LUZ ESPÍRITA
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O Sonâmbulo - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

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O Sonâmbulo - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho - Página 4 Empty Re: O Sonâmbulo - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 26, 2015 9:48 pm


Admirava Rosinha, uma enfermeira.
Ela era ágil e bondosa, embora tivesse sempre muitos problemas, não demonstrava, e no trabalho estava sempre rindo e brincando.
Rosinha era viúva, seu marido morreu jovem, deixando-a com três filhos pequenos.

Ela teve de trabalhar muito para criá-los.
Os filhos cresceram, sua filha casou-se e o marido abandonou-a, então Rosinha criava os dois netos, sendo um deles muito doente.

Ela, como os outros funcionários, levou os filhos e os netos para me conhecer.
Gostava da família desses funcionários como se fosse a minha, a que não tive.

Alguém do grupo de jovens comentou:
— Vamos fazer uma festa de aniversário.
Vocês irão escolher quem será o aniversariante.
— Daniel!

Todos me escolheram.
Emocionei-me.

— Não faço aniversário este mês! - falei.
— Não tem importância. Será sua a festa!

Nunca havia recebido um presente de aniversário e, ali no sanatório, nem cumprimentos.
Até eu esquecia o meu aniversário.
E no domingo fizeram uma festa com bolo, doces e ganhei presentes.
Chorei de alegria.

— Trinta e três anos! - falou um dos jovens.
— Já fiz, vou fazer trinta e quatro! - exclamei.
Foi uma festa muito bonita e agradável.

— É merecido, Daniel! - afirmou Rosinha.
Você é querido por lodos nós.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 26, 2015 9:49 pm

Capítulo 10 - A Mudança

Estávamos sentados num dos cantos do salão, a enfermeira Rosinha, uns três internos e eu conversando sobre um recém-chegado.

— Ele é conhecido como Tónico.
Dizem que nunca foi muito certo e que agora cismou que a esposa o trai.
Mas os vizinhos dizem que não, que a mulher dele é honesta e trabalhadeira.
Espero que sare logo! - Rosinha nos informou.

— Eu também! - manifestou-se um dos presentes.
Vocês viram como ele é forte?
Repete que quer matar a mulher porque ela o trai.

Mudamos de assunto.
Conversávamos alegres quando, de repente, Tónico veio ao nosso encontro, correndo.

Ele era realmente forte, alto e gordo.
Sua expressão era de ódio, vimos que ele tinha vindo da cozinha e estava com uma faca na mão.

— Pare Tónico!
Devolva-me a faca! - gritou Rosinha.

Tónico olhou-a e gritou de modo aterrorizante:
— Mulher traidora, vai morrer!

Levantou o braço e a faca grande da cozinha brilhou como seus olhos.
Tivemos medo e todos gritaram.
Tudo foi muito rápido e ele avançou na direcção de Rosinha e eu fiquei na frente dela.

Segurei o braço de Tónico.
Eu também tinha força, era mudável e consegui controlá-lo, a faca ficou encostada no pescoço dele.

Apesar da gritaria, escutei três vozes a me ordenar:
Daniel fira o Tónico!
— Ele matará alguém se você não o dominar!
Mate-o! Será ele ou um de nós!

Tónico falou:
— Largue-me! Devo matar a mulher!
Ela é traidora!
— Corra Rosinha! - gritei.

Mas Rosinha não conseguia sair do lugar, e estava difícil segurá-lo.

“Feri-lo?" - pensei. - "Nunca!
Posso acabar matando-o! Isso nunca!"
E não consegui mais segurá-lo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 26, 2015 9:49 pm

Ele venceu! Virou meu braço e a ponta da faca ficou rente ao meu peito e me feriu.
Caí devagar. O socorro chegou com os gritos.
Vi doutor Fernando aplicar uma injecção na veia do pescoço de Tónico e outros enfermeiros amarrando-o.

O médico abaixou-se para examinar-me.
Senti uma dor aguda, que passou rápido.
Vi uma luz suave, quis ir a sua direcção, sorri.
O doutor Fernando tentava socorrer-me, mas parti com a luz.

Senti como se a luz fosse um cone ou uma trilha e dormi.
Acordei sentindo-me bem.
Levantei a cabeça e vi que estava num quarto grande, com várias camas.

Observei tudo e gostei do lugar.
Uma simpática senhora veio até mim, perguntou-me como eu estava e serviu-me um delicioso suco.

— Se quiser Daniel, pode dormir de novo.
— Querer até quero, mas não posso!
A senhora está sendo muito gentil, mas é que dormindo posso ser perigoso.

— Você não é perigoso! - exclamou ela gentilmente.
— Como pode afirmar? Conhece-me? - perguntei.
— Você tem a aura de pessoa tranquila e pacífica, ou seja, a expressão - respondeu à senhora.

— Mas mesmo assim é melhor eu dormir trancado.
Por favor, estou mesmo com vontade de dormir, providencie para mim um quartinho em que possa ficar trancafiado - pedi.

— Não vou fazer isso! - a senhora expressou parecendo ter ficado indignada com o meu pedido.
Não há motivo para você ficar trancado.
Aqui não temos quartos assim, Daniel, você pode dormir sossegado.
Eu cuido de você.

— Então não durmo!
Imagine, a senhora cuidar de mim. Que perigo!

Eu estava com sono, mas não dormi.
A enfermeira observava-me, acho que ela chamou a médica e esta veio sorrindo.

— Sou Estefânia!
Por que você não quer dormir se está com sono?
— Doutora, sou sonâmbulo e acusado de ter cometido crimes dormindo.
Só dormirei tranquilo se estiver trancado.

— Daniel, você lembra o que lhe aconteceu?
— Aconteceram tantas coisas na minha vida...
A que a senhora se refere?

Ela sorriu e eu senti os grupos religiosos que visitavam o sanatório orando por mim, as vibrações dos amigos evangélicos, dos católicos e dos espíritas.
Senti um grande bem-estar.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 26, 2015 9:49 pm

Olhei para a médica, que me observava com carinho, então me lembrei:
— Tónico feriu-me!
Recordo-me de tudo! - exclamei.

Abri a camisa do pijama e olhei meu peito.
Nem sinal do ferimento!
Fiquei de cabeça baixa, dobrei o lençol sem saber o que fazer.

Escutei, sem entender como, amigos desejarem a mim:
"Daniel, que Deus o tenha na santa paz!"
“Daniel, que Deus seja misericordioso no seu julgamento!"

"Que você, meu amigo, possa compreender que mudou de plano e que agora está na espiritualidade!"

Levantei a cabeça e ali estava a médica olhando-me e sorrindo.

— Morri? - perguntei baixinho.
— Mudou de plano! - respondeu a doutora Estefânia.
— Sei! - falei sem saber o que fazer ou como agir.

A doutora aproximou-se do meu leito, ajeitou meus cabelos e então dormi tranquilo.
Acordei e vi a doutora Estefânia atendendo outra pessoa no leito ao lado.

— Doutora Estefânia, por favor! - chamei-a.
— E então, Daniel, como se sente?
— Bem - respondi.
Queria saber se me levantei enquanto dormia.

— Não se levantou nem irá fazê-lo mais - afirmou ela.
Sonambulismo era um distúrbio do seu corpo físico.
Garanto a você que não irá mais se levantar dormindo.

— Garante mesmo?
— Sim! - assegurou a doutora Estefânia com firmeza.

Continuei preocupado, mas fiz o que eles recomendavam:
Alimentava-me, ia ao jardim e só adormecia quando cansado.
Estava apreensivo, preocupado em não me levantar dormindo, que nem liguei para o facto de que desencarnara.

Pareceu-me uma mudança normal, de um hospital para outro.

"Estou cansado de descansar" - pensei.
"Vou pedir para fazer alguma coisa".

