Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto
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Re: Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto
- Tudo bem por aqui? respondeu Jean.
— Muito bem. Demorei porque a empresa não foi muito fácil, mas Debret aqui está.
Uma vitória a mais, Jean sorriu e apertou com entusiasmo a mão do acompanhante de Leterre.
— Esplêndido, Com calma e perseverança nossa causa vencerá!
Leterre aproximou-se de mim olhando-me bem nos olhos:
— Pode andar?
— Estou muito fraco, mas para sair desse lugar, encontrarei forças.
— É bom que pense assim. Vai precisar da força de vontade.
Quando possível pouparemos você.
Mas, a distância que nos separa das nossas linhas, as dificuldades e riscos dessa viagem, exigirão disciplina, esforço, controle e principalmente, sangue frio.
Depois do que passou julga-se capaz de realizar esse esforço?
- Acredito que sim.
— Temos pouco tempo. Tem algo para comer?
Jean ofereceu aos recém-vindos alguns alimentos e enquanto comiam Jean arrumava os objectos que iam levar, Leterre foi colocado a par da minha história e comentou com tristeza:
— Aquelas feras bem poderão punir a criança inocente:
Vendo minha preocupação evidente acrescentou:
- Tenho notícias para você.
Acredito que gostará de saber que Ana não estava presa, nem seu filho.
A família dela assim que tomou conhecimento da sua prisão, foi reclamar com um grande general que goza da confiança do Fuhrer que lhes prometeu vingar a afronta.
A moça recebia instruções do capitão Rudolf que pensou usá-la para conseguir desvendar seu segredo.
Durante seu estado de inconsciência sua afeição pela moça ficou evidente.
Por isso pensou usá-la.
Desapontado, ferido no meu amor-próprio, revoltei-me com a atitude dela.
Como se prestara a semelhante papel?
Diante da minha revolta Leterre comentou:
— Para sermos justos, a ela, só lhe restava obedecê-lo, se quisesse salvar a pele.
Conheço o Capitão Rudolf.
Quis colocá-la também a prova.
Se ela se recusasse então, seria punida por conivência.
Em todo caso, meu caro Denizarth, sua aventura acabou aí.
O melhor que tem a fazer é esquecer essa mulher.
Há um abismo de cadáveres separando vocês dois, além do que, se quisermos vencer essa guerra reconquistando a liberdade da nossa pátria, todos nossos problemas particulares deverão ser esquecidos, um só ideal deve nos nortear os passos: a liberdade!
— Muito bem. Demorei porque a empresa não foi muito fácil, mas Debret aqui está.
Uma vitória a mais, Jean sorriu e apertou com entusiasmo a mão do acompanhante de Leterre.
— Esplêndido, Com calma e perseverança nossa causa vencerá!
Leterre aproximou-se de mim olhando-me bem nos olhos:
— Pode andar?
— Estou muito fraco, mas para sair desse lugar, encontrarei forças.
— É bom que pense assim. Vai precisar da força de vontade.
Quando possível pouparemos você.
Mas, a distância que nos separa das nossas linhas, as dificuldades e riscos dessa viagem, exigirão disciplina, esforço, controle e principalmente, sangue frio.
Depois do que passou julga-se capaz de realizar esse esforço?
- Acredito que sim.
— Temos pouco tempo. Tem algo para comer?
Jean ofereceu aos recém-vindos alguns alimentos e enquanto comiam Jean arrumava os objectos que iam levar, Leterre foi colocado a par da minha história e comentou com tristeza:
— Aquelas feras bem poderão punir a criança inocente:
Vendo minha preocupação evidente acrescentou:
- Tenho notícias para você.
Acredito que gostará de saber que Ana não estava presa, nem seu filho.
A família dela assim que tomou conhecimento da sua prisão, foi reclamar com um grande general que goza da confiança do Fuhrer que lhes prometeu vingar a afronta.
A moça recebia instruções do capitão Rudolf que pensou usá-la para conseguir desvendar seu segredo.
Durante seu estado de inconsciência sua afeição pela moça ficou evidente.
Por isso pensou usá-la.
Desapontado, ferido no meu amor-próprio, revoltei-me com a atitude dela.
Como se prestara a semelhante papel?
Diante da minha revolta Leterre comentou:
— Para sermos justos, a ela, só lhe restava obedecê-lo, se quisesse salvar a pele.
Conheço o Capitão Rudolf.
Quis colocá-la também a prova.
Se ela se recusasse então, seria punida por conivência.
Em todo caso, meu caro Denizarth, sua aventura acabou aí.
O melhor que tem a fazer é esquecer essa mulher.
Há um abismo de cadáveres separando vocês dois, além do que, se quisermos vencer essa guerra reconquistando a liberdade da nossa pátria, todos nossos problemas particulares deverão ser esquecidos, um só ideal deve nos nortear os passos: a liberdade!
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Re: Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto
Depois, quando tudo passar, se ainda estivermos vivos, e não, reuniremos os despojos e procuraremos reconstruir nossa vida.
Permanecemos em silêncio, cada um embebido nas profundezas das suas preocupações.
Ao cabo de alguns minutos tornei:
— Tem razão. Entrei nessa guerra, sem vontade nem inclinação.
Não sabia o que era ódio, luta, sofrimento e dor.
Não sabia nem o quanto valia a paz e a liberdade que sempre desfrutara.
Mas, agora sei.
Sei o que pode o ódio, sei o que pode a guerra, sei o que é a ocupação odiosa, sei o que precisamos defender custe o que custar.
Compreendo que diante do problema mais premente e mais grave, nossa vida, nossos problemas individuais nada valem.
Estou pronto. Agora sei o que quero.
Se me aceitarem, gostaria de ser um dos vossos.
Podem ter a certeza de que saberei honrar a resistência.
Leterre olhou-me bem e com firmeza:
— Acredito em você.
Depois do que fez com eles enganando-os durante tanto tempo, não lhe será difícil aprender o trabalho.
Agora vamos.
Precisamos chegar a Belchstain antes do amanhecer.
Jean cuidou de mim, procurando modificar-me a aparência.
Colocou-me uns bigodes louros da cor dos meus cabelos e uma barba.
Vestiu-me com roupa de camponês como eles mesmos. Era perigosa a mocidade.
A presença de um moço que deveria estar mobilizado na guerra chamava sempre mais atenção.
Os velhos eram figuras comuns.
Uma carroça puxada por dois cavalos, também era muito comum naqueles dias em que a gasolina requisitada e sob controlo militar era negada ao uso particular.
Dentro, fui colocado deitado sobre um pouco de capim que encobria alguns pertences nossos.
Debret estendeu-se a meu lado e na boleia os outros dois.
Confesso que apesar do silêncio da noite alta e dos meus companheiros, ao ruído dos animais e das rodas da carroça, meu coração bateu descompassado ante os perigos imprevistos e a impaciência de poder novamente ser um homem livre.
A noite, apesar de fria era estrelada.
Não pude deixar de sentir a calma que reflectia no brilho silencioso das estrelas, testemunhas indiferentes e serenas diante das angústias e das lutas humanas.
O dia clareou e continuamos viajando, com calma, sem que ninguém nos incomodasse.
O sol ia alto e passava já do meio-dia quando atingimos um vilarejo, e nos dirigimos a uma casa afastada onde nos esperavam alguns amigos.
Lá, repousamos um pouco e conseguimos algumas provisões.
A princípio eu supusera que o agente Leterre retornasse apenas para nos conduzir de regresso, mas, agora, compreendia que essa viagem fazia parte de um outro plano bem mais importante.
Permanecemos em silêncio, cada um embebido nas profundezas das suas preocupações.
Ao cabo de alguns minutos tornei:
— Tem razão. Entrei nessa guerra, sem vontade nem inclinação.
Não sabia o que era ódio, luta, sofrimento e dor.
Não sabia nem o quanto valia a paz e a liberdade que sempre desfrutara.
Mas, agora sei.
Sei o que pode o ódio, sei o que pode a guerra, sei o que é a ocupação odiosa, sei o que precisamos defender custe o que custar.
Compreendo que diante do problema mais premente e mais grave, nossa vida, nossos problemas individuais nada valem.
Estou pronto. Agora sei o que quero.
Se me aceitarem, gostaria de ser um dos vossos.
Podem ter a certeza de que saberei honrar a resistência.
Leterre olhou-me bem e com firmeza:
— Acredito em você.
Depois do que fez com eles enganando-os durante tanto tempo, não lhe será difícil aprender o trabalho.
Agora vamos.
Precisamos chegar a Belchstain antes do amanhecer.
Jean cuidou de mim, procurando modificar-me a aparência.
Colocou-me uns bigodes louros da cor dos meus cabelos e uma barba.
Vestiu-me com roupa de camponês como eles mesmos. Era perigosa a mocidade.
A presença de um moço que deveria estar mobilizado na guerra chamava sempre mais atenção.
Os velhos eram figuras comuns.
Uma carroça puxada por dois cavalos, também era muito comum naqueles dias em que a gasolina requisitada e sob controlo militar era negada ao uso particular.
Dentro, fui colocado deitado sobre um pouco de capim que encobria alguns pertences nossos.
Debret estendeu-se a meu lado e na boleia os outros dois.
Confesso que apesar do silêncio da noite alta e dos meus companheiros, ao ruído dos animais e das rodas da carroça, meu coração bateu descompassado ante os perigos imprevistos e a impaciência de poder novamente ser um homem livre.
A noite, apesar de fria era estrelada.
Não pude deixar de sentir a calma que reflectia no brilho silencioso das estrelas, testemunhas indiferentes e serenas diante das angústias e das lutas humanas.
O dia clareou e continuamos viajando, com calma, sem que ninguém nos incomodasse.
O sol ia alto e passava já do meio-dia quando atingimos um vilarejo, e nos dirigimos a uma casa afastada onde nos esperavam alguns amigos.
Lá, repousamos um pouco e conseguimos algumas provisões.
A princípio eu supusera que o agente Leterre retornasse apenas para nos conduzir de regresso, mas, agora, compreendia que essa viagem fazia parte de um outro plano bem mais importante.
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Re: Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto
Debret era elemento muito esperado pelos companheiros, mas ainda havia algo mais.
Leterre conduzia um embornal de couro, do qual nunca se separava, Dormia sobre ele, e jamais se descuidava.
Pelos companheiros, pude saber que a campanha alemã na Rússia, que tantas vitórias tinha conseguido, fora detida a 20 quilómetros de Moscovo e submetida a enormes baixas.
Isso nos alentava as esperanças.
As coisas bem poderiam mudar.
Talvez que em tempo próximo, todos pudéssemos regressar ao lar, recomeçar a vida e viver em paz.
Partimos ao anoitecer.
Viajamos durante cinco dias, parando sempre nos contactos a fim de descansar e reabastecer, mas cada encontro era sempre marcado pela troca de informações e de eficiência.
Tivemos sorte.
Não fomos surpreendidos por nenhuma patrulha.
Nosso itinerário não era a volta ao lar.
Nossos lares haviam sido invadidos pelos inimigos.
Temporariamente a Pátria seria guardada nas profundezas do nosso coração e, para que um dia pudéssemos retornar a ela livremente, precisávamos nos unir e lutar.
Não importava onde nem como, O essencial era vencer.
Foi assim que ajudados por alguns amigos e pela distribuição de dalgum dinheiro, entre alguns sobressaltos mas sem que nada nos detivesse, conseguimos atravessar a fronteira Checa.
Em Putsjaden, que penetramos em plena madrugada, dirigimo-nos à casa de um velho judeu que dada a senha, nos abraçou dominado de emoção fora do comum.
Estava assustadíssimo, nem sequer acendeu a luz.
Na penumbra reinante correu o ferrolho da porta e sussurrando com euforia:
— Temia que não viesse ninguém.
Levem-me com vocês, preciso ir embora.
Eles estão todos loucos. Querem nos destruir.
Não compreendi, mas pelo suspiro de Leterre percebi que ele sabia do que se tratava.
- O mais que posso fazer é tentar fazê-lo passar a fronteira.
Infelizmente não podemos fazer mais.
Nossa situação é dificílima e os contactos muito espaçados.
Ainda ontem, diversos amigos meus foram presos e um seguiu para rumo ignorado
Eles tomaram conta de o que lhes pertencia.
O velho tremia nervosamente.
- Soubemos que são levados para um campo de prisioneiros.
Tememos por suas vidas.
Eles nos odeiam e nos querem exterminar!
Leterre conduzia um embornal de couro, do qual nunca se separava, Dormia sobre ele, e jamais se descuidava.
Pelos companheiros, pude saber que a campanha alemã na Rússia, que tantas vitórias tinha conseguido, fora detida a 20 quilómetros de Moscovo e submetida a enormes baixas.
Isso nos alentava as esperanças.
As coisas bem poderiam mudar.
Talvez que em tempo próximo, todos pudéssemos regressar ao lar, recomeçar a vida e viver em paz.
Partimos ao anoitecer.
Viajamos durante cinco dias, parando sempre nos contactos a fim de descansar e reabastecer, mas cada encontro era sempre marcado pela troca de informações e de eficiência.
Tivemos sorte.
Não fomos surpreendidos por nenhuma patrulha.
Nosso itinerário não era a volta ao lar.
Nossos lares haviam sido invadidos pelos inimigos.
Temporariamente a Pátria seria guardada nas profundezas do nosso coração e, para que um dia pudéssemos retornar a ela livremente, precisávamos nos unir e lutar.
Não importava onde nem como, O essencial era vencer.
Foi assim que ajudados por alguns amigos e pela distribuição de dalgum dinheiro, entre alguns sobressaltos mas sem que nada nos detivesse, conseguimos atravessar a fronteira Checa.
Em Putsjaden, que penetramos em plena madrugada, dirigimo-nos à casa de um velho judeu que dada a senha, nos abraçou dominado de emoção fora do comum.
Estava assustadíssimo, nem sequer acendeu a luz.
Na penumbra reinante correu o ferrolho da porta e sussurrando com euforia:
— Temia que não viesse ninguém.
Levem-me com vocês, preciso ir embora.
Eles estão todos loucos. Querem nos destruir.
Não compreendi, mas pelo suspiro de Leterre percebi que ele sabia do que se tratava.
- O mais que posso fazer é tentar fazê-lo passar a fronteira.
