LUZ ESPÍRITA
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RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

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RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho - Página 3 Empty Re: RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Nov 04, 2014 10:29 am

O PERDÃO

-Voltemos para perto de Manuela - disse o professor.
Já passava da meia-noite;
mamãe dormia do mesmo modo que a deixamos.

O professor deu-lhe um passe.
Ela acordou, não nos viu, sentou-se no leito.
Intuiu-a a subir e entrar em casa; assim o fez.

Passou pelas portas fechadas com a ajuda do meu mestre e nem percebeu.
Levamo-la ao quarto das meninas, que dormiam lado a lado.
Mamãe parou diante das camas e ficou observando-as com muito amor.

O professor Eugénio foi até Taís, deu-lhe um passe, segurou-a pela mão, chamou-a baixinho e retirou seu espírito cuidadosamente do corpo, ficando ligado somente por um cordão.
Taís olhou seu corpo adormecido, sorriu, olhou pelo quarto, viu mãe e levou um susto.

-Mãe! Por que está aqui?
Não deveria estar no céu?
Por que está toda suja?
A senhora morreu, beijei seu corpo frio e fétido.
Não está com a vovó? E Raul?
Morreram juntos.
Que faz aqui? Quer orações?

Taís falava depressa, cada vez mais assustada e com medo.
Mamãe ficou parada, não conseguiu falar nada, olhava Taís com admiração e espanto.
Minha irmã quis chorar, tremia toda.

O professor Eugénio aproximou-se de Taís, transmitiu-lhe um passe de paz, tranquilidade, fez com que retomasse ao corpo.
Nós, como mamãe, vimos Taís como duas, seu corpo e seu espírito;
mamãe teve um choque ao presenciar esse facto e, pelo que escutara, saiu correndo do quarto.

O professor ficou com Taís e acalmou-a com passes, até que serenou.
-Taís está bem, Raul, não deverá lembrar-se do facto.
-Se lembrasse, seria triste para ela recordar a mãezinha neste estado.

Fomos encontrar com mamãe, voltara para a escada. a professor se fez visível novamente a ela e recomendou-me:
-Não interfira, Raul, fique perto, ore, vibre, conversarei novamente com ela.

Fiquei a dois degraus dela e orei com fé, pedi a Deus que nos inspirasse e fizesse com que meu mestre a convencesse, a doutrinasse.

O professor falou-lhe, calmamente:
-Filha, ainda por aqui?
Mamãe assustou-se, quis fugir.

Depois, reconheceu o confidente que encontrara à tarde, acomodou-se novamente, não respondeu.
Nisto, passou meu pai em espírito, desligado pelo sono físico, embaixo da escada.
Estava tranquilo, parecia que passeava.
Mamãe escondeu-se no vão da escada.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Nov 04, 2014 10:29 am

-É ele! Não quero que me veja. Tenho medo!
-Como quer se vingar dele se tem medo?
-Ele matou e pode matar de novo.

-Está morta, então?
-Não sei, é tão confuso.
Primeiro sinto a presença de minha mãe, que morreu há tanto tempo.
Depois, vi meu Raul, o meu filhinho querido que morreu.

Aqui ninguém fala comigo, parece que nem me vêem.
Agora mesmo, minha filha virou duas, uma deitada na cama e a outra estava como eu, falou comigo, disse que morri.
Mas o senhor me vê, não é? Fala comigo.

-Sim, vejo-a e falo com a senhora, somos iguais, observe bem.
Contudo, não somos iguais à Pretinha ou à Taís e à Telma. Há diferença.

Mamãe ficou pensando por uns instantes, encolheu-se no seu canto.
-Você é morto?
-Meu corpo morreu há tempos, sou vivo, somos eternos.
O espírito continua a viver sem o corpo físico.
-Eu também morri?

-Contudo, está falando, sofrendo e chorando.
Está viva pelo espírito.
Seu corpo morreu ao cair no poço e não se deu conta disso, pelo ódio que sentia.
-Oh! Como é ruim morrer!
-Ter o corpo morto não é ruim, ruim é ter sentimentos de ódio, rancor e vícios como companhia.

Mamãe chorou.
Desta vez seu choro era diferente, era de alívio, tristeza, sem mágoas.
Suas lágrimas foram como um bálsamo e o professor esperou pacientemente que chorasse por uns bons minutos.

-Manuela, você não se recorda dos ensinos de Jesus?
Ele nos disse que o que pedirmos com fé receberemos.
Que quer você, filha?
-Já que morri e meu filhinho também, queria estar com ele.

-Raul perdoou e esqueceu todo o mal que o pai lhe fez.
Se quiser estar com ele, deve fazer isso também.
-Perdoar, não sei. Manuel foi tão cruel connosco.
Ajude-me, senhor. Morrer parece-me tão estranho, tenho medo, muito medo.
Não quero ficar assim.

-Filha, o perdão é importante, está na prece dominical, no Pai-Nosso, oração ensinada pelo maior Mestre que esteve encarnado na Terra.
Oremos, vamos juntos orar.

O professor orou com tanta convicção e fé que me emocionei e não pude novamente segurar as lágrimas;
mamãe acompanhou-o na prece, encantada.
Pela primeira vez depois de seu desencarne sentiu-se melhor, seu ferimento parou de sangrar.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Nov 04, 2014 10:29 am

Quando terminou, disse, emocionada:
-Que linda é essa prece!
Diga-me, senhor, se eu não castigar Manuel ele ficará impune?
Acho que deve receber um castigo, não tanto por mim, mais pelo meu Raul.

-Dona Manuela, somos donos dos nossos actos.
O bem que fazemos são tesouros que adquirimos, ninguém nos tira, como também o mal fica em nós e um dia teremos de dar conta dele ao Pai maior.
Ninguém tem o direito de se vingar, de fazer justiça;
vingança é acção má que não fica sem reacção.

O sofrimento virá para seu esposo, fazendo com que se arrependa, mas não cabe à senhora castigá-lo.
Se não perdoa, pensando no Raul, está equivocada;
Raul está bem, é feliz, porque perdoou e não quer mal algum ao pai.

Mamãe vacilava.
Orei com fé, pedi a Deus forças para ela.
Lembrei que pude ajudar o Louco e que podia ajudá-la.

Olhei-a fixamente, estendi as mãos sobre ela e desejei que perdoasse, que quisesse ir connosco.
Emocionado, vi mamãe ajoelhar-se, olhou para o céu, coberto naquele momento de estrelas, uniu as mãos, falou alto, compassado.

Desta vez, com sequência, com sentimento:
-Oh, Jesus! Oh, meu Pai Celeste!
Se morri, quero ir para o lugar aonde vão os mortos.
Quero estar com meu filhinho.
Perdoa meus erros, eu perdoo ao meu marido, perdoo e quero ser perdoada.
Pai Nosso que estais no céu...

Orou o Pai-Nosso soluçando baixinho;
quando terminou, o professor estendeu as mãos sobre ela.

-Filha, sincero e justo é seu pedido, ajudá-la-ei.
Fique calma, descanse, durma, levarei você até seu filhinho; quando acordar, estará com ele.

Mamãe, cansada, adormeceu tranquila, ainda de joelhos, apoiada nele, meu mestre e amigo, e ele a pegou como se fosse um simples bebé.

-Vamos, Raul, apoie-se em mim e voltemos à colónia.
Engasgado pela emoção, não consegui dizer nada, beijei minha mãe na testa e partimos.
Na colónia, o professor deixou mamãe no hospital, ficaria numa enfermaria para se recuperar.

-Raul -disse-me - portou-se corajosamente.
Voltemos aos nossos afazeres, eu com minhas aulas, você com seus estudos.
Manuela dormirá por algum tempo, se recuperando.
Seus ferimentos sararam e, quando estiver para acordar, avisarão você e dona Margarida para estarem com ela.
Agora vá para casa, vá descansar e contar à sua avó do êxito de nossa ajuda.
Tenho de ir, ate logo.

Saiu rápido, tentei agradecer-lhe, mas ele já ia longe;
voltei para casa, vovó esperava-me, abracei-a feliz e contei-lhe tudo.
Choramos agradecidos e emocionados.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Nov 04, 2014 10:30 am

-Como meu professor é sábio e bondoso! -exclamei.
Quero ser como ele.
-Espelhe-se no seu exemplo, meu neto.
Se você estudar e se esforçar, poderá ser como ele.
Alegro-me tanto por você desejar crescer e ser útil.

No dia seguinte, na classe, todos me olharam, curiosos, adivinhando por meu contentamento que tudo dera certo.
Após a prece inicial, levantei a mão pedindo para falar.

Com permissão, narrei todos os acontecimentos e terminei assim:
-Ao Pai Celeste já agradeci.
Aqui na classe fiz um pedido e é perante vocês que quero agradecer.
Agradecer ao mestre, que tudo fez com seu trabalho e faz mais, ensina-nos com seu exemplo.

Sem sua ajuda, nada conseguiria fazer;
graças a Deus, mamãe repousa aqui neste instante e estou muito feliz.
Quero agradecer a vocês, meus colegas, por terem me ajudado com seus conselhos e terem vibrado por nós.
Professor Eugénio, muito obrigado e...

Engasguei emocionado e o professor finalizou:
-Continuemos nossa aula e que os acontecimentos que envolveram Raul nos sirvam de exemplo.
Devemos perdoar sempre, infinitamente, a todos e com o esquecimento de todo o mal.