E assim que vi um enfermeiro, pedi:
— Será que não posso trabalhar na horta?
Aqui tem uma, não tem?
Com esses caldos e sucos gostosos, a horta deve ser grande e fértil.
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Mensagem  Ave sem Ninho Dom Abr 26, 2015 9:49 pm

— Não temos planos de colocá-lo para trabalhar na horta - respondeu o enfermeiro.
Você, sentindo-se bem, irá para a escola onde estudará e aprenderá a ser útil.

— Junto de outras pessoas? - perguntei.
— Sim, por que isso o preocupa?
— Acho que posso ser perigoso.

O enfermeiro saiu e logo em seguida voltou e convidou-me:
— Daniel, o orientador deste hospital quer falar com você.
Venha, ele é sábio e muito bondoso.

Acho que ele disse isso para que eu não ficasse com receio.
E esse orientador recebeu-me com um abraço fraterno.

— Daniel, de que ou de quem tem medo?
Você já compreendeu que desencarnou que teve seu corpo físico morto.
Mereceu estar aqui, numa colónia, numa cidade no plano espiritual.
Irá, se quiser frequentar uma escola, onde aprenderá muitas coisas, como, por exemplo, a viver aqui na espiritualidade.

— O senhor sabe que fui sonâmbulo?
Ou que sou? - perguntei.
— Encarnado você foi e agora não é mais.

— Sou doente, posso ter múltiplas personalidades - falei baixinho.
— Você não foi doente, não teve distúrbio dissociativo de individualidade.
E agora não tem mais sonambulismo.
Fale para mim o que o preocupa - pediu ele gentilmente.

Meu peito doeu de aflição.

"Será que ele sabia que eu era acusado de ter assassinado aquelas mulheres?" - pensei.
"Aquele homem simpático, o orientador daquele hospital, sabia o que acontecera comigo?" - olhei para ele, que me olhava sorrindo, perguntei-lhe, falando depressa:
Sou um assassino?

— Não, Daniel, você não assassinou ninguém nessa encarnação. - respondeu ele com segurança.

Abri a boca, mas não consegui falar nada.

O orientador explicou:
— O sonâmbulo não pratica actos que não praticaria quando acordado, consciente, e não temos registos de alguém anímico, com distúrbio do sono como o sonambulismo, que assassinasse alguém premeditadamente.

Se a pessoa não tem a índole violenta, não se afina com a violência.
Você foi um sonâmbulo que se levantava, trocava de roupa, andava e voltava para seu leito.
Não fez nada mais que isso.

— Não sou assassino!
Repita por favor! - roguei.
— Você, Daniel, não matou aquelas mulheres.
Não é assassino!
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 27, 2015 8:57 pm

— Ah!
— Daniel, pode comemorar se quiser.
Pode pular, gritar, você tem todo o direito de estar alegre.

Olhei para uma porta que estava aberta e vi um jardim, para onde saí apressado.
Meus pés tocavam o gramado macio e verdinho.
Pulei e gritei até que cansei e sentei.

— Obrigado, meu Deus!
Obrigado! - chorei aliviado.

Deitei e acordei no leito do quarto com um enfermeiro sorrindo.

— Daniel, vim buscá-lo para levá-lo à escola.
Compreendi que adormecera no jardim.
Sorrindo feliz, levantei-me, vesti a roupa que o enfermeiro deu-me e fui com ele para a escola.

Tudo para mim estava bom.
Achei o local lindo, sentia-me bem e feliz como nunca pensara ser.
"Não matei ninguém!
Não sou um assassino!" - pensava e sorria.

— Que escola agradável!
Bonita! - exclamava.

Fiquei no alojamento, num quarto com Roberto, um senhor muito simpático, e logo nos tornamos amigos.
Fazia tudo do melhor modo possível.
Não me preocupei com a minha desencarnação, parecia que nada mais para mim tinha importância que o facto de ser inocente.

Mas essa euforia passou, fiquei tranquilo e interessado em aprender.
Fiz amigos, éramos vinte e dois alunos, todos com vontade de conhecer o lugar em que estávamos.

Eu parecia um menino extasiado diante de tantas belezas.
O primeiro assunto, as colónias espirituais, foi envolvente, fiquei interessadíssimo.

Foi então que conheci o lugar em que fui abrigado.
Percebi que estava livre, tanto do corpo pesado e material como do medo de ter sido um criminoso.

Amei a liberdade!
Às vezes, pensava nos amigos que continuavam encarnados e recebia deles incentivos e lembranças carinhosas.
A enfermeira Rosinha orava com gratidão por mim, e foi por escutá-la que soube que Tónico não se feriu e que estava melhorando com o tratamento.

Sentia muita pena de Tónico.

Pensei:
"Quando ele ficar sadio e souber que me matou, irá sofrer.
É tão triste sentir remorso.
Mas ele não teve culpa, não estava bem quando me assassinou.
Coitado, com certeza se sentirá infeliz".
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 27, 2015 8:57 pm

Fazia preces para ele, desejando que não sofresse e que melhorasse.
Não senti, em nenhum momento, raiva dele, e orando aprendi a amá-lo.
Eu recebia as orações dos grupos religiosos com votos para que fosse feliz.

Muitos internos também rezavam por mim.
De minha parte, orava por todos, desejando que estivessem bem.

— Daniel - chamou-me um professor —, Júlio, que é o orientador da escola, quer conversar com você.

Atendi e o orientador explicou-me:
— O doutor Fernando, o médico que tratou de você, procurou o grupo espírita que visita o sanatório e com eles conversou muito sobre a possibilidade de se comunicar com você, no centro espírita que frequenta.
Esse médico é um bom profissional, bondoso, e seu pedido merece ser atendido, porque será muito proveitoso se ele e a doutora Maria Luísa continuarem com o trabalho e o tratamento que fazem no sanatório.

O doutor Fernando quer saber se você foi um assassino.
Mas é você quem decide se quer ir ou não.
Está sendo convidado.

— Como faço para ir lá e falar com ele? - perguntei.
— É fácil, no horário marcado, você irá comigo ao centro espírita e aguardaremos a nossa vez.
Você se aproximará de um médium psicofónico e essa pessoa repetirá aos encarnados o que você disser. Quer ir?
Pensei no doutor Fernando, na doutora Maria Luísa e em como era o sanatório antes e actualmente.

— Aceito! - afirmei.
Dia e hora foram marcados, e esperei ansioso que esse dia chegasse.
Então o orientador veio me buscar.
Para mim, era tudo novidade, e achei fantástico.

— Vamos com uma equipe no aeróbus - explicou Júlio —, isto é, um veículo que usamos aqui.
É rápido e estaremos no centro espírita em minutos.
Maravilhado, entrei na condução, sentei-me e pude ver melhor o veículo, que me pareceu um misto de ónibus e avião que deslizava.

O portão abriu-se, saímos da colónia, observei o espaço e logo vi a cidade dos encarnados.
Paramos acima de uma construção material, de uma casa onde funcionava o centro espírita.

— Venha Daniel! - Júlio teve de me puxar porque, deslumbrado, observava tudo.
— Que engraçado! - exclamei rindo.
— De que ri? - Júlio perguntou.

— Estou achando graça em ver os encarnados.
Parece que somos tão parecidos!
Mas, ao vê-los tão perto, percebo que somos muito diferentes.

Entramos no salão onde os encarnados se preparavam para mais uma reunião de desobsessão.
Desencarnados também chegaram e um deles veio cumprimentar Júlio.

— Este é Daniel - Júlio nos apresentou. — Daniel, este é Benedito, o orientador da casa.
— Agradeço-lhe por ter vindo, Daniel - disse Benedito gentilmente.
O doutor Fernando necessita falar com você.
Sabe o que irá acontecer aqui?
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 27, 2015 8:58 pm

— Vi em fitas no curso que estou fazendo, acho que serei capaz - respondi.
Passou por nós um desencarnado estranho, para não dizer feio.
Dois trabalhadores da casa apoiavam-no, ele bufava, isto é, fazia um barulho estranho, estava sujo, tinha uma expressão de ódio.