Infelizmente não podemos fazer mais.
Nossa situação é dificílima e os contactos muito espaçados.
Ainda ontem, diversos amigos meus foram presos e um seguiu para rumo ignorado
Eles tomaram conta de o que lhes pertencia.
O velho tremia nervosamente.
- Soubemos que são levados para um campo de prisioneiros.
Tememos por suas vidas.
Eles nos odeiam e nos querem exterminar!
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Re: Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto
Fiquei estupefacto! Porquê?
Então a guerra não se resumia apenas na ambição de poder?
Leterre sentou-se exausto na cadeira confortável, permanecendo absorto por alguns segundos.
Vendo nosso olhar ansioso, fixo nele, tornou com raiva:
Infelizmente as notícias de que disponho sobre isso, não são animadoras.
Sei que estão recrutando israelitas tanto da Alemanha como da Checoslováquia, da França e até da Hungria.
Toda zona ocupada, segundo consegui apurar, está sendo esmiuçada e os judeus, homens, mulheres e crianças, levados para lugares especiais, muito bem vigiados.
Não conseguimos ainda apurar bem quais as intenções, mas sabemos que são as piores possíveis.
Tem certeza de que esta casa não está sendo vigiada?
Senti um baque no peito. Estaríamos em perigo?
— Não — gemeu ele apavorado. — Penso que não.
Leterre de imediato levantou-se e passou a examinar a casa minuciosamente:
— Tem saída pelos fundos?
— Tem. Vou lhe mostrar.
Conduziu-nos com cautela, mesmo no escuro, pelo resto da casa, levando-nos à cozinha e à entrada de serviço.
Tratava-se de uma boa casa, onde nosso amigo vivia em companhia de uma irmã solteirona, como ele, e que àquelas horas dormia.
Depois de meditar um pouco Leterre determinou:
— Vamos embora. Seguiremos imediatamente.
— E eu? — perguntou nosso amigo — Tenho minha irmã, não posso deixá-la.
— Tenho grande cartada em jogo.
Não posso arriscar.
Vou lhe dar instruções, Jold, e alguns novos contactos que o ajudarão.
Procure seguir o mais depressa possível.
Sei que eles não estão brincando.
Quanto a nós, vamos embora.
Voltando-se para mim:
— Você está bem?
Na verdade eu não estava, O "tratamento" a que fora submetido deixara em mim sua marca.
Quando cansado, sentia náuseas, vertigens, as alucinações perseguiam-me com tenacidade.
Os companheiros tentaram dar-me ânimo achando tudo natural e passageiro.
Pressentindo o perigo, assenti com a cabeça.
Olhando um a um ele continuou:
— Minha missão é tão importante que se algum de vocês não puder seguir-me, serei forçado a deixa-los para trás.
O interesse da nossa causa é maior do que o valor de nossas vidas.
Se eu cair, um de vocês, o que restar, deve seguir adiante.
Vamos traçar os planos.
Então a guerra não se resumia apenas na ambição de poder?
Leterre sentou-se exausto na cadeira confortável, permanecendo absorto por alguns segundos.
Vendo nosso olhar ansioso, fixo nele, tornou com raiva:
Infelizmente as notícias de que disponho sobre isso, não são animadoras.
Sei que estão recrutando israelitas tanto da Alemanha como da Checoslováquia, da França e até da Hungria.
Toda zona ocupada, segundo consegui apurar, está sendo esmiuçada e os judeus, homens, mulheres e crianças, levados para lugares especiais, muito bem vigiados.
Não conseguimos ainda apurar bem quais as intenções, mas sabemos que são as piores possíveis.
Tem certeza de que esta casa não está sendo vigiada?
Senti um baque no peito. Estaríamos em perigo?
— Não — gemeu ele apavorado. — Penso que não.
Leterre de imediato levantou-se e passou a examinar a casa minuciosamente:
— Tem saída pelos fundos?
— Tem. Vou lhe mostrar.
Conduziu-nos com cautela, mesmo no escuro, pelo resto da casa, levando-nos à cozinha e à entrada de serviço.
Tratava-se de uma boa casa, onde nosso amigo vivia em companhia de uma irmã solteirona, como ele, e que àquelas horas dormia.
Depois de meditar um pouco Leterre determinou:
— Vamos embora. Seguiremos imediatamente.
— E eu? — perguntou nosso amigo — Tenho minha irmã, não posso deixá-la.
— Tenho grande cartada em jogo.
Não posso arriscar.
Vou lhe dar instruções, Jold, e alguns novos contactos que o ajudarão.
Procure seguir o mais depressa possível.
Sei que eles não estão brincando.
Quanto a nós, vamos embora.
Voltando-se para mim:
— Você está bem?
Na verdade eu não estava, O "tratamento" a que fora submetido deixara em mim sua marca.
Quando cansado, sentia náuseas, vertigens, as alucinações perseguiam-me com tenacidade.
Os companheiros tentaram dar-me ânimo achando tudo natural e passageiro.
Pressentindo o perigo, assenti com a cabeça.
Olhando um a um ele continuou:
— Minha missão é tão importante que se algum de vocês não puder seguir-me, serei forçado a deixa-los para trás.
O interesse da nossa causa é maior do que o valor de nossas vidas.
Se eu cair, um de vocês, o que restar, deve seguir adiante.
Vamos traçar os planos.
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Re: Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto
Senti a cabeça rodopiar, mas esforcei-me por dominar a fraqueza.
Pedi algo para comer.
Jold serviu pão e queijo.
Ali mesmo no escuro, sentamo-nos ao redor de Leterre que sem largar sua bolsa de couro, começou a traçar os planos para nós todos.
De tal sorte foram convincentes suas palavras que Jold tratou de acordar a irmã apavorada e com a casa às escuras preparar a fuga.
Nós deveríamos sair antes e rumaríamos para Budapeste ao passo que Jold com a irmã tentaria atravessar a fronteira da Roménia, passando por dois contactos nossos onde descansariam e renovariam as forças.
A casa deveria conservar aparência de habitada, a fim de ganharmos tempo.
Confesso que meu estado não era muito animador.
Minhas pernas ainda tremiam e as náuseas de novo reapareceram zumbindo meus ouvidos, perturbando-me até a visão.
Mas a vontade de lutar e viver, principalmente o pavor de ser novamente capturado, conseguiram suster-me e amparado por Jean, galvanizei forças e consegui acompanhá-los em silêncio.
Jean de vez em quando me apertava o braço com torça como a incentivar-me a coragem, e ao mesmo tempo colocando-se na posição de amigo e protector.
Silenciosos deslizamos pela rua na calada da fria madrugada.
Aos poucos o mal-estar foi passando e pude respirar melhor.
Ainda com a cabeça um tanto atordoada percebi quando o ruído de uma patrulha nos fez esconder-nos em um canto escuro da rua.
Sustendo a respiração, percebemos que eles passaram por nós sem nos ver e seguiram.
— Vamos — sussurrou Leterre e num minuto, quietos e com cautela, conseguimos galgar um atalho que nos levaria a estrada.
Pedi algo para comer.
Jold serviu pão e queijo.
Ali mesmo no escuro, sentamo-nos ao redor de Leterre que sem largar sua bolsa de couro, começou a traçar os planos para nós todos.
De tal sorte foram convincentes suas palavras que Jold tratou de acordar a irmã apavorada e com a casa às escuras preparar a fuga.
Nós deveríamos sair antes e rumaríamos para Budapeste ao passo que Jold com a irmã tentaria atravessar a fronteira da Roménia, passando por dois contactos nossos onde descansariam e renovariam as forças.
A casa deveria conservar aparência de habitada, a fim de ganharmos tempo.
Confesso que meu estado não era muito animador.
Minhas pernas ainda tremiam e as náuseas de novo reapareceram zumbindo meus ouvidos, perturbando-me até a visão.
Mas a vontade de lutar e viver, principalmente o pavor de ser novamente capturado, conseguiram suster-me e amparado por Jean, galvanizei forças e consegui acompanhá-los em silêncio.
Jean de vez em quando me apertava o braço com torça como a incentivar-me a coragem, e ao mesmo tempo colocando-se na posição de amigo e protector.
Silenciosos deslizamos pela rua na calada da fria madrugada.
Aos poucos o mal-estar foi passando e pude respirar melhor.
Ainda com a cabeça um tanto atordoada percebi quando o ruído de uma patrulha nos fez esconder-nos em um canto escuro da rua.
Sustendo a respiração, percebemos que eles passaram por nós sem nos ver e seguiram.
— Vamos — sussurrou Leterre e num minuto, quietos e com cautela, conseguimos galgar um atalho que nos levaria a estrada.
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Re: Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto
CAPITULO IX - A resistência
Chegamos a Budapeste de madrugada.
A impressão que nos causou a bela cidade foi de tristeza.
As horas mortas ela nos parecia solitária e triste, como nós mesmos distantes dos entes queridos e atirados às incertezas do nosso destino.
Estávamos em novembro de um duro inverno.
A viagem fora difícil por causa da neve que caía sem cessar.
Foi com prazer que chegamos ao nosso destino em uma casa afastada na qual entramos pelos fundos.
O velho que nos acolheu mostrou-se muito amável.
Lareira ainda acesa, ofereceu-nos chá com deliciosos biscoitos de mel que me fizeram lembrar os que minha mãe preparava.
Depois de tanto viajar, a cavalo, de carroça, de automóvel que ainda funcionava na Hungria, era muito acolhedor o fogo aceso e o lanche apetitoso.
Ao redor do fogo, sentindo as delícias do aconchego, trocamos ideias sobre a situação.
Soubemos pelo nosso hospedeiro que a Rússia resistia valentemente e que assinalava já algumas vitórias contra os invasores.
Sentimo-nos alegres como se a vida nos acenasse com a esperança da vitória e da paz.
Soubemos então, por Leterre, que a sede de toda espionagem do serviço secreto da resistência francesa na Europa, organizava-se na Hungria.
Embora neutro no início, o governo Húngaro mostrava-se francamente simpatizante com o eixo mas o fazia por uma questão de interesses.
País pequeno e sacudido por revoluções socialistas, seriamente prejudicado em seus interesses pela política interna, enfraquecido e temendo a invasão da Ucrânia, uniu-se à Itália e aceitou a "protecção" da Alemanha, sofrendo sua influência.
Naturalmente acreditavam na vitória do eixo e procuravam manter vivo seu prestígio.
O que Mussolini fizera na Itália e Hitler na Alemanha, dava-lhes muitos motivos para acreditá-lo.
As vitórias que estavam alcançando ocupando os países vizinhos, sem que nada os pudesse deter, dava-lhes vasto crédito de confiança.
Quem ousaria duvidar?
De um país aniquilado e pobre, sem exército ou mesmo sem juventude, dizimada pela tragédia de 1918, Hitler fizera uma nação forte, politizada, agigantada pelo entusiasmo às raias de um fanatismo duas vezes mais forte por ver nele um desagravo a perda da última guerra.
Pensavam os húngaros poder conservar a neutralidade.
Porém, declararam guerra à Rússia, ao lado da Alemanha, e o anti-semitismo era ali muito arraigado.
Apesar disso, a cidade levava vida quase normal, porquanto suas casas nocturnas funcionavam e o país ainda não sofrera os bombardeios arrasantes da França e da Inglaterra.
Soubemos também que a cidade estava sendo núcleo de espionagem não só dos nossos como dos Americanos do Norte e da Inglaterra.
Debret era esperado com impaciência e parecia muito importante sua vinda.
Havia muitas tropas austríacas em Budapeste e constantemente tropas nazistas mobilizavam-se rumo à fronteira da Jugoslávia.
Dormimos em camas macias e quentes e aquele conforto recordou-me o pequeno quarto em casa de Ludwig.
Senti falta do calor de Ana, do seu carinho, do seu rosto suave.
Chegamos a Budapeste de madrugada.
A impressão que nos causou a bela cidade foi de tristeza.
As horas mortas ela nos parecia solitária e triste, como nós mesmos distantes dos entes queridos e atirados às incertezas do nosso destino.
Estávamos em novembro de um duro inverno.
A viagem fora difícil por causa da neve que caía sem cessar.
Foi com prazer que chegamos ao nosso destino em uma casa afastada na qual entramos pelos fundos.
O velho que nos acolheu mostrou-se muito amável.
Lareira ainda acesa, ofereceu-nos chá com deliciosos biscoitos de mel que me fizeram lembrar os que minha mãe preparava.
Depois de tanto viajar, a cavalo, de carroça, de automóvel que ainda funcionava na Hungria, era muito acolhedor o fogo aceso e o lanche apetitoso.
Ao redor do fogo, sentindo as delícias do aconchego, trocamos ideias sobre a situação.
Soubemos pelo nosso hospedeiro que a Rússia resistia valentemente e que assinalava já algumas vitórias contra os invasores.
Sentimo-nos alegres como se a vida nos acenasse com a esperança da vitória e da paz.
Soubemos então, por Leterre, que a sede de toda espionagem do serviço secreto da resistência francesa na Europa, organizava-se na Hungria.
Embora neutro no início, o governo Húngaro mostrava-se francamente simpatizante com o eixo mas o fazia por uma questão de interesses.
País pequeno e sacudido por revoluções socialistas, seriamente prejudicado em seus interesses pela política interna, enfraquecido e temendo a invasão da Ucrânia, uniu-se à Itália e aceitou a "protecção" da Alemanha, sofrendo sua influência.
Naturalmente acreditavam na vitória do eixo e procuravam manter vivo seu prestígio.
O que Mussolini fizera na Itália e Hitler na Alemanha, dava-lhes muitos motivos para acreditá-lo.
As vitórias que estavam alcançando ocupando os países vizinhos, sem que nada os pudesse deter, dava-lhes vasto crédito de confiança.
Quem ousaria duvidar?
De um país aniquilado e pobre, sem exército ou mesmo sem juventude, dizimada pela tragédia de 1918, Hitler fizera uma nação forte, politizada, agigantada pelo entusiasmo às raias de um fanatismo duas vezes mais forte por ver nele um desagravo a perda da última guerra.
Pensavam os húngaros poder conservar a neutralidade.
Porém, declararam guerra à Rússia, ao lado da Alemanha, e o anti-semitismo era ali muito arraigado.
