativo brilho nos olhos, denotando que fora subitamente invadido pela luz de sublime compreensão, recomendou retirarmo-nos, a fim de que o assustado irmão não acompanhasse o diálogo para cujo entendimento ainda não se achava preparado.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122625
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Ícaro Redimido - A vida de Santos Dumont no Plano Espiritual - Adamastor/Gilson Teixeira Freire - Página 10 Empty Re: Ícaro Redimido - A vida de Santos Dumont no Plano Espiritual - Adamastor/Gilson Teixeira Freire

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Mar 03, 2024 11:36 am

Sorrindo, dirigiu-nos a palavra, eivada de benevolência:
— O amigo fez bem em convocar-me para dar seguimento às nossas demandas do passado, pois vejo que atingimos outro delicado momento em nosso roteiro de redenção. Eis que o destino nos traz um verdadeiro presente...
E, suspirando profundamente, emanando complacência no olhar, completou:
— Estamos diante de Abelardo97, meus queridos!
Catherine, ouvindo o nome do antigo amante, aquele que lhe abandonara covardemente ao engravidar-se de Alberto, estampou lívido assombro no rosto.
Ali estava, perante o mesmo homem que lhe ferira profundamente os sentimentos femininos e por quem nutrira imensa mágoa por longo tempo, a qual demonstrava ainda não haver de todo superado.
— Vejam como o acaso também tem suas leis! — reflectia Heitor. — Convém tecermos considerações pormenorizadas a respeito deste companheiro que, seguramente, não se consorciou às tramas de nossos caminhos por mera casualidade. Estamos diante de uma peça viva de nosso passado, não somente da última encarnação de Catherine, porém de personagem atinente à nossa transacta história, perpassada ainda no século dezoito.
Ante nossa surpresa, o preceptor continuou a explicar-nos:
— Como certamente os amigos se recordarão98, Alberto, então Bartolomeu, desencarnou sem saber que havia engravidado uma de suas últimas amantes, Maria Coutinho, jovem esposa de um de seus amigos, Miguel de Lara. Eram cristãos novos, residentes em Lisboa, degredados do Brasil e mantidos sob severa vigilância do Santo Ofício, em decorrência das ideias revolucionárias que apregoavam.
Bartolomeu, procurando por notícias de seu saudoso país, deles se aproximou e passou a frequentar- lhes a residência. Dados a inadequadas festividades nocturnas, Bartolomeu aproveitou-se da embriaguez do companheiro para seduzir, em uma oportunidade, Maria Coutinho, atraído por sua beleza juvenil. Após o sumiço do padre, a traição veio a ser descoberta pelo marido que, movido por grande indignação, roubou-lhe a vida, apesar de ainda se achar grávida, passando a devotar ingente, porém inútil, ódio ao infamante cónego, que então já havia deixado a Terra. Pois estamos diante de Miguel, o esposo traído de outros tempos, que, por obra do destino, uniu-se, em oportuna urdidura carnal, a Catherine, com o precípuo intento de se vingar do antigo pároco, favorecido pelas rédeas que conduzem nossos destinos. Convocado pelos enlaces do passado, seduziu-a também, aproveitando- se de seu desterro, desfechando com ela os episódios que todos já conhecemos. Vemos como a vida, em sua surpreendente arquitectura, prossegue o seu dédalo de coligações, sempre obediente aos liames do pretérito, embora muitas vezes nos pareçam tão distanciados no tempo. No âmbito da Lei, amigos, nossas faltas não são jamais olvidadas e somente o infatigável escoar dos séculos nada pode subtrair de nossos compromissos. Por isso, credores e devedores estão inexoravelmente fixados nas teias do destino, até que convertam em legítima fraternidade as adversidades que os unem.
Alberto mais uma vez se deixava dominar pelos torpes sentimentos humanos, achando-se diante de um possível rival a lhe competir a afectividade da amada, ferindo-o de substancial ciúme, que mal conseguia dissimular. Além disso, surpreendido por fato tão longínquo que acreditava definitivamente esquecido, ainda reverberando no presente, compreendia a extensão da Lei divina, exigindo-nos, em qualquer tempo, a completa correcção dos delitos e, constrito, admitia a falta, corando-se de genuína vergonha. Heitor, acolhendo-o na ternura de sua compreensão, instava-o ao equilíbrio:
— Filho, de facto, a dor do arrependimento, reflectindo nossas acções impensadas, acompanha-nos através das experiências trans-reencarnatórias, fazendo do opróbrio nosso maior sofrimento, por mais que o esquecimento temporário na carne nos alije do palco da consciência a sua penosa recordação. Por isso não se pode ir adiante sem encontrar soluções definitivas para o passado delituoso e a Lei nos conduz sempre de volta aos campos onde semeamos a fim de ceifar a indisponível colheita.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122625
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Ícaro Redimido - A vida de Santos Dumont no Plano Espiritual - Adamastor/Gilson Teixeira Freire - Página 10 Empty Re: Ícaro Redimido - A vida de Santos Dumont no Plano Espiritual - Adamastor/Gilson Teixeira Freire

