LUZ ESPÍRITA
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Véu do Passado - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 04, 2015 10:32 pm

Véu do Passado
Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Espírito António Carlos

SUMÁRIO

I – A Ceguinha
II – O Menino que Adivinhava
III – O Passado de Rose
IV – As Dificuldades de Kim
V – No Convento
VI – Frei Luís
VII – O Regresso
VIII – Desencarnação
IX – A Procura de um Amigo
X – O Socorro
XI – O Filho de Onofre
XII – Levantando o Véu do Passado
XIII – O Casamento

A lembrança de nossas individualidades anteriores teria gravíssimos inconvenientes.
Poderia, em certos casos, humilhar-nos extraordinariamente; em outros, exaltar o nosso orgulho, e, por isto mesmo, entravar o nosso livre-arbítrio.

Deus nos deu, para nos melhorarmos, justamente o que nos é necessário e nos basta:
a voz da consciência e nossas tendências instintivas, tirando-nos o que nos poderia prejudicar.

Acrescentemos ainda que, se tivéssemos a lembrança de nossos actos pessoais anteriores, teríamos igualmente a dos actos alheios, e esse conhecimento poderia ter os mais deploráveis efeitos sobre as relações sociais.

Não havendo sempre motivos para nos glorificarmos do nosso passado, é quase sempre uma necessidade que um véu, seja lançado sobre ele. (1)

(1) Livro II Capítulo VII parte da questão 391, em O Livro Dos Espíritos, de Allan Kardec.
869 - Com que objectivo o futuro está oculto ao homem?
- Se o homem conhecesse o futuro, negligenciaria o presente e não agiria com a mesma liberdade de agora, porque seria dominado pelo pensamento de que, se uma coisa deve acontecer, não adianta ocupar-se dela, ou então procuraria impedi-la.

Deus não quis que fosse assim, a fim de que cada um pudesse concorrer para a realização das coisas, mesmo daquelas a que desejaria opor-se.
Assim é que tu mesmo, sem o saber, preparas os acontecimentos que sobrevirão no curso da tua vida.

(2) Livro III -Capítulo X, em O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 04, 2015 10:33 pm

I - A CEGUINHA

Pula, Ceguinha! - exclamou Ivone, uma coleguinha.
Por favor, Ivone - disse Rose, a mãe da garota.
Ela chama-se...

- Desculpe-me!
Já sei, chama-se Regina, que é um nome lindo, de fadas, de rainhas - respondeu Ivone.

- Regina significa rainha - corrigiu a menina.
Gosto do meu nome.
Um, dois e... um, dois e... - contava mentalmente e pulava.

As meninas pulavam corda.
Brincadeira de crianças, que consiste em duas baterem a corda e a outra, ou as outras, pularem.
Regina tanto batia com presteza, como pulava igual as outras.

Não seria nenhuma proeza, se Regina não fosse cega.
A menina era cega de nascença, seus olhos negros eram parados, sem vida e menores do que os normais.
Era bonita, cabelos negros, lábios finos, nariz arrebitado e com duas covinhas no rosto, que se acentuavam quando ria.

E a garota estava sempre sorrindo.
Parecia muito com o pai, Afonso.
Por mais que a mãe pedisse para chamá-la pelo nome, muitos insistiam e a chamavam pelo apelido: "Ceguinha".

A brincadeira continuou.
Ivone puxou Regina pela mão e a colocou no lugar que teria de ficar; pôs a corda em suas mãos e esta bateu com presteza.
Regina morava nos arredores de uma cidade pequena, em uma pequena chácara onde os pais, além de criar aves, cultivavam frutas e verduras.

Tinha uma irmã menor, de quatro anos, Isabela, que era linda.
Puxara à mãe, loura, cabelos cacheados e com os olhos castanhos claros.

Regina estava com doze anos.
Gostavam muito uma da outra.
E Isabela, embora mais nova, ajudava muito a irmã que, ainda que cega, era dotada de um temperamento forte e tentava fazer tudo o que os outros faziam, esforçava-se para ser auto-suficiente e independente.

Com eles morava Vovô Xandinho, pai de Rose.
Sr. Alexandre, que todos carinhosamente chamavam de Xandinho, era uma pessoa muito boa, trabalhava ajudando o genro, era compreensivo e estava sempre auxiliando todos.

Amava os netos.
Tinha duas filhas:
Rose e Mariana.
Mariana morava perto, na encosta da montanha, num pequeno sítio onde o genro criava um pequeno rebanho de gados.

E ela lhe dera três netos:
Martinho, Onofre e Joaquim, o seu preferido Kim.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 04, 2015 10:33 pm

De sua casa, Xandinho podia ver as montanhas, não eram altas e em alguns lugares havia muitas pedras.
Estava após o almoço sentado a descansar, olhava as meninas brincarem.
Sentiu muita pena da neta cega.

- Hora de ir para a escola! - gritou uma das mães e a brincadeira acabou.
- Vovô! O senhor está aqui? - gritou Regina.
- Sim, aqui, menina!

Regina caminhou guiada pelo som da voz do avô.
A família tinha cuidado para não deixar nada estranho, nenhum objecto lançado pelo caminho, pela casa ou arredores, e a menina caminhava normalmente.

- Vovôzinho...
Sentou-se perto do avô e colocou a cabeça no seu colo.

Após uns minutos de silêncio, Regina indagou:
- Kim virá hoje? Sinto falta dele.
- Deverá vir...
- Como é ele, vovô?

- É loiro como minha filha Mariana, mas os cabelos têm reflexos avermelhados.
Tem algumas sardas douradas pelo rosto - o que lhe dá um ar travesso e inteligente, e os olhos são verdes.

É um garoto bonito!
Por que pergunta?
Sabe lá, ó menina, como são as coisas, as pessoas?

- Não sei explicar como e por quê, mas sei - respondeu Regina.
Embora nunca tenha visto Kim, consigo imaginá-lo.
Como também imagino Isabela e eu. Me vejo.
Só que às vezes, vovô, me vejo como moça, com roupas compridas, rectas e claras.
Também sou morena, cabelos cortados rectos e muito negros...

- Lá vem você de novo...
Entendo, minha netinha, eu a entendo... - disse Xandinho com carinho.

Sr. Xandinho foi trabalhar e Regina com Isabela ficaram na frente da casa brincando.
Afastaram alguns metros e Isabela ia descrevendo o caminho.

- Estamos a alguns metros da estrada, à nossa esquerda está a cerca da horta, estamos à frente dos canteiros de alface.
Cuidado, Regina, aqui tem buraco...

Mas avisou tarde.
Num tropeção, Regina caiu, não machucou, mas irou-se.
Bateu com as mãos fechadas no chão várias vezes.

- Desculpe-me - pediu Isabela, lamentando-se.
Não a guiei direito.
- Você não tem culpa! Sou uma burra!
- Você não é burra, é ceguinha! - falou a irmã tristemente.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 04, 2015 10:33 pm

- Não se lamente, Isabela.
Eu é que além de ser cega sou distraída.
Por que tenho que ser cega? Por quê?!

Continuou deitada no chão de bruços e bateu novamente no solo.
Isabela pacientemente esperou a irmã se acalmar.

