LUZ ESPÍRITA
Gostaria de reagir a esta mensagem? Crie uma conta em poucos cliques ou inicie sessão para continuar.

RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Página 2 de 6 Anterior  1, 2, 3, 4, 5, 6  Seguinte

Ir para baixo

RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho - Página 2 Empty Re: RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Nov 02, 2014 10:20 am

ESCUTANDO AMIGOS

Fui à escola pensando na conversa que tivera na véspera com vovó. Será que eu não posso ajudá-la?
Será que não há um modo de ajudar mamãe?

O professor Eugénio iniciou a aula.
Tentei esquecer minhas preocupações e prestar atenção às suas explicações, mas não consegui, só pensava em mamãe sofrendo, andando de um lado para o outro, machucada e chorando por mim.

Logo, o professor Eugénio indagou:
-Que se passa com você, meu rapaz?
Que o preocupa a ponto de estar tão distraído e pensativo?
Podemos ajudá-lo?
-Não -respondi de imediato.

Olhei para meus colegas, eles observavam-me carinhosamente, ninguém estava curioso, vi nas suas fisionomias, compreensão.
Lembrei que estávamos reunidos naquela sala de aula, considerada especial no Educandário, por termos problemas incomuns.
Nesse tempo em que frequentara a escola, só recebi amizade, carinho, ninguém indagara minha vida, como desencarnei.

Confiava neles, respeitava a sabedoria e a simplicidade, do professor Eugénio, gostava muito de todos.
Naquele momento senti vontade de falar, mas estava indeciso.

O professor esperou pacientemente por minha resposta, vendo-me tão incerto, continuou:
-Se não quiser falar o que o preocupa, não precisa;
não tenho a intenção de ser indiscreto.
Aqui estou para ajudá-los, sou amigo de todos vocês, de você, Raul, e amigos são para ajudar quando necessitamos.
Todos nós passamos por experiências várias, dificuldades que, repartidas, são mais bem suportadas, ou, se esclarecidas as incertezas, torna-se mais fácil a solução, e aqui estou para esclarecê-los.

Deu-me um sorriso tão cheio de carinho que levantei da minha mesinha, corri para seus braços, emocionado, deixei que as lágrimas molhassem meu rosto.

Meus colegas davam-me força com seus olhares, desprendendo dos braços do professor, falei:
-Minha vida encarnada foi diferente, assim pensava até que ouvi as narrações de vocês.
Confesso que temi que soubessem como desencarnei.
Agora quero narrar minha vida.

Fui falando, contei toda minha vida, ninguém ousou fazer nenhum comentário, todos estavam silenciosos prestando atenção.
Ao falar do meu desencarne, senti-me meio engasgado, mesmo entre amigos não era fácil dizer que fora meu próprio pai quem matara meu corpo físico.

Ao terminar, já me senti bem melhor, fiz uma pausa.
O professor Eugénio olhou-me, incentivando-me a continuar.
Sabia que não era meu desencarne o motivo de minha preocupação.

-Continue, Raul - disse carinhoso, e senti que todos me compreendiam e estavam com vontade de ajudar.
-Mamãe não perdoou, ela odeia meu pai, quer se vingar.
Eu fui socorrido, ela não tem condições, vibra com ódio e rancor.
Amo mamãe, amo a todos os meus, ela sofre e eu me preocupo com ela.
Vovó está tentando ajudá-la, queria poder fazer algo por ela.

Sei com certeza que, se pudesse falar com mamãe, ela me escutaria.
Ela me quer bem, sofre porque morri, e não sabe que desencarnou.
Se ela me visse, faria com que entendesse, pediria para que perdoasse;
ela, perdoando, poderia ser trazida para cá. Sinto-me triste por isso.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122645
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho - Página 2 Empty Re: RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Nov 02, 2014 10:20 am

Por minha vida, não; gosto daqui e para mim tudo está bem.
Meu pai matou-nos, mas sinto que ele deve ter seus motivos, talvez nenhum que se justifique, mas quero-lhe bem e ele não me preocupa, perdoei-o de coração.
Mamãe é diferente, sempre foi boa, trabalhadeira, religiosa.

Desencarna e fica sofrendo assim, por que não consegue perdoar?!
Vovó disse-me que está como desencarnou, suja, machucada, ensanguentada, falando em se vingar, com ódio.
Meus amigos, professor, eu queria ajudá-la, queria tanto, sinto que conseguirei;
desencarnamos juntos do mesmo modo, sofrendo dores parecidas, terei argumentos para convencê-la...

Dei por finalizada minha narrativa e fui sentar-me no meu lugar.
O professor Eugénio continuava tranquilo, ele conhecia detalhes da vida de cada um de nós;
sendo discreto, esperava que nós mesmos disséssemos, e sabia como nos ajudar.

Mas, sabiamente, ensinava-nos a mais bela lição, a de nos ajudarmos uns aos outros.

-Compreendo você, Raul vamos ajudá-lo.
Quem de vocês quer dizer algo ao amigo que nos confia seus problemas?

Três dos meus companheiros levantaram a mão.

-Muito bem, vamos escutá-los, apresentem-se um de cada vez, e prestemos atenção.
-Raul -disse Mário -, foi triste o que aconteceu com você.
Episódios tristes só devem ser lembrados para servir de estímulo e nos manter firmes na estreita porta do bem.
Porque agora compreendemos que a dor é reacção das más acções.

O que deve importar a você é seu futuro, o que pretende fazer e ser.
Quanto à sua preocupação, mantenha a esperança, os períodos de sofrimento não são eternos e passam.
O tempo trará melhoras à sua mãezinha e ela progredirá.

"Raul, falarei de mim para dar-lhe conforto e esperança.
Não faz muito que estou aqui, tinha três anos de desencarnado quando fui trazido para cá.
"Ah! Minha vida encarnada!
Fui criado solto nos arrabaldes de minha cidade natal, meu pai estava sempre bêbado e minha mãe constantemente envolvida com más companhias, só tive maus exemplos.

Cresci vendo marginais, tendo dinheiro fácil, sendo, por medo, respeitado pelos moradores e tendo amigos ladrões.
Com dez anos, participei de pequenos furtos, e minha mãe, incentivando, dizia que eu ia longe.
"Sentia às vezes que estava errado, que deveria ir embora, trabalhar, ter vida honesta.
Tantas vezes sentia insatisfação daquela vida, porém passava rápido, aquela era a única forma de viver que eu conhecia.

"Estava com treze anos, fomos assaltar uma padaria, o assalto não saiu bem como planeamos.
O dono conseguiu chamar a polícia e fomos perseguidos, fugimos, resistimos à ordem de prisão, jogando pedras nos soldados;
eles atiraram, uma bala atingiu-me e desencarnei.

Não usava armas, roubar para mim era aventura, ganho fácil, nunca pensava em matar ninguém e nunca pensei em morrer.
Desencarnei sofrendo muita dor e, por muito tempo, continuei sentindo.
Nem minha família nem amigos se importaram com o que aconteceu comigo;
logo todos me esqueceram.

Ao meu enterro, só foram minha mãe e umas amigas, nenhuma oração.
Revoltei-me, não quis acreditar quando espíritos zombadores disseram que meu corpo morrera;
socorristas conversaram comigo, pedi socorro, levaram-me a um posto de socorro, onde curaram meu ferimento.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122645
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho - Página 2 Empty Re: RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Nov 02, 2014 10:20 am

Não quis ficar lá, tinha disciplina demais para mim.
Vaguei, inconformado com minha sorte, fui ter nos umbrais, sofrendo mais ainda entre os maus.
Cansei, arrependi-me e quis ter outro tipo de vida, quis com sinceridade ser bom e fui trazido para cá.

Entendi que sem disciplina não há ordem nem organização e que é gostoso ser ordeiro.
Hoje, estou bem. Preocupo-me com meus pais, com antigos companheiros, todos no caminho do mal, mas sei com certeza que voltarão ao bem um dia.
Os sofrimentos, Raul, são lições que aprendemos pela dor, quando nos recusamos a aprender pelo amor.

Sua mãe sofre por não ser humilde, por não aceitar o que lhe aconteceu, julgando-se não-merecedora da infelicidade que lhe ocorreu.
"Para tudo há explicações, embora não entendamos as causas dos sofrimentos por que passamos.
Devemos aceita-los acreditando serem certos, porque Deus é justo e devemos n'Ele confiar."

-Você, Mário, sendo criança, vagueou?
Sofreu o que minha mãe sofre? - indaguei curioso.
-Não confunda criança com inocência.
Meu corpo era novo, não eu, propriamente;
sou espírito milenar, de inocência nada tinha.

Sabia que procedia errado, achei mais fácil seguir os exemplos dos que me rodeavam do que me corrigir. Inocentes, estes não vagam.
Como fui socorrido e agora sou orientado, sua mãe também será um dia.
Não tenho vergonha de minha vida, quero mesmo é modificar-me.

Você, Raul, desencarnou sem culpa; eu, com muitos erros e vícios.
Você não deve ter dó de você mesmo, fuja da auto piedade, muito tem de aprender e construir.
Eu tenho me esforçado, aconselho você a fazer o mesmo.

-Obrigado, Mário - disse comovido -, acho que você não deve se aborrecer por seus erros, afinal, foi a educação que recebeu.

Isso foi levado em conta, Jesus disse:
"A quem muito foi dado, muito será pedido.
O servo que não sabe das coisas do seu senhor e errou é digno de poucos açoites".

-Por isso fui socorrido, meu amigo, mas, se encamei foi por afinidades, por merecer.
Recebemos no presente o que fizemos no passado.

Mário finalizou, o professor Eugénio sorriu, aprovando seu pupilo, e disse:
-Fale você agora, Adão.
-Raul, todos nós aqui, moradores ou hóspedes deste Educandário, temos histórias interessantes referentes ao nosso desencarne.
Já observou, meu amigo, que somos um grupo um pouco diferente dos demais jovens daqui?
Os outros têm vários professores, são mais saudosos de seus lares, mais infantis.

Nós, aqui, parecemos mais adultos e conscientes de nossos erros e acertos.
Temos um professor especial, sábio, amoroso, a ajudar-nos sempre com sua experiência e bondade.
Não deve se preocupar nem se envergonhar com sua desencarnação.
Desencarnações trágicas acontecem sempre, todos os dias, e você não é o único a ter o corpo morto pelo pai.

