LUZ ESPÍRITA
Gostaria de reagir a esta mensagem? Crie uma conta em poucos cliques ou inicie sessão para continuar.

A Intrusa - António Carlos/Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Página 1 de 4 1, 2, 3, 4  Seguinte

Ir para baixo

A Intrusa - António Carlos/Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho Empty A Intrusa - António Carlos/Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Ago 14, 2022 10:25 am

A Intrusa
Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

António Carlos

A vida espiritual é um mundo novo.
Tanto para os que foram quanto para os que ficaram.


E um colónia espiritual, vários desencarnados se reúnem numa sala de aula para contar como foi difícil aceitarem a desencarnação.
Mas o que estaria a acontecendo naquele lar?
As duas filhas querendo se mudar dali, o pai indiferente trazendo para casa a namorada.
O filho mais velho estuda em outra cidade.
E, nas férias começa o drama.
Maria Tereza, Teté, a mãe dos três jovens, está enferma e confusa.
Simone, caçula também está doente.
O que a garota tem?
Será verdade o que ela diz?
Beatriz, a outra irmã, embora adolescente, está com muitas responsabilidades e se envolve com um homem mais velho para se casar.
Vê nesse relacionamento uma solução para os seus problemas.
Surge então, Armando, um colega de juventude de Maria Tereza, que nutre um bom sentimento por ela.
Ele é espírita e tenta ajudar os envolvidos, principalmente Laís, a avó da garotas.
Em A INTRUSA, o espírito António Carlos, pela psicografia de Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho, novamente nos brinda com uma envolvente e delicada história.
Nesta obra é mostrada uma reunião diferente, na qual se explica o porquê de tantas pessoas, ao mudare4m do plano físico para o espiritual, não aceitarem o socorro imediato e retornarem ao seu lar terreno.
Escrito com muito amor e ternura, este romance encanta no começo ao fim, da primeira à última página.

Boa Leitura!


Sumário
1º capítulo - Final de tarde
2º capítulo - A noite
3º capítulo - Quarta-feira
4º capítulo - Sábado
5º capítulo - Ainda no sábado
6º capítulo - Domingo
7º capítulo - Na semana
8º capítulo - As férias terminam
9º capítulo - Começo das aulas
10º capítulo - No meio da semana
11º capítulo - Final de semana
12º capítulo - Nos dias seguintes
13º capítulo - Decisões
14º capítulo - De volta ao lar
15º capítulo - A difícil conversa
16º capítulo - A mudança
17º capítulo - Orientações
18º capítulo - Férias novamente
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122441
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

A Intrusa - António Carlos/Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho Empty Re: A Intrusa - António Carlos/Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Ago 14, 2022 10:25 am

1º CAPÍTULO - Final de tarde
Beatriz pegou a bolsa e o casaco, despediu-se das colegas no final do expediente com um "tchau". Estava de férias da escola, por isso teria de ir para casa. Realmente não gostava de ir para lá, mas tinha de voltar. Simone ultimamente estava saindo muito.
"Que chato ir para casa e encontrar a intrusa lá. A tarde está tão bonita, o sol logo irá se pôr; se não fosse pela minha irmã, iria dar um passeio pela praça. Mas, por enquanto, lá é o único local que tenho para ir. Se pelo menos vovó Laís nos aceitasse. Mas não aceita. Paciência!"
Beatriz, Bia, como muitos a chamavam, era uma garota bonita, sensível, agradável, e todos que a olhavam notavam seus olhos: eram verdes, grandes, com espessos cílios e uma sobrancelha bem desenhada. Era parecida com sua mãe. Tinha dezassete anos, estudava, terminaria naquele ano o terceiro período do ensino médio. Estava empregada numa loja de roupas femininas como vendedora havia alguns meses e, para trabalhar, transferira o estudo para a noite. Essas duas actividades a cansavam muito. Sempre gostou de estudar e se decepcionou com o curso nocturno, que era mais fraco.
Sabia que para entrar numa universidade teria de estudar muito e sozinha. Saíra do curso de inglês e de espanhol. Isso a revoltara.
Foi para a casa. Ao abrir a porta, gritou:
— Simone!
— Ela não está! Para pouco em casa essa menina!
Quem respondeu foi Lucilene.
Beatriz entrou e foi para o quarto que dividia com a irmã sem responder.
Simone olhou o relógio e se assustou, a tarde passara rápida.
— Nossa! — exclamou a garota. — Bia deve estar voltando para casa. Vou embora!
Organizou seus cadernos, despediu-se da amiga e escutou da mãe dela:
— Volte sempre, Simone. Embora vocês duas tenham conversado bastante, estudaram também. Fizeram o trabalho de férias. Tchau!
Simone caminhou sem prestar atenção à rua.
"Que pena eu não ter visto o Mateus. Ele é tão lindo!", pensou suspirando.
A garota tinha treze anos, também era bonita e com certeza se tornaria uma bela moça. Gostava muito de sua irmã Beatriz. E, ultimamente, ausentava-se muito de casa. Não gostava de ficar lá.
"Júnior é mais feliz!", pensou a garota. "Estuda fora, em outra cidade. Está de férias, mas com certeza arrumou um jeito, uma desculpa de um curso para não voltar para casa.
Estou com saudades dele. Estudar nas férias! Mas eu também estou estudando. Motivo? Ir à casa de Mariana para ver seu irmão Mateus. "Andou depressa, por isso chegou em casa ofegante.
Abriu a porta e escutou:
— Bia já chegou — informou Lucilene. — Está no quarto esperando-a. Aproveite para falar a ela que hoje são vocês duas que farão o jantar. Já fiz o favor de fazer o almoço. Não sou empregada. Se quiserem comer, façam! Vou jantar fora com o pai de vocês.
Simone não respondeu e foi para o quarto.
Júnior estava em outra cidade, onde estudava. Cursava engenharia civil numa universidade pública. 0 rapaz tinha dezanove anos, era alto, bonito e estava aborrecido.
"Não pago pelos meus estudos, mas tenho despesas e pouco dinheiro. Não estou fazendo curso de férias, como disse à Bia, mas dando aulas para uns colegas, isto para ter dinheiro
para me alimentar e para a passagem de ónibus para vê-las.
Estou com poucas roupas, não sobra dinheiro para comprar nada. Estudo muito para me sobressair. E não estou com vontade de ir para casa. Mas tenho de cuidar de minhas irmãs.
Desta vez baterei de frente com o velho, meu pai precisa entender que ele não é dono de tudo. Minha vida não está fácil.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122441
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

A Intrusa - António Carlos/Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho Empty Re: A Intrusa - António Carlos/Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Ago 14, 2022 10:26 am

Não tenho tempo nem para namorar. Poderia me interessar mais por Eugénia, ela é muito bonita. Mas um namoro com certeza me atrapalhará. Vou sábado para casa."
— Júnior — disse Ney, um colega que dividia o quarto de uma pensão com ele —, topa entregar mais estas duas encomendas?
— Isso é perigoso! — exclamou Júnior. — Queria não ter de fazer mais isso. Porém, com o que receber, pago o aluguel do quarto.— Eu também não quero mais fazer isso — falou Ney.
— Estou com receio. Tenho entregado mais que você. Mas, se não fizer, não consigo estudar. Sinto que esses actos serão uma nódoa em minha vida.
Júnior pegou os dois pacotes. E, num pedaço de papel, estavam os endereços. Levantou-se e foi entregá-los. Eram entorpecentes.
Célio estava saindo do trabalho naquele final de tarde.
Tinha quarenta e três anos, alto, magro, boa aparência, seus cabelos começavam a ficar grisalhos.
"Também, com tantos problemas", pensou ele, passando as mãos sobre os cabelos, "não sei como não estou careca.
Não estou com vontade de voltar para casa. Meu Deus! É sempre a mesma coisa. As meninas reclamam dela, e ela, das garotas. E ainda tem Irene. Será que existe o risco de perder o processo? Mais essa! Ter de dar dinheiro a essa mulher. Se isso ocorrer, será injusto. Dei muita coisa para Irene. Ficou comigo porque quis. Não lhe prometi nada. Se ela ganhar, vou passar aperto financeiro para pagá-la. Porém, posso recorrer e adiar o pagamento. Tenho tido muitos gastos. Também, pai de três filhos! Quando Teté me ajudava, o dinheiro rendia mais. Preciso me organizar".
Entrou no carro, dirigiu devagar e foi para casa. Ao abrir a porta, escutou:
— Oi, querido! Estou esperando por você. Não esqueceu que vamos jantar fora, não é?
Célio aproximou-se de Lucilene e a beijou.
— Precisamos mesmo jantar fora?
— Claro, querido. Faço questão. Vamos, sim. Escolhi o restaurante. Tome um banho enquanto me arrumo. Quero ficar bonita.
Foram para a suíte.
Enquanto se maquiava Lucilene pensou:
"Já estava cansada de ficar nesta casa, permaneci aqui a tarde toda esperando por Célio. Ainda bem que a tarde terminou. Queria mesmo morar com Célio em outro lugar. Ele poderia muito bem deixar as meninas morando aqui e ir comigo para um pequeno apartamento. Ele não quer. Mas vou conseguir, com toda a certeza, fazê-lo mudar de ideia. Célio ainda é jovem. E quero ter filhos. Filhos meus. E tem de ser rápido. Tenho trinta e sete anos.1'
Olhou no espelho. Lucilene não era bonita. Seu rosto era pequeno, lábios muito finos, queixo grande, testa pequena, mas seu corpo era bonito. Morava com os pais e estava ficando muito na casa do Célio, dormia pelo menos três vezes por semana com ele e às vezes cozinhava. Não gostava dos filhos dele, este era o problema. Viu poucas vezes o mais velho, o Júnior, mas as meninas, Beatriz e Simone, estavam sempre presentes na casa, já que moravam ali. Queria casar e ter o seu lar. Já fora casada, contraiu matrimónio aos vinte anos, viveu três anos com o marido, um período de muitas brigas, e se separaram; tivera outros namorados, mas se interessou por Célio assim que o conheceu. Fez de tudo, estava fazendo, para dar certo.
"Minha mãe", continuou Lucilene pensando, "aconselhou-me a arrumar alguém sem filhos, mas eu também já fui casada. Será para ambos o segundo casamento. Não vou perdê-lo por causa dessas meninas bobas. Não vou mesmo!"
Estando prontos, saíram sem se despedir.
Teté, Maria Tereza, estava em seu quarto. Ao escutar o casal sair e as filhas abrirem a porta, levantou-se com dificuldade. Sentia-se doente. Olhou o seu aposento. Há anos dormia no cómodo dos fundos. A casa era grande, possuía quatro quartos. A suíte estava ocupada actualmente por Célio, um quarto para as duas filhas, outro menor era do Júnior, e o último do corredor era o dela.
Desde que ficara doente permanecia muito no seu aposento. Célio e ela tinham se separado havia anos, mas não oficialmente e nem de casa. Ele sempre tivera amantes, e essa foi a causa da separação. Conversavam somente o necessário. Viviam razoavelmente respeitando o acordo que haviam feito até que ficou doente. Sofreu um acidente vascular cerebral e ficou com sequelas.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122441
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

A Intrusa - António Carlos/Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho Empty Re: A Intrusa - António Carlos/Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Ago 14, 2022 10:26 am

