LUZ ESPÍRITA
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Véu do Passado - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

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Véu do Passado - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho - Página 3 Empty Re: Véu do Passado - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Fev 09, 2015 10:10 pm

- No convento - continuou o menino -, errou muito.
Vejo-a sofrida a chorar no começo, mas depois se tornou imponente, tendo encontros secretos, recebendo amantes.
Foi má, judiou de jovens que foram levadas para lá.
Fez muitas intrigas e calúnias.

- O culpado foi ele! Ele! - defendeu ela.
- Você também é culpada! - disse Frei Luís calmamente.
Você não deve culpá-lo por tudo!
Sabe que voltamos muitas vezes a viver num corpo carnal.

Já recordou suas outras existências?
Será que não sofreu o que fez outros sofrerem?
Nesta mesma maltratou muitos.

Onde estão, Ana Frida, os que você prejudicou?
Onde estão suas vítimas?
Será que eles guardam rancor como você?
Não os teme?

Frei Luís levantou-se e colocou as mãos na testa de Frei Felipe e consequentemente dela também.

Ela tampou o rosto com as mãos.
Mas não se tampam as lembranças.
Começou a chorar.

Após uns minutos, o frei falou bondosamente:
- Ana Frida, desista da vingança!
Deixe Frei Felipe e cuide de você.
Tente ser boa! Você, minha filha, errou muito, vingando-se erra mais.

Por que não perdoa e pede perdão?
Na medida que se perdoa é que se é perdoado.
Ele teve culpa de muitos dos seus sofrimentos, mas não teve de você ter sido má, de ter errado.

E são seus erros que a amarguram tanto.
Ore comigo! Oremos ao nosso Mestre Jesus, pedindo a Ele perdão e misericórdia para termos paz.
Somos irmãos e como tal devemos todos amar.

Ana Frida chorou com sinceridade e por intermédio de Frei Felipe beijou a mão de Frei Luís, falando emocionada:
- Partirei! Vou embora, estou cansada e nunca tinha me analisado como hoje.
O senhor tem razão!

Disse muitas verdades que me tocaram.
Ninguém se torna mau por receber maldades.
Os erros são nossos e não justifica colocar a culpa em outro.

Deixo Gabs com seus erros e vou cuidar de reparar os meus.
Vou em busca de abrigo e pedirei o esquecimento que para mim será tão benéfico e que só Deus por sua bondade pode nos dar, nascendo num outro corpo.
Reencarnarei! Deus lhe pague!
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Fev 09, 2015 10:10 pm

Ana Frida sumiu, Kim teve a certeza de que ela partiu para não voltar.
Olhou para seu amigo, este orava baixinho e Frei Felipe se acalmou, ficou prostrado, com a cabeça inclinada, levantou os olhos e falou baixo.
Sua voz não era mais soturna.

- Ajudando-me novamente?
Tive outra crise? Quem é você, menino?
É o garoto que está hospedado connosco?

- Sim - respondeu Frei Luís -, este menino é nosso hóspede.
Chama-se Joaquim, mas todos o chamamos de Kim.

Virou-se para o menino e pediu:
- Por favor, vá e me espere no jardim, irei logo conversar com você.
Agora ajudarei Frei Felipe a se banhar e alimentar.

Kim saiu do quarto, atravessou o corredor frio e húmido com a sensação de que muitos seres invisíveis o espiavam.
Ficou aliviado quando chegou ao jardim.
Sentou-se na borda do pequeno chafariz.

Ficou olhando as águas e de repente teve uma visão.
Viu Frei Luís morto. Ele bebia algo e morria.
Ficou triste, muito triste.

- Está muito pensativo, Kim - disse Frei Luís, sentado ao seu lado.
- Frei Felipe sarou? - perguntou o garoto, preocupado.
- Não sei - respondeu o frei amigo, de modo sincero.
Quando é que saramos de nossos erros?
Mas você me ajudou muito.

Há tempos tento conversar com este espírito, Ana Frida, e não conseguia convencê-la a não mais importunar Frei Felipe.
Você me fez vê-la como uma pessoa normal, com sentimentos, defeitos e qualidades.

Ela desabafou e se sentiu melhor ao nos contar sua vida.
Não pensei que tivesse errado tanto.
Entendi agora que quem não perdoa sempre tem também que ser perdoado.
Alegrei-me por ela ter ido, terá paz.

- O Senhor disse que vivemos muitas vezes e sua Igreja não acredita nisto.
O menino indagou, olhando-o nos olhos.

O frei meditou por uns segundos e respondeu calmamente:
- Existem muitos mistérios em nossas existências.
Como contestar factos tão evidentes?
Como não acreditar que Frei Felipe não foi Gabs e no que nos disse Ana Frida?

Tenho pensado muito, não consigo explicar como vejo e converso com os mortos.
Tenho lido livros orientais e sou forçado a crer que Deus é bem mais bondoso e justo que este que pregamos, este que nos dá uma só oportunidade.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Fev 09, 2015 10:10 pm

Frei Felipe não é louco.
Mas, como ele diz muitas coisas que para muitos são estranhíssimas, fica preso.
Porém ele é muito bem tratado.
Agora o deixei dormindo, tomou banho e se alimentou.

Quanto a sarar, acho que não, ainda existem outros espíritos a atormentá-lo.
Repito:
como fugir dos nossos erros?
Creio que um dia ele se libertará, os outros, como Ana Frida, irão com certeza embora.

A colheita de erros é dolorosa.
Jesus nos ensinou que aqueles que pecassem contra seus irmãos iriam para onde haveria choros e ranger de dentes.
Tento compreender este ensinamento e acho que é no corpo carnal que resgatamos nossos erros, seja pelo trabalho edificante, com muito amor, ou seja pela dor.

- Frei Luís, já vi muitos espíritos, mas fiquei com dó de Ana Frida.
- Todos aqueles que não perdoam são dignos de dó - admitiu o frei pensativo.
- Frei Felipe só fica naquele quarto?
Só o senhor consegue acalmá-lo?

- Está preso há cinco anos.
Quando se sente bem, sai a passear só dentro do convento.
Frei Gregório, aquele velhinho, e eu somos os que o ajudamos mais, por entender o que acontece com ele.

- Estes espíritos maus e vingativos só obedecem as pessoas boas, não é? - perguntou o menino.
- Jesus se fazia obedecer pela sua boa moral.
É necessário sermos bons e puros para que possamos ser respeitados pelos espíritos que temporariamente estão nas trevas do erro.

Kim, responda-me:
- É verdade o que Ana Frida disse a respeito de você estar enriquecendo os cofres do convento?
Fale-me, sem esconder nada.
- É - respondeu o garoto.

Não sei bem para quê, mas Frei Marco e Frei Fernando me pedem sempre para que veja o número a ser sorteado em um tal jogo.
Não sei de mais nada.
- Meu Deus! - exclamou Frei Luís tristemente.
Que estão fazendo com você?