Apesar disso, a cidade levava vida quase normal, porquanto suas casas nocturnas funcionavam e o país ainda não sofrera os bombardeios arrasantes da França e da Inglaterra.
Soubemos também que a cidade estava sendo núcleo de espionagem não só dos nossos como dos Americanos do Norte e da Inglaterra.
Debret era esperado com impaciência e parecia muito importante sua vinda.
Havia muitas tropas austríacas em Budapeste e constantemente tropas nazistas mobilizavam-se rumo à fronteira da Jugoslávia.
Dormimos em camas macias e quentes e aquele conforto recordou-me o pequeno quarto em casa de Ludwig.
Senti falta do calor de Ana, do seu carinho, do seu rosto suave.
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Re: Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto
Onde estaria ela? E Karl?
Se um dia aquele inferno acabasse e eu conseguisse sair com vida, voltaria à Alemanha para procurar meu filho.
Adormeci com o coração vazio e uma tristeza dorida a corroer-me o peito.
No dia imediato ao entardecer fui levado pelo nosso hospedeiro ao outro lado do Danúbio à casa do Dr. Albert Mejarisky.
Era lá que eu ia residir.
Ilustre médico húngaro, muito culto e de idade madura, como todo intelectual do seu tempo, não se conformava com a atitude política de seu país.
Trabalhava na sombra em favor da liberdade e da democracia e com todo idealismo dedicava-se à causa francesa.
Ex-aluno da Sorbonne, sofria na própria carne a invasão nazista na França.
Inteligente e arguto, compreendendo que de nada adiantaria resistir frente ao poder inimigo, juntou-se a eles emprestando-lhes seu prestígio pessoal enquanto que conseguia e prestava toda série de informações à resistência.
Preparava ainda os elementos para o trabalho e sua casa funcionava como verdadeira escola para os novatos, como eu.
Foi com profundo respeito que penetrei na bela residência do Dr. Mejarisky.
Simpatizei imediatamente com seu rosto rugoso, seus cabelos alvos e brilhantes.
Havia muita dignidade em seus gestos cheios de simplicidade e finura.
Conversamos na sala e com cativante gentileza contou-me que enviuvara muito moço ainda mas com três filhos que educara zelosamente.
Seu filho mais velho, médico também, encontrava-se em missão na África e surpreendido pela guerra, não retornara ao lar. Dr. Albert ignorava onde se encontrava e há um ano não recebia notícias.
Quanto às duas filhas, uma casara-se com um adido da embaixada húngara em Bruxelas e lá vivia relativamente bem porquanto não foram molestados pela ocupação dos quais eram aliados e a outra, ajudava o pai no atendimento dos doentes pois Dr. Albert, apesar da posição destacada fazia questão de trabalhar.
Ficamos amigos.
Falamos em francês o que me causou imenso prazer.
Senti-me à vontade e tranquilo. Estava entre amigos.
Parece incrível o que se pode realizar em tão curto espaço de tempo quando se tem destreza, tenacidade e inteligência.
O tempo do Dr. Albert não era muito, mas, sua filha Jesse o substituía bastante bem.
Era uma moça distinta e sóbria, menos de 30 anos talvez, mas tão competente no exercício das suas funções que realizava milagres.
Treinou-me, sem descanso.
Desistiu de ensinar-me o húngaro puro, mas notando minha facilidade para o dialecto eslovaco, terra de origem da minha família materna, obrigou-me a estudá-lo de tal forma que logo aprendi a dominá-lo perfeitamente.
Estudou-me o rosto, modificou-me o penteado e encomendou roupas adequadas para mim.
Ao mesmo tempo, decorei nomes, senhas, siglas, cidades, mapas, treinei desenvolvimento da memória, intensivamente.
Naqueles dias, sem tempo quase para comer ou dormir, cheguei a pensar que eu não era humano, mas uma máquina sem imã e sem personalidade.
Se um dia aquele inferno acabasse e eu conseguisse sair com vida, voltaria à Alemanha para procurar meu filho.
Adormeci com o coração vazio e uma tristeza dorida a corroer-me o peito.
No dia imediato ao entardecer fui levado pelo nosso hospedeiro ao outro lado do Danúbio à casa do Dr. Albert Mejarisky.
Era lá que eu ia residir.
Ilustre médico húngaro, muito culto e de idade madura, como todo intelectual do seu tempo, não se conformava com a atitude política de seu país.
Trabalhava na sombra em favor da liberdade e da democracia e com todo idealismo dedicava-se à causa francesa.
Ex-aluno da Sorbonne, sofria na própria carne a invasão nazista na França.
Inteligente e arguto, compreendendo que de nada adiantaria resistir frente ao poder inimigo, juntou-se a eles emprestando-lhes seu prestígio pessoal enquanto que conseguia e prestava toda série de informações à resistência.
Preparava ainda os elementos para o trabalho e sua casa funcionava como verdadeira escola para os novatos, como eu.
Foi com profundo respeito que penetrei na bela residência do Dr. Mejarisky.
Simpatizei imediatamente com seu rosto rugoso, seus cabelos alvos e brilhantes.
Havia muita dignidade em seus gestos cheios de simplicidade e finura.
Conversamos na sala e com cativante gentileza contou-me que enviuvara muito moço ainda mas com três filhos que educara zelosamente.
Seu filho mais velho, médico também, encontrava-se em missão na África e surpreendido pela guerra, não retornara ao lar. Dr. Albert ignorava onde se encontrava e há um ano não recebia notícias.
Quanto às duas filhas, uma casara-se com um adido da embaixada húngara em Bruxelas e lá vivia relativamente bem porquanto não foram molestados pela ocupação dos quais eram aliados e a outra, ajudava o pai no atendimento dos doentes pois Dr. Albert, apesar da posição destacada fazia questão de trabalhar.
Ficamos amigos.
Falamos em francês o que me causou imenso prazer.
Senti-me à vontade e tranquilo. Estava entre amigos.
Parece incrível o que se pode realizar em tão curto espaço de tempo quando se tem destreza, tenacidade e inteligência.
O tempo do Dr. Albert não era muito, mas, sua filha Jesse o substituía bastante bem.
Era uma moça distinta e sóbria, menos de 30 anos talvez, mas tão competente no exercício das suas funções que realizava milagres.
Treinou-me, sem descanso.
Desistiu de ensinar-me o húngaro puro, mas notando minha facilidade para o dialecto eslovaco, terra de origem da minha família materna, obrigou-me a estudá-lo de tal forma que logo aprendi a dominá-lo perfeitamente.
Estudou-me o rosto, modificou-me o penteado e encomendou roupas adequadas para mim.
Ao mesmo tempo, decorei nomes, senhas, siglas, cidades, mapas, treinei desenvolvimento da memória, intensivamente.
Naqueles dias, sem tempo quase para comer ou dormir, cheguei a pensar que eu não era humano, mas uma máquina sem imã e sem personalidade.
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Re: Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto
O tempo era escasso e eles precisavam de elementos o mais breve possível.
Muitos agentes tinham se formado em casa do Dr. Albert.
Ninguém os vira, mas, não era esse o plano que tinham ao meu respeito.
Por causa da minha aparência eslava e da facilidade no idioma materno, resolveram aproveitar-me ali mesmo.
Pude então usufruir um pouco de liberdade.
Passaria por parente do Dr., recém-vindo a Budapeste, como enfermeiro para ajudá-lo.
Assim, Jesse poderia dispor de tempo bastante para intensificar o seu trabalho na escola de espionagem, sem precisar acompanhar o pai às visitas meramente rotineiras.
Para isto, intensificou-me meu treinamento, inclusive de enfermagem.
Entretanto, as notícias que recebíamos dos nossos contactos não eram de molde a alentar nossos desejos de paz.
A guerra tornara-se mundial.
A América do Norte, atacada pelos Japoneses no início de dezembro, fora forçada a entrar no conflito, pois quatro dias depois tanto a Alemanha como a Itália, declaravam guerra aos Americanos.
Na véspera do Natal, meu coração era pesado como chumbo.
Ainda sem muito preparo, não pude aparecer diante dos amigos de Albert que vinham cumprimentá-lo, trocar bolos de mel, e cantar hinos de Aleluia.
Apesar do conflito e das agruras dos corações, alguns dos costumes antigos foram mantidos, mas, tive de contentar-me em permanecer só no pequeno quarto onde dormia, preso às pungentes lembranças dos dias felizes que pareciam distanciar-se não dois anos mas dois séculos.
Jesse com delicadeza trouxe-me alguns pães e doces.
Mas, com a alma cheia de ódio, de revolta e de desespero, não se pode sequer pensar em Natal.
Meu treinamento durou até março de 1942, quando a luta recrudescia.
Foi quando pude aparecer em público.
Saí às ocultas durante a noite e cheguei festivamente às primeiras horas da manhã com bagagens, para ajudar "meu tio Albert".
Devia aparentar ingenuidade e acentuado fanatismo fascista.
Pelo olhar satisfeito do Dr. percebi que sai-me muito bem. Olhares curiosos dos vizinhos, disfarçados atrás das cortinas das janelas que fingi não perceber.
Assim, ingressei "oficialmente" na espionagem ainda empírica da resistência francesa.
Estava tão bem treinado que dominava com perfeição todos os meus reflexos.
Conscientemente, observava tudo e todos, sem que ninguém nem de leve pudesse desconfiar. Olhar puro, rosto satisfeito sem problemas ou preocupações.
Conseguia passar ignorado onde quer que acompanhasse "meu tio Albert".
Alguns olhares curiosos que logo se desviavam indiferentes demonstravam que eu conseguia representar bem meu papel.
Minha memória treinada de molde a armazenar todo conhecimento possível, gravava bem as informações conseguidas, retransmitindo-as Com fidelidade.
Dr. Albert era médico da elite, solicitado como profissional e como amigo, por ministros e generais, alguns do alto comando.
Muitos agentes tinham se formado em casa do Dr. Albert.
Ninguém os vira, mas, não era esse o plano que tinham ao meu respeito.
Por causa da minha aparência eslava e da facilidade no idioma materno, resolveram aproveitar-me ali mesmo.
Pude então usufruir um pouco de liberdade.
Passaria por parente do Dr., recém-vindo a Budapeste, como enfermeiro para ajudá-lo.
Assim, Jesse poderia dispor de tempo bastante para intensificar o seu trabalho na escola de espionagem, sem precisar acompanhar o pai às visitas meramente rotineiras.
Para isto, intensificou-me meu treinamento, inclusive de enfermagem.
Entretanto, as notícias que recebíamos dos nossos contactos não eram de molde a alentar nossos desejos de paz.
A guerra tornara-se mundial.
A América do Norte, atacada pelos Japoneses no início de dezembro, fora forçada a entrar no conflito, pois quatro dias depois tanto a Alemanha como a Itália, declaravam guerra aos Americanos.
Na véspera do Natal, meu coração era pesado como chumbo.
Ainda sem muito preparo, não pude aparecer diante dos amigos de Albert que vinham cumprimentá-lo, trocar bolos de mel, e cantar hinos de Aleluia.
Apesar do conflito e das agruras dos corações, alguns dos costumes antigos foram mantidos, mas, tive de contentar-me em permanecer só no pequeno quarto onde dormia, preso às pungentes lembranças dos dias felizes que pareciam distanciar-se não dois anos mas dois séculos.
Jesse com delicadeza trouxe-me alguns pães e doces.
Mas, com a alma cheia de ódio, de revolta e de desespero, não se pode sequer pensar em Natal.
Meu treinamento durou até março de 1942, quando a luta recrudescia.
Foi quando pude aparecer em público.
Saí às ocultas durante a noite e cheguei festivamente às primeiras horas da manhã com bagagens, para ajudar "meu tio Albert".
Devia aparentar ingenuidade e acentuado fanatismo fascista.
Pelo olhar satisfeito do Dr. percebi que sai-me muito bem. Olhares curiosos dos vizinhos, disfarçados atrás das cortinas das janelas que fingi não perceber.
Assim, ingressei "oficialmente" na espionagem ainda empírica da resistência francesa.
Estava tão bem treinado que dominava com perfeição todos os meus reflexos.
Conscientemente, observava tudo e todos, sem que ninguém nem de leve pudesse desconfiar. Olhar puro, rosto satisfeito sem problemas ou preocupações.
Conseguia passar ignorado onde quer que acompanhasse "meu tio Albert".
Alguns olhares curiosos que logo se desviavam indiferentes demonstravam que eu conseguia representar bem meu papel.
Minha memória treinada de molde a armazenar todo conhecimento possível, gravava bem as informações conseguidas, retransmitindo-as Com fidelidade.
Dr. Albert era médico da elite, solicitado como profissional e como amigo, por ministros e generais, alguns do alto comando.
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Re: Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto
Apesar do seu interesse em obter informações, o dr. Albert jamais fazia perguntas.
Subjectivamente, ia conseguindo o que queria gozando da estima, da confiança e do respeito dos seus clientes.
As notícias que nos chegaram do agente Leterre eram boas.
Ele e Debret conseguiram chegar às linhas francesas no Marrocos levando importantes planos das S.S. sobre as frentes da Jugoslávia, bem como da Líbia.
Algumas noites, recebíamos contactos nossos da Checoslováquia, ou da Alemanha, com missões específicas.
Muitas vezes me perguntava o que teria sido feito dos meus, Minha irmã, meu pai, minha mãe. Estariam vivos?
Acreditava que sim. Julgar-me-iam morto, sem dúvida.
Nosso grupo ajudava também aos israelitas.
O anti-semitismo nos anos que precederam à guerra já era dolorosa realidade húngara.
A perseguição, o confisco dos haveres, o expurgo, apenas o mínimo que podia acontecer.
Com o advento do nazismo a perseguição recrudesceu.
Havia boatos de que coisas terríveis aconteciam aos judeus, que bastava ligeira suspeita para que famílias inteiras desejassem fugir o mais depressa possível.
Com astúcia e perícia, nosso grupo favorecia os que podia nessa fuga.
Sem provocar suspeitas.
Não me envergonho de dizer que esses favores eram pagos sempre que os fugitivos dispusessem de recursos.
Os tempos eram difíceis e nós precisávamos de nos manter a qualquer preço.
Todo dinheiro arrecadado revertia em benefício do nosso comando que o empregava da melhor maneira, na compra de armamento, munição, etc.