Há muitas dessas infelicidades, pais que matam filhos, filhos que matam pais.
Deve esquecer, não pensar neste episódio triste.
Admiro você, Raul, sua capacidade de perdoar e sua compreensão;
sua coragem é lição para todos nós.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122645
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho - Página 2 Empty Re: RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Nov 02, 2014 10:20 am

Mas, se não tivesse perdoado, estaria sofrendo.
Pelo que aprendi, o algoz também sofre.
Plantou e terá de colher.
Sofre também a vítima que não perdoa.

-E verdade, Adão - interferiu o professor com delicadeza.
Quem odeia e não perdoa sofre muito.
O perdão é o refrigério das almas perseguidas e ofendidas.

Perdoando, desligamo-nos de quem nos ofendeu, ódio é vínculo que prende um ao outro, trazendo muitos infortúnios.
Estou contente a escutá-los, por favor, continue.

-Raul -prosseguiu Adão -, aceitamos melhor o que compreendemos e para cada uma destas desencarnações trágicas há uma explicação.
Você sente isso ao nos dizer que lhe parece justo.
Entretanto, não havia necessidade de seu pai ser o assassino, de cometer esse duplo crime.

A meu ver, sua mãezinha, sendo boa e honesta, acabará entendo, mas deve ajudá-la;
acho-o bondoso por preocupar-se com ela, pois, se ela não conseguir perdoar, o círculo não se quebra e talvez, no futuro, será ela a assassina.

Após pequena pausa, indagou:
-Professor, o "não perdoar" é consequência do ódio?
Por que teria o pai de Raul assassinado tão friamente se não os odiasse?

Sem esperar pela resposta, concluiu:
Nada fez ele nessa existência que o ofendesse, deduzo.
Na Terra estivemos revestidos do corpo carnal, muitas vezes; assim, já estiveram juntos, ele pode ter sido ofendido e não perdoou.
Se não se quebrar esse círculo, temos sempre um algoz e uma vítima.

Vejo a necessidade de ajudar sua mãe e de você se preocupar com seu pai, sim, porque ele odeia, e esse ódio deve acabar.
Ele também não perdoou e deve perdoar.

-Sinto isso, Adão.
Disse-me o que necessitava ouvir.
Quando estou às vezes sozinho, lendo ou meditando, parece-me que sou outro.

Ou há outro em mim, não sei bem.
Vejo-me como um homem, um adulto muito mau que planeia matar; ora sinto que matei!
São cenas que não entendo, mas que tenho certeza de que as vivi.

Seriam lembranças do passado?
Vovó diz que sim, mas também diz para não me preocupar agora com isso.
É com mamãe que me preocupo.

Você, Adão, tem razão, se mamãe não perdoar, acabará se vingando e este laço de ódio não acabará.
É necessário acabar com as mágoas e reconciliar-se.
Queria tanto que ela entendesse, perdoasse e estivesse aqui comigo.

-Deve confiar, Raul - continuou Adão -, aqui estamos cercados de pessoas boas demais.
O professor Eugénio ajuda-nos sempre, leva-nos a visitar parentes, pais que choram aflitos, chamando-nos desesperados, deixando-nos inquietos, angustiados aqui.
Ajuda-nos a consolá-los, lembrando-os da Misericórdia Divina, que Deus é Pai de todos nós, que antes de sermos filhos deles somos filhos de Deus. e que somos todos realmente irmãos.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122645
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho - Página 2 Empty Re: RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Dom Nov 02, 2014 10:20 am

Ajuda-nos a conviver com a saudade, não deixando que ela nos entristeça.
Todos nós, aqui, temos problemas, solucionados com a ajuda do professor.
Confie, Raul, confie, ore e terá sua mãezinha aqui, muito em breve, se Deus quiser."

-Obrigado -disse-lhe agradecido.

Comecei a mudar. Preocupações contadas a amigos são repartidas.
Senti-me aliviado, reconfortado e esperançoso.
Passei a entender que estávamos presos, papai, mamãe e eu, pelo ódio.
O círculo se desvincularia com o perdão e cabia a mim ajudá-los.
Confiava na ajuda que teria e que estava tendo ali, escutando colegas e amigos.

Levantou-se meu terceiro companheiro.
-Raul, meu amigo.

Começou a narrar o risonho Tião.
Seu aspecto era franzino, moreno-claro, com olhos inteligentes e expressivos.
Pensei: "Deve ter sido feio quando encarnado, mas simpático".

Todos nós gostávamos dele.
Simples e leal, cativava a todos e talvez por isso me parecesse tão bonito.
Deixei para lá minhas impressões e prestei atenção a ele, que continuou a se expressar com sua voz harmoniosa.

-Sinto muito por você estar sofrendo e triste, embora ache que estar preocupado com quem ama é sinal de amadurecimento, o começo para que no futuro se preocupe com a humanidade, já que todos somos irmãos.
Vou contar-lhe minha história, para que você entenda que ajuda sempre temos, que todo sofrimento é justo e, se soubermos sofrer, aprenderemos muitas lições.

"Desencarnei meninote, doze anos, com câncer generalizado.
Meu corpo carnal apodrecia, cheirando mal, fazendo-me sofrer muito.
As pessoas que me viam comentavam penalizadas:
'Menino ainda, sofrendo assim!'

"Éramos muito pobres, tinha sete irmãos, meu pai era lavrador e minha mãe lavava roupas de freguesas para ajudar nas despesas de casa.
Morávamos numa cidade pequena, sem recursos, e nosso lar ficava no subúrbio, era pequeno: quarto, sala e cozinha.
Fiquei doente com nove anos, mamãe primeiramente deu-me os chás caseiros, sem resultado.

Como não havia médico na cidade, levou-me ao farmacêutico.
O senhor Zezinho da farmácia não tinha estudos, mas entendia bem de doenças.
"Não sabia o que eu tinha, entendeu que era grave, deu-me remédios, mas fui piorando, até que, sem forças, não me levantei mais do leito e a vida física foi se extinguindo aos poucos.

Sentia muitas dores, nas crises pensava sempre que ia morrer, chorava e gemia, e minha mãe, sempre comigo, chorava junto.
Minha mãe, caro amigo Raul, foi sempre um anjo de ternura e carinho, tudo fez para amenizar meu sofrimento;
entendendo que sofria por mim, para não vê-la triste e chorando, suportava as dores sem me queixar e tudo fazia para não gritar.

"Uns dias antes de desencarnar, senti-me diferente, estava tonto, confuso, parecia ver outras pessoas e ouvi-as conversar.
As dores foram amenizando, estivera em estado de coma por dias e me desliguei devagarzinho da matéria.

Dormi e acordei aqui no hospital, dias depois.
Socorristas trouxeram-me e muito me ajudaram.
Acordei e senti-me aliviado sem as dores.
Disseram-me que desencarnara, suspirei agradecido por estar livre do meu padecimento.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122645
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho - Página 2 Empty Re: RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Nov 03, 2014 11:04 am

Recuperei-me rápido, queria sarar e minha resignação e fé em Deus ajudaram-me muito.
Tendo alta do hospital, fui trazido para o alojamento da escola, pois não tenho parentes aqui.
Fiz logo muitas amizades.

Meses depois, passei a sentir imensa saudade de casa, de minha mãe, comecei a sentir-me abandonado e sozinho.
Trazido para estudar nesta classe, o professor Eugénio tudo fez para que me integrasse na nova forma de viver e prestasse atenção às aulas.
Mas a saudade que alimentava doía e a vontade de estar perto de minha mãe atormentava-me.

O professor Eugénio bondosamente me levou para visitá-los, para que pudesse vê-los.
Fiquei contente, emocionado volitei com o professor pelos campos e pela minha cidade.
Ao avistar meu antigo lar, meu coração bateu forte.

"'Professor Eugénio, como mamãe ficará contente em me ver curado!' - disse-lhe, comovido.
“Tião, não se esqueça do que aprendeu, nenhum dos seus familiares poderá vê-lo.'
"Achei impossível, claro, pensei que iam ver-me.
Entrei confiante e alegre no meu antigo lar.

Ninguém estava em casa.
Notei pela primeira vez como éramos pobres, tínhamos tão pouco, mas tudo era limpinho.
Minha cama não estava mais no canto da sala.

Papai, mamãe e meus irmãozinhos dormiam no quarto e os maiores, na sala.
As camas eram poucas e dormiam dois ou três numa cama só;
eu, desde que fiquei doente, dormia sozinho no canto da sala, por ser mais arejado.

Logo escutei conversas, estavam chegando, alegre, esperei que entrassem.
“Mamãe e meus irmãos entraram, ela havia ido entregar roupas com os pequenos e os maiores voltavam da escola.
"Agiram normalmente. Em pé fiquei na frente deles a sorrir.

Que desilusão! Não me viram, senti doer o peito, o meu sorriso apagou-se.
Via-os perfeitamente, escutá-los e eles não me viam nem me ouviam.
Olhei para o professor Eugénio e ele sorriu, animando-me;
entendi, ele me avisara, eu não quisera entender.

''Tião' - disse bondosamente -, 'ao ter seu corpo de carne morto, é um espírito revestido de perispírito e os encarnados não o vêem, excepto os médiuns encarnados e videntes, o que não é o caso de nenhum de seus familiares.
Poderá vê-los, saber deles, mas não lhes falar, nem eles a você'.

"Suspirei e pensei que, já que era assim, eu devia aproveitar para saber deles e matar minha saudade.
"Mamãe tirou um dinheiro do bolso e colocou dentro de um jarro, como sempre fazia, dizendo, cansada:
'Teremos este mês dinheiro para pagar o senhor Zezinho da farmácia, homem bom aquele, vendeu-me fiado para que meu Tião tivesse remédio.

Ainda bem que não pagamos para morar nesta casinha e o dono do terreno não nos incomoda.
Ainda mais agora sem o dinheiro de seu pai.
Faz quatro meses que ele foi embora e não deu mais notícias'.

'''Foi embora no dia em que Tião morreu' - disse um dos meus irmãos.
'Que saudade do meu filho!' - exclamou mamãe com lágrimas nos olhos.
'''Mamãe, não chore' - disse Vanda, minha irmã mais velha.
'Tião estava tão doente, coitadinho!
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122645
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho - Página 2 Empty Re: RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Nov 03, 2014 11:04 am

Era tão bonzinho, ele foi morar com os amigos no céu.
Padre Anselmo disse que ele está fazendo milagres.
Muitas pessoas já cumprem promessa na sua cova'.