Assustei-me e Benedito explicou-me:
— Esse desencarnado foi assassinado e está com muito ódio de seu assassino, que está preso.
Seus familiares vieram aqui e pediram ajuda para ele.
Nossos trabalhadores foram buscá-lo e aqui receberá orientação.

— Será socorrido? - indaguei.
— Dependerá de ele aceitar o que iremos oferecer.
Para receber o socorro ele terá de perdoar e esquecer a vingança - respondeu Benedito.

Benedito indicou o local onde deveríamos ficar e afastou-se, pois tinha muito que fazer.
Vi desencarnados necessitados chegarem.

Perguntei ao Júlio:
— Muitos que foram assassinados e não perdoaram não podem ser ajudados?
— É mais difícil para quem não perdoa ser socorrido pelos bons espíritos.
Você foi assassinado, perdoou e pôde ser ajudado.
O ódio liga as pessoas.

— Júlio, as moças mortas dos crimes de que fui acusado não me procuraram?
— Não - explicou-me Júlio.
Elas sabiam quem as tinha matado.
Sei de um pai que ao desencarnar, achando ter sido ele que assassinara sua filha, foi até o sanatório para vingar-se.

Mas ao chegar perto de você, soube logo que não era o criminoso.
Quem mata alguém irradia seu acto.
Não se engana a espiritualidade.

O doutor Fernando chegou, sentou-se e orou distraído, pedindo para que eu o atendesse e ajudasse.
Tudo ali era ordem e disciplina.
Começou no horário marcado, fez-se a leitura de um texto muito bonito e uma senhora falou sobre o que foi lido.

Todos os encarnados e desencarnados prestaram atenção, alguns espíritos necessitados choraram.
Os trabalhadores da casa aproximavam os desencarnados necessitados de ajuda para perto dos médiuns encarnados e, maravilha das maravilhas, eles falavam e os médiuns repetiam, e um outro encarnado conversava com eles, orientando-os.

Notei que era como uma telepatia, fios ligavam suas mentes.
Os necessitados recebiam energias que os levavam a raciocinar e a perceber que haviam mudado de plano.
Aquele desencarnado com ódio também recebeu esclarecimentos, rebelde, ficou em dúvida se aceitava o socorro, pois queria mesmo era vingar-se.

Um desencarnado valentão teve de ser dominado, pois queria brigar, bater nos trabalhadores.

— É a sua vez Daniel!
Aproximei-me da médium e cumprimentei:
—"Boa noite!"
— Boa noite! - repetiu a médium.
— "Sou Daniel e vim falar com o doutor Fernando".
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 27, 2015 8:58 pm

O doutor Fernando levantou a cabeça e, como já estava orientado, conversou connosco, comigo e com a médium:
— Daniel, que bom que você veio! - exclamou o doutor Fernando.
Antes de conversarmos, quero que você me responda o que tem na minha sala que você gostava de olhar.

— "Um mapa" - respondi.
— Uma carta - disse a médium.
— “Mapa!" - insisti.
— Um mapa - falou a médium.

— Que presente você me deu de que gostei muito? - perguntou de novo o doutor Fernando.
"Presente?" - pensei.
"Que será que ele quer saber?"
Não me lembrava.

Olhei para Júlio, que estava perto de mim.

— "Algo da horta!
Mas o que será?" - perguntei.
— Coisas da horta - repetiu a médium.
Mas o que será?

De repente lembrei-me e exclamei, e a médium repetiu:
— Abóbora!
— É você mesmo, Daniel! - confirmou o doutor Fernando.
Diga-me uma coisa: você era o assassino?

— "Não, doutor Fernando" - respondi, e a encarnada que intermediava nossa conversa repetiu direitinho.
— "Não fui eu!
Não sofria de distúrbio dissociativo e como sonâmbulo somente me levantava e andava.
Não matei ninguém!"

— Quem foi então? - curioso, o doutor Fernando quis saber.
— "Não sei!" - respondi.
— Desculpe-me, Daniel, eu era a única pessoa que poderia tê-lo ajudado e não o fiz.

— "Desculpado!
Não se culpe por isso.
Era tudo muito complicado.
Doutor Fernando, quando Tónico se curar, diga-lhe para não sentir remorso, ele não teve culpa, eu lhe perdoo.

Também quero lhe pedir, doutor Fernando, para continuar a terapia do carinho com os internos.
Eles merecem!
É só ter cautela com os recém-chegados".

— Você era inocente e eu não o ajudei!
— "Não podia ter certeza, nem eu tinha!
Tenho de ir. Boa noite, doutor Fernando.
Obrigado!"
— Boa noite! - respondeu o doutor Fernando.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 27, 2015 8:58 pm

Senti-o agoniado e quis ajudá-lo.
Vi então saírem de mim fluidos claros e brilhantes, que foram até ele, que os recebeu.
Para não atrapalhar, fiquei quieto e voltamos Júlio e eu, para o nosso lugar.

A reunião acabou com uma linda oração.
Vi o doutor Fernando sair rápido, ele estava melhor.

Indaguei ao Júlio o que havia acontecido, e ele explicou-me:
— Você, querendo ajudá-lo, enviou-lhe vibrações de carinho.
O doutor Fernando poderia não tê-las aceitado, aí elas retornariam a você, mas ele as recebeu e sentiu-se bem.

— Por que ele me fez aquelas perguntas?
Não me lembrava da abóbora.
— O doutor Fernando quis certificar-se de que era você o espírito com quem ia falar.
Ele se lembrava da abóbora e você tinha esquecido.
Isso acontece muito.
Duas pessoas presenciam o mesmo facto; uma delas o grava, a outra não.

— Quase que não respondi porque não sabia! Esqueci!
Ainda bem que deu certo, e espero que o doutor Fernando e a doutora Maria Luísa continuem com o trabalho no sanatório.

— Eles vão continuar - falou Júlio.
O doutor Fernando irá atendê-lo!
É isso que esses dois médicos querem e sabem que têm de fazer.

— Ele ficou aborrecido por não ter me ajudado - eu disse.
— Como você o desculpou, ele compreendeu.

Voltamos no aeróbus e fui para o meu alojamento.

"Que mundo fantástico!" - pensei.
"Como Deus é misericordioso!"
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 27, 2015 8:59 pm

Capítulo 11 - Lembranças

Eu estava gostando demais dos estudos, principalmente das aulas práticas, em que aprendíamos a trabalhar e a sermos úteis.

Conversávamos muito, comentávamos factos que aconteceram connosco.
E escutando histórias dos amigos, tirávamos lições preciosas, e sempre uma delas se encaixava no assunto estudado.
Havia também muito interesse em saber como tinha sido a vida dos colegas, principalmente como tinham desencarnado.

— Somos muito solitários! - exclamou Rodrigo.
Somos sim! Por mais que procuremos a companhia do próximo e o amemos como irmãos, somos solitários.
Querem um exemplo?

Indagou Rodrigo diante das nossas indignações.

Reencarnei, recebi a ajuda de muitos para voltar ao plano físico.
Reconheço que sem esse auxílio não reencarnaria.
Amei muito minha mãe, ela ficou doente e não pude sofrer no lugar dela nem um instante.

Compreendi que não sofremos no lugar do outro.
Minha mãezinha desencarnou, tive outros afectos, mas, mesmo assim, não consegui sofrer por eles.
E quando foi minha vez, fiquei doente e desencanei sozinho, isto é, fiz a minha mudança de plano de maneira solitária!

O professor Áureo interferiu e explicou:
— Rodrigo, somos solitários, mas devemos ser solidários.
Você tem razão, para reencarnarmos, necessitamos do auxílio de muitas pessoas, do trabalho do nosso próximo.
Não sofremos no lugar de outro, por mais que o amemos, mas podemos permanecer ao lado dele, ajudando-o com nosso carinho e presença.