- Será que irei sarar? - indagou o menino preocupado.
- O senhor acha que posso ser um garoto como os outros?
- Acho que não, filho.
Estou pensando como ajudá-lo e creio que o melhor é você ir para sua casa e lá evitar tudo isto, estas adivinhações.

Só que eles não o deixarão ir, terá que partir escondido.
Você quer voltar para sua cidade?
Quer ir para perto de seus familiares?

- Quero! -respondeu o menino, e depois disse timidamente:
- Frei Luís, vi o senhor morrendo.
Estou preocupado!
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Fev 09, 2015 10:11 pm

Que será de nós sem o senhor?
De mim? De Frei Felipe e de todos que ajuda?
Vi o senhor tomando algo e morrendo. Será assassinado!

O bondoso homem não se alterou, coçou o queixo pensativo.

- É necessário tomar umas providências.
São muitas coisas erradas.
Não se preocupe, você irá embora e, se eu morrer, tentarei ajudá-lo.

Talvez seja mais fácil auxiliá-lo sem este corpo físico.
Frei Felipe terá o Frei Gregório que o ajudará, nosso bondoso velhinho tomará conta dele.

Depois, meu menino, colhemos o que plantamos.
Frei Felipe na sua outra existência encarcerou tantas pessoas, fez tanto mal!
Tenho a certeza de que nesta ele resgata e repara muitos erros, porque se arrependeu e quer melhorar.

Vamos planear já sua ida para sua cidade.
Logo à tarde partirá um trem, irá nele, quanto mais depressa sair daqui, melhor.
Você arrumará suas coisas e eu, o dinheiro para a viagem.

Só depois de amanhã haverá apostas, e só então darão por sua falta, mas aí já estará seguro com os seus parentes.
E eles estarão muito preocupados com as denúncias que terei feito.

- Quero ir, sim.
Sem o senhor aqui, terei medo.
Denunciará também o Frei Felipe?

- Não, este não!
Se os superiores souberem o que se passa com ele, mandarão para uma clínica e ele não é louco, só iria piorar seu estado.
Tudo cansa e estes espíritos que estão com ele cansarão.
Ana Frida era a pior e já foi embora.
Todos irão e Frei Felipe será um bom frei. Creio nisto!

- Venha comigo, assim não morrerá - pediu o menino.
- Não devemos fugir das nossas responsabilidades.
Tenho muito que fazer aqui.
Depois, não temo a morte do corpo.

Terei cuidado com tudo que beber ou comer.
Não tomarei vinho e eles não terão como me envenenar.
Agora vá. Nós nos encontraremos no portão lateral às dezassete horas.

Kim foi para seu quarto, banhou-se e arrumou suas coisas.
Desceu para o jardim pela parte dos fundos e esperou perto do portão lateral.
Logo veio ao seu encontro Frei Luís, com sua bicicleta.

- Vá com Deus e que nosso Pai o proteja!
Vá com cuidado e perto da estação dê esta bicicleta a alguém.
Aqui tem o dinheiro.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Fev 09, 2015 10:11 pm

Deus me perdoe, mas tirei de Frei Marco.
Afinal você ajudou a ganhá-lo. Eu o abençoo.

Abraçou-o e Kim teve vontade de chorar, mas não o fez.
Saiu rápido pelo portão e escutou Frei Luís trancá-lo.
Rumou para a estação.

Quando faltavam poucos metros para chegar, viu um senhor já idoso que vendia frutas, levando duas cestas pesadas.

"Bem", pensou, "uma bicicleta lhe será de grande ajuda."
- Fique com esta bicicleta, senhor.
Partirei e não irei precisar dela.
Não posso levá-la.
Estou dando ao senhor.

O homem ficou surpreso e nem conseguiu falar.
Kim tirou a mala que estava presa atrás e saiu rápido.
O vendedor de frutas alegrou-se com o inesperado presente.

Chegou à estação, comprou o bilhete, o trem partiria em quarenta minutos.
Teria que fazer uma baldeação.
Contou o dinheiro da passagem, iria sobrar.

Foi a uma loja perto da estação e comprou quatro presentes, um para Regina, outro para Isabela e os outros dois para seus sobrinhos que nasceram e que não conhecia.

Voltou à estação e esperou ansioso pelo trem.
Seu coração batia forte, temia que os frades descobrissem sua fuga e viessem buscá-lo.
Quando o trem chegou, subiu rápido, acomodou-se e suspirou, quando este partiu.

Viajou por horas; à noite sentiu frio e medo, acabou por cochilar sentado.
Era uma hora, quando o trem chegou à estação onde deveria descer para pegar o outro trem.

Perguntou. Teria que esperar.
Só às seis e trinta partiria o outro que o levaria para sua casa.
Sentou-se num banco, encostou a cabeça na sua mala e tentou dormir, não conseguiu, estava muito assustado.

Amanheceu e Kim sem problemas se achou no trem que o levaria à sua cidade.

Agora mais tranquilo, partiu contente.
Não demorou muito, chegou.

Suspirou aliviado.
Como era agradável rever as montanhas, os vales!
Achou tudo muito lindo, olhava tudo com carinho.

Rumou para sua casa, antiga casa.
Seu coração parecia saltar do peito, quando viu as casinhas na encosta da montanha.

No convento, Frei Luís ao fechar o portão rogou a Jesus que permitisse que bons espíritos acompanhassem o menino.
Não era justo deixar o garoto continuar sendo usado por Frei Marco e Frei Fernando, para enriquecê-los e gastarem de modo ilícito.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Fev 09, 2015 10:11 pm

Foi para seu quarto e escreveu uma longa carta aos seus superiores, endereçada a um monsenhor que há tempo desconfiava de que algo errado acontecia no convento.

Na missiva, escreveu tudo que sabia dos encontros dos dois frades, dos negócios que envolviam grandes somas de dinheiro, citando locais e nomes.

Fechou a carta, iria remetê-la no dia seguinte.
Dormiu sem jantar.
Logo após a missa, Frei Luís saiu e colocou a carta no correio.

Cuidou dos afazeres e foi conversar com Frei Felipe, dando-lhe esperança.
Pediu que tivesse paciência e que se esforçasse para ser bom e honesto.
Depois foi procurar Frei Gregório e pediu para que cuidasse de Frei Felipe.

Arrumou tudo no seu quarto e evitou comer algo que não fosse na mesa com os outros, como também não tomaria mais vinho.

"Terei cuidado, eles não me conseguirão envenenar" - pensou.
Como previu, só no outro dia, após a missa, Frei Marco deu por falta de Kim e foi procurar Frei Luís.

- Onde está o menino? Sabe dele?
Não está no quarto, parece que não dormiu lá e sua roupa sumiu.
Ele mudou de quarto?

- Hoje é dia de jogo, não é? - perguntou Frei Luís calmamente.
Procura-o por isto?
- Então acredita no louco do Frei Felipe?

- Sabe que espíritos falam por sua boca.
- Demónios...
- Que seja. Embora saibamos que demónios são seres como nós.

- Tentam os homens!
Deixe os demónios com Frei Felipe. Quero o menino!
- Demónios que sabem o que dizem.
Afastei o garoto, levei-o para longe.
Não o quero mais aqui.