"O ruim é que não consigo falar, ando com dificuldade e, por isto, Célio tem abusado. Nunca antes ele trouxera para casa uma amante. E, recentemente, essa Lucilene, a Lu, como ele a chama, tem vindo aqui e até dorme. Ainda bem que não é a Irene. Como Célio enjoou dela, enjoará desta também, e espero que isto ocorra logo. Se pudesse falar, iria conversar sério com esta intrusa."
Maria Tereza era dois anos mais nova que o marido. Fora uma mulher muito bonita, era geniosa, e o casal brigava muito, até que, num acordo, separaram-se e passaram a usar quartos diferentes. Optaram por viver assim para não dividir os bens que possuíam. Eram casados com comunhão de bens. Pararam com as brigas, melhoraram a convivência, e os três filhos se acostumaram com eles vivendo desse modo.
Mas ela adoeceu e ficava muito no quarto, não saía de casa.
Irene estava muito nervosa. Ficara sabendo que Célio e Lucilene iriam jantar num restaurante caro, chique. Uma de suas colegas escutou de Lucilene, quando ambas estavam num salão de beleza, que o casal iria lá à noite.
"Será que devo ir a esse restaurante? Posso convidar minha amiga Ione para ir comigo. Mas para ter companhia, terei de pagar para ela. Esta noite tenho uma consulta com dona Chica. Estou sentindo muito ódio! Qualquer um dos compromissos, ir ao restaurante ou à dona Chica, terei de dispor de dinheiro. Ela cobra caro, e este jantar ficará caríssimo. Célio precisa de um correctivo! Agiu muito mal comigo.
Fomos amantes por muitos anos. Era muito jovem quando me envolvi com ele. Célio fez de tudo para me conquistar, para depois me descartar como uma roupa velha. Quero que nada dê certo para ele. Desejo-lhe muito mal. Não esqueço o que ele me disse quando pedi para que se casasse comigo:
'Casar com você? Está louca?'. Fiquei nervosa, chorei e perguntei: 'Servi somente para amante? Estivemos juntos por quase cinco anos. Esperava casar um dia com você!'. Estremeci de ira quando escutei: 'Você é louca! Casar? Como? Por quê? Nunca lhe prometi isto. Se pensou nesta possibilidade, é porque você é uma iludida'. Avancei nele, unhei seu braço, e ele me empurrou com tanta força que caí. Tenho ódio dele!
Célio não será feliz!
Não mesmo! Está namorando uma moça de 'família'. Duvido que seja boa. Se for ao restaurante, posso estraga uma noite. E corro o risco de eles se levantarem e irem a outro local. Quero estragar sua vida. Pagará caro! Tirarei dinheiro dele. Aproveitador, pensou que ia me deixar e ficar por isto mesmo! Nada como um boa advogada para ajudar a resolver a questão. Pedi uma indenização por ter sido enganada, por ter sido amante dele. O encontro reconciliatório será depois de amanhã. Pensando bem, irei à dona Chica Irene não trocou de roupa. Ligou a televisão e esperou o horário marcado para ir à consulta. Sentou-se no sofá. A moça era bonita, tinha trinta e dois anos, alta, esbelta, cabelos tingidos de louro, costumava usar muita maquiagem e se vestir na moda. Tentou se distrair, mas não conseguiu, estava irada.
Armando conversava com duas senhoras no centro espírita. Chegava antes da reunião começar, isto para se enturmar.
— Retornei à cidade — explicou ele. — Morei aqui há vinte e seis anos. Pelo trabalho de meu pai, mudávamos sempre de cidade, moramos aqui por três anos. Gostei demais, tanto que fiquei muito feliz quando fui transferido para cá pelo meu trabalho e, de voltar a residir aqui.
Enviuvei há três anos, tive dois filhos, o rapaz está estudando em outro país e com certeza ficará por lá, está bem. Minha filha desencarnou há cinco anos.
Sou espírita e estou gostando do trabalho que a casa oferece.
— Já reencontrou os amigos de outrora? Reviu antigos companheiros? — perguntou um senhor.
— Fui ao bairro, à rua em que moramos. Revi somente dois dos antigos vizinhos. Vocês conhecem Maria Tereza...?
Nós a chamávamos de Teté. Gostaria de revê-la.— Talvez — respondeu uma das senhoras — seja a esposa do Célio. Sei onde moram, dou-lhe o endereço, trago-o na próxima reunião. Não me lembro bem, mas parece que ela está doente ou desencarnou.
Armando agradeceu, cumprimentou outras pessoas.
Estava gostando do lugar, os frequentadores eram fraternos e alegres.
Sentou-se à espera da palestra começar e pensou em Teté.
"O tempo passa para todos, ou passamos pelo tempo. Já não sou o jovem de antigamente, nem ela deve ser. Quando tiver o endereço, vou tentar telefonar e, quem sabe, visitá-la.
Podemos lembrar de nossa juventude. Éramos tão apaixonados, ou, eu era" Suspirou, e a palestra começou.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122441
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

A Intrusa - António Carlos/Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho Empty Re: A Intrusa - António Carlos/Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Ago 14, 2022 10:26 am

— Que dor! Meu Deus! Por que sofro tanto?
Laís resmungava, isto era rotineiro. Morava sozinha numa casa grande e bonita desde que tinha ficado viúva há cinco anos. Falava muito sozinha, e a empregada, acostumada, dificilmente respondia, porque, se o fizesse, teria de escutar alguns minutos de lamúria.
— Todos têm de ficar lá! Todos! Célio tem de ter responsabilidade para com elas. Gastar com os filhos e não com amantes. Nada de facilidade para Célio. Ele não merece! Meu trauma foi grande. Muito grande! Minha Maria Tereza!
Laís era mãe de Teté, consequentemente sogra de Célio, de quem não gostava.
— Já pedi e espero que meus dois filhos estejam atentos na firma. Existem muitas injustiças, e uma delas é Célio estar lá. Foi meu marido quem trabalhou e construiu aquele lugar. O esposo de Laís, homem trabalhador e inteligente, fundou uma indústria, um curtume, onde beneficiavam couro e vendiam para indústrias de calçados. Quando ele desencarnou, metade ficou para ela e a outra, para seus três filhos, dois homens e Maria Tereza, mas quem cuidava da parte da filha era o marido, Célio. Os quatro sócios recebiam ordenados. Laís queria que o curtume ficasse somente para os dois filhos, queria tirar a filha da sociedade, isto para não ter o genro como sócio. Houve brigas, Teté não queria ser prejudicada. Foram muitas as discussões onde se ofenderam e se magoaram muito.
— Todos, já decidi, têm de ficar lá! Ninguém deve sair da casa e facilitar a vida de Célio.
— Até amanhã dona Laís — despediu-se a empregada.
Laís ficou sozinha e foi verificar se a casa estava realmente fechada.
A tarde terminava e, com certeza, teria mais uma noite de solidão.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122441
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

A Intrusa - António Carlos/Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho Empty Re: A Intrusa - António Carlos/Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Ago 14, 2022 10:26 am

2 º - CAPÍTULO - A noite
Assim que o casal Célio e Lucilene saiu, Beatriz e Simone foram do quarto para a cozinha.
— Vou fazer uma sopa — determinou Beatriz —, com sua ajuda logo estaremos jantando.
Maria Tereza também saiu do quarto andando com dificuldade, foi à cozinha e ficou olhando com carinho para as filhas.
"Como elas estão lindas! Pena que não consigo falar. Estou tão doente! Que doença triste é este AVC. Movimento pouco o braço direito, arrasto-me para andar, não consigo falar nem escrever. Ficarei olhando-as e depois jantarei com elas. Ainda bem que a intrusa saiu. Que desaforo! Antes Célio não trazia amantes para casa, bastou eu ficar doente para não me respeitar mais."
— Ainda bem que a intrusa saiu — falou Simone. — Não a tolero. Hoje no almoço ela fez uma comida ruim, e papai disse que gostou. Como não comi muito, Lucilene disse que eu estava certa, tinha de fazer regime porque estou gorda.
— Não ligue para ela, Si — pediu a irmã. — Penso que Lucilene quer papai, mas não a nós. Se pelo menos vovó Laís nos ajudasse. Não compreendo vovó, mora sozinha naquele casarão, queixa-se de solidão e não nos quer.
"Sua avó é rancorosa!" pensou Maria Tereza. "Ela é ruim.
Não me desculpa por nossa briga. Nem eu estando doente vem me visitar, alega que não quer ver Célio. Não posso desculpá-la!"
— Vovó é ruim, não quer desculpar—falou a irmã caçula.
— Não devemos julgá-la. Que tal mudarmos de assunto? Foi como planejou na casa de Mariana? Fizeram a tarefa de férias?
— Gosto de ir à casa de Mariana. A mãe dela fez para nós um lanche gostoso. Pena que não vi o Mateus. Ele é muito bonito!
— O irmão de Mariana é velho para você. Si, você é muito nova, não deve pensar em namoro. Se papai descobre será com certeza um transtorno.
"É verdade, filha11, pensou Maria Teresa, já que não conseguia falar. "Se Célio desconfiar, não irá deixar mais ir à casa de Mariana. E, concordo, você é muito nova para namorar."
— Nova para namorar! — Exclamou Simone. — Não se preocupe, Mateus não está interessado em mim. Talvez ele me ache menina ainda.
Beatriz pensou no moço, achava-o lindo, educado e, sempre que se viam, ele a olhava insistentemente. Mas ela não queria namorar. A situação estava muito preocupante para pensar em namoro.
"Ainda bem que compreendo tudo!" pensou Maria Tereza e suspirou.
Simone suspirou.
— Nossa, que suspiro doído! Por que, maninha? — Beatriz quis saber.
— Bia, não estou gostando mais de ficar em casa. Às vezes não me sinto bem aqui.— Está doente? Se estiver, faço papai levá-la ao médico.
— Não é isso. É algo estranho. De alma. Entende?
— Não! — respondeu Beatriz. — Ou melhor, penso que a entendo. Esta casa está tão diferente! Queria ficar mais com você como antigamente. Estudando à noite fico pouco em casa. Chego cansada e vou dormir. Desculpe-me, Si, eu não ter tempo para você.
— Você não deveria precisar trabalhar. Isto é maldade! — exclamou Simone.
"Que pai horrível vocês têm!", lamentou Maria Tereza.
"Não perdoo Célio pelo que está fazendo. Mas tenham paciência, minhas queridas, ficarei boa, e aí ele vai ver só."
— Vamos ter paciência. Vai melhorar! — falou Beatriz.
— Será? — duvidou Simone. — E se Lucilene se mudar para cá de vez?
— Vamos jantar. A sopa está quente.
As duas se sentaram de frente uma para a outra, e Maria Tereza, na cabeceira. Serviram-se.
— Está gostosa! — elogiou Simone. — Parecida com a que mamãe fazia.
"Bia me via fazendo e aprendeu. Queria tanto fazer de novo comidas, as que elas gostam."
Jantaram em silêncio.
— Vamos somente tirar as louças da mesa — determinou
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122441
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

A Intrusa - António Carlos/Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho Empty Re: A Intrusa - António Carlos/Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Ago 14, 2022 10:27 am

Simone. — Amanhã é dia da Rosita vir.
— Ainda bem que papai não a dispensou! — exclamou a irmã mais velha. — Rosita está connosco há muito tempo.
Vem duas vezes por semana, lava, passa as roupas, limpa a casa e, actualmente, quando vem, faz o almoço e dá para o jantar.
Foram para a sala, ligaram a televisão, mas ficaram conversando assuntos rotineiros, sem importância. Maria Tereza sentiu-se cansada, ficou pouco tempo na sala, levantou-se, beijou as filhas e foi para seu quarto.
Beatriz logo depois sentiu sono e foi dormir, Simone ficou mais um pouco vendo televisão.
— Vou aproveitar que papai e aquela moça não estão aqui para assistir meu programa preferido.
O telefone tocou. Era Rosita avisando que não iria no outro dia, mas sim quarta-feira.
"Amanhã", pensou a menina aborrecida, "terei de lavar toda a louça e sozinha."
Foi dormir.
Lucilene e Célio, ao chegarem no restaurante, foram directo à mesa reservada.
"Aqui é caro", pensou Célio, "mas eu mereço comer bem de vez em quando. Lu é boa companhia. Devo me distrair, estou com muitos problemas. Aquela minha sogra, ou ex-sogra, me persegue. Mulher perversa! Atormenta-me! Já tive muitas sogras. A mãe de Irene também não era fácil. Como será a mãe de Lu? Conheço seus pais, eles me tratam bem, são educados, mas até quando? Por isso evito ir à casa deles. Não quero intimidades com sogros."
— Já escolhi, querido.
Célio pensava enquanto fingia ler o cardápio.
— Vou pedir o mesmo que você, amor, sabe melhor do que eu o que escolher.
Lucilene fez o pedido. Célio resolveu esquecer seus problemas e aproveitar a noite. Conversaram sobre o local, comidas, vinhos e depois a moça falou:— Célio, não seria bom termos uma criança? Elas nos dão muitas alegrias, enfeitam a vida.
— Pode ser — respondeu ele, não gostando da conversa —, mas elas crescem e somente nos dão problemas.
— Está sendo injusto. Seus filhos não dão problemas.
Não se envolveram com drogas, são bons alunos, bonitos e sadios.
— Não quero ter mais filhos — determinou Célio. — Quando começamos a namorar, eu lhe disse isso. Não a estou enganando. Não quero!
Lucilene se magoou, mas disfarçou; a comida chegou, e passaram a comer. Ele distraiu-se, e a moça pensou:
"Já faz três meses que não estou tomando anticoncepcionais. Vou ficar grávida! Quarta-feira tenho consulta com minha ginecologista. Ela, na consulta anterior, afirmou que estou sadia e que logo engravidaria. Depois de grávida, Célio mudará de ideia. Seremos um casal feliz. Eu terei o filho que tanto quero."
No horário marcado, Irene foi à consulta marcada. Dona Chica era uma mulher de cinquenta anos, muito arrumada e maquiada. Atendia pessoas com horários marcados e de tal modo que seus "amigos", como chamava os seus consultantes, não se encontravam. Seu escritório era um cómodo em sua casa. Uma filha a ajudava como secretária. A sala era discreta no mobiliário, mas havia alguns quadros estranhos, com figuras diferentes, na parede e, no centro da sala, havia uma mesa com várias imagens e velas coloridas acesas.
Dona Chica, como sempre, cumprimentou Irene com beijinhos, pediu que se sentasse numa cadeira em frente à mesa, e se sentou numa outra, mais alta.— Vou primeiro ler sua sorte — falou a senhora.
Embaralhou as cartas, organizou algumas pedras, pediu para Irene cortar o baralho e finalmente falou:
— Seus caminhos estão abertos. Você, com nossa ajuda, ganhará a causa. E um outro amor aparecerá em seu caminho.
Como Irene não perguntou nada, Chica recolheu as cartas e perguntou:
— O que de facto deseja?
— Quero separar Célio dessa outra mulher que namora.
— Pense bem no que quer — aconselhou Chica.
— Já pensei — respondeu Irene. — Quando vim aqui e pedi para separar Célio da esposa, isto ocorreu, ele se separou, mas não ficou comigo.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122441
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