Isso é ser solidário.
Somos solitários porque cabe a cada um de nós caminhar, dar passos rumo ao progresso.
Podemos ter ajuda nessa caminhada, incentivos, até mesmo alguns empurrões, mas cabe a nós dar os passos.

Ninguém caminha em nosso lugar.
E nessa caminhada recebemos ou damos ajuda, que é a solidariedade.

— Seria impossível fazermos tudo junto de afectos.
Já pensou se na sua desencarnação, sua esposa desencarnasse e os seus filhos os seguissem e viessem também para a espiritualidade?
Seriam desencarnações em série e, no final, não ficaria ninguém encarnado - opinou Nair.

— Tudo o que Deus fez e faz é perfeito! - exclamou Maria Lúcia.
— Você tem razão - falou Nair.
Eu tinha três filhos e uma esposa muito amada.
Num acidente, os quatro desencarnaram e só eu fiquei, pensei que ia enlouquecer de dor.

Ainda bem que não pensei em me suicidar, pois tinha a convicção de que, se me matasse, não ficaria junto deles.
Ainda bem que pensei assim, de maneira correcta.
Reagi com a ajuda dos meus irmãos.

Trabalhei muito e tornei-me mais religioso.
Anos depois, arrumei outra companheira, que era viúva e tinha dois filhos pequenos, para os quais fui um pai.
Muito tempo depois desencarnei tranquilo, e os quatro me receberam na espiritualidade com muito amor.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 27, 2015 8:59 pm

Assim que terminar este curso vou morar com eles.
Minha esposa não se aborreceu por eu ter tido outra companheira, pelo contrário, é grata a ela por ter me ajudado.
Devemos compreender que a separação de pessoas que se amam é temporária e que sempre há o reencontro.

Não me sinto solitário e nem me senti, fui ajudado e ajudei.
A solidariedade faz com que não estamos sozinhos.

— Já escutei muitas vezes um ditado que acho certo:
"Quem está com Deus não está só!" - expressou Leonardo.
Eu vivi sessenta anos encarnado, não tive família, mas tive amigos e senti sempre Deus dentro de mim, por isso nunca me senti sozinho!

Mas compreendo que somos nós que temos de caminhar, sentir as dores físicas e morais.
Reencarnamos sozinhos e desencarnamos também.
Porém, como somos necessitados de ajuda para viver, precisamos ajudar também.

— Luzia, acho que você sabe bem o que é solidariedade, fale-nos um pouco de sua vida - pediu Rodrigo.

Olhamos para Luzia, que normalmente falava pouco.

Ela sorriu e começou:
— Quando encarnada, fui religiosa, uma freira, irmã de caridade.
Tomei conta de um orfanato por cinquenta e dois anos.
Amei aquelas crianças como filhos do coração.

Ajudei-as como pude.
Tive uma desencarnação tranquila e quero, assim que terminar o curso, ir para o Educandário onde continuarei meu trabalho, cuidando de crianças que voltaram para o plano espiritual.

— Você, sendo uma religiosa e pela sua religião, acreditava que morrer seria diferente.
Não estranhou? - perguntou Nair.
— Não estranhei nada - respondeu Luzia.
Quando encarnada cheguei a pedir a Deus que não me desse um paraíso ocioso, e Ele me atendeu!

O professor interferiu para nos esclarecer:
— Jesus nos informou que um dia serão as ovelhas separadas dos cabritos.
E quando isso ocorrer, somente será indagado, a cada um de nós, se fizemos o bem ou não.

Quem retorna à espiritualidade com boas acções, volta com tesouro que a traça não rói e nenhum ladrão rouba.
E, completando o assunto, Luzia foi solidária, fez o bem sem olhar a quem, sem esperar recompensa, e voltou ao plano espiritual como bem-aventurada.
As religiões nos indicam o caminho.

— Professor Áureo, você também se sentiu só? - curiosa Nair quis saber.
— Se pensar que nos principais momentos de minha vida tomei decisões e agi sozinho, senti solidão, mas ao ver, sentir e amar os companheiros de jornada, mesmo que estes estejam sempre se renovando, a solidariedade é mais forte.
Já reencarnei muitas vezes, tive por afectos muitos irmãos, isso para aprender a amar a todos.

Agora, trabalhando na escola, renovam-se meus alunos de tempos em tempos, e eu os amo.
Estou no plano espiritual há cento e vinte anos.
Não tenho familiares da minha última encarnação aqui, todos estão encarnados, têm outros nomes e famílias.

Aprendo com meus alunos a ter a humanidade toda por minha família.
Embora tendo muitos companheiros ao meu lado, sou eu quem tenho de caminhar.
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O Sonâmbulo - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho - Página 4 Empty Re: O Sonâmbulo - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 27, 2015 9:00 pm

— Conclusão: - manifestou-se Mário — se, às vezes, temos de agir sozinhos, não nos esqueçamos da solidariedade que nos une.

Eu escutava quieto.
Meus colegas olharam na minha direcção e pediram que falasse de mim.
Contei-lhes como foi minha passagem no plano físico.

Comovi-os, foram muitos os comentários:
— Que existência triste!
— Você sofreu amigo! É corajoso!
— Foi nobre de sua parte ter perdoado Tónico!
— É um herói!

Continuamos com nossa aula, mas algo mudou dentro de mim.
No alojamento, fiquei pensando que deveria ser mesmo herói.
Sofri resignado, fiz até o bem para algumas pessoas - realmente passei por muitas dificuldades.

Tive pena de mim.
Achei que era de facto merecedor de estar ali.
Certamente, sofri mais que os professores.

E esses pensamentos fizeram-me mal, sentia-me cansado, aborrecido, mal-humorado e não prestava muita, atenção nas aulas.
Três dias se passaram e, num intervalo das aulas, Júlio veio conversar comigo.

— Daniel, depois de amanhã você terá a tarde livre.
Assim, convido-o para que venha comigo ao Departamento das Reencarnações para que se recorde um pouquinho de sua existência interior a esta.

Acho que vai querer saber o porquê de você ter tido essa reacção, e que acção praticou para ter essa última existência sofrida.
Você sabe que as Leis Divinas são justas.
Com certeza, sabendo o que ocorreu com você, irá se sentir melhor.

Senti um calor no rosto, envergonhei-me e aceitei.
Continuei distraído.
Receei em ir, orei muito, então senti que era necessário, pois essa auto-piedade não estava me fazendo bem.

No horário marcado, fui à sala de Júlio, que já me esperava, e caminhamos até o prédio do Departamento das Reencarnações, Júlio foi falando, comentou sobre a colónia, mas eu não conseguia prestar atenção - estava ansioso.

Chegamos e fomos directo a uma sala onde nos aguardava Solange, uma senhora simpática, que me explicou:
— Daniel, vou induzi-lo a recordar.
Lembrará somente de factos importantes que o ajudarão a compreender o porquê de ter tido muitas dificuldades em sua última encarnação.

Sentei-me confortavelmente numa poltrona reclinável e prestei atenção nas orientações de Solange.
Senti-me no espaço, depois me vi em outro corpo, de um homem jovem, forte e arrogante.

Eu morava numa fazenda, onde meu pai era um fazendeiro rico, e tinha muitos irmãos.
Gostava de trabalhar, mas era obcecado pelas negras escravas, e as perseguia.
Vi as cenas, senti-as, estas passavam rápidas pela minha mente.

Meu pai arrumou uma esposa para mim, fiquei indiferente, mas acabei casando.
Com a desencarnação de meu pai, repartimos as terras e mudei-me com esposa, filhos e alguns escravos para outro local.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 27, 2015 9:00 pm

Não amei minha esposa, que era uma pessoa boa, dedicada aos filhos.
Tivemos oito, não a tratava bem e a traía com as escravas.
Não castigava os escravos, achava que deveriam ser bem alimentados, ter folgas e momentos de festa para que trabalhassem melhor.