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Mar 03, 2024 11:37 am

Assim é que, mais uma vez o Senhor lhe pede a superação de suas emoções humanas ainda imaturas e que aceite com alegria o convite para a completa renovação dos valores do coração. Não aprendemos que quando o servo está pronto o serviço lhe aparece? Pois, com alegria, podemos lhe afirmar que este será o primeiro assistido de vocês na faina evangélica que iniciam, pois solicitamos a Catherine o irrestrito apoio a esta empreitada, superando as antigas mágoas que ainda dilaceram o seu nobre coração. Enquanto que no mundo nossa alegria se esvai na busca de conquistas efémeras da matéria, no afã de galgar posições de destaques sociais ou na aquisição de diplomas que nos lustre a vaidosa personalidade, aqui o que nos apetece e de fato nos felicita é fazer todo o bem que podemos. Socorrer aquele que sofre e está ao nosso alcance é por isso nossa prioridade máxima. Assim determina o Senhor da vida, pois, não se pode desfrutar das venturas que Ele nos reservou, deixando na retaguarda os desafectos que semeamos e as infelicidades que perpetramos. Compomos uma grande família espiritual e um irmão detido em queda moral é um embaraço à nossa própria ascensão; por isso, voltar-se para socorrê-lo é recurso indispensável ao próprio avanço e à verdadeira alegria. Agradeçamos, portanto, a preciosa oportunidade de redenção que a Providência Divina nos envia, a qual não podemos menosprezar.
Sem dúvida, podemos imputar o regalo como uma resposta do Alto ao esforço de vocês na superação de suas mazelas e à dedicação ao serviço cristão que vêm desenvolvendo em meio às crueldades deste ingente conflito.
Admirávamos os subtis caminhos que a Lei nos invoca, movendo-nos quais meras limalhas de ferro imantadas pela inexorável teia magnética do destino.
Ciente de que a obediência e o labor compõem nossa via de redenção, o amigo locupletou:
— Assim, ainda sob a orientação de nossos abalizados companheiros, a quem solicitamos a continuidade da ajuda, irão amparar Abelardo em sua nova realidade.
Retribuindo à vida o mesmo que receberam, deverão dirigir os seus primeiros e inexperientes passos na jornada do espírito.
Contribuindo com o seu crescimento e albergando-o na fraternidade genuína, torná-lo-ão amigo leal do coração. Catherine lhe perdoará a infeliz incúria por havê-la entregue à gravidez desvalida e Alberto se desculpará, mediante o trabalho em seu favor, do delituoso desrespeito à sua amizade e confiança, no passado, quando ela o induziu ao hediondo crime, no qual teve infeliz participação. Ambos irão ainda amparar Maria Coutinho, a jovem viúva, ainda encarnada, e seu futuro filho, aprendendo a amar sem caprichos e trabalhando para que seus destinos se cumpram conforme a vontade da Lei. Amparando-lhe o infortúnio e auxiliando-a na inditosa gestação, Catherine estará ainda reconstruindo os sentimentos maternais que renegou. Lembrem-se, filhos, vocês já armazenaram o suficiente para poder distribuir e, como o servo zeloso, convém agora multiplicar os tesouros divinos que angariaram, sem olvidarmos que não há bem maior do que poder saldar as dívidas com o trabalho, dispensando o sufrágio da dor.
E, interessado em extrair o máximo de ensinamento do encontro providencial, explicou, lendo a sabedoria da vida:
— Vemos ainda, meus amigos, no episódio sob nossa análise, como a Lei, reflectindo a exacta extensão de nossas faltas, não perde oportunidade de fazer da experiência do viver, em todos os planos, uma permanente escola de sublimes aprendizados. Abelardo, impregnado do erro da paternidade irresponsável, quando abandonou Catherine no momento em que mais necessitava dele, deixa-se agora a penar na impossibilidade de estar junto ao filho que antecipadamente já ama. Pela morte violenta, resgata ainda o crime passional, e Maria Coutinho, sofrendo o desterro, reconhecerá o valor da fidelidade. São males necessários para a correcção do espírito imortal, até que aprenda a acertada maneira de agir, segundo os padrões ínsitos na própria consciência. Ninguém se evade do dever sem arcar com as consequências, pois estamos sob constante vigilância do Senhor que, por nos amar e nos querer perfeitos, vigia e nos educa, preparando-nos para o excelso destino que a todos reservou.
Orando sentidamente, agradecemos a magnitude divina que, mesmo diante de nossa imensa capacidade de perpetrar o mal, não se cansa de nos presentear com as insignes oportunidades de refazer os descaminhos do erro. Exorando ainda o fim dos sofrimentos daquela ignara guerra, despedimo-nos, tornando, reconfortados, às nossas labutas diárias.