A Intrusa - António Carlos/Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho Empty Re: A Intrusa - António Carlos/Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Ago 14, 2022 10:27 am

— Por isso que a aconselho. Você tem certeza do que quer? Você pagou para separá-los, e os separamos. Pensei que você tinha certeza de que ficariam juntos.
— Não foi muito trágico? — quis Irene saber. — Vocês têm poder para tudo isso?
— Claro que sim. Sou poderosa!2
— Já decidi! — afirmou Irene. — Não quero mais o Célio, não depois que me ofendeu. Sinto raiva dele. Estou interessada em outro homem.
— Casado?
— Sim, mas desta vez não quero separá-lo da esposa.
Decidi ser somente a amante. A esposa que cuide dele, a minha parte será a melhor. Célio merece uma lição. Trocou-me por outra, e não quero que fiquem juntos. Dona Chica, a audiência será na quarta-feira à tarde. Quero que Célio me pague!
— Oque me aconselha a fazer?
— Lembro-a de que dez por cento do que receber é meu — falou Chica.
"Dez por cento mais quinze por cento da advogada, acabarei recebendo pouco", Irene pensou, lamentando.
— Este dez por cento paga também o trabalho para separá-los? — perguntou a moça.
— Não. Cada caso é um caso. Porém, farei para você um abatimento.
— O que me aconselha fazer nesta audiência? É justo o que estou pedindo. Perdi anos com ele pensando que um dia se casaria comigo. Privei-me de muitas coisas. Poderia ter conhecido outro homem, constituído família e...
— Irene — interrompeu Chica —, você está falando comigo e não com o juiz. Mas está óptima, lamentando assim, convencerá a todos na audiência.
— A advogada me explicou que o juiz tentará nos convencer a fazer um acordo.
— Deve aceitar. Preste atenção. Meus amigos desencarnados ficarão perto de Célio e tentarão induzi-lo a fazer um acordo. É melhor aceitar, receberá menos, mas é preferível do que uma briga de anos que não se sabe no que dará. Célio fará uma proposta tendo a certeza de que você não aceitará. Mas deve aceitar. Você recebe, me paga e me reembolsará para que separe o casal.
"Como ela explora!", pensou Irene. "Mas é isto que quero."
— Combinado! — Irene concordou.
— Vou protegê-la.
Chica levantou-se, pegou uma estatueta pequena de uma figura de um homem com chifres e de roupa vermelha e preta e, na outra mão, um punhal. Pronunciou algumas palavras baixinho.
— Pronto, está protegida!
Colocou os objectos em cima da mesa e ergueu a mão
direita. Irene colocou o dinheiro nela, e Chica, rápido, o fez desaparecer no bolso.3 Despediram-se, e Irene voltou para casa; sentia-se nervosa, mas confiante.
Beatriz e Simone estavam dormindo quando o casal chegou. Maria Tereza, de seu quarto, escutou-os. Ficou quieta, estava pensativa e recordou: era adolescente quando conheceu Célio e se enamoraram, ou ela se apaixonou, e namoraram escondido. Seus pais não aprovaram o namoro, afirmavam que Célio não era moço para namorá-la, colocaram vários empecilhos, que ela pensava ser pelo namorado ser pobre.
"Agora sei" pensou Maria Tereza, "que meus pais tinham razão. Célio me enganou. Namoramos escondido por três anos e então decidimos que eu deveria ficar grávida para podermos casar. Deu certo: com minha gravidez, meus genitores fizeram nosso casamento. Fomos morar numa pequena casa de meus pais, e Célio foi trabalhar no curtume. No começo, vivemos felizes, Júnior nasceu, depois Beatriz... ela era bebê quando descobri a primeira traição de meu marido.
Fiz um escândalo. Ele me pediu perdão, prometeu não ver mais a amante, e eu não contei a ninguém. Depois que Simone nasceu, Célio passou a me trair mais. Brigávamos muito e, infelizmente, escutei de meus pais: 'Eu avisei!'. Célio sempre foi trabalhador, e seu ordenado no curtume é alto. E meu pai, há anos, nos deu, para mim e meus irmãos, uma boa casa; então nos mudamos para cá. Papai não queria uma filha separada, dizia: 'Casou, tem de aguentar'. E eu também nunca quis, de facto, me separar.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122441
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

A Intrusa - António Carlos/Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho Empty Re: A Intrusa - António Carlos/Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Ago 14, 2022 10:27 am

Penso que sempre o amei. Nunca me queixei, nem à mamãe, mas os comentários de que meu esposo tinha amantes chegaram aos meus familiares, e todos ficavam chateados. Minha família não é unida, meus pais e irmãos vieram poucas vezes aqui em casa, e eu ia raramente à deles. Agora está pior, eles não vêm me ver, e há tempo que não os vejo."
Maria Tereza olhou para os remédios na cabeceira de sua cama.
"Ainda bem que os remédios têm dado resultados. Estou muito doente, mas, esforçando-me, consigo andar e me virar sozinha. Penso que estou melhorando. Célio tem aproveitado, abusado comigo doente. Brigada com mamãe, ela não me visita, e meus irmãos devem ter ficado do lado dela; também eles não vêm me ver. Meu esposo, por eu não poder reagir, tem trazido a amante para casa, para dormir com ele em seu quarto. Ainda bem que não é a Irene. Deve ter se cansado dela."
Levantou-se devagar, foi ao corredor em que a luz ficava sempre acesa à noite. Maria Tereza assustou-se, viu Lucilene saindo do quarto. Ambas se olharam com raiva e exclamaram juntas:
— Intrusa!
Uma pensou e a outra falou, completando em tom autoritário:
— Saia daqui! Esta casa não é mais sua!
Maria Tereza esforçou-se para falar e não conseguiu. Lucilene virou as costas e saiu.
"Foi embora!", pensou Maria Tereza e voltou para o seu quarto.
— Mamãe! Mãezinha!
Maria Tereza sorriu; Simone entrou no quarto e foi directo para os braços da mãe, onde recebeu afagos.
"Você está triste?" indagou a mãe em pensamento.
— Mamãe, estou triste. Penso que estou gostando do Mateus, mas ele não se interessa por mim, acho até que ele está interessado na Bia. Coitada, minha irmã está tão cansada...
E ficou minutos falando com a mãe, que, carinhosamente, passava as mãos sobre a cabeça da filha e, de vez em quando, a beijava.
Depois Simone voltou para o seu quarto e Maria Tereza se acomodou na cama.
"Ainda bem que estou aqui! Doente, mas estou. Quando melhorar, expulso a intrusa desta casa."
Adormeceu. Armando chegou em seu apartamento. Alugara um pequeno e o mobiliou com capricho. Sentou-se no sofá e orou. Nas suas orações, lembrava-se sempre com carinho da filha e da esposa, desejando que estivessem bem e juntas no plano espiritual. Pediu protecção para o filho e, naquela noite, orou para Maria Tereza.
"Sei onde Teté morava com os pais. Conheci a mãe dela, a dona Laís, fui lá duas vezes para fazer trabalho de grupo da escola. Ela tratava bem os colegas da filha. Vou lá. Se dona Laís não me receber, paciência."
Recordou-se de como conheceu Maria Tereza.
"Tínhamos acabado de mudar para a cidade e, no primeiro dia na escola, vi Teté e me enamorei. Éramos jovens, adolescentes. Conversávamos sempre. Os amigos brincavam connosco, dizendo que tínhamos muitos assuntos.
Gostávamos dos mesmos cantores, músicas, livros e, de facto, sempre tínhamos assuntos. Apaixonei-me, era um amor platónico, sincero e forte. Um dia me enchi de coragem e disse que gostava dela. Lembro-me bem, Teté sorriu e respondeu: 'Também gosto de você. Mas namorá-lo não será possível. Primeiro, sou muito jovem e meus pais não me deixam ter compromisso. Papai diz que somente namorarei quando fizer dezoito anos. Depois, penso que eles não me deixarão namorá-lo'. 'Por ser negro?', perguntei.
'Talvez!', respondeu Teté. Depois daquele dia, ela passou a me evitar, até que nos separamos. Tempos depois, mudamos de cidade. Eu sofri muito. Adolescente, a paixão era forte.
Amei-a! Pela primeira vez e, ainda bem que foi a última, revoltei-me por ser afrodescendente. Tomara que ela esteja bem."
Cansado, foi dormir. Júnior, depois que entregou os pacotes, recebeu o dinheiro e pagou o aluguel para a dona da pensão. Ficou no quarto e demorou para dormir. 0 cómodo era pequeno e tinha duas camas, a que dormia e outra do Ney. Tinha também uma mesa pequena, duas cadeiras e um pequeno roupeiro, que dividiam. Embora o armário fosse minúsculo, estava quase vazio, ambos tinham poucas roupas. Em cima da mesa estavam cadernos e livros. O banheiro ficava no corredor e era usado pelos inquilinos de quatro quartos. Ney e ele estudavam engenharia civil, eram bons alunos.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122441
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

A Intrusa - António Carlos/Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho Empty Re: A Intrusa - António Carlos/Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Ago 14, 2022 10:28 am

Seu companheiro de quarto era órfão de pai, sua mãe morava numa cidade longe, e ele ia para casa somente nas férias do final do ano. Escrevia sempre para a mãe e, uma vez por mês, telefonava para ela. Ambos, Júnior e Ney, contavam moedas, como costumavam dizer, passavam por privações para estudar.
Que vida! — lamentou o jovem. — Estou com saudades delas. E muitas da mamãe! A vida de Beatriz e Simone também não deve estar nada fácil. Como mamãe nos ajudava!
Antes de adoecer, costurava muito. Fazia vestidos de festa, tinha as mãos de fada, as roupas ficavam maravilhosas.
Trabalhou tanto com as mãos! — suspirou. — Mamãe era organizada e fazia papai nos dar dinheiro. Agora, tudo mudou.
Demorou para dormir.

2 - N. A. E.: Chica mentiu. Tenho visto, infelizmente, pessoas que fazem maldades não ter nenhum escrúpulo em mentir. Como existem pessoas que fazem o bem, infelizmente ainda muitos imprudentes fazem o mal, como essa mulher, que dizia ler sorte, separar casais, fazer pessoas se apaixonarem etc. Chica tinha mediunidade, que, infelizmente, usava para fazer maldades e ganhar dinheiro. Qualquer mal feito, para dar resultado, precisa encontrar ressonância na pessoa-alvo para esta ser atingida. E existe limite para essas maldades. Uma delas é que não se consegue desencarnar ninguém. Tenho, infelizmente, observado vítimas desses actos nocivos adoecerem por serem colocados ao seus lados desencarnados dementes, que sofrem desorientados e que vampirizam energias dos encarnados alvo, e estes se perturbam, ficam nervosos, enfraquecidos de energia e aí se sentem enfermos. Porém, existem remédios eficazes para estes males: orações, bons pensamentos e sentimentos, a prática de caridade, boas leituras, o entendimento dessa possibilidade, o auxílio de religiões e, com êxito, do espiritismo. Infelizmente, separar casais, fazê-los romper um relacionamento, não é difícil, isto porque somos ainda melindrosos, ofendemos facilmente e damos muita importância a ditos e desaforos.