Algum tempo se passara, tudo voltara ao normal.
Vovó com seu trabalho, eu, atento, cada vez mais interessado nos meus estudos.
Fora ver mamãe por instantes;
algumas vezes ela dormia, no começo um tanto agitada, depois foi se acalmando e, com o tratamento que recebia, seus ferimentos sumiram.

Fomos, vovó e eu, avisados de que mamãe estava para acordar.
Fomos para seu lado.
Com passes de um abnegado médico, mamãe acordou de mansinho.
Abriu os olhos e se olhou, apalpou-se, depois olhou ao redor de si e nos viu.

-Raul, mamãe! - exclamou, emocionada.
Unimo-nos os três em comovente abraço, choramos felizes.
Com muito carinho enxuguei as lágrimas do rosto de mamãe.

-Não choremos mais! - exclamei.
Alegremo-nos, estamos juntos agora.
-Onde estou, Raul, que lugar é este?
-Recuperando-se dos abalos sofridos, em um lugar de fraternidade -respondeu vovó.
Como se sente, minha filha?
-Sinto-me bem. Raulzinho, meu filho querido, como está lindo!

Vovó conduziu a conversa para assuntos agradáveis, lembranças felizes, logo estávamos sorrindo, desfrutando a alegria de estarmos juntos.
Deixamo-la novamente a dormir.
Desde que trouxemos mamãe, pensava muito no passado, na Lei de Causa e Efeito, Acção e Reacção.
Meditava em todos os acontecimentos de minha vida e então se dava um facto estranho, via-me como uma outra pessoa, com outro aspecto, diferente fisicamente;
sabia porém que era eu.

Eram imagens que surgiam em meus pensamentos do passado, em que planeava um crime com ódio e rancor, e executava-o.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Nov 04, 2014 10:30 am

Naquele dia, na aula, comentei:
-Tenho tido visões estranhas, julgo serem do meu passado, sinto ser eu, porém com fisionomia diferente.
Vejo-me a planear um crime e assassinar.
Penso que a acção que fiz resultou em reacção nesta encarnação.

E sinto que no meu passado estão também papai e mamãe.
Talvez seja no passado que encontrarei as respostas para tanto ódio de meu pai.
Tenho pensado, professor Eugénio, que mamãe e eu estaríamos melhor se pudéssemos compreender.
Não é certo que é preciso entender para perdoar?

-Raul, não é necessário entender motivos para perdoar.
Perdoar é um ato de amor.
Jesus sofreu aqui connosco encarnado e não foi por reacção, visto que sofreu para consolidar e fazer frutificar seus ensinamentos.
Entretanto, compreendendo a pequenez humana, disse que os seus algozes não sabiam o que estavam fazendo, e lhes perdoou.

Quanto a você, por agora, recordar o passado não é bom.
Estas visões são realmente de outra existência sua.
Recordar o passado não é para todos, não é fácil recordar nossos erros, para isso é necessário estarmos recuperados.

Porque lembrar factos bons é agradável, mas erros, crimes, não.
Mas, caros alunos, o passado está dentro de nós, o espírito não esquece.
Num corpo infantil somos agraciados pelo recomeço, pelo esquecimento temporário, mas mesmo assim temos sempre vagas intuições de outras existências.
São fobias, pessoas que achamos desagradáveis, outras que amamos logo, sensação de conhecer lugares, saber fazer coisas que nos eram desconhecidas naquelas existências etc.

Há pessoas que recordam mais, às vezes existências inteiras, pessoas, locais, erros e acertos.
Recordações espontâneas de espíritos equilibrados são demonstrações de amadurecimento.
Não são todos os desencarnados que se recordam de suas outras existências;
nem todos estão aptos a recordar, muitos não conseguem e outros não o querem.

Às vezes, para o momento, o passado não nos traz nada de bom, porque devemos construir no presente e ter esperanças no futuro.
É equivocado o conceito de que basta desencarnar para saber tudo sobre o passado.
Para isso é necessário estar apto para enfrentar a realidade, que pode ser de erros, ou recordar para ajudar-nos, ou ajudar aos outros.
Quando ela vem espontânea, Raul, é porque chegou o momento, e sabemos que há algo a ser feito em reparação ao passado.

-O Louco recordou? - indaguei.
Que se passou com ele?
-João Felipe não recordou com equilíbrio, só passou para o cérebro físico o crime cometido e este ficou na sua mente, como um disco defeituoso.
Há muitos encarnados que se desequilibram com lembranças do passado criminoso, vindo às vezes a se tornar doentes mentais.
Alguns vivem o passado e o presente numa confusão desordenada e sofrida.

Como João Felipe não se perdoou, perturbou-se e tornou-se doente.
Recordou-se do passado, mas somente daquilo que o marcou muito.
Não é o caso de pessoas equilibradas que, conhecendo seu passado, ao recordar seus erros, entendem que o sofrimento é a cura de que necessitam ou um grande incentivo para fazer o bem, reparar com amor pela caridade os erros do passado.
Quem se sabe devedor sabe também que muito tem de fazer para reparar.

O professor continuou:
-Mas, meus alunos, não devemos querer saber do passado só por curiosidade ou para saber de nossos erros.
Temos erros no passado, mas também tivemos acertos, afectos;
não devemos nos concentrar só nos erros, para lodos eles há reparação, seja pelo amor ou pela dor, sábia amiga que nos faz voltar a Deus.

Conhecer nossos erros e amargurar-nos é imprudente, pode levar-nos à autopunição, como fez o Louco.
E pode ser que até já os tenhamos resgatado.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Nov 04, 2014 10:30 am

-O senhor tem razão, professor - interferiu Jofre.
Tião já pagou por seus erros e Raul também pode ter pagado.
Sua morte violenta pode ter sido reacção de uma acção má.

O professor sorriu, todos havíamos aprendido a lição.
Pensei: "Recordar meu passado pode ser doloroso, achava assassinatos tão tristes e poderia ter sido um assassino no passado.
Precisaria estar apto para enfrentar este facto".

Aproveitei para fazer mais uma pergunta sobre o assunto ao mestre:
-Professor, será que eu me perdoaria, mesmo se soubesse ter sido um criminoso?
Não poderei fazer como João Felipe?

-Raul, meu menino, o perdão, como nos ensina Jesus, é para todos, também para nós mesmos.
O remorso não deve ser negativo, nosso arrependimento deve ser positivo, não de auto punir, e sim de reparar, construir.
Devemos saber perdoar a nós mesmos, tirar, dos nossos erros, acertos;
fazer o propósito de melhorar-nos, de ajudar aqueles a quem prejudicamos, se for possível.

Caso não necessitem, ajudar a outros que sofrem.
Você, Raul, deve pôr em prática os ensinos recebidos e entender que aquele que deseja o perdão com sinceridade é perdoado.
Se você perdoou a todos, perdoará a você também, e pense no que Jofre disse:
talvez já tenha pagado pelo que fez!
Pense também se quer ou não recordar todo o seu passado.
As decisões importantes devem ser ponderadas e pensadas.

-Assim farei, professor, pensarei em todos os exemplos que aqui foram narrados e em tudo o que o senhor nos disse.

Passaram-se dias, orei bastante e pensei muito.
Não chegara ainda a conclusão nenhuma, só que tinha cada vez mais lembranças do passado.
Mamãe ia melhorando devagar, vovó disse-me que ela perdera muita energia no período em que ficara a vagar e ia demorar algum tempo no hospital.

Ia visitá-la todos os dias, conversamos muitas coisas.
Aquele dia encontrei-a triste, pensativa, sentada no jardim do hospital.
Aproximei-me, abraçando-a.

-É você, meu filho?
-Sua bênção, mãezinha querida.
-É tão bom vê-lo.
-Está triste, mamãe. Por quê?

-Aqui tenho você que adoro, mas há suas irmãs, Pretinha, minha casa.
Tenho saudade e preocupo-me com elas.
Manuel casará e minhas filhas terão madrasta, que será delas?

-Mamãe, Margareth não é má, Taís e Telma já estão grandinhas e Pretinha estará com elas, ajudando-as.
Papai as ama muito e não deixará ninguém maltratá-las.
-É isso o que não entendo, como pode um homem lúcido, inteligente como Manuel, fazer tanta distinção de filhos?!
Ama tanto as duas, e a você, não.

-Mamãe, antes de sermos vítimas podemos ter sido algozes.
Meu pai não conseguiu amar-me, mas isso não deve preocupá-la.
Alegre-se e esforce-se por melhorar. As meninas serão felizes.

Mudei de assunto, fiz com que se distraísse.
Despedi-me dela com um beijo e com uma certeza:
o passado estava dentro de mim, já não podia fugir dele, queria recordá-lo.

Senti-me aliviado pela decisão tomada e orei tranquilo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Nov 04, 2014 10:30 am

O PASSADO

Conversei naquela tarde, após o término das aulas, com o professor Eugénio, em particular, nos jardins agradáveis do Educandário.

-Professor, queria que me ajudasse, quero recordar meu passado.
Sinto que tenho de fazer algo para reparar, e não sei o que é.
Mamãe às vezes se entristece, não consegue entender o ódio de meu pai.

E tenho pensado:
será que não cabe a mim acabar com este ódio?
Será que não fui eu quem mais errou?
Preocupei-me com mamãe quando vagava, ela, que fora vítima.
Será que não devo me preocupar também com nosso algoz?

-Raul, pensa certo.
Nossa intuição sempre nos mostra a melhor solução a seguir.
Se quer assim, ajudá-lo-ei.
Irei ao Departamento do Ministério da Reencarnação, marcarei dia e hora para você ser ajudado a recordar.