Aí, novamente vieram algumas lembranças.
Regina se viu adulta, má, colocando algo tóxico, um pozinho, num pote de pomada que um homem usava para passar nos olhos.
Ele passou, sentiu queimar seus olhos e ficou cego, tendo muitas dores.

Levantou-se assustada, colocou a mão no ombro da irmã e disse:
- Leve-me para casa, Isabela!
Nos arredores do seu lar, deixou Isabela e gritou pelo avô, que veio rápido.

- Que houve, Regina?
- Caí...
- Machucou-se? - indagou o avô, preocupado.

- Não! Só que vi de novo, vovô.
Eu era a mulher bonita e má.
Foi só ficar nervosa e indagar o porquê de ser cega, vi tudo de novo.

- Conte-me tudo, Regina.
A menina acomodou-se perto do avô. Suspirou triste.

Depois mais calma, falou:
- Não sei explicar o que acontece comigo.
Recordo, mas nas minhas recordações vejo.
Tenho a certeza de que sou a mulher, a moça.

Sou pobre, mas muito bonita, quero casar com um jovem rico só pelo dinheiro.
Faço de tudo para conquistá-lo, mas o pai dele desconfia das minhas intenções e começa a atrapalhar meus planos.
Sabia que este senhor, o pai do meu pretendente, tinha uma doença nos olhos e que passava uma pomada neles todas as noites.

Planeei uma vingança.
Paguei caro por um pó a uma mulher que fazia remédios, venenos, com ervas.
Fui à casa do pai dele, num horário em que sabia que ele não estaria; conversei amavelmente com meu namorado e pedi para ir ao quarto de banhos.

Mas me dirigi rápida ao quarto do meu futuro sogro e coloquei o pó no seu remédio.
Voltei à sala como se nada tivesse acontecido.
Nestas lembranças, as coisas, os objectos, são muito diferentes do que são agora.

Este meu vestido vai até o joelho, lá, vejo-me usando uma roupa que ia até os pés, recta, e fazia muito calor.
Tal como planejei, à noite este homem passou o remédio nos olhos e teve uma queimadura terrível, sentiu muitas dores e ficou cego.

Desconfiaram de mim, mas nada provaram.
O filho deste homem acabou não me querendo, eu continuei má e fiz muitas coisas erradas.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 04, 2015 10:33 pm

Vovô, quando tenho essas lembranças, me vejo perfeitamente, meu nariz, boca, meus olhos, tudo, só não vejo o rosto do homem que ceguei.
Não vejo seu rosto!

- Não sei lhe explicar o que acontece com você, Regina - disse o avô.
É melhor não falar isto a ninguém, não entenderão.
Talvez um dia venhamos compreender tudo isto e ficará mais fácil.

- Vovô, por que tenho medo do papai?
Tenho receio de que ele me castigue, porém nunca o fez.
Ele é tão bonzinho!
- Não sei... - respondeu o avô, coçando a cabeça, pensativo.

Um tanto desolada, Regina caminhou de volta a casa, em vez de entrar, sentou-se num banco encostado na parede, debaixo da janela da cozinha.
Ali ficou quieta a cismar.
Ouvindo seus pais na cozinha conversando, prestou atenção na conversa.

- Rose - disse o pai -, preocupo-me muito com Regina.
Gostaria de ajudá-la, só que não sei como.
Se pelo menos o médico tivesse dado alguma esperança...

- Você já faz demais, Afonso - respondeu a mãe.
Foi com muito sacrifício que ajuntou o dinheiro para levá-la à capital do nosso estado e pagar a consulta daquele médico importante.
Só eu sei o tanto que trabalhou, aqui na nossa chácara e no emprego provisório, com o nosso vizinho.

- E por ela faria e farei mais!
Se pudesse, trocaria meus olhos pelos dela.
Trocaria feliz, ficaria de boa vontade cego no lugar dela.

- Você é um excelente pai, Afonso - disse a mãe.
Regina o ama!
- Não sei - respondeu o pai -, às vezes ela me parece tão arredia...

Mudaram de assunto.
Regina escutou quietinha e as lágrimas escorreram pelo rosto.
Meses atrás tinha ido com seu pai a uma cidade grande.
Ficou contente com o passeio, com a viagem.

Embora estivessem todos esperançosos, ela não se entusiasmou, tinha a certeza de que continuaria cega.
O médico foi muito atencioso e respondeu tentando ser o mais agradável possível, quando ela indagou se voltaria a enxergar.
"Não, Regina, seus olhos não têm vida, não há qualquer possibilidade de você voltar a enxergar."

Não se importou.
Sabia, sentia que não teria chances.
Mas seu pai chorou, o médico a deixou com a enfermeira e foi conversar com ele.

Gostou do hotel, só que em lugares estranhos não caminhava sem auxílio e teve que aceitar a ajuda do pai.
Estava conformada, sempre esteve, e queria viver da melhor forma que lhe fosse possível.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 04, 2015 10:34 pm

Mas sentia a sinceridade do pai, quando dizia que ficaria, se possível, cego em seu lugar.
Emocionou-se.
Novamente as lembranças vieram...

Estava em frente de um homem, pai do seu pretendente, e este lhe falava:
"Se você não o ama, largue-o..."
"Amo-o e ele me ama" - respondeu cínica.
"Não acredito, farei tudo para separá-los."

Olhou-o bem, agora vira o rosto, sabia quem era.
Depois, viu-o cego, com os olhos brancos, sem vida, cicatriz de queimadura.

Regina sentiu que tudo isto havia passado há muito, muito tempo.
Sentindo remorso por este erro, procurou o homem que cegou, encontraram-se.

Ele lhe disse bondosamente:
"Já a perdoei, tudo isto passou há tanto tempo...
Naquela encarnação, não fiquei cego por acaso.
Minha cegueira também teve motivos.

Colhi o que plantei.
Não é melhor você, em vez de sofrer a cegueira, trabalhar fazendo o bem?
Resgatar seus erros com o trabalho edificante?"

"Há muitas encarnações que planeio, antes de reencarnar, fazer o Bem e me perco.
Faço planos de ser boa, de fazer o Bem e, na carne, deixo para depois; envolvo-me nas ilusões materiais e volto triste e derrotada.
Tive muitas oportunidades de fazer o Bem, todos nós temos, só que não fiz.

Agora, volto cega.
Não só resgato meu erro, como tenho a certeza de que a cegueira me fará mais humilde e prestativa.
Sentindo esta deficiência, quem sabe aprendo a ser mais benevolente."

"Sendo assim, reencarnarei e a receberei por filha, mas... você poderá esquecer..."
"Não. Preparei-me para recordar" - disse ela, resoluta.
"Sente-se forte para isto?" - indagou ele com carinho.

"Tenho que tentar, já perdi muitas oportunidades.
Mas, tendo-o por pai, eu me sentirei mais forte."
"Eu não lembrarei..."
"Mas continuará bondoso" - ela falou.

Antes de reencarnar, quando estava no Plano Espiritual, recordou todo seu passado, muitas de suas reencarnações.

Sentiu muito remorso por ter feito alguém ficar cego.
Procurou a pessoa que atingiu e pediu perdão.
Foi recebida com carinho, este há muito havia perdoado e quis ajudar o desafecto do passado, atando laços de carinho e amor, tornando-se, assim, um grande afecto.