"'Meu filhinho santo!' - disse minha mãe a sorrir.
"'Se ele ajuda a estranhos, vai ajudar-nos também, ele fará com que eu e Mané arrumemos emprego para podermos ajudar aqui em casa' - falou meu irmão.

"Pelas conversas deles, soube que meu pai, há tempos, abandonara minha mãe, fora morar com outra mulher e proibira que me dissessem;
ele ia ver-me e dava dinheiro para mamãe, mas, com minha desencarnação, mudou-se de cidade e ninguém mais soube dele.

"Fiquei com eles duas horas, o tempo que me foi permitido.
Voltei chorando, queria ficar, ajudá-los, queria ficar com minha mãe...
Aqui, colegas ajudaram-me, aconselharam-me, procurando fazer com que entendesse que minha vida agora era diferente e que deveria aproveitar as lições que recebia.
"Mas, qual o que, estava triste, aborrecido, chorava à toa.

"Passados uns dias, o professor Eugénio me disse:
'''Tião, conselhos, conversas não adiantam para você;
verá aqui nesta tela imagens projectadas dos acontecimentos de sua casa'.

"Todos na classe assistiram, acompanharam com respeito a lição que eu recebia.
Emocionado, vi minha casa, minha mãe e irmãos, e eu doente na cama.
Eram cenas que eu vivera na carne.

'''Observe, Tião' - disse o professor Eugénio, esclarecendo os acontecimentos que víamos -, sua mãe está exausta, veja suas mãos, grossas, cheias de calos, trabalha muito, levanta cedo, tem muito o que fazer;
além do serviço de casa, lava roupas para freguesas.

Faz a comida e há pouco o que comer, primeiro ela leva para você.
O farmacêutico disse que você precisava comer bem, seus irmãos olham você comer com água na boca, eles têm fome, repartem o que sobra.
Você sofre, sofreu, porém ela sofreu mais, ama você, mas ama também os outros filhos.

Chega a noite e ela vai se deitar, há tempos não dorme direito, você amola, quer água, tem dores, ela levanta-se muitas vezes durante a noite, não se queixa, procura na prece a coragem para continuar.
Seu pai, espírito fraco, saiu de casa, está cansado, quer aventuras, foi morar com outra mulher, mas vem lhe visitar e você nem percebe que ele foi embora.

Você está preocupado com suas dores, em ser servido, não agiu errado não, Tião.
Teve realmente dores atrozes, menino ainda, queria a mãe para si, e ela, abnegada, largava tudo o que estava fazendo para estar com você, para atendê-lo.

"'Desencarnou menino nesta encarnação, puro de sentimentos, sem erros, foi socorrido, logo estava curado e bem.
Porque o sofrimento do corpo suportado com resignação é cura do espírito.

Continuemos agora, Tião.
Observe seus irmãos, são desnutridos, fracos, anémicos e sempre o atenderam de boa vontade;
embora crianças, respeitaram seu sofrimento.

"'Sua mãe trabalha muito, lava roupa o dia todo, sua irmã mais velha está empregada como doméstica.
O dinheiro é pouco, não dá para sustentá-los, sua mãe recebe o que sobra da comida de suas freguesas, a quem agradece, comovida.
Necessita de dinheiro para pagar dívidas que contraiu com sua doença, para que não lhe faltassem remédios, para amenizar suas dores.

Após seu desencarne, passaram a alimentar-se melhor, sua mãe já não necessita levantar-se à noite e não tem mais suas roupas para lavar, porque você sujava sempre a cama.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122645
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho - Página 2 Empty Re: RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Nov 03, 2014 11:04 am

Não acha, Tião, que já deu muito trabalho a ela?
Por que voltar lá?
"'Sabe bem que voltando sem autorização, sem uma preparação adequada e sem os fluidos salutares daqui, logo se perturbaria e se sentiria doente;
necessitando de energias, passaria a vampirizar seus familiares.

Nessa troca de energias você só lhes faria mal.
Tião, eles têm de continuar vivendo e você também.
Liberto da carne, você foi chamado a viver aqui, eles têm de continuar encarnados até chegar a hora de cada um voltar.

Você viu que a vida não está fácil para eles, não queira prejudicá-los com sua presença sem preparo.
Procure, sim, viver bem aqui, aprender para poder ser útil a você mesmo, aos seus e a todos os que o cercam.'

"O professor Eugénio desligou a tela, sentando-se, e na sala se fez completo silêncio.
Entendi que o professor mostrou os acontecimentos para alertar-me e, não podendo conter-me, chorei, porém meu choro foi diferente, não era mais com dó de mim, era de vergonha.

Ninguém me interrompeu;
por alguns minutos as lágrimas caíram abundantes, reagi, tentando sorrir, disse:
'Não quero mais dar trabalho aos meus. Não quero!
Entendo agora que só tenho de agradecer, vou ser compreensivo e não vou chorar mais, prestarei atenção às aulas e, só quando puder ajudar, pedirei para voltar a vê-los'.

'''Muito bem' - disse o professor Eugénio, - 'ter vontade de ajudar é maravilhoso, incentiva-nos a aprender.
Você não sabe, mas eu sei e poderei ajudá-los por você.
Voltaremos ao seu lar, Tião, e ajudaremos sua mãe e irmãos'.

"Raul, não sei explicar a alegria e gratidão que senti naquele momento, aguardei ansioso o dia marcado para nossa volta.
O dia esperado chegou, prometi a mim mesmo não chorar e obedecer em tudo ao professor, e o fiz.
O professor Eugénio fizera antes um balanço da situação financeira dos meus, de quanto mamãe recebia, de quanto devia, quanto minha irmã, a única que trabalhava, ganhava.

'''Vamos, Tião, ao emprego de Vanda, comecemos ajudando-a.'
"Fomos ao seu emprego.
A mulher para quem Vanda trabalhava era de meia-idade, bem vestida, naquela hora almoçava com o esposo.

O professor Eugénio aproximou-se dela, intuiu-a e, como que por encanto, ouvimo-la dizer ao marido:
'Vou aumentar o ordenado de Vanda e ajudá-la mais, ensinando o serviço.
Também vou dar-lhe roupas, anda tão mal vestida, minhas amigas podem comentar.
Também vou logo mais perguntar a Zenira se ela quer ficar com a irmã dela para pajem, a meninota procura emprego'.

"Acabou o almoço e saiu, fomos juntos à casa da amiga e acertaram o emprego para a minha outra irmã.
'''Pronto' - disse o professor -, 'mais uma de suas Irmãs está empregada, isso significa que comerão bem, ganharão roupas, sapatos, e ajudarão sua mãe.

Vamos agora ver emprego para os outros irmãos.
Vamos à farmácia, visitaremos o senhor Zezinho, que muito ajuda sua mãe'.

"Ao chegarmos à farmácia encontramos dois desencarnados que nos cumprimentaram, e o professor esclareceu-me:
'São dois amigos, socorristas que trabalham na ajuda aos encarnados'.
"Sorri, admirando-os, um deles dirigiu-se a mim:
'''Você é Tião? Acabamos de fazer um auxílio em seu nome.

A filha do farmacêutico estava doente, ele pensou que fosse um câncer.
Ele e a esposa fizeram uma promessa, pediram a você que a ajudasse, se não fosse câncer ele perdoaria a dívida de sua mãe.
Viemos ajudá-los, era somente um espírito trevoso atormentando-a, afastamo-lo sem problemas, a menina melhorou.
Levaram-na ao médico na cidade próxima, fez os exames e hoje chegaram os resultados: a menina nada tem.'
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122645
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho - Página 2 Empty Re: RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Nov 03, 2014 11:04 am

"'Que bom!' - exclamei, contente.
Como lhes agradeço.
Grande ajuda deram também à minha mãe, melhora a vida dos meus.
Obrigado. Olhem, lá vem ela'.

"Mamãe muito sem jeito entrou na farmácia, torcia as mãos, envergonhada.
Antes que o senhor Zezinho lhe dissesse algo, foi explicando:
"'Mandou me chamar, senhor Zezinho?
Não tenho o dinheiro agora para dar ao senhor, no fim do mês dou-lhe mais, vou pagar tudo ao senhor.'

"'Dona Cida' - disse o farmacêutico -, 'a senhora não me deve mais nada'.
"Contou tudo a mamãe, a promessa, a filha curada.
Mamãe chorou emocionada.

O senhor Zezinho pegou o caderno, abriu na página da conta de minha mãe e escreveu bem grande: Pago!
'''Obrigada, senhor Zezinho, fica o favor, este não se paga, só Deus!' - disse mamãe, agradecida.
"O professor Eugénio aproximou-se do senhor Zezinho, olhou-o profundamente e ele, calmamente, pegou na prateleira uns fortificantes e vermífugos e deu a mamãe.

'" Aqui estão, dona Cida, estes remédios; dê para os outros filhos.'
"'O senhor é um homem bom. Obrigada.'
"'De nada, dona Cida, foi seu filho quem curou, com a graça de Deus, minha filha.
Sou grato a ele, sofreu tanto aqui, é santo lá no céu.'

"'Senhor Zezinho, estou procurando emprego para meus dois meninos maiores, são pequenos ainda, mas precisam aprender a trabalhar e ajudar-me.
O senhor sabe, depois que meu marido foi embora, o que ganho não dá nem para nos alimentar.'
"'No armazém da esquina estão precisando de um menino.'

O professor Eugénio continuou olhando-o, procurando intuí-lo a ajudar-nos e o senhor Zezinho, pessoa boa, honesta, bom cristão, recebeu a intuição e mais, atendeu.
'Vou lá com a senhora, sou amigo do dono, pedirei a ele. Vamos.'

"Foram. Deu certo;
num instante acertaram tudo, meu irmão não ia ganhar muito, mas almoçaria no emprego e aprenderia a trabalhar.
"Mamãe estava muito contente e o senhor Zezinho fez mais ainda:
"'Vamos passar por minha casa, dona Cida, seu menino precisa vir ao emprego bem vestido, vou dar-lhe umas roupas dos meus filhos para a senhora vesti-lo melhor.'