Na aula seguinte, o professor deu-me um cartão de apresentação.
Seria recebido na seção encarregada dois dias depois;
esperei com tranquilidade, tinha certeza de que era isso que deveria fazer.

A meu pedido, o professor Eugénio acompanhou-me.
Já conhecia o Ministério da Reencarnação, excursionando por lá com meus colegas.
Era circundado por belas árvores e graciosos canteiros de flores.

O edifício muito grande, estilo clássico, impressionou-me muito.
Havia sempre muito movimento, na recepção entravam e saíam várias pessoas.
O professor conduziu-me à ala esquerda, onde atravessamos um corredor e entramos numa saleta.
Estranhei, só nós dois aguardávamos.

O professor Eugénio, conhecendo meus pensamentos, instruiu-me:
-Este departamento tem horário respeitado, chegamos alguns minutos adiantados.
Não se perde tempo aqui com esperas inúteis.
Logo seremos atendidos pelo doutor Sallus, trabalhador deste departamento.

Encarnado, doutor Sallus foi médico e dedicou-se à psiquiatria,
muito estudou e pesquisou sobre reencarnação.
Agora, desencarnado, continua seu estudo e pesquisas com grande dedicação e o ajudará a recordar seu passado.
Na parede da saleta, havia um quadro enorme mostrando a pintura de várias existências encarnadas de um espírito.

Analisei-o, achei muito bonito.
-Boa tarde!
Era Sallus, muito simpático, cumprimentou o professor Eugénio com alegria e depois a mim.

Nós três entramos numa confortável sala ao lado daquela em que aguardávamos.
Não era grande, decoração simples, com alguns vasos de flores.
Sua claridade era pouca, quase na penumbra.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Nov 04, 2014 10:31 am

Tinha uma escrivaninha e, num canto, um sofá, onde se acomodou meu professor.
Doutor Sallus acomodou-me num confortável divã e sentou-se ao meu lado em uma banqueta.
Estava à minha frente uma tela fina de uns vinte centímetros de diâmetro.

Conhecia bem essas telas que usávamos sempre para projectar imagens, ainda me lembrei do comentário que ouvi, quando vi uma delas pela primeira vez:
"Logo, na Terra, inventarão algo parecido que transportará imagens pelos canais construídos, será um aperfeiçoamento do cinema".

Senti vontade de começar e doutor Sallus, pacientemente, explicou:
-Raul, há muitos modos de recordar o passado.
Você só necessita de uma pequena ajuda, já que por si só recorda os factos.
Creio que você recordará normalmente.

As cenas vividas, registadas em sua memória, passarão à tela.
Agora relaxe e queira lembrar.
Não deve exaltar-se, caso aconteça, teremos de parar, para recomeçar outro dia.

Se ficar calmo, recordará tudo hoje mesmo.
Doutor Sallus falava compassado, dando-me a seguir suas instruções;
relaxei, e minhas existências vieram-me à mente nitidamente, projectando as imagens na tela.

Mas nem necessitava vê-las, estavam em mim, surgiam na mente como se tudo tivesse acontecido havia poucas horas.
Foram erros, acertos, recusas ao chamado do bem.
Foram-me importantes as três últimas encarnações.
(Todos os envolvidos tinham nomes diferentes, mas, para facilitar a narração, darei os mesmos nomes já conhecidos.)

Estávamos num bando de ladrões.
Ali conheci Manuel e nos dávamos bem.
Fazíamos pequenos roubos, vivendo mais como andarilhos e mendigos.
Vieram juntar-se a nós algumas mulheres, entre elas uma muito bonita, Manuela.
Apaixonamo-nos ambos por ela.

Manuela não correspondia, brincava connosco.
Tivemos muitas brigas por causa dela e nasceu o rancor.
Desencarnamos e ficamos na erraticidade, a vagar;
bondosamente, benfeitores nos levaram a reencarnar.

Renascemos na Inglaterra, no ano de 1615.
Manuel era filho de um fazendeiro, e eu era simples empregado.
Apesar de termos a mesma idade e morarmos perto, não fomos amigos, chegamos a nos evitar.
Com a morte dos pais, Manuel, muito jovem, herdou a fazenda.

Um dia, para surpresa de todos, voltou da cidade onde fora negociar, casado.
Manuel era gordo, feio, e eu nascera com defeito na perna direita e coxeava.

Quando criança, acidentara o olho esquerdo com uma pedra e ficara cego deste olho, que ficara branco, deixando-me bem feio nessa encarnação.
A esposa de Manuel, meu patrão, chamava-se Manuela, não era bonita, magra, muito loura, logo demonstrou que era frívola, preguiçosa, não tinha modos educados e dava escandalosas risadas.
Ao vê-la, meu coração bateu forte e senti que a amava e que a queria.
Passei a segui-la sempre que me era possível e olhava-a muito.
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Mensagem  Ave sem Ninho Ter Nov 04, 2014 10:31 am

Manuela logo percebeu meu interesse, gostava de se sentir admirada, ou talvez pela ligação do passado começou a corresponder a meus olhares, fazendo-me sofrer, porque, indeciso, não sabia o que fazer.
Assim se passaram anos.
Manuela gostava de estar bem arrumada, gastava muito com roupas, e Manuel não era bom administrador;
sua situação financeira começou a declinar.

Ouvia sempre os dois brigarem, achava que Manuela era infeliz e que me amava.
Contudo nunca tivera coragem de aproximar-me dela para uma conversa mais íntima.
Manuel, percebendo que eu amava sua esposa, passou a exigir que trabalhasse mais e pagava-me menos.

O administrador e eu cuidávamos de tudo.
Invejava meu patrão, comecei a ter raiva dele, que, aos poucos, foi se transformando em ódio.
Poderia ter ido embora, mudado dali, mas não queria deixar de ver Manuela.

Um dia, meu patrão, percebendo que a esposa correspondia aos meus olhares, ficou furioso;
depois de discutir com ela, veio encontrar-se comigo.

Estava transportando pedras em um carrinho de mão.
Ao vê-lo raivoso, exaltei-me também e discutimos, trocamos ofensas.
Manuel nunca me vira revidar suas ofensas, enervou-se muito e me deu um empurrão com força;
caí e bati a cabeça na quina do carrinho, vindo a desencarnar instantaneamente.

Manuel entristeceu-se, não quisera me matar.
Muito aborrecido, contou a todos que eu morrera vítima de um ataque de coração.
Minha morte foi dada como acidente.
Minha desencarnação confundiu-me muito.
Quando tomei consciência do meu estado, voltei para a fazenda, perto de Manuel, a quem passei a odiar ainda mais.
Encontrei o ambiente propício:

Manuel e Manuela não tinham religião, brigavam muito e ele tinha muitas dívidas.
Passei a odiá-la também, porque vi como era realmente, não gostava de ninguém e tinha feito muita chacota do empregado coxo apaixonado.
Manuela era mais fraca e foi mais fácil vampirizá-la, obedecia-me mais.
Fiquei muitos anos com eles, ajudei Manuel a perder ludo, ficaram na miséria e não tiveram paz, brigavam o tempo todo.

Desencarnaram.
Entendendo que o prejudicara muito, voltou-se contra mim e passamos a brigar com furor nos umbrais.
Anos se passaram. Cansados, desiludidos, fomos socorridos.

Após um certo período, viemos a saber que voltaríamos a reencarnar, seríamos irmãos carnais, tendo assim uma oportunidade de sermos parentes e nos reconciliarmos, acabando com os desentendimentos.

A Inglaterra foi novamente nossa pátria.
Encarnamos, fomos os únicos filhos de uma família de bons costumes e muito religiosa.
Nossa mãe era bondosa e tudo fazia para acalmar nossas brigas, que tínhamos desde pequenos.

Crescemos e, por mais que nossos pais nos motivassem, não fomos religiosos, gostando muito de farras e bebedeiras.
Manuel era dois anos mais velho, começou a namorar uma moça de situação financeira razoável, casou-se ainda jovem e logo tiveram três filhos.
Eu permaneci solteiro, tendo sempre muitos amigos para farrear.

Quando Manuel se casou, passamos a nos dar melhor, ele foi morar com o sogro, numa chácara perto da cidade.
Logo após ter casado, o sogro morreu e ele passou a administrar toda a chácara, plantando hortaliças e frutas -o que estava lhe rendendo bom dinheiro.
Nosso pai era ferreiro e fiquei trabalhando com ele.
Nesta época, mudou-se para nossa cidade uma família que tinha uma filha que se chamava Manuela.
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RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho - Página 3 Empty Re: RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Nov 04, 2014 10:31 am

Apaixonei-me logo por ela, comecei a cortejá-la e ela correspondeu.
Pensei pela primeira vez em namorar e casar.
Mas meu irmão conheceu-a e também se apaixonou por ela.
Manuela, frívola, correspondeu à corte dos dois, embora sabendo que meu irmão era casado e tinha filhos.

O ódio reapareceu e começamos a nos agredir e a brigar.
Meus pais sofriam muito com nossas desavenças e minha cunhada, pessoa boa e honesta, começou a desconfiar.
Minha mãe foi falar com Manuela, que, cinicamente, disse que não amava ninguém e que se alegrava e se orgulhava de ter os dois a brigar por ela, que não se decidira com quem ia ficar.

Mamãe chorou muito, às vezes odiava Manuela por momentos, mas eu a amava e a queria, e ficar com ela era questão de honra para mim;
porém não a queria como esposa e sim como amante.
Minha cunhada soube que Manuela queria conquistar seu marido e, num acesso de raiva, insultou-a na saída da igreja.
Como Manuel era mais rico, para retribuir a ofensa recebida decidiu ficar com ele.