- Regina, que faz aqui?
Está quase na hora do jantar indagou o avô, que viera do quintal para a casa.
- Vovô, vovôzinho - disse a menina - lembrei...
Agora sei quem era o homem que ceguei, era meu pai.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 04, 2015 10:34 pm

- Seu pai! - exclamou o avô.
Regina, embora o Frei Manoel negue, porque a Igreja dele não aceita, tenho pensado que João pode ter razão. João é de uma religião, a Espírita, que acredita que Deus nos criou dando oportunidades de voltar muitas vezes num corpo de carne, como este agora.

Ele diz que somos espíritos eternos e que não vivemos uma vez só.
Ele me pareceu coerente.

Que é uma vida de quarenta ou sessenta anos perto da eternidade?
Viver aqui estes pouquinhos anos e... depois... ou o céu, ou o inferno.
Segundo ele, nascemos e morremos muitas vezes em corpos diferentes.

Isto se chama reencarnação.
E disse mais: que Deus é muito justo e bondoso, criou-nos perfeitos, nós, com nossos erros, é que atraímos as dificuldades e deficiências.
E que muitas religiões, principalmente as orientais, de outros países muito longe daqui, acreditam neste facto.

- Este Sr. João me parece certo.
Ao ouvi-lo falar, me pareceu que isto é verdade.
Faz sentido! Quero crer nisto, é mais humano.

Se isto aí, a reencarnação, existir mesmo, então não estou louca e nem imagino.
Errei no passado e Deus bondoso não me mandou para o inferno.
Deve existir uma causa justa para ter nascido cega.

Vovô, converse mais com este senhor, preste atenção e depois me fale tudo.
Também não vou desconfiar mais do papai.
Ele é bondoso!

- Seu pai é mesmo bondoso e muito honesto.
Talvez sua desconfiança fosse porque você lhe fez mal no passado e temia que ele revidasse.
Mas Afonso superou isto.
Vamos entrar, o jantar está pronto.

- Está parecendo que chorei? - Regina indagou.
- Não.
- Meus olhos são mortos, mas choram...

Entraram e o jantar foi servido.
Regina alimentou-se quieta, o pai se preocupou, porque ela estava sempre sorrindo e conversando.

Ele indagou:
- Alimentou-se direito, Regina?
- Sim, paizinho. Comi tudo.

Num impulso, levantou-se, aproximou-se dele e o beijou.
- Amo o senhor! .

Afastou-se e Afonso, que nunca recebera um agrado da filha, a olhou emocionado, com lágrimas nos olhos.

(1) Para escrever esta história verídica, pesquisei com pessoas desencarnadas e encarnadas que foram e são cegas.
Cada uma sentiu a cegueira de um modo.
O espírito não é cego, nunca é deficiente, mas o perispírito, que é modificável, pode não ser perfeito.
É ele, o perispírito, que normalmente dá a deficiência ao corpo físico.
Mas há casos que, por decisão do indivíduo, pode ele ter o perispírito perfeito e ter o corpo com alguma anomalia.
E para a pessoa privada de um dos sentidos, no nosso caso, a visão, seu modo de senti-la dependerá muito de ter ou não o perispírito deficiente.
Se o corpo perispiritual for perfeito, desprendendo-se do corpo físico pelo sono, vê tudo e consegue muitas vezes passar para o cérebro físico somente algumas imagens.
Porque, se cego de nascença, o cérebro não regista a luz, cores e formas. Já para as pessoas que têm também o perispírito deficiente, torna-se muito mais difícil imaginar o mundo colorido e as suas múltiplas formas.
Regina, nossa personagem, não tinha o corpo perispiritual deficiente e, como era muito sensitiva, conseguia imaginar pessoas e objectos quase que com acerto.
(N.A.E.)
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 04, 2015 10:35 pm

II - O MENINO QUE ADIVINHAVA

Kim subiu correndo a encosta da montanha, com seu entusiasmo de garoto de oito anos.
Ia ao encontro de seus irmãos, já moços, que naquela hora estavam trabalhando no pasto.
Seguia contente e nem reparava na belíssima paisagem, pois tudo aquilo fazia parte do seu quotidiano.

Nascera ali e conhecia todos os lugares e habitantes.
Chegara da escola, almoçou rápido e teve a permissão da mãe para ir visitar o avô, mas antes tinha que levar o almoço aos irmãos.
Tropeçou, escorregou e quase caiu.

- Ah! Se estivesse chovendo! - exclamou alto.
Bem, se chovesse, não correria assim!

Sentou-se por instantes numa pedra e já ia continuar a corrida, quando viu à sua frente seu pai discutindo com um homem mal-encarado e barbudo, que lhe era completamente desconhecido.

Seu pai estava nervoso e com medo.
Kim olhou-o bem e o viu jovem, parecido com seu irmão Onofre.
Na discussão, o barbudo pegou um enorme punhal e avançou ameaçadoramente para seu pai.

Os dois rolaram e o barbudo caiu em cima da terrível arma.
Seu pai, apavorado, chorou, enterrou o barbudo e colocou em cima uma pedra, aquela em que estava sentado.
Kim levantou-se rápido, observou tudo e, pronto, não viu mais nada, não tinha nada ali, nem o pai, nem o barbudo e nem a pá.

Esfregou os olhos, olhou tudo novamente.
"Que vi?! Será que aconteceu ou vai acontecer?"
Quis chorar, desistiu, não sabia por quê.
Mas não chorava, não conseguia.
Talvez por ser homem, pensou, homem não chora, diziam-lhe sempre.

Mas não era por isto que não o fazia.
Chorar, como dizia o avô, é do ser humano e não importa que este ser humano seja homem ou mulher.
Tinha mesmo que falar com o avô e com Regina, eles o entendiam.

Temia por seu pai, mas como preveni-lo?
Ainda lhe doía a surra que o pai lhe dera quando contou ao Sr. José, o dono do armazém, que foi Dona Mariquinha que furtou o par de tamancos.

Também, recordou os conselhos de Dona Leocácia, sua bondosa professora, depois que descobriu que foi Reinaldo quem quebrou a carteira.

"Joaquim, não dê uma de cigano!
Não fica bem para o melhor aluno da classe delatar colegas.
Se você descobrir algo, mesmo que seja errado, cale-se, é o melhor."

- Ah! - suspirou ele, falando alto.
Se ela soubesse que estudo, sim, que gosto de aprender, mas que sei tudo o que vai cair nas arguições...

Talvez não mais me chamasse de inteligente.
É melhor não falar nada ao papai, vigiarei ele e o defenderei deste homem mau.

Kim pensou no seu pai, este estava envelhecido, quase não falava e nunca ria.
Correu, entregou o almoço aos irmãos e rumou para a casa dos tios.
Chegando foi gritando pelo avô.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 04, 2015 10:35 pm

- Vô Xandinho! Vô Xandinho!
Encontrou primeiro a prima Isabela.
Adorava esta prima, que para ele era linda como a flor mais bonita que existe.

Queria que ela fosse sua irmã.
A pequena, ao vê-lo, correu ao seu encontro.
- Kim, machuquei o meu dedinho!

Pelo olhar da menina, podia ver que o amor era recíproco.
Os dois se queriam muito bem.
Kim a pegou, beijou e soprou o dedo machucado.