97 Ver capítulo 9 para maiores detalhes sobre este personagem, cuja verdadeira identidade está oculta sob pseudónimo - nota do autor espiritual.
98 Ver capítulo 29.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122625
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Ícaro Redimido - A vida de Santos Dumont no Plano Espiritual - Adamastor/Gilson Teixeira Freire - Página 10 Empty Re: Ícaro Redimido - A vida de Santos Dumont no Plano Espiritual - Adamastor/Gilson Teixeira Freire

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Mar 03, 2024 11:37 am

39 - De Volta à Colónia
“Glória a Deus nas maiores alturas, e paz na terra entre os homens de boa vontade ” Lucas, 2:14

Em meio aos esmolambados exércitos das Sombras, já exauridos de tanta crueldade, prosseguíamos recolhendo os desencarnados, que pareciam não ter mais fim, seguindo a trilha da descomunal ruína de todos os valores da vida. Contudo, com o avanço dos Aliados pelas terras germânicas, a Grande Guerra prenunciava o seu ocaso e um aceno de esperança passou a inundar-nos a alma, ávida de paz.
Ainda que o morticínio excedesse todas as medidas, as Trevas, insaciáveis, transpondo as fronteiras da loucura, continuavam ditando normas aos incautos, pois os exércitos enfurecidos, indiferentes à devastação que lhes seguia os passos e desalmados pela insensibilidade perante tanta dor, agitavam-se ainda, movidos por recalcadas vindictas, indignas do ser humano. Desapiedadamente, o que restava dos inimigos era eliminado com idênticos requintes de crueldade que os mesmos praticavam, igualando-se-lhes à barbárie. O massacre se multiplicava em injustificável afã, como se os combatentes, ainda que exaustos, apressassem-se para satisfazer seus incontidos instintos agressivos, antes que o fim determinasse a sua suspensão, esboroando-se todas as injunções morais, exigindo das Esferas Superiores redobrados esforços na contenção das infrenes maldades. No estóico avanço, as Forças Aliadas ainda guardavam fôlego para disputar entre si a quem caberia o golpe de morte final nos comandos nazistas, pleiteando inútil supremacia entre seus generais, ávidos das glórias mundanas, demonstrando-nos que os louros da vitória eram tudo que almejavam, enquanto comunistas e capitalistas, em manobras espúrias, disputavam acirradamente os territórios de ocupação, dificultando sobremaneira o estabelecimento do equilíbrio necessário à paz do mundo, prometendo perpetuar a incontida altercação entre as garridas arrogâncias em busca da hegemonia em que se compraziam.
Iniciava-se, enfim, a Batalha de Berlim, derradeiro entre-choque dos remanescentes em guerra, quando novo e surpreendente facto nos chamou a atenção. Por entre os densos cúmulos que permanentemente ocultavam o sol no cenário espiritual da Guerra, resultantes dos imensos aglomerados de eflúvios mefíticos do ódio, divisamos, certa manhã, um esmaecido clarão no horizonte.
Reunidos diante do intrigante fenómeno, qual o luzir de um desconhecido astro invadindo a estratosfera terrestre, perguntávamo-nos do que se tratava, quando amigos acorreram a nos informar que esferas celestiais se aproximavam da Terra, penetrando nosso contrito cenário a fim de saneá-lo com suas poderosas luzes. Era o “sol da paz” que se atirava às Sombras, ávido por acalentar o coração humano enrijecido na luta e na dor, aplacando todo o fragor da maldade que ainda teimava em vicejar nas paisagens do mundo. A cada dia o inusitado luzeiro se engrandecia, até que, vencendo as nuvens de chumbo, precipitou-se sobre nós, em cascatas de floculações luminosas, neutralizando as cinzas que se enevoavam permanentemente ao nosso derredor, arrancando-nos lágrimas de incontida emoção. Conquanto que os humanos e os espíritos inferiores, envolvidos ainda nas fráguas dos embates nada denotassem, os mais atentos podiam sentir leve sensação de alívio e bem-estar, desde que se aquietassem, permitindo-se aspirar as supremas energias do Bem que se irradiavam em busca de corações sinceros para, enfim, fecundá-los de paz genuína.
Desde este dia, suave lenitivo passou a refrigerar-nos a alma, inundando-nos de aprazível fulgor, e a certeza de que o imenso pesadelo de morte estava prestes a encontrar o seu fim. E não tardou para que o fenómeno atingisse o seu auge, delineando deslumbrante panorama ante nossos atónitos olhos, dominando-nos todas as emoções. De súbito, sobre as ruínas da capital germânica, as densas trevas se espargiram e as nuvens fugiram, desairosas, entreabrindo-se para dar passagem a um imenso séquito de verdadeiros anjos, formando um coral de milhares de vozes celestes, entoando hosanas, qual jogral de luzes, anunciando que o reino do Bem voltava a predominar no coração humano. Compreendíamos de imediato que a ignara Guerra chegara ao fim. Indizível alegria inundou- nos a alma e, inebriados pela excelsa beatitude, ajoelhávamos à passagem do séquito angelical, dizimando as Trevas.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122625
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Ícaro Redimido - A vida de Santos Dumont no Plano Espiritual - Adamastor/Gilson Teixeira Freire - Página 10 Empty Re: Ícaro Redimido - A vida de Santos Dumont no Plano Espiritual - Adamastor/Gilson Teixeira Freire