"Mamãe voltou para casa muito contente, esperançosa, e eu me senti feliz, em paz, grato, muito grato, ao professor Eugénio.
Aquela noite foi de festa em minha casa.
Ganharam roupas, Vanda foi aumentada e mais dois trabalhariam.

Mamãe reuniu todos após o jantar, orou agradecida, e disse no final da prece:
"'Meu Tiãozinho está fazendo milagres, curou a filha do senhor Zezinho, e também nos ajudou.
Tudo o que recebemos hoje é ajuda dele que, lá no céu, não se esqueceu de nós.
Obrigada, meu Deus, e obrigada também a Santo António.'

"Segurei as mãos do professor, procurando equilibrar minhas emoções.
Não chorei, presenciando todos aqueles acontecimentos, queria mais era crescer, ser útil, e falei ao professor:
'Regressemos, professor, as aulas nos esperam'.
„”Ainda não, Tião, receberemos um amigo. Ei-lo!

É um dedicado médico espiritual, ele medicará a todos os seus e com os remédios que ganharam ficarão mais fortes e sadios.'
"O doutor Aníbal era simpático e risonho;
após cumprimentá-lo agradeci, e ele logo passou a trabalhar.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122645
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho - Página 2 Empty Re: RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Nov 03, 2014 11:05 am

'''Vamos, Tião' - disse o professor Eugénio. - 'Jairo, seu irmão, pode trabalhar também, vamos pedir mais esta ajuda' .
"Saímos de casa e logo encontramos os dois socorristas e o professor pediu-lhes:
"'Será que não podem ajudar o outro irmão de Tião a achar um trabalho?'

'''Claro que sim, faremos o possível, com satisfação.'
'''Então, Tião? Como se sente agora?' - indagou o professor.
'''Estou feliz e grato.

Mudei, melhorei meu comportamento, aprendi a confiar e com boa vontade passei a estudar;
quero logo que possível ser um socorrista, ajudar encarnados, não só meus familiares, mas todos os que pedem e necessitam.'

"Na minha última visita a eles, a diferença era grande.
Com o tratamento do doutor Aníbal e os remédios que o farmacêutico deu, e agora mais bem alimentados, estão sadios, fortes, mamãe até remoçou.

Com a ajuda do professor, escutei-a orar, dizia:
'Estou tão feliz agora, sei que “meu Tião que nos ajudou juntamente com Santo António.
Sofri tanto vendo meu filhinho sofrer, pedaços difíceis passamos, agora tudo melhora, graças a Deus'.
"Ajuda, Raul, sempre temos e você a terá, não se entristeça, e acredite, seus problemas serão solucionados, peça ajuda e confie."

Tião deu por finalizada sua história, todos o ouviram com atenção.

Foi quando Pedro indagou ao professor:
-Professor Eugénio, por que diziam que Tião fazia milagres se ele nem estava lá?
E Santo António?

Ninguém o viu por lá e nós nem o vemos por aqui.
Não foram os dois socorristas e o senhor que os ajudaram?
Por que dizem ser Tião e Santo António?

A curiosidade foi geral e o professor esclareceu-nos:
-Todos nós estamos na Terra para aprender, amar e crescer, caminhar para o progresso.
Infelizmente, uns param no caminho, negando-se a aprender, outros teimam em praticar o mal.

Há porém os que, aproveitando as oportunidades que oferecem as encarnações, engrandecem no bem e passam a trabalhar, ajudando, tornam-se missionários de luzes e bênçãos.
Há, queridos alunos, muitas moradas na casa do Pai, neste imenso universo, são muitos os planetas habitados e também há as diversas formas de viver, após o corpo carnal ter morrido.

Cada espírito mora onde seu fluido o atrai, onde se faz merecedor.
No plano espiritual da Terra há os umbrais, onde moram temporariamente os maus.
Há os locais de estudo como aqui, nesta colónia, e há esferas superiores onde estão os grandes missionários em ajuda constante aos necessitados da Terra.

Como António de Pádua, Santo António, que tantas ajudas faz e muitos fazem em seu nome.
Os diversos milagres acontecidos entre encarnados nada mais são que trabalhos para aqueles que fazem o bem, não interessa a quem se peça, interessa somente ajudar.

O professor Eugénio fez uma pequena pausa, entreolhamo-nos, admirados.

Exclamamos:
-Milagres, trabalhos, professor!
-Sim - continuou a elucidar -, milagres são trabalhos, trabalhos dos espíritos bons, dos socorristas que auxiliam sempre, como os dois amigos que Tião e eu encontramos.
Entre uma e outra encarnação, os espíritos passam um período no plano espiritual, é o que se designa por erraticidade:
os maus perturbam, os bons fazem o bem e aproveitam para aprender sempre.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122645
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho - Página 2 Empty Re: RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Nov 03, 2014 11:05 am

Chamamo-los de socorristas, porque muito trabalham e não querem outro pagamento a não ser a vontade de serem bons e servos de Jesus.
Trabalham em toda parte, nos umbrais, nos postos de socorro e também ajudam os encarnados;
muitas vezes, atendem aos chamados de fé em nome das diversas entidades conhecidas na Terra.

Há grande concentração de socorristas em lugares de romaria onde muitos oram e fazem pedidos.
Esses abnegados trabalhadores atendem em nome de Nossa Senhora, dos diversos santos, de Jesus etc.
Os bons acodem sempre.

Querem um exemplo?
Se uma pessoa em perigo pede socorro por Nossa Senhora, um bom espírito por perto, se puder, a socorre.
Sempre estão procurando atender aos que pedem.
Se os pedidos são mais complexos, são encaminhados a ministérios próprios e analisados pelos que lá trabalham.
Para serem atendidos, são levados em conta alguns critérios.

"O que pede é bom para ele?"
Às vezes, pede-se uma graça que seria um bem no momento, mas causa de dor no futuro.
Pedem fim de sofrimentos, doenças e às vezes não se pode interromper o curso de seu resgate.
Também é levado em conta, se recebida a graça, o pedido feito, a pessoa melhora se voltando mais para o Pai.

Se aprovado, vão os socorristas e ajudam a pessoa, não importando para quem foi feito o pedido, embora haja equipes que trabalham atendendo aos pedidos a Nossa Senhora, santos do lugar etc., e podendo também ser atendidos pelos próprios santos, que nada mais são que servos de Jesus.

Tudo é trabalho e para isso vocês aqui aprendem a fazer o bem, porque é necessário saber para fazer.
Nem todos aqui serão socorristas em trabalho a encarnados, poderão escolher este ou aquele estudo, estudar mais, ser professores, reencarnar etc., mas para onde formos teremos oportunidades de servir, ajudar.

- Professor - disse Henrique, aluno aplicado e estudioso -, há também as promessas, minha tia vivia fazendo promessas. É errado?
- Promessa é troca, faça isso que eu faço aquilo.
Aqui, nós não necessitamos de trocas, tudo é feito com carinho e amor.
Deus, Jesus, os socorristas não estão interessados em pagamento, mas sim em fazer o bem e melhorar espiritualmente os encarnados.

"O pagamento de promessas fica na consciência de quem as fez e há tantas pessoas que por não as cumprirem se consideram devedoras e, desencarnando, não conseguem ter paz por se sentirem ingratas, em dívida com as graças recebidas.

Todos nós somos carentes de graças e auxílios; devemos pedir o que necessitamos em orações," com humildade, não com trocas.
Se quiserem ir a lugares, " fazer orações, façam, mas não condicionando a receber isto ou aquilo.
O que os bons espíritos querem realmente, quando ajudam, é a melhoria de cada um, aumentar a fé, a confiança, e torná-los mais conscientes das forças do bem.

Mas, Henrique, algumas pessoas que fazem promessas ignoram quase sempre esse ato de trocas, fazem promessas com fé, por isso são tão atendidas.
No futuro, amadurecidos e conscientes do que é o milagre, não existirão mais promessas.
É o que acontece em relação ao Tião, que aqui connosco, em aprendizado, não pode fazer o que lhe pedem.

É que as pessoas que o conheceram viram o quanto sofreu com resignação, pedem-lhe graças, confiantes de serem atendidas, e os trabalhadores do bem as atendem, conforme fazem jus, como os dois amigos socorristas que encontramos."

Satisfeitos com a explicação, tendo outra visão, a real, dos milagres, ninguém mais fez perguntas e o professor Eugénio deu por terminada a aula.
Mas Tião levantou-se novamente e pediu para falar.

-Quero ser socorrista quando tiver concluído meu estudo, quero ir ajudar os encarnados.
Quero também dizer mais algumas coisas a você, Raul.
Se tem leves recordações de seu passado e sente que não lhe foi feita injustiça, você está certo.
O passado está em nós, somos consequência dele, das diversas existências que tivemos encarnados na Terra.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122645
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho - Página 2 Empty Re: RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Nov 03, 2014 11:05 am

Comigo não houve injustiça, nunca há.
Sofri muito, apodreci na carne, senti dores atrozes num corpo de criança, inocente nesta vida de agora, mas não no passado.
Não me foi difícil recordar tudo.

Fui no passado um sacerdote católico e tive por amante aquela que depois me serviu de mãe.
Não estava muito convicto de minha fé e amava-a como mulher, não quis deixar o sacerdócio, que me proporcionava boa vida e respeito; nós nos encontrávamos às escondidas.
Eu tomava, na época, conta de uma instituição de caridade, um abrigo de crianças doentes, principalmente leprosas ou filhos de leprosos que não podiam viver com os pais e que ninguém queria.

Minha amante, ambiciosa, queria dinheiro, muito dinheiro, e para satisfazê-la desviei as verbas da instituição para dar a ela.
Deixei as crianças sem conforto, sem remédios, até sem alimentos, enquanto ela se tornou rica, senhora de escravos e luxo.

"Desencarnamos, sofremos horrores por nossos actos, acabamos culpando um ao outro pelo sofrimento e passamos a nutrir grande ressentimento.
Depois de muito tempo, fomos socorridos, orientados, entendemos a amplitude dos nossos erros e pedimos para reencarnar.
Viemos juntos para que o rancor acabasse, como dois irmãos, filhos de leprosos; e, por não termos com quem ficar, contraímos a lepra e desencarnamos crianças.

Não nos sentimos, porém, quites com nossa consciência;
outra encarnação benéfica nos foi concedida, e voltamos.
Vencemos nesta, aprendendo a amar com pureza, sofremos, resignados, dando valor a todos os benefícios recebidos e resgatamos ceitil por ceitil.