3 - N. A. E.: Tenho estudado ou tentado entender como um ser humano pode desejar tanto o mal para seu próximo a ponto de recorrer àqueles que afirmam fazer maldades. São muitas as maneiras de executar estes "trabalhos", que também são denominados por diversos nomes. Nestas acções maléficas, ambos, aqueles que as fazem e os pagantes, mandantes, terão de responder pelos actos, e a colheita não costuma ser fácil.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122441
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

A Intrusa - António Carlos/Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho Empty Re: A Intrusa - António Carlos/Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Ago 14, 2022 6:53 pm

3 º CAPÍTULO - Quarta-feira
Na quarta-feira, Beatriz levantou cedo como sempre e foi trabalhar. Ao chegar na loja, viu Nestor, que a cumprimentou sorrindo.
— Bom dia, Beatriz. Como está passando?
— Bom dia! Bem, e o senhor?
Ela entrou na loja. Antes de abri-la, as funcionárias organizavam o estoque, faziam a limpeza e conversavam.
— Bia, o senhor Nestor está interessado em você — comentou uma colega.
— Ele é velho, mas é rico — disse outra amiga.
— O senhor Nestor — contou uma outra — fica esperando você todas as manhãs, abre a loja dele, fica na porta e, só depois que você entra, ele vai para dentro. Já o vi também olhando para você quando sai à tarde.
— Ele é rico mesmo? — perguntou Beatriz.
— É — respondeu a primeira que comentou. — O senhor Nestor é dono destes prédios, de seis lojas e tem a dele, de roupas masculinas.
A proprietária da loja, patroa de Beatriz, escutou a conversa e pediu:— Beatriz, venha comigo ao meu escritório para me ajudar a limpá-lo.
No escritório, Ana Maria, a proprietária, falou:
— Beatriz, escutei os comentários; também já percebi que Nestor tem olhado muito para você. Não tenho nada com isso, porém quero alertá-la caso tenha interesse nele.
Nestor é velho para você. Ele tem quarenta e seis anos, penso que é mais velho que o seu pai. De fato, ele é rico. Teve algumas namoradas e nunca levou nenhuma a sério, logo cansa das garotas. Talvez com você possa ser diferente, é muito jovem, nunca namorou e é de boa família. Mas ele é estranho, entende?
— Não, senhora, não entendo — respondeu Beatriz.
— Ele sempre fala mal de suas ex-namoradas, diz que elas eram ciumentas. Talvez ele não goste tanto assim de mulheres.
— Homossexual?
— Não falei isso! Por favor, não repita o que não disse.
Não sei de nada, talvez nem ele saiba. Somente disse que ele é estranho. Não fale desta nossa conversa a ninguém. Ele é dono deste prédio. Promete que não irá falar a ninguém o que eu lhe disse?
— Não falo! Prometo! — afirmou a jovem.
— Pronto, acabamos — falou Ana Maria.
Beatriz voltou para perto das colegas, e uma delas contou:
— A dona Ana Maria já esteve muito interessada no senhor Nestor. Como a mais velha funcionária da loja, lembro disso, eles saíram juntos muitas vezes. Não deu certo; tempos depois, ela casou-se com o senhor Pedro.
— Você acha o senhor Nestor estranho? — perguntou Beatriz.
— Nunca reparei muito nele. Estranho por ser solteiro? Se for por isto, não acho. Ainda nos dias de hoje, quando alguém mais velho ainda é solteiro, logo se comenta. Penso que você deveria prestar mais atenção nele, que é educado, muito trabalhador e agradável.
Entraram clientes, foram atender. Porém Beatriz ficou pensando em Nestor.
"Ele não parece ter quarenta e seis anos. Mas seus cabelos estão ralos na testa. É alto, forte, está sempre com barba bem feita, seu rosto é liso, não tem rugas, ou tem menos que papai."
Resolveu não pensar mais nele e dar atenção às clientes.
Simone acordou com o barulho da diarista. Levantou-se e foi ajudá-la.
— Gosto quando você vem — afirmou a garota. — É tão ruim acordar e não ter com quem conversar. Nas férias fica pior. Vou ajudá-la. Quero que o quarto do Júnior fique arrumado, ele vem no sábado.
— Isto é bom! Júnior é alegre e bonito!
Rosita lavou as louças e roupas, foi arrumar a casa e bateu na porta do quarto de Maria Tereza.
— Dá licença? Posso entrar?
— Por que está fazendo isto? — perguntou Simone.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122441
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

A Intrusa - António Carlos/Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho Empty Re: A Intrusa - António Carlos/Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Ago 14, 2022 6:53 pm

— Não se entra num aposento fechado sem antes bater.
Rosita abriu a porta, entrou no quarto e abriu a janela.
Maria Tereza já tinha acordado, sorriu com o barulho da faxineira.
"Como sempre, minha ajudante está alegre", pensou Maria Tereza. "Vou levantar e sair do quarto, se não ela arruma a cama comigo aqui."
Levantou-se e foi sentar na poltrona da sala.— Que cheiro de remédio! — exclamou Rosita. — Este quarto sempre cheira a remédio. Arrumo-o de quinze em quinze dias. Você vem me ajudar?
— Não. Vou arrumar meu quarto — respondeu Simone.
A diarista cantou uma música que estava no momento tocando no rádio e às vezes dançava. Simone ria.
— Antigamente — falou Rosita —, tudo era diferente nesta casa. Gostava de ver sua mãe costurar. Fazia cada vestido lindo. Ela me dava suas roupas, as que não usava mais.
Agora não costura mais, e tudo mudou. Dona Teté ria muito comigo. Contava a ela dos bailes que ia e fofocas das outras patroas. Bons tempos aqueles! Quando você está na escola, não tenho com quem conversar, é tão chato! Pronto, o quarto está limpo. Fecho ou não a janela?
— Feche!
— É por isso que este quarto cheira a remédios! — lamentou Rosita.
Fechou a janela, o quarto, e foram limpar o que Júnior ocuparia nas férias.
"Júnior virá no sábado. Estou com muitas saudades do meu filho!", Maria Tereza suspirou.
Voltou para seu quarto. Rosita era muito atrapalhada em suas limpezas, se não saísse da frente, ela passava por cima.
Simone se distraiu com a faxineira, e a casa ficou limpa.
Lucilene foi à sua consulta.
— Você está muito bem — afirmou a ginecologista.
Como lhe falei, talvez pela idade, demore um pouco para engravidar. Aproveite bem seu período fértil. Pelos seus exames, não encontro nada que a impeça de logo ter seu neném.
Seu esposo já fez os exames? Está tudo bem com ele?
— Não nos casamos ainda, mas logo nos casaremos. Ele tem três filhos.
— Isso não impede que algo tenha acontecido depois. Se você não engravidar em dois meses, peça a ele para procurar um médico.
Conversaram mais um pouco, Lucilene despediu-se animada.
"Logo terei meu filho. Escolhi os nomes, penso que Célio concordará. Acho que vou querer ter dois filhos. Grávida, caso, convenço Célio a se mudar daquela casa, e ele dará mais atenção a mim e ao meu filho."
Passou por uma loja de roupas infantis, ficou um tempo olhando as vitrinas.
"Estou com vontade de comprar algumas roupas. Mas é melhor me controlar; assim que estiver grávida, comprarei.
Talvez até esteja. Vou aguardar com ansiedade."
No horário marcado, Célio, com seu advogado, e Irene, com sua advogada, foram à audiência. Enquanto esperavam, os dois não se cumprimentaram, mas observaram um ao outro.
"Como pude me iludir com este homem?", pensou Irene.
"Quando o conheci, sabia que era casado. Encantei-me com seus elogios, seu modo galante. Tenho de admitir: ele me falou que nunca ia se separar da esposa, porque era casado com comunhão de bens; se o fizesse, teria de repartir tudo que tinham e, com certeza, ele levaria a pior. Ficamos juntos estes anos e agora tem de me dar uma indemnização. Vou seguir os conselhos de dona Chica. Vou ficar calma. “Célio também pensou:
"Irene é bonita. Tivemos bons momentos juntos. Dei a ela muitas coisas, tanto que deixou de ser empregada e comprou uma loja, de onde tira o seu sustento. Ambiciosa! Quer mais.
Será que terei de pagá-la? Vou fazer o que meu advogado me aconselhou. Vou fazer uma oferta. É a quarta parte do que ela me pede. Com minha oferta, o juiz entenderá que eu estou a fim de acertar, de indemnizá-la. Ela alega que ficou estes anos comigo enganada, pensando que eu casaria com ela. Com toda certeza Irene não aceitará e o processo irá longe; se ela ganhar, apelarei, e anos passarão/1
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122441
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

A Intrusa - António Carlos/Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho Empty Re: A Intrusa - António Carlos/Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Ago 14, 2022 6:53 pm

Mas, para a surpresa de Célio, Irene aceitou. E ele teve de pagá-la. Raivoso, esforçou-se para não agredi-la. Irene saiu vitoriosa, ficou contente ao ver a ira do ex- amante. Alegrou-se ainda mais e não conseguiu conter o riso ao vê-lo fazendo o cheque. Saiu do fórum e foi ao banco, sua advogada foi junto, descontou o cheque, separou o que restaria e colocou numa conta poupança. Pagou a advogada, foi levar a parte de dona Chica como havia combinado e também a pagou pelo trabalho que faria para separar Célio de Luciane.
"Ter ganho este dinheiro foi muito bom!", Irene pensou contente. "Porém, ver a raiva de Célio foi o maior prazer que tive nestes últimos tempos. A dor pior para ele é a do bolso.
Castiguei-o! Agora é esquecê-lo e me dedicar ao outro."
Célio pensou que ia passar mal de tanta raiva que sentiu.
Usou, para pagar Irene, de seu cheque especial. Contabilizou suas finanças e resolveu vender um dos seus carros, o mais novo.
"Se tenho", pensou Célio, "de fazê-lo, devo fazer logo. Os juros são abusivos. Irene somente me deu prejuízos”. Passou numa loja de veículos. Teve sorte, compraram seu carro. Foi ao banco, depositou o cheque, transferiu para sua conta a poupança que tinha e uma aplicação. Não ficou com nada, mas não usaria de seu cheque especial. Foi para casa muito mal-humorado. Telefonou para Lucilene contando o que havia ocorrido na audiência e pediu para ela não ir vê-lo, queria ficar sozinho.
Simone, vendo o pai nervoso, ficou no seu quarto e, quando Beatriz chegou, Célio as chamou à sala e disse:
- Por uma tremenda injustiça, tive de dispor de muito dinheiro. Vendi o carro novo e terei de usar o velho. Usei, para pagar, todo o dinheiro que tinha. Por isso, economia!
Não tenho dinheiro para nada.
— Economia? O senhor não tem nos dado nada! — queixou-se Simone indignada.
Beatriz interferiu:
— Sinto muito, papai. Com certeza, logo o senhor poderá comprar outro carro. Ainda bem que tem o reserva. Não sei como podemos ajudar.
— Nem eu. Ultimamente, nada tem dado mais certo nesta casa. A doença de sua mãe! Gastei muito.
— Papai, que injustiça que lhe fizeram? — Beatriz quis saber.
— Irene ganhou a acção.
— Mas já foi julgado? — Perguntou Beatriz.
— Na audiência de reconciliação, eu fiz uma proposta com a certeza de que Irene recusaria porque ela havia-me pedido quatro vezes mais, mas ela aceitou. Tive de pagar. Não tinha dinheiro, então vendi o carro e tirei todo o dinheiro que tinha aplicado.— O senhor deu muitas coisas para essa Irene — falou Simone. — Pensa que não sabemos, nós aqui em casa, que o senhor deu a ela uma loja? Mas por que foi se envolver com ela?
Célio, que já estava nervoso, ficou mais ainda. Beatriz, temendo a ira do pai, pegou na mão da irmã e a puxou para o quarto.
— Injustiça? — queixou-se Simone. — Injustiça é o que ele tem feito connosco. Vamos conversar com a vovó? Vamos à casa dela contar nossa situação.
— Vovó Laís não quer nos ajudar — lamentou Beatriz.
E não temos avós paternos.
— Com a família do papai é que não podemos contar mesmo. Ele tem dois irmãos que estão sempre tentando explorá-lo. Vamos novamente falar com vovó. Quem sabe se desta vez ela nos ajuda.
— Está bem, vamos — concordou a irmã mais velha.
Arrumaram-se rápido, saíram do quarto, foram à sala, e Beatriz avisou:
— Papai, vamos à casa de vovó Laís, não demoraremos.
— Por que vão lá? Para serem ofendidas? Se forem para isto, merecem mesmo que sua avó xingue vocês.
Não responderam e saíram. As duas conversaram pouco durante o trajecto. Chegaram, tocaram a campainha, e a vó veio recebê-las. Abraçaram-se, entraram, sentaram no sofá da sala e, depois de perguntas de como estavam, Laís reclamou:
— Estou muito solitária. A empregada fica durante o dia.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122441
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

A Intrusa - António Carlos/Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho Empty Re: A Intrusa - António Carlos/Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Ago 14, 2022 6:54 pm