Que fazem com o dinheiro que ganham no jogo?
O senhor sustenta mulheres, Frei Fernando joga e enriquece a família, Frei Leonel deixa o filho cada vez mais rico.

Fez-se silêncio.

Frei Marco, após pensar uns minutos, indagou preocupado:
- A quem mais disse isto?
- A ninguém.

- Não sabe mentir.
Comunicou aos nossos superiores?
- Não digo mais nada.
Peço-lhes esquecer o menino.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Fev 09, 2015 10:11 pm

Frei Marco fechou a cara, chegando até fazer careta.
Saiu apressado indo ao encontro de Frei Fernando e Frei Leonel.
Reuniram-se no seu gabinete, onde contou tudo que se passou.

- Temos que agir rápido.
Tenho a certeza de que Frei Luís nos delatou.
Temos que destruir provas.

Quinze minutos após acabou a reunião e todos sabiam o que fazer.
Deveriam despistar tudo que poderia comprometê-los.
Um iria fazer viajar a amante, outro informaria ao filho para ficar atento, outro suspenderia o jogo e avisaria os parceiros.

Limpariam tudo, destruiriam provas e não deixariam vestígios no convento.
E decidiram pela eliminação do frei delator.
Como Frei Luís previu, não procuraram o garoto, estavam preocupados com uma provável inspecção, como também não convinha que o menino estivesse ali com a chegada de algum superior.

O honesto frei estava atento, almoçou com todos e à tarde foi para seu quarto e se pôs a orar.
Tendo sede, tomou água da jarra de seu quarto.
Nem bem colocou o copo na mesinha, sentiu-se mal, sufocado, não conseguia respirar, tonteou.

"Conseguiram!
Na água, meu Deus!"- pensou.

Logo algumas imagens vieram à sua mente.
Há muito tempo também fora um frade, de outra congregação, querendo fama e poder.

Eliminou dois de seus superiores, envenenando-os.
Agora, recebia a morte do corpo como fez a outros no passado.
Seus olhos se encheram de lágrimas, olhou para o crucifixo e teve o último pensamento.

"Como o senhor, Jesus, eu os perdoo e peço para eles clemência.
Cuide de Kim, de Frei Felipe e de Frei Gregório por mim "

Tonteou, perdeu os sentidos por instante.
Quando voltou a si, estava sentado no chão, e um frei desconhecido sorria de modo agradável ao seu lado.

- Levante, Frei Luís, dê-me sua mão!
Ele a deu, levantou-se e indagou:
- Não morri? Pensei que ia morrer.
- Seu corpo morreu.

Olhou para o chão e viu seu corpo caído, a boca espumando e seus olhos estatelados.
Começou a se sentir asfixiado.

- Deixe disto, Luís!
Você sempre soube que era eterno.
Por que este espanto?
Seu corpo morreu e você não precisa sentir-se assim.

Suspirou, o ar entrou pelos pulmões, sentiu-se aliviado e sorriu.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Fev 09, 2015 10:12 pm

- Você os perdoou, Luís, pediu protecção aos seus amigos.
Por isto estou aqui para ajudá-lo em nome do Mestre Jesus, e será você mesmo quem auxiliará seus amigos.
- Como?

- Aprenderá, amigo.
Agora vamos, descansará por uns tempos.
Cabe a mim ajudá-lo.

Deu-lhe a mão, foi levado para um socorro.
Logo estaria em condições de continuar sua tarefa e realizar seu desejo de ajudar seus amigos.

Seu cadáver ficou ali no seu quarto até o anoitecer.
Frei Gregório estranhando sua ausência foi procurá-lo e o encontrou.
Frei Marco informou ao seus superiores que ele suicidou e, para todos no convento, que ele teve um enfarte.

Seu enterro foi no outro dia, tudo simples, só com os frades e poucos parentes.
Cinco dias depois o monsenhor chegou no convento.
Logo lhe foram entregues todos os documentos, provas de que era Frei Luís quem jogava, que tinha amantes.

Tentaram convencer o superior que o frade suicidara ao ser descoberto.
Quase sempre estes assuntos íntimos e desagradáveis não saíam das paredes dos conventos.
Monsenhor não querendo escândalos deu por encerrado o caso, deixando os culpados aliviados.

Mas este frade inspector ficou com muitas dúvidas.
Sempre achara Frei Luís honesto e caridoso.
Transferiu os três envolvidos, um para cada lugar, longe um do outro.

Assim, os frades não foram atrás da galinha dos ovos de ouro, como eles chamavam Kim.
E do Plano Espiritual, Frei Luís após o período de adaptação aprendeu rápido como auxiliar e voltou para ajudar seus amigos frades, Felipe e Gregório.

Não esqueceu do seu jovem amigo, encorajou e incentivou Kim, como lhe fora permitido.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Fev 09, 2015 10:12 pm

VII - O REGRESSO

Kim caminhou rápido, estava contente por ter voltado.

Olhou a torre da igreja e disse baixinho:
"Que pena Frei Manoel ter morrido!
Vovô está triste, sente falta do amigo, mas logo ele também irá morrer..."

Respirou profundamente, até o ar parecia mais gostoso.
"O ar da montanha sempre é mais puro" - pensou.

Aproximou-se do seu antigo lar.
Ali, tudo parecia estar do mesmo modo.
Lembrou-se de quando era criança, das brincadeiras com os irmãos, de seus pais.

Ao recordar, sentiu saudades, muitas saudades.
Bateu na porta da casa e foi a cunhada quem atendeu.

- Kim, você voltou!
Como está mudado! Martinho não está. Entre...

Ele lembrou, então, que não tinha casa.
E que talvez os irmãos não o quisessem.
Sorriu para a cunhada que continuou observando.

Viu um garotinho lindo no cercadinho, correu para ele.

- É Paulo, não é?
- É - respondeu a cunhada -, mas não o pegue, ele vai dormir.

Sorriu para o sobrinho e este riu feliz, era uma criança linda.
Reparou na cunhada, estava inquieta e nervosa.

"Está com medo de mim, teme que fique aqui, não quer nem que pegue o filho."

- Aqui está o presente que trouxe para ele.
- Obrigada!
- Já vou indo - disse Kim desanimado.
- Direi ao Martinho que esteve aqui.

"Não me quer por perto.
Irá brigar com Martinho, não deixará meu irmão me hospedar"- pensou entristecido.

Saiu da casa de Martinho, teve vontade de ir à casa de Onofre, mas este deveria estar trabalhando e só voltaria à noite, talvez assustasse também a outra cunhada.

Resolveu ir para a casa dos tios.
Queria muito ver o avô.
Na casa dos tios, todos o receberam bem.
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Mensagem  Ave sem Ninho Seg Fev 09, 2015 10:13 pm

Isabela o abraçou apertado.
- Kim, meu primo querido, senti muitas saudades!
Como está bonito!

Sorriu encabulado.
Também achou Isabela linda.
Esta já estava ficando mocinha.
O avô chorou emocionado ao abraçá-lo.