- Coitadinha! - exclamou Kim carinhoso.
Isabela, onde está o vovô?
- Lá no quintal.
- Kim! Você não vem me cumprimentar?

Regina estava na porta.
Kim colocou a pequerrucha no chão e foi até a outra prima.

- Oi, Ceguinha!
Como vai, Regina?
- Bem, e você?

Kim não respondeu, não estava nada bem, não quis preocupar a prima, também gostava muito dela.

E sempre que podia a ensinava.
Ela queria muito aprender, ir à escola, mas não podia, para não deixá-la triste, o que aprendia tentava passar para ela.

- Vou ensinar você a contar até cem hoje.
Volto logo, vou conversar com vovô.

Isabela olhava Kim maravilhada.
Para ela, o primo era tudo, acompanhou-o com os olhos e Kim foi para o quintal, chamado pelo avô.

- Aqui, menino! Pare de gritar!
- Vovô - foi logo falando -, vi algo impressionante. Não sei o que fazer!
- Você de novo!

Suspirou.
"Ora", pensou Xandinho, "por que tenho dois netos tão diferentes?
Tão esquisitos?"

Parou com o trabalho, abriu os braços amorosamente e o menino refugiou-se neles.
- Vovô...
O avô era o único amigo em quem podia confiar.
Regina também o entendia.

Mas aquele assunto era sério demais para uma menina.
O avô o escutava, não o chamava de mentiroso e aconselhava.
E ele não sabia como agir, ninguém via as coisas como ele.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 04, 2015 10:38 pm

Xandinho arrependeu-se de ter dito "você de novo".
Pela segunda vez, naquela semana, havia dito para Kim e Regina.
Seus netos não tinham culpa, pelo menos naquela existência.

No momento não faziam nada de errado.
Se tivessem culpa, deveria estar lá no passado, que ficou para trás...
Se ele os amava, embora sem compreender o que ocorria, tinha que ajudá-los.

- Não se aborreça, meu neto.
Conte-me tudo!
Acredito em você e o ajudarei.
Vem, sentemos aqui nesta sombra.

Xandinho deixou a enxada de lado, escutou o neto, que agora mais calmo contou a visão que tivera perto da pedra.

- E agora, vovô, que faço?
Corro o risco de falar e levar outra surra.
Se não falo, papai pode ser morto ou matar.

- Você não viu seu pai jovem?
Então já aconteceu.
Profeta também vê o passado.

- Profé-tá? Quê? - perguntou o menino.
- Nada, esquece, chamo-o assim porque gosto.
Me deixe pensar uns momentos.

Kim pegou um pauzinho e se pôs a rabiscar o chão, senão teria notado que o avô ficara nervoso.

Xandinho pôs-se a recordar.
Fora um episódio triste e acontecido com o genro há muitos anos.
Foi quando acampou perto da cidade um bando de ciganos.

E um deles, Ivo, apaixonou-se por sua filha Mariana, que já era casada com Sebastião e mãe de dois filhos pequenos.

Assediou-a, deixando todos inquietos.
Quando partiram, todos ficaram aliviados, mas o tal cigano voltou para raptar a moça.
Não a achando em casa, subiu a montanha pensando encontrá-la, porém encontrou foi com Sebastião, discutiram e este morreu.

Aconteceu como Kim dissera, como o garoto vira.
Só sabiam disto ele, a filha e o genro.
Agora, pensou, necessitava tranquilizar o neto.

- Kim, meu neto, preste atenção no que vou lhe falar.
O que você viu já aconteceu.
Seu pai não é um criminoso, defendeu-se somente, há tempos.

Contou-lhe tudo.
O bondoso velhinho preferiu falar toda a verdade ao neto.
Nada como compreender a verdade.
Kim escutou silencioso, prestando muita atenção.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Fev 05, 2015 10:55 pm

- Pobre papai!
O cigano não lhe dá sossego.
- Por que diz isto, Kim? - indagou o avô.
O que você sabe?

- Nada, vovô, só pressinto.
Papai é triste, calado, e sofre.

- É verdade. Porém digo a você que agiria como ele agiu.
Eu o abençoo por ter ele defendido minha filha.
O que aconteceu foi um acidente.

Você entendeu?
Ninguém, ninguém mesmo, nem Regina pode saber.

O avô sabia que ele e Regina, amigos confidentes, não escondiam nada um do outro.
- Não falo a ninguém, nem ao papai, nem a mamãe, eles não precisam saber que adivinhei.
Vovô, tem ainda perigo de papai ser preso?

- Não sei - respondeu Xandinho preocupado.
O perigo maior é o bando saber e querer vingar do seu pai.
Ciganos são ruins.

- Em todas as raças há bons e maus - respondeu o menino.
O senhor lembra da história do Barão que viveu nestas terras?
Ele era rico, dizia ser de raça pura, sangue disto e daquilo, e foi tão mau, tão ruim.

- É verdade.
Kim, você me promete não contar a ninguém o que viu?
- Prometo!
- Amanhã vou passear na cidade.
Quer ir comigo? Pedirei a seu pai.

- Quero! Até logo, vovô.
Agora vou ensinar Regina.

Saiu correndo, Xandinho ficou preocupado, mas voltou ao trabalho.

Pensou:
"Vou pedir ajuda ao Frei Manoel, é o único que conheço que tem mais instruções.
Tenho que ajudar estes meus dois netos."

Kim foi brincar um pouco com Isabela, depois foi para perto de Regina, que já o esperava.

- Irei hoje ensiná-la a contar até cem.
Trouxe as pedrinhas que faltavam - disse Kim.
- Há bem mais números do que cem, não há? - indagou a menina, querendo aprender.

- Se há! Tem tantos números que não acabam, são infinitos, porque sempre se pode colocar mais um e aumentar a contagem.
Haja pedras!
- Ora, é só imaginá-las.
- É mesmo! - disse Kim suspirando.
Estas cem nos bastam.
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Véu do Passado - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho Empty Re: Véu do Passado - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Fev 05, 2015 10:55 pm

Você é inteligente!
Pegue-as! Vou ensinar as formas.
Está é redonda, é igual ao zero, a letra "o" e a letra "a" é só pôr um rabinho.

- Que é rabinho? Eu tenho?
- Bem, só quando a tia lhe prende os cabelos.
Na letra "a" é um traço curvo. Vamos contar...

Kim cursava o segundo ano da escola.
Tudo que aprendia tentava ensinar à prima cega.
Inteligente, ela ia aprendendo.
Após ter ensinado a prima, Kim foi para casa.

Naquele dia prestou atenção nos pais, eles não eram alegres como os tios, calados, quase não falavam, só os três conversavam, ele e os dois irmãos.
Olhou bem a mãe, ela preparava o jantar, estava triste como sempre.
Achou-a envelhecida.

O pai chegara do campo.
Triste e calado como de costume, sentou-se numa cadeira, estava cansado.
Num impulso, Kim foi para perto dele e o beijou.

- Amo-o, papai!
O pai ensaiou um sorriso e passou a mão em sua cabeça.
"Não", pensou, "não vou contar a mais ninguém, não quero o meu pai preso, o melhor é esquecer o que vi."

No outro dia cedo, sábado, não tendo aula, o avô foi buscá-lo para passear na cidade conforme combinaram.