Manuel passou a encontrar-se com Manuela na casa dela e seus pais não se importavam, desde que recebessem dinheiro.
Tornaram-se amantes sem mesmo se importar em esconder o facto.
Fiquei com muito ódio deles e minha vontade era matá-los.

Meus pais sofriam com o procedimento de meu irmão e minha cunhada passou a ser triste, sentindo-se humilhada.
Manuela teve um filho, um menino, e Manuel disse ser seu filho.
Logo após o nascimento da criança, Manuela começou a olhar-me com insistência, não deixando esquecer a paixão.

Um dia, fui a casa dela, recebeu-me amável e acabou por dizer:
"Raul, arrependo-me da escolha que fiz.
Amo você, sei disso agora com certeza, mas temo Manuel, ele é violento, ameaça-me sempre dizendo que se o abandonar me mata.
Penso em deixá-lo, fugir dele, sei que me perseguirá".

"Se ele não existisse, Manuela, você ficaria comigo?" Indaguei.
"Claro, é tudo o que quero."
Beijou-me, passei a noite na casa dela.

Fui embora de manhãzinha, pensando como ia fazer para tirar Manuela de meu irmão.
Meu ódio fazia-me ver como perdedor.
Meu irmão me roubava tudo, sempre.

Casara bem, tinha dinheiro e roubara a mulher com quem pensei em casar.
Tinha de tirá-la dele.
Achei então que a melhor solução era matá-lo, assim não continuaria a roubar-me.

Pensei em fugir com Manuela, mas conhecia-o, acabaria nos perseguindo e aí seria eu a morrer.
Teria de matá-lo e fazer parecer um acidente, não queria ser preso.
Arquitectei com cuidado, pensei num plano perfeito.
Minha primeira atitude foi arrumar uma namorada, uma moça de família amiga, e disse a meus pais que esquecera Manuela.

Procurei fazer as pazes com meu irmão e ele pensou que eu desistira de sua amante.
Meus pais alegraram-se com nossa reconciliação, prometi à minha mãe aconselhar o quanto possível meu irmão a desistir da amante e dedicar-se ao lar.
Mas passei a encontrar-me com Manuela regularmente, indo a sua casa às escondidas.

Três meses se passaram e friamente planeei com cuidado o crime que cometeria.
Achando que tudo ia dar certo, executei-o.
Escolhi um dia em que meu irmão não costumava ir à cidade, escrevi um bilhete imitando a letra de Manuela, que pouco sabia escrever.
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RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho - Página 3 Empty Re: RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Nov 05, 2014 9:46 am

Fiz um bilhete com poucas palavras, pedindo para Manuel ir vê-la com urgência.
Paguei a um moleque que fazia esse tipo de serviço para levá-lo à casa de meu irmão e entregar a ele;
também instruí o garoto para, se perguntasse, dizer que fora o pai de Manuela quem lhe entregara o bilhete.

Voltei rápido para casa e disse para minha mãe:
"Vou à chácara visitar meus sobrinhos, estou com vontade de dar um passeio.
Manuel já me convidou várias vezes e não quero que fique com raiva de mim por não ir."
"Vá sim, filho, é tão bom vê-los em paz."
Peguei meu cavalo e parti.

A verdade mesmo era que Manuel não me convidara, e sim sua esposa.
Fui bem recebido, agradei às crianças.
Logo após, o garoto chegou para entregar o bilhete.
Manuel recebeu, leu e queimou-o.

Observei tudo disfarçadamente;
após se desfazer do bilhete veio até mim.
"Raul, necessito ir à cidade logo após o almoço."
"Pensava em almoçar e ir embora, tenho serviço para fazer.
Quer que dê uma desculpa para sua esposa?"
"Agradeceria" - sorriu ele.

Entramos e logo que Maria, sua esposa, veio ter connosco, disse:
"Manuel, o senhor Swill está vendendo umas óptimas cabras, por que não vai vê-las?"
Trocamos ideias e Manuel decidiu ir comigo à cidade assim que almoçássemos.

Almoçamos e Manuel mandou arrumar o trole para ir, como eu esperava que fizesse.
Manuel raramente andava a cavalo, detestava, preferia usar a carroça.

Tudo ia dando certo, despedimo-nos.
O filho mais velho dele, meu sobrinho, com cinco anos, quis ir junto e fez tanta choradeira que meu irmão resolveu deixá-lo ir.
Tentei persuadi-lo para que não levasse o garoto, mas, não querendo que desconfiasse, não insisti.

"Raul" - disse meu irmão -, "vou deixar meu filho com mamãe:
passo lá em casa antes de ir ver as cabras".
"Sendo assim, Manuel, vou na frente, meu cavalo gosta de galopar, ela se alegrará com a presença de William."

Despedi-me de todos e saí na frente;
já longe da casa, observei e vi meu irmão e sobrinho partirem.
A chácara não era distante da cidade, a casa de meu irmão estava situada num vale muito bonito.

Havia um caminho, feito pelo seu sogro, que encurtava a distância, mas subia um morro, era uma estradinha cheia de curvas, rodeada de arvores, tendo passagens perigosas onde havia barrancos e precipícios.
Era pouco usada, passavam por ali apenas os moradores da chácara e alguns sitiantes.

Subi o morro a galope.
Numa curva perigosa, tomei um atalho, deixei meu cavalo e subi uns metros a pé.
Conhecia bem o lugar, já ali estivera antes e preparara tudo.

Logo vi meu irmão se aproximar, estava no alto de um barranco e, do outro lado da estrada, um buraco fundo, cheio de pedras.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Nov 05, 2014 9:46 am

Escolhera com atenção o local, naquela hora ainda pensei:
"Matarei também meu sobrinho".
Mas seria difícil planear outro acidente, depois Manuel iria acabar sabendo de tudo, quando se certificasse de que não fora Manuela a lhe mandar o bilhete.
Não vacilei, quando meu irmão passou embaixo de onde eu estava, traiçoeiramente levantei um pau com que escorei uma grande pedra, esta rolou e com ela muitas outras, caindo em cima do trole.

Vi com frieza os cavalos se assustarem;
Manuel protegeu o filho e tentou pular com ele do trole, mas as pedras violentamente lhes caíram em cima.
Fugi dali rapidamente, peguei meu cavalo e fui para casa.
Naquele momento só senti pelo meu sobrinho.

Disfarcei, procurei ficar no meu natural, cheguei em casa, dei notícias aos meus pais e disse à minha mãe:
"Manuel vem vindo, irá ver umas cabras, William está com ele, vai deixá-lo aqui."
Como meu irmão demorava a chegar, meus pais começaram a se preocupar.

"Ora, pode ser que Manuel tenha resolvido levar William junto" - disse.
As horas foram passando e meu pai resolveu ir até a casa de meu irmão.
"Pode ser que tenha resolvido não passar por aqui, então vou vê-los, estou preocupado, com pressentimento ruim.
Acho que estou é com saudade das crianças."

"Não vá só, meu velho" - disse mamãe -, "leve Crioulo junto".
Crioulo era nosso empregado e saíram os dois, fiquei a trabalhar normalmente.
Logo depois, voltou Crioulo aos gritos:

"Raul, aconteceu um deslizamento na estrada.
Seu pai pede que vá com algumas pessoas para ajudar.
Vimos um cavalo soterrado, achamos que é do Manuel."

Mamãe já começou a chorar.
Tratei logo de procurar ajuda, em instantes reuni dez homens, amigos e vizinhos e partimos.
Encontramos meu pai lutando por tirar as pedras do caminho, suas mãos sangravam, estava desesperado.

Começamos sem demora a tirar as pedras e a terra;
duas horas depois, achamos e tiramos dois cadáveres, do meu irmão e do meu sobrinho.
Acompanhava o nosso trabalho o médico de nossa cidade.

Disse ao examiná-los:
"O menino deve ter morrido na hora;
Manuel, não, ficou vivo por um bom tempo aí embaixo das pedras".

Foi um acontecimento triste.
Todos sentiram a morte deles.
Minha cunhada chorou demais pelo filhinho, as crianças pelo pai e pelo irmão e meus pais sofreram muito.

Ninguém desconfiou de nada, a estrada foi desactivada e para ir à casa de minha cunhada tinha de se dar uma grande volta por outra estrada, porém segura.
Mamãe foi a única que me interrogou, querendo saber com detalhes o que acontecera naquele dia, o porquê de ter vindo na frente, se não escutara nenhum barulho.

Contei algumas vezes a história que decorara.
Ela nada comentava, mas passou a olhar-me diferente e comecei a inquietar-me com sua presença.

Fiquei aborrecido ao ver Manuela, ela pareceu-me sofrer com a morte de meu irmão;
continuamos a nos ver as escondidas.
Contudo, não consegui ficar mais tranquilo em minha casa.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Nov 05, 2014 9:46 am

O sofrimento dos meus pais incomodava-me e não conseguia encarar minha mãe;
sentia que ela desconfiava de alguma coisa.
Nada me falava sobre o assunto, parou de interrogar-me.

Minha cunhada continuou a morar na chácara, agora com o caminho mais longo pouco nos visitava e meus pais passaram a ver pouco os netos de quem tanto gostavam.
Estava cada vez mais inquieto e nervoso, queria ir embora, partir para longe de casa, achava que longe dali teria novamente sossego.
Tinha um tio, irmão de meu pai, que morava em Portugal, decidi ir para lá.