- Meu neto querido, achei que não ia mais vê-lo nesta vida.
Como está moço!
É um homem agora!

Regina o abraçou:
- Meu primo, sou-lhe muito grata.
É tão bom ler os livros.
Agora não me dará mais...

- Sinto, Regina, mas tive que regressar.
- Sei...
- Tia Rose, a esposa de Martinho, ficou com medo de mim - comentou o rapaz.

- Bobagem, não ligue, ela é muito jovem.
- Acho que não tenho para onde ir - falou ele triste.
- Ficará connosco como antes - propôs o avô.
Dormirá no meu quarto.

- Fica! Fica! - gritaram Isabela e Regina.
- Claro que pode ficar - concordou a tia.

Kim foi para o quarto com o avô e se pôs a arrumar suas coisas.
- Vovô - disse ele - o senhor não está bem.
Que acontece?
- É o meu braço, bem que me avisou que ia cair.

- Mas não é só isto.
O senhor sente a falta de seu amigo Frei Manoel, ele morreu.
- Quem lhe contou?
Não escrevemos sobre isto...

- Ninguém me contou - respondeu simplesmente.
- Esqueci. Não o curaram!

- Não - confirmou o jovem.
E parece que piorei.
Estou vendo a titia na cozinha pensando que tio Afonso não achará bom ter que sustentar mais um.
Os tempos andam ruins e o dinheiro pouco.

- É verdade - confirmou Xandinho - tudo está muito caro.
- Vovô, o senhor se sente desprezado?
- Só dou trabalho e atrapalho, não consigo ajudar e gasto muito com remédios.
Sinto que incomodo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Fev 10, 2015 9:51 pm

- Quero ajudar no sustento da casa.
Vovô, eu também me sinto rejeitado.
Não quero incomodar ninguém.

- Para ter um canto seu, terá que casar - disse o avô.
- Casar? Eu? Não, não irei casar.
Pensou em Isabela, amava sua prima, amava há muito, confirmou ao revê-la.
Mas não ia ficar com ela, disto tinha certeza.

- Então que irá fazer? - perguntou o avô.
- Irei trabalhar e me sustentar.
- Trabalho por aqui é escasso.
Mas, se Deus quiser, arrumará um emprego.

A tia o chamou para que se alimentasse.
Não estava mais com fome.
Viera esperançoso e encontrou muitos problemas.

Fora ao convento para se curar e voltara pior, agora bastava pensar numa pessoa para saber até o que esta pensava.

E as únicas pessoas que se alegraram com sua volta foram Isabela e o avô.
Regina gostou, mas a prima cega estava com muitos problemas para alegrar-se com sua volta.

Estava sozinho à mesa, de repente teve a visão que o atormentava desde garoto.
Viu terras e pedras rolarem pela montanha.
Durou somente instantes, mas o deixou aflito.

"Bastou voltar para ter de novo esta visão.
Que irá acontecer? Alguém irá morrer?"

Levantou-se e olhou a montanha pela janela.
Lá estava, bonita como sempre.

- Olhando a montanha? - perguntou a tia.
No ano passado, na época de chuvas, houve deslizamento em alguns lugares.
Afonso disse que é por terem cortado suas árvores.

Kim assustou-se, não disse nada, mas pensou:
"Ainda bem que agora não é época de chuvas."

Resolveu procurar emprego naquele dia mesmo e saiu esperançoso.

Foi primeiro ao armazém.
Senhor José, o dono, recebeu-o contente, mas emprego não tinha, explicou.

Kim leu seus pensamentos, foi como se ele falasse.
"Se der emprego a este jovem, ele saberá tudo que de errado acontece por aqui.
Descobrirá que vendo coisas velhas por novas e, se algum freguês me lesar, dirá e espantará a freguesia.

Agradeceu e não disse nada.
Agora sabia bem o que deveria dizer ou não, sentia-se adulto.
Assim foi em todos os estabelecimentos da cidade, e nada.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Fev 10, 2015 9:51 pm

Entendeu que as pessoas tinham medo dele e não o queriam por perto.
Já estava desanimado, quando o Senhor José veio até ele, já começava a escurecer.

- Kim, Senhor Clarindo, pessoa nova na região, comprou as terras do Senhor Antero.
Está no meu armazém, parece que ele está precisando de gente para trabalhar lá.
Não conhece você e talvez arrume emprego com ele.

Foi com o Senhor José até o armazém, este o apresentou ao Senhor Clarindo, que sorrindo o olhou de cima a baixo e indagou:
- Gosta de animais?
Sabe cuidar deles?
- Gosto muito e sei sim, senhor.

- Posso pagar um salário mínimo. Aceita?
- Sim, senhor.
- Sabe onde moro?
- Sei.
- Esteja lá amanhã às sete horas.
Se servir, está empregado.

Kim voltou alegre para a casa da tia.
O ordenado era pouco, mas era o que se pagava pela região.
Ficaram todos contentes com a notícia.

- Só que é longe, terá que levantar muito cedo - comentou o avô.
- Poderá ir de bicicleta - disse o tio.

Às sete horas do outro dia, Kim estava na porteira da fazenda.
Conhecia tudo ali, agora aquelas terras estavam bem cuidadas, tudo pintadinho, cercas novas, tudo muito bonito, o novo proprietário, Senhor Clarindo, estava criando cavalos de raça e os animais eram muito bonitos.

- Quero falar com o Senhor Clarindo - disse ele ao empregado que o recebeu.
Ele me mandou vir aqui para tratar do emprego.

Caminharam em direcção à sede da fazenda e logo o Senhor Clarindo veio conversar com ele.

- Bom-dia - falou o proprietário.
Farei um teste com você. Arreie este cavalo.

O arreio estava dependurado.
Kim o pegou e o examinou, alisou o cavalo e colocou o arreio sem dificuldades.

- Muito bem. Agora pegue esta escova e escove este outro cavalo.
Volto logo para ver.

Saiu. Kim pegou a escova e se pôs a fazer o que fora recomendado.
Após uns minutos, Senhor Clarindo voltou.

- Não acabou?
- É impossível fazer uma boa escovação em tão pouco tempo - disse o jovem.
- O emprego é seu!
Gosto de pessoas cuidadosas com meus animais.
Você está empregado, mas terá que dormir aqui às quartas e sextas.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Fev 10, 2015 9:51 pm

Poderá trazer o almoço ou alimentar-se na cantina, o prato custa barato.
Terá as segundas-feiras de folga.
O capataz lhe dirá o que tem de fazer.

Quase todos os empregados da fazenda eram de fora e isto lhe deu mais tranquilidade.
Já nos primeiros dias fez amizade com todos.
Gostou do lugar e do emprego, apesar de sua folga ser nas segundas-feiras e de ter de dormir duas noites ali.

Os empregados solteiros faziam rodízio, dormiam no galpão.
Ficavam sempre de dupla.
Ali estavam para fazer algum trabalho extra, de emergência.

