LUZ ESPÍRITA
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Véu do Passado - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

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Véu do Passado - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho - Página 4 Empty Re: Véu do Passado - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 11, 2015 8:54 pm

- A morte não é sempre triste?
- Morte é um facto natural.
São as pessoas que complicam.
Não deveria ser triste.

- Kim - perguntou Xandinho -, onde está Frei Manoel?
Ele não veio me ver ainda.
Gostaria de abraçá-lo.

- Direi a ele para vir vê-lo - respondeu o mocinho.
- Faça isto, por favor, e depois fazendo uma expressão de desalento, reclamou:
- Ainda tenho necessidades, pensei que me livraria de todas...

- Ninguém muda de hábito tão depressa.
Só os recém-desencarnados que entendem bem este acontecimento chegam aqui superando as necessidades rotineiras de corpo físico.
O senhor se adaptará e, neste período, aprenderá muitas coisas:
entre elas, como viver sem o corpo de carne - esclareceu Mariana.

O avô estava se recuperando bem, mas ainda dormia muito.
Como estivesse sonolento, deixaram-no tranquilo, acomodado.

Fora do hospital, Mariana disse contente:
- Logo papai estará morando connosco.
- Mamãe, não vi Frei Manoel, a senhora sabe dele?

- Não sei, também não o vi.
Quando queremos saber notícias de alguém aqui temos que ir ao Departamento de Informações.
Irei lá à tarde, tenho-a de folga.

Kim pensou no amigo do seu avô e se indagou:
"Onde será que ele está?"
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 11, 2015 8:54 pm

IX - À PROCURA DE UM AMIGO

À tarde, Kim foi ao Departamento de Informações.
Quase em todas as Colónias existe um local onde se pode obter informações.
É muito consultado por aqueles que buscam saber do paradeiro de parentes e amigos.

Ele foi atendido por uma senhora simpática a quem deu todos os dados.

- Volte amanhã à tarde, informarei a você o local onde está seu amigo.
Aqui ele não está.
- Como não está? - perguntou curioso.

- O Plano Espiritual é vasto.
São muitos lugares onde um desencarnado pode estar.
Para saber o paradeiro de uma pessoa é necessário indagar, verificar.
Aqui não está, ele não consta da lista de moradores e nem de abrigados.
Talvez esteja em outra Colónia ou em algum Posto de Socorro nesta região.

- Certamente estará em outra Colónia ou em algum Posto, ele foi uma pessoa muito boa.
É um grande amigo do meu avô.
Voltarei amanhã, obrigado.

Na hora marcada, lá estava ansioso.
Desejava muito rever seu pároco querido e convidá-lo a visitar seu avô.
A mesma senhora o atendeu.

- Aqui está!
Frei Manoel encontra-se na Zona Quinze do umbral.
- Trabalha lá? - perguntou Kim.
- Não, infelizmente está vagando.

Kim sabia que no Umbral estavam os que de alguma forma se achavam desequilibrados, espíritos atolados no remorso e os que são maus, sem sequer terem arrependimentos.

Não tinha ainda ido lá, mas já o vira em fitas.

Espantou-se e perguntou:
- Por favor, a senhora tem certeza?
- Tenho! Sinto muito, é a notícia que tivemos.
Ele se encontra na Zona Quinze.
- Obrigado!

Para facilitar o trabalho dos socorristas o Umbral é separado por nomes, números, região, zona, etc., como existem também locais sem esta divisão.

Kim ficou pensativo.
Por que Frei Manoel estaria lá?
Injustiça? Descuido?
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 11, 2015 8:54 pm

Intrigado, procurou Luís, este também o conhecia, pertenceram à mesma congregação, poderia esclarecê-lo e o fez.

- Por que tanto espanto?
Quando conhecemos uma pessoa superficialmente, é como olhar um quadro sem vermos a paisagem.

No quadro, vemos uma gravura imóvel que mostra o que viu quem o fez.
Mas se virmos, ao vivo, o que foi pintado, vamos notar muito mais detalhes.
Se conhecermos melhor uma pessoa, nós a veremos como ela é e, muitas vezes, aquilo que nos parecia perfeito talvez não seja.

Não existe injustiça no Plano Espiritual.
Descuido? Também não.
Cada um é atraído, ao desencarnar, para o lugar que fez por merecer.

- Gostaria de ir vê-lo, talvez pudesse ajudá-lo - disse o mocinho.
- Se sente esta vontade, deve tentar - falou seu amigo Luís.
Vá ao Departamento de Auxílio e peça orientação.

Kim disse ao avô que seu amigo Frei Manoel estava no momento impossibilitado de visitá-lo.

Xandinho se recuperava rápido.
Estava muito feliz e se alegrou com os dizeres do neto.

- Obrigado, Kim. Gostaria mesmo de rever meu amigo, quero lhe falar.
Há muito tempo tenho algo importante para lhe dizer, não o quis fazer enquanto estava encarnado.

Pensava antes que, se tivesse oportunidade, diria no céu.
Bem, agora que nós dois estamos mortos, ou seja, desencarnados, é tempo de conversar.

Embora seja diferente, aqui para mim é o céu.
Existe lugar mais belo?
Não creio, aqui é maravilhoso.

Kim marcou uma entrevista no Departamento de Auxílio, foi ansioso ao encontro marcado.

O encarregado, muito gentil, o escutou e esclareceu:
- Daqui a dois dias uma equipa de socorro irá ao Posto situado na Zona Quatorze.
Se você obtiver permissão do seu instrutor de escola, poderá ir junto e procurar seu amigo.
Ele foi logo após procurar seu instrutor, contou rápido o que ocorria e pediu permissão.

O desencarnado que ainda não aprendeu a viver como tal deve pedir autorização ao Departamento ao qual está vinculado, sempre que desejar fazer algo que não está programado.

Kim devia esta obediência a seus instrutores.
Espíritos que não agem assim são desvinculados.
Deve-se obedecer regras, se quiser ter seus direitos respeitados.

Seu instrutor o escutou e opinou:
- Kim, fruto colhido verde não serve para muita coisa.
Se este seu amigo está a vagar, é porque necessita deste aprendizado.
E se ele se achasse em condições de ser socorrido, estaria entre nós.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 11, 2015 8:55 pm

O mocinho abaixou a cabeça entristecido e o instrutor continuou a falar calmamente:
- Porém, alegro-me por você dar valor à amizade.
Tem minha autorização.

Recomendo que obedeça fielmente ao chefe da equipe.
Irá para auxiliar e não para atrapalhá-los.
Ajudarão você a localizá-lo, mas socorrê-lo, cabe a eles resolver, e você deverá acatar a decisão deles.

- Sim, senhor, não esquecerei suas orientações - disse ele alegre.
Direi ao Frei Manoel que meu avô está aqui e quer vê-lo.
Ele irá querer, virá com certeza.

- Querer não é tão necessário, o importante é estar preparado para vir.
Mas, quando usamos o coração em favor de alguém, conseguimos mudar muitas coisas.
E tenha bom proveito nesta excursão.

Esperou impaciente pela partida.
Seria uma excursão de três dias e teria que aproveitar bem o tempo.
Tentou não ficar curioso, mas era difícil.

Matutava pensando por que estaria um pároco de uma cidadezinha a vagar em sofrimento pelo Umbral.

Foi conhecer Nestor, o instrutor da equipe, e este pacientemente esclareceu:
- Quase sempre somos nós mesmos que nos condenamos.
Vingadores e pessoas que se acham credoras podem nos cobrar, mas cabe-nos aceitar ou não o que nos impõem.