Foram na velha charrete do avô.
Num solavanco a charrete empinou para um lado.

- Vovô Xandinho, o senhor precisa consertar isto aí.
Kim mostrou a armação que sustenta a charrete.
- Ela vai virar com o senhor.

- Não sei fazer isto, já tentei consertá-la e não consegui.
Gosto desta charrete, não quero me desfazer dela, transportei nela sua falecida avó e minhas filhas.
Você está vendo algum acidente?
Irei cair? - perguntou o avô.

- Sim, vejo-o cair da charrete, mas não irá morrer.
- Então não tenho com que me preocupar.
- Tem sim, seu braço, vovô, com o acidente ficará imobilizado, não irá mais mexer com ele - disse Kim, sério.

- Ora - disse Xandinho -, não me aborreça, vamos falar de outra coisa.
Este assunto é muito sério para um garoto de oito anos.

Embora acreditando no neto, Xandinho resolveu continuar usando a charrete.
Não tinha dinheiro para consertá-la e nem para comprar outra.
Depois, gostava muito de ir até a casa paroquial conversar com seu amigo Frei Manoel, e, a pé, cansava muito.
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Véu do Passado - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho Empty Re: Véu do Passado - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Fev 05, 2015 10:55 pm

Chegando, dirigiu-se à casa do amigo e deixou o neto à vontade.
Este correu para um grupo de meninos e foram jogar bola.
A casa paroquial era simples, seu amigo sacerdote era pobre.

Bateu e foi Frei Manoel que lhe abriu a porta.
Cumprimentaram-se contentes.
Sentados na sala, Xandinho foi directo ao assunto que lhe trouxera ali.

- Frei Manoel, estou preocupado com meus netos, Regina e Kim.
A menina diz que vê e é cega.
Nas suas visões ela se vê adulta, recorda coisas que seria impossível ela saber.
Descreve cenas incríveis como se ela realmente já tivesse vivido em outros lugares.

Joaquim é um profeta.
Diz o futuro com facilidade.
Agora mesmo me disse para ter cuidado, senão irei cair da charrete.
Ele me viu caindo, como também disse que não vou morrer com o acidente, porém ficarei com o braço imobilizado.

- Ora, acho que está se preocupando demais.
Regina fala o que talvez tenha escutado, ela me parece muito fantasiosa.
E qualquer um pode prever um acidente com sua charrete, ela está velha e nossas estradas, ruins.

- E o caso dos tamancos?
Ele soube quem os furtou - disse Xandinho preocupado.
- Isto é... - falou o frei pensativo.
- É um profeta!

- Profeta, meu caro Xandinho, é aquele que prediz o futuro.
Denomina-se mais aquele que prediz factos religiosos.
Na Bíblia há inúmeros profetas.

- É isto que me preocupa, todos foram mortos e judiados, falou Xandinho.
- Nem todos... - rebateu Frei Manoel.

- Quase todos.
Kim é um menino que profetiza, adivinha.
Talvez seja melhor o termo adivinha.
Esqueça o profeta - falou o frei.

- Quando ocorreu o roubo do tamanco, ele estava em sua casa.
Já recomendei a ele não falar mais nada do que vê.
Coitada da mulher!
Passou uma vergonha - disse Xandinho.

- Porém roubou! - replicou Frei Manoel.
- Ele também adivinha o passado!

- Adivinha o passado?! - falou Frei Manoel, estranhando.
- Adivinhar não é só o futuro?
O passado passou.
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Véu do Passado - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho Empty Re: Véu do Passado - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Fev 05, 2015 10:55 pm

- Bem, é que ele viu com detalhes um facto que ocorreu há anos atrás, antes dele nascer.
E me contou direitinho.
- Que facto é este?
Conte-me - pediu o padre.

- Não posso, é segredo de família.
- É um facto incomum?
- É...
- Ocorreu em um lugar um tanto deserto? - O frei continuou indagando.

- Foi!
- Ele deve ter escutado de alguém.
- Impossível...- falou Xandinho convicto.
- Bem, talvez ele tenha feito uma psicometria.
Leu no Plano Astral de um objecto ou lugar que se passou.
Entendeu, Xandinho?

- Não - respondeu Xandinho aborrecido.
- Não tem importância, o assunto é mesmo complicado e nem eu entendo direito.
Parece que existem pessoas que estudam isto.
Dizem que tudo que acontece fica gravado e há pessoas que podem ler.

- E é normal pessoas fazerem isto? - perguntou Xandinho, curioso.
- Não - respondeu o frei sério.

- Então, meu neto não é normal.
Isto é assunto muito complicado.
Não quero vê-lo morto como os profetas.

- Os tempos são outros, embora dizer a verdade nem sempre agrade a todos.
Kim não é anormal, ele só deve ter algo que não é comum.
Aconselhe-o, como também Regina, a não falarem o que vêem.

- Aconselho-os a mentir? - perguntou Xandinho.
- A mentir não, a não dizerem o que vêem.
- Você, Frei Manoel, não está me ajudando muito.
O menino já levou surras por isto.

E Regina, além de cega, sofre por ver coisas.
Talvez o João, aquele que é Espírita e diz que existe lá uma tal de reencarnação, que vivemos muitas vezes em corpos diferentes, tenha uma certa razão.

- Ora, Xandinho, você não deve acreditar nisto.
- Será que não é preferível do que acreditar num Deus carrasco que fez minha neta inocente ser cega?
Por quê? - pergunto.
Ele a fez num dia de mau humor?

Foi o acaso?
Ele a fez cega e não se apiedou pela menina ser privada da visão?
Isto é lá justiça?
Acharia Deus mais justo, se não castigasse inocentes, e se não deixasse este "acaso" acontecer a torto e a direito.
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Véu do Passado - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho Empty Re: Véu do Passado - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Fev 05, 2015 10:56 pm

Agora, se Deus é bom e justo, Regina deve ter reencarnado muitas vezes, ter feito algo bem errado e nesta vida ter tido a cegueira como resultado.
Só que, por algum motivo, ela recorda...

- Ora, Xandinho, para tudo devem existir explicações.
Não vá procurar o João.
Vou pesquisar o caso deles, tiro conclusões e acharei solução.

Conversaram mais um pouco e Xandinho despediu-se, fez suas compras e voltaram para casa.
Kim estava contente com o passeio.
Amava muito o avô.

- Kim, vou lhe pedir algo, ficarei muito feliz se você fizer.
Quero que tudo que vir conte primeiro a mim, eu decidirei o que fazer.
Você já é um homenzinho, é estudioso e inteligente, mas não entende muito das coisas como eu.

Frei Manoel vai nos ajudar, vamos acabar com estas coisas estranhas que acontecem com você.
Não quero que o castiguem por isto.
Enquanto você tiver estas visões, ou o que for que sejam, conte para mim, eu o ajudarei.

- Vovô, Frei Manoel não irá me ajudar.
Acho que não necessito da ajuda que ele pode me dar.
Isto é coisa minha!

- Como sabe, Kim? - perguntou Xandinho, sério.
- Acaso, vovô, não sabemos o que é nosso? Isto é meu!