Kim levava o almoço, comida que a tia fazia no jantar.
E nos dias que dormia na fazenda alimentava-se na cantina.
Seu trabalho era escovar os cavalos e ajudar a fazer a ração para eles.

Quase não via o Senhor Clarindo.
O capataz estava contente com seu trabalho.

Um mês passou e recebeu seu ordenado com o desconto das refeições.
Ficou contente e deu todo para a tia.
Kim se tornou um mocinho bonito e forte, estava calmo, sua vida era do trabalho para casa.

Quase não ia na residência dos irmãos, estes que o visitavam.
Lia os pensamentos de quase todos que conversava ou que observava, tentou não dar importância e viver sua vida em paz.

Gostava de cavalos e estes, dele.
Sentia saudades dos amigos do convento, resolveu escrever.
Sentia que Frei Luís não estava mais no corpo físico, escreveu, então, ao Frei Gregório.

Este respondeu pondo-o a par de todos os acontecimentos.
Entristeceu ao saber do falecimento de seu amigo, mas sentiu que Frei Luís seria sempre seu protector, uma pessoa que o ajudaria.

Isabela queria um vestido novo para a festa tradicional na sua cidade, uma festividade da igreja que era realizada todos os anos.

A tia disse que ia ver se conseguia comprar, que o dinheiro talvez não desse.
Kim pediu ao capataz para trabalhar horas a mais no lugar de um empregado que estava doente.
Com isto recebeu a mais, separou o dinheiro da tia e foi à loja comprar o tecido que Isabela já havia falado que era maravilhoso.

Feliz, entregou o presente a ela, que contente o abraçou e o beijou, deixando-o vermelho e encabulado.

Na fazenda algo ia errado.
Os cavalos começaram a ficar doentes e em cinco dias morreram dois.

Kim entristeceu e ao escovar um, já adoentado, pensou:
"Queria ajudar, gostaria de saber o que os adoece."

E viu que uma das rações que era misturada com outra não estava boa, algo com esta ração estava errado.

Correu para a casa do Senhor Clarindo. Este estava saindo.
Foi ao seu encontro e disse, achando que estava ajudando, e muito:
- Senhor Clarindo, acho que descobri o que está adoecendo os cavalos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Fev 10, 2015 9:52 pm

O proprietário da fazenda parou e olhou para ele.

- Sabe?
- Bem, acho que é a ração.
Uma delas não está boa.

Senhor Clarindo estava muito preocupado, amava os cavalos e estava levando grande prejuízo com a morte deles.

- Vou verificar - falou somente.
Kim voltou ao seu trabalho e na hora de costume foi para casa.

Logo após o jantar, o capataz veio buscá-lo.
Rose não gostou do modo do capataz, mas deixou que o sobrinho fosse, achando que era para um serviço extra.
Mas Frei Luís, prevendo perigo para seu amigo, veio tentar ajudá-lo.

Fixou em Rose e pediu muitas vezes:
"Não está certo, este capataz estava estranho.
Algo deverá acontecer com Kim.
Avise os irmãos dele!"

Rose impacientou-se e concluiu que realmente deveria estar acontecendo algo de errado.

Foi rápido avisar Onofre e Martinho.
Novamente Frei Luís alertou os dois, que ficaram preocupados, e foram rápidos à fazenda do Senhor Clarindo.

Kim fez o trajecto até a fazenda preocupado.
Ao sentar no jipe, viu que seria espancado e teve medo.

Na fazenda, foi levado ao galpão e ao ver o Senhor Clarindo pediu:
- Não me bata!
- Por que pensa que vou bater em você? Fez algo errado?
Quero que me conte como está envenenando a ração.
Que colocou nela, e por quê?

- Não fui eu! Nunca ia fazer isto, amo os cavalos.
Só vi que uma ração não está boa, não sei o que tem de errado com ela - falou ele gaguejando.

- Que você pôs na ração?
Fale! - gritou o Senhor Clarindo nervoso.
Quem lhe mandou fazer isto?

- Não pus nada...
- Dê-lhe uns tapas para que lembre - disse o proprietário aos empregados.

Um o segurou e o capataz bateu nele.

Foram socos no ouvido, rosto, cabeça e boca, e as perguntas:
- Fale! Quem mandou?
Por que fez? Que colocou?
- Pare, papai!
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Fev 10, 2015 9:52 pm

A filha do Senhor Clarindo entrou no galpão.
- Papai, não bata no menino!
Dizem que ele adivinha as coisas, vê o que os outros não vêem.

Deve ser um paranormal.
Parece ser boa pessoa e é tão jovem!
Pare com esta violência!

- Não acredito nisto - replicou Senhor Clarindo.
Ele deve ter sido pago para fazer isto.
- Por que ele iria alertá-lo?

- O problema está na ração mesmo.
Fui verificar e achei a que ele disse com gosto estranho.
Mandei analisar. Como ele ia saber, se não foi ele?

Só alguém muito entendido em ração poderia perceber.
Acho que este jovem fez e depois ficou com dó dos cavalos e me avisou.

Kim sangrava.
Do seu rosto e boca escorria sangue.
Ficou calado, enquanto pai e filha conversavam.
Nisto entraram Martinho e Onofre no galpão.

- Kim! -gritou Onofre.
Que estão fazendo com você?
O senhor é um assassino!

O empregado largou-o e ele correu para os irmãos que se apressaram em ir embora.

Quando estavam saindo do galpão, Kim gritou:
- Sou honesto ouviu, Senhor Clarindo!
Vi isto e lhe quis prestar um favor.

E por ter o senhor ficado nervoso, quebrou o relógio de ouro que seu avô lhe deu, que está no seu bolso esquerdo.
E não terá mais conserto.

Senhor Clarindo levou a mão no bolso da calça e tirou o relógio em pedaços.
Olhou surpreso para o trio que afastava receoso.

Kim amparado pelos dois irmãos virou para trás e gritou:
- Sei quem colocou o veneno na ração e quem pagou.
Mas agora não falo, descubra por si mesmo!

Os irmãos vieram de charrete, que haviam deixado na porteira.
Acomodados, Kim suspirou triste.

- Fiquei sem meu emprego!
- Ainda bem que fiquei aflito para vir atrás de você!
Parecia que alguém me empurrava para vir - disse Onofre.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Fev 10, 2015 9:52 pm

Nisto Kim viu Frei Luís, que o abraçou e falou:
"Meu jovem, tenha paciência e perdoe!"

O vulto sumiu e ele sentiu-se reconfortado, entendeu que o amigo o ajudou.

Onofre observou o irmão e falou penalizado:
- Machucaram você!
Maldito dom que tem!
Ninguém o cura!

- Onofre - respondeu o garoto calmamente.
Devo partir, não voltei para cá para ficar muito.
Talvez você precise um dia das minhas adivinhações.
Então entenderá que não são malditas.

- Quem foi que envenenou a ração? - indagou Martinho curioso.
- Um empregado a mando do noivo da filha dele.
- Noivo da filha? - perguntou Martinho espantado.

- Senhor Clarindo não quer o casamento e ele quis vingar.
Como farei agora para ajudar tia Rose?