Consciência pesada é nossa condenação.
Quer maior castigo que sermos julgados e condenados por nós mesmos?

- E se não tivermos discernimento para julgarmos?
Ou se ainda não tivermos consciência dos nossos actos errados e julgá-los certos?
Que acontece aos desencarnados?
Explique-me, por favor.

- Há em toda a Terra ensinamentos para que não façamos o mal e para agirmos no bem.
E temos isto dentro de nós.
O servo que não sabe da vontade do Senhor e fez más acções levará menos açoites do que aquele que sabe e o fez, ensinou-nos Jesus.

Mas todas as acções, boas e más, nos deixam marcas.
Afirmo-lhe, meu rapaz, que existe mais justiça do que você pensa.
Somos sempre atraídos para o lugar que merecemos.

É a lei da atracção!
Ninguém inocente vaga em sofrimento, quando desencarna.
E ninguém é deixado ao abandono, quando se pede socorro com sinceridade.

Devemos ser caridosos com todos nossos irmãos que vagam, não devemos julgá-los e nem querer saber o que ocorre com eles por curiosidade.

Se nos é permitido saber, que seja somente para ajudá-los.
Os crimes ocultos são os que pesam mais.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 11, 2015 8:56 pm

Um criminoso que esteve anos preso por seus crimes numa prisão, arrependido, sentirá que resgatou e normalmente o fez.

Não necessitará sofrer mais por aquele erro.
Normalmente aqueles que não pagam por eles, mantendo-os ocultos, ao desencarnar não podem mais escondê-los, porque não se consegue esconder nada de si mesmo.

Kim agradeceu a preciosa lição, lutou com sua curiosidade e passou a pensar somente em ajudar Frei Manoel.
Para ele, agora, o importante eram as muitas coisas boas que o frei fez.

Ficou pronto bem antes da hora marcada.
A partida da Colónia foi alegre e Kim seguiu para o Posto da Luz, esperançoso.
Nestor explicou a ele que sua equipe ia sempre ao Umbral a trabalho e se hospedava no Posto.

Apresentou José a Kim.
José também tivera autorização para ir em busca de um ente querido.

Nossos visitantes se encantaram com o Posto da Luz.
Era cercado por altos muros, a construção era de estilo antigo, tudo bem conservado, pintado de branco e com muita folhagem.

O casarão tinha muitas janelas altas e flores no beiral.
Isidoro, o orientador da casa, os recebeu com carinho.

- Estes dois - esclareceu Nestor -, tiveram permissão para vir em busca de afectos.
Peço-lhe ajuda para que eles obtenham êxito.
- Certamente - disse Isidoro sorrindo.
Pedirei a dois dos nossos trabalhadores para acompanhá-los.
Como já fui informado, cada um deles deve ir a um lugar diferente.
Espero que tudo dê certo para vocês.

- Quero socorrer minha mãe - falou José.
Kim compreendeu bem a lição que Nestor tinha dado sobre curiosidade.
Ali ninguém perguntava só para saber.

Ofereciam ajuda.
Olhou para o companheiro, ele devia ter um problema sério.
José quis falar, tinha necessidade e bondosamente Isidoro e Nestor o ouviram, Kim também, já que estava com eles.

- Minha mãe sempre foi boa para mim e meus irmãos.
Foi uma prostituta, cada um de nós tivemos um pai, ela teve muitos filhos e nunca fez um aborto.
Desencarnei aos doze anos com tuberculose, fui socorrido e estou bem.

Mamãe cometeu muitos erros, desencarnou e veio parar no Umbral.
Faz alguns anos que aqui enturmou.
Por muitas vezes tentei alertá-la, fazer entender que existem formas de viver melhor, ela não me atendeu.

Mas, agora, sinto-a cansada, começa a se arrepender, despertando para a realidade, e está pensando muito em mim.
Venho tentar novamente, vou conversar com ela, talvez me atenda.
Agradeço a colaboração dos senhores.

- Irá conseguir, José, ainda levará sua mãezinha para um socorro.
Conseguirá fazê-la compreender a verdade.
Faça do seu amor sua argumentação e arma - falou Isidoro.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Fev 12, 2015 11:05 pm

Minutos depois, Isidoro apresentou Mateus a Kim.
Era o trabalhador do Posto que o acompanharia.
O mocinho gostou dele, era simpático, sorriso franco, aparentava ter cinquenta anos.

Mateus fitou-o com olhar bondoso e inteligente e disse:
- Sairemos logo à tarde, já localizei seu amigo e espero que o encontremos ainda hoje.

No horário previsto saíram os dois do Posto.
Kim, curioso, observava tudo, mas tratou de ficar bem perto de seu guia.

- Está há muito tempo por aqui? - perguntou Kim.
- Faz quinze anos que trabalho no Posto, conheço esta área muito bem.
Gosto muito do meu trabalho.
- Hei, servo, venha cá!

Kim assustou-se e olhou para o dono da voz, que autoritário deu a ordem.
Era um homem que vestia roupas caras e luxuosas, embora em farrapos.

Estava sentado numa pedra.

Mateus foi até ele e o homem lhe falou arrogante:
- Maldito servo! Gente ralé!
Não dão valor a nada que damos a vocês. Malditos!

Pensa que é importante porque mora naquela casa com tantos outros?
Você não passa de um servidor!

Mateus não respondeu, Kim ficou abismado.
Seu companheiro pegou o cantil da cinta, colocou numa caneca água fresca e pura da fonte do Posto e lhe deu.

O homem pegou tremulo, bebeu e após jogou fora a caneca.
Calmamente Mateus pegou-a e convidou Kim a seguirem caminho.
O homem ainda falou irado.

- Não me dá vinho! Inútil!
- Como pode? - indagou o jovem ao seu cicerone.
Por que ele age assim?

- Por que tanto espanto, meu rapaz? - respondeu Mateus calmamente.
Quem agia assim encarnado, não muda desencarnado, sem aprender.
Este senhor foi muito rico, não fez muitas más acções, não deixou inimigos, embora não tenha agradado a todos que o cercavam.

Mas foi orgulhoso do que julgava possuir.
Quando desencarnou, ficou anos a vagar por sua antiga residência.
Sua mãe intercedeu por ele e veio ter no Posto da Luz.

Mas a vida simples da nossa mansão não o satisfez.
Não queria dormir na enfermaria, dizia nervoso que não queria ficar num quarto com outros.
Queria ser servido e exigia privilégios aos gritos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Fev 12, 2015 11:05 pm

- Puxa! - exclamou o mocinho.
O Posto da Luz é tão lindo!
Como não gostar de lá?

- Muitos não ficam satisfeitos com o que a mansão pode oferecer.
Felizes são os que se contentam com o que têm ou com o que podem ter.
Este senhor não estava acostumado com a simplicidade e não teve humildade para aceitá-la.

Para ele era humilhante o que lhe era oferecido.
Sua mãe percebeu o incómodo e pediu que o portão fosse aberto para ele.
Esperamos que a dor o faça compreender.

- Ele sabe que desencarnou?
- Sim, sabe.
- Por que o chama de servo?
Conheceu-o encarnado?
- Sim, conheci, fui empregado dele - respondeu Mateus.

Calaram-se.
As reflexões eram individuais.
Kim admirou mais ainda o companheiro.