Combinei com Manuela de irmos viver lá, ela gostou da ideia;
também queria se ver livre dos pais que a exploravam, vivendo à custa de seus amantes.
Dei-lhe dinheiro e ela partiu com o filho às escondidas para Portugal; iria primeiro, eu partiria logo em seguida.

Após o almoço, falei com meus pais da minha decisão:
"Pai, quero ir a Portugal, vou a passeio visitar tio Jack.
Quero que me dê dinheiro, sempre trabalhei com o senhor e tive só meu ordenado."
"Meu filho, deixar-nos, agora que sofremos tanto?"
"Deixe-o ir" - interferiu minha mãe - "dê-lhe o que é justo, não o prenda aqui".

Nesta hora tive a certeza de que mamãe sabia que de alguma forma fora culpado da morte de meu irmão.
Ela nada dizia para poupar a meu pai e a mim, poderiam investigar e eu ir para a prisão.
Meu pai deu-me todo o dinheiro que tinha guardado e o que apurou com a venda de alguns cavalos.

Parti aliviado, despedi-me somente de meus pais, fiz uma boa viagem e fui para Lisboa, onde me encontrei com Manuela.
Alugamos uma casa mobiliada e Manuela quis casar, porém eu não quis, preferi tê-la como amante.

Vendo que não queria casar com ela, não insistiu, esperava me convencer.
Procurei meu tio, ele trabalhava negociando no porto, estava bem financeiramente e ajudou-me a arrumar um bom emprego.

Melhorara da inquietação, estava mais calmo, pro curava nem lembrar o passado.
Fui trabalhar num armazém, onde conheci Vitória, a filha do dono.
Era feia, alta e magra, logo que me viu interessou-se por mim e passei a dar-lhe atenção.

Meu interesse por Manuela foi acabando, porém ela engravidou e tivemos um filho.
Tratava bem as crianças, mas não as amava.
Comecei a ter pesadelos, sonhava que estava caindo, estava enterrado vivo.

Via nos sonhos meu sobrinho a pedir socorro e Manuel a perseguir-me; acordava aflito.
Fui tomando raiva de Manuela, achando que sonhava por causa dela.
Escrevia pouco a meus pais.
Eles mandavam três a quatro cartas para que respondesse a uma.

Contavam eles ludo o que acontecia lá, davam notícias da minha cunhada "dos sobrinhos que estavam bem, isso me tranquilizava um pouco.
Cobravam sempre minha volta, pediam para retornar.
Passei a namorar Vitória e seu pai exigiu que largasse minha amante.

Quando Manuela soube do meu namoro, brigamos muito.
Ela entendeu que não a amava e, para não nos separarmos, aceitou que eu casasse.
Passei a morar sozinho perto do armazém, indo sempre ver Manuela e as crianças, sustentando-as.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Nov 05, 2014 9:46 am

Vitória amava-me muito, tentava agradar-me em tudo, eu tratava-a bem.
Achava que tinha de casar e esquecer de vez o passado; marquei meu casamento.
Escrevi a meus pais contando, eles abençoaram-me.
Eles não souberam que Manuela estava comigo.

Na véspera do nosso casamento, Vitória recebeu uma herança.
Uma tia solteira deixara uma razoável quantia para ela e seus dois irmãos, mais para ela por ter sido sua madrinha.
Meu cunhado, irmão de Vitória, quis vir para o Brasil comprar terras, aventurar-se.

Vitória e eu decidimos vir junto.
Generosa, Vitória deu-me dinheiro para que desse a Manuela, deixando-a para sempre.
Comprei uma pequena casa em um bom lugar, no nome de Manuela.
Dei-lhe o título da propriedade, comuniquei a ela nossa decisão de partir e me despedi deles.

Manuela ficou desesperada, abracei rápido os meninos e saí, deixando-os.
Não queria mais saber deles, queria riscá-los de minha vida.
Não queria nada perto de mim que me recordasse o passado.

Meu casamento foi simples e bonito;
quinze dias após partiríamos para o Brasil.
Escrevi aos meus pais contando, prometi que, logo que nos estabelecêssemos, escreveria mandando o endereço.
Faltavam três dias para nossa partida, Manuela procurou-me, não quis recebê-la.

Vitória o fez, esperei no quarto e minha esposa veio dizer-me:
"Raul, Manuela disse que a criança menor, seu filho, morreu".
"Melhor assim, Vitória.
Nada mais tenho a ver com ela agora."

"Ela quer que você vá ver o menino.
Espera você lá embaixo.
Vá atendê-la, parece que sofre."

Fui à sala. Manuela, chorosa, contou-me que o menino teve uma forte infecção e morreu, ia ser enterrado naquela tarde.
Disse rudemente a Manuela que não queria ver o garoto morto, que tinha o outro filho, que se conformasse e que não me incomodasse mais.
Manuela saiu triste. Tratei de esquecer o ocorrido e concentrar-me na viagem que me encantava.

A viagem foi maravilhosa, parei de ter pesadelos, enchi-me de esperança quanto ao futuro.
No Brasil, desembarcamos no Rio de Janeiro, tudo me era maravilhoso.
Meu cunhado e eu acomodamos nossas esposas num hotel e fomos sem demora à procura de terras para comprar.

Ele logo encontrou uma fazenda perto do Rio, comprou-a e fomos morar com eles, até que eu achasse algo que nos conviesse.
Aí, comecei a ter novamente os pesadelos;
inquieto, tratei de ir mais longe, fugi, como se mudando de lugar parasse a tormenta dos sonhos.

Fui para o interior, achei uma boa fazenda com preço que convinha e comprei-a.
Fornos, Vitória e eu, para lá.
Minha esposa esperava um filho, agradava-a muito e tudo fiz para tratá-la bem.
Os pesadelos espaçavam-se e com muito trabalho e gosto fui ajeitando a fazenda.

Vitória escrevia muito para os seus, lembrava-me sempre que escrevesse para os meus pais.
Depois de muito tempo escrevi-lhes, responderam-me que estavam doentes e muito saudosos.
Sentia culpa por eles estarem sozinhos, escrevi-lhes por obrigação e as cartas deles cheias de carinho doíam-me;
não gostava de recebê-las, nem de recordar o passado.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Nov 05, 2014 9:47 am

Os pesadelos voltaram a ser frequentes.
Comecei a me retrair, não gostava de fazer amigos, não gostava realmente de ninguém.
Passei a deixar minha esposa muito sozinha, parei de dar-lhe atenção, por mais que tentasse entender o porquê, não conseguia.
Tivemos cinco filhos, três meninos e duas meninas.

Por mais que me esforçasse não conseguia conviver bem com os meus.
Ficando um tempo sem receber notícias de meus pais, não me preocupei, até que recebi uma carta de um tio dizendo que eles haviam morrido, meu pai primeiro;
três meses depois, minha mãe.

Senti um certo alívio, nem mesmo orei por eles.
Fui me fechando, não me importava com ninguém, os pesadelos atormentavam-me tanto que tinha horror a dormir.
Sentia que meu irmão estava sempre comigo, todos os instantes lembrando-me do crime que cometi.

Achava um pouco de sossego só no trabalho.
Trabalhava na fazenda de sol a sol.
Tratava bem os empregados, tinha poucos escravos, que viviam como empregados, trabalhava mais que qualquer um deles e tornei-me rico.

Quatorze anos se passaram desde que cometera os assassinatos de meu irmão e sobrinho.
Veio um dia à minha procura uma mulher andarilha.
Como insistiu em ver-me, fui até a porteira da fazenda.

"Que deseja? Já não lhe deram esmola?"
Indaguei, porque todos que pediam esmolas recebiam;
os empregados, por minha ordem, faziam isso.
A mulher olhou-me, de seus olhos escorreram lágrimas.

Ela falou, emocionada:
"Sou Manuela, Raul, Manuela."
Nada mais tinha da mulher que levara meu irmão e eu a brigar.
Magra, mal vestida, com muitos cabelos brancos, pálida e com dentes estragados. Levei um susto.

"Manuela! Você?"
Abri a porteira para que ela entrasse, pedi para um empregado levá-la a uma casa que estava desocupada.
Fui para casa e mandei que levassem cama, roupa e comida para ela.

À tarde fui vê-la. Agora estava limpa, vi logo que estava doente.
"Manuela, que lhe aconteceu?
Como veio parar aqui? Como me achou?"

"Raul, nada para mim deu certo, acho mesmo que mereço o que passo.
Sempre tive amantes.
Quando mudei para a cidade onde vocês moravam, tratei logo de arrumar um e escolhi Manuel, que sustentava a mim e aos meus.

Queria mesmo era ficar com vocês dois, nunca pensei em deixá-lo.
Quando ele morreu, pensei em mudar de vida e ir embora com você.
Deixei os meus, nunca mais soube deles.

Quando você me deixou, fiquei triste e senti muito a morte de nosso filho;
você partiu, deixou-me a casa.
Logo tratei de arranjar quem me sustentasse, porque não queria trabalhar.
Tive muitos amantes.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Nov 05, 2014 9:47 am

Lembrava-me sempre de você e resolvi vir para o Brasil à sua procura, vendi a casa “partimos, eu e seu sobrinho, meu filho com Manuel.
Desembarquei no Rio de Janeiro e logo vi que não seria fácil achá-lo.
Deixei meu filho com uma senhora, pagando-lhe por mês para que cuidasse dele, e fui trabalhar numa casa de prostituição.