Soube também que tanto a Inglaterra como a América nos ajudavam como podiam, mas ainda assim, havia carência de dinheiro.
Cada israelita que transpunha a fronteira colocado a salvo representava maiores recursos para nossa causa.
Naturalmente, impelia-nos um dever de humanidade, porém, pensando bem creio que somente os recursos financeiros nos podiam impulsionar a correr esse risco.
Quando se está metido numa luta como essa, acossado por inimigos de todos os lados, não se pode pensar muito em generosidade.
A tensão emocional é tão grande que muitas vezes nos torna insensíveis às necessidades dos outros.
Eu era o elemento de ligação entre Dr. Albert e nossos contactos.
Levava as informações e colhia as ordens.
Não era sempre que podíamos fazê-lo pelo rádio.
A vigilância era severa e temíamos ser descobertos.
Eu saía na calada da noite e realizava as operações necessárias, algumas vezes levando notícias aos postos um pouco mais avançados, outras, encaminhando fugitivos aos nossos companheiros.
À noite, as ruas eram desertas e se acontecia algum encontro inesperado, ninguém desconfiaria do "enfermeiro" do Dr. Albert que naturalmente atendia algum trabalho nocturno.
Era comum também, poder trocar mensagens com os nossos durante o dia, sem despertar suspeitas.
Apesar da nossa aparente segurança, aqueles dias não foram bons.
As notícias que tínhamos, ainda não eram de molde a nos fazer crer que a paz ou a vitória nos sorrissem.
Subjectivamente, ia conseguindo o que queria gozando da estima, da confiança e do respeito dos seus clientes.
As notícias que nos chegaram do agente Leterre eram boas.
Ele e Debret conseguiram chegar às linhas francesas no Marrocos levando importantes planos das S.S. sobre as frentes da Jugoslávia, bem como da Líbia.
Algumas noites, recebíamos contactos nossos da Checoslováquia, ou da Alemanha, com missões específicas.
Muitas vezes me perguntava o que teria sido feito dos meus, Minha irmã, meu pai, minha mãe. Estariam vivos?
Acreditava que sim. Julgar-me-iam morto, sem dúvida.
Nosso grupo ajudava também aos israelitas.
O anti-semitismo nos anos que precederam à guerra já era dolorosa realidade húngara.
A perseguição, o confisco dos haveres, o expurgo, apenas o mínimo que podia acontecer.
Com o advento do nazismo a perseguição recrudesceu.
Havia boatos de que coisas terríveis aconteciam aos judeus, que bastava ligeira suspeita para que famílias inteiras desejassem fugir o mais depressa possível.
Com astúcia e perícia, nosso grupo favorecia os que podia nessa fuga.
Sem provocar suspeitas.
Não me envergonho de dizer que esses favores eram pagos sempre que os fugitivos dispusessem de recursos.
Os tempos eram difíceis e nós precisávamos de nos manter a qualquer preço.
Todo dinheiro arrecadado revertia em benefício do nosso comando que o empregava da melhor maneira, na compra de armamento, munição, etc.
Soube também que tanto a Inglaterra como a América nos ajudavam como podiam, mas ainda assim, havia carência de dinheiro.
Cada israelita que transpunha a fronteira colocado a salvo representava maiores recursos para nossa causa.
Naturalmente, impelia-nos um dever de humanidade, porém, pensando bem creio que somente os recursos financeiros nos podiam impulsionar a correr esse risco.
Quando se está metido numa luta como essa, acossado por inimigos de todos os lados, não se pode pensar muito em generosidade.
A tensão emocional é tão grande que muitas vezes nos torna insensíveis às necessidades dos outros.
Eu era o elemento de ligação entre Dr. Albert e nossos contactos.
Levava as informações e colhia as ordens.
Não era sempre que podíamos fazê-lo pelo rádio.
A vigilância era severa e temíamos ser descobertos.
Eu saía na calada da noite e realizava as operações necessárias, algumas vezes levando notícias aos postos um pouco mais avançados, outras, encaminhando fugitivos aos nossos companheiros.
À noite, as ruas eram desertas e se acontecia algum encontro inesperado, ninguém desconfiaria do "enfermeiro" do Dr. Albert que naturalmente atendia algum trabalho nocturno.
Era comum também, poder trocar mensagens com os nossos durante o dia, sem despertar suspeitas.
Apesar da nossa aparente segurança, aqueles dias não foram bons.
As notícias que tínhamos, ainda não eram de molde a nos fazer crer que a paz ou a vitória nos sorrissem.
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Re: Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto
Se por um lado na frente russa os nazitas haviam finalmente sido detidos e sofrido as primeiras perdas, os japoneses punham em risco nossas esperanças.
Era iminente a queda de Singapura, e os norte-americanos incapazes de rechaçarem esse constante perigo que nos ameaçava destruir.
Foi nessa época que tiveram início os bombardeios na Hungria.
A temida Raf despejava sistematicamente nos pontos estratégicos centenas de bombas.
Por essa razão nosso trabalho recrudesceu.
Consegui tornar-me um enfermeiro razoável, porém, em situação muito particular.
Éramos forçados a atender e curar indivíduos que considerávamos inimigos mas que em razão das circunstâncias necessitávamos curar.
A população civil, duramente castigada, nos condoía de ver Jade, mas os oficiais do alto comando, e principalmente os nazistas que praticamente dominavam a cidade, era difícil ajudar.
Dr. Albert evitava o mais que podia de atender os alemães sediados em Budapeste, só o fazendo quando circunstâncias imperiosas o obrigavam pondo em risco nossa segurança.
Quando estamos na frente, inimigo é inimigo.
Todo um povo é nosso inimigo.
Diferente todavia, é a situação quando nos misturamos ao inimigo, ao povo.
Verificamos que são humanos, iguais aos nossos, que sofrem os mesmos receios, as mesmas mágoas, e o que é mais evidente, odeiam também a guerra tanto quanto os nossos, tanto quanto nós.
Torna-se preciso compreender que há toda uma força de liderança, toda uma máquina de ambição que dirigida e assomada por poucos, atira povo contra povo, homem contra homem, jovem contra jovem.
Assassina crianças e velhos numa destruição de sorrisos e sonhos, transforma seres humanos em animais a serviço dos seus interesses escusos de egoísmo.
Não me envergonho de dizer que sentia pena daquele povo, apesar de considerá-lo inimigo, tal como sentira do povo alemão, endurecido e transformado, manietado e iludido.
Às vezes me perguntava se tudo não passava de um pesadelo alucinante e interminável.
Apesar dos ingleses serem aliados, muitas vezes, diante das crianças mortas nos escombros fumegantes e dos gritos de horror e sangue, eu, esquecido da minha posição, os odiei.
Difícil explicar esse sentimento, mas surpreendi-me chorando e gritando contra eles.
Por isso, meu conceito diante de todos, crescia e ninguém conseguia duvidar de mim.
Não o fazia por encenação, mas, como revolta real e sentida diante do sofrimento dos inocentes.
Haveria algum lugar no mundo onde se podia viver em paz?
Acredito que não. Mas, nossos dias também se modificariam.
Certa noite, eu e Jesse recebíamos um companheiro no subterrâneo onde funcionava nosso aparelho de rádio transmissor, quando ouvimos o sinal da chegada de alguém.
Era iminente a queda de Singapura, e os norte-americanos incapazes de rechaçarem esse constante perigo que nos ameaçava destruir.
Foi nessa época que tiveram início os bombardeios na Hungria.
A temida Raf despejava sistematicamente nos pontos estratégicos centenas de bombas.
Por essa razão nosso trabalho recrudesceu.
Consegui tornar-me um enfermeiro razoável, porém, em situação muito particular.
Éramos forçados a atender e curar indivíduos que considerávamos inimigos mas que em razão das circunstâncias necessitávamos curar.
A população civil, duramente castigada, nos condoía de ver Jade, mas os oficiais do alto comando, e principalmente os nazistas que praticamente dominavam a cidade, era difícil ajudar.
Dr. Albert evitava o mais que podia de atender os alemães sediados em Budapeste, só o fazendo quando circunstâncias imperiosas o obrigavam pondo em risco nossa segurança.
Quando estamos na frente, inimigo é inimigo.
Todo um povo é nosso inimigo.
Diferente todavia, é a situação quando nos misturamos ao inimigo, ao povo.
Verificamos que são humanos, iguais aos nossos, que sofrem os mesmos receios, as mesmas mágoas, e o que é mais evidente, odeiam também a guerra tanto quanto os nossos, tanto quanto nós.
Torna-se preciso compreender que há toda uma força de liderança, toda uma máquina de ambição que dirigida e assomada por poucos, atira povo contra povo, homem contra homem, jovem contra jovem.
Assassina crianças e velhos numa destruição de sorrisos e sonhos, transforma seres humanos em animais a serviço dos seus interesses escusos de egoísmo.
Não me envergonho de dizer que sentia pena daquele povo, apesar de considerá-lo inimigo, tal como sentira do povo alemão, endurecido e transformado, manietado e iludido.
Às vezes me perguntava se tudo não passava de um pesadelo alucinante e interminável.
Apesar dos ingleses serem aliados, muitas vezes, diante das crianças mortas nos escombros fumegantes e dos gritos de horror e sangue, eu, esquecido da minha posição, os odiei.
Difícil explicar esse sentimento, mas surpreendi-me chorando e gritando contra eles.
Por isso, meu conceito diante de todos, crescia e ninguém conseguia duvidar de mim.
Não o fazia por encenação, mas, como revolta real e sentida diante do sofrimento dos inocentes.
Haveria algum lugar no mundo onde se podia viver em paz?
Acredito que não. Mas, nossos dias também se modificariam.
Certa noite, eu e Jesse recebíamos um companheiro no subterrâneo onde funcionava nosso aparelho de rádio transmissor, quando ouvimos o sinal da chegada de alguém.
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Re: Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto
Por um dispositivo electrónico, qualquer pessoa que cruzasse a porta da entrada principal era assinalada.
Imediatamente ligamos o receptor.
Tínhamos microfones em todos os compartimentos da casa.
Um alemão solicitava ao Dr. Albert com voz autoritária, que o acompanhasse.
Estremecemos.
Não parecia nada amigável.
Logo a voz pausada e calma do Dr. Albert respondeu:
— Vou apanhar a valise.
- Não vai precisar dela, Herr Doutor — e ajuntou reticencioso — talvez por muito tempo.
Empalidecemos. Sabíamos o que isto podia significar.
Olhei para Jesse.
Estava branca como cera. Houve uma pausa.
— Vou apanhar o capote — e suspeitando que estivéssemos ouvindo, perguntou.
Para onde vamos?
— Para o quartel-general. Algumas formalidades.
Precisamos de informações que sabemos o Sr. pode dar.
Quem mais está na casa?
— Estou só. Os criados já se recolheram.
— E sua filha?
— Em casa de um paciente com meu sobrinho trabalhando.
— Vá com ele apanhar o sobretudo — gritou o alemão.
— Não há necessidade. Não vou fugir.
A voz do doutor era calma e não indicava temor.
Ruídos de passos e botas, momentos depois:
— Gostaria de escrever um bilhete à minha filha.
- Escreva. Cuidado com o que diz.
Silêncio.
— "Minha filha. Recebi um chamado para prestar algumas informações ao exército.
Se me demorar não esqueça de ir a casa do Sr. Siroesser fazer o curativo.
Sei que o fará porque é muito boa filha.
Deus a abençoe, Albert,"
Lágrimas corriam pelos olhos de Jesse.
Apertava os lábios para conter-se diante do heroísmo do pai.
Sua mensagem, traduzida, significava que ele fora apanhado, descoberto.
Que ela fugisse o mais depressa possível, enquanto podia, despedia-se abençoando-a, e compreendemos que ele acreditava não mais tornar a vê-la.
Não conseguíamos entender como haviam descoberto nossas actividades.
Nada nos podia aclarar o mistério.
Imediatamente ligamos o receptor.
Tínhamos microfones em todos os compartimentos da casa.
Um alemão solicitava ao Dr. Albert com voz autoritária, que o acompanhasse.
Estremecemos.
Não parecia nada amigável.
Logo a voz pausada e calma do Dr. Albert respondeu:
— Vou apanhar a valise.
- Não vai precisar dela, Herr Doutor — e ajuntou reticencioso — talvez por muito tempo.
Empalidecemos. Sabíamos o que isto podia significar.
Olhei para Jesse.
Estava branca como cera. Houve uma pausa.
— Vou apanhar o capote — e suspeitando que estivéssemos ouvindo, perguntou.
Para onde vamos?
— Para o quartel-general. Algumas formalidades.
Precisamos de informações que sabemos o Sr. pode dar.
Quem mais está na casa?
— Estou só. Os criados já se recolheram.
— E sua filha?
— Em casa de um paciente com meu sobrinho trabalhando.
— Vá com ele apanhar o sobretudo — gritou o alemão.
— Não há necessidade. Não vou fugir.
A voz do doutor era calma e não indicava temor.
Ruídos de passos e botas, momentos depois:
— Gostaria de escrever um bilhete à minha filha.
- Escreva. Cuidado com o que diz.
Silêncio.
— "Minha filha. Recebi um chamado para prestar algumas informações ao exército.
Se me demorar não esqueça de ir a casa do Sr. Siroesser fazer o curativo.
Sei que o fará porque é muito boa filha.
Deus a abençoe, Albert,"
Lágrimas corriam pelos olhos de Jesse.
Apertava os lábios para conter-se diante do heroísmo do pai.
Sua mensagem, traduzida, significava que ele fora apanhado, descoberto.
Que ela fugisse o mais depressa possível, enquanto podia, despedia-se abençoando-a, e compreendemos que ele acreditava não mais tornar a vê-la.
Não conseguíamos entender como haviam descoberto nossas actividades.
Nada nos podia aclarar o mistério.
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Re: Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto
Contudo, o ruído de passos, a ordem do alemão para que dois soldados ficassem na casa aguardando a nossa volta para nos levar também.
Passados os primeiros momentos de espanto o agente Lassal que estava connosco foi o primeiro a movimentar-se.
Apanhou dois cálices de vinho e nos deu para reanimar.
Apesar do que eu já tinha passado, a surpresa e o medo fez-me tremer as pernas como se estivesse doente.