De repente, escutaram um grande barulho, uma algazarra.
Um grupo, doze desencarnados estavam cantando e rindo às gargalhadas.

Indiferentes, passaram sem ao menos olhá-los.

Kim, porém, observou-os, não conteve a curiosidade e indagou:
- Mateus, como podem se alegrar neste lugar?
Pensei encontrar só dores por aqui.

Seu cicerone sorriu e não o deixou esperando por uma explicação:
- Existem muitos modos de viver, tanto encarnado como desencarnado.
Há pessoas no corpo físico que não dispensam o banho e gostam de trajes limpos.

Para outros, banhar é castigo.
Muitos têm o trabalho por bênção, outros são atraídos pela ociosidade.
Tantos preferem assuntos sérios, outros, conversas fúteis.

A diversidade é grande.
Para você, como para muitos, viver aqui neste lugar seria estar num vale de dores, e o é para os que sofrem no remorso ou para os que caem nas mãos de vingadores e obsessores.

Contudo, alguns, que consideram aqui como moradia, gostam e se dizem satisfeitos.
Aparentam ser alegres, mas não são felizes.
A felicidade é algo que brota de dentro para fora.

Gritaria, algazarra, gargalhada, não quer dizer nada.
Os componentes deste grupo que vimos são brincalhões e irresponsáveis, vivem aqui e vão muito para perto dos encarnados à procura de diversão e para vampirizá-los.

Não querem ainda mudar e fogem de nós, socorristas, e de todos bons espíritos, sejam encarnados ou desencarnados.
Mas aqui também é morada de muitos espíritos maus que não perdem oportunidade de prejudicar seu próximo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Fev 12, 2015 11:06 pm

Estes também dizem gostar muito daqui e se sentem donos.
Mas a alegria fútil não traz bem-estar e eles cansam.

Aqui tudo é transitório, seus moradores e os que vagam terão ideias e irão um dia querer mudar.
Mas, amigo, por aqui existe muito sofrimento.

Calaram. Kim prestava atenção por onde andava.
Pensou que sem seu guia se perderia e arrepiou.
Vultos os espiavam e outros afastavam rápidos ao vê-los.

"Será que seremos atacados?" - pensou o mocinho cismado.
- Não tenha receio - disse Mateus.
Ninguém nos atacará.
Costumo andar por aqui todos os dias.

Às vezes, atacam o Posto da Luz.
São desencarnados que se julgam donos do pedaço ou ofendidos com algum socorro.
Mas, se por ventura alguns nos atacarem, pego em sua mão, volitamos rápido e em segundos estaremos seguros.

Kim sorriu, entendeu que aquele que trabalha por amor a seus irmãos, trabalha por amor a Deus.

O perigo é para quem não confia.
Seria muito imprudente ele ir sozinho.
Mas Mateus tinha muita experiência e muitos anos de trabalho pelo Umbral, sabia lidar com todas as circunstâncias e amava profundamente o que fazia.

Querendo elucidar melhor, Mateus falou:
- Nenhum dos nossos trabalhadores se perde por aqui ou é aprisionado.
Para ser um servidor do Bem, precisa-se aprender.
Só o conhecimento permite melhores resultados.

Nós, os socorristas, passamos por um bom período de aprendizado.
Respeitamos todos e eles sabem disto, podem nos xingar, até nos atacar, porém estão conscientes de que não podem deter nosso trabalho.

Kim observava tudo curioso.
O Umbral é também uma casa do Pai, local onde vivem muitos irmãos ignorantes do Amor, mas muitos também têm esperança de poder habitar espaços melhores.

- Estamos quase chegando, é só descer mais um pouco - falou Mateus.
"Será que acharei Frei Manoel?"- pensou Kim.
"Será que poderei socorrê-lo?
Irei conseguir que ele queira ser ajudado?"

- É aqui - disse Mateus.
Vê aqueles três conversando?
Um deles é quem procura.

Foram aproximando lentamente, eram três homens com vestes sujas, cabelos duros e barbados.
Conversavam distraídos e não os viram.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Fev 12, 2015 11:06 pm

- A festa vai ser ótima - comentava um deles.
Você precisa ir, Maneco, senão pode ofender o Lau.
- Ninguém notará minha ausência.
Não estou com vontade de ir.

Kim estremeceu ao ouvir aquela voz.
Era Frei Manoel, mas estava muito diferente.

- Matilde estará presente - insistiu o outro.
- Deixem-me em paz!
Prefiro ficar quieto aqui.

- A solidão é má companheira, Maneco, pode pensar muito, arrepender-se e...
- Cale a boca! - protestou Frei Manoel.
- Bom-dia! - disse Mateus a eles.
Como estão passando?

Os três assustaram e iam correr, mas não conseguiram se mover e nem falar.
Mateus os paralisou com a força de sua mente.

Aproximaram do trio.
Kim os observou e fixou no que achava ser Frei Manoel, o tal de Maneco.
Este, cabeludo, barbudo, vestido como um jovem rebelde, nada aparentava do senhor respeitável que conhecera.

Porém, sentiu, teve a certeza de que era ele.

Mas, ao fitá-lo, cenas confusas vieram à sua mente.
Viu-o jovem a entrar numa casa onde uma jovem o esperava.
Parecia que ele e seu avô Xandinho estavam presentes.

- Então, estão planeando ir a uma festa?
Porque vocês não param um pouco para pensar em Deus e não rogam a Ele bênção e misericórdia?
Não têm vontade de conhecer outra forma de viver desencarnado?

Não têm vontade de melhorar?
Vocês não gostam que lhes chamam de vampiros, mas vivem vampirizando energias alheias.
Pensem bem no que são e no que gostariam de ser.

Por que prejudicar, se podem ajudar?
Estou aqui lhes oferecendo amizade e ajuda.

Quando Mateus acabou de falar, sentiram-se livres e um deles respondeu:
- Convido-o para vir à nossa festa.
Divertirá mais do que andar por aí falando besteira.

Lá se bebe e se come do melhor.
É melhor nos deixar, não queremos nem sua ajuda, nem seus conselhos.
Vá converter tolos em outro lugar.

Os dois saíram correndo e um deles gritou:
- Vampiro é a vó!
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Fev 12, 2015 11:06 pm

Mateus não se alterou.
Frei Manoel permaneceu parado.

- Aí está seu amigo, Kim - disse seu acompanhante e, virando para Frei Manoel, falou:
- Senhor, este jovem solicita sua atenção por alguns minutos, ele julga conhecê-lo e quer conversar com o senhor.
Sentem aqui.

Mateus pegou-o pelo braço e o ajudou a sentar.

Virou para Kim e disse:
- Ele permanecerá sem se mover por alguns instantes, mas pode escutá-lo e falar.

Kim carinhosamente colocou a mão no ombro do seu velho pároco.

- Tire a mão de mim! Não o conheço!
- O senhor não se lembra de mim?
Sou Kim, o Joaquim, neto de Xandinho, seu amigo.
Meu avô também desencarnou e quer vê-lo, por favor...

- Não os conheço - disse Frei Manoel em tom ríspido.
Mateus afastou-se uns metros, deixando que conversassem a sós.
- Frei Manoel, eu...

- Não me chame assim! - interrompeu o antigo sacerdote.
- Maneco, gostaria de conversar com o senhor.
Não se lembra mesmo de mim?
- Não - mentiu.

Kim viu que Frei Manoel lembrava dele, pensava nele andando pela praça, pela cidade.