Abaixou a cabecinha pensativo.
Xandinho procurou dizer algo que animasse o neto, porém calou-se, não soube o que dizer.
Talvez, concluiu o bondoso senhor, o garoto tivesse razão, sabemos o que possuímos, às vezes, não queremos aceitar, mas sabemos.

Mudaram de assunto e a alegria voltou a brilhar no rostinho de Kim.
Passaram sete dias e lá vem correndo Kim atrás do avô.

- Vovô, vovô, acuda-me...
Onofre quer me bater.
- Que aconteceu?

Xandinho largou rápido o que estava fazendo e Kim abraçou suas pernas.
Onofre chegou, não falou nada, como também não teve coragem de pegar o garoto.

- Que houve, Onofre? - perguntou Xandinho preocupado.
Por que quer bater no menino?
- Vovô - disse Onofre - não quero bater nele, só quero que me explique.
- Eu vi! Eu vi! - gritou Kim.

- Como, moleque? Como? - falou Onofre nervoso.
Vovô, Kim me disse ter visto Rafaela abraçada a outro homem.
Rafaela nega com veracidade.
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Véu do Passado - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho Empty Re: Véu do Passado - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Fev 05, 2015 10:56 pm

Quero que ele me explique.
Se mentiu, bato nele.
Rafaela me ama, vamos noivar e casar.
Em quem devo acreditar, vovô, em Rafaela ou em Kim?

- Calma! - apaziguou o avô.
Sentemos aqui. Kim, me responda:
- Onde você viu Rafaela com outro homem?
Onde estavam?

- Na frente da casa dela.
Tinha muitas pessoas em volta, todos alegres e com roupas novas.
Rafaela estava com flores na cabeça. Estava bonita!

- Vovô - disse Onofre -, Rafaela não usa flores na cabeça e por estes dias não houve aglomeração de pessoas à sua porta.
Depois, ninguém viu.
- Calma, Onofre! - disse Xandinho.

Kim, me responda:
- Você também viu Onofre entre estas pessoas?
- Acho que não! Não sei! - respondeu Kim sincero.

- Você sonhou? Viu mesmo?
Foi passado ou futuro?
Será que não era o casamento deles? - continuou indagando o avô.

- Não sei, vovô, não sei... - Kim aconchegou-se no colo do avô e este o abraçou.
- Onofre, preste atenção - disse o avô.
Quando moça coloca flores na cabeça é porque vai casar. Kim a viu vestida de noiva.
Ele apenas sonhou, como é pequeno não sabe distinguir sonho da realidade.
Não brigue com ele! Esqueça!

- Se ela vai casar e se está abraçada com outro, não será comigo - disse Onofre, triste.
- Ora, sonhos são sonhos! - exclamou o avô, tentando tranquilizá-lo.
Você casará com ela, com certeza.
Agora façam as pazes e esqueçam deste assunto.

- Está bem - disse Onofre.
Não estou mais bravo com você, Kim.
Não tem culpa. Se viu, está visto.
É esperar para ver.
Como é ruim saber o futuro...

Levantou-se e foi embora.
- Kim, que mais viu que não me contou? - indagou o avô.
- Vi mamãe doente e uma grande avalanche de terras e pedras cair da montanha.

- Não pedi para não dizer nada do que vê?
Quase que Onofre lhe bate - disse o avô.
- Vovô, só contei a ele porque vi!
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Véu do Passado - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho Empty Re: Véu do Passado - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Fev 05, 2015 10:56 pm

- Você viu o futuro, Kim, não tem o direito de contar.
Onofre ama Rafaela, está sofrendo antecipadamente.
- Não quero que Onofre sofra! - disse o menino triste.
Não quero que ninguém sofra!

- Isto passa, logo ele esquece.
Profeta pequeno não sabe distinguir passado, presente e futuro.
Profe... o quê? - perguntou Kim.
Por que me chamam disto?

- Não vou chamá-lo mais!
Esqueça você também este assunto.
- Vovô, não quero mais ver isto.
Queria ser igual aos outros meninos.
Não quero ver mais nada.
Por que vejo, vovô? Por quê?

Xandinho alisou seus cabelos avermelhados, beijou sua testa.

- Vou ajudá-lo, Kim. Vou tentar...

Kim foi brincar com as primas.
Xandinho os olhou com amor.
Ainda bem, pensou, que Regina estava calma naqueles dias.

Depois que teve aquelas visões, estava em Paz e muito amiga do pai, que pelos carinhos da filha estava muito feliz.

- Ah, meu Deus! - exclamou Xandinho alto.
Inspire-me para que possa ajudar meus netos!
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Véu do Passado - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho Empty Re: Véu do Passado - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Fev 05, 2015 10:56 pm

III - O PASSADO DE ROSE

Kim passou a ver os acontecimentos que ocorriam à sua volta com mais frequência.
Mas, obedecendo ao avô, passou também a evitar de comentá-los.

Na escola, sabia sempre o que ia cair nas avaliações, como também quem fazia isto ou aquilo.
Evitando confusões, aprendeu a calar-se, mas às vezes, na sua inocência, acabava falando algo que gerava alguns desentendimentos.

Por isto, passou a prestar mais atenção no que falava.
Seus amigos eram Isabela, Regina e o seu avô.

Regina, depois que lembrou dos acontecimentos, das acções que resultaram na reacção de sua cegueira, estava mais calma e por nada reclamava.

Entendera que ter sido privada da visão fora por justiça e que ninguém a estava punindo.
Como também passou a ser mais espontânea e carinhosa com o pai, acabara o medo que sentia dele.

Aprendia com Kim o que este estudava na escola.
Era uma garota alegre e conversadeira.
Era conhecida de todos, mas às vezes tinha por lá os curiosos, querendo saber como ela fazia isto ou aquilo.

Respondia com espontaneidade, era agradável e todos gostavam dela.

Num domingo, saíram para passear.
A tarde quente contribuiu para que as mães reunissem e levassem os filhos, todas crianças para brincarem perto do rio.
Era um lugar bonito, as águas eram limpas e no local que foram havia um pedaço com a margem de areias claras, que era chamado de prainha.

Logo que chegaram a garotada foi brincar.
Regina divertiu-se com eles, mas, quando entraram na água, ela ficou sentada junto com a mãe e as outras senhoras.

Tinha medo d'água e a mãe temia que por não enxergar a garota se afogasse.
Ficou quieta escutando as mulheres conversando, falando de vestidos, enfeites, assuntos femininos.

Regina então viu sua mãe.
Ela teve uma visão da encarnação anterior de sua mãe.
Viu-a muito enfeitada, orgulhosa de sua beleza, a dançar, a cantar e sair com muitos homens.

Empolgada com a visão e com o assunto que escutava, comentou alegre:
- Mãe, a senhora se lembra dos seus vestidos decotados?
Aqueles que usa para dançar e para sair com aqueles homens?
A senhora fica linda toda enfeitada.
A senhora dorme com aqueles amigos?

- Regina!!! - gritou a mãe apavorada.
Que diz, menina?
Por que mente assim?
- Ora, só vi...
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Fev 05, 2015 10:57 pm

Regina assustou, nem se deu conta direito do que disse.
A mãe veio furiosa para perto dela e lhe deu duas fortes bofetadas no rosto.

- Mentirosa!
Quando me viu sair assim enfeitada e com outros homens?