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Mar 03, 2024 11:37 am

Espectáculo sublime que os enceguecidos pelo Mal não deram conta de registrar, entretidos que se achavam ainda em seus baixos interesses. Muitos encarnados imbuídos de boas intenções, ainda que hebetados pelo caos, puderam, sem dúvida, divisá-lo na tela da imaginação e se exultaram com sua presença.
A Grande Guerra capitulava diante da arremetida das operosas forças do Bem. Os grandes Dragões dos Abismos recolhiam-se às suas furnas, saciados de sangue e crueldades. Os maltrapilhos exércitos de desencarnados se acomodavam, extenuados, e, ainda em alarido, retornavam às suas alcovas sombrias. Silenciavam-se a revolta e o ódio secular dos insensatos, enquanto os belígeros mercenários das Trevas, exauridos de ânimo, ansiavam pelo repouso, mas não pelo Bem. A vingança ainda vicejava na alma dos temerários, porém deviam arrefecer, por ora, seus instintos barbarizados, pois as luzes do Cristo lhes obstaculizavam agora as belicosas intenções.
E, logo, inexprimível júbilo assistia aos preparativos para o encerramento de nossos trabalhos. Restava-nos terminar de recolher os que remanesciam entre os escombros da morte e direccionar aqueles que não nos acompanhariam, para os espaços espirituais de nosso convívio. Embora desejosos do pronto retorno à nossa saudosa colónia, permanecemos no teatro da Guerra por certo tempo, desfazendo nódoas de sombras, consolando corações amargurados, pensando feridos e encaminhando os deserdados de toda sorte.
Convém esclarecer que espíritos de grande potencial evolutivo conseguem emancipar-se do meio em que se encontram, projectando-se, pelos fenómenos do desdobramento, em lugares de seu interesse, não importa a que distância estejam, com relativa facilidade. Tal fenómeno, embora ao alcance de muitos que serviam na Guerra, era imensamente dificultado pelas implacáveis vibrações que nos assediavam, oprimindo- nos de forma a impedi-lo. Desse modo, a grande maioria dos tarefeiros permaneceu reclusa no ambiente de trabalho, concentrando todos os esforços na indispensável assistência espiritual, justificando-se assim a saudade que a todos nos tomava de assalto.
Embora a Guerra ainda prosseguisse no Pacífico, não nos competia o atendimento naqueles rincões, e os espíritos superiores nos prometiam que em pouco tempo ela encontraria também o seu fim. Infelizmente, apesar dos esforços do Alto para impedi-la, em breve assistíamos, estupefactos, ao desencadear da hecatombe nuclear com as estupendas explosões atómicas nas terras nipónicas, ocasionando formidando e injustificável extermínio com graves repercussões para o equilíbrio do orbe, tanto no plano físico quanto no espiritual. Conquanto o fato tivesse encontrado larga repercussão nas esferas espirituais, disseminando incertezas e alarmando os mais incautos, o desastre não nos atingia directamente, excepto pelos sentimentos de repulsa à insensibilidade humana e a perplexidade diante do poderio destruidor que o encarnado atingia, ainda pouco amadurecido moralmente para penetrar nos insondáveis poderes da criação. Confiantes, contudo, na direcção da vida planetária entregue às mãos do Cristo e a Quem pertence o nosso futuro, aquietávamo-nos, cientes de que não há percalços injustificáveis na Lei e não havia motivos para infundados temores.
Ante o mundo em escombros, saciado de revolta e sensibilizado pela dor, os dirigentes espirituais da humanidade encontravam agora um ambiente mais propício para se aproximarem dos encarnados, e as Esferas Elevadas se movimentavam activamente, determinando providências urgentes para que a ordem se restabelecesse o mais depressa possível, evitando-se desastres ainda maiores no porvir. Estejam seguros os homens, eles estiveram presentes na Conferência de Yalta, alimentando-a com o amistoso clima em que se desenvolveu, contribuindo para as concessões que os ocidentais faziam de boa vontade para os soviéticos e inspirando a criação de uma nova união dos países, onde se pudessem resolver os futuros conflitos, depois do fracasso da Ligas das Nações. Entretanto, este ambiente de promessas apaziguadoras não se manteve e, uma vez que o Mundo Superior se afastou, o clima de rivalidades se reacendeu, quando os marxistas substituíram os inimigos nazistas pelas potências capitalistas do Ocidente e estas os trocaram por aqueles, perpetuando-se as graves disputas entre os irmãos que deveriam se amar como um só povo. Dividiu-se o orbe novamente em dois grandes blocos antagónicos, amontoando cada qual, perigosamente, armas de grande poder destrutivo, em permanente ameaça à paz mundial.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122625
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Ícaro Redimido - A vida de Santos Dumont no Plano Espiritual - Adamastor/Gilson Teixeira Freire - Página 10 Empty Re: Ícaro Redimido - A vida de Santos Dumont no Plano Espiritual - Adamastor/Gilson Teixeira Freire