Mas três escravos meus, descontentes com a escravidão, fugiram.
Mandei, então, que fossem perseguidos e mortos.
Quando ficava sabendo que engravidara uma escrava, fazia-a abortar com chás de ervas, mas mesmo assim tive filhos com algumas delas e não os reconheci.

Filhos de escravos eram cativos.
Comecei a desejar as meninas, as adolescentes, e as obrigava a ficar comigo.

Interessei-me por uma meninota que era recatada e a mãe dela me implorou:
— Sinhó, deixa minha menina em paz.
Ela é uma santinha, quer ficar virgem, não quer ter homens.

Forcei-a, ela resistiu, então bati nela.
A menina se defendeu, empurrei-a, ela caiu e bateu a cabeça.
Muito sangue saiu do corte, tive relações com ela assim mesmo, agonizando.

A menina faleceu.
Para mim, foi somente uma escrava que falecera.

A família chorou e a enterrou.
A mãe não me disse nada, mas seu olhar me incomodava, acusando-me.
Então eu a vendi, separei-a de seus seis filhos.

Forcei outras meninas escravas a ter relações sexuais comigo.
Desencarnei muito doente e sofri por anos no umbral.
Algumas pessoas que prejudiquei não me perdoaram e me perseguiram.

Cansado de sofrer, arrependi-me e quis mudar.
Fui socorrido, pedi para reencarnar e aprender pela dor a ser melhor.

As lembranças pararam.
Vi-me na sala com Júlio e Solange.
Chorei por alguns minutos.

— Que tolo fui!
Como pude achar-me merecedor, herói e Importante! - exclamei.
— Daniel - Solange esclareceu-me —, não é nossa intenção deixá-lo arrasado.
De facto, você, sendo Daniel, quitou com sofrimentos suas dívidas.

Sofreu resignado, seu espírito sabia que iria passar por isso, tinha feito sua escolha.
Mas também aprendeu muito, foi bom, fez o bem.
Agiu de tal forma que dessa vez foi merecedor, ao desencarnar, de ser socorrido, de estar aqui estudando para ser um servo útil.

O passado ficou para trás.
As reacções de suas acções erradas, você já as pagou.
E esse passado não deve perturbá-lo mais.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Abr 27, 2015 9:00 pm

— Daniel, você precisava compreender que não sofreu Injustamente - opinou Júlio.
— Vocês têm razão - falei.
Necessitava mesmo recordar e devo ser grato por não estar ainda no umbral, de ter tido oportunidade de reencarnar e de resgatar meus erros.
Fiz muito mal!
Será que essas pessoas me perdoaram?

— Sim, perdoaram - respondeu Solange.
Seus filhos não lhe guardaram rancor.
Sua esposa também não.
Alguns escravos o perseguiram no umbral, achando-se quites, seguiram seus caminhos.

A menina que morreu perdoou-lhe em seguida e foi socorrida.
A mãe, a negra que você vendeu e separou dos filhos, essa sofreu muito, sentiu muita raiva de você.
Mas ao desencarnar soube como você fez agora, o porquê de tudo ter ocorrido com ela.

— Acho que foi ela quem mais prejudiquei! - exclamei.
As pobres meninas!
Por que fiz isso? Fui um monstro!
Foi justo eu ter sido chamado assim nessa minha última encarnação e ter ficado preso no sanatório.

— Daniel, por favor, não passe da auto-piedade para a auto-condenação - pediu Júlio.
— Essa mãe escrava deixou-lhe uma mensagem - disse Solange.
Lembra-se daquele dia em que você foi à Sala Comunitária, orou e rogou perdão?
Todos os que você magoou ouviram suas súplicas.

Você se sentiu aliviado e perdoado porque o foi.
Vou passar na tela uma mensagem que ela deixou para você.
Nessa época, ela estava aqui connosco, preparava-se para reencarnar, tanto que dois meses depois voltou à matéria.

Solange apertou uns botões e na tela apareceu a mãe negra que vi nas minhas lembranças.

Estava feliz, risonha, e falou de modo simples e com voz agradável:
“Sinhó Daniel, recebi seu pedido de perdão e lhe respondo: perdoo!
Não se sinta devedor comigo. Reconciliemo-nos!

Desejo-lhe paz e que aproveite a oportunidade no presente para aprender e dar largos passos para o progresso.
Que Deus o abençoe!”

A tela se apagou e chorei alto, emocionado.

— Será que um dia poderei fazer o bem a alguma dessas pessoas que prejudiquei? - perguntei.
— Não importa a quem ajudamos, o bem deve ser feito a todos.
Somos irmãos, filhos do mesmo Criador.
Se eles lhe perdoaram, você não deve se julgar devedor - explicou Solange.

— Todos os que recordam suas existências passadas o fazem desse jeito? - perguntei curioso.
— Existem muitas formas de recordar - respondeu Solange.
Algumas pessoas têm lembranças sozinhas, recordam factos isolados, podendo estar encarnadas ou desencarnadas.
Outras são induzidas, e os motivos para isso são muitos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Abr 28, 2015 9:08 pm

Vingadores apreciam ver suas vítimas sofrerem com algumas lembranças, terapeutas para tentar resolver algumas dificuldades e fobias.
Aqui, neste departamento, tentamos ajudar os que pedem auxílio para recordar.
Muitos necessitam lembrar o passado para compreender o presente.

Há quem recorde muitas existências, outros somente factos.
Quando você estava encarnado, o doutor Emílio com o uso de medicação conseguiu com que você falasse de sua encarnação anterior.
Porém, não tendo conhecimento sobre reencarnação, ele julgou que suas recordações se referiam a esta vida e que nesta existência assassinou.

— Você está se sentindo bem? - indagou Júlio, e com a minha afirmativa, convidou-me:
— Vamos embora.

Agradeci a Solange e despedimo-nos.
Voltamos à escola, estava diferente, era o Daniel de antes.

— Lembre-se, Daniel - aconselhou Júlio —, você não deve ter pena de si mesmo nem se condenar.
Não tem por que sofrer mais de remorso.
Se você devia, pagou e quando pagamos, devemos sentir apenas gratidão.

E foi isso que fiz.
Senti gratidão pelas pessoas que me perdoaram, pelas oportunidades de quitar dívidas e por Deus pela sua infinita misericórdia.

Passei o resto da tarde de folga pensando em tudo o que recordei e concluí:
"Estou tendo a oportunidade de fazer o bem, de reparar o mal com a construção de boas obras.
Vou aproveitá-la e fazer o curso, quero aprender para fazer o bem sem olhar a quem.

E se alguma das pessoas que maltratei estiver sem que eu saiba entre aquelas que ajudarei, então eu é que estarei recebendo graças.

Tomara que elas não estejam entre os necessitados, que o sofrimento que lhes causei as tenha feito caminhar para o progresso.
Se elas caminharam, eu tenho de andar também, e de preferência depressa, já fiquei muito tempo parado".

E fui alegre, para a classe, pois outra aula se iniciaria.
O passado passou, mas o presente, com muitas oportunidades, estava ali, e cabia a eu fazer do momento actual uma época de boas recordações, pois estas logo pertenceriam ao passado.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Abr 28, 2015 9:11 pm

Capítulo 12 - Perdão

Logo que possível, contei para meus colegas de classe o que havia me recordado da encarnação anterior, e os comentários foram diferentes desta vez:
— Está vendo, Daniel, como você não foi santo?
Matou na outra existência, não pagou pelo crime e nesta última ficou preso.

— Teve a reacção das más acções!
— Ainda bem que tudo já passou e você agora deverá somente pensar em aprender.
— Você, Daniel, já lhe perdoou? - quis saber Nair.

— Claro, já não contei que quero que Tónico esteja bem?
Até pedi para o doutor Fernando falar com ele - respondi.
— Não, Daniel, não é do Tónico que falo - insistiu Nair.
É da pessoa que assassinou as moças e deixou que você ficasse preso no sanatório sabendo que era inocente.
Você já lhe perdoou?