Quando ela vai embora, fecho a casa e fico aqui sozinha.
— Então, vó — disse Beatriz —, se a senhora não gosta de ficar sozinha, por que não nos deixa vir morar aqui?— Não! Isso não! Vocês têm de ficar lá! — exclamou Laís.
Simone se levantou, e Beatriz puxou-a, fazendo-a sentar novamente.
— Por quê? — perguntou Beatriz.
— Vocês têm de ficar lá! Entenderam? Será muito fácil para seu pai sem esta responsabilidade. Ficará como ele quer, livre e solto. Todos têm de ficar naquela casa!
— Mas, vovó, está difícil para nós — lamentou Beatriz.
— A senhora sabe como estamos sendo sacrificadas? — perguntou Simone. — Não frequento mais as aulas de balé; saímos do inglês e do espanhol; Bia transferiu seu estudo para a noite, está trabalhando numa loja. Sabe disto, não é?
— Sei. Vocês já me disseram. 0 que vocês querem que eu faça? Sustentá-las? É o que seu pai quer, não é? Foi Célio quem as mandou aqui? Ele quer ficar livre de vocês. Por isso não! Minha resposta é não! Não quero vocês aqui.
Simone se levantou e, desta vez, foi ela quem puxou a irmã e exclamou, esforçando-se para não chorar.
— Que fique então sozinha! Que a solidão seja sua companheira.
Simone puxou com força a irmã para a porta, arrastou-a rumo ao portão.
— Tchau, vovó! — disse Beatriz.
A irmã caçula bateu o portão com força. Laís foi atrás, trancou o portão, a porta, sentou-se novamente no sofá. Chorou e falou alto:
— Não posso, aceitá-las! A raiva delas passará e entenderão que não devo facilitar as coisas para esse genro horrível.
Lastimando, ficou até tarde tentando se distrair na frente da televisão. Foi dormir de madrugada.
As duas garotas saíram da casa da avó arrasadas.— Infelizmente, papai tinha razão! — exclamou Simone, enxugando as lágrimas. — Vovó não nos quer. Nunca mais volto aqui. Bia, e se falássemos com nossos tios?
— Eles fazem o que vovó quer. Não adianta. O melhor é voltar para casa e tentar de tudo para conviver melhor com papai e com Lucilene.
— Aquela intrusa! — Simone estava com raiva.
— Por que você se refere a ela como "intrusa"? — perguntou Beatriz.
— "Intrusa" não é uma pessoa que ocupa o lugar de alguém? Que o faz indevidamente, ilegalmente? É um ser intrometido. Lucilene não é isto? Para mim, é! Nossa situação, de ruim, ficará pior. Vovó é uma pessoa rancorosa e má!
— Ela tem motivos — defendeu Beatriz.
— Não ouse defendê-la na minha frente. Você pensa que ela está certa?
— Não disse isso. A atitude de vovó me magoou também. Penso que ela quer atingir papai. Acha que, se ele não ficar connosco, estará melhor, sem responsabilidades.
Vovó não quer que isto aconteça. Pensa que nós o atrapalhamos, não quer facilidades para ele.
— Se possível, quer inferná-lo. Que família! O melhor é não contar ao papai o que aconteceu aqui. Vamos andar bem devagar. Ao chegar, se ele perguntar, responderemos que vovó está bem e que a visita foi boa.
Não conversaram mais, estavam chateadas e foram andando devagar. Ao chegar, o pai perguntou:
— E aí, como está sua avó?
— Bem, a visita foi boa — respondeu Beatriz. — Vamos dormir. Boa noite!
Entraram no quarto.— Não vou contar a mamãe. Ela ficará triste — disse Simone.
— Você pensa mesmo que mamãe a entende? — Perguntou Beatriz.
— Penso, sim. Eu falo, e ela escuta. Por isso não vou contar nada de como a mãe dela, vovó Laís, nos tratou.
Deitaram-se. Simone resolveu esquecer o episódio. Talvez por ter desabafado e por ser ainda tão jovem, pensou em outras coisas e logo adormeceu. Beatriz estava muito triste, ficou pensando:
"Preciso fazer alguma coisa. Necessito encontrar uma solução. Não podemos continuar assim."
Chorou baixinho e demorou para dormir.
Célio ficou acordado vendo televisão, mas não se interessava, estava muito aborrecido.
"Irene!", xingou-a mentalmente. "Interesseira! Algumas pessoas me alertaram sobre ela. Não escutei ninguém! Até Teté tentou me abrir os olhos em relação a esta amante. Agora pago por isto. E como ela me saiu caro! Dava-lhe dinheiro para presentes.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122441
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

A Intrusa - António Carlos/Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho Empty Re: A Intrusa - António Carlos/Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Ago 14, 2022 6:54 pm

Comprei a loja e lhe dei. Nunca imaginei que Irene, ambiciosa como é, aceitaria minha oferta. Sinto-me o ser mais imbecil do mundo! Para mim, ela recusaria, e iriamos ficar com esta pendência na justiça por muito tempo.
Se perdesse, recorreria, e anos se passariam. Ela aceitou, me surpreendeu, e eu tive de pagar. Que este dinheiro não lhe traga fartura!
"As meninas", continuou Célio pensando, "tentaram disfarçar, mas voltaram da casa da avó muito tristes; com certeza pediram novamente para morar lá, e dona Laís recusou.
Se minha ex-sogra pudesse, enxotava-me do curtume. Como não pode, tolera-me e tenta me infernizar. Que vida! Ainda bem que convenci, anos antes de Teté ficar doente, a passarmos tudo o que tínhamos para nossos filhos. Será deles somente quando nós dois morrermos. Não posso vender sem eles assinarem, mas não quero vender. Na época, convenci minha esposa dizendo que, se ela ficasse viúva, teria como se sustentar. Porém pensei foi em mim, e fiz muito bem".
Irene estava contente, mas sentia uma pequena angústia: recebia as vibrações de raiva de Célio.4 Também estava em frente da televisão, mas não prestava atenção. Pensava na sua vida.
"Célio me cortejou por meses, enviava-me flores, bombons e presentes. Mamãe me alertou, porém acabei por me encontrar com ele e nos tornamos amantes. Para termos privacidade, ele alugou uma casa para que morasse sozinha.
Trabalhava de balconista e, para me ter à disposição, comprou, para mim, uma lojinha. Célio não me enganou, contou que era casado e que não iria se separar da esposa para não dividir seus bens. Dizia me amar e se queixava muito da família. O tempo passou. Pensei: se ele se separar da mulher, ficará comigo. Cansada de ser amante, quis ser a esposa e paguei para dona Chica separá-los. E aí, quando cobrei dele uma atitude, Célio me ofendeu. Disse claramente que eu não servia para esposa, somente para amante, e que não se casaria comigo. Separamo-nos. Processei-o. Aleguei que ele me enganou, que perdi anos de juventude com este relacionamento. Bem feito que perdeu! Porque penso que ele perdeu.
Ofertou-me uma quantia pensando que recusaria. Aceitei, e ele teve de pagar. Odeio Célio!"
Trocaram energias nocivas, e ambos não se sentiram bem. Irene continuou a pensar.
"Vou investir em Edgar: é mais velho, casado e tem dinheiro. Vou conquistá-lo e ser sustentada por ele. Desta vez, não quero separá-lo da esposa. Quero somente um amante.
Além de ser melhor, não terei de cuidar de ninguém."
Tomou remédios, um para dor de cabeça e outro para dormir, e foi deitar.
Chica, logo que recebeu o pagamento, reuniu-se com seus companheiros desencarnados e planejaram como separariam o casal Célio e Lucilene. Rufino, o desencarnado chefe da equipe, como sempre fazia, iria primeiro sondar os envolvimentos: no caso, o casal. Foi com dois companheiros à casa de Lucilene. Irene forneceu os endereços. Encontraram a moça em casa vendo uma revista de moda infantil. Não encontraram nenhuma resistência. Perceberam logo que naquele lar não se fazia o Evangelho, que oravam só de vez em quando e não eram assíduos em nenhuma religião. Rufino escutou a moça pensar:
"Logo ficarei grávida! Célio afirma que não quer mais filhos, mas, quando souber de minha gravidez, ficará contente."— Acho que encontrei um ponto para a desavença! — exclamou Rufino aos seus subordinados. — Será um trabalho fácil Ela quer ter filhos, ele não. Você, Mimi — falou à colega de trabalho —, ficará com esta moça, não precisa ser em tempo integral. Visite-a sempre e a incentiva a querer mais ainda filhos. Se orarem, afaste-se logo. Não precisa se sentir incomodada com orações. Pode tentar.
A desencarnada que Rufino chamou de Mimi aproximou-se de Lucilene, ficou perto dela e falou:
— Que bom ter um nené! Esta criança a chamará de mãezinha. Será lindo! Você será uma bela mãe! Poderá vesti-la na moda, com essa roupinha!
Lucilene entusiasmou-se, parecia até sentir o bebê em seus braços.
— Moleza! — exclamou Rufino. — Faça isso três vezes por dia. Você fica aqui por mais uma hora, depois volta para nosso abrigo.
Foi à casa de Célio acompanhado do outro desencarnado.
Encontrou-o raivoso.
— O clima aqui está óptimo para nós. Vamos escutá-lo.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122441
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

A Intrusa - António Carlos/Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho Empty Re: A Intrusa - António Carlos/Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Ago 14, 2022 6:54 pm

Aproximaram-se de Célio, ouviram-no xingar Irene. Rufino indagou-o:
— Você quer ter outro filho?
Insistiu na pergunta até que Célio deixou de pensar em Irene e se lembrou de Lucilene.
"Lu quer ter filhos. Eu não! Falei isto a ela no início do namoro, aceitou. Agora não tem de mudar de opinião."
Rufino riu e deu ordens.
— Você, Nacrelo, ficará encarregado de fazê-lo pensar sobre isto: não quer ter mais filhos, eles incomodam, a vida é melhor sem eles, não enganou a namorada etc. A ordem é a mesma: se orarem, saia de perto; também não precisa ficar o tempo todo com ele. Vou informar Chica que ela pode nos dar o que prometeu. Teremos uma festa, poderemos sugar energias dos animais mortos. Beleza/5
Maria Tereza acordou, notou que ainda era noite, levantou-se, foi para o corredor, viu as filhas deitadas, sorriu e, ouvindo barulho na sala, foi devagar, sem fazer barulho, para lá.
Não entrou, ficou atrás da porta, e viu Célio sentado no sofá, a televisão ligada, e dois homens com ele.
"Célio tem visitas", pensou Maria Tereza. "Não conheço esses homens, devem ser empregados do curtume ou amigos dele. Ainda bem que Lucilene não está aqui. Não consigo ouvir o que eles falam. Vou voltar para meu quarto."
Sem entender bem o porquê, sentiu medo, retornou ao quarto, deitou-se novamente e orou. Maria Tereza não era muito religiosa, nunca fora, ia de vez em quando à missa, isto antes de adoecer. Costumava orar todas as noites, pedia a Deus protecção para sua família.
Na sala, Rufino sentiu que alguém rezava, olhou para Nacrelo e ordenou:
—Vamos embora, você volta depois e sozinho. Qualquer novidade, avise-me.
Os dois desencarnados saíram da casa.6

4 - N. A. E.: Muitos estudiosos chamam este processo de "feitiço mental"; alguns, de "quebranto", "mau olhado" e de outros termos menos conhecidos. 0 que acontece realmente é que, neste caso, Célio, com raiva, sentindo-se injustiçado, criou uma energia negativa e a enviou a Irene que, receptiva, recebeu. Se a moça não estivesse receptiva, esta energia nociva não a atingiria.
Nesta história real, ambos, Célio e Irene, não vibravam bem, eram ambiciosos, sensuais e egoístas. Célio criou, pelas suas atitudes, uma energia ruim e a enviou, mas, como acontece sempre, infalivelmente, ele ficou com a maior parte.

5 - N. A. E.: Infelizmente, isso ocorre. Espíritos imprudentes agem ainda com maldade, não fazem nada sem receber algo em troca. Os encarnados como Chica alegam que custa caro fazer essas encomendas. Realmente, uma parte do que recebem, eles usam para comprar objectos, alimentos e, com crueldade, animais para oferendas. E desencarnados ainda muito materializados sugam energias do que lhes foi oferecido. Porém, alerto aos meus leitores que nem todas as oferendas são para maldades. Algumas são festas de agradecimento ou para descarregar energias nocivas etc. Mas as que envolvem crueldades, sacrifícios com animais e, infelizmente, ainda vidas humanas são normalmente para maldades. Crueldade é um erro que mais enloda as pessoas que a praticam, sejam encarnados ou desencarnados, e para se livrar deste lodo pegajoso quase sempre é com muito sofrimento e lágrimas de grandes dores. Perguntaram-me: O que acontece com essas vítimas humanas? Para a espiritualidade, é um desencarne como outro qualquer. Dependerá do merecimento ser ou não socorrido. Se for criança, será, sim, e de imediato. Como nada é por acaso, colhemos os frutos de nossa plantação. O algoz do presente, o que será no futuro? Construímos o nosso futuro. Outros erros podemos anular com o trabalho
no bem, com amor; o da crueldade, somente amenizar, é muito difícil anular completamente. O retorno de nossas acções é infalível.