Senti, Raul, no corpo o que fiz os outros sofrerem, tirando por ambição o que poderia ser alívio para doentes de outrora.
Como vê, tudo é muito justo.
E ter oportunidade de quitar, reparar nossos erros, é a bondade infinita de Deus, que não nos condena, mas faz com que, resgatando, aprendamos pelo amor ou pela”. dor.

Raul, coragem, peça com fé o que almeja receber, peça ajuda e confie.
E poderá ajudar sua mãezinha."
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122645
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho - Página 2 Empty Re: RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Nov 03, 2014 11:05 am

AJUDANDO MINHA MÃE

Tião calou-se, estávamos todos emocionados com a narrativa do nosso companheiro.

Aproveitei o incentivo, olhei para o professor e disse em tom de súplica:
-Ajude minha mãe, professor. Deixe-me ajudá-la!
Mesmo se com essa ajuda tiver de sofrer!
Não sofrerei mais que agora, sabendo que ela não está bem.

-Raul, o estado de sofrimento é consequência do nosso livre-arbítrio, os bons não gostam de ver sofrimento, mas nosso livre-arbítrio é respeitado, assim como o sofrimento.
A ajuda que socorristas fazem é respeitando a liberdade de cada um.
Podemos aconselhar sua mãe a perdoar, mas não obrigá-la. Entendeu?

-Sim, senhor, entendo e acho justo; mas, se puder falar com ela, saberei fazer com que entenda.
-Raul, sua mãe acha-se em estado de perturbação.
Julga-se encarnada, sabe que você desencarnou e pode ter medo ao vê-lo.

-De mim, seu filho?
-Tantas pessoas, Raul, que muito amam, sofrem terrivelmente com a separação, mas temem e não querem ver os entes queridos que desencarnaram.
Com sua mãe, pode ocorrer o mesmo.

-Sim, se mamãe ficasse com medo de mim, não saberia o que fazer - respondi, sincero.
Não sei o que fazer se ela me temer.
Entendo como são certos os dizeres que, para ajudar, é necessário saber, vontade não basta.
Farei qualquer sacrifício por ela, professor, mas nada conseguirei sem ajuda.

O professor Eugénio sorriu, com aquele sorriso que nos cativava tanto, olhando-me cheio de carinho.

-Levarei você, Raul, até sua mãe.
Pedirei para que amanhã mesmo o professor Lourenço me substitua no tempo em que me ausentar;
levarei você e procuraremos ajudar sua mãe.

Senti-me contente, confiante, minha vontade era de abraçá-lo; contive-me e falei, emocionado:
-Agradeço seu carinho, professor Eugénio, confio em sua sábia ajuda, tanto que prometo na volta contar a todos como foi.
E tenho a certeza de que traremos minha mãe.
Mas prometo não me entristecer nem desanimar, se não o conseguirmos.

-Oraremos e vibraremos por vocês - disseram em coro meus colegas.
A aula terminou, corri para perto de vovó, contei contente tudo o que se passou na classe, vovó sorriu, orientando-me:
-Raul, o professor Eugénio é bondoso demais, interessadíssimo nos problemas de seus pupilos, ele é conhecedor dos sentimentos humanos, confio que poderá ajudar minha Manuela.
Mas, meu neto, não se decepcione se não impositiva a primeira tentativa.
Tenho estado sempre com ela, quero ajudá-la e ela não quer receber ajuda.

Vá, meu querido, faça tudo conforme o professor orientar.
Lembro a você que sua vida continuou, e conte com a certeza de que continuou para os familiares encarnados.
Não queira ficar no antigo lar.

-Claro que não, sei que eles não me verão, depois nada lá me prende.
Gosto de minhas irmãs, de Pretinha, e sei do perigo que representaria para elas se lá ficasse sem o devido preparo.
Quero ir mesmo para convencer mamãe a perdoar e prometo à senhora que seguirei com fidelidade as ordens dele.
E, se não conseguirmos desta vez, não desistirei, até tê-la connosco.
-Que Deus os abençoe!
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122645
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho - Página 2 Empty Re: RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Nov 03, 2014 11:05 am

Esperei ansioso pelo dia seguinte, não consegui esconder a emoção.
Logo pela manhã fui ao encontro do professor e, ao vê-lo, senti meu coração bater forte.

-Tudo pronto, Raul? Está bem?
-Sim, mas sinto meu coração bater forte, como se estivesse encarnado.
-O perispírito serve de modelo ao corpo.
Necessitamos de tempo para nos desvincular das coisas a que estamos acostumados.
Temos o reflexo do que somos, e a impressão do corpo carnal acompanha-nos.

Observe, Raul, que vamos nos desprendendo aos poucos da necessidade de comer, de dormir, e tantos como sua mãe sentem ainda frio, calor e dores.
O perispírito é matéria rarefeita, perfeita, belíssima; é natural que, emocionado, sinta como se o coração do corpo físico batesse; é que acelerado está o coração do seu perispírito. Vamos?
Avisou sua avó?
-Avisei, sim. Está torcendo por nós.

O professor Eugénio pegou nas minhas mãos, conduzindo-me, e volitamos.
Vi do alto a colónia e achei-a enorme, achei-a ainda mais encantadora com seus jardins e prédios.
Logo vi a Terra e deslumbrei-me com a visão dos sítios que conhecia;
chegamos às proximidades de meu antigo lar, entre as árvores do campo.

Suspirei contente, observei tudo e logo a vi.
Embaixo de uma árvore, sentada no chão, estava mamãe, triste e pensativa.
Ao vê-la, lembrei-me do poço, estava com o mesmo vestido, toda suja, com manchas de sangue, cabelos despenteados.
No peito sangrava o ferimento da faca.
Esperava vê-la assim, mas não deixei de me afligir, olhei para o professor, pedindo ajuda.

-Por que, professor, sangra seu ferimento?
-Não perca a confiança nem a serenidade, Raul.
O ferimento sangra porque ela o alimenta e conserva com seu rancor.
Olhei para minha mãe com todo o meu carinho.

Pensei: "Por que ela não consegue perdoar?"
Não a entendia, é tão fácil entender as ofensas quando queremos.
Ela era vítima e sofria mais que o agressor, no momento, por não fazer o que Jesus tanto recomendou: perdoar sempre.

Indaguei meu mestre:
-Ela não nos vê?
-Raul, nossa vibração é muito diferente da dela.
Nós podemos vê-la, ela não.
Manuela vê encarnados e desencarnados da mesma faixa vibratória dela.

Nos maus, espíritos perturbados e sofredores, a vibração é mais grosseira, quase material, enquanto nos bons, nós que aprendemos, moradores de planos mais elevados, a vibração é mais rarefeita, suave.
Espíritos como o de sua mãe, no momento, não vêem os bons, por isso são levados a centros espíritas para uma incorporação, e ao se confrontarem com o corpo carnal vêem que estão diferentes, entendem que estão desencarnados e vêem, então, os bons que querem ajudá-los.

Podemos também agora descer à vibração dela e tornarmo-nos visíveis, já que ela não consegue chegar a nós.

-Como poderei fazer isso?
-Ajudá-lo-ei: antes de se tornar visível a ela, lembre-se, Raul, de que poderá Manuela aceitá-lo, ou temê-lo.
Agora, vamos, é só pensar forte com atenção em você, no estado em que estava no poço, procure sentir-se daquele modo, sujo, machucado, queira.

Pensei firme e fui me transformando, senti-me mais pesado.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122645
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho - Página 2 Empty Re: RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Nov 03, 2014 11:06 am

-Vamos, Raul, pense, o perispírito pode ser maleável, você pela vontade pode transformá-lo.
Sentindo-me diferente, abri os olhos, olhei para meu corpo.
Estava com as roupas rasgadas, sujas, as mesmas do dia em que desencarnei, estava ferido e com uma sensação de autopiedade invadindo-me.

Pensei:
"Fiquei todo machucado, coitado de mim!”
Bastou isso para que começasse a sentir dores.

O professor interferiu, enérgico.
-Não, Raul, não deixe a autopiedade o dominar;
vamos, reaja, esse não é o seu estado, está assim só para ajudar.

Respirei fundo e pensei na figura do Mestre Jesus, ensinando no monte, na linda pintura que tínhamos na sala de aula.

Relaxei e nada mais senti;
sabia que minha transformação era só para ficar visível à minha mãe, minha forma externa não deveria mudar-me interiormente e eu não poderia ter dó de mim:
nada do que me acontecera fora injusto.

Tranquilo, aproximei-me dela, o professor Eugénio acompanhou-me;
como não abaixou sua vibração, só a mim mamãe veria.

Ficando a alguns passos dela, disse baixinho:
-Mãe, mamãe!

Ela levantou a cabeça, levou um susto ao ver-me.
Arregalou os olhos e ficou com eles parados, a olhar-me.

Torcia as mãos, nervosa, disse em tom aflito, falando rápido:
-Raul, meu filho! Vejo sua alma!
Você morreu naquele maldito dia.
Por que eu não? Tive que ficar!

Procuro ajuda e não acho.
Que sofrimento, meu filho! Vê meu estado?
Ele proibiu que me ajudassem.
Falo a todos que foi ele.

Ninguém acredita nem me ouve.
Raul! Você está sujo e machucado!
Não está no céu? Sofre, meu filho?

Aproveitei a pausa que fez e tentei explicar, falando docemente:
-Mãe, mamãe querida.
Não sofro, estou bem e queria que também estivesse.
Esqueça as maldades que lhe fizeram, perdoe.

Todos nós somos carentes de perdão.
Perdoe, mamãe, peça ajuda a Deus, a Jesus, e faça como Ele, que na cruz perdoou os que lhe mataram o corpo.
Por favor, mamãe, perdoe!
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122645
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho - Página 2 Empty Re: RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Nov 03, 2014 11:06 am

Mamãe agitou-se, parecia mais assustada e gritou.
-Não, você não é meu Raul!
Não tem sossego por não estar vingado?
-Mamãe, quando caímos no poço morremos nós dois.

-Cruz - credo! Você morreu, vi seu corpo frio; o meu, não.
Olhe! Vê? Estou viva.
Sempre tive medo de alma do outro mundo, de morto.
Ai... Vou vingar você, Raul. Manuel irá pagar.

Saiu correndo desesperada, com medo.