— Perdoar?! Não sei!
Acho que sim! Não tinha pensado nisso.
Ele foi maldoso comigo!
Foi também com outras pessoas - lamentei.

— Com as moças assassinadas! - exclamou Maria Lúcia.
— É que ele não pediu perdão.
Nem sei se ele quer ser perdoado - falei.

— Isso é fácil de saber.
Pergunte ao Júlio, com certeza ele saberá informá-lo.
Daniel, você sabia que podemos perdoar sem que nos peçam perdão? - falou Martinha.

— Como assim? - perguntei.
— Eu fiz isso! - disse Martinha.
Era casada, tive três filhos, quer dizer, tenho, porque serei sempre mãe deles.
Meu marido e eu brigávamos muito.
Chegamos ao ponto de nos odiar e, numa briga, ele me assassinou.

Foi preso. Minha avó espírita, que me ajudou, pediu aos seus amigos encarnados e desencarnados que me auxiliassem.
Eles me orientaram em sessões de desobsessão, quando então compreendi que tinha mudado de plano.

Meus filhos, traumatizados, ficaram com meus pais, mudaram de cidade e, com o carinho dos meus progenitores, estão superando o ocorrido.
Entendi que poderia ter sido mais paciente e evitado tantas brigas, até mesmo teria sido melhor se tivesse me separado do meu marido.

Perdoei-lhe, assim não fiquei ligada a ele.
Pude ser socorrida, abrigada nesta colónia, onde estou aprendendo a viver como desencarnada, e estou bem.

Mas meu marido ainda me odeia, culpa-me por estar preso e infeliz.
Não se arrependeu por ter me assassinado, não acha que deve se desculpar nem quer me perdoar, porque me acha culpada.

— E você, como age diante dessa atitude dele? - perguntou Nair.
— Tenho orado por ele - respondeu Martinha.
Já lhe pedi perdão e lhe perdoei, resolvendo meu problema maior.

Espero que ele resolva o dele ainda encarnado, que me perdoe e que me peça perdão.
Se ele perdoar, estará fazendo um bem a si mesmo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Abr 28, 2015 9:11 pm

— Se você não lhe tivesse perdoado o que teria acontecido? - Perguntou Maria Lúcia.
— Os sentimentos de ódio e rancor fazem aqueles que os sentem se atraírem.
Certamente, se eu estivesse perto dele querendo me vingar, trocando energias maléficas, estaria sofrendo como sofrem todos os que sentem raiva, não estaria aqui desfrutando dessa paz e alegria.

Com ele, iria perturbar-me e perturbaria outras pessoas, talvez até mesmo meus filhos.
Ainda bem que aceitei as orientações do grupo espírita e perdoei.
Assim Daniel, podemos perdoar sem que nos peçam perdão.

Nossa professora, que ouvia nossos comentários, completou a lição com muita sabedoria:
— Devemos aprender a viver de tal forma que nunca necessitemos pedir perdão ou perdoar.
É isso mesmo que ouviram meus caros estudantes.

Se não fizermos nada de mal a ninguém, se não ofendermos, não necessitaremos pedir perdão.
Se compreendermos o próximo e não nos melindrarmos, também não seremos ofendidos e não necessitaremos perdoar.

No primeiro intervalo que tivemos, pedi para falar com Júlio, que me atendeu com gentileza, tentando como sempre orientar-me.

— Júlio - falei —, fui acusado de crimes que, graças a Deus, não cometi.
Fui maldoso no passado, pedi perdão e fui perdoado.
Sei bem que somos perdoados quando perdoamos.

Sendo assim, queria ir até quem cometeu esses crimes e me acusou.
Sei que ainda está encarnado.
Será que não é possível eu ir até ele para dizer que lhe perdoo?

Não quero ter vínculos com essa pessoa, quero mesmo é que se arrependa.
Mas ainda não senti da parte dele nenhum remorso, nem que me pediu perdão.

Todas as vezes que penso no senhor Olavo, sinto que ele nem se lembra de mim.
Será, Júlio, que você poderia me acompanhar nessa visita?

— Daniel, Olavo não é o assassino! - Júlio falou tranquilamente.
— Não?! Como?!
— Não sendo - continuou Júlio a falar.
Olavo não assassinou aquelas moças.
— Não foi ele? Quem foi então? - perguntei.

Estava pasmo, para não dizer assustado ou indignado.
Não tinha raiva do senhor Olavo.
Ele me era indiferente.

Mas tinha certeza de que fora ele, principalmente agora que sabia não ter sido eu.
Fiquei quieto por instantes, acho que de boca aberta.

Júlio continuou tranquilo e falou:
— Daniel, uma pessoa me pediu para lhe dizer que, quando você quisesse saber toda a história, ela viria para lhe contar.
Sábado à tarde você terá folga.
Vou marcar esse encontro, pedir para que ela venha aqui visitá-lo e aí, então, saberá de tudo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Abr 28, 2015 9:11 pm

Saí da sala dele curioso.
Quem seria o assassino?
Era conhecido? Não suspeitava de mais ninguém.

"Será José Luís? Tomara que não seja ele!"
"Mas" - pensei agoniado — "as três últimas moças foram mortas depois que o visitei".
Ao pensar nele, senti que ele queria se desculpar comigo.

"Ai, foi o José Luís!
Se ele quer se desculpar comigo, é porque se julga culpado".
Chorei. Não queria que ele fosse o assassino.

Acho que senti tanto como se tivesse sido eu.
Fiquei tão triste, que não conseguia prestar atenção nas aulas e pedi para ir ao meu quarto.
Júlio veio ver-me.

— O que aconteceu, Daniel?
Está perturbado com essa história de assassinatos?
Já não sofreu muito por isso?

— Se não foi o senhor Olavo - fiquei pensando — quem foi?
Ao pensar no meu amigo José Luís, senti que ele quer se desculpar comigo.
Acho que foi ele, e eu não queria que fosse. Gosto dele!

— Isso é nobre de sua parte, Daniel - disse Júlio.
Esse assassino prejudicou você.
Em vez de ficar com raiva de seu amigo, entristeceu-se por que não quer que seja ele.

Será, Daniel, que José Luís não está querendo se desculpar por não lhe ter escrito, dado apoio ou visitado?
Ele foi seu amigo e talvez ainda lhe tenha amizade.

— Será? - perguntei.
— Espere com paciência pelo sábado.
Faltam somente dois dias.
Saberá de tudo, então. Tranquilize-se!
A história já foi escrita e nada poderá mudá-la.

— É verdade! Por mais que nos arrependamos de algo, não podemos mudar os factos.
Agradeço-lhe, você tem razão, vou esperar com calma.
Com certeza, não devo saber somente o nome do assassino, mas todos os acontecimentos.

E prefiro que esse criminoso me seja desconhecido.
Acho que é mais fácil de perdoar quando não conhecemos a pessoa.

— Isso porque estamos sempre esperando coisas boas e, até exigimos fidelidade, gratidão e outras virtudes dos que conhecemos - falou Júlio.

Melhorei, voltei às aulas e aguardei à tarde de sábado, que finalmente chegou.
No horário marcado, fui para o jardim, local em que os estudantes recebiam visitas.
Sentei-me num dos bancos confortáveis, mas não esperei muito.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Abr 28, 2015 9:12 pm

Vi dona Cármen aproximar-se sorrindo.
Corri ao seu encontro, de braços abertos.
Abraçamo-nos e lágrimas escorreram pelos nossos rostos emocionados.

— Dona Cármen! Que alegria em revê-la!
Como está a senhora?
— Nic, meu filho, quantas saudades!
— Dona Cármen, sou inocente!
Não matei aquelas moças! - exclamei.

— Eu sei e quero me desculpar por não ter feito mais por você.
Diante das provas, fiquei em dúvida - falou dona Cármen pausadamente.
— A senhora não precisa se desculpar, sei que desencarnou logo após eu ter ido para o sanatório.
Fale-me da senhora, como foi sua desencarnação?
Foi socorrida logo?