Jesse também tremia.
Lassal nos obrigou a sentar enquanto dizia:
— Ë fora de dúvida que foram descobertos.
Se os apanham, matam.
Precisamos estudar um meio de sairmos daqui sem que nos vejam.
Vamos queimar os papéis e destruir o que pudermos.
— Tem razão — concordei — mas acho melhor esperar que eles adormeçam lá em cima.
— Ê. Teremos algum tempo para preparar a partida.
Precisamos de três horas no mínimo, antes do amanhecer que esta época do ano vem muito cedo.
— E papai? Não devo abandoná-lo!
— Jesse! Você não poderá fazer nada se for presa.
Ele se sentirá feliz sabendo que você conseguiu salvar-se.
Não entende que vão interrogá-lo e se prenderem você a usarão para obrigá-lo a falar?
A voz de Lassal era carinhosa, mas enérgica.
Era o único que estava em condições de pensar com a cabeça fria.
— Tem razão. Eu sei que eles fazem isso.
Suspirou tristemente.
— Acha que vão matá-lo?
Havia imensa dor nessa pergunta aflita.
— Por ora acho que não. Pensam servir-se dele.
Eu não tinha nenhuma dúvida quanto a isso.
Conhecia a fundo esse problema.
Iriam torturá-lo e não sei se seu velho coração resistiria.
Lassal por certo intentava animar Jesse.
Nos minutos que se seguiram, pusemos mãos à obra.
No subterrâneo havia tudo quanto podíamos necessitar nas presentes circunstâncias.
Tudo estava preparado para uma fuga precipitada, sempre possível em nossas actividades.
Em uma hora e meia conseguimos preparar tudo, inventariar nossos objectos possíveis de serem levados, queimar todos os papéis relativos às nossas actividades.
Passados os primeiros momentos de espanto o agente Lassal que estava connosco foi o primeiro a movimentar-se.
Apanhou dois cálices de vinho e nos deu para reanimar.
Apesar do que eu já tinha passado, a surpresa e o medo fez-me tremer as pernas como se estivesse doente.
Jesse também tremia.
Lassal nos obrigou a sentar enquanto dizia:
— Ë fora de dúvida que foram descobertos.
Se os apanham, matam.
Precisamos estudar um meio de sairmos daqui sem que nos vejam.
Vamos queimar os papéis e destruir o que pudermos.
— Tem razão — concordei — mas acho melhor esperar que eles adormeçam lá em cima.
— Ê. Teremos algum tempo para preparar a partida.
Precisamos de três horas no mínimo, antes do amanhecer que esta época do ano vem muito cedo.
— E papai? Não devo abandoná-lo!
— Jesse! Você não poderá fazer nada se for presa.
Ele se sentirá feliz sabendo que você conseguiu salvar-se.
Não entende que vão interrogá-lo e se prenderem você a usarão para obrigá-lo a falar?
A voz de Lassal era carinhosa, mas enérgica.
Era o único que estava em condições de pensar com a cabeça fria.
— Tem razão. Eu sei que eles fazem isso.
Suspirou tristemente.
— Acha que vão matá-lo?
Havia imensa dor nessa pergunta aflita.
— Por ora acho que não. Pensam servir-se dele.
Eu não tinha nenhuma dúvida quanto a isso.
Conhecia a fundo esse problema.
Iriam torturá-lo e não sei se seu velho coração resistiria.
Lassal por certo intentava animar Jesse.
Nos minutos que se seguiram, pusemos mãos à obra.
No subterrâneo havia tudo quanto podíamos necessitar nas presentes circunstâncias.
Tudo estava preparado para uma fuga precipitada, sempre possível em nossas actividades.
Em uma hora e meia conseguimos preparar tudo, inventariar nossos objectos possíveis de serem levados, queimar todos os papéis relativos às nossas actividades.
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Re: Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto
Trocamos as roupas, modificamos a aparência.
Tudo pronto, resolvemos iniciar a fuga.
Pelo ruído regular e compassado, que vinha da sala de cima, sabíamos que os dois soldados dormiam a sono solto.
Havia porém, dois do lado de fora de sentinela.
Esses, evidentemente estariam mais atentos.
Contudo, podíamos sair pelos fundos, por uma galeria subterrânea que atravessando a casa atrás da nossa, nos dava acesso a outra rua, em local discreto onde residia uma parteira. Ninguém estranharia por ver sair gente por ali altas horas.
Era por lá que os nossos agentes entravam.
Jesse vestira-se de homem e parecia um menino apesar de não ser muito jovem.
Eu ao contrário, envelhecera com uma barba grisalha, ainda em voga nos velhos húngaros que não tinham acompanhado a época moderna.
Lassal, aparentando ser um lavrador também já maduro.
— Vamos — sussurrou depois de espiar pelo dispositivo próprio e verificar que os alemães ainda estavam guardando a porta de entrada da casa.
Enquanto ele ia na frente com uma pequena lanterna apontada para o chão, segurei a mão de Jesse para guiá-la e infundir-lhe coragem.
Sua delicada mão estava fria e trémula.
Naturalmente era-lhe sumamente penoso deixar a casa onde nascera, crescera e vivera toda sua vida.
Era um mundo de recordações e felicidade que ficava para trás destruído pela ambição e pelos choques mesquinhos dos interesses políticos.
Ajuizei toda sua angústia e a senti.
Louvo sua coragem.
Apesar de tudo, impávida, Jesse nos acompanhava sem lamentos ou fraquezas.
Saímos normalmente. A noite ia alta.
Fomos andando. Não podíamos contar com automóvel sem chamar atenção.
Desde que os alemães praticamente tomavam conta de Budapeste, haviam forçado o governo a armazenar combustível que em grande parte era açambarcado por eles.
Caminhamos calados.
Atravessamos a ponte e nos dirigimos aos arredores da cidade, onde em casa de um companheiro conseguimos bicicletas e continuamos viagem.
Quando chegamos a um sítio fora da cidade, o dia havia amanhecido e apesar de tudo, nossas esperanças também.
Tudo pronto, resolvemos iniciar a fuga.
Pelo ruído regular e compassado, que vinha da sala de cima, sabíamos que os dois soldados dormiam a sono solto.
Havia porém, dois do lado de fora de sentinela.
Esses, evidentemente estariam mais atentos.
Contudo, podíamos sair pelos fundos, por uma galeria subterrânea que atravessando a casa atrás da nossa, nos dava acesso a outra rua, em local discreto onde residia uma parteira. Ninguém estranharia por ver sair gente por ali altas horas.
Era por lá que os nossos agentes entravam.
Jesse vestira-se de homem e parecia um menino apesar de não ser muito jovem.
Eu ao contrário, envelhecera com uma barba grisalha, ainda em voga nos velhos húngaros que não tinham acompanhado a época moderna.
Lassal, aparentando ser um lavrador também já maduro.
— Vamos — sussurrou depois de espiar pelo dispositivo próprio e verificar que os alemães ainda estavam guardando a porta de entrada da casa.
Enquanto ele ia na frente com uma pequena lanterna apontada para o chão, segurei a mão de Jesse para guiá-la e infundir-lhe coragem.
Sua delicada mão estava fria e trémula.
Naturalmente era-lhe sumamente penoso deixar a casa onde nascera, crescera e vivera toda sua vida.
Era um mundo de recordações e felicidade que ficava para trás destruído pela ambição e pelos choques mesquinhos dos interesses políticos.
Ajuizei toda sua angústia e a senti.
Louvo sua coragem.
Apesar de tudo, impávida, Jesse nos acompanhava sem lamentos ou fraquezas.
Saímos normalmente. A noite ia alta.
Fomos andando. Não podíamos contar com automóvel sem chamar atenção.
Desde que os alemães praticamente tomavam conta de Budapeste, haviam forçado o governo a armazenar combustível que em grande parte era açambarcado por eles.
Caminhamos calados.
Atravessamos a ponte e nos dirigimos aos arredores da cidade, onde em casa de um companheiro conseguimos bicicletas e continuamos viagem.
Quando chegamos a um sítio fora da cidade, o dia havia amanhecido e apesar de tudo, nossas esperanças também.
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Re: Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto
CAPITULO X - O disfarce
Estávamos em pleno verão.
Não pude deixar de admirar a beleza das flores e a alegria dos pássaros.
Atravessei a praça Di Verona e enveredei pela via Sixtina.
Chegara a Roma havia horas apenas, após uma fuga por vezes acidentada e perigosa, por vezes tranquila e eivada de acontecimentos que, não fora as dramáticas circunstâncias em que vivíamos, poderíamos considerar pitorescos.
Na casa confortável e com jardineiras floridas, parei.
Adentrei o pequeno portão de ferro e galguei os poucos degraus que me conduziam à porta principal.
Fui imediatamente recebido quando bati.
Um velho criado conduziu-me à espaçosa sala, convidando-me a esperar.
Estava habituado ao encontro em lugares os mais estranhos e extravagantes possíveis e era a primeira vez que podia aproximar-me de maneira livre e natural.
Gonçalo recebeu-me muito bem, com maneiras corteses, embora sem muitos sorrisos.
Sua figura impressionou-me desde o primeiro momento.
Meia-idade, vestindo com apuro, moreno, cabelos finos e lisos, testa alta encimando olhos escuros e vivos. Um dos braços colocado em um lenço de seda amarrado ao pescoço.
Dei a senha e ouvi o que esperava.
Apresentei-me:
— Agente Lefreve, da resistência francesa.
— Já o esperava. Sente-se.
Como já é do seu conhecimento, estou encarregado de transmitir-lhe as ordens do comando do Marrocos.
Em virtude dos serviços que tem prestado, desejamos que escolha:
servir no Marrocos com as tropas do General De Gaulie ou continuar entre os nossos que estão com os partiziani na sabotagem e na rede de espionagem.
Embora honrado pela deferência aventurei:
- Onde julga que serei mais útil?
- Como sabe, os franceses que se conservaram fiéis ao justo anseio de liberdade, lutam desesperadamente na frente árabe para rechaçar os alemães.
A moral das tropas pelo que sei, não é das melhores, porquanto após a vergonha da derrota e da capitulação da França, ninguém ousa acreditar que possam ainda vencer o inimigo.
No entanto, eu acredito que esses homens, que revelaram uma coragem imensa de reagir, mesmo ante a falta de confiança dos aliados, ridicularizados por muitos, sem apoio sequer do povo do seu país, decepcionados, vencidos e oprimidos, poderão tornar-se vencedores, pois é do nosso conhecimento que estão dando tudo em dedicação e trabalho, no sentido de preparar-se convenientemente para escorraçar o inimigo.
Contudo, apesar da propaganda que temos feito, secretamente tentando aumentar o número das suas fileiras, elas ainda não estão suficientemente fortes para superar o inimigo.
Qualquer elemento que a ela se incorporasse, estaria fazendo enorme bem.
Por outro lado, poucos têm suficiente domínio e presença de espírito para defrontar os perigos da acção estratégica da retaguarda, tão importante e necessária ao êxito militar no planeamento eficiente.
Estávamos em pleno verão.
Não pude deixar de admirar a beleza das flores e a alegria dos pássaros.
Atravessei a praça Di Verona e enveredei pela via Sixtina.
Chegara a Roma havia horas apenas, após uma fuga por vezes acidentada e perigosa, por vezes tranquila e eivada de acontecimentos que, não fora as dramáticas circunstâncias em que vivíamos, poderíamos considerar pitorescos.
Na casa confortável e com jardineiras floridas, parei.
Adentrei o pequeno portão de ferro e galguei os poucos degraus que me conduziam à porta principal.
Fui imediatamente recebido quando bati.
Um velho criado conduziu-me à espaçosa sala, convidando-me a esperar.
Estava habituado ao encontro em lugares os mais estranhos e extravagantes possíveis e era a primeira vez que podia aproximar-me de maneira livre e natural.
Gonçalo recebeu-me muito bem, com maneiras corteses, embora sem muitos sorrisos.
Sua figura impressionou-me desde o primeiro momento.
Meia-idade, vestindo com apuro, moreno, cabelos finos e lisos, testa alta encimando olhos escuros e vivos. Um dos braços colocado em um lenço de seda amarrado ao pescoço.
Dei a senha e ouvi o que esperava.
Apresentei-me:
— Agente Lefreve, da resistência francesa.
— Já o esperava. Sente-se.
Como já é do seu conhecimento, estou encarregado de transmitir-lhe as ordens do comando do Marrocos.
Em virtude dos serviços que tem prestado, desejamos que escolha:
servir no Marrocos com as tropas do General De Gaulie ou continuar entre os nossos que estão com os partiziani na sabotagem e na rede de espionagem.
Embora honrado pela deferência aventurei:
- Onde julga que serei mais útil?
- Como sabe, os franceses que se conservaram fiéis ao justo anseio de liberdade, lutam desesperadamente na frente árabe para rechaçar os alemães.
A moral das tropas pelo que sei, não é das melhores, porquanto após a vergonha da derrota e da capitulação da França, ninguém ousa acreditar que possam ainda vencer o inimigo.
No entanto, eu acredito que esses homens, que revelaram uma coragem imensa de reagir, mesmo ante a falta de confiança dos aliados, ridicularizados por muitos, sem apoio sequer do povo do seu país, decepcionados, vencidos e oprimidos, poderão tornar-se vencedores, pois é do nosso conhecimento que estão dando tudo em dedicação e trabalho, no sentido de preparar-se convenientemente para escorraçar o inimigo.
Contudo, apesar da propaganda que temos feito, secretamente tentando aumentar o número das suas fileiras, elas ainda não estão suficientemente fortes para superar o inimigo.
Qualquer elemento que a ela se incorporasse, estaria fazendo enorme bem.
Por outro lado, poucos têm suficiente domínio e presença de espírito para defrontar os perigos da acção estratégica da retaguarda, tão importante e necessária ao êxito militar no planeamento eficiente.
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Re: Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto
Se quer minha opinião pessoal, conheço sua folha de serviços e aconselho-o a continuar connosco.
— Por certo Sr. Gonçalo.
Já está feita minha escolha. Ficarei com vocês.
— Muito bem. Deve contudo, tratar do embarque da filha do Dr. Albert.
Depois temos importante missão a incumbi-lo.