-Volte a ser o Raul do Educandário - ordenou com voz firme o professor Eugénio.
Pense em você lá na nossa classe.

Rapidamente me transformei, suspirei aliviado e esforcei-me para não desanimar; tentei sorrir.
-Ela teve medo de mim!
O professor sorriu, confortando-me.
-Vamos procurá-la novamente, serei eu a conversar com ela.
Não me conhecendo, julgará que sou encarnado e pode ser mais fácil.

-Mamãe está muito perturbada, professor.
Foi sempre gentil, educada. Expressa-se de modo estranho!
-Sua mãe está temporariamente perturbada, pelo que lhe aconteceu, pelo sofrimento.

-Será que ela perdoará?
-Claro que sim. Manuela sofre e sente-se só, abandonada, não será difícil fazê-la entender.
Não é má, não procurou ajuda de vingadores nem se uniu a espíritos trevosos.

-Vingadores? -Estranhei.
-Sim, denominam-se vingadores os grupos que se reúnem nos umbrais, que se dedicam com todo o ódio e rancor a vingar as ofensas e ajudam os supostos ofendidos que os procuram.
Em casos assim, nossa interferência é mais trabalhosa, mas realizável.
Manuela não está bem certa se quer realmente se vingar.

-Vamos, vamos até ela.
Não a vejo, sumiu, sabe onde está?

Ele sorriu, entendi que sim. Se viemos da colónia e achamo-la facilmente, sabia sem dúvida aonde ela fora.

-Andemos agora, Raul.
Estar novamente naqueles campos, onde brinquei tanto com meus amigos, fez com que parasse e olhasse tudo com saudade.

Não podemos fugir da saudade, mas sim controlá-la;
não devemos deixar que ela nos machuque e entristeça nossos dias.
Quando queremos bem a alguém, gostamos de certos lugares;
é humano sentir saudades.
Mas devemos lutar para não deixar esse sentimento nos prejudicar o crescimento espiritual.

-Um dia, Raul, terá igualmente saudade do Educandário, quando de lá se ausentar.
Poderá até estar encarnado e não saberá ao certo do que tem saudade, seu espírito é que estará saudoso.
Acostume-se já a dominar esse sentimento, dê mais lugar no seu coração ao amor, deixe que esse sentimento puro domine todos os outros.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122645
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho - Página 2 Empty Re: RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Nov 03, 2014 11:06 am

Olhe para esses lugares e os ame.
Não pense que os perdeu, pense que os ama, ama muito cada lugar, cada pessoa, e a saudade se tornará suave.
Aprendendo, estamos fazendo nosso presente, e o futuro é esperança.

Sorri agradecido, fiz o que ele me sugeria, não me foi difícil, amava tudo, só que não sabia.
Deixei transbordar meu amor e não senti mais saudade.
Os acontecimentos materiais estavam no passado, o presente para mim era importante e enchi-me da esperança de conseguir ajudar minha mãe.

-Professor - indaguei enquanto caminhávamos -, existem muitos desencarnados sofrendo como minha mãe?
-Infelizmente, Raul existem sim.
São os imprudentes que, encarnados, construíram sua casa, seus valores, na areia.
Vem a morte do corpo e tudo lhes parece ter desmoronado, é grande a ruína.

Todas as religiões orientam para que sigam o caminho do bem, do amor, mas a estrada é estreita e, não tendo coragem para abandonar a vida fácil, as muitas ilusões da carne, ao desencarnarem sofrem no plano espiritual, seja pelas maldades que fizeram, seja pelo orgulho e egoísmo, ou, ainda, pelo bem que deixaram de fazer e por não terem coragem e confiança suficientes para perdoar as ofensas recebidas.

-Sinto pena deles!
-São as más obras, maus actos, que causam sofrimentos.
Somos livres para escolher.
Muitos sofrem, mas o bem está em toda parte e ninguém fica sem socorro se pedir com sinceridade, com o propósito sincero de melhorar.

Aproximamo-nos do meu antigo lar;
estava modificado, fora pintado recentemente, feito muro em volta, posto portão.
Mamãe muitas vezes pedira a meu pai para fazer essas modificações, mas ele respondia que a casa estava bem desse jeito.

Estava agora mais bonita, parecia-me maior.
O professor pegou na minha mão, atravessamos o portão fechado e a porta da sala, achei interessante.

-Que legal! - exclamei. - Posso fazer de novo?
-Sim, pode. Nossos corpos, agora, Raul, são de uma matéria rarefeita.
Corpos carnais e esta casa são de matéria condensada.
Facilmente nós, desencarnados, podemos atravessá-la, é só ter consciência disso e querer.

-Mamãe consegue atravessar paredes?
-Não, sua mãe se julga encarnada e encarnados não atravessam paredes, portas fechadas.

Da sala fomos à cozinha, onde encontramos Pretinha preparando o jantar.
Pondo em prática a lição do amor, olhei-a com muito carinho, desejei sinceramente felicidade a ela.
Minha amiga encarnada suspirou aliviada, sorriu e continuou sua tarefa com mais satisfação.

Fomos ao quarto de minhas irmãs.
Telma e Taís estavam bem, com roupas novas e muitos brinquedos;
mas pareceram-me tristonhas, brincando caladas, sentadas no chão.

-Suas irmãs estão bem;
vamos, Raul, sua mãe chora na escada que dá para o quintal.
Mamãe estava sentada toda encolhida num canto da escada.

Chorava e dizia: "Elas não me reconheceram.
É porque estou suja e machucada. Deveria ir ao médico.
Nem Pretinha falou comigo. Por quê?
Por quê? Fingiram que não me viram.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122645
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho - Página 2 Empty Re: RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Nov 03, 2014 11:06 am

Deve ser isso, Manuel deve ter falado que estou louca e que fui eu quem matou Raul.
Deve ter inventado uma boa história para que elas não conversem comigo.
Todos devem ter medo de mim".

Olhei para o professor, ele orava em silêncio, e foi se modificando.
Mudou suas roupas, ficou parecendo um lavrador pobre.
Ficou na frente de mamãe, na escada, falou-lhe com voz harmoniosa e com muito carinho.

-Por que chora, filha?
Está muito machucada, não dói?
Minha mãe levantou a cabeça e viu-o; curiosa, observou-o. bem e indagou:
-Quem é o senhor? Não o conheço, nunca o vi.

-Sou um peregrino.
Ando por este mundo de Deus. Quer ajuda?
-Quero! Ou é o senhor quem quer?
Não tenho nada para dar-lhe e...
-Não quero nada, senhora, tenho tudo do que necessito.

-Sinto que o senhor é bom.
Mas como poderá me ajudar?
Nem sei como começar, sofro tanto.
Perdi meu filho há poucos dias.

Minha mãe perdera a noção do tempo;
aqueles meses pareceram-lhe dias.
Isso é comum a espíritos perturbados.
O professor, mostrando-se amável, continuou a conversar normalmente.

-Sei avaliar a dor de uma mãe.
Tudo é mais fácil para os que têm fé.
Não acredita em Deus, senhora?
Ele é Pai de todos nós, meu, da senhora, de seu filhinho.

Não diga que o perdeu, não pertencemos a ninguém, filhos não são propriedades nossas, guardamo-los por um tempo que o Pai determina, encontrará com ele um dia.
Não fique triste assim, senhora, venha comigo, cuidarei dos seus ferimentos.

-Não posso ir, não devo sair daqui, esta é minha casa.
Não choro só pela morte dele. Tudo me é tão triste.
Meu filhinho morreu e foi o próprio pai quem o matou.
Não se espanta? Não acredita?

-Acredito, sim, senhora, sei que fala a verdade.
Não acha, porém, que se pode matar só o corpo e não a alma?
É que seu filhinho vive em outro lugar?

Mamãe relaxou mais, sentou-se direito, ignorou a indagação que o professor lhe fizera e começou a falar.
Muito confusa, às vezes não terminava a frase, mudava de assunto, mas contou sua história, revelando episódios que eu desconhecia.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122645
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho - Página 2 Empty Re: RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Nov 03, 2014 11:06 am

-Nasci perto daqui, numa bonita fazenda.
Meu pai era muito enérgico e estava sempre distante.
Mamãe, não, pessoa bondosa, deu-me muito carinho.
Fui prometida em casamento mocinha ainda, me alegrei.
Logo amei Manuel, meu noivo, e sentia que era correspondida.

Faltava pouco tempo para nosso casamento, quando um dia, ao voltar de visita que fizera a uma doente, mulher de um dos nossos empregados, fui atacada por um homem;
sem conseguir reagir, fui violentada.

Encontraram-me toda machucada.
Mamãe cuidou de mim com carinho, meu pai quis saber quem fora.
Não o conhecia, mas o descrevi e ele foi procurar o tal homem com mais dois empregados;
encontrando-o, matou-o com dois tiros de espingarda.

Não conseguimos esconder o facto e passei de vítima a uma pessoa marcada, como se tivesse errado.
Meu pai chamou meu noivo e contou-lhe tudo;
porém, para meu alívio, ele ainda quis casar comigo.

Meu pai não conversou mais comigo, evitava-me, só mamãe continuou a tratar-me como sempre.

Dois meses depois, casei.
Logo engravidei e Raul nasceu após nove meses de casada.
Manuel mudou comigo, não era o noivo prometido que conhecia.
Não gostou do filho, torturava-me dizendo que ele era do tarado e eu jurava-lhe que não.

Dizia-lhe:
existe criança de sete meses, mas não de onze!
Era brusco, grosseiro comigo.
Nem olhava para o filho e, se o menino chorava à noite, tinha de sair do quarto.

Quando fiquei grávida novamente, apavorei-me, porém Manuel agiu diferente, com as meninas tinha paciência, chegando a levantar-se à noite para me ajudar a cuidar delas.
Meu pai morreu. Vim saber por mamãe que Manuel casara comigo por ter recebido uma rica recompensa, papai pagou-lhe para que casasse comigo.

Minha mãe, com dó do meu Raul, pediu-nos para que o deixássemos com ela.
Minha mãe levou-o e criou-o.
Manuel nunca foi vê-lo ou quis saber dele.

"Minha vida nesses anos transcorreu mais tranquila, até que mamãe morreu e meu filho retornou ao lar.
Manuel logo demonstrou a raiva que sentia por ele, passou a maltratá-lo, a surrá-lo, sem nenhum motivo.
Minha vida toda de casada foi tentando agradar meu esposo;
trabalhei muito, tornei-o mais rico e cada vez tratava-me pior.