Tive outro filho, que nasceu morto;
logo fiquei grávida novamente e expulsaram-me do prostíbulo, porque estava com suspeita de estar doente dos pulmões.
Sem saber o que fazer, andei pelas ruas, desesperada, aí encontrei seu cunhado, que não me reconheceu.

Contei-lhe então que fora amiga de seus pais, que os conheci quando criança e que queria revê-lo, fazer-lhe uma visita.
Ele ensinou-me a vir aqui.
Vim, então, atrás de você, não pedir por mim, e sim por seu sobrinho;
está com quinze anos, não sabe fazer nada, se não pagar à senhora que cuida dele, ela o porá na rua.

Ajude-me, Raul, ajude-me!"
Manuela chorou muito, vi então que estava com febre alta e que estava grávida de seis meses;
ajeitei a casa para que ela ficasse ali, ordenei a uma empregada que cuidasse dela.

Não tinha médico por perto, demos medicação caseira.
Visitava-a todos os dias, ela foi piorando, prometi que iria ao Rio de Janeiro e cuidaria de seu filho.
Oito dias após Manuela ter chegado à fazenda, morreu.
Enterramo-la logo após.

No outro dia fui para o Rio de Janeiro e levei a família para passear.
Logo que cheguei fui à procura do filho de Manuela.
Encontrei-o, paguei à mulher e revi o garoto.

James era franzino, calado, pareceu-me assustado.
Contei a ele que a mãe morrera, pareceu não se importar.
Conversei com ele, tinha pouco estudo e queria estudar.
Achei a solução. Internei-o num colégio, onde estudaria e se formaria.
Combinei mandar pagamento anual e por carta.
Deixei-o lá, nem me despedi.

Por cinco anos, mandei o pagamento. A directora escrevia-me.
James era um bom aluno, estudara e saíra de lá com um bom emprego.
Nunca escrevi a ele, nem ele a mim.

Depois que saiu do colégio, não soube mais dele.
Eu vivia sozinho, pouco conversava, só trabalhava e me agoniava com os pesadelos.
Muitas vezes, quis ir embora, às vezes pensava em voltar para Portugal ou ir para a Inglaterra, ou outras províncias do Brasil - queria fugir.

Vitória foi contra, depois os filhos também;
não querendo ir sozinho, fiquei.
Nunca fui feliz, nem tive paz.

Agora, recordando, vi que Manuel perseguiu-me com ódio feroz.
Ele não se conformara com sua morte, com minha traição, com o modo e o motivo pelos quais lhe tirei a vida física.
Obsidiou-me sem descanso.

Meu corpo não aguentou o ritmo de vida que levava, senti-me mal na lavoura, meus empregados trouxeram-me para casa, desencarnei no caminho;
estava somente com quarenta e nove anos.
Deixei os meus familiares bem, financeiramente.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Nov 05, 2014 9:47 am

Não sentiram minha morte, não os amei, mas também não fui amado.

Quando meu corpo morreu, senti muita dor, pensei ter desmaiado, adormeci.
Acordei, estavam me velando, tive uma sensação horrível.
Senti alguém me chacoalhar e, apavorado, reconheci meu irmão Manuel.

"Saia daí, seu cachorro!
Agora poderei castigá-lo como merece e não terá mais o corpo para se esconder.
Você morreu! Seu corpo morreu!
Espanta-se, por quê?
Achou que ia ficar para sempre escondido nesse corpo?"

Apavorei-me tanto que saí, levantei-me e vi meu corpo ali deitado, sendo velado.
Olhei para Manuel que me observava rancoroso. Fugi, saí a correr.
Ai, meu Deus, foge-se de tudo, menos de nós mesmos!

Não tinha coragem de revidar as ofensas e castigos que Manuel me infligia, só fugia, fugia, corria sem sossego, escondia-me e ele achava-me.

Manuela reuniu-se a nós.
Meu irmão também a castigava e nós éramos três figuras tristes a vagar pelo umbral.
Acabei enlouquecido de dor e remorso. Muitos anos se passaram.
Meus pais conseguiram acalmar Manuel e fazer com que me perdoasse.
Meus progenitores socorreram-nos e fomos nós três levados a um posto de socorro.

Com tantas lições de amor, fizemos as pazes.
Necessitamos de um longo tratamento para nos recuperarmos, principalmente eu, que estava em estado de muita perturbação.
Pedi perdão a Manuel com toda a sinceridade e arrependimento, ele disse ter me perdoado.
Meus pais nos fizeram prometer que esqueceríamos os rancores do passado e que aproveitaríamos a oportunidade de encarnação para aprendermos a amar.

Manuel e Manuela reencarnaram, prometendo casar e receber-me por filho.
Recuperado, agradeci a reencarnação no posto de socorro, estudando e trabalhando, ajudando os necessitados que ali estavam.
Fiz um firme propósito de emendar-me e viver só no bem.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Nov 05, 2014 9:47 am

A DECISÃO

As lembranças pararam, escutei a voz carinhosa do doutor Sallus:
-Está bem, Raul?
-Sim, estou. Agradeço-lhe comovido por tudo.

Deixou-me novamente tão à vontade, nada censurou, nada comentou.
Ajudou-me a levantar, conversou com o professor Eugénio sobre amigos comuns.
Após nos despedirmos, saímos, estava calado, o professor respeitou meu silêncio.
Sentei-me num banco do edifício e o professor sentou-se ao meu lado.

-É estranho, professor, estou muito aborrecido...
Sabia que errara, mas, ao ver meus erros confirmados, deu-me uma vontade de chorar e tive vergonha do doutor Sallus.
-Sallus respeita, meu aluno, a dor do próximo; ali esta para ajudar, não para julgar.
Lembro a você neste momento, Raul, que o evangelista Lucas (VII:43-50) nos narra tão bem a passagem da pecadora que lavou os pés do Mestre com lágrimas e enxugou-os com seus cabelos!

Sabendo Jesus que eram observados e o recriminariam por permitir que uma pecadora fizesse isso, o Mestre deu-nos a lição tão bela:
Pelo que te digo:
lhes são perdoados os muitos pecados, porque muito amou!

-Recomenda-me, professor, que devo amar muito?
-Todos nós, Raul, devemos amar.
Amar ao Pai, ao Mestre Jesus e a todos como irmãos.
A falta de amor nos afastado bem.

Vocês três muito erraram por não amarem.
Voltaram às vestes carnais, você conseguiu perdoar;
Manuela também se regenerou, amou, foi honesta, trabalhadeira e boa mãe.
Manuel não conseguiu.
Por quê? Porque não conseguiu amá-los, realmente não lhes perdoou.

-Professor, será que amo meu pai?
Amo minha mãe, amo agora de modo puro Manuela.
Perdoei meu pai, quero que seja feliz, mas só isso bastará?
Será que não necessito amá-lo? Que será dele?
De nós três, só ele ficou para trás.
Plantou a má semente, como será sua colheita?

-Raul, a Misericórdia de Deus é para todos nós.
Seu pai terá oportunidade de corrigir-se, como você teve.
Mas cabe a nós, que já conseguimos compreender, ajudar os irmãos que estacionam no ódio e no rancor.

-Professor, e as outras pessoas que conviveram comigo nas outras existências, onde estão?
Meus pais, que sofreram tanto por minha causa.
Vitória e os filhos, minha cunhada e sobrinhos, William, que assassinei?
Nesse instante chorei, doía-me a recordação em que vi meu sobrinho morto entre as pedras, com cinco anos somente.

O professor ignorou meu choro, falou-me como sempre com voz agradável e calmamente.
-Raul, tivemos, temos sempre ocasião de amarmos a todos como irmãos.
Muitas famílias tivemos e muitas famílias teremos, fazendo-nos encontrar sempre afectos e desafectos.
Pelas suas recordações só vocês três aparecem unidos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Nov 05, 2014 9:48 am

Os outros foram companheiros de viagem.
Seus pais demonstraram superioridade em relação a vocês, os ajudaram e socorreram.
Vocês necessitaram desse sofrimento, desse aprendizado.

Encarnaram no País de Gales para continuar seu progresso.
Sua cunhada e sobrinhos, assim como Vitória e os filhos, não se mantiveram unidos a vocês, não foram amados, não os amaram, não se sentiram prejudicados, perdoaram.

Não deve preocupar-se com eles, caminham para o progresso.
Quanto a William, foi o primeiro a perdoá-lo e aceitou o facto como uma colheita de sua semeadura.
Aprenderá, meu caro Raul, a amar a todos como sua família de agora em diante.

-É tão estranho, filhos, pais, esposa, nada a eles me prende, só me preocupo com Manuel.
-Não é tão estranho assim;
você se sente reconciliado com todos;
com Manuel, não.

Deixo-o sozinho, deve meditar em tudo o que recordou e orar pedindo a Deus que o ilumine.
Recomendo-lhe não ficar triste, tristezas não pagam dívidas, mas sim o amor e o trabalho.
Fiquei horas ali. Aquele lugar era tão lindo e agradável.

Pensei em como Deus é misericordioso e como a Lei da Reencarnação é de infinita bondade.
Pensei também no que o professor me falara da mulher que muito amou "que foi perdoada.
Eu tinha recebido o perdão, fora perdoado e muito tinha de amar e fazer este amor dar frutos.

Agradecido, profundamente agradecido ao Pai Celeste pelas oportunidades que me foram dadas, orei muito e me senti tranquilo, em paz.