Ela vai ao front. Deseja ser útil, mas espera receber notícias do pai.
Acredita que ele esteja vivo?
Sacudi a cabeça indeciso.
— Não sei... Nunca se sabe o que eles pretendem.
Não sabemos até que ponto tinham conhecimento da verdade.
— Encarregamos dois companheiros de tentar salvá-lo.
Todos nós lhe devemos muito.
Tem sido de uma dedicação extraordinária.
E um idealista.
Senti-me aliviado.
Não gostava de recordar as torturas que sofrera na Alemanha e não suportava a ideia de que o bondoso Albert estava nas mesmas condições, ou piores talvez, suportando seu martírio para não nos delatar.
— Obteve alguma notícia? — perguntei ansioso.
— Vagas. Acreditamos que ainda esteja vivo.
Não sabia se era melhor que estivesse vivo ainda ou que já tivesse se libertado pela morte.
Ultimamos os detalhes da partida de Jesse e, prometendo voltar no dia imediato para receber novas ordens, me retirei.
Apesar das fisionomias sombrias dos transeuntes e dos diversos escombros que enfeiavam a cidade, a manhã nunca esteve tão bela e agradável.
Olhava para o céu, de um azul puro e brilhante, e não podia conceber a tragédia em que vivíamos.
Todavia, bastava alçar os olhos pelas ruas e a marca da guerra se fazia sentir através das ruínas a retratar-se na fisionomia triste do povo nas ruas.
Apressei-me.
Precisava conduzir Jesse a bordo de um navio em Génova.
Não havia tempo a perder.
Fui encontrá-la um pouco triste e melancólica.
Falei-lhe sobre seu pai o que lhe propiciou algum reconforto.
Apesar de tudo, não mantinha muitas ilusões quanto a uma possível fuga.
Mas acredito que no fundo, bem no fundo, ainda rezava para que o milagre acontecesse.
Fomos a Génova e depois de algumas formalidades que conseguimos vencer com documentos falsos, despedi-me.
Éramos realmente bons amigos.
Senti-me ainda mais só depois que deixei o porto de volta a Roma.
Mas, importava vencer nossa luta, poder estabelecer a paz, uma paz duradoura e eficiente, onde pudéssemos retomar o fio da nossa vida tão duramente interrompida.
— Por certo Sr. Gonçalo.
Já está feita minha escolha. Ficarei com vocês.
— Muito bem. Deve contudo, tratar do embarque da filha do Dr. Albert.
Depois temos importante missão a incumbi-lo.
Ela vai ao front. Deseja ser útil, mas espera receber notícias do pai.
Acredita que ele esteja vivo?
Sacudi a cabeça indeciso.
— Não sei... Nunca se sabe o que eles pretendem.
Não sabemos até que ponto tinham conhecimento da verdade.
— Encarregamos dois companheiros de tentar salvá-lo.
Todos nós lhe devemos muito.
Tem sido de uma dedicação extraordinária.
E um idealista.
Senti-me aliviado.
Não gostava de recordar as torturas que sofrera na Alemanha e não suportava a ideia de que o bondoso Albert estava nas mesmas condições, ou piores talvez, suportando seu martírio para não nos delatar.
— Obteve alguma notícia? — perguntei ansioso.
— Vagas. Acreditamos que ainda esteja vivo.
Não sabia se era melhor que estivesse vivo ainda ou que já tivesse se libertado pela morte.
Ultimamos os detalhes da partida de Jesse e, prometendo voltar no dia imediato para receber novas ordens, me retirei.
Apesar das fisionomias sombrias dos transeuntes e dos diversos escombros que enfeiavam a cidade, a manhã nunca esteve tão bela e agradável.
Olhava para o céu, de um azul puro e brilhante, e não podia conceber a tragédia em que vivíamos.
Todavia, bastava alçar os olhos pelas ruas e a marca da guerra se fazia sentir através das ruínas a retratar-se na fisionomia triste do povo nas ruas.
Apressei-me.
Precisava conduzir Jesse a bordo de um navio em Génova.
Não havia tempo a perder.
Fui encontrá-la um pouco triste e melancólica.
Falei-lhe sobre seu pai o que lhe propiciou algum reconforto.
Apesar de tudo, não mantinha muitas ilusões quanto a uma possível fuga.
Mas acredito que no fundo, bem no fundo, ainda rezava para que o milagre acontecesse.
Fomos a Génova e depois de algumas formalidades que conseguimos vencer com documentos falsos, despedi-me.
Éramos realmente bons amigos.
Senti-me ainda mais só depois que deixei o porto de volta a Roma.
Mas, importava vencer nossa luta, poder estabelecer a paz, uma paz duradoura e eficiente, onde pudéssemos retomar o fio da nossa vida tão duramente interrompida.
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Re: Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto
Inútil querer esquecer Ana.
Ela fazia parte de mim. Meu filho também.
Quando cheguei a noite já havia caído e oprimiu-me perceber que ao invés dos pássaros e das flores da manhã, havia um número verdadeiramente enervante de soldados alemães.
Não havia um lugar que eu fosse que eles não estivessem.
Recolhi-me ao modesto hotel. onde me registara como correspondente de guerra.
A França, após o armistício, passara a colaborar com o Eixo e munido de documentação devidamente autorizada pela Gestapo, eu podia trabalhar livremente, usando minha cidadania francesa.
Era evidente que meus documentos eram falsos, mas proporcionavam-me uma liberdade bastante agradável porquanto eu podia ser eu mesmo, sem necessidade alguma de fugir.
Havia grande interesse por parte dos alemães em conquistar a simpatia do povo francês ou pelo menos, de evitar que a propaganda dos partidários da França Livre, realizadas tantas vezes por estações de rádio clandestinas e itinerantes, revivesse o grande patriotismo dos nossos, incitando-os a ajudar e cooperar com a resistência, causando-lhes por isso enormes problemas e dificuldades.
Eram por isso muito bem recebidos certos repórteres que sob seu controlo, mostravam-se simpatizantes pela causa do invasores.
Claro que os que colaboraram com eles o faziam coagidos e por medo.
Alguns acreditavam que podiam mandar mensagens cifradas e para tornar isso possível procuravam publicar alguns artigos colaboracionistas.
Fui para o quarto.
A solidão apertou-me o coração oprimido.
Como seria bom ver Ana de novo. Karl já completara 1 ano.
Como estaria? Apesar do cansaço o sono custou a vir.
No dia imediato, levantei-me cedo.
Saí. Queria gozar um pouco mais o aroma leve da manhã.
Ao cruzar por uma rua fui abordado por uma mocinha.
Era gentil e dirigiu-me uma pergunta formal.
Não entendeu meu francês mas sorriu quando verificou que eu compreendia um pouco do seu italiano.
Contou-me uma história triste, dramática mesmo e terminou por pedir-me algum dinheiro para comprar alimento para os seus.
Nosso dinheiro era contado.
Procurávamos fazer o mínimo de despesas, sempre preocupados em manter recursos para nos suprirem numa emergência.
Mas, não pude isentar-me completamente.
Dei-lhe algum dinheiro e ela, levantando-se na ponta dos pés ofereceu-me os lábios com naturalidade.
Vendo-me hesitar perguntou:
— Não quer?
Senti-me um pouco sem jeito.
Vendo-lhe o olhar decidido, arrisquei um suave roçar de lábios em sua face.
Ela fazia parte de mim. Meu filho também.
Quando cheguei a noite já havia caído e oprimiu-me perceber que ao invés dos pássaros e das flores da manhã, havia um número verdadeiramente enervante de soldados alemães.
Não havia um lugar que eu fosse que eles não estivessem.
Recolhi-me ao modesto hotel. onde me registara como correspondente de guerra.
A França, após o armistício, passara a colaborar com o Eixo e munido de documentação devidamente autorizada pela Gestapo, eu podia trabalhar livremente, usando minha cidadania francesa.
Era evidente que meus documentos eram falsos, mas proporcionavam-me uma liberdade bastante agradável porquanto eu podia ser eu mesmo, sem necessidade alguma de fugir.
Havia grande interesse por parte dos alemães em conquistar a simpatia do povo francês ou pelo menos, de evitar que a propaganda dos partidários da França Livre, realizadas tantas vezes por estações de rádio clandestinas e itinerantes, revivesse o grande patriotismo dos nossos, incitando-os a ajudar e cooperar com a resistência, causando-lhes por isso enormes problemas e dificuldades.
Eram por isso muito bem recebidos certos repórteres que sob seu controlo, mostravam-se simpatizantes pela causa do invasores.
Claro que os que colaboraram com eles o faziam coagidos e por medo.
Alguns acreditavam que podiam mandar mensagens cifradas e para tornar isso possível procuravam publicar alguns artigos colaboracionistas.
Fui para o quarto.
A solidão apertou-me o coração oprimido.
Como seria bom ver Ana de novo. Karl já completara 1 ano.
Como estaria? Apesar do cansaço o sono custou a vir.
No dia imediato, levantei-me cedo.
Saí. Queria gozar um pouco mais o aroma leve da manhã.
Ao cruzar por uma rua fui abordado por uma mocinha.
Era gentil e dirigiu-me uma pergunta formal.
Não entendeu meu francês mas sorriu quando verificou que eu compreendia um pouco do seu italiano.
Contou-me uma história triste, dramática mesmo e terminou por pedir-me algum dinheiro para comprar alimento para os seus.
Nosso dinheiro era contado.
Procurávamos fazer o mínimo de despesas, sempre preocupados em manter recursos para nos suprirem numa emergência.
Mas, não pude isentar-me completamente.
Dei-lhe algum dinheiro e ela, levantando-se na ponta dos pés ofereceu-me os lábios com naturalidade.
Vendo-me hesitar perguntou:
— Não quer?
Senti-me um pouco sem jeito.
Vendo-lhe o olhar decidido, arrisquei um suave roçar de lábios em sua face.
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Re: Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto
— O que há com você?
Tem algum problema?
— Não, menina.
Apenas você me recorda minha irmã...
Ela ficou séria.
Seus olhos grandes, nublaram-se de tristeza.
— Gostaria de ser como ela.
Talvez eu tenha sido, antes da guerra.
Mas, a fome muda as criaturas.
Jurei que nunca mais os meus sofrerão se eu puder evitar.
Subitamente ergueu-se na ponta dos pés e beijou-me o rosto com suavidade.
— Deus o guarde e abençoe.
Foi o primeiro homem que deu e nada quis em troca.
Saiu rapidamente e senti-me muito triste.
Pensava em minha irmã e em Ana.
Poderiam manter-se a salvo?
Perdi o prazer de fixar a manhã que se apresentava clara e límpida.
A passos firmes e decididos, dirigi-me à casa de Gonçalo.
Eram cerca de 9 horas quando entrei.
Tive a grata satisfação de ver Jean e Leterre.
Abraçamo-nos satisfeitos.
Cada companheiro representa um elo da família ligado pelo mesmo ideal.
Esperavam-me.
Bir-Hakeim resistia. Os alemães rechaçados!
Entretanto, traziam delicada missão para cumprir.
Nosso trabalho, agora que a primeira vitória se objectivava, precisava estender-se principalmente em nossa pátria.
Necessitávamos formar elementos, arregimentar companheiros, estender a colaboração interna de molde a realizar trabalho consentâneo, produtivo.
Propunham-me finalmente o regresso! O regresso à minha querida terra!
O risco era grande, sabíamos, mas o desejo de voltar, o interesse de vencer, nos fazia esquecê-lo.
Acertamos os planos.
Era evidente que não podíamos regressar simplesmente, quando os soldados ou fugiam para lutar pela França Livre, ou serviam sob o comando dos alemães.
Seríamos soldados incapacitados pela guerra. Feridos que retornavam ao lar.
Mas havia um detalhe importante. Todos éramos do batalhão A do General Brizot.
Servíramos sob ordens do General Petain.
Tentaríamos localizar a família e aparentemente voltar a viver normalmente.
Jean era de Marselha, Leterre de Lyon e eu de Paris.
Tem algum problema?
— Não, menina.
Apenas você me recorda minha irmã...
Ela ficou séria.
Seus olhos grandes, nublaram-se de tristeza.
— Gostaria de ser como ela.
Talvez eu tenha sido, antes da guerra.
Mas, a fome muda as criaturas.
Jurei que nunca mais os meus sofrerão se eu puder evitar.
Subitamente ergueu-se na ponta dos pés e beijou-me o rosto com suavidade.
— Deus o guarde e abençoe.
Foi o primeiro homem que deu e nada quis em troca.
Saiu rapidamente e senti-me muito triste.
Pensava em minha irmã e em Ana.
Poderiam manter-se a salvo?
Perdi o prazer de fixar a manhã que se apresentava clara e límpida.
A passos firmes e decididos, dirigi-me à casa de Gonçalo.
Eram cerca de 9 horas quando entrei.
Tive a grata satisfação de ver Jean e Leterre.
Abraçamo-nos satisfeitos.
Cada companheiro representa um elo da família ligado pelo mesmo ideal.
Esperavam-me.
Bir-Hakeim resistia. Os alemães rechaçados!
Entretanto, traziam delicada missão para cumprir.
Nosso trabalho, agora que a primeira vitória se objectivava, precisava estender-se principalmente em nossa pátria.
Necessitávamos formar elementos, arregimentar companheiros, estender a colaboração interna de molde a realizar trabalho consentâneo, produtivo.
Propunham-me finalmente o regresso! O regresso à minha querida terra!
O risco era grande, sabíamos, mas o desejo de voltar, o interesse de vencer, nos fazia esquecê-lo.
Acertamos os planos.
Era evidente que não podíamos regressar simplesmente, quando os soldados ou fugiam para lutar pela França Livre, ou serviam sob o comando dos alemães.
Seríamos soldados incapacitados pela guerra. Feridos que retornavam ao lar.
Mas havia um detalhe importante. Todos éramos do batalhão A do General Brizot.
Servíramos sob ordens do General Petain.
Tentaríamos localizar a família e aparentemente voltar a viver normalmente.
Jean era de Marselha, Leterre de Lyon e eu de Paris.
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Re: Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto
Manteríamos contacto pelo rádio e tínhamos já os elementos de ligação mais próximos aos lugares do nosso destino.
O mais, competia-nos organizar.
Viajaríamos no dia imediato.