- Sou este menino em quem está pensando.
- Que você quer? Deixe-me em Paz!
- O senhor está em Paz? - perguntou Kim, olhando-o nos olhos.

- Atrevido! Deixe-me ir embora!
- Gostaria de levá-lo para ver meu avô, ele me pediu isto, gosta muito do senhor e quer revê-lo.
- Onde está Xandinho? - perguntou o ex-frade, mudando o tom de voz.

Estava mais calmo.

- Na Colónia perto daqui e...
- Ora! E você está pensando em me levar lá? Que ideia!
Acha que posso entrar lá só porque você quer?

- Não, senhor - respondeu o mocinho -, necessitaria querer ir e depois...
- Arrepender, entregar-me e obedecer aos seus amigos - interrompeu o ex-frei novamente.
- Isto é ruim?
O senhor aqui não obedece a este bando da Matilde?
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Fev 12, 2015 11:07 pm

- Cale-se! Matilde é minha irmã!
- Sei... - disse Kim, olhando-o com carinho.

Frei Manoel suspirou, depois começou a falar, lembranças vieram à mente.

- Tudo é intriga! Sujeira!
Lembro com saudade de minha infância.
Minha família era de classe média, vivíamos num sítio bem cuidado.

Matilde era minha irmã mais velha.
Foi obrigada pelo meu pai, pelo bem da família, a casar com um homem rico da região.
Este homem que dizia apaixonado pela minha irmã nos ameaçou, ou ela casava com ele ou perderíamos tudo, talvez até a vida.

Ela casou. Senti muito sua partida de casa, nós nos amávamos muito.
Ela morreu três anos depois.
Só vim saber sua história aqui, quando desencarnei.

Minha pobre irmã sofreu muito, o esposo era ciumento, maltratava-a e ela passou a odiá-lo.
Apaixonou-se pelo cunhado, o irmão e sócio de seu marido, que era um belo e gentil rapaz, porém casado e com filhos.

Passaram os dois amantes a se encontrar escondidos, até serem descobertos.
Seu esposo soube bem vingar a traição.
Prendeu-os no porão da casa onde aprisionava seus escravos fujões.

Deixou-os em celas separadas sem água e alimentos.
Consolavam-se conversando.
Então o esposo foi vê-los, olhou-os com maldade e cinismo.

"Ninguém os procurou ou procurará! Estão mortos!
Meu irmão, Elisa, sua esposa, chora sua morte.
Há três dias seu barco virou no lago e seu corpo desapareceu.

E você, Matilde, mandei avisar sua família que morreu do coração.
Disse a todos que a achei morta e que, como era seu desejo, não queria que ninguém a visse morta.

O caixão foi lacrado e com pedra dentro.
Já está enterrada, querida.
Nossa propriedade está enlutada com a morte de seus jovens senhores.

Mas estou muito contente!
Livrei-me de uma esposa chata e de um sócio.
Ficarei com tudo que é seu.

Como seu irmão, tomarei conta da doce Elisa e de seus filhos.
Elisa é tão fraca, poderá morrer a qualquer momento e poderão dizer que foi até de tristeza.
E seus filhos? Ora, crianças são frágeis e morrem à toa..."

Não adiantaram nada os rogos, aquele homem frio e mau os torturou como fazia com seus escravos fujões.
Desencarnaram após muito sofrimento e ficaram a vagar com ódio pela casa.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Fev 12, 2015 11:07 pm

Viram, sem poder fazer nada, ele matar Elisa e os filhos.
Algum tempo depois, Matilde e seu amado vieram para cá, foram ajudados e passaram a colaboradores, hoje ocupam uma posição importante.

Gosto dela, não permito que falem dela e a julguem.
Os dois se amam e souberam vingar.

- O senhor acha justo vingar? - perguntou Kim.
- Não acho, mas aceito.
Ela me ajudou quando desencarnei, quando estava desesperado.
Ela me trouxe para cá...

- Pelo visto não ajudou muito - disse o mocinho suspirando.
- Foi o que ela pôde fazer...
- Continue - pediu Kim.

- Continue o quê?
Não sei porque estou dizendo isto a você.
Que lhe interessa?
- Ela o chama de Maneco?
- Era chamado assim quando criança.

Frei Manoel suspirou, Kim orou.
Por minutos ficaram quietos.
O mocinho percebeu que o ex-frade não estava mais imobilizado, mas ele não saiu do lugar.

Olhou para Kim e disse:
- É, está calor.

Kim sabia que a Zona Umbralina tem a temperatura da Terra, e seus habitantes, quase todos, são sensíveis a mutações climáticas.
Ele não sentia calor, porque já aprendera a não sentir mais as sensações do corpo físico e o ex-frade não.

- Não tenha dó de mim, menino!
Você deve estar pensando no que fiz para estar aqui.
Não está curioso? Mas não vou falar.
Volte e diga ao Xandinho que eu, seu amigo, morri, mas morri mesmo de corpo e alma.

Começou a chorar soluçando.
Kim se pôs a orar novamente, deixou que ele chorasse, o que ele fez por minutos, até que se acalmou.

- Foi agradável revê-lo, Maneco.
Dê abraços em Matilde.
Diga a ela que hoje o senhor encontrou com um amigo.

Que tal nos rever amanhã?
Podemos marcar um encontro aqui, podemos falar do passado.
O senhor sabe como desencarnei?
Poderei lhe falar.

- Só para conversar? - perguntou Frei Manoel desconfiado.
- Nós não fizemos isto?
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Véu do Passado - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho - Página 4 Empty Re: Véu do Passado - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Fev 12, 2015 11:07 pm

- Sinto-me melhor, falar me faz bem.
Está calor, você não sente?
Bem, talvez venha.

- Estarei aqui amanhã às doze horas.
Venha, por favor, é tão bom conversar com o senhor!
- Faz tempo que não converso de modo agradável, para estes caras só falo besteiras.
- Talvez eles não tenham a mesma cultura.
- É verdade!
- Amanhã?

Frei Manoel não respondeu, levantou-se e saiu rápido.

Mateus foi para perto de Kim e afirmou:
- Esteve bem, meu rapaz.
- Não sei como consegui.

Percebeu, então, que foi Mateus quem o ajudou.
Sorriu para o amigo e agradeceu:
- Obrigado!

Voltaram para o Posto, novamente passaram perto do homem a quem Mateus deu água e este gritou:
- Meu vinho e já, servo inútil!

Mateus não respondeu, continuaram andando e logo chegaram.
Kim sentiu-se aliviado dentro do Posto.

Seu cicerone lhe disse bondosamente:
- Meu jovem, se quiser ajudar seu amigo, ore a seu favor.
Daqui poderá mandar pensamentos bons a ele, de ânimo e esperança, activando-lhe a vontade de ir ao seu encontro.
Pensamentos são ondas que atravessam tudo.

Kim agradeceu seu companheiro e foi para seu quarto, um lugar que lhe fora reservado para aqueles dias.

Ali orou com fé, queria muito que Frei Manoel fosse e que conseguisse convencê-lo.
Eram dez horas da manhã quando os dois saíram do Posto rumo à pequena gruta.

Chegaram antes da hora marcada e lá estava o ex-frade esperando-os.
Kim foi ao seu encontro com os braços abertos para um abraço, mas ele se afastou evitando, então, o mocinho sentou-se ao seu lado.

Mateus, como no dia anterior, afastou-se alguns metros e ficou esperando.