Fui encontrar com vovó e contei-lhe tudo.
Vovó Margarida animou-me, compreendendo-me; senti-me outro.
Nada tinha de criança, sentia-me adulto, responsável, e sabia que tinha muito a fazer.

Fui visitar mamãe, contei-lhe suavizando tudo, principalmente o que se referia a ela.
Pareceu-me que escutava uma história de que não participara. Nada recordava.

-É tão estranho, Raul, pensar que já voltamos à Terra em corpos diferentes.
Embora só entendendo isso é que compreendemos tanta coisa.
Acredito em tudo o que você disse, acho triste saber que fui tão leviana.
As nossas desavenças do passado não nos importam e sim que agora somos amigos e nunca mais brigaremos, porque aprendemos a nos amar com pureza.

-Tem razão, mamãe, nunca mais brigaremos, nos amaremos sempre.
Mamãe, que pensa fazer?
Logo estará boa e sairá do hospital.
-Vou morar com minha mãe.
Quero estudar, entender todas essas coisas que vim a conhecer agora e trabalhar.
-Sentiria minha falta se me ausentasse?

-Raul, está a pensar em quê?
Quer se ausentar?
Sentiria a separação, não a ausência.
Quem ama não se separa, eu amo você e não quero, por egoísmo, prendê-lo.

-Obrigado, mãezinha, amo-a muito também.
Tem razão, quando amamos, não nos separamos, podemos ficar sem a presença um do outro, mas não separados.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Nov 05, 2014 9:48 am

Beijei-a com todo o carinho.
Compareci à aula na manhã seguinte.
Éramos todos tão amigos que nos preocupávamos e participávamos dos problemas uns dos outros como se fossem os nossos próprios.

Quando o professor Eugénio saía com um de nós, individualmente, era para ajudar, e todos os outros da classe orávamos e vibrávamos para que tudo desse certo.
Participávamos com interesse sincero dos acontecimentos que envolviam cada um.
A curiosidade às vezes nos envolvia, aprendemos a controlá-la, ninguém indagava, o relato era espontâneo.

Todos sabiam o que eu fora fazer no dia anterior, aguardavam ansiosos meu pronunciamento.
Começávamos a aula com uma prece, feita quase sempre por um de nós.
Naquele dia pedi para fazê-la.

Com emoção recitei uma prece com profundo sentimento de gratidão:
"Graças eu te dou, Pai Celeste
Pelas oportunidades das reencarnações,
Nesta escola terrena
Onde aprendemos a amar, a perdoar,
Onde podemos tirar lições de erros
Para acertos futuros...
Porque de existência em existência,
De degrau em degrau,
O progresso nos espera com bênçãos
Para que alcancemos a felicidade
E a paz que tanto almejamos,
Felizes daqueles que amam sem sofrer
E abençoados os que sofrem e aprendem a amar..."

Em seguida pedi para falar e contei tudo o que recordara.
Ninguém me interrompeu e, pela sala de aula, só se escutava minha voz.
Nada escondi, descrevi a eles a dor do remorso, a sensação dolorida de me sentir culpado.

-Sentir-se culpado, meus colegas, é horrível, a dor é tanta que nos dilacera em agonia.
Como é bom, maravilhoso, ter paz para orar, que felicidade é não ter por que se envergonhar dos próprios actos.
Assassinei meu irmão por motivos fúteis, tanto que abandonei Manuela logo após.

Arrependi-me e queria fugir dos meus actos sem o conseguir.
Poderia ter pedido perdão, ter sido religioso, orado.
Envergonhava-me de orar, parecia que profanava a religião se o fizesse.

Não tive o refrigério da prece.
Queria fugir, afastar-me de tudo o que recordava meu crime.
Fugi dos meus pais, dos sobrinhos, que deixei órfãos, fugi do país, de Manuela, porém não tive sossego, não consegui fugir das responsabilidades de minhas obras.

Estas estavam em mim, acompanharam-me sempre.
Não podia pensar em Deus, temia-o e envergonhava-me.
Que tristeza é querer fugir dos nossos próprios actos, que amargura é nos envergonharmos de nós mesmos!

O remorso é um fogo que queima sem destruir, é ter um inferno dentro de nós, é ter a sensação de que nunca passará!
Desencarnado, continuei em pior condição de sofrimento, o que fiz, minhas obras, acompanharam-me além-túmulo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Nov 05, 2014 9:48 am

Que tristeza é ter erros e remorso por companhia!
Sentia-me tão culpado que nem perdão conseguia pedir por achar que nem isso merecia.
O remorso dói, dói tanto que agora entendo o porquê de muitos espíritos pedirem a encarnação para esquecer, não se importando com os sofrimentos que terão de passar, porque nada lhes parece pior que a dor do remorso.

Aprendi, meus amigos, que fugir não nos leva a nada;
temos, sim, que assumir a responsabilidade que nos compete, com esperanças de acertos!
"Não quero mais fugir de nada, principalmente do Mestre Jesus, dos seus ensinamentos.

E quero ser um servo útil da seara do Pai.
Mas, estive a pensar, como aprender a ser uma pessoa útil, continuar a estudar e trabalhar, deixando um adversário para trás?
Será que não tenho primeiro que me reconciliar?
Será que não cabe a mim procurar fazer esta reconciliação?
Com o perdão e a resignação dos sofrimentos, venci o ódio.

Não odeio; mas meu pai, Manuel, continua a odiar-me.
Que será dele?
Matou a esposa leal e um filho, não terá nós dois a persegui-lo, terá, porém, seus actos, sua consciência, e disso não terá como fugir.

Nós três nos ligamos por erros e rancores;
Manuela e eu nos entendemos e estamos procurando acertar, ele ficou odiando.
Será justo deixá-lo sem ajuda?
Não estarei tranquilo sabendo que ele me odeia e que não me perdoou.

Queria ter a oportunidade novamente de pedir-lhe perdão.
Sei que oportunidades não faltarão, o Pai sempre no-las dá.
Terei de esperar no futuro uma reencarnação com ele?
Meu pai tem somente trinta e quatro anos.
Será que não poderei agora me reconciliar com ele?

Fiz uma pausa, estava emocionado, olhei para meu professor e continuei:
-Ajude-me, professor, o senhor que tanto já me ajudou, ajude-me novamente.
Quero reencarnar, voltar agora para a Terra, ser filho de Manuel outra vez.
Ele vai casar-se novamente, poderei voltar junto dele e fazer tudo para conquistá-lo e ser amado por ele.

-Raul, o que você pede não cabe a mim decidir.
Contudo levarei seu pedido à seção encarregada e advogarei por você.
Como na prece que você fez, a reencarnação uma oportunidade que é dada a todos, igualmente.

São muitos os que querem e necessitam reencarnar.
Muitos esperam anos para o regresso à carne.
Quem tem pouco tempo de desencarnação só pode reencarnar com per missão especial.

Quero, Raul, que saiba que não poderá ter lá uma fácil estada como encarnado.
Terá de lutar para conseguir o que quer e poderá não alcançar o objectivo.
Depois, Manuel plantou má semente e tem uma colheita dolorosa.
Terá de sofrer para reajustar-se, já que recusou a lição pelo amor.
Sente-se você bastante forte para enfrentar isso, Raul?

Pensei por uns instantes e respondi com firmeza:
-Sim, sinto-me forte para voltar para o lado dele.
É justo que sofra com quem já fiz sofrer.
Quero ter a oportunidade de ser filho de Manuel novamente.
Meus colegas opinaram, a maioria achava que eu estava certo, outros achavam que deveria esperar.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Nov 05, 2014 9:48 am

-Meus alunos - interferiu o professor Eugénio -, Jesus nos recomendou que procurássemos sempre a reconciliação, que perdoássemos sempre e que pedíssemos perdão, que amássemos a todos e que fizéssemos tudo para sermos amados.
Educadamente, meu mestre deu por encerrado o assunto e iniciou a aula.
Uma semana depois, o professor deu-me a notícia.

-Raul, seu pedido foi atendido, deve acompanhar-me logo após a aula ao Ministério da Reencarnação.

Sorri, feliz.
Novamente o Ministério pareceu-me grande e majestoso.
Atravessamos a recepção e entramos no Departamento das Reencarnações.

-Aqui, Raul - explicou meu mestre -, organizam-se num trabalho incansável as reencarnações dos moradores desta colónia.
Tudo muito limpo, decorado com cores claras.

Havia muitos sendo atendidos e explicações eram dadas sobre diversos aspectos da reencarnação.
Estávamos num imenso salão e logo o professor Eugénio localizou a pessoa que nos atenderia.
Fomos apresentados.

Mariana, alegre, simpática, cativou-me:
-Raul, analisamos seu pedido e pergunto-lhe: é realmente o que quer?
-Sim, é o que quero!

-Muito bem, dentro de três meses volta à Terra como único filho varão do casal Manuel e Margareth.
O casal terá outra filha, é um espírito doente, internado em nossas enfermarias.
Sua irmãzinha não será perfeita, errou muito e destruiu um corpo perfeito;
agora, volta para harmonizar-se e reconciliar-se com sua futura mãe carnal.

Raul, deve saber também que reencarna para um objectivo:
reconciliar-se com seu pai!
Estará encarnado poucos anos, devendo voltar logo.
Está bem para você?

-Sim, está.
Tudo o que quero, Mariana, é reconciliar-me com Manuel, para depois me oferecer com trabalho e gratidão a Deus.
-Muito bem, marcarei outra entrevista para discutirmos alguns detalhes, porque logo deverá internar-se aqui.