— Sim, fui.
Estava muito triste, preocupada e empenhada em descobrir a verdade.
Não dormia bem havia dias.

Um dia, acordei de madrugada com dores fortes no peito, dormi novamente e acordei na colónia do plano espiritual da cidade onde fica o orfanato.

Você está em outra colónia, que se situa na espiritualidade da cidade onde se encontra o sanatório.
Os pais e principalmente as mães desencarnadas dos órfãos de que cuidei socorreram-me e muito me ajudaram.
Soube então que você era inocente, e daqui só pude orar para você continuar sendo bom e resignado.

— Obrigado! - agradeci emocionado.
Foram suas orações certamente que me sustentaram.
— Daniel, vim aqui para lhe contar tudo.
A história é um pouco longa.

— Por favor, dona Cármen, quero ouvi-la.
Preciso saber de tudo - pedi.

Acomodamo-nos num banco e dona Cármen começou a contar:
— Vim de outra região para esta, recém-casada, e fui morar na fazenda de Ciro, onde meu marido arrumou emprego.
Logo que chegamos, recebi a notícia de que minha mãe desencarnara, meu pai casou-se de novo e aos poucos fui perdendo o contacto com meus irmãos.

Meu marido queria filhos, eu também, mas como não engravidava, ele começou a maltratar-me, tinha amantes, batia-me e humilhava-me.

Conheci Ciro, ele já era casado, tinha filhos pequenos e todos na fazenda sabiam que ele e a esposa não se entendiam.
Ciro interessou-se por mim, mas eu era honesta, não traía meu esposo e nem teria um caso com um homem casado.

Deixei claro isso para ele, que compreendeu.
Ciro chamou a atenção do meu esposo, pediu para que me tratasse melhor.

Levei uma grande surra por isso.
Numa madrugada de sábado, quando meu marido vinha da cidade aonde tinha ido a um baile, foi assaltado e morto.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Abr 28, 2015 9:12 pm

Fiquei aliviada, mas tive medo de ficar sozinha longe da família.
Dias depois, Ciro com a esposa foram me visitar.

— Dona Cármen - disse Ciro —, sabe bem que é norma da fazenda ter por moradores somente os empregados.
Infelizmente, temos de lhe pedir para desocupar a casa.
Mas minha esposa e eu nos preocupamos com a senhora, que é jovem e agora viúva.

Temos uma oferta a lhe fazer.
Na cidade há um pequeno orfanato que Maria Amélia tem ajudado e que está necessitando de uma pessoa de nossa confiança para tomar conta.
Não quer ir? Aceita esse emprego?

— Quero! - respondi depressa.
Tudo acertado, no outro dia fui para o orfanato.
Era pequeno, tinha apenas quinze crianças.

Dona Maria Amélia quase não ia ao orfanato, mas Ciro sim.
Com o auxílio dele e de outras pessoas, construímos outro prédio e muitas crianças foram abrigadas.
Ciro me amou, eu gostei dele, mas nunca tivemos nada além de amizade.

Ele admirava-me por ser honesta e eu amava as crianças como os filhos que não tive.
Olavo era empregado da fazenda de Ciro, seu homem de confiança.
Era solteiro e, numa briga por causa de mulheres, um outro empregado o feriu com uma faca e ele ficou impotente.

Para evitar que Olavo fosse humilhado, Ciro o levou para trabalhar no orfanato.
Sempre soube que ele me vigiava.
Ciro queria ter certeza de que eu continuava honesta e que não tinha namorados.

Aproveitando que dona Cármen fez uma pausa, comentei:
— O senhor Olavo não era o assassino!
— Não, Nic, Olavo não matou ninguém.
Ele acreditava realmente ter sido você.
Ficou ainda muito tempo no orfanato, está idoso e actualmente mora em um asilo.

Vou continuar com a narrativa:
o assassino, pessoa doente, obcecada por mulheres honestas, achava que as que não procediam direito, no seu conceito, tinham de ser castigadas e mortas.

No primeiro crime, não teve a intenção de culpar ninguém.
Mas como o viram correr rumo ao orfanato, teve medo de ser descoberto e, como sabia das traquinagens dos garotos maiores, pois Olavo lhe contava, planeou culpar um dos meninos.
E você, com o seu sonambulismo, foi o escolhido.

Dona Cármen fez outra pausa e comentei:
— Então não foi José Luís!
— Não - respondeu dona Cármen.
José Luís não tem nada que ver com esses crimes.
Ele sofreu muito, foi perseguido por ser seu amigo.
Talvez ele agora, adulto, sinta por não tê-lo ajudado.

— Dona Cármen, é um alívio saber que não foi José Luís.
Mas por favor, fale logo quem foi - pedi.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Abr 28, 2015 9:12 pm

Dona Cármen suspirou e voltou a contar:
— Com você preso e depois no sanatório, ele se aquietou temendo ser descoberto.
Quando você saiu e foi trabalhar na fazenda, ele já tinha planeado cometer outros cinco crimes, de tal forma que você fosse julgado culpado.

Ele escolhia as moças e planeava tudo.
Matou três das cinco que planeou porque você voltou para o sanatório.

Dona Cármen fez novo intervalo.
Tive vontade de lhe pedir novamente para que falasse logo quem era o assassino, mas não o fiz, não tive coragem, olhei para ela, interrogando-a com os olhos.

— O assassino é Ciro - disse ela com voz baixa, que escutei por estar atento.

Silêncio.
Peguei na mão dela e a beijei.

Dona Cármen continuou a falar:
— Quando Ciro chamou a atenção do meu marido e soube que ele me bateu, contratou um assassino de aluguer para matá-lo.
Respeitava-me por ser fiel.
Tinha raiva das prostitutas, Ciro era de família rica, a mãe traía o marido e ele via, sabia.
Talvez por isso que odiava mulheres que tinham amantes.

— Mas dona Cármen, ele foi bom para mim, e foi me buscar no sanatório - falei.
— Nic, Ciro não assassinou somente essas moças.
Ele viajava muito, ia a outras fazendas distantes e lá, nesses lugares, matou outras mulheres.

Um homem deficiente mental ainda está preso, acusado injustamente.
Maria Amélia, a esposa de Ciro desconfiava dele.
Quando você foi embora, ele não sabia e matou a outra moça.

No dia seguinte, ele foi ao seu quarto e achou o seu bilhete, pegou-o e escondeu-o.
Maria Amélia achou o bilhete e leu-o.
Resolveu, então, pôr um fim nos crimes do marido.

Temia o escândalo, se soubessem a verdade, os mais prejudicados seriam os seus filhos.
Deu ao Ciro, no chá, um veneno muito forte, matando-o.

Infelizmente, Maria Amélia, mesmo sabendo que você e aquele outro moço deficiente eram inocentes e estavam presos, não fez nada para inocentá-los nem os ajudou.

Teve medo de que descobrissem que ela era também assassina, pois matara Ciro.
Ele sofreu muito ao desencarnar, foi enterrado junto do seu corpo físico e a ele ficou preso até que este se decompôs.
Foi desligado por aqueles que não lhe haviam perdoado e levado ao umbral, onde padeceu por muitos anos.

Mas Ciro também fez o bem.
Não se perde o bem que se faz.
Ele deu muitas esmolas, foi bom patrão, defensor de mulheres que julgava honestas, foram muitas as viúvas que auxiliou, e sustentou o orfanato.

Recebeu muitas orações de agradecimento com sinceridade, que iam até ele com fluidos positivos, incentivando-o a se arrepender e a pedir socorro.
Ciro foi socorrido, está abrigado na colónia em que moro, numa enfermaria do hospital.
Nic, você ainda quer perdoar a quem assassinou aquelas moças e colocou a culpa em você?
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O Sonâmbulo - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho - Página 4 Empty Re: O Sonâmbulo - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Abr 28, 2015 9:12 pm

— Quero! - respondi.
— Vamos marcar um horário que você tenha livre.
Virei buscá-lo para visitá-lo e aí você poderá dizer-lhe pessoalmente que lhe perdoa.
Fará um bem muito grande a ele.