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Mar 03, 2024 11:37 am

Novos e ingentes esforços seriam exigidos dos directores espirituais do Orbe para que os propósitos do Cristo se cumprissem, ao longo de nossa História, entretecida em conúbio de ambições e dores. Enfim, o hospital itinerante nos aguardava para o retorno definitivo e, depois de acomodados devidamente os enfermos sob nossa custódia, iniciamos a viagem de volta. Nossa chegada em Portais do Vale foi marcada pela discrição, embora muitos acreditassem que seriamos recebidos como verdadeiros heróis de guerra.
Amigos dilectos acorreram para nos dar as boas vindas, irradiando vibrações de simpatia e consolo, dessedentando-nos a imensa saudade. Finalmente podíamos respirar, aliviados, a longos haustos e repousar na paz do dever cumprido.
No trabalho cristão, angariamos numerosos amigos de outras terras, inigualável prémio da Divindade em recompensa ao nosso singelo esforço. E, para nossa alegria, muitos deles, embevecidos pelos alvitres de Jesus, decidiram nos seguir rumo às alvissareiras plagas do Cruzeiro, onde poderiam concretizar almejadas conquistas no campo do crescimento espiritual. Soterrando pesaroso pretérito de ignomínias na Velha Europa, formaram expressivo contingente de seareiros, que se somou às fileiras do Espiritismo cristão, enriquecendo-o de novos valores.
Heitor retornou à sua colónia deixando connosco Catherine perfeitamente ambientada em nosso coração e, principalmente, no de seu amado, com quem restabelecera completamente seus antigos laços afectivos. Abelardo, assistido cuidadosamente por eles, fora recolhido em nossa enfermaria, onde continuariam ministrando-lhe carinhosa atenção. Não tardou para que a quietude nos acomodasse na rotina que nos satisfaz as necessidades de realizações espirituais, fazendo-nos retornar à normalidade. Somente a prece poderia encetar nosso reingresso à colónia e, em breve, nosso governador nos convocou para uma grande oração colectiva de graças, no Templo Central.
Reunidos sob a égide do Cordeiro e o beneplácito dos dirigentes de nosso núcleo, fomos agraciados pela visita de magnas entidades de luz, contando entre eles o nosso amado Heitor. Nosso dirigente dirigiu-nos a palavra em prece, elevando o pensamento a Deus, agradecendo a bênção do serviço regenerador e a volta dos seareiros, enriquecidos pelo trabalho e pela renúncia em prol dos necessitados. Cintilações cristalinas nos bafejavam a face, inundando-nos de dúlcidas emoções, condecorando- nos com os eflúvios da alegria. Eminente mentor, provindo de Alta Esfera, realizou preciosa prelecção, abordando a mais titânica das lutas que ainda nos competia enfrentar: o combate aos arraigados hábitos da própria personalidade falida. Em seguida, espalhados pelos aprazíveis jardins musicais de nossa cidade, congratulamo-nos em imensa festa de receptividade, encerrando nossa reunião de boas-vindas sob os encantos do zimbório estrelado cintilando luzes que, quais estupendos fogos de artifícios, pareciam comemorar connosco o término do imenso pesadelo terreno.