Despedimo-nos como bons amigos.
Contei para vovó e decidimos falar com jeito para mamãe.
Meus colegas ficaram contentes e recebi muito Incentivo.

Sete dias depois, fui para a entrevista marcada.
Não fora à aula, deveria ficar algum tempo no Departamento.
Fui mais cedo, fiquei no salão observando as pessoas.

-Será que Cecília me aceitará agora?
Já fui abortado três vezes!
Parto agora com tantas esperanças...
-E não deve perdê-las, João - animava-o a atendente.
Ela está bem de saúde.
Vibraremos para que tudo dê certo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Nov 05, 2014 9:48 am

-Tenho orado muito para que dê certo - continuou o senhor.
Sabe a senhora que na minha última passagem pela Terra fui médico e fiz muitos abortos.
Aqui aprendi a dar valor à vida encarnada em todas as suas fases, quero voltar e lutar contra este ato cruel.
Entendo, porém, que recebo a colheita do que plantei.

Suspirou triste, nem deu tempo para escutar mais, porque dois senhores me abordaram.

-Psiu! -disse um deles.
-Não o conheço - disse o outro.
-Não é Mário? - indagou o primeiro.
-Não, senhores, chamo-me Raul.

-Confundi, prazer em conhecê-lo, sou Jonas e este é Jair. Vai reencarnar?
-Sim, pretendo - respondi.
-Já pensou em como vai ser seu corpo físico?
Estamos a discutir isso.
-Eu, não.

Sentamo-nos numa das laterais e Jonas esclareceu-me:
-Vou pedir para ter, em tenra idade, bronquite.
Sim, meu rapaz, bronquite, isto me manterá afastado do fumo.
Fumei muito na encarnação passada, não fui mau, tive uma vida tranquila e honesta graças a Deus.
Mas fui escravo do vício, arruinei minha saúde, embora desconhecesse o mal que me fazia.

Desencarnei, que tormento!
Fiquei desesperado para fumar.
Fui socorrido e logo após meu desencarne fui para um posto de socorro, não quis ficar lá e passei a vampirizar para ter a sensação de que fumava.

Como fui infeliz, era um trapo humano, sofri nas mãos de espíritos maus, vaguei sem sossego, sofri dores e humilhações!
Um dia, cansado, orei muito e senti necessidade de abandonar de vez o fumo.
Fiz um firme propósito de deixar meu vício, não vampirizei mais ninguém, fortaleci-me nas orações e consegui.

Espantei-me com o que ouvia, e meu simpático confidente continuou:
-Vícios não acabam como nosso corpo carnal, nos acompanham além-túmulo, digo que é mais fácil abandoná-los encarnado.
Para livrar-nos dos vícios necessitamos lutar com muita vontade e vencê-los, senão somos vencidos.
Quando temos algum vício, não somos livres, somos escravos dele.

Ao conseguir deixar de fumar, fui socorrido.
Agora, volto a reencarnar, e, temendo uma recaída, vou pedir a graça de ser doente.
Com bronquite, me manterei afastado do fumo.

-Achei genial a ideia dele, Jair interferiu:
Acho que seu pedido, amigo Jonas, será aceito.
O meu, não sei. Sabe, Raul, também sou vicioso.

Há muito luto contra o vício de roubar.
É verdade, pertences alheios me fascinam.
Já fui pobre, rico, e não venci o vício.
Na pobreza dou sempre desculpas de que me falta tudo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Nov 05, 2014 9:49 am

Mas, encarnado rico, roubei, apoderei-me de bens de minha mãe, irmãos, organizei quadrilha e roubei muito.
Ainda bem que distribuí muita esmola e ajudei a muitos, porém não anulei minhas faltas.
Minha vida tem sido assim, roubo, sofro, arrependo-me, faço propósito de corrigir-me;
volto à carne e tudo recomeça.

Aqui, tive uma orientação caridosa e sinto-me mais fortalecido.
Mas, temo; no corpo se esquece muito.
Como numa das minhas encarnações tive por castigo meu braço direito cortado, em vista de ter sido apanhado roubando, não roubei mais naquela encarnação.

Estive a pensar: Jesus não disse que era melhor entrar na vida sem braço ou algo que lhe servisse de motivo de erro?
Vou pedir - e espero conseguir -para reencarnar sem os dois braços físicos.
Sei que não provarei que estou curado do vício se não puder fazê-lo.
Mas acredito que, se ficar uma encarnação sem os braços, darei valor a eles para o uso do bem.

-Não será muito duro?
Não é fácil viver sem os braços - disse, admirado!
-Meu rapaz, poderei viver quanto tempo encarnado?
Sessenta, setenta anos, sem braços.
Certamente não é mais que cem anos a sofrer pelos umbrais como já fiquei.

Temo mais sofrer no umbral.
Sei que encarnado não me lembrarei do que falo agora.
Tenho a certeza, porém, de que sentirei que é justa minha deficiência e que é melhor para mim.
-Talvez os senhores tenham razão, vou pedir também para ter um físico que me facilite o que me proponho a fazer.

Mariana chamou-me, tive que deixar os dois senhores com uma ligeira despedida.

Após cumprimentá-la, não contive a curiosidade e disse-lhe:
-Estive a escutar pessoas enquanto aguardava ser chamado.
Queria, se pudesse, que me esclarecesse o que não consegui entender.
-Pode perguntar, Raul, explico-lhe com prazer.

-Todas as pessoas que vão reencarnar passam por este Departamento?
-Raul, são inúmeras as colónias pelo Brasil e todas elas têm o departamento que ajuda os reencarnacionistas.
Também há trabalhadores nesta área nos postos de socorro.
Mas nem todos passam por este processo de ajuda, por este planeamento.

-Planeamento? Pode-se fazer planos para reencarnar?
-Sim, você não o está fazendo?
Não volta à Terra com o objectivo de uma reconciliação?

-É verdade. Mas pode-se planear o corpo físico?
-Sim, pode pedir, mas são os técnicos que planeiam.
Os reencarnantes fazem os pedidos, que são aceitos ou não, conforme o parecer dos trabalhadores daqui, visando somente ao melhor para cada pedido.

-Há pedidos para que haja facilidades na vida física, como ser rico ou belo?
-Para facilidades materiais, não há.
Aqui, Raul, todos passaram por aprendizado e entendem a vida como uma continuação.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qua Nov 05, 2014 9:49 am

Pode acontecer de muitos até quererem, porém temem as consequências;
reencarnados, esquecem o que aprenderam aqui, este desejo é fortalecido pelas ilusões.
Tantos lutam desesperados para terem essas facilidades num curto período de encarnação, comparado com a eternidade.
Há sim, aqui, os que pedem a prova da riqueza, ou querem ser ricos por algum objectivo.

-Tempo de encarnado, pode-se marcar?
-Sim, entretanto marca-se mais uma época e dificilmente o tempo certo.
O tempo marcado é uma missão realizada, uma lição aprendida, um trabalho a fazer.

-Entendi, volto por pouco tempo, por um objectivo, não é?
-Não será tão pouco tempo assim; desencarnará na adolescência.
Raul, você desencarnou meninote, foi uma lição para amar a vida;
tirou a vida física de uma criança no passado.
Raul, não existe regra geral, única, na espiritualidade, cada caso é um caso.

-Mariana, um senhor disse que ia pedir para ser deficiente.
Todos os deficientes encarnados o são por escolha própria?
-Grande parte, Raul, pediu para reencarnar assim.
Muitos desarmonizados reencarnam transmitindo ao corpo físico suas deficiências;
há muitos dentre eles que destruíram o corpo perfeito.

-Suicidas?
-Não se pode dizer que com todos aconteça assim, suicidar-se é uma acção ruim e a reacção é justa, cada um terá o que merece, só que a Misericórdia Divina é para todos.
De um modo geral, todos os viciosos danificam o corpo, uns muito, outros pouco.
Os toxicómanos destroem o cérebro perfeito, tanto o físico quanto também a parte perispiritual; o fumo danifica a parte respiratória e outras, e o vício da calúnia, as cordas vocais.

São muitas as maneiras de danificar um corpo perfeito que o Pai nos deu.
E voltam num corpo deficiente para aprender a dar valor ao corpo sadio.
Muitos viciados com os perispíritos danificados podem recuperar-se no mundo espiritual, podendo escolher ao reencarnar o que melhor lhes pareça.

Há os que não conseguem recuperar-se aqui, então a reencarnação no corpo deficiente é o remédio de que necessitam.
Os piores casos, Raul, são os que danificam pelo remorso destrutivo seu perispírito e querem reencarnar assim.
São quase sempre dementes, com falta de membros etc.;
nesses casos, benfeitores levam-nos a reencarnar compulsoriamente.

Tantas vezes, Raul, sofrem bem menos reencarnados do que na espiritualidade e saram, na carne.

-Embora seja um assunto tão sério, Mariana, encanta-me pela justiça que todos nós recebemos.
Só que os pais de deficientes na Terra não sofrem também?
-A verdade, Raul, é que para tudo há explicação.
Você terá uma irmã, como já lhe disse, deficiente mental.
Está internada connosco há tempos e não se recuperou, sente muito remorso.

Margareth contribuiu em existência passada para seu suicídio.
Agora, além de reconciliarem-se, vão resgatar erros comuns.
E seu pai matou um filho perfeito, pode bem receber um deficiente.

Muitos casos estão nessas circunstâncias, erraram juntos.
Outros tudo fazem por amor.
Amam tanto a um espírito que necessita ser deficiente, que por escolha pedem para serem pais dele para ajudá-lo e estarem juntos.
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