- Trabalhará connosco - disse Onofre.
Irá para a lavoura e nos ajudará a cuidar do gado.
Irá para a montanha.
Daremos a você um pouco por mês e cada dia um levará seu almoço.

O jovem suspirou concordando e pensou:
"É na montanha que morrerei.
Talvez deva ser lá meu local de trabalho."

A tia cuidou de seus ferimentos e novamente Isabela e Regina se indignaram.

As primas tudo fizeram para alegrá-lo.
Kim estava muito triste.
Todos se recolheram, ele deitou-se e demorou para dormir, ficou a pensar.

"Por que, meu Deus?
Por que não sou como os outros?"

No outro dia estava com o corpo todo dolorido e o rosto inchado.
Alimentou-se com dificuldade.
Ficou três dias em casa, depois foi trabalhar com os irmãos.

Isabela sempre que podia ia conversar com ele, indagava sobre o convento, era a única que o alegrava.
Regina estava muito quieta, parecia triste e por mais que ele pedisse para que ela falasse o que se passava, ela nada dizia.

Ele não queria ser intrometido e não forçou para ver o que ocorria.
Tinha consciência de que não deveria ver o íntimo de ninguém.
E a prima cega não queria que ninguém soubesse o que se passava com ela.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Fev 10, 2015 9:53 pm

Ele a respeitou.
Waldomiro, um moço bom e trabalhador, estava querendo namorá-la, ia visitá-la e ela parecia indecisa, depois resolveu namorá-lo.
Mas estava muito estranha e Kim preocupou-se, queria ajudá-la e não sabia como.

O dia da festa chegou e todos foram.
Isabela estava linda com seu vestido novo.
Kim pensou em não ir, mas resolveu, por causa de Isabela, ela estava muito feliz.

Já estava mocinha e muitos rapazes a admiravam.
Ficou na festa num canto olhando-a, ainda estava com o rosto inchado e o corpo dolorido.

Ouviu comentários a seu respeito.
Sentia que falavam dele, tentou não ligar, mas era difícil; estava deslocado e se esforçou para não ficar triste.
Também, sentia ciúmes de Isabela que, alegre, andava por todo lado a conversar com amigos.

"Isabela, minha Isabela, não a mereço.
Desta vez ficaremos separados.
Espero que seja feliz."

De repente, a visão, a montanha, pedras e terras caindo.
Sentiu frio e tonteou.

"Por que vejo sempre isto?
Que acontecerá na montanha?
Será que é algo referente a Isabela?

Será que devo ficar atento?
Queria muito que Isabela fosse feliz.
E comigo não será.

Sou visto como um bicho-de-sete-cabeças.
Ora apanho, ora riem de mim.
Nem emprego consigo."

A festa acabou, voltaram todos para casa.
Estavam felizes, o avô havia bebido e estava um pouco tonto.

Rose ralhou com ele, Kim interferiu.
- Deixe-o, tia, é a última alegria dele...

Rose o olhou e não falou nada, só ela o escutou, amparou o pai.
Kim ficou triste.

"Por que disse isto?
Será que vovô partirá logo?"

Sentia que sim, fez o trajecto em silêncio.

Cansados, todos foram deitar, ele ficou pensando na visão e concluiu:
"Ficarei atento, mas o que tiver que acontecer, será."
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Fev 10, 2015 9:53 pm

No outro dia Kim indagou o tio.
- Tio Afonso, há perigo de descerem terras e pedras da montanha?

- Já tivemos desabamentos em alguns lugares da montanha.
Cortaram muitas árvores e são elas que seguram a terra para não haver desmoronamentos.
Com as chuvas poderá ocorrer.
Por que pergunta?
- Por nada...

Logo à tarde souberam da tragédia.
Senhor Clarindo havia assassinado o futuro genro e um empregado da fazenda estava desaparecido.

Onofre e Martinho nada comentaram.

Porém Kim ficou a pensar angustiado:
"Será que deveria ter falado?
Se tivesse falado, evitaria a tragédia?
Me surraram e era inocente, não falei, não pensei que o Senhor Clarindo fizesse isto.
Ai, meu Deus, ajude-me a discernir quando devo falar ou calar."

Sentiu Frei Luís dizendo:
"Meu filho, você não evitaria a tragédia, se falasse, ele certamente teria matado do mesmo jeito e aí você se sentiria responsável.
Aja com prudência e acalme-se.
Trabalhe e fique contente."
"Obrigado, meu amigo! - disse Kim baixinho e foi trabalhar.

Trabalhava com os irmãos e todo dinheiro que recebia dava para a tia e ainda os ajudava na horta.
Meses passaram, suas roupas estavam acabando, a situação, difícil.
Todos trabalhavam muito e a renda era pouca.

Estavam cada vez mais pobres.
O inverno chegou rigoroso.
Xandinho, aborrecido, já não podia ser útil, sentia-se um peso para seus parentes.

Além disto, o braço doía muito.
Kim tudo fazia para ajudar o avô.
Passou frio para deixar o avô mais agasalhado.

- Agasalhe-se melhor, vovô, não sinto frio.
Cubra-se com o meu cobertor.
Não reclame, logo estará vivendo melhor.
- Ora, só se Afonso ganhar na lotaria.

O jovem sorriu.
- Vovô, há muitas formas de viver bem sem dinheiro.
- Como?

"Quando morrer" -pensou, mas não disse nada.

O inverno acabou.
A primavera chegou e logo vieram as chuvas.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Fev 10, 2015 9:53 pm

VIII - DESENCARNAÇÃO

Choveu por dias, no sábado fez sol e o domingo amanheceu muito bonito.
Foram à missa e, após, Kim resolveu passar na casa de seu irmão Onofre para ver o sobrinho que estava adoentado.

Quando chegou em casa, perguntou à tia por Isabela.
- Foi dar um passeio na montanha com umas amigas.
- Não será perigoso?
Choveu muito nestes dias e parece que irá chover novamente, há muitas nuvens no céu.

- É - disse a tia -, o tempo está mudando.
Mas elas voltarão logo.

Rose foi para a horta atender um freguês.
Kim ficou aflito, tentou, esforçou-se para ver onde estava Isabela.

"Será que haverá perigo?
Onde estará Isabela?"

Viu-a a rir e brincar com as amiguinhas perto das Pedras das Cruzes e viu também, logo acima, pedras se soltando.
Por instantes ficou apavorado.

Regina aproximou-se, sentiu a agonia do primo e indagou:
- Kim, que acontece?
- Isabela na montanha! Devo correr...

Saiu correndo.
Regina ficou aflita e foi a vez dela ver, sentir que a irmã corria perigo.

"Elas estão perto das Pedras das Cruzes!
Meu Deus! Que faço? Falo ou não?"

Ficou indecisa por momentos, depois começou a gritar.

- Mamãe! Papai!
Kim viu perigo na montanha!
Isabela foi para lá! Socorro!

Pai, mãe, avô, vizinhos, fregueses, todos correram e Regina continuou a gritar.