Até que se apaixonou por outra, por uma moça que mudou com a família para nossa cidade.
A desavergonhada queria casar, e ele, com medo de perdê-la, armou um plano.
Começou a tratar-me melhor e também ao filho.
Numa tarde chamou-nos para um passeio, feriu-me com a faca, jogando-me no poço abandonado e, depois, fez o mesmo com próprio filho.

Este, coitadinho, não resistiu e morreu.
E, não satisfeito, sabe o que ele fez?
Disse a todos que fui eu a matá-lo, que estou louca, e todos fogem de mim, não conversam comigo.
Só o senhor me escutou e estou abusando, falando, falando."
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122645
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho - Página 2 Empty Re: RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Seg Nov 03, 2014 11:07 am

-Não, irmãzinha, não está abusando, gostei de escutá-la.
A senhora precisa de ajuda.
Não se lembra de Deus? Não ora?
Não recorda os ensinos de Jesus, esse grande missionário?
Sofreu tanto, perdoou a todos e pediu que fizéssemos isso também.
Por que a senhora não perdoa a seu esposo? Raul já perdoou.

-Raul? Como sabe o nome de meu filho?
-A senhora mesma falou.
Se ele era bom como diz, um anjinho, perdoou.
Os bons perdoam sempre, faça isto, perdoe também.

Minha mãe ficou quieta por alguns instantes, parecia pensativa.

De repente levantou-se e disse:
-A polícia! O delegado!
Vou dar queixa dele, terão de prendê-lo.

Saiu apressada, nem se despediu, olhei triste para o professor e disse:
-Não sabia dessa história, agora entendo o porquê de meu pai não gostar de mim.
-Sua mãe disse a verdade:
você, Raul, é realmente filho de Manuel.
Esse ódio não é por isso, está ligado ao passado de vocês. Vamos acompanhá-la.

Mamãe andava rápido, seguimo-la de perto, ia repetindo que tinha de contar ao delegado.
Perto da delegacia dois desencarnados, com jeito de poucos amigos, cercaram-na, segurando-a pelo braço.

-Venha cá, belezura! - disse um deles.
-Vamos passear um pouco - disse o outro.
Somos todos assombrações.
Mamãe apavorou-se com o assédio dos dois, começou a debater-se.

O professor Eugénio aproximou-se, os dois pararam desconfiados olhando um para o outro, saíram correndo.
-Está protegida pelos bons, vamos embora!

Mamãe chorava baixinho, assustada, com dores e fraqueza, não quis ir mais para a delegacia;
vagarosamente, de cabeça baixa, voltou para nosso antigo lar.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122645
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho - Página 2 Empty Re: RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Nov 04, 2014 10:28 am

O LOUCO

Mamãe ficou novamente na escada chorando, aproximamo-nos dela.

-Raul, estenda suas mãos sobre ela e pense que quer vê-la tranquila a dormir.
Fiz isso, o professor também; mamãe parou de chorar.
Foi se acalmando, deitou-se no chão e dormiu.

O professor Eugénio pegou-a no colo e acomodou-a num leito que tinha no porão de minha ex-casa.
Entramos em casa, meu pai estava na sala, tranquilo, pareceu-me feliz, ao seu lado uma moça bonita que tentava cativar minhas irmãs, Taís e Telma, que a olhavam desconfiadas e aborrecidas.

-Será esta a mulher de que mamãe falou?
Ela o ajudou a nos matar?
-Esta é Margareth, amante de seu pai, candidata a esposa.
Ela não é má, somente ambiciosa e frívola.
Não sabe de nada, no começo desconfiou de seu pai, porque ele pediu que dissesse, se alguém lhe perguntasse, que passara com ela a tarde do crime.

Explicou que andava desconfiado de que a esposa o traía e que a seguira naquela tarde.
Logo, porém, perdera-a de vista.
Mas depois que prenderam o "Louco", Margareth acreditou nele e ficou muito contente por Manuel estar livre, e tudo faz para que se case com ela.

Margareth levantou-se, dirigiu-se à cozinha, seguimo-la.
Pretinha lavava a louça.

Margareth, procurando ser amável, disse-lhe:
-Pretinha, qual o seu salário?
Pretinha gaguejou, falou a quantia meio encabulada.

-Só?! Se você me ajudar fazendo com que as meninas gostem de mim, casarei com Manuel e dobro seu ordenado.
Terei outra empregada para lavar roupas e não farei quitutes para o armazém, seu serviço diminuirá.
Se fizer o que lhe peço, falando bem de mim a elas, dar-lhe-ei roupas minhas, tratá-la-ei sempre bem.
-Sim, sim, senhora.

Ela saiu e Pretinha enxugou do rosto as lágrimas que caíam, resmungando baixinho:
"Nem fez um ano que dona Manuela e o menino Raul morreram e ele já fala em casar-se.
Se não tivessem prendido o Louco e este confessado, julgaria que fora ele, o patrão, que matara os dois.
Até hoje não entendo o porquê de dona Manuela ter largado de fazer os bolinhos e ter saído com Raul; ela nunca fizera isso".

Abracei Pretinha com muito carinho, desejei-lhe tranquilidade e esperança para o futuro.
Após alguns segundos, o professor tocou-me o ombro.

-Vamos, Raul, viemos ajudar sua mãe, não deve se preocupar com eles aqui.
Pretinha é bondosa e trabalhadeira.
Margareth gosta mais é de ter alguém para trabalhar por ela, agradará Pretinha para tê-la fazendo isso.
Para suas irmãs, será boa madrasta, as meninas são boazinhas, seu pai as ama e não permitirá que ninguém as maltrate.

-Professor Eugénio, ele não tem remorso?
Está como se não tivesse feito nenhum mal.
-Quem faz o mal um dia cairá em si, lembrará o mal feito.
A vez dele chegará.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122645
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho - Página 2 Empty Re: RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Nov 04, 2014 10:28 am

-E ele vai casar com Margareth?
-Sim, estão apaixonados.
-Professor, é incrível como o senhor sabe tudo, descobriu onde mamãe estava, conhece tudo.

-Não pense, Raul, que sou adivinho. Nada é impossível.
Ontem à noite estive aqui e sua avó deu-me as informações precisas, analisei tudo para melhor ajudá-lo.
Saber de todos os detalhes e onde uma pessoa se encontra não é difícil.

Como sua avó, dona Margarida, me informou, sua mãe só fica por aqui e basta-me pensar nela para localizá-la foi fácil.
Para os desencarnados nada é impossível, tudo é trabalho e dedicação.

-Escutei, por duas vezes, falar do Louco.
Prenderam o Louco que nos matou.
Quem é ele? Por que está preso se não foi ele?

-Sua mãe dormirá por horas, descansará, aproveitemos para conhecer o Louco. Vamos à prisão.

A prisão da cidade era pequena e antiga, quatro celas, três presos, um em cada uma.
Não era um lugar agradável de visitar, não a conhecia, nunca tinha estado numa cadeia.
Ambiente triste e pesado, alguns desencarnados ali estavam vampirizando com ódio um dos presos por este ter-lhes tirado a vida física.

Não nos viram, lembrei-me da explicação do professor: nossa vibração era diferente.
Entramos numa das celas, não havia nenhum desencarnado, estava ali um homem, barba por fazer, magro, cabelos louros encaracolados, andava de um lado para outro, inquieto.

A camisa aberta deixava ver suas costelas, usava sandálias de couro cru e calças nas canelas.
Seus olhos azuis pareciam duas contas, bonitos, tristes, demonstrando pelo olhar sua agitação interior.

Simpatizei com ele, indaguei ao meu mestre:
-Quem é este homem?
-Este é o Louco - respondeu meu instrutor.
-Será inocente? Nem tanto como se pensa.
É um doente mental.
Seu espírito culpado perturbou-se e ao encarnar transmitiu à matéria sua perturbação. .

O Louco começou a falar:
"Matei-os, matei-os, enfiei a faca neles, matei-os!"

Assustei-me ao ouvir o que dizia.
-Este pobre irmão fala sempre isso, Raul, repete a todo instante.
Recorda partes de acontecimentos do passado.
Matou, sim, não agora nesta encarnação, mas na sua outra existência.
Vamos auscultá-lo, contarei a você a história dele, quer?
-Sim, quero.

O professor Eugénio deu-lhe um passe, vi das suas mãos saírem raios prateados.
O Louco aquietou-se, parou de andar, pegou um prato de comida que estava na mesa e comeu;
depois se deitou na cama e ficou olhando para o tecto com os olhos muito abertos.

Sentamo-nos perto dele, meu instrutor começou a falar:
-João Felipe, é este seu nome.
Em 1712 estava encarnado, era oficial da corte;
imponente, orgulhoso, julgava-se bonito, honesto e com a certeza de uma brilhante carreira.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122645
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho - Página 2 Empty Re: RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Nov 04, 2014 10:28 am

Esperava uma promoção, que julgava merecida e justa, para logo.
"Um dia, estando de folga, passeava pelo campo a cavalo, ia admirando a estradinha toda arborizada que era caminho de alguns sítios, onde pessoas endinheiradas tinham casas para passar o verão, sonhando um dia em residir ali.

De repente, uma criança saiu do meio das árvores atravessando à sua frente.
Seu cavalo assustou-se, empinou, e o menino, amedrontado, parou também.
Sem que João Felipe pudesse evitar, o cavalo pisoteou a cabeça do garoto.

Conseguindo finalmente dominar o animal, desceu do cavalo, amarrou-o numa das árvores e aproximou-se da criança.
Percebeu que estava morta, batera com a cabeça numa pedra, além das pisadas do cavalo.
"Ajoelhado estava junto ao menino quando escutou um barulho.

Virou-se e viu que atrás do garoto vieram uma mulher e uma menina de uns seis anos.
A mulher estava muito bem vestida.
Ao chegar à estrada parou, assustada, depois se debruçou sobre o menino, que tinha três anos, começando a chorar baixinho.

João Felipe reconheceu-a, era a esposa de seu comandante.

Sentiu um frio pelo corpo e exclamou:
'Estou perdido!'
"Procurou dominar-se.