6 - N. A. E.: Existem muitas maneiras de fazer o mal. Porém, infelizmente muitos imprudentes agem assim. Primeiro, vão ao local ou para perto de seus alvos para uma sondagem, para verificar hábitos ou os melhores lugares para abordar as pessoas para serem atingidas. Planejam. Depois de perceberem quais os pontos fracos para terem desavenças, eles incentivam, levando-as a aumentá-las para começarem as brigas. Perceberam facilmente, nesta história, como deveriam incentivar a discórdia. Lucilene queria ter filhos, Célio não. Em outros, incentivam um a beber e o parceiro a ter aversão à bebida. Em uns a trair, e em outros o ciúme. E a brigar por motivos banais, como: comprar um carro quando o companheiro(a) quer uma moto, fazer um cómodo a mais na casa quando o outro deseja uma garagem, pintar algo de uma cor discordando do outro etc. E, como já escrevi, é fácil incentivar o melindre, a ofensa, a crítica e o revide. Locais de bons fluídos, energias salutares, agradáveis e boas incomodam aqueles que são ainda imprudentes.
Desencarnado como Rufino, se fosse sondar e encontrasse uma pessoa que vibrasse bem, seria difícil para ele ficar perto e incentivá-lo a pensar no que ele queria e, se conseguisse, normalmente o alvo logo repeliria estes pensamentos assim que orasse, lesse algo edificante ou fizesse o bem. E, se esta pessoa fosse um(a) trabalhador(a) voluntário(a), praticasse a caridade com amor, teria um companheiro desencarnado do bem, um guia, protector, então seria muito difícil uma abordagem mais acirrada. Normalmente, esses imprudentes desistem ou a encarnada, como Chica, exigiria mais dinheiro por ser uma tarefa difícil. Aí eles agem com mais subtileza.
Por isso é tão importante orar e vigiar.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122441
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

A Intrusa - António Carlos/Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho Empty Re: A Intrusa - António Carlos/Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Ago 14, 2022 6:56 pm

4 º CAPÍTULO - Sábado
Beatriz levantou e olhou, com carinho, a irmã dormindo.
Arrumou-se rapidamente, fez o café, deixou a mesa pronta para o pai e a irmã, tomou o desjejum e saiu para trabalhar.
Caminhou ligeira, a loja, de sua casa, não era longe, uns quinze minutos de caminhada. Fez o trajecto pensando nos últimos acontecimentos.
"Pensei muito no que fazer, de como sair da situação difícil que Simone e eu estamos. Na quinta-feira, fui trabalhar de teimosia, não estava me sentindo bem, dormi pouco à noite, sentia-me cansada e triste. Não sabia como resolver nosso problema. Ao chegar à loja, vi Nestor, que me cumprimentou sorrindo. Retribuí o sorriso, parei e indaguei como estava passando. Conversamos por uns dois minutos sobre o tempo, e ele me convidou para almoçar. Falei: 'Tenho somente uma hora de almoço'. Nestor demonstrou saber: 'Dá tempo, podemos ir ao restaurante da esquina'. 'Aceito', respondi. No meu horário de almoço, saí da loja, e Nestor estava me esperando. Fomos almoçar. Não tinha ido ainda a este restaurante, que era self-service, tinha de economizar; se não levava comida de casa, comprava um lanche. Contei o dinheiro: se ele não pagasse, tinha como pagar. 'Talvez', pensei, 'o senhor Nestor seja a solução'. Até então chamava-o de 'senhor'. No restaurante, ele me pediu para não chamá-lo mais de 'senhor', e descobri logo que ele era gentil e educado. Gostei de sua conversa. Falamos sobre o lugar, roupas, o almoço foi agradável, e meu acompanhante pagou a conta. Ao voltarmos para as lojas, ele pediu para me acompanhar até em casa ao sair. Combinamos. Novamente, me esperou e fomos andando devagar, conversando. Paramos num bar e café, tomamos um lanche. Disse-lhe que tinha de ir embora, que minha irmã me esperava. 'Avise-a que amanhã iremos ao cinema. Aceita ir comigo?' 'Sim.' Na sexta-feira, fomos almoçar novamente e, à noite, ao cinema. Durante o filme, Nestor pegou na minha mão e perguntou se queria namorar com ele. Achei que real- mente tinha encontrado a solução para nossas dificuldades. Pensei: 'Ele paga os passeios, almoços e, além de sair, economizo para ajudar meus irmãos.
Depois, se souber conquistá-lo, casarei com ele e levarei minha irmãzinha para morar comigo'. 'Quero', respondi.
'Namorados, então?' 'Sim.' 'Vamos almoçar amanhã juntos?'
'Amanhã meu irmão Júnior vem para casa, deverá chegar, como sempre, à tardinha. Simone ficará sozinha.' 'Convide-a para almoçar connosco. Quero conhecê-la.' Simone se encontrará comigo às treze horas na loja, e sairemos os três.
Contei somente a ela que estou na morando e pedi que guarde segredo por enquanto, também pedi para ela ser agradável com ele. Minha irmãzinha disse somente: 'Bia, ele não é velho para você?' 'É', respondi, 'mas a idade não importa, ele é tão gentil e educado...'. De fato, nunca fui tão bem tratada. Nestor é um encanto de pessoa. “Chegou à loja, e Nestor a estava esperando. Sorriram um para o outro, cumprimentaram-se, e cada um entrou: ele, na sua loja, e ela, na que trabalhava.
"Se der certo meu namoro, farei de tudo para casar logo e levarei Simone para morar comigo. Tudo é melhor do que ficar em casa e aguentar papai e Lucilene."
Armando decidiu rever Laís. Aproveitou o sábado, que não trabalhava, para visitá-la. Eram nove horas e quarenta minutos quando tocou a campainha no portão e esperou.
Laís levantava-se todos os dias cedo, saía pouco, às vezes ia pela manhã fazer compras e, em algumas tardes, visitar amigas ou recebê-las. No sábado, não costumava sair. Ouviu a campainha, olhou pelas grades do portão e viu um homem bem-vestido que não conhecia. Abriu a porta e o cumprimentou sem abrir o portão.
— Bom dia! Pois não? O senhor deseja alguma coisa?
— Dona Laís! Bom dia! Como vai a senhora? Lembra-se de mim? Penso que não. Fui colega de classe, de estudo, de sua filha Maria Tereza. Vinha à sua casa para fazer trabalhos escolares.
— Lembro-me! Desculpe-me, não me recordo de seu nome.
Laís se lembrou, era o único colega afrodescendente de sua filha. Embora tenham se passado muitos anos, o homem à sua frente tinha as mesmas feições do garoto de outrora.
— Armando! Sou o Armando!
— Vou abrir o portão. Entre, por favor — pediu Laís.
— Obrigado.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122441
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

A Intrusa - António Carlos/Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho Empty Re: A Intrusa - António Carlos/Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Ago 14, 2022 6:56 pm

Entraram, acomodaram-se no sofá da sala, e Armando explicou:
— Não sei se a senhora se lembra, morei aqui com meus pais há muitos anos, era adolescente, fui colega de classe de Teté, depois nos mudamos. Estou de volta à cidade. Pelo meu trabalho, regressei.
— Em que trabalha? — Laís quis saber.
— Sou funcionário de um banco estatal. Sou gerente.
Falou o nome do banco.
— Que bom! Alegro-me pelo seu sucesso. Veio com a família?
— Meus pais moram em uma cidade praiana, estão bem.
Meus dois irmãos se casaram, têm família, o caçula reside na mesma cidade de meus pais; o outro, na capital do estado.
Vim sozinho. Sou viúvo. Tive dois filhos, um casal. O filho está actualmente morando em outro país, estuda, e a menina está com minha esposa, no plano espiritual.
— Viúvo? Com uma filha morta? Foi isto que disse? — perguntou Laís admirada.
— Sim, minha menina desencarnou, ficou doentinha e se mudou; com minha esposa também foi assim: ficou doente e foi para o plano espiritual.
— Situação parecida com a minha! — Laís suspirou.
Porém estou idosa e, depois de mais idade, vamos tomando consciência de que iremos nos separar. A morte dificilmente leva junto o casal. Meu marido morreu. Estou viúva há tempos, ou tenho esta sensação: quando sofremos, o tempo passa lentamente. A solidão pesa. Mas você falou em "se mudar", ir para um local. Você não poderia falar mais sobre isto?
— Podemos morar em diversos lugares, em muitas residências, cidades, países... Jesus disse que: "na casa de meu Pai há muitas moradas"7 O Mestre Jesus pode ter se referido a outros mundos, planetas habitados. Mas o Nazareno disse esta frase para consolar seus discípulos, que estavam tristes na última ceia, afirmando que eles estariam onde Ele estivesse.
Referindo-se, sem dúvida, aos muitos lugares de permanência onde nós podemos continuar nossa vida fora do corpo físico, sem o plano material. Depois da morte do corpo carnal, não caímos no nada, vamos para onde nossas vibrações se afinam. As pessoas com tendências materialistas sentem-se atraídas para as coisas que predominam na vida física. A morte não faz nada para ela que a existência encarnada não tenha feito, este fato não será a causa de sua evolução espiritual. Continuamos a ser o que éramos. 0 amor excessivo à matéria física é ilusão que traz infelicidade, e o desencarnado que sente isto continua a ser iludido e completamente infeliz. Nossa libertação é um processo lento de crescimento, é o caminho estreito. Se nos prepararmos para o processo da desencarnação, a separação do nosso espírito do corpo físico não será algo novo, desconhecido, porque sentimos que nosso verdadeiro lar é o plano espiritual. E esta mudança não lhe causa medo. Compreendo que a morte deste corpo que usamos temporariamente nos leva a viver de outro modo, em outros lugares. Acredito piamente que há muitas moradas na casa de Nosso Pai, de Deus.
Armando calou-se e pensou:
"Excedi-me na explicação, com certeza dona Laís não entendeu."
— Estou encantada — Laís enxugou os olhos lacrimosos.
— Eu...
— O que foi, dona Laís? Posso ajudá-la?
— Maria Tereza não se casou bem, ou melhor, fez um péssimo casamento.— Que pena! Teté, quando jovem, era linda, educada e estudiosa. Ela se formou?
— Não! Infelizmente não! Casou-se nova, teve três filhos, trabalhou bastante, costurava para freguesas para ajudar nas despesas da casa e também porque gostava, era uma artista na costura. Depois adoeceu e...
Laís chorou, mas logo se recompôs e continuou contando:
— Não tivemos uma convivência boa, minha filha e eu.
Discutíamos sempre, e a causa era o marido dela. Quis muito tirá-lo do curtume, e Maria Tereza não deixou.
— Que doença Teté teve, tem?
— Ela sofreu um derrame, um acidente sei-lá-o-quê.
Não conseguiu mais falar, andar, seu braço direito ficou inutilizado.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122441
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

A Intrusa - António Carlos/Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho Empty Re: A Intrusa - António Carlos/Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Ago 14, 2022 6:57 pm

— E os filhos dela? — perguntou Armando interessado.
— Moram lá. Escutando você, estou pensando se não foi Deus quem o mandou aqui. Um coleguinha de minha Teté!
Há três dias estou orando muito para Deus me iluminar.
Tomei uma decisão e estou insegura. Será que estou agindo certo?
É justo prejudicar outras pessoas para me vingar de alguém?
— Vingar? Até me arrepiei. — Armando mostrou o braço com os pelos arrepiados.
— Acha vingança uma coisa errada?
— Jesus nos recomendou perdoar, fazer o bem a quem nos faz o mal. Vingança, dona Laís, pode ferir o desafecto, mas, sem dúvida, fere mais o vingador. Repense, dona Laís, se está agindo certo prejudicando outros que não têm nada a ver com isto. Com certeza a vingança está lhe fazendo mal.
— Percebo que está admirado por eu ter um inimigo.
Você tem algum?
— Não, não tenho — respondeu Armando.— Como se faz para não ter inimigos?
— Fazendo-o amigo. Se não queremos ter desafectos é necessário torná-los afectos. De inimigo a amigo.
— O que você pensa de quem não consegue perdoar? — perguntou Laís.
— Quem não perdoa é carente de auxílio. Quem tem ódio no coração é doente da alma.
Laís não entendia porque escutava aquele homem nem o porquê de estar conversando com ele. Se tivesse escutado a mesma coisa de outra pessoa, teria se exaltado, mas Armando lhe transmitia confiança; depois, estava com muita vontade conversar, desabafar.
"Armando não é qualquer um", pensou Laís, "tem um bom emprego, estudo, é muito educado. Depois, não rezei pedindo a Deus um sinal? Quer mais que este? Um coleguinha de juventude de Maria Tereza vem aqui em casa. Vou falar a ele/'
— Como lhe disse, nunca gostei do meu genro. Ele fez minha Maria Tereza sofrer. Quero prejudicá-lo. Mas como fazer isto sem atingir o resto da família? Para não lhe dar facilidade, começo a perceber que dificulto a vida de todos.
— Dona Laís, a senhora já ouviu falar que tudo o que fazemos de bom ou de mau a outras pessoas é a nós que fazemos?
— É o "aqui se faz, aqui se paga"? — perguntou Laís.
— Isso não vale somente para os actos ruins, as atitudes boas também têm retorno. Quando nos recusamos fazer o bem para alguém, a nós mesmos recusamos. Quando não queremos fazer alguém feliz, a felicidade nos abandona.
Aquele que pode fazer o bem e não faz, cria em si débito.
— Deixe-me ver se entendi. Posso ser infeliz por não dar felicidade? Podendo fazer o bem e não fazendo, a tristeza dessas pessoas me persegue?
— Uma coisa é certa, dona Laís: a gente sente mais alegria quando faz alguém alegre. É a lei do retorno. Por favor, repense, não prejudique ninguém. Se não gosta do esposo de Teté, não transfira este sentimento para o restante da família.
— Mas eu os amo! — exclamou Laís indignada.
— Então prefira o amor! Quem ama cuida, protege e auxilia. Porque quem vacila no bem dá oportunidade aos maus.
— Como você acha que eu devo agir?
— Com justiça e firmeza.
— Firmeza comigo mesma? É isto que falou? — perguntou Laís.
— Entenda, dona Laís, que necessitamos muitas vezes ser firmes connosco. Para agirmos com justiça, normalmente temos de nos esforçar, ir contra o que queremos, mas que intimamente não achamos ser correto. Aí entra a firmeza.
— Agir assim com a gente é mais difícil.
— Concordo com a senhora: policiar-nos, esforçar-nos para agir correctamente é mais difícil do que exigir dos outros. Mas, se vencermos, a vitória nos traz muita paz e, consequentemente, alegria.
— Entendo.
Ficaram por instantes calados, pensativos. Armando pensou:
"Realmente, não é nada fácil nos modificar para melhor.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122441
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