Por fim, recompostos, reassumimos nossa faina diária, felizes, principalmente por assistir aos amigos Alberto e Catherine, encetando, de facto, a condição de trabalhadores fiéis do Bem. Era chegado o momento, enfim, de conferir-lhes o alvará de assistentes, determinando-lhes a alta da condição de assistidos e integrando-os definitivamente ao rol de servidores de nossa colónia.
Solicitamos então de nossa direcção a oficialização da medida, encerrando de facto o serviço de tutoria que nos fora incumbido. Naturalmente, continuaríamos ao lado deles, dispostos a ajudá-los no que fosse possível, cientes, contudo, de que a cada dia eles se tornavam suficientes às próprias injunções no desempenho das tarefas que lhes competiam. A genuína recompensa pelo nosso trabalho consiste em verificar que nossos assistidos nos superam as possibilidades de auxílio e, dispensando-nos a ajuda, se convertem em fiéis executores da vontade divina.
Os planos para o futuro eram os mais promissores possíveis. Alberto e Catherine, embora ainda não tocassem no assunto, consorciar-se-iam em breve, iniciando a reformulação de nova família terrena, fundamentada nos imperativos do aprimoramento espiritual. Ambos trabalhariam activamente em favor do núcleo doméstico de Abelardo, fragmentado pelo seu prematuro desenlace.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122625
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Ícaro Redimido - A vida de Santos Dumont no Plano Espiritual - Adamastor/Gilson Teixeira Freire - Página 10 Empty Re: Ícaro Redimido - A vida de Santos Dumont no Plano Espiritual - Adamastor/Gilson Teixeira Freire

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Mar 03, 2024 11:38 am

Catherine compreendia que devia socorrer, urgentemente, as irmãs de desventura que deixara na carne, especialmente sua querida Rosa99 a quem tinha por filha amada e precisava instar novos caminhos. A jovem persistia atada às tristes urdiduras da prostituição a que ela, Catherine, induzira, trazendo-lhe o fato pesaroso remorso, a usurpar-lhe a paz de consciência. O serviço urgia e Alberto se comprometia em acompanhar-lhe os passos na obra regeneradora, compreendendo, feliz, que seu novo roteiro se faria de entrega total aos genuínos anseios de realizações espirituais, no campo das mais puras expressões da fraternidade, olvidando, em definitivo, as suas idolatradas máquinas. O atendimento aos sofredores do Vale dos Suicidas lhe era ainda convite salutar, a fim de saldar seus compromissos com a vida, aprendendo a valorizá-la devidamente.

99 Ver capítulo 9.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122625
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Ícaro Redimido - A vida de Santos Dumont no Plano Espiritual - Adamastor/Gilson Teixeira Freire - Página 10 Empty Re: Ícaro Redimido - A vida de Santos Dumont no Plano Espiritual - Adamastor/Gilson Teixeira Freire

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Mar 03, 2024 11:38 am

40 - O Canhão da Paz
“Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a Terra. ”
Jesus - Mateus, 5:5