- Como está seu avô Xandinho? - perguntou Frei Manoel.
- Está bem, desencarnou há pouco tempo.
Está na Colónia e recupera...

Frei Manoel não o deixou terminar, tinha necessidade de desabafar e para ele ali estava alguém disposto a ouvi-lo.

Começou a falar, contar seu modo de viver ali no Umbral.
Embora a irmã gostasse dele, não compartilhava de suas ideias, achando-o careta e queria mudá-lo.
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Véu do Passado - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho - Página 4 Empty Re: Véu do Passado - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Qui Fev 12, 2015 11:08 pm

A moradia dela com o amante era muito esquisita e tinham lá como prisioneiro o ex-marido, que era submetido a sessões de tortura insuportáveis de se ver.

Não gostava das festas, entristecia com as cenas exóticas e eróticas e lhe era constrangedor o assédio das mulheres.
Sentia nojo e também se sentia sujo.
Chorou em muitas passagens e não se importou, quando Kim o abraçou.

- Venha comigo! - pediu o jovem.
- Não posso, sou covarde!
É merecido o que sofro.
Talvez teria que sofrer mais, tal como meu pobre cunhado, que é torturado e que nem parece mais um ser humano.
Sou covarde! Incapaz até de sofrer!

Calou-se, ficou imóvel, com o olhar parado.
Kim orou e viu o pensamento dele.

As cenas eram as que ele acabara de narrar:
a casa da irmã em tom vermelho, pessoas indo e vindo, e farrapos humanos sendo chicoteados e pisoteados.

- Vou embora - falou Frei Manoel, desolado.
- Volte amanhã, por favor -, pediu Kim.
- Volto, na mesma hora.

Levantou devagar, cumprimentou Mateus e desapareceu.

- Será que volta mesmo? - indagou Kim a Mateus.
Se ele não voltar, que irei fazer?
Depois de amanhã terei que voltar à Colónia.
E como deixar um amigo assim?

- Kim, todos que moram aqui, escravos, sofredores e algozes são, antes de amigos, nossos irmãos.
O socorro existe e, para mudar a maneira de viver, basta querer com vontade.
Não se entristeça e nem deixe a preocupação exceder. Confie!

Faça novamente suas vibrações de carinho a favor dele.
Se ele não vier, podemos chamá-lo mentalmente e ele se sentirá como atraído para cá.
Como também poderemos procurá-lo.

Mas se ele estiver na cidade Umbralina não iremos, você não teve permissão de ir até lá.
Meu jovem, lembre-se de que nossa morada do futuro é a que construímos no presente e a do presente, a que fizemos no passado.

Kim compreendeu o amigo.
O Umbral não era castigo do Pai Amoroso, era um lugar onde muitos necessitavam temporariamente ficar.

Esperançoso caminhou de volta ao Posto.
Andaram um pedaço, quando Kim escutou um barulho estranho e parou.
Mateus convidou-o com a mão a se aproximar do local de onde vinha o som.

Eram pessoas conversando, uns falando de modo autoritário e outros gemendo e implorando.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Fev 12, 2015 11:08 pm

Pararam a alguns metros do local e Kim observou interessado.
Viu três homens vestidos de maneira estranha, pareciam ser roupas antigas de soldados:
estes zombavam impiedosos, outros dois, em farrapos, estavam de joelhos implorando por misericórdia.

- Vocês, fujões malditos, vão arrepender!
Conhecerão a fúria dos castigos e a prisão, para recordar com saudade dos bons tempos em que eram só escravos - disse um dos três a rir cinicamente.

Mateus aproximou-se e Kim também o fez, porém chegou bem perto do companheiro.

- Aonde vocês vão? - Mateus falou e sua voz ressoou como um trovão.

Os cinco olharam assustados para onde estavam, porém não os viram e um deles disse apressado, tentando levantar os dois que estavam ajoelhados.

- Vamos, levantem depressa, seus molengas!
- Deixe-os! - falou Mateus novamente.

Os três carrascos fugiram correndo e os outros dois, com medo, continuaram ajoelhados implorando.

- Por favor, deixe-nos! Por Deus!
- Acalmem-se!

A voz de Mateus mudou de tom, agora voltara a ser suave.

Aproximou-se dos dois e, quando estes o viram, ele os tranquilizou dizendo:
- Não temam mais!
Bebam de nossa água.

Sequiosos, beberam e Mateus os ajudou a se levantarem.
- Avancemos rápidos!

Amparou um e Kim o outro, caminhando ligeiros para o Posto.
Os dois andavam com dificuldades e, assim que chegaram, outros trabalhadores os levaram para a enfermaria que os abrigaria.

O jovem estava curioso e Mateus gentilmente esclareceu:
- Viemos rápido, porque os três certamente foram em busca de ajuda.
- Estes dois eram escravos, mas coitados, como trabalhar se nem conseguiam parar de pé?

- Pelo medo maior.
Mas connosco os dois relaxaram, sentiram-se apoiados.
Eu os trouxe porque senti que queriam socorro.

Infelizmente não podemos trazer todos que gostaríamos.
Pelo bom andamento deste lugar de auxílio, devemos encaminhar para cá os que estão em condições de merecer abrigo.

- Eles estavam arrependidos? - indagou Kim, querendo aprender.
- Estavam cansados de sofrer e prontos a melhorarem.
- Coitados! - exclamou o mocinho.

- Você tem dó dos que ficaram ou destes dois que logo estarão bem?
- Acho que de todos eles.
Mas estes dois estarão bem, a ponto de serem felizes?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Fev 13, 2015 10:33 pm

Mateus sorriu com seu modo agradável e esclareceu:
- A felicidade para mim é ter a consciência em Paz.
E estes terão Paz só porque foram socorridos?

Acho que não.
Nossos erros nos pertencem e nos acompanham até a compreensão maior, quando nos levam a uma reparação.

A culpa é um peso muito grande.
Todos nossos abrigados são tratados com muito carinho e encaminhados a um aprendizado, tendo muitas oportunidades para ter esta compreensão.

E depende de cada um aproveitar ou não o que lhes é oferecido.
Trabalho reparador é que não falta.

- Mateus, porque os três fugiram?
Não poderiam nos enfrentar?

- Não nos viram, ouviram só minha voz, julgaram que eram muitos.
Acostumados com a lei da força bruta, temem sempre quando se acham na inferioridade.
Poderiam nos enfrentar, mas, se o fizessem, teria que adormecê-los por minutos.

- Se não conseguisse? - indagou Kim curioso.
- Meu jovem, para servir aqui se tem que aprender muitas coisas e eu não ia cair numa emboscada.
Tenho pelo treino uma visão mais ampla destes vales.

Mas, se por acaso necessitasse de auxílio, era só pensar no Posto e imediatamente uma equipe iria até nós.
Não corremos perigo, nós, trabalhadores de Jesus.
Limpemo-nos agora.

Kim se olhou e viu que se sujara ao carregar um dos socorridos.
Olhou para Mateus, este fechou os olhos e em instantes estava limpo.
O amigo convidou a fazer o mesmo.

- Faça também!
Feche os olhos e imagine-se limpo.

Kim o fez, desejou ardentemente estar limpo e, surpreso, ficou.
- Pronto - disse Mateus sorrindo, agora está em forma.
Mas, se quiser se banhar, fique à vontade.

- Mateus, estou lhe dando trabalho extra.
Espero que não esteja perdendo tempo comigo.
- Não é perda de tempo tentar ajudar um irmão.
E você é um amigo que acompanho com prazer.