Fiquei quieto pensando.
Dona Cármen respeitou meu silêncio e aguardou tranquila.

Pensei:
"Dizemos muito que perdoamos, mas não é fácil quando somos chamados a fazê-lo depois de termos sido prejudicados.
Se eu não tivesse sido acusado, certamente teria aprendido um ofício, saído do orfanato, casado, teria tido um lar e filhos, uma existência comum de alegrias e dificuldades.

O senhor Ciro me privou disso tudo, vivi preso no sanatório entre doentes e, pior, sem saber se era ou não o assassino.
Eu achava que lhe devia favores!
Mas, sabendo o que fiz no passado, entendo que não sou inocente".

Afinal, comentei com dona Cármen:
— É muito difícil ter alguém somente bom reencarnado na Terra não é?
Como também não existem somente pessoas maldosas!

— Você tem razão, Nic - respondeu dona Cármen.
Parece que muitos de nós estão no crepúsculo, onde há a claridade da bondade e algumas trevas da ignorância.
— Ele me ajudou e ao mesmo tempo me prejudicou - lamentei.

Antes de nos despedir, fomos até o Júlio e pedi-lhe para visitar o senhor Ciro.
Com a permissão dele, marcamos dia e hora.

Dona Cármen buscou-me e, de aeróbus, fomos à colónia vizinha onde ela morava visitar o senhor Ciro, que ainda estava internado no hospital.
Todos os hospitais no plano espiritual são imensos, devido à imprudência, que ainda é grande nos habitantes da Terra.

— Ciro está numa enfermaria que abriga necessitados graves, mas que têm consciência de seu estado - esclareceu-me dona Cármen.

Chegamos à enfermaria masculina depois de atravessar inúmeros corredores.
Quase todos os leitos estavam ocupados.
Paramos. Reconheci o senhor Ciro depois de observá-lo bem.
Estava magro, pálido e com uma expressão enferma.

— Boa tarde, Ciro! - cumprimentou dona Cármen.
Trouxe-lhe uma visita. É o Nic, o Daniel!
Lembra-se dele?
— Meu Deus! - exclamou o senhor Ciro, baixinho, colocando as mãos no rosto.

— Boa tarde, senhor Ciro!
Como está passando? - perguntei.

Silêncio. Senti que ele estava envergonhado.
Olhei para dona Cármen, que sorriu.

Falei:
— Vim visitá-lo para dizer-lhe que não guardo rancor.
— Você compreende? - perguntou ele.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Abr 28, 2015 9:12 pm

O senhor Ciro tirou as mãos do rosto, virou-se para mim devagar e olhou-me.

— Não sei se compreendo, mas perdoo-lhe! - respondi.
— Você tem razão, Daniel, é difícil compreender.
Você está sendo muito caridoso em perdoar-me. Agradeço-lhe!

Não tenho justificativa, tinha vontade de matar, planeava e, pior, deixava a culpa cair em outras pessoas.
Sabia o que fazia.
Espero que todos me perdoem.

— Senhor Ciro, esforce-se para se perdoar também, melhorar e ser útil - pedi.
— Estou fazendo um tratamento - disse ele.
Quero melhorar. Estou arrependido, e o remorso dói muito.

Conversamos por mais alguns minutos.
Estava na hora de irmos embora.

— Até logo, senhor Ciro!
— Daniel, venha ver-me mais vezes.
Roguei tantas vezes em pensamento que me perdoasse e não me quisesse mal, mas entenderia se me odiasse.
Você me perdoou porque é bom.

— Acho senhor Ciro, que perdoar é até um acto de inteligência - respondi.
Se não lhe tivesse perdoado, estaria querendo vingança e não estaria abrigado em um local lindo, onde o bem impera.

Despedimo-nos e dona Cármen trouxe-me de volta.

— Nic, fico contente com sua atitude.
Sua visita e seu perdão foram muito importantes para Ciro.
— As outras pessoas, as moças assassinadas e suas famílias, já lhe perdoaram? - indaguei.
— Quase todos, alguns já se sentiram vingados, outros ainda querem vingança.

Senti-me bem.
Se a visita fez bem ao senhor Ciro, havia feito mais a mim.

Foi perdoando que me senti de facto perdoado.
Estava pronto para fazer minha oferta ao altar da vida – oferta de amor a mim mesmo e a todos os irmãos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Abr 28, 2015 9:12 pm

Capítulo 13 - Decisão

— Com todos os meus problemas resolvidos - continuou Daniel —, concentrei-me nos estudos.
Conhecer o plano espiritual foi agradável e encantei-me com todos os itens estudados.

Mas um assunto fascinou-me.
Fomos visitar um centro espírita e...
Desculpe-me, António Carlos, eu já ia me desviando do assunto.

— Por favor, Daniel, conte-me o que aconteceu, do que você gostou tanto? - perguntei.
— Sendo assim, vou contar-lhe.
Fomos em excursão a uma casa espírita onde ficamos uma semana participando de seus trabalhos:
doutrinário, passes, desobsessões, assistência espiritual e reuniões de estudos.

Foi nessa reunião, a de estudo, onde todos participavam dando opiniões e fazendo perguntas que escutei uma bela lição sobre gratidão.
Estávamos nós, os estudantes desencarnados, apenas assistindo à aula dos encarnados.

Um senhor, estudante do plano físico, indagou a uma senhora que coordenava o grupo:
— Por favor, responda-me: a senhora recebe agradecimentos?
Como devo agir quando me agradecem por um benefício, principalmente os que fazemos aqui no centro?

— Devemos ser gratos e ensinar os outros a serem gratos também - respondeu à senhora.
Quem é grato está aprendendo, ou já sabe, a amar de forma verdadeira.
Devemos lembrar-nos dos benefícios que recebemos e esquecer os que proporcionamos.

Não devemos cobrar agradecimentos a não ser de nós mesmos.
Sim eu recebo agradecimentos, pois para mim são bênçãos que me têm fortalecido.
Quando recebemos agradecimentos sinceros que vêm com as palavras, fluidos salutares chegam até nós também, e, se receptivos, fazem-nos muito bem.

Que troca de energias maravilhosas ocorre quando, ao receber um agradecimento, retribuímos com um 'de nada'.
Fluidos de gratidão são muito benéficos, só perdendo para os de amor.

Estou aprendendo a fazer o bem pelo amor ao bem.
Recebo muitos benefícios dos amigos desencarnados e encarnados.
Tenho estado atenta para agradecer a todos e, quando o faço, concentro-me rapidamente, criando fluidos de carinho para que, junto com o agradecimento, seja devolvida a energia de gratidão.

E, quando recebo agradecimentos, com simplicidade respondo "de nada" “obrigados", de "Deus a abençoe" aos "Deus lhe pague", do boas energias aos gratos.
Aqui no centro temos feito o bem, graças a Deus, porque se não fosse assim, algo estaria errado, pois aqui estamos nos reunindo para aprendermos a ser servos bons e úteis.

E se estamos fazendo algo que beneficiou outras pessoas e se elas nos agradecem que recebamos e respondendo-lhes em resposta o nosso amor.

Aproveito para agradecer-lhes.
Aqui tenho bons amigos, e a amizade é um bem precioso.
Tanto carinho e compreensão tenho recebido de vocês!

Muito obrigado a você e a todos que estão reunidos aqui.
Todos se agradeceram e responderam aos agradecimentos, e eu nunca tinha visto fluídos tão maravilhosos.

De facto, a gratidão produz bênçãos de valor inigualável.
E logo que me foi possível, procurei todas as pessoas a quem devia meu muito obrigado:
no plano espiritual, à dona Cármen, aos que cuidaram de mim quando cheguei à colónia, aos mestres, aos colegas de estudo.
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