A Intrusa - António Carlos/Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho Empty Re: A Intrusa - António Carlos/Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Ago 14, 2022 6:57 pm

O caminho do progresso é estreito; a porta, apertada."
"Gostei do que ele me falou, vou pensar sobre isto", pensou Laís.
— Fica para almoçar? — convidou a dona da casa.— A conversa está tão agradável que esqueci do horário, 'lenho um compromisso, devo almoçar com amigos.
Armando se levantou.
— Que pena! Almoço sempre sozinha.
— É opção? Será que não podia ser diferente? — perguntou Armando.
Laís o olhou; por instantes, fitaram-se nos olhos.
— Agradeço. Venha, por favor, eu estou lhe pedindo, visitar-me outra vez.
— Virei, sim.
— Segunda-feira?
— Depois de amanhã?
— Sim — afirmou Laís.
— Trabalho, só se vier à noite.
— Espero-o para jantar. Às dezanove horas.
Despediram-se. Armando foi embora sem saber como Teté estava no momento e resolveu indagar mais sobre ela na visita seguinte. Não tinha nenhum compromisso, mas não quis ficar para almoçar. Antes de ir para seu apartamento, passou em frente à casa que a família de Maria Tereza morava. Laís disse o nome do marido de Teté e, ao voltar para o carro, ele procurou na lista telefónica. Passou devagar. A casa era bonita, com grades altas, via pela rua que era uma boa residência. Mas, sensível, Armando sentiu que aquela morada deveria ter muitos problemas.
Foi para seu apartamento e almoçou sozinho.
Célio ia a um almoço festivo, aniversário de uma filha de uma amiga de Lucilene.— Simone, volto à tarde — avisou para a filha. — Com certeza, Júnior deverá vir no horário de sempre. Estarei aqui quando ele chegar.
Saiu de casa com o seu carro reserva, que era um bom veículo, mas de anos anteriores. Suspirou com raiva ao pensar em seu outro carro. Passou na casa da namorada e foram para a festa. Resolveu esquecer os problemas e aproveitar o passeio. Porém, a festa era o aniversário de uma garotinha linda, que completava três anos, e havia muitas crianças.
Célio logo se irritou porque a namorada dizia a todo o momento estar encantada com a menininha e como era bom ter filhos etc. E, para piorar, uma amiga dela perguntou a Lucilene quando ela se animaria em ter um filho.
Ele resolveu se unir a um grupo de homens, então se distraiu: conversaram sobre futebol, mulheres e beberam. Mas não estava gostando da festa e, com a desculpa de que o filho iria chegar, quis ir embora mais cedo. Como a namorada não quis acompanhá-lo, foi embora porque Lucilene pegaria uma carona e iria para casa com uma amiga. Ao se despedir, escutou:
— Seria a mulher mais feliz do mundo se tivesse filhos!
Ele não respondeu e voltou nervoso para casa.
O desencarnado que o acompanhava aproveitou para intuí-lo de que filhos eram um transtorno, que festas boas eram aquelas que não tinham crianças. Célio ficou inquieto e concordou, pensando:
"Somente quer ter filhos quem não os tem. Eles são uns estorvos em nossas vidas."
Assim que o pai saiu, Simone se aprontou.
"Vou conhecer o namorado da Bia. Ela me contou que ele ó velho, mas muito educado. Vamos a um bom restaurante.
Faz tempo que não vou a um restaurante. Que gostoso! Vou comer bastante. Escreverei um bilhete; se Júnior chegar antes, saberá que voltaremos logo."
Escreveu: "Ju, fui almoçar com a Bia. Papai saiu. Voltaremos logo".
Colocou-o, como de costume, na geladeira, preso a um imã. Saiu, esperou a irmã na porta da loja e, no horário combinado, Bia saiu, beijou-a e foram à esquina. Nestor as esperava. Bia apresentou a irmã, entraram no carro e foram ao restaurante. Nestor era simpático e logo começou uma conversação agradável. Simone gostou dele. O restaurante era bom, conhecido na época. Sentaram-se os três numa mesa e conversaram animados. Simone gostou da comida e comeu bastante. Havia tempo que não se alimentava tão bem. Beatriz ficou contente, ela estava gostando cada vez mais da companhia de Nestor. Carente, encantava-se com a atenção dele, que, educado e atencioso, puxava até a cadeira para ela se sentar. Simone também admirou-o.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122441
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

A Intrusa - António Carlos/Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho Empty Re: A Intrusa - António Carlos/Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Ago 15, 2022 9:46 am

"É um homem adorável!", pensou a garota. "Tão diferente do papai. Trata Bia como se ela fosse uma boneca. Gostei dele!"
— Tome um sorvete, Simone — ofereceu Nestor. — Peça o que quiser.
— Obrigada!
Acabaram de almoçar, e Nestor as convidou para ir a um parque que estava na cidade. Foram e se divertiram em diversos brinquedos: em uns, ele foi junto; em outros, Nestor as ficou olhando. Riram muito, e as duas se divertiram bastante.— Há tempos não me divirto tanto! — exclamou Simone alegre.
— De fato, a tarde foi maravilhosa! — concordou Beatriz.
Nestor também gostou. As duas irmãs eram educadas, sabiam se comportar, isto para ele era importante. E também se divertiu, fazia tempo que não tinha uma tarde diferente.
— Nestor — disse Beatriz —, temos de ir embora. Ju, nosso irmão, vai chegar, ficará somente uma semana connosco. Estamos saudosas, há meses que não o vemos.
— Combinado, então? Passo em sua casa para levá-las ao cinema. Estarei em frente ao portão às dezanove horas.
— Vou porque insistiu — falou Simone —; minhas amigas irão também e não vou incomodá-los, ficarei com elas, encontrar-nos-emos na saída.
Acertaram detalhes, Nestor deixou-as em frente ao portão. Entraram gritando pelo irmão. Não encontraram ninguém em casa.
— É melhor, Bia, você contar ao papai de seu namoro.
Assim evitará de ele ver Nestor aqui e dar um escândalo.
— Vou contar.
— Bia, Ju deixou um bilhete na geladeira no lugar do meu. Está escrito: "Si, Bia, cheguei mais cedo e saí. Volto logo.
Beijos. Ju".
— Vamos esperá-lo e, enquanto esperamos, vamos tomar banho e nos arrumar. E aí, gostou do Nestor?
— Muito — respondeu Simone. — Muito mesmo. É educado e se percebe, em como ele a olha, que está interessado em você. Diverti-me muito hoje, fazia tempo que não comia uma comida gostosa. E ele pagou tudo. Não é pão-duro como papai.— Eu também estou gostando dele.
— Então, conquiste-o — pediu Simone.
— É o que irei fazer.
Por momentos, Beatriz lembrou-se de Mateus.
"Estaria muito mais contente, feliz, se meu namorado fosse o Mateus. Mas tenho de resolver minha vida, ajudar Simone e quem sabe até o Ju. Decidi e está decidido. Vou fazer de tudo para conquistar Nestor, casar-me o mais rápido possível com ele e levar minha irmã comigo."
Esperaram pelo irmão ansiosas para revê-lo.
Júnior chegou mais cedo do que costumava. No sábado, acordou de madrugada, pegou o ônibus no primeiro horário e chegou em casa quando Simone acabara de sair.
Assim que chegou, foi à cozinha e viu o bilhete da irmã.
Com fome, procurou algo para comer.
"Aqui está pior do que eu pensava. Vou comer esse pedaço de pão. Papai não deve estar nada fácil."
Sentiu muita tristeza. Largou sua mochila em seu quarto e foi para o aposento de sua mãe. Abriu a porta e falou baixinho, em tom sentido:
— Mamãe! Mãezinha! Como sinto sua falta! De seus conselhos! De seu carinho e ajuda!
Sentou na cama, depois deitou e chorou de soluçar.
Maria Tereza acordou, alegrou-se com o filho entrando no quarto, sentou na cama e, quando ele se deitou, colocou a cabeça em seu colo.
"Não chore! Não chore assim, filhinho do meu coração!", pensou Maria Tereza, esforçando-se para falar. Júnior sofria.
"Filho" insistia Maria Tereza. "Tudo passa! Ficarei boa.
Talvez nunca mais volte a costurar. Mas o ajudarei! Sei que você e suas irmãs sofrem por me ver doente. Mas estou melhorando."
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122441
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

A Intrusa - António Carlos/Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho Empty Re: A Intrusa - António Carlos/Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Ago 15, 2022 9:46 am

— Mãe! Mãezinha! — repetia o jovem chorando.
Maria Tereza acariciou o filho, beijou-o, e ele foi se acalmando. Ficou no quarto da mãe por uns trinta minutos; depois levantou-se, lavou o rosto e ficou no seu quarto pensando:
"Tenho vergonha até de pensar no quarto de mamãe que estou agindo errado. Ela com certeza sofrerá se souber o que estou fazendo. Que vida!"
Escutou o barulho do carro de seu pai, saiu de seu quarto e foi contente abraçá-lo.
— Papai! Já cheguei!
Célio estava contrariado com a festa e pela namorada ter insinuado que queria ter filhos.8 Recebeu Júnior com frieza.
Júnior se ressentiu com a frieza do genitor.
— Como está? Tudo bem? — perguntou o moço.
— Bem mal — respondeu Célio mal-humorado. — Tive uma enorme despesa.
— Mas, papai, não temos nada a ver com isso.
— Como não? Você se sustenta por acaso?
— Estudo! — Justificou Júnior.
— Na sua idade, trabalhava, dava duro para me sustentar e ajudava meus pais.
Célio se alterou, falou alto. Maria Tereza escutou, levantou-se o mais rápido que conseguiu e foi para a sala.
— Papai — falou Júnior em tom pacificador —, estou sem nenhum dinheiro. Queria sair, rever amigos. Aqui em casa não tem nem o que comer.
— As meninas foram comer em algum lugar, e Bia não fez, como faz todos os sábados, o almoço. Faça você! Deve ter algo para cozinhar. Não tem dinheiro para sair, pois não saia.
Você somente estuda, isto é moleza!
— Papai, você ficou contente quando passei numa boa universidade pública. Por que está me tratando assim?
— Filhos só amolam e dão despesas!
"Ordinário! Estúpido!"
Maria Tereza chegou na sala, escutou a conversa e avançou no marido, que não reagiu. Com a mão esquerda, segurou com força no seu pescoço. Célio tonteou, sentiu-se sufocado, sentou-se na poltrona.
— Vai me dar dinheiro? — perguntou Júnior.
— Não! Não e não!
"Miserável!", pensou Maria Tereza.
Voltou a atacá-lo. Com a mão esquerda, deu-lhe dois tapas no rosto, e se desequilibrou. Júnior foi para seu quarto.
Esforçando-se, Maria Tereza se equilibrou e foi atrás do filho.
— Meu Deus! — exclamou Júnior com raiva. — Que vida! O que faço?
"Vá, filho, falar com sua avó Laís. Lembra-se quando você era pequeno? Com seu jeitinho carinhoso, conseguia tudo o que queria dela. Vá lá e lhe peça ajuda."
— Vovó Laís! — exclamou Júnior baixinho. — Será?
Dará certo? Deu outras vezes. Quando criança, conseguia coisas dela que os outros netos não conseguiam. Vou lá! Se não conseguir nada, pelo menos me alimento, estou com fome.
Saiu batendo a porta. Maria Tereza, exausta pelo esforço, foi para seu quarto.
"Tomara que dê certo" desejou.
Júnior foi caminhando rápido. Chegando à casa de sua avó, tocou a campainha e, ao vê-la na porta, gritou:
— Vovó Laís! Vovozinha do meu coração! Abra aqui logo!
Estou com saudades!
Laís abriu rápido. Júnior, ao passar pelo portão, abraçou forte a avó, rodando com ela nos braços, suspendendo-a do chão.
— Vovó querida, que saudades!
Laís ficou contente. Entraram.
— Como está, vovó? Tem cuidado da saúde? Tem ido ao médico? Tomando seus remédios?
"É o único que se preocupa comigo", pensou Laís.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122441
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