- Calma, Regina! - gritou o pai.
Fale o que está acontecendo!
- Kim viu terras e pedras rolarem da montanha, foi para lá atrás de Isabela e das amigas dela.
- Que lugar? Onde? - perguntou Afonso aflito.

Regina hesitou.
O primo não falou, mas ela viu, jurou não falar, mas eles corriam perigo e, se ela não podia ajudar, os outros podiam.

Disse baixo:
- Nas Pedras das Cruzes.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Fev 10, 2015 9:53 pm

Correram todos, só ficaram ela e o avô.
Regina pôs-se a chorar.

- Vamos orar, Regina - disse o avô.
O tempo mudou rápido e uma tempestade se aproxima.

Regina orava desesperada.
"Meu Deus, perdoe-me.
Jurei não falar de minhas visões e quebrei o juramento.
Perdoe-me.

Se tiver que castigar que seja a mim, que não cumpri o juramento.
Salve-os! Salve minha irmã, proteja Kim.
Por que vi? Ou como não falar?

Ainda bem que todos pensaram que foi Kim que me disse.
Ele não se importará de confirmar."

Logo começou a chover.
Kim saiu da casa da tia desesperado, correu rápido e, antes de chegar no local, começou a chover forte.

Pedras das Cruzes era um lugar bonito com pedras de vários tamanhos.
Chamava-se assim por ali terem morrido, há muito tempo, pai e filho por um raio.

Ali foram feitas duas cruzes de pedras.
Kim chegou e não as viu.
Gritou aflito por Isabela.

Com a chuva, ela e as amigas se abrigaram num vão de uma grande pedra.
Ao escutar chamá-la, saiu e abanou a mão.

- Estamos aqui!
Venha cá, senão irá molhar-se!

Kim olhou para cima. Reconheceu.
Ali era o lugar que sempre via nas suas visões.
O desmoronamento ocorreria naquele lugar, agora tinha certeza.

Onde as meninas se abrigaram só dava para ir por um lado, do outro era um paredão de pedras de difícil acesso e muito alto.

"Será agora?" - pensou o mocinho aflito.
Correu até elas.
- Saiam daqui, já! Por favor! Saiam!

As meninas, sete, o olharam desconfiadas, depois ao vê-lo assustado, apavoraram-se e duas correram.

- Para lá! Para lá! Corram!
- Que acontece? - perguntou Isabela.
Que se passa?
- Vai desmoronar! Corram!
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 11, 2015 8:52 pm

Nisto escutaram barulho, duas pedras rolaram à frente, no caminho que deveriam passar.
As cinco se apavoraram e não conseguiram sair do local.
- Saiam!

Kim pegou uma pelo braço e a forçou a correr, e assim fez com as outras três.
Ficou só Isabela que o olhava apavorada.
Escutaram barulho e algumas pedras e terras rolaram parando onde iriam passar.

Agora teriam que pular uns três metros para poderem correr e sair da área de risco.

- Corra, Isabela, pelo amor de Deus!
Gritou pegando-a, empurrou, jogando-a do outro lado.

Isabela pulou e correu.
O mocinho percebendo o grande perigo calculou que seria ele ou ela e não hesitou na escolha, mas tentou com todo esforço salvar-se.

Quando Kim deu o impulso para pular e correr, uma pedra lhe atingiu a fronte, tonteou-o e ele não pulou.
Toneladas de terras e pedras caíram em cima dele.
Viu-se no escuro, sentiu-se sufocar, imobilizado.

Por instantes apavorou-se, mas esta sensação ruim passou logo, sentiu-se livre e pôde respirar normalmente.
Tonto ainda, escutou alguém lhe falar com muito amor.

"Kim, acalme-se! Tudo está bem!"
Confiou e sentiu-se melhor.
Liberto, aconchegou-se nos braços que amorosamente o abraçavam.

Um torpor mais forte o impediu de ver o que ocorria.
Sentiu-se acomodado num leito gostoso e dormiu tranquilo.
Isabela com o empurrão pulou e correu sem olhar para trás.

Tinha certeza de que Kim estava atrás dela.
Escutou o barulho de pedras e terras rolarem.
Parou junto às outras que gritavam chorando assustadas.

Isabela olhou o local em que instantes antes estivera: estava tudo coberto.
- Kim nos salvou - comentou emocionada -, salvou-me!

A chuva caía forte.
Nisto, Rose e Afonso com outras pessoas chegaram cansados pela corrida.
Afonso abraçou Isabela.

- Estão bem? E Kim?
- Está lá embaixo - informou uma menina, apontando para o lugar onde estavam.
- Não! - gritou Isabela desesperada. - Kim! Não!

O pai teve que segurá-la para que não voltasse lá.
O desespero dela foi grande.
Quando a tempestade passou, os homens da aldeia foram em busca do corpo de Kim.

- Morreu para nos salvar! - falava Isabela sem parar.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 11, 2015 8:52 pm

O pai teve que carregá-la para casa.
Ela entristeceu profundamente.

Regina tentou acalmá-la.
- Isabela, não desespere.
Se nosso primo viu o perigo e foi salvá-la, foi porque quis.

- Minha filha - disse Rose - este menino sofria muito.
Agora deve estar com os pais e bem melhor.

Nada consolava Isabela.
Três dias depois acharam o corpo de Kim e enterraram.

- Havia muita gente no enterro, acho que todos os moradores da cidade foram - comentaram Rose e Regina.

- Deve ter sido remorso - respondeu Isabela.
Ninguém dava valor ao dom do nosso primo.
Tinham medo dele, desprezavam e até o surraram.
Agora que ele não precisa de consolo, vão todos lhe prestar homenagem.

- Espero que nosso Kim não precise mais de ninguém - disse o avô.
Que esteja no céu com minha Mariana.

- Nunca vou esquecer que morreu para me salvar.
Se não tivesse me apavorado, tinha pulado antes, e daria tempo para ele fazê-lo também.
Mas nos apavoramos e ele teve que nos empurrar.
Se tivesse me deixado, estaria vivo.

- E você morta - falou Regina.
A escolha foi dele e nosso primo agiu certo.
Tempos atrás, Kim me disse que preferia ser surrado do que deixar algo de mal acontecer a alguém, se ele pudesse evitar acontecimentos ruins, faria com prazer.

Que a dor da surra passava e, se algo acontecesse de ruim a outra pessoa por ele não ter falado, a dor não passaria fácil.

Ele queria muito bem a você Isabela e sua escolha deve ter sido a melhor para ele.
Mamãe tem razão, Kim deve estar bem melhor agora.

- Isabela - disse o avô -, Kim deve estar feliz por tê-la salvado.
Não teve ele uma vida fácil, sempre foi diferente.
Espero que ele venha me buscar.

Ele me disse que eu logo iria morar num lugar diferente, espero que seja para ficar com ele.
E, a não ser nós que o amamos, logo todos esquecerão do menino que adivinhava.

Só o tempo amenizou a dor de Isabela, mas sempre lembrou do primo com muito carinho e gratidão.
Morreu para salvá-la.