Antes, teríamos que submeter-nos a algumas modificações em nosso físico.
Gonçalo tinha elementos para isso e sem perda de tempo, fomos conduzidos a uma sala onde um companheiro nos aguardava.
E como era hábil.
Imediatamente começou a trabalhar e algumas horas depois, ficamos 3 pobres diabos.
Jean com uma horrível cicatriz na cabeça, rosto modificado por um bigode.
Leterre, braço repuxado em marca desagradável e imobilizado.
Eu, cego de um olho.
Por um dispositivo colocado dentro das minhas calças, coxeava involuntariamente.
Nem voltei ao hotel.
Gonçalo providenciara minha bagagem e pagara a conta.
Nem despertou suspeitas. Os jornalistas sempre corriam atrás das notícias.
Alguns às vezes esqueciam-se de pagar desapareciam para reclamar seus pertences tempos depois, alegando trabalho no front.
Eu estava emocionadíssimo.
Sabia que devia descansar e enquanto não chegava o momento de viajar, deitei-me para controlar as forças, mantendo o equilíbrio; mas, quem poderia?
Saímos altas horas da noite e foi Gonçalo quem nos acompanhou pessoalmente.
Deixamos a cidade, O carro corria célere.
Devíamos viajar com a ajuda de alguns companheiros até a fronteira.
Não sabia como Gonçalo podia ter tanto prestígio em Roma para nos dar tanta ajuda.
O mais, competia-nos organizar.
Viajaríamos no dia imediato.
Antes, teríamos que submeter-nos a algumas modificações em nosso físico.
Gonçalo tinha elementos para isso e sem perda de tempo, fomos conduzidos a uma sala onde um companheiro nos aguardava.
E como era hábil.
Imediatamente começou a trabalhar e algumas horas depois, ficamos 3 pobres diabos.
Jean com uma horrível cicatriz na cabeça, rosto modificado por um bigode.
Leterre, braço repuxado em marca desagradável e imobilizado.
Eu, cego de um olho.
Por um dispositivo colocado dentro das minhas calças, coxeava involuntariamente.
Nem voltei ao hotel.
Gonçalo providenciara minha bagagem e pagara a conta.
Nem despertou suspeitas. Os jornalistas sempre corriam atrás das notícias.
Alguns às vezes esqueciam-se de pagar desapareciam para reclamar seus pertences tempos depois, alegando trabalho no front.
Eu estava emocionadíssimo.
Sabia que devia descansar e enquanto não chegava o momento de viajar, deitei-me para controlar as forças, mantendo o equilíbrio; mas, quem poderia?
Saímos altas horas da noite e foi Gonçalo quem nos acompanhou pessoalmente.
Deixamos a cidade, O carro corria célere.
Devíamos viajar com a ajuda de alguns companheiros até a fronteira.
Não sabia como Gonçalo podia ter tanto prestígio em Roma para nos dar tanta ajuda.
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Re: Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto
CAPÍTULO XI - Finalmente o lar
Quando ele viu que eu olhava seguidamente para seu braço imobilizado no lenço amarrado ao pescoço, sorriu e disse:
— Infelizmente esse não foi conseguido com a ajuda do Dino. Foi muito pior.
Em todo caso se algum dia nos tornarmos a ver, contarei como consegui ficar assim.
Sorri meio encabulado. Gonçalo era na realidade muito arguto, conseguira ler-me o pensamento.
Depois dos sofrimentos e dos perigos vencidos, pensei já ter esgotado minha capacidade emocional, entretanto, devo dizer que ao ver paisagens do meu país, estremeci de emoção.
Apesar da tensão, Leterre podia conversar com Gonçalo ultimando os detalhes da campanha a ser desenvolvida dentro da França.
Mas, tanto eu como Jean mergulhávamos no oceano apesar das marcas evidentes da ocupação nazista, eu sentia revolto dos nossos pensamentos íntimos e não podíamos esconder que respirava o ambiente familiar do qual por tanto tempo me vira privado.
A ansiedade e a angústia que nos mantinha na incerteza de poder reencontrar os nossos, na contingência de tomar conhecimento.
As encantadoras paisagens de Toulouse, as árvores cariciosas e a tragédia que se abatera sobre nós, nossa gente, nossa casa, das matas de Cherbiset, as vilas e subúrbios e finalmente Paris, minha cidade, meu enlevo.
Descendo na gare, despedi-me dos dois companheiros acertando detalhes do nosso plano e com o coração aos pulos dirigi-me a San Martin, onde residia.
Foi com verdadeira emoção que desci frente ao gracioso jardim de minha casa.
Meu corpo tremia e para que as pernas pudessem suster-me, encostei ao portão aguardando que as emoções serenassem.
Ao mesmo tempo, a alegria e o receio de alguma notícia má davam-me calafrios e faziam-me demorar ainda mais para entrar.
Era noite. A luz estava acesa no hall de entrada e na sala de estar.
Quem encontraria? Respirei profundamente.
Depois, decidi-me.
Toquei a sineta da porta.
Uma mulher de roupa escura apareceu à soleira.
Vendo-me teve um gesto de susto.
Apesar da mudança que constatei em toda sua figura, não pude conter-me:
— Mãe! Sou eu!
Ela abriu muito os olhos, quis falar, mas a voz não saiu.
De um salto subi os poucos degraus e atirei-me em seus braços trémulos e nervosos.
Choramos juntos.
— Meu pequeno — conseguiu ela sussurrar — você está vivo! Você voltou!
— Voltei mãe querida. Voltei com a graça do bom Deus!
- Deixe-me vê-lo! Quanto mal lhe fizeram!
Prorrompeu em pranto constatando meu precário estado físico.
Eu estava ansioso demais por notícias e por isso não desfiz o equívoco.
- E papai? E Gisele?
— Vamos vivendo, Denizarth, vamos vivendo.
Suspirei mais aliviado. Estavam vivos.
Quando ele viu que eu olhava seguidamente para seu braço imobilizado no lenço amarrado ao pescoço, sorriu e disse:
— Infelizmente esse não foi conseguido com a ajuda do Dino. Foi muito pior.
Em todo caso se algum dia nos tornarmos a ver, contarei como consegui ficar assim.
Sorri meio encabulado. Gonçalo era na realidade muito arguto, conseguira ler-me o pensamento.
Depois dos sofrimentos e dos perigos vencidos, pensei já ter esgotado minha capacidade emocional, entretanto, devo dizer que ao ver paisagens do meu país, estremeci de emoção.
Apesar da tensão, Leterre podia conversar com Gonçalo ultimando os detalhes da campanha a ser desenvolvida dentro da França.
Mas, tanto eu como Jean mergulhávamos no oceano apesar das marcas evidentes da ocupação nazista, eu sentia revolto dos nossos pensamentos íntimos e não podíamos esconder que respirava o ambiente familiar do qual por tanto tempo me vira privado.
A ansiedade e a angústia que nos mantinha na incerteza de poder reencontrar os nossos, na contingência de tomar conhecimento.
As encantadoras paisagens de Toulouse, as árvores cariciosas e a tragédia que se abatera sobre nós, nossa gente, nossa casa, das matas de Cherbiset, as vilas e subúrbios e finalmente Paris, minha cidade, meu enlevo.
Descendo na gare, despedi-me dos dois companheiros acertando detalhes do nosso plano e com o coração aos pulos dirigi-me a San Martin, onde residia.
Foi com verdadeira emoção que desci frente ao gracioso jardim de minha casa.
Meu corpo tremia e para que as pernas pudessem suster-me, encostei ao portão aguardando que as emoções serenassem.
Ao mesmo tempo, a alegria e o receio de alguma notícia má davam-me calafrios e faziam-me demorar ainda mais para entrar.
Era noite. A luz estava acesa no hall de entrada e na sala de estar.
Quem encontraria? Respirei profundamente.
Depois, decidi-me.
Toquei a sineta da porta.
Uma mulher de roupa escura apareceu à soleira.
Vendo-me teve um gesto de susto.
Apesar da mudança que constatei em toda sua figura, não pude conter-me:
— Mãe! Sou eu!
Ela abriu muito os olhos, quis falar, mas a voz não saiu.
De um salto subi os poucos degraus e atirei-me em seus braços trémulos e nervosos.
Choramos juntos.
— Meu pequeno — conseguiu ela sussurrar — você está vivo! Você voltou!
— Voltei mãe querida. Voltei com a graça do bom Deus!
- Deixe-me vê-lo! Quanto mal lhe fizeram!
Prorrompeu em pranto constatando meu precário estado físico.
Eu estava ansioso demais por notícias e por isso não desfiz o equívoco.
- E papai? E Gisele?
— Vamos vivendo, Denizarth, vamos vivendo.
Suspirei mais aliviado. Estavam vivos.
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Re: Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto
Fechou a porta e conduziu-me para dentro.
Seu rosto espelhava tanta felicidade que apesar de sua aparência estar muito cansada e dos seus cabelos terem-se tornado grisalhos, assemelhou-se ao que sempre fora: jovem e bonita.
Olhou-me ainda uma vez e tornou:
— Pobre filho. O que lhe fizeram!
Mas, não importa nada... o principal é viver e você está vivo.
— Quero ver os outros. Onde estão?
— Meu pobre Pierre para fazer frente às nossas dificuldades tem trabalhado algumas horas por noite.
Logo mais deve estar aqui, Mon Dieu! Que alegria vai ter!!
— E... Gisele?
Mamãe fez um movimento brusco.
Depois sorriu:
— Tudo bem.
É moça, você sabe, foi a uma reunião em casa de amigas.
— Vai demorar-se?
— Talvez... Era uma festa de aniversário.
Precisamos todos de um pouco de esquecimento.
— Como vão os negócios? Papai está bem?
A fisionomia dela anuviou-se um pouco:
— Mais ou menos. Você sabe, a guerra.
Embora haja o armistício, ela continua.
A justiça está subordinada aos militares.
Quase nada há para fazer, O tribunal praticamente sem acção.
Os boches tomaram conta de tudo.
Seu pai arranjou algumas escritas comerciais e vamos indo.
Não pude dominar minha decepção.
— Um advogado como ele!
Escritas comerciais?
Mamãe teve uma expressão resignada.
— É só por agora.
Quando a guerra acabar, ele retomará seu trabalho.
Mas, e você?
Pensamos que estivesse morto! Choramos muito.
Apressadamente abriu uma gaveta do console e apanhou um papel do Ministério da Guerra.
Seu rosto espelhava tanta felicidade que apesar de sua aparência estar muito cansada e dos seus cabelos terem-se tornado grisalhos, assemelhou-se ao que sempre fora: jovem e bonita.
Olhou-me ainda uma vez e tornou:
— Pobre filho. O que lhe fizeram!
Mas, não importa nada... o principal é viver e você está vivo.
— Quero ver os outros. Onde estão?
— Meu pobre Pierre para fazer frente às nossas dificuldades tem trabalhado algumas horas por noite.
Logo mais deve estar aqui, Mon Dieu! Que alegria vai ter!!
— E... Gisele?
Mamãe fez um movimento brusco.
Depois sorriu:
— Tudo bem.
É moça, você sabe, foi a uma reunião em casa de amigas.
— Vai demorar-se?
— Talvez... Era uma festa de aniversário.
Precisamos todos de um pouco de esquecimento.
— Como vão os negócios? Papai está bem?
A fisionomia dela anuviou-se um pouco:
— Mais ou menos. Você sabe, a guerra.
Embora haja o armistício, ela continua.
A justiça está subordinada aos militares.
Quase nada há para fazer, O tribunal praticamente sem acção.
Os boches tomaram conta de tudo.
Seu pai arranjou algumas escritas comerciais e vamos indo.
Não pude dominar minha decepção.
— Um advogado como ele!
Escritas comerciais?
Mamãe teve uma expressão resignada.
— É só por agora.
Quando a guerra acabar, ele retomará seu trabalho.
Mas, e você?
Pensamos que estivesse morto! Choramos muito.
Apressadamente abriu uma gaveta do console e apanhou um papel do Ministério da Guerra.
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Re: Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto
Pude ler:
"Lamentamos informar que seu filho, o soldado de infantaria Denizarth Lefreve, componente do batalhão A da 3.Divisão, foi dado como desaparecido no último combate.
etc..."
Olhei para o rosto comovido de minha mãe.
Ela chorava talvez evocando seus sofrimentos.
Abracei-a com carinho.
Beijei-lhe os cabelos sedosos.
— Sei que a senhora rezou.
Foram certamente suas preces que me salvaram a vida.
Vem. Senta aqui ao meu lado, vou contar tudo.
E, no aconchego morno do lar acolhedor, no colo querido de minha comovida mãe, desfiei o rosário das minhas lutas, que ela ouviu em silêncio, conservando minhas mãos entre as suas, apertando-as com força nos momentos de maior dramaticidade.
Quando terminei olhou-me com firmeza e em seu rosto havia uma energia nova.
— Meu querido! Estou orgulhosa!
Você, da Resistência Francesa!
Sempre me perguntei de que lado você estaria se estivesse aqui.
Agora sei! Orgulho-me disso!
O que se tem visto por aqui, cobre-nos de vergonha!
Somos subjugados covardemente.
O armistício de nada valeu.
Não temos liberdade.
Somos vigiados.
Nossos víveres controlados.
Nossas roupas requisitadas, nossas casas, a qualquer hora visitadas por soldados que ao menor pretexto, levam nosso vinho, roubam nossos objectos de arte.
E nós, somos obrigados a sorrir, a suportar todo abuso, a ceder a todos seus caprichos.
Isto é intolerável.
Conte comigo.
Também quero ser da Resistência.
Todos querem.
Todos estão cansados e feridos pela odiosa ocupação.
Abraçou-me ainda uma vez e comovida tornou:
— Que Deus abençoe todos vocês.
Conversamos ainda longamente, enquanto eu comia um pouco de queijo e vinho.
"Lamentamos informar que seu filho, o soldado de infantaria Denizarth Lefreve, componente do batalhão A da 3.Divisão, foi dado como desaparecido no último combate.
etc..."
Olhei para o rosto comovido de minha mãe.
Ela chorava talvez evocando seus sofrimentos.
Abracei-a com carinho.
Beijei-lhe os cabelos sedosos.
— Sei que a senhora rezou.