Rose começou a chorar.
As senhoras calaram apreensivas e Regina não sabia o que dizer.
Ficou quieta e começou a chorar baixinho.

Rose aos gritos chamou por Isabela, que veio correndo.

- Vamos embora!
Regina me mata de vergonha.
Menina mentirosa!

- Não ligue, Rose - disse uma das senhoras.
Talvez seja pela cegueira.
Ser cega é duro, não é culpa dela inventar coisas.

- É bem estranho inventar isto!
Quem será que lhe falou isto? - comentou outra senhora.

Rose nervosa pediu para Isabela guiar Regina e foram para casa.

- Mato você de bater - disse Rose chorando.
Isabela tentou amenizar, mas não sabia o que havia acontecido.
Ficou quieta e tratou de obedecer à mãe.

Regina ficou com medo, os tapas da mãe doíam e nem conseguia entender o que sucedera.

Quando chegaram, Isabela com medo da mãe surrar Regina, gritou aflita pelo pai e pelo avô que vieram correndo.
Espantaram-se ao ver Rose chorando sentida.
Entraram em casa.

- Agora vou bater em Regina - gritou Rose, pegando a cinta.
O pai intercedeu:
- Rose, acalme-se.
Conte-nos primeiro o que aconteceu.

- Afonso, que vergonha!
Preciso dar uma lição nesta menina mentirosa.
Sabe o que ela disse na frente de todas minhas amigas?
Que eu me enfeito, uso roupas decotadas, saio com outros homens e que durmo com eles.

Chorou mais alto ainda.

- Regina - disse o pai -, porque disse isto?
- Porque vi e achei que poderia falar - disse a menina, chorando também.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Fev 05, 2015 10:57 pm

- Como viu, Regina? - indagou o pai.
Primeiro você não enxerga, segundo, sua mãe é honesta, ouviu bem?
Nunca usou roupas indecentes e nem se enfeitou.
Por Deus! Sair com homens?

- Ela não merece apanhar? - Rose falou continuando a chorar.
Você, Afonso, precisava ver os olhares desconfiados de algumas de minhas amigas.
Morro de vergonha!
Logo eu que me orgulho de ser honesta e direita.

Por nada deste mundo iria trair você.
Meu lar me é sagrado.
Não tenho nada com a vida de outras pessoas, a mim não importa se alguém quer ser desonesto.
Mas não eu! Sou honesta e quero ser sempre. (1)

- Bata nela - disse Afonso -, mas não exagere!
Rose bateu em Regina.
Magoada, envergonhada, teve naquele momento o ímpeto de corrigir a filha.

Para ela, Regina mentiu de maneira maldosa.
Xandinho ficou quieto e, quando Rose olhou para ele, este chorava.
Ela parou, só dera umas três cintadas.

Dirigiu-se ao pai:
- Foi o senhor que disse estas besteiras a Regina?
- Não foi ele - disse Regina.
Continue a bater, se quiser.
Peço-lhe perdão!
Não fiz por mal, não queria envergonhá-la.

- Está bem, espero que tenha aprendido a lição e que minhas amigas esqueçam - Rose falou triste.
- Filha - disse Xandinho -, sua conduta é a resposta.
Talvez algumas delas a vigiem.
Continue a proceder como sempre.

Elas vão entender.
E Regina dirá a elas que inventou tudo.

- O senhor tem razão!
Não vou mais bater em você, Regina.
Mas, se inventar outra, corto-lhe a língua.
Aí ficará cega e muda!

Regina chorava e Isabela também.
O avô as acalmou, deu-lhes água.
Abraçaram-se.

- Vem, Regina - disse Xandinho -, vamos lá no quintal.
Você fica, está bem, Isabela?
- O senhor também irá surrá-la? - perguntou a pequerrucha, desconfiada.
- Não, Isabela, só vou conversar com Regina.
Vamos, menina!
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Fev 06, 2015 10:17 pm

Regina já mais calma acompanhou o avô.
Tanto os tapas como as cintadas lhe doíam.
Sentaram-se embaixo de uma árvore e Regina abraçada ao avô chorou sentida.
Xandinho acariciou e esperou que a menina extravase seus sentimentos.

- Vovô, foi injusto!
Nem sei por que mamãe ficou tão brava.
Foi a primeira vez que apanhei.

- Será a última, Regina.
O que você disse foi muito grave.
Descreveu sua mãe como se ela fosse uma prostituta.

- Que é isto?
Xandinho explicou tudo à neta, que voltou a chorar.
- Ah, vovô! Por que fui dizer aquilo tudo?
- Regina, se você viu seu passado, deve ter visto também o de sua mãe.
Talvez Rose em existência anterior fosse uma meretriz e agora se esforça muito para ser honesta, e se orgulha de ser.

Talvez tudo isto tenha marcado muito nossa Rose.
Regina, evite confusões, tudo que vê, não fale.
Aja nestas ocasiões como se fosse muda.

- E é assim que vou ficar.
Mamãe disse que me cortará a língua.
- Ela nunca iria fazer isto. Mas ficou magoada.

- Não falo mais nada. Posso ver, mas não irei falar mais.
Juro por Deus que não falo!
- Está jurado! - falou o avô.
Jurou por Deus, está jurado!

Regina foi para casa, entrou na sala e pelas vozes percebeu que o pai estava sentado ao lado de sua mãe.

Foi para perto deles e disse chorando:
- Mamãe, peço-lhe perdão de novo!
Não sei por que falei aquilo tudo!
Veio na cabeça. Prometo não falar mais besteiras.
Vou desmentir, direi a todas que sonhei.

- Regina - disse o pai -, onde você escutou isto?
- Não sei, papai, veio na cabeça. Não escutei de ninguém.
- Não disse? - falou Afonso.
Não disse, Rose, que Regina talvez seja vítima do diabo?
Ele está tentando nossa menina.
Vamos, Regina, vou levá-la para Frei Manoel benzê-la.
- Sim, senhor.

E lá foram Afonso e Regina para a casa paroquial.
Afonso explicou rápido o acontecido e pediu para Frei Manoel benzer a filha.
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Véu do Passado - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho Empty Re: Véu do Passado - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Fev 06, 2015 10:17 pm

Este o fez. Orou e jogou água benta na menina, dizendo:
- Regina, não dê importância a estas visões ou seja lá o que vier na cabeça.
Se as tiver, não fale a ninguém.
Certo? Promete?
- Sim, senhor, prometo!
- Sua filha vai ficar boa, Afonso, podem ir sossegados - falou Frei Manoel.

Afonso foi embora esperançoso e Regina calada.

Quando chegaram, a menina pediu ao pai:
- Papai, posso ficar aqui fora?
- Pode!

Regina planeou ir ao rio.
Logo que escutou barulho do pai entrando em sua casa, pegou o pau, quase uma bengala, que seu pai fizera para que tacteasse o chão.

Este objecto ficava encostado na parede perto da porta da entrada.
Regina não gostava de usá-lo, mas era uma emergência.
Andou depressa, ao redor de sua casa, conhecia tudo e podia andar rápido.

Depois foi devagar, tacteando o solo com o pau.
"Vou até a prainha, encontro a turma e digo já que menti e que arrependi, peço a todos que esqueçam e que me desculpem.
Assim evitarei que mamãe passe mais vergonha ainda" - pensou Regina.