O avô, Senhor Xandinho, chorou muito, sentiu-se mais sozinho sem seu neto querido, orava muito por ele.
Kim acordou disposto, espreguiçou.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 11, 2015 8:53 pm

- Que cama gostosa! - exclamou alto.
Olhou tudo, o lugar lhe pareceu agradável.
"Por que estou aqui? Que lugar é este?"
Lembrou então do acidente.
"Que será que aconteceu?"

Entrou um senhor idoso no quarto e sorriu para ele.

Kim gostou dele.
- Como está, mocinho?
Sente alguma coisa?
- Estou bem, obrigado.

- Você está entre amigos e alguns deles estão esperando para vê-lo, só que...
- Será mamãe?
- Bem... - disse o senhor.
Você quer vê-los?

Kim pulou da cama e olhou ansioso para a porta.
A mãe, o pai e Frei Luís entraram e Kim os abraçou muito feliz.
Depois da euforia do encontro, ele indagou:

- Consegui salvar Isabela?
- Sim - respondeu sua mãe -, Isabela está bem, chora sua desencarnação e lhe é muito grata.
- Que é de facto morrer? Sou eterno!
Via os senhores e tenho a certeza de que a vida continua.

Mas onde irei ficar?
Que irei fazer?
Que lugar é este?

- Kim, meu filho - esclareceu a mãe -, o corpo de carne morre e somos levados a viver onde fizemos por merecer.
Você está num lugar lindo e aqui há muito que fazer.
Irá estudar, aprender a viver desencarnado, e escolher uma forma de ser útil.
Nós o ajudaremos.

- Mamãe, papai, que bom estar aqui com os senhores!
Será que aqui ainda serei diferente dos outros?
- Ora, aprenderá muitas coisas - disse Frei Luís.
E esta diferença que diz não lhe será mais problema.

Kim estava numa casa onde seus pais moravam com outras pessoas.
Foi tratado com muito carinho e sentiu-se feliz.

Sempre acompanhado por um amigo, conheceu toda a Colónia onde foi abrigado.
Achou-a linda, encantou-se com o que via, ali para ele era mais que o paraíso, porque naquele lugar, além da beleza, trabalhava, estudava e aprendia a amar tudo e todos.

Dias depois estava na escola e aprendia tudo com facilidade, recordando, logo se inteirou de vidas passadas.
Mas bastava olhar para alguém para saber o que pensava, de seus planos.
Preocupado, procurou o orientador da escola.
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Véu do Passado - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho - Página 3 Empty Re: Véu do Passado - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 11, 2015 8:53 pm

- Não se preocupe, meu jovem - disse o mentor bondosamente.
- Procure estudar e logo que terminar este curso o enviarei a outro que lhe será muito útil e terá oportunidades de entender bem o que lhe ocorre.
Isto que lhe acontece é natural por aqui.

Sua mãe lhe trazia sempre notícias dos familiares e ficou contente, quando ela disse que o avô viria logo para estar com eles.

Dias depois, Mariana informou:
- Seu avô desencarnou hoje.
Foi desligado do corpo e está dormindo no hospital.

- Está doente? - indagou espantado.
- Seu corpo esteve, tem ainda os reflexo da doença.
Mas não se preocupe, papai sempre foi muito bondoso e logo estará bem.
Amanhã levarei você para vê-lo.

Kim foi ver o avô, que dormia tranquilo.

Ao sair do quarto indagou:
- Mamãe, por que vovô dorme?
- A desencarnação não é igual para ninguém.
A maioria sente a morte do corpo como se dormisse.
Ele necessita refazer suas forças e o sono é benéfico.

Mas nem todos que dormem têm o sono tranquilo.
Muitos têm pesadelos, culpas que atormentam.
Nem todas as pessoas que desencarnam são socorridas.

Se para as pessoas boas a desencarnação é boa, para os maus e displicentes não é nada agradável.

Dias depois, Kim o encontrou acordado e se abraçaram comovidos.

- Estou achando a morte muito esquisita.
Não estou acreditando que morri.
Já abracei Mariana, Sebastião e agora você, mas não tenho certeza.

- Não é esquisito, vovô.
Logo acostumará e estará saudável.

-Será que não estou sonhando?
É tão bom para ser verdade!
Não tenho dores. Vou dormir!
Só acreditarei se acordar de novo e vir vocês.

Acomodou-se no leito e dormiu.

- Mamãe - disse Kim um pouco decepcionado.
Ele não acredita que desencarnou.
- Está o da realidade. Não sei porque fantasiam tanto a morte do corpo.
E a maioria demora a entender que vive de outro modo.
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Véu do Passado - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho - Página 3 Empty Re: Véu do Passado - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Fev 11, 2015 8:53 pm

Muitos esperam uma transformação insólita com a morte, algo fenomenal, mas a desencarnação é algo simples, sem complicação.
Eu também estranhei, mas me adaptei logo e seu avô também o fará.

- Não existe nenhuma religião que explique melhor o que acontece quando se desencarna? -indagou Kim.
- Existe sim, filho.
Muitas pessoas tentam não fantasiar, partindo do estudo de uma Doutrina.

- Será a Espírita, a do Senhor João da nossa cidade?
- Sim.
- Acho que bobeei em não procurá-lo - disse o mocinho, suspirando.
Por que a maioria das pessoas não procura saber mais sobre a morte?

- Creio que por temer a verdade, por ter que mudar, abandonar seus vícios.
Muitos preferem adiar o assunto como se a desencarnação não fosse para eles.
Mas saber só facilita, o importante é merecer; e isto não envolve conhecimentos sobre desencarnação e, sim, o que se é, o que se fez.

- Mamãe, sou grato por ter sido auxiliado.
- O agradecimento sempre deve ser de coração.
Temos na hora da desencarnação nossa parte da colheita.
Se foi auxiliado, é certo que aprenda e passe a auxiliar.

Kim gostava muito da casa em que morava, era simples, mas confortável.
Não sentia mais calor ou frio e estava óptimo.
Passou a estudar com todo empenho e a ler muito.
Frei Luís sempre o visitava.

Ele morava em outra Colónia, conversavam muito e pediu ao amigo:
- Não me chame de frei, este foi um título que recebi, quando encarnado, quero ser só seu amigo Luís.
- Luís, como está o convento? E Frei Felipe?

- Tenho ido muito lá.
Frei Gregório me vê e com isto tenho conseguido ajudá-los melhor.
O convento está bem com o novo superior que é um bom padre.

Frei Felipe se recupera.
Tenho conversado com seus obsessores, já consegui orientar alguns e espero fazê-lo com todos.

Como também tenho ido visitar os outros:
Frei Marco, Fernando e Leonel, tento orientá-los.
Estou esperançoso e contente com meu trabalho.

Dias depois foram ver o avô, que acordou.
- Então é verdade - disse ele -, morri mesmo.
Que faço agora?
Estou inquieto e triste.

- Calma, papai - aconselhou Mariana.
- Estarei com o senhor e o ajudarei.
Amava-nos tanto, queria se reunir connosco e agora que o fez fica triste.
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