A Intrusa - António Carlos/Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho Empty Re: A Intrusa - António Carlos/Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Ago 15, 2022 9:46 am

Contou ao neto como estava. Júnior prestou atenção, fez perguntas, deu opinião. Depois, ela quis saber dele.
— Lá em casa não está fácil. Cheguei antes do costume e não tinha nem o que comer.
— Venha à cozinha, esquento o almoço.
Foram, e ele comeu com apetite.
— Que comida gostosa! Vovó, preocupo-me tanto com a senhora aqui sozinha. A empregada já foi embora?
— No sábado, ela vai embora mais cedo e não vem aos domingos. Você está preocupado? Sinto-o triste.
— Tenho tido dificuldades. Não tenho dinheiro para nada. Papai não nos dá. Penso que terei de parar de estudar.
Até fome tenho passado. Almoço e janto durante a semana na cantina da universidade, que é bem em conta. Sábado e domingo fica fechada, e comer fora em restaurante é caro.
Normalmente lancho, e uma vez somente. Moro numa espelunca, numa pensão, num quartinho com outro colega, e uso um banheiro colectivo; são doze pessoas a usá-lo, é um nojo. Tenho dado aulas particulares a alunos com dificuldades, não tenho roupas. Gastei o último centavo na passagem para vir para casa. Queria sair para rever meus amigos e não tenho dinheiro. Pedi ao papai, que foi estúpido comigo. Ah, vovó, abrace-me! Console-me! Estou tão carente!
Laís abraçou-o, beijou seus cabelos.
— Não pare de estudar! Não pare! Se você não contar a ninguém, eu o ajudo. Mas, exija de seu pai. Brigue com ele!
Guardei as roupas de seu avô, as melhores. Pegue o que quiser para você. Vou lhe dar dinheiro para sair e rever seus amigos. Mandarei todo mês dinheiro a você. Não irá parar de estudar, não é? Minha Maria Tereza não gostaria que isso ocorresse.
— Se a senhora me ajudar, não irei parar. Papai me ameaçou; se brigar com ele, não me dará mais nada — Júnior mentiu. — Mas, com a senhora me ajudando, vou desafiá-lo,
responderei a ele, irei até xingá-lo, ele merece. Que corte minha mesada, agora sei que a senhora me ajudará. Vovó, como a senhora é boa. Eu a amo muito!
Beijou a avó várias vezes. Laís ficou contente. Foram para o quarto. O marido de Laís gostava de roupas esportivas, tinha bom gosto. Júnior pegou casacos, agasalhos, calças, camisas e camisetas, sapatos e dois ténis. Laís lhe deu uma mala para ele levar as roupas. Júnior gostou do presente.
Segurou as mãos da avó e chorou.— Obrigado, querida vozinha! Obrigado!
Laís lhe deu dinheiro.
— Saia à noite, meu bem, vá encontrar seus amigos. Venha amanhã almoçar comigo e durante a semana também, mas venha sozinho. Vou lhe dar dinheiro todo mês, você me dirá como fazer isto, mandarei para a cidade onde estuda.
— Isto é fácil, vovó: papai me manda pelo banco, a senhora também poderá fazê-lo.
Júnior ficou mais com a avó, mas queria rever suas irmãs, estava saudoso; despediu-se prometendo almoçar todos os dias que estivesse na cidade com ela. Foi para casa.
Foi carregando a mala, que era grande e pesada, cheia de roupas de seu avô.
"Embora estas roupas tenham sido de um senhor e terem ficado um tempo guardadas, são bem melhores que as minhas. Desde que mamãe ficou doente, não tenho roupas novas. Darei algumas para Gil."
Voltou para casa aliviado, querendo abraçar as irmãs.

7 - N.A.E.:João, 14:2.
8 - N. A. E.: O desencarnado que Rufino incumbira de intuir Célio deixou-o irritado, e ele transferiu imprudentemente estes pensamentos para os filhos que já tinha, que estes o aborreciam, incomodavam etc. Alerto os leitores que Célio aceitou estas intuições porque se afinou com elas; era com certeza o que ele já achava, o que pensava.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122441
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

A Intrusa - António Carlos/Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho Empty Re: A Intrusa - António Carlos/Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Ago 15, 2022 9:47 am

5 º CAPÍTULO - Ainda no sábado
Júnior chegou em casa, guardou a mala em seu quarto.
"Se vovó não quer que ninguém saiba que está me ajudando, não vou contar, mas não tenho como esconder as roupas que ganhei. Ainda bem que consegui fazer ela me auxiliar. Tomara que me ajude mesmo! Facilitará minha vida."
Gritou pelas irmãs. Ambas estavam se arrumando no quarto. Foram abraçar o irmão.
Alegraram-se.
— Veio mais cedo? — perguntou Bia.
— Vim — respondeu Júnior. — Acordei de madrugada e peguei o ônibus mais cedo, cheguei em casa e não encontrei ninguém. Vi o bilhete avisando que vocês tinham saído. Fiquei aqui sozinho, papai chegou e me tratou muito mal.
Maria Tereza, com os filhos falando alto e contentes, levantou-se e juntou-se a eles, alegrando-se também.
— Não ligue para papai. É que...
Simone contou ao irmão que Irene ganhara a acção.
— Se isso não fosse nos prejudicar, diria "bem feito"! — exclamou o moço. — Cheguei e não tinha nada para comer, fui à casa da vovó e almocei lá.
— Pedimos auxílio a vovó Laís, e ela recusou, não quis nos ajudar — queixou-se Simone.
— Vocês têm de saber lidar com ela. Vovó me deu roupas do vovô.
— Usada e de defunto! — falou Simone.
— Vovô tinha bom gosto — rebateu Júnior. — As que peguei darão para usar, principalmente os agasalhos. Vou sair hoje com a roupa do vovô.
— Ju, você está com pouca roupa? — perguntou Bia.
— Estava, sim, mas, com as que ganhei, dá para o gasto.
Estou sem roupas íntimas.
— Vou comprar algumas para você — prometeu Beatriz.
— Estou trabalhando, ganho pouco, mas dará para comprar.
— Vou aceitar, obrigado. Vão sair?
— Fomos almoçar num restaurante — contou Simone — e, depois, fomos a um parque. Bia está namorando, e o namorado dela pagou tudo. Vamos ao cinema, e lá encontrarei minhas amigas.
— Namorado? Eu conheço? Quem é? —quis Júnior saber.
— Penso que não conhece — respondeu Beatriz. — Ele é bem mais velho. É dono de uma loja de roupas que fica ao lado da que eu trabalho.
— Velho? Mais velho? Quanto? — indagou o irmão.
— Deve ser da idade do papai — informou Simone. — Ele é educado, simpático e adorável. Você vai gostar dele.
Conversaram mais um pouco, as garotas acabaram de se arrumar e saíram. Júnior tomou banho, escolheu uma roupa que era de seu avô, vestiu e gostou do resultado.
"São mesmo bem melhores do que as minhas, que estão velhas. “Enquanto se arrumava, escutou seu pai chegar. Pronto, saiu do quarto, da casa, sem falar com ele.
Célio chegou do bar mais calmo, escutou o barulho do filho no quarto, ficou na sala e esperava que Júnior viesse novamente lhe pedir dinheiro. Tinha decidido dar, mas o filho saiu sem falar com ele.
Tomou banho e saiu, foi se encontrar com a namorada.
Pensaram em ir ao cinema, mas decidiram comer um lanche e depois voltar para a casa dele. Lá assistiram televisão, conversaram um pouco e Lucilene dormiria lá.
Nestor buscou as garotas como haviam combinado, foram ao cinema. Simone entrou com eles e foi encontrar as amigas, ficando com elas. Os namorados ficaram sozinhos.
Conversaram. Beatriz contou a ele do irmão e, quando o filme começou, assistiram de mãos dadas.
"Estou gostando de estar com ele, mas queria que fosse diferente. Não senti nada parecido com o que minhas amigas contam: da sensação que tiveram ao ficar de mãos dadas com os namorados."
Quando o filme acabou, Simone reuniu-se com eles, foram comer um lanche e depois Nestor as levou para casa. Simone despediu-se.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122441
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

A Intrusa - António Carlos/Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho Empty Re: A Intrusa - António Carlos/Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Ago 15, 2022 9:47 am

— Obrigado, cunhado! Obrigado por tudo!
Desceu do carro batendo a porta e entrou correndo.
— Não ligue para ela, Nestor — pediu Beatriz. — É
ainda impulsiva. Está tão contente por ter saído connosco.— E você não? — perguntou ele.
— Estou, sim. E você?
— Também estou contente. Vamos sair sempre. Amanhã à tarde passo aqui para levá-las para passear. Às dezasseis horas. Está bem?
— Sim, está. Boa noite!
— Boa noite! — exclamou Nestor beijando a mão dela.
Beatriz entrou em casa contente. Simone esperava-a na porta e cochichou:
— Papai e a intrusa estão na sala. Esperei-a para entrarmos juntas. Vamos directo para o quarto. Um, dois e três.
Abriram a porta e fizeram o combinado, foram directo para o quarto.
O casal escutou as garotas entrarem, olharam-se e não comentaram.
"Preciso saber aonde essas duas foram, amanhã pergunto a elas", pensou Célio.
"Elas não gostam mesmo de mim. Melhor! Não sentirei remorso deixando-as aqui sozinhas", pensou Lucilene.
No quarto, as duas irmãs conversavam baixinho.
— Bia, estou gostando muito de sair com vocês. Espero que Nestor me convide sempre. Ele é legal!
"Ao vê-la contente, sinto que estou agindo correctamente.
Depois, estou gostando de sair, e Nestor me trata tão bem! É tão gentil! 0 oposto do papai!"
Maria Tereza, escutando as filhas chegarem, foi para o quarto delas.
"Namorado? Quem você, Bia, está namorando?", pensou ela.
— Nestor é boa pessoa! — exclamou Simone. — Mamãe vai gostar dele porque ele é o oposto do papai, é educado e atencioso. Gosto de ver ele puxando a cadeira para você se sentar, abrindo a porta do carro, ajudando-a a entrar. A conversa dele é muito agradável, fala sobre qualquer assunto, torce para um time de futebol, mas não é fanático. Quero ter um namorado como ele.
— Pelo jeito, tornou-se fã dele — riu Beatriz.
— E você não? Quanto tempo faz que alguém não nos trata assim tão bem?
— Penso que Nestor é um homem ideal! — exclamou Beatriz.
"Vou para meu quarto, quero esperar pelo Júnior", pensou
Maria Tereza. "Depois, Si, você vai lá me contar tudo. Está bem?"
Simone afirmou com a cabeça e foram dormir contentes. Naquela noite Laís estava contente. A visita de Armando havia lhe feito bem e se alegrou por ter visto júnior e tê-lo ajudado. Decidiu lhe dar dinheiro, e ninguém deveria saber: o neto não deveria parar de estudar, queria vê-lo formado, gostava de Júnior de maneira especial, era seu neto preferido, e se sentia amada por ele.
"Que bom tê-lo por companhia esta semana para almoçar, vou fazer tudo o que ele gosta", pensou Laís.
Dormiu melhor.
Irene não conseguia desligar-se de Célio. Pensava muito nele. Embora não quisesse admitir, ainda o amava. Pensava também nos filhos dele, que, por tanto tempo, quis que fossem dela. Pensava naquela noite de sábado, sentindo-se solitária, que Célio e Lucilene estariam juntos. E se indagava: "0 que eles estariam fazendo?" Com ciúmes, desejou que o trabalho de dona Chica desse resultado, tivesse sucesso e que o casal se separasse.
"Não fico com ele, mas Lucilene também não!" pensou determinada. "O melhor que tenho a fazer no momento é me concentrar no outro. Não tenho chance de ficar com Célio.
Posso não ter sido honesta sendo amante de um homem casado, mas ele foi desonesto comigo e com Teté. Merece uma lição!"
Demorou para dormir. Isto normalmente acontece quando se sente raiva e rancor. Estes sentimentos negativos perturbam, causando quase sempre insónia, tristeza, e podem adoecer o físico, porque, se estes sentimentos persistirem, o perispírito adoece e transmite uma enfermidade para o corpo carnal.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122441
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

A Intrusa - António Carlos/Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho Empty Re: A Intrusa - António Carlos/Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Conteúdo patrocinado


Conteúdo patrocinado


Ir para o topo Ir para baixo

Página 1 de 4 1, 2, 3, 4  Seguinte

Ir para o topo

- Tópicos semelhantes

 
Permissões neste sub-fórum
Não podes responder a tópicos