Kim sorriu contente.
Estava gostando demais do Posto da Luz e admirou muito o trabalho daqueles espíritos que ali serviam.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Fev 13, 2015 10:33 pm

X - O SOCORRO

Kim resolveu orar, vibrar para Frei Manoel como fez no dia anterior.

Resolveu ir ao Salão da Meditação.
Não é em todos os postos ou casas de abrigo que existe um lugar próprio para orar.
Nosso modo de viver deve serem oração e entendendo que Deus é omnipresente, então, não precisamos de local próprio para estar em comunhão com nosso Criador.

Mas a desencarnação não nos leva a dar saltos, assim, para que muitos recém-desencarnados não estranhem, há em muitos lugares de socorro locais, salões, onde muitos vão meditar e orar.

O Salão de Preces do Posto da Luz está localizado no meio do jardim.
Simples, pequeno, as paredes laterais ornadas com quadros de Jesus ensinando e abençoando.
Na frente, uma mesa rectangular pequena com uma toalha branca e alguns bancos espalhados.

Kim sentou-se num banco e se pôs a orar.
Ao seu lado, um senhor de aspecto agradável também o fazia.
Após minutos de silêncio, o senhor lhe dirigiu a palavra.

- Este lugar é bem bonito, você não acha?
É um local digno de todas as religiões.
Como você vê o local?

Kim estranhou a pergunta dele, porém o descreveu.

- Ora! Você o vê como é na realidade!
Não trouxe enraizado nenhuma forma de orar.
Que religião seguia, encarnado?

Era a primeira vez que o indagavam sobre este assunto.
Kim não ouvira ninguém falar de religião.
Na Colónia oravam em grupo, estudavam os Evangelhos, falavam da imensa bondade e justiça Divina.

Agora, diante da pergunta dele, percebeu que não tinha rótulo, ou não se dava nomes que estava seguindo no Plano Espiritual.
Era algo puro e verdadeiro.

Respondeu ao indagador:
- Bem, dizia ser católico, mas não fui um seguidor fiel.
Sempre orei, amei e amo muito a Deus.
Aqui não me filiei a religião nenhuma e nem escutei nada sobre isto. É importante?
Encontrei depois da morte do meu corpo tantas coisas diferentes do que aprendi...

- Creio que religião é importante para a maioria dos encarnados, porque são setas no caminho.
Mas nos cabe dar os passos para caminhar rumo ao progresso.
É bom conhecer os ensinos de Jesus, é uma orientação boa para seguir o Bem, porque a maioria das religiões nos ensinam a fazer o Bem e evitar o Mal, amar a Deus e o próximo.

Religião é ligar ou religar o indivíduo a Deus.
E existe algo mais forte para isto que o Amor?
Aqui no Plano Espiritual aprendemos a colocar o Amor em primeiro lugar.

São muitas as religiões existentes no nosso planeta Terra e longe estão de resolver os problemas humanos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Fev 13, 2015 10:33 pm

Muitos dão mais importância aos actos externos e deixam o interno, mais importantes, por fazer.
E o Amor que nos modifica é interno.
Você veio orar?

- Sim, gosto de orar e o faço todos os dias - respondeu Kim.
- Procure amar também, meu jovem.
Observe bem este salão, muitos o vêem diferente.
É o único lugar do Posto onde o interno que aqui vem orar pode ver a seu gosto, poderão sentir como se estivessem numa sinagoga, numa igreja, num templo Batista, etc.

- Isto é muito lindo!
Kim entendeu que os orientadores do Posto queriam que todos seus abrigados tivessem o consolo da crença que possuíam, quando encarnados, até que entendessem, como ele agora o fazia.

Deus é único e somos todos irmãos.
Se Ele não nos separa pela nossa crença, quem somos nós para fazê-lo?
Mandou vibrações de Amor ao Frei Manoel, desejou que ele quisesse sua ajuda e perdoasse a si mesmo.

Depois ficou observando as pessoas que ali estavam.
Umas ao chegar faziam genuflexões, outras ajoelhavam, outras ficavam de pé ou sentavam como ele.

A vibração ali era muito agradável.
Ficou muito tempo, quando saiu era noite.
Ia para seu alojamento, quando viu Mateus sentado num banco.

Aproximou-se contente e o amigo o recebeu sorrindo.

- Vim aqui meditar um pouquinho.
Refaço minhas energias.
Temos muitos abrigados e muito trabalho.

- Gosta muito do que faz, não é, Mateus?
- Sim, amo o Posto, amo meu trabalho!
Tudo que fazemos com Amor é prazeroso.

Kim percebeu que os olhos do amigo brilharam irradiando amor.
"Isto é a oração que aquele senhor me falou" - pensou - Mateus, por que veio trabalhar aqui?

- Nem sempre fui como sou hoje.
Você me admira, acha-me um herói, mas já fui um farrapo parecido com os que socorremos hoje e de quem você se apiedou.

O importante é que mudei.
Esforcei-me e quis passar de ajudado a ajudante, de servido a servidor.
E, quando queremos, temos oportunidades.

Quando desencarnei, por vibrar igual, vim ter nesta Zona do Umbral, sofri muito até entender meus erros e me arrepender de tê-los feito, com sinceridade.
Socorrido, quis reparar minhas faltas e aqui estou aprendendo a cada dia de trabalho.

Kim, é muito importante entender e querer mudar.
Não ficar preso ao passado, nem ao que fiz e nem ao que deixei de fazer.
Como também não preocupar com o futuro, este é consequência do presente.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Fev 13, 2015 10:33 pm

Sendo assim, é o presente que importa.
É o fazer, melhorar e, agora.
Sou feliz por estar no presente aprendendo a amar e aproveitando as oportunidades de ser útil.

Despediu-se do amigo e foi para seu quarto.
Teve sono por se achar cansado e dormiu tranquilo.
Ainda tinha alguns reflexos do seu corpo físico, mas sabia que logo não necessitaria mais dormir para descansar, porque aprenderia a não se cansar mais.

Esperou ansioso Mateus buscá-lo para ir ao encontro de Frei Manoel.
No horário combinado, saíram do Posto e logo chegaram ao local de encontro.
Kim não o viu, olhou para Mateus pedindo ajuda.

- Ali, Kim - disse seu cicerone.
Ali perto daquela pedra.

Kim foi para o local indicado e viu Frei Manoel todo machucado, com o rosto banhado de lágrimas.

O homem falou rápido assim que o viu:
- Não quis vampirizar um encarnado.
Não obedeci à ordem que me foi dada.
Não me bateram mais e não fiquei preso, porque Matilde interferiu.

Kim, não aguento mais!
Não quero fazer mal!
Já chega o que já fiz!

- Venha comigo, Frei Manoel!
Por favor, deixe-me auxiliá-lo!
- Por que você se preocupa tanto comigo?
Por que me ama?

- O senhor é meu irmão, amigo do meu avô - disse olhando-o com carinho!
- Por Deus, me ajudem!

Amparado pelos dois, chegaram ao Posto.
Mateus cuidou dele e Kim o ajudou.
Medicaram os ferimentos, ele se alimentou e quis colocar a vestimenta de frade.

- Agora o senhor está parecido com o amigo de vovô!
Riram da exclamação do mocinho.

Frei Manoel o olhou agradecido.
- Agradeço-lhes! Obrigado, Kim!
Obrigado, Mateus!