Pensou rápido, não poderia deixar que contassem o que viram.
Ele não tivera culpa. Quem, porém, iria acreditar nele?
E conhecia bem o comandante, era vingativo e mau.

"Tirou sua faca da cinta e friamente golpeou a mulher pelas costas.
Retirando a faca, rápido avançou sobre a menina, que estava a alguns passos parada, não entendendo o que acontecia;
estava mesmo olhando para o outro lado e nem vira a mãe morrer.

Enfiou a faca no peito da menina, retirou-a e limpou-a nas roupinhas da criança.
Montou no seu cavalo, retornou rápido para a cidade, deixando os três mortos na estrada.

Três horas depois só se falava nos crimes cometidos e todos os oficiais saíram à caça do assassino ou assassinos.
João Felipe, de licença, apresentou-se, como muitos outros, procurou acalmar-se, chefiou um grupo de buscas.
Ninguém vira nada, empregados da casa, preocupados com a demora da senhora e das crianças, saíram para procurá-los, achando-os mortos depois de horas de procura.

Era tudo o que se sabia.
As buscas ao autor do crime hediondo continuavam.
O grupo de João Felipe encontrou um débil mental sentado numa pedra, era um andarilho.

“É ele! Parece um assassino!' - gritou João Felipe, exaltado.
'”É só um louco inofensivo' - disse um de seus colegas.
"'Vamos revistá-lo!'

"João Felipe desceu do seu cavalo e os outros ficaram conversando.
Começou a revistar as coisas do pobre homem, que os olhava e ria se divertindo.

João Felipe, vendo que ninguém o observava, com cuidado tirou a faca de sua bota, lugar onde a escondera, e, fingindo tê-la tirado dos pertences do débil, gritou:
"'Olhem! Olhem o que encontrei!
Uma faca suja de sangue!
Foi você, seu monstro, quem matou a mulher e as crianças?'
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122645
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho - Página 2 Empty Re: RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Nov 04, 2014 10:29 am

"O débil ria.
João Felipe indagava-o balançando a cabeça de cima para baixo e o maluco imitava-o, dando a parecer que respondia de forma afirmativa.

'''Homens, é este o assassino, ele afirma, vamos matá-lo, está com a faca.
Não há mais dúvidas, é o criminoso “'
"Exaltou os companheiros e eles acreditaram.
Pegou uma corda e colocou-a numa árvore.

"'Enforquemo-lo! '
"'Não é melhor levá-lo preso?' - disse um do grupo.
"'Há uma recompensa e o comandante deixou bem claro que queria o assassino morto.
Poupemos mais isso ao pobre pai, ter de matar este monstro.
Enforquemo-lo nós.

"O débil ria.
Colocaram-no em cima de um cavalo, ficou encantado, achando que brincavam com ele.
Colocaram-lhe a corda no pescoço, ele continuava a rir, até que a corda o sufocou, olhou assustado para os oficiais, desencarnou.

Socorristas desligaram-no logo do corpo levaram-no para um posto de socorro, onde foi orientado, perdoando e entendendo que resgatara erros de seu passado.

"O grupo recebeu a recompensa.
João Felipe, por ter descoberto o assassino, foi cumprimentado pelo comandante, que se sentia arrasado com a morte da esposa e filhos.
João Felipe logo foi promovido.
"O assunto foi esquecido, em breve ninguém mais comentava o caso.

João Felipe procurou aplacar sua consciência pensando sempre que fora melhor para o débil ter morrido, parado de sofrer.
E que não tivera culpa da morte do menino, fora ele que atravessara à sua frente, e que a mulher e a menina tiveram de ser mortas, para que ele não fosse prejudicado, senão seria enforcado.

Mas, não tinha sossego, estava sempre intranquilo, amargurado, descontava nos subalternos sua insatisfação.
Tornou-se um comandante duro e implacável.
Não casou, não conseguiu gostar de ninguém, poderia até ter comprado uma casa naqueles sítios que tanto queria, preferiu outro lugar.

Nunca mais passeara no lugar do crime.
Seu antigo comandante achava sempre que lhe devia favor, muito o ajudou.
A mulher, pessoa boa, e as crianças que ele assassinou foram logo socorridas e perdoaram-lhe, crescendo espiritualmente.

Anos depois, seu antigo comandante desencarnou e, ao saber da verdadeira história, voltou-se para ele com ódio feroz.
Obsediou João Felipe que, aos poucos, foi perdendo a razão, foi afastado de seu cargo e acabou louco.
Um de seus irmãos veio tomar conta dele, apossou-se de seus bens e trancou-o num porão, onde viveu por dois anos e desencarnou.

Mas seu obsessor não deu por terminada a vingança, tirou-o do corpo carnal, levou-o para as furnas e muito o maltratou.
A mulher e os filhos do obsessor tudo fizeram para que ele perdoasse e mudasse de vida, até que um dia, cansado de sofrer, desistiu da vingança e retirou-se com seus familiares...

"Pois, meu caro Raul, a vingança é como diz o dito popular: uma faca de dois gumes.
Fere-se e se é ferido, faz sofrer, mas sofre.
João Felipe ficou só, sentiu-se um pouco aliviado com a ausência de seu inimigo e aos poucos foi recordando sua vida, seus erros.

O remorso o corroía e foi aumentando com o tempo, até que se arrependeu sinceramente.
Chorou muito, pediu perdão a Deus e clamou por socorro.
Socorristas piedosos o levaram a um posto de socorro, sentia-se perturbado;
se todos o perdoaram, não se perdoava a si mesmo.

"João Felipe não se conformava por ter sido tão mau e impiedoso, chorava angustiado.
Todos nós, Raul, devemos perdoar sempre a todos e a nós mesmos; as obras más nos pertencem, como as boas;
ninguém tira a vida física de outrem e fica impune.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122645
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho - Página 2 Empty Re: RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Ave sem Ninho Ter Nov 04, 2014 10:29 am

Reconhecido o erro e arrependidos, não devemos cultivar o remorso destrutivo, mas sim o firme propósito de acertar e reparar os erros.
Com tratamento e com muitos conselhos, João Felipe melhorou e pediu para reencarnar.
Queria esquecer, resgatar suas dívidas, que para ele eram imensas."

-E não eram?
-Sim, Raul. Lembro-o, porém, de que todos nós somos ou fomos carentes de perdão, não devemos focalizar só nossos erros e ser pessimistas.
Devemos ser optimistas e aproveitar as oportunidades que nos são dadas para melhorarmos e ajudar àqueles a quem prejudicamos ou a todos os que nos cercam.

O amor, como Jesus ensinou a Pedro, cobre multidões de pecados;
devemos cultivar, fortalecer a esperança em construir, realizar e crescer para o progresso.

"Voltou João Felipe, encarnou tendo pais pobres e humildes, sofreu privações com resignação, mas seu espírito não se perdoou, e logo na adolescência conseguiu passar para seu cérebro físico algumas recordações, as principais, de seus erros.

Perturbou-se, adquirindo uma doença mental.
Saiu de casa, seus familiares sentiram até alívio, e ficou andando de um lugar para outro, esmolando para sobreviver.
Passava por aqui quando o crime aconteceu, acharam-no perto do poço dizendo que havia matado, que esfaqueara.

Não estava sujo de sangue, não encontraram a faca, mas prenderam-no.
"Interrogaram-no muitas vezes, tentaram, para que dissesse mais coisas, mas ele só repetia que havia matado.

Quando o interrogatório demorava, gritava:
'Matei-os, cortei-os com a faca!'
"Não tendo outro suspeito, levaram em conta sua confissão, pararam de atormentá-lo e, como ninguém sabe seu nome e ele não diz, apelidaram-no de o Louco, e ficará preso até sua desencarnação.

Está preso, Raul, por um crime que não cometeu nesta existência, mas pelo que fez no passado e não pagou.
Estar prisioneiro não é fácil e muitos com resignação resgatam seus débitos, encarcerados.
João Felipe fugiu de suas responsabilidades e culpou outro;
hoje acontece com ele o que fez no passado.

"As Leis Divinas são muito justas e podemos ter consciência disso, conhecendo a Lei de Causa e Efeito.
Ninguém pode dizer que é injusto seu sofrimento, como não é o de João Felipe."

O professor silenciou e pensei no meu pai, o que fizera não fora diferente de João Felipe; indaguei preocupado:
-Professor, que será de meu pai?
-De nossos actos teremos que dar conta um dia.
Agravou seus erros, deixando que um inocente pagasse em seu lugar.

Pagará ceitil por ceitil, como nos disse Jesus, ou pelo amor, ou pela dor;
não se preocupe com ele agora, terá como todos nós oportunidades de resgate nesta existência ou em outras.

Senti muito dó de João Felipe, o Louco;
passei a mão sobre seus cabelos e desejei ajudá-lo.

-Doe, Raul, deseje-lhe calma, paz, tranquilidade e doe-lhe amor.
Desejei ardentemente que ele esquecesse seus erros, seu passado culposo e que agora, resgatando, sentisse paz. orei com fervor um Pai-Nosso.
João Felipe aquietou-se e adormeceu tranquilo, seu rosto descontraiu-se, suavizando a fisionomia.

-Dorme tranquilo!
Você, Raul, ajudou-o com seu carinho.
Oremos sempre por ele para que quite seus débitos com resignação, porque sofre a reacção de seus actos por sua própria escolha.
Que possa, ao desencarnar, sentir a paz tão necessária ao nosso progresso e ter a consciência tranquila para recomeçar bem a existência no plano espiritual.

Era a primeira vez que ajudava alguém;
senti uma alegria infinita, lembrei-me dos comentários que surgiam sempre na escola:
"Quem faz a outro para si faz".

Confiante, sorri para meu mestre e não consegui conter as lágrimas que, abundantes, desciam por minhas faces. Saímos dali.
Ave sem Ninho
Ave sem Ninho

Mensagens : 122645
Data de inscrição : 07/11/2010
Idade : 68
Localização : Porto - Portugal

Ir para o topo Ir para baixo

RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho - Página 2 Empty Re: RECONCILIAÇÃO - António Carlos / Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Mensagem  Conteúdo patrocinado


Conteúdo patrocinado


Ir para o topo Ir para baixo

Página 2 de 6 Anterior  1, 2, 3, 4, 5, 6  Seguinte

Ir para o topo

- Tópicos semelhantes

 
Permissões neste sub-fórum
Não podes responder a tópicos