O tempo transcorria, recompondo-nos a paz, quando, para grande surpresa nossa, fomos convidados para uma das mais desusadas solenidades já ocorrida em nossa colónia. O governador decidira erguer um monumento em homenagem a Alberto. O facto, decididamente, surpreendia-nos sobremaneira porque, como de hábito, as esferas espirituais, que já se voltaram para os ideais superiores da vida, não se dão a instrumentos de culto à personalidade, tal qual ainda ocorre no mundo físico. Não idolatramos heróis, muito menos aqueles arrebanhados dentre os que se destacam pela supremacia dos valores humanos ou simplesmente pela execução de tarefas programadas na senda do progresso.
Comumente fazemos nossos próceres entre os homens santos que desempenham serviços nobilitantes no Bem e atravessam a vida na came sob o manto do anonimato e investidos de sincera humildade. Por isso fomos tomados de imensa curiosidade, diante do surpreendente acontecimento.
No dia aprazado, uma manhã domingueira enriquecida de eflúvios divinos nos acolhia diante de uma edificação oculta por um manto, como nos moldes terrenos, em um dos nossos jardins terapêuticos. Éramos poucos amigos e, junto com dirigentes de nossa colónia, Heitor se fez presente, irradiando contentamento, enquanto Alberto, demonstrando nítido acabrunhamento, relembrava os momentos em que se via o alvo das atenções nas cerimónias da Terra.
Após um coral de vozes argênteas suscitar-nos a presença do Divino, o director de nossa colónia, tomando a palavra, falou-nos, com entusiasmo:
— Amigos, reunidos sob a tutela de Jesus, convocamos a alegria para estar em nosso meio, nesta pequena solenidade que haverá de nos renovar o ânimo para a continuidade de nossas vidas.
Em seguida, convidando Catherine a descerrar o véu que o encobria, surpreendemo-nos ainda mais, admirando o incomum monumento. Contraído em marmórea matéria branca, um largo e baixo pedestal sustinha um belo homem alado, à feição de um anjo, ao lado de uma espécie de canhão, com suas grandes rodas, à moda das antigas peças de artilharia. Três alvos pombos pousavam sobre a estrutura, um deles com as asas ainda abertas e um quarto alçava voo das mãos entreabertas do áleo e garboso ente que adejava meigo sorriso na face, delineada em delicados traços helénicos. Em sua retaguarda, as ruínas de uma platibanda, bordada por trepadeira florida, lembrava-nos os horrores da guerra, e, abaixo, letras em relevo intitulavam a bela obra: “Canhão da Paz”.
Findo o nosso espanto inicial, o director continuou:
— Como vêem, não os convidamos aqui para homenagear um homem que se fez herói na Terra, mas para nos alegrarmos com uma surpreendente proposta de paz, nestes dias que ainda reverberam a agonia da imensa Guerra que devastou a Europa e os corações humanos.
Indicando com os olhos nosso intimidado amigo, prosseguiu:
— Alberto, que todos aqui conhecem e aprenderam a estimar, é um dos socorridos do Vale dos Suicidas, de quem hoje nos orgulhamos em elevar à condição de assistente. Poucos conhecem a sua história, porém podemos lhes adiantar que este homem, em idos tempos, filiou-se à disseminação da guerra, aperfeiçoando e incentivando o uso do canhão como instrumento de destruição na Terra, favorecendo a multiplicação da maldade. Depois de peregrinar pelas veredas das Sombras, estimulando batalhas memoráveis entre os irmãos terrenos, iniciou o caminho da regeneração, dedicando-se à missão de dar asas aos homens, como todos sabem. Porém, o que muitos não se deram conta é que a sua mais surpreendente invenção não foi propriamente o aeroplano, mas sim um outro canhão. Este, porém, muito especial, pois se prestava a salvar vidas e não a destruí-las. Sim, amigos, este instrumento, retratado fielmente nesta estátua que estamos admirando, é um paradoxal canhão salva-vidas, a última de suas engenhosas criações na jornada terrena.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122625
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Ícaro Redimido - A vida de Santos Dumont no Plano Espiritual - Adamastor/Gilson Teixeira Freire - Página 10 Empty Re: Ícaro Redimido - A vida de Santos Dumont no Plano Espiritual - Adamastor/Gilson Teixeira Freire