Mateus sorriu e saiu da sala deixando-os a sós, porque percebeu que eles queriam conversar, ou melhor, o ex-sacerdote queria falar.
E, logo após ele ter saído, Frei Manoel começou a conversar.

- Não gostava do modo que vivia no Umbral.
Não gosto de lá, mas era o modo de viver que merecia.
- Todos que pedem perdão com sinceridade obtêm a misericórdia de ser perdoado.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Fev 13, 2015 10:36 pm

- Não vi nenhuma de minhas vítimas para rogar o perdão - disse Frei Manoel pensativo.
- Não será porque o perdoaram?
- Será? Até Tereza?

- Se quiser me contar tudo, escutarei com prazer e, se puder ajudar, o farei.
Talvez se sinta aliviado.
O segredo muitas vezes pesa.

Fizeram uma pausa, os dois mergulharam nos seus pensamentos.

O ex-frade recordava e Kim pensou:
"Quem sou eu para ajudar?
Será que fui imprudente em oferecer auxílio?
Saberei? Mas quero aliviar as aflições dele.

O instrutor Nestor está certo quando nos disse:
"Aquele que ama ajuda;
aquele que ama e tem vontade ajuda mais;
aquele que, além disto possui sabedoria, a ajuda é completa.

Mas se lhe falta o último predicado, ajuda.
Um pouco d'água também mata a sede.
Aja com o coração!"

É isto que farei.
Gosto do velho amigo do meu avô, quero ajudá-lo com muita vontade.

Mas não sei como proceder.
Talvez só escutando ajudarei para que ele se perdoe, porque é muito triste não nos perdoar por algum erro.
Sentir culpa e achar-se merecedor de castigo é muito dolorido."

- Você quer mesmo me escutar, Kim? - perguntou Frei Manoel, quebrando o silêncio.
Não o amolarei?
Ninguém por lá quis me escutar.

- Quero, sim senhor.
Sinceramente gostaria de ouvi-lo como amigo, como irmão.

- Sempre tive medo de você.
Temia suas profecias, como dizia Xandinho, que você descobrisse meu segredo.
Mas, se escondi das pessoas, não escondi de mim mesmo e a verdade sempre me perseguiu.
Como rever Xandinho?
Meu Deus! Piedade!

Nova pausa.
Kim colocou a mão no seu ombro e sorriu encorajando-o.
"Somos irmãos", pensou o mocinho, "que importa ele ter feito isto ou aquilo, estou na frente de um necessitado que quero auxiliar e, com certeza, conseguirei."

- Conte-me o que o aflige.
Comece pelo começo, é mais fácil.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Fev 13, 2015 10:36 pm

- Como já lhe falei, a morte de minha irmã Matilde me chocou muito.
Meu cunhado, depois de alguns meses, começou a nos perseguir.
Aconselhado por todos, entrei para o convento e a Igreja fez com que parasse.

Não tinha vocação, mas a vida sacerdotal me encantou, achei que poderia ser importante de alguma forma.

Ordenei-me e fui ser pároco em uma cidade de porte médio.
Nunca amara nenhuma mulher, até que vi Tereza.
Ela era jovem, bonita, morena com grandes olhos verdes.

Aproximei-me dela, soube então que era órfã e tinha dois irmãos menores.
Tereza na época estava com dezanove anos, Alexandre com quinze e Gabriel com onze anos.

Alexandre trabalhava na lavoura como um adulto, era o nosso Xandinho, seu avô.
A pretexto de ajudar os pobres, aproximei-me da família e passei a dar pequenos trabalhos de costura a Tereza.

Descobri logo que ela não gostava muito de trabalhar.
Ela e o irmão Gabriel saíam pelas ruas a ler sorte das pessoas, gostava de dançar e passear.

Para minha agonia, apaixonei-me perdidamente por ela, não conseguia deixar de vê-la.
Comecei a presenteá-la com o dinheiro da Igreja, que desviava, mas deveria ser usado para ajudar os pobres.

Para minha felicidade ou desgraça, Tereza correspondeu a minha paixão e nos tornamos amantes.
Tereza era leviana, consciente de sua beleza, tirava proveito de seus encantos.

Eu sofria por ciúmes.
Não podia imaginá-la nos braços de outro.
Sentia que ela me enganava. Um dia...

Frei Manoel parou de falar, as lembranças eram dolorosas.

Suspirou e continuou:
- Fui visitá-la uma noite, ela estava cheia dos meus ciúmes e me falou irada que queria se casar, ter marido e filhos, que eu não poderia lhe dar esta segurança e ainda assim queria controlá-la, que estava cansada e enojada de mim.

"Penso casar, senhor frei, disse, acertar minha vida e de meus irmãos.
Dê o fora e não volte mais aqui."
Senti-me enlouquecido e trocamos ofensas.

Não conseguiria viver sem ela.
Num ataque de ódio e ciúmes a enforquei.
Deixei-a caída, corri e fui para casa.

Não consegui dormir aquela noite.
Logo pela manhã me deram a notícia que Tereza estava morta, fora assassinada e que seu irmão caçula estava aos gritos.

Chamaram-me para ajudá-lo.
Mas temia o irmão caçula de Tereza, o Gabriel, achava-o estranho, dizia saber o passado e o futuro das pessoas.

Tentei me acalmar, fui lá ver o menino.
Aproveitando que ele chorava desesperado, tentei livrar-me de uma possível testemunha e, como se estivesse fazendo um acto de caridade, consegui com o bispo internar o menino num sanatório para doentes mentais.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Fev 13, 2015 10:36 pm

Deixei-o lá e nunca mais quis vê-lo.
Soube mais tarde que Gabriel morrera, Alexandre partira da cidade e ninguém foi preso, ninguém.

O crime ficara sem solução.
Fiquei naquela cidade mais algum tempo, fui transferido muitas vezes.
Depois disto, procurei ser um bom sacerdote, tentei, eu...

- Oh! Que desgraça! Que desgraça!

Kim gritou, colocando as mãos na cabeça, e tomou a aparência do menino de outrora.
Frei Manoel o reconheceu.

- Gabriel!!!
Kim prestava atenção no relato do ex-frade.
Quase sempre nos achamos diante de circunstâncias em que estamos, por alguma razão, envolvidos.

Ao escutar, ele voltou ao passado, recordou.
Envolveu-se tanto, que sua aparência perispiritual, que é mutável, modificou-se.

Mais calmo, falou:
- Eu amava minha irmã Tereza, era tudo para mim.
Quando nossos pais morreram, éramos todos pequenos.
Ela não deixou que nos separássemos, cuidou de mim com carinho de mãe.

Só ela me entendia e não achava que era louco.
Dormia comigo, quando eu tinha sonhos com os monstros que me perseguiam, segurava minha mão me consolando.

Defendia-me, não deixava que me xingassem.
Eu predizia o futuro e o passado, não sabia por que fazia isto.
Era só olhar para uma pessoa para saber.

Resolvemos ganhar dinheiro com isto.
Saíamos pela cidade dando consultas, como dizia ela, ganhando dinheiro.

Mas não fazíamos mal a ninguém.
Ela era alegre, transmitia alegria e eu me orgulhava dela, achava-a linda e gostava que a admirassem.
"Gabriel", dizia ela, "você vê o futuro das pessoas e não vê o nosso. Por quê?"

"Não sei", eu respondia, "não sei..."
"Não se preocupe, não vê, porque será lindo!