Nunca tinha ido longe sozinha, mas achou que seria fácil achar o caminho.
E andou sem problemas.

Kim estava com a família sentado na frente de sua casa.
Descansavam na tarde do domingo.
Os três irmãos conversavam e os pais, de vez em quando, falavam algo dando algum palpite.

De repente...
Kim arregalou os olhos, levantou-se e ficou assim por instantes.

- Regina! - gritou Kim
Meu Deus! Regina está sozinha perto do rio.
- Impossível - disse Mariana.
Como a menina estaria sozinha lá?
- Vou lá!

Gritou e saiu correndo.
Martinho e Onofre correram atrás dele gritando que esperasse, mas Kim afobado correu em disparada.

- Ué! - exclamou Regina alto.
Sinto cheiro do rio, e sinto seu barulho, estou perto das águas, mas não escuto vozes da turma.
Será que vim parar em lugar errado?
Talvez a prainha seja logo adiante.
Mas para que lado? Vou por este...

- Regina! Regina! Pare aí!
Não dê mais nenhum passo!
- Pare! Pare!
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Véu do Passado - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho Empty Re: Véu do Passado - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Fev 06, 2015 10:18 pm

Regina parou e não se moveu.
Logo todo ofegante Kim chegou perto dela.

- Regina, por que está aqui?
Dê-me sua mão!

Onofre e Martinho chegaram também ofegantes pela corrida.

- Regina, menina louca!
Que faz aqui neste lugar perigoso do rio? - indagou Onofre.
- Perigoso?
Mas não estou na prainha? - perguntou Regina, assustando-se.

- Queria ir à prainha? - falou Martinho.
Pois veio no lugar errado.
A prainha é mais para lá.
Venha, seguro você e vamos por ali, aqui é cheio de pedras, é perigoso.

- Perigoso?! - falou Regina com medo.
- É, Regina - disse Kim -, aqui é onde o rio é mais fundo e tem muitas pedras escorregadias.
Se andasse alguns metros para frente, rumo ao rio, poderia escorregar e cair nele.
Mas ande, venha!

Andaram, saindo das pedras, e os três ofegantes sentaram para descansar.

- Meu Deus! - exclamou Regina ainda assustada.
Se caísse no rio, iria morrer!
Como souberam que estava aqui?

- Foi Kim - disse Martinho.
Ele a viu e correu, corremos atrás.
Teve lá outra esquisitice.
Mas foi uma boa esquisitice, pudemos salvá-la.
Como foi que tia Rose a deixou vir aqui sozinha?

- Bem, eles não sabem.
Resolvi vir e vim.
- E quase morreu! - disse Onofre.
Regina, porque fez isto? É errado!

- É uma longa história.
Mas como vão saber mesmo, vou lhes falar.
Depois do almoço, vim com a turma na prainha.
Aí, tive uma visão e falei, só que ofendi a mamãe.
Resolvi vir pedir desculpas às amigas dela e dizer que inventei.

- Sua mãe a surrou? - perguntou Kim com dó dela.
- Levei uns tabefes!
- Coitadinha! - exclamou Kim sentido, e abraçou Regina.
- Mas que disse para que a tia lhe batesse? - perguntou Onofre.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Fev 06, 2015 10:18 pm

- Falei que ela se enfeitava e saía com outros homens.
- Exagerou, menina! - comentou Martinho.
Isto é grave!
- Mas ela veio se desculpar - defendeu-a Kim.

- E quase morre! - retrucou Martinho.
- Agora já descansamos, vamos embora - disse Onofre, levantando-se.
- Queria ir à prainha - pediu Regina.

- Já é tarde, Regina - comentou Onofre.
Quem foi à prainha deve ter voltado.
Logo escurece. Vamos para casa, levaremos você.
Os tios devem estar preocupados.

Regina colocou as duas mãos nos ombros de Kim e este a guiou.
Na casa dela não tinham ainda percebido sua falta.
Quando Afonso chegou, foi contar o acontecido na Igreja à esposa e ao sogro.

Regina gostava muito de ficar pelo quintal e eles acharam que ela, aborrecida, estava em algum canto em redor da casa e não se preocuparam.
Assustaram quando viram os quatro chegando.

- Tio Afonso - explicou Onofre -, estávamos em casa, quando Kim gritou que Regina estava perto do rio e saiu correndo.
Martinho e eu corremos também.
Achamos Regina lá nas pedras e estamos trazendo-a de volta.

- Regina, minha filha! - exclamou Afonso. - Que fazia lá?
- Achei que podia ir à prainha, queria me desculpar e...

- Regina - Rose correu e a abraçou -, não precisava se desculpar assim.
Que perigo! Poderia ter morrido se caísse no rio.
Não faça mais isto!
Se sair de novo sem avisar, surro você!

- Não saio mais! - falou Regina timidamente.
- Obrigada, Kim! - falou Regina comovida.
- Vamos para casa, Kim - disse Onofre.
Mamãe deve estar preocupada.
Saímos correndo de lá.

Os três irmãos foram embora, contaram o acontecido aos pais, desta vez ninguém ralhou com Kim.

A pedido de Regina, Isabela a levou à casa de todos que estavam na prainha.
E ela humilde e envergonhada desmentiu para todas as amigas de sua mãe.

Terminava dizendo:
- Só queria chamar a atenção e inventei tudo.

Escutou de tudo.
- Entendo você, Regina, não precisa se desculpar.
- Não precisa chamar mais atenção, por ser cega, chama demais.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Fev 06, 2015 10:18 pm

- Que lhe sirva de lição!
Rose não merece que uma filha invente tudo isto.
A coitada já sofre muito tendo você cega.
Muito triste, Regina voltou para casa já na hora de dormir.

No outro dia cedo, foi conversar com o avô.
- Regina, sinto muito tudo o que lhe aconteceu.
Não lhe recomendei que não dissesse o que vê?

- Vovô, jurei não falar mais e não falarei!
- Isto, Regina!
Não falando evitará confusões.

À tarde Kim foi vê-la.
- Obrigada, Kim, você me salvou.
- Sabe, Regina, ontem foi a primeira vez que me alegrei por ver o que acontece ao longe.
Talvez não seja tão ruim isto que acontece comigo.

- Eu jurei e vou cumprir:
não falo nunca mais nadado que vejo.
- Nem a mim? - perguntou Kim.
- Nem a você.
Não falo nunca mais, aconteça o que acontecer.

- Eu não jurei e nem vou jurar.
- E as surras? - indagou Regina.
- Dói, mas passa.
Se você tivesse morrido por eu não ter falado, a dor não ia passar.

- Kim, tente evitar confusões - pediu Regina.
- Vou tentar entender o que posso ou não dizer. Vovô irá me ajudar.

Foram brincar.
Os meses passaram rápido e o episódio desagradável do passado, da encarnação anterior de Rose, foi esquecido.

(1) Rose em sua encarnação anterior tinha sido uma prostituta e sofrera muito.
Desencarnada, fez um propósito firme de voltar a encarnar e ser honesta.
Conseguiu.

Com estes acontecimentos, sentiu em seu íntimo o medo de voltar a errar.
Mas quando queremos, podemos.
Rose nesta existência foi honesta, conseguiu vencer suas más tendências.
(N.A.E.)
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