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Mar 03, 2024 11:38 am

Sua finalidade era atirar bóias flutuantes no mar, à beira das praias, em direcção àqueles que lutavam para vencer as águas, ameaçados de afogamento e por isso foi denominado Canhão Salvador. E temos notícias que o aparelho chegou a salvar, de facto, duas vidas na França. O ser alado que o locupleta, criação artística de nossos artesões, é ainda o mesmo ícaro da lenda antiga, porém redimido e recuperado de sua estridulosa queda dos patamares da altivez. O mundo da carne, fascinado ainda pelos rumores da guerra e embriagado pelos anseios de ambição, não deu o devido valor ao invento e seguiu adiante no seu afã de conquistar instrumentos de demolição e não de auxílio. Permaneceu o artefacto completamente esquecido e menosprezado pelos homens. Não se deram conta de que, embora vestida de ingenuidade, estavam diante de sua mais significativa criação para a regeneração de sua consciência imortal. Contudo, espíritos iluminados se reuniram na praia de Biarritz, admirados do invento, pois, ainda que vertida de uma alma que se encaminhava para a derrocada, simbolizava a redenção de seu passado, comprometido com a destruição e, naquele momento, ele convertia o seu malfadado canhão de outrora em arma de salvação e suscitante da paz.
Pudessem os homens, espelhando- se neste exemplo, transformar seus poderosos arsenais de guerra em veículos de socorro e o Reino de Deus far-se-ia na Terra.
Desde aquele dia, entidades superiores identificaram em Alberto o pendor apaziguador que o dominava e recolheram seu sincero desejo de ressarcir o pretérito delituoso e aguerrido, através da alquimia evolutiva do espírito. Sua contribuição à paz foi arquivada como genuína lembrança para os pósteros e passaram a incentivar a sua luta contra a guerra. Embora eivado de bons propósitos, em decorrência do ambiente de elevado teor espiritual em que passou a respirar, o mensageiro da concórdia não foi ouvido com seriedade. Sua carta à Liga das Nações foi ridicularizada e o prémio, que instituíra para coibir o uso do avião na guerra, a ninguém interessou, parecendo advir de alguém que já não estava no uso pleno de sua razão. Os dirigentes dos povos, entorpecidos pelas injunções da inferioridade e obedientes aos apelos das Sombras, preferiram seguir na soturna faina da acirrada luta de interesses egoísticos, acumulando armas de terrível poder destruidor, redundando no infeliz desfecho que abalou o mundo.
E, voltando-se particularmente para Alberto, perfilando palavras sinceras de estímulo e não de evasivos elogios, tão ao gosto humano, acresceu:
— Nosso amigo merecia ter sido de fato condecorado pela contribuição à paz, muito mais do que pelo desempenho em sua missão de cunho eminentemente tecnológico junto à humanidade. Eis então que decidimos homenagear a paz, mesmo cientes de que não nos convém a perpetuação do hábito de lustrar personalismos com inadequadas idolatrias.
Estaríamos fazendo-lhe imenso mal e não um bem, estampando seu nome ou sua efígie sob o monumento. Mas deixaremos aqui a sua lembrança, com seu arpão salvacionista orientado para o Vale dos sofredores, fazendo-nos recordar que nossos esforços devem permanentemente se voltar para o mar revolto do desespero humano, onde se afogam os imprevidentes e em cuja direcção temos que atirar as bóias de nossa boa-vontade de servir.
A escultura possui áreas de sensibilidade psicométrica e, caso o irmão nos permita, gravaremos em seus sítios de irradiação a sua história em forma de ondas mentais coaguladas. Todo espírito sensível e que guardar interesse em conhecer a motivação desta edificação, tocando-a, poderá ler o enredo de suas últimas encarnações. Não queremos, contudo, entronizar o homem velho, sem dúvida ainda aspirante à sumptuosidade que a todos nos compraz, por isso não exaltaremos seus feitos heróicos na Terra, pois se o fizéssemos, muitos outros nomes teriam que igualmente ser lembrados no desempenho de sua missão. Porém, evidenciaremos o relato de seus erros e suas fragorosas quedas, para que, espelhando-nos nelas, possamos nos convencer, decididamente, de que o orgulho é fel venenoso que, vertendo de nossa arrogância desmedida, é capaz de nos arremeter aos mais profundos abismos da desdita e da dor. Compreenderemos que a vingança e a guerra nos trazem imensos prejuízos evolutivos, consumindo largas porções de nossa destino na correcção de seus inquestionáveis equívocos.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122625
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

Ícaro Redimido - A vida de Santos Dumont no Plano Espiritual - Adamastor/Gilson Teixeira Freire - Página 10 Empty Re: Ícaro Redimido - A vida de Santos Dumont no Plano Espiritual - Adamastor/Gilson Teixeira Freire

Mensagem  Conteúdo patrocinado


Conteúdo patrocinado


Ir para o topo Ir para baixo

Página 10 de 11 Anterior  1, 2, 3 ... , 9, 10, 11  Seguinte

Ir para o topo

- Tópicos semelhantes

 
Permissões neste sub-fórum
Não podes responder a tópicos