Bobinho, é assim mesmo.
As pessoas que adivinham não conseguem ver seu próprio futuro."

Acreditava nela.
Por muitas vezes, ela passou fome para nos alimentar.
Quando descobriu que com sua beleza nossa vida podia se tornar mais fácil, passou a ter amantes.

E eu só queria que ela fosse feliz e ela dizia ser.
Sabia de seus encontros.
Quando ela ia receber alguém em nossa casa, eu tinha que dormir no outro quarto.
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Véu do Passado - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho - Página 4 Empty Re: Véu do Passado - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Fev 13, 2015 10:36 pm

Um dia escutei barulho, ela estava discutindo.
Fiquei espiando pela porta.
Quando vi um sacerdote sair, fui até ela.

Tereza estava nervosa.

"Acabei tudo com este padreco ciumento.
Imagine que ele quis me enforcar.
Fingi que desmaiei.
Se ele não me deixar em paz, irei falar com o bispo."

Bateram à porta.
Era um senhor rico e importante, mas casado.
Fazia algum tempo já que Tereza se encontrava com ele.

Mas queria também acabar com aquela relação.
É que ela estava gostando de um rapaz, um jovem muito bonito, um camponês, que queria casar com ela.
Minha irmã fez um sinal para que eu saísse e fui para o outro quarto resmungando.

Estava com sono e dormi logo.
Quando acordei de manhã, encontrei-a morta, foi enforcada.
Senti tremenda dor, sofri tanto, muito mais que a morte de meus pais.

Kim sentou no chão e chorou, passava as mãos pelos cabelos.
Sua expressão era de dor, soluçava e as lágrimas rolavam abundantes pelo rosto.

Frei Manoel assustado não sabia o que fazer, ficou imóvel, olhando-o.
Mateus entrou na sala logo que ele gritou, mas nada fez, esperou que o jovem desabafasse.

Ele continuou a falar:
- Não me conformava, gritava, não queria que enterrassem aquele corpo lindo que tanto amava.
Levaram-me para um hospital.

Meu irmão Alexandre não queria, mas nada pôde fazer.
Foi o bispo quem ordenou.
Como também os vizinhos acharam que eu era realmente desequilibrado e que o bispo estava fazendo uma caridade, convenceram meu irmão que era o melhor para mim e que, internado, teria condições de sarar.

- Mas não estava louco e nem doente, era só diferente.
Fiquei preso, por desobedecer, fui muitas vezes castigado, ninguém me entendia, temiam-me pelas minhas visões.
Passei a ver pessoas que morreram.

E Tereza não me abandonou.
Ficou comigo me consolando.
Mas ninguém acreditava em mim.
Foi um alívio minha desencarnação.

O jovem deu um suspiro.
Mateus aproximou-se e colocou as mãos sobre ele, que voltou a ter a aparência do neto de Xandinho, de Kim, que abriu os olhos e refugiou-se nos braços de Mateus.
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Véu do Passado - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho - Página 4 Empty Re: Véu do Passado - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Fev 13, 2015 10:37 pm

Este acalmou o jovem amigo e falou:
- Kim, você não soube me responder, quando indaguei por que se empenhava tanto nesta tarefa.
Era porque tinha muito a ver com você.

Frei Manoel chorou, deitou-se no chão como fazem os padres penitentes.

- Oh, meu Deus!
Queria tanto pedir perdão para minhas vítimas.
Agora estou diante de uma.
Perdão, Kim! Perdoe-me!

Kim olhou para Mateus implorando ajuda, mas ele ficou impassível.
O menino entendeu que a decisão era sua, falou calmo, pegando a mão do ex-sacerdote.

- Levante-se! Eu o perdoo!
- Obrigado! - falou o ex-padre. - Como sofri.
E foi um crime que nem cometi.

Não matei Tereza!
Meu Deus, não sou um criminoso!
É justo isto? Sofri como um assassino!

- A intenção é tudo - disse Mateus elucidando.
Aquele que fica com a intenção, praticou o mal em seu coração.
A acção é a consequência da intenção.

Frei Manoel não respondeu, abaixou a cabeça e entendeu que Mateus tinha razão.
Embora ele não tivesse matado Tereza, ele errou e muito.

Escondeu seu ato, prejudicou o garoto mandando-o para um sanatório, fez tudo para esconder sua acção vergonhosa.
Errara muito.

- Não se martirize, amigo - aconselhou Mateus.
Reaja.
Se queria tanto encontrar com uma de suas vítimas, como disse, Deus lhe concedeu esta oportunidade.

Kim, como Gabriel, foi a meu ver a pessoa que você mais prejudicou, e ele o perdoou de coração e muito lhe quer bem.
Agora, perdoe a si mesmo seguindo o exemplo dele.

Virou-se para o jovem e propôs:
- Venha, Kim, deve descansar um pouco agora.

O jovem se deixou levar.
Mateus o acomodou no leito e este dormiu logo diante do sorriso carinhoso do seu guardião.

- Acorde, garoto! - disse Nestor, sorrindo.
Vamos partir logo. Devemos regressar à Colónia.
Seu amigo o está esperando no Salão de Meditação. Vá até lá!

Kim acordou disposto, agradeceu a Nestor, ajeitou-se, arrumou o leito e foi ao encontro do amigo.
Encontrou-o orando.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Fev 13, 2015 10:37 pm

- Frei Manoel! - exclamou contente.
Que bom vê-lo bem!
- Kim, estou tão envergonhado!
Você me perdoou mesmo? Fui tão mau...

- Quem não foi?
Perdoei, sim, e há muito tempo.
Antes de reencarnar já o havia feito.
Estou pensando que devo ter sofrido por erros cometidos em existências passadas.
Que será que fiz?

- O que interessa é que você agora é uma pessoa maravilhosa.
Nunca vou esquecer que você veio atrás de mim.

- A verdade é que vim sem saber.
Vim por vovô, ele quer revê-lo.
Mas tive muita vontade de ajudá-lo.

Agora entendo. O senhor queria ver uma de suas vítimas para pedir perdão e eu vim.
E, lhe digo, se soubesse teria vindo do mesmo jeito.
Vamos, partiremos logo.

- Kim, conversei com Mateus.
Sentia-me muito indigno.
Ele me fez entender que não posso ficar no remorso destrutivo, se errei, estou tendo oportunidade de reparar e devo aproveitar.

Deus é bondoso demais. Vou com você.
Preciso pedir perdão a Xandinho.

Kim despediu-se emocionado de Mateus, este lhe assegurou:
- Basta só um obrigado!

Reuniram-se para partir.
Kim viu José feliz, abraçado a uma senhora que estava debilitada.

Alegrou-se, ele também tivera êxito.
Fez questão, ao chegar à Colónia, de ser cicerone do antigo frade.

- Frei Manoel, o senhor quer mesmo que o chamemos assim, de frei?
Bem, não sei...
- Está bem, vamos chamá-lo de frei até que resolva - observou o jovem sorrindo.
Aqui está nossa casa, ficará connosco até que o orientador da Colónia e o senhor decidam o que lhe será melhor.

- Tudo é tão lindo!
Será que um dia poderei trazer para cá minha irmã Matilde?
- Matilde é uma ovelha extraviada.
Tenho a certeza de que ela se cansará e irá querer mudar um dia.

Vamos confiar.
Com certeza o senhor terá oportunidades de ajudá-la.
Aqui poderá aprender como ser útil, poderá ir até ela e convencê-la a mudar de vida.
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