Foram certamente suas preces que me salvaram a vida.
Vem. Senta aqui ao meu lado, vou contar tudo.
E, no aconchego morno do lar acolhedor, no colo querido de minha comovida mãe, desfiei o rosário das minhas lutas, que ela ouviu em silêncio, conservando minhas mãos entre as suas, apertando-as com força nos momentos de maior dramaticidade.
Quando terminei olhou-me com firmeza e em seu rosto havia uma energia nova.
— Meu querido! Estou orgulhosa!
Você, da Resistência Francesa!
Sempre me perguntei de que lado você estaria se estivesse aqui.
Agora sei! Orgulho-me disso!
O que se tem visto por aqui, cobre-nos de vergonha!
Somos subjugados covardemente.
O armistício de nada valeu.
Não temos liberdade.
Somos vigiados.
Nossos víveres controlados.
Nossas roupas requisitadas, nossas casas, a qualquer hora visitadas por soldados que ao menor pretexto, levam nosso vinho, roubam nossos objectos de arte.
E nós, somos obrigados a sorrir, a suportar todo abuso, a ceder a todos seus caprichos.
Isto é intolerável.
Conte comigo.
Também quero ser da Resistência.
Todos querem.
Todos estão cansados e feridos pela odiosa ocupação.
Abraçou-me ainda uma vez e comovida tornou:
— Que Deus abençoe todos vocês.
Conversamos ainda longamente, enquanto eu comia um pouco de queijo e vinho.
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Re: Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto
Estava ansioso por rever meu pai.
A qualquer ruído sustinha a respiração em expectativa.
Quando o vi entrar não pude refrear minha alegria.
Corri para ele e permanecemos braçados alguns minutos.
Voz embargada, sem poder falar.
Depois, olhamo-nos. Ele estava magro e cansado.
Sua roupa um pouco gasta, seus cabelos grisalhos. Como envelhecera!
Os olhos, entretanto, fitavam-me enternecidos e neles reconheci a velha e querida chama de energia e nobreza, desprendimento e coragem que sempre me fascinaram.
Meio sem jeito, alisou a roupa e sorrindo explicou:
— Precisamos andar assim, para termos sossego!
Vestindo bem, chamamos a atenção deles que vêm nos visitar com frequência.
Pobre papai. Sempre vestira-se com apuro.
Orgulhava-se da sua elegância.
Minha aparência quase miserável, devia infundir-lhe desagradável impressão.
Apressei-me a contar-lhe tudo e seu rosto tornava-se grave à medida que eu discorria, catalogando os factos.
Ouviu quieto. Ao fim da minha narrativa, continuou em silêncio.
— E então? — perguntei — o que me diz?
— Filho, tenho medo.
Pela primeira vez, tenho medo.
Estamos perdidos.
Será muito difícil a um povo derrotado como o nosso, desacreditado e vencido, esmagado pela maior potência mundial, conseguir essa libertação.
Eu diria que é quase um suicídio.
Fiquei um pouco chocado.
Meu pai tão patriota, tão amante da liberdade, lutando pelo direito, a dizer-me aquilo, como se nada mais restasse para ser feito, como se devêssemos baixar a cabeça ao tacão inflexível do inimigo.
— Pai, hoje somos poucos, amanhã, seremos muitos.
Eles serão derrotados!
Meu pai passou, as mãos finas pelos cabelos um tanto despenteados e tornou:
— Perdoe-me. Estou cansado.
Temo por você, pela sua segurança.
Acontece que eu já vi outra guerra.
Tão dura, tão terrível quanto esta.
Lutei, por 3 anos, servi, fui ferido, como você, vi companheiros morrerem, lares destruídos, mulheres assassinadas, fome, peste, um mundo de vítimas tombando indefesas, devoradas ao reflexo das ambições humanas.
A qualquer ruído sustinha a respiração em expectativa.
Quando o vi entrar não pude refrear minha alegria.
Corri para ele e permanecemos braçados alguns minutos.
Voz embargada, sem poder falar.
Depois, olhamo-nos. Ele estava magro e cansado.
Sua roupa um pouco gasta, seus cabelos grisalhos. Como envelhecera!
Os olhos, entretanto, fitavam-me enternecidos e neles reconheci a velha e querida chama de energia e nobreza, desprendimento e coragem que sempre me fascinaram.
Meio sem jeito, alisou a roupa e sorrindo explicou:
— Precisamos andar assim, para termos sossego!
Vestindo bem, chamamos a atenção deles que vêm nos visitar com frequência.
Pobre papai. Sempre vestira-se com apuro.
Orgulhava-se da sua elegância.
Minha aparência quase miserável, devia infundir-lhe desagradável impressão.
Apressei-me a contar-lhe tudo e seu rosto tornava-se grave à medida que eu discorria, catalogando os factos.
Ouviu quieto. Ao fim da minha narrativa, continuou em silêncio.
— E então? — perguntei — o que me diz?
— Filho, tenho medo.
Pela primeira vez, tenho medo.
Estamos perdidos.
Será muito difícil a um povo derrotado como o nosso, desacreditado e vencido, esmagado pela maior potência mundial, conseguir essa libertação.
Eu diria que é quase um suicídio.
Fiquei um pouco chocado.
Meu pai tão patriota, tão amante da liberdade, lutando pelo direito, a dizer-me aquilo, como se nada mais restasse para ser feito, como se devêssemos baixar a cabeça ao tacão inflexível do inimigo.
— Pai, hoje somos poucos, amanhã, seremos muitos.
Eles serão derrotados!
Meu pai passou, as mãos finas pelos cabelos um tanto despenteados e tornou:
— Perdoe-me. Estou cansado.
Temo por você, pela sua segurança.
Acontece que eu já vi outra guerra.
Tão dura, tão terrível quanto esta.
Lutei, por 3 anos, servi, fui ferido, como você, vi companheiros morrerem, lares destruídos, mulheres assassinadas, fome, peste, um mundo de vítimas tombando indefesas, devoradas ao reflexo das ambições humanas.
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Re: Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto
Tinha então a convicção íntima de libertar o mundo!
Quando festejarmos a vitória, cantamos hinos à paz, certos de que, pelo elevado preço que pagáramos de vidas humanas ceifadas nas belezas da juventude, nunca mais se falaria em guerra.
Os jornais, comentando os planos de reconstrução e de vigilância para com os vencidos, falavam de um futuro de concórdia e amor entre os homens!
Vinte e um anos depois, compreendemos que aquela paz fora fictícia.
Que o sangue dos inocentes não bastava para alimentar a sede de poder e de vingança.
E, esta guerra, reveste-se de maiores poderes de destruição.
Quanto mais matarem, melhor!
A cada dia se progride na forma mais eficiente de matar!
A cada dia, as mães criam seus filhos para vê-los devorados estupidamente pela metralha, pelos bombardeios, pela fome e pela peste.
Meu filho, haverá alguém capaz de fazê-los parar?
A pergunta fora feita com acento tão doloroso que me tocou as fibras mais íntimas.
E, sem poder evitar, pensei em Deus.
— Pai. Tudo isto é certo.
Ninguém ainda sabe ao que tudo isto nos levará.
Mas, aprendi com o sofrimento que às vezes, somos atirados na dureza da luta.
Não podemos nos furtar.
A omissão representa um crime maior.
Você sabe que não luto por prazer, nem me sinto feliz por estar nessa luta, mas, é a nossa luta!
Ou lutamos ou seremos todos destruídos.
Ou tomamos iniciativas ou seremos irremediavelmente esmagados.
Resta-nos pouco para escolher.
Ele passou as mãos pelas faces, pensativo:
— Talvez, você esteja certo. Talvez.
O que não suportaria é tornar a perdê-lo, depois de tudo.
Abraçamo-nos de novo.
Depois, ele sorriu e observou:
— Hoje estamos felizes.
Não devemos destruir esse momento de reencontro, de alegria, com os problemas que nos têm afligido e por certo ainda muito nos afligirão.
Sinto vontade de esquecer, porquanto, desde o dia da sua partida, nossas mágoas foram constantes e houve momentos em que acreditamos nunca mais poder vê-lo!
Falemos de coisas mais alegres.
Era doce o aconchego na casa tranquila, mormente para mim, que trazia o coração ferido, o corpo alquebrado e uma terrível experiência vivida e sofrida, no desabrochar ainda da minha juventude.
Quando festejarmos a vitória, cantamos hinos à paz, certos de que, pelo elevado preço que pagáramos de vidas humanas ceifadas nas belezas da juventude, nunca mais se falaria em guerra.
Os jornais, comentando os planos de reconstrução e de vigilância para com os vencidos, falavam de um futuro de concórdia e amor entre os homens!
Vinte e um anos depois, compreendemos que aquela paz fora fictícia.
Que o sangue dos inocentes não bastava para alimentar a sede de poder e de vingança.
E, esta guerra, reveste-se de maiores poderes de destruição.
Quanto mais matarem, melhor!
A cada dia se progride na forma mais eficiente de matar!
A cada dia, as mães criam seus filhos para vê-los devorados estupidamente pela metralha, pelos bombardeios, pela fome e pela peste.
Meu filho, haverá alguém capaz de fazê-los parar?
A pergunta fora feita com acento tão doloroso que me tocou as fibras mais íntimas.
E, sem poder evitar, pensei em Deus.
— Pai. Tudo isto é certo.
Ninguém ainda sabe ao que tudo isto nos levará.
Mas, aprendi com o sofrimento que às vezes, somos atirados na dureza da luta.
Não podemos nos furtar.
A omissão representa um crime maior.
Você sabe que não luto por prazer, nem me sinto feliz por estar nessa luta, mas, é a nossa luta!
Ou lutamos ou seremos todos destruídos.
Ou tomamos iniciativas ou seremos irremediavelmente esmagados.
Resta-nos pouco para escolher.
Ele passou as mãos pelas faces, pensativo:
— Talvez, você esteja certo. Talvez.
O que não suportaria é tornar a perdê-lo, depois de tudo.
Abraçamo-nos de novo.
Depois, ele sorriu e observou:
— Hoje estamos felizes.
Não devemos destruir esse momento de reencontro, de alegria, com os problemas que nos têm afligido e por certo ainda muito nos afligirão.
Sinto vontade de esquecer, porquanto, desde o dia da sua partida, nossas mágoas foram constantes e houve momentos em que acreditamos nunca mais poder vê-lo!
Falemos de coisas mais alegres.
Era doce o aconchego na casa tranquila, mormente para mim, que trazia o coração ferido, o corpo alquebrado e uma terrível experiência vivida e sofrida, no desabrochar ainda da minha juventude.
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Re: Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto
Era muito tarde quando mamãe pensou que eu precisava descansar.
Com imenso carinho preparou-me o quarto onde eu vivera os melhores anos de minha vida.
Quanta emoção ao recordar aqueles tempos!
Meus livros! Meus objectos queridos, recordações da adolescência.
Raqueta de ténis. Velha máquina fotográfica. Retratos da infância.
Como foi grato voltar! Senti-me humano de novo.
O ódio e a tragédia, por momentos deixaram-me e senti toda ternura, todo enternecimento das lembranças felizes.
Que felicidade, deitar no leito macio, gozar do carinhoso aconchego e dos cuidados prodigalizados por minha mãe, com zelos extremosos e acumulados com saudade.
Parecia-me ter deixado o inferno e penetrado o paraíso.
Um só pensamento, aparecia por vezes perturbado e inoportuno.
— E Gisele? Tão jovem.
Seria acertado deixá-la sair até aquela hora?
Não corria nenhum risco?
Tentei espantar a preocupação.
Meus pais eram plenamente competentes para orientar a vida de minha irmã mais moça.
Varrendo esse incómodo pensamento, entreguei-me prazeirosamente ao sono.
Quando acordei na manhã seguinte, o sol ia já alto e de início, não percebi onde estava.
Mas, logo a figura familiar do quarto, proporcionou-me revigorante alegria.
Estava em casa! Estava de volta!
Levantei-me.
O sol entrava pelas frestas da janela e abri-a gozando as delícias da bela manhã.
Que horas seriam?
Tinha vontade de sair, cantar, brincar, rir, passear pelas ruas da minha cidade, ver suas lojas, seus cafés, seu borborinho.
Mas, não era possível.
Precisava acautelar-me.
Paris era núcleo da ocupação.
Eu devia ser prudente.
Resignado, cuidei da aparência, procurando conservar meu estado de invalidez.
Vesti roupa melhor, mas fisicamente precisava conservar meu posto de incapacitado.
Fui para a cozinha.
Minha mãe esperava-me solícita.
— E Gisele?
— Dorme. Veio ontem muito tarde.
Ainda não sabe da sua presença.
Venha tomar seu café.
Com imenso carinho preparou-me o quarto onde eu vivera os melhores anos de minha vida.
Quanta emoção ao recordar aqueles tempos!
Meus livros! Meus objectos queridos, recordações da adolescência.
Raqueta de ténis. Velha máquina fotográfica. Retratos da infância.
Como foi grato voltar! Senti-me humano de novo.
O ódio e a tragédia, por momentos deixaram-me e senti toda ternura, todo enternecimento das lembranças felizes.
Que felicidade, deitar no leito macio, gozar do carinhoso aconchego e dos cuidados prodigalizados por minha mãe, com zelos extremosos e acumulados com saudade.
Parecia-me ter deixado o inferno e penetrado o paraíso.
Um só pensamento, aparecia por vezes perturbado e inoportuno.
— E Gisele? Tão jovem.
Seria acertado deixá-la sair até aquela hora?
Não corria nenhum risco?
Tentei espantar a preocupação.
Meus pais eram plenamente competentes para orientar a vida de minha irmã mais moça.
Varrendo esse incómodo pensamento, entreguei-me prazeirosamente ao sono.
Quando acordei na manhã seguinte, o sol ia já alto e de início, não percebi onde estava.
Mas, logo a figura familiar do quarto, proporcionou-me revigorante alegria.
Estava em casa! Estava de volta!
Levantei-me.
O sol entrava pelas frestas da janela e abri-a gozando as delícias da bela manhã.
Que horas seriam?
Tinha vontade de sair, cantar, brincar, rir, passear pelas ruas da minha cidade, ver suas lojas, seus cafés, seu borborinho.
Mas, não era possível.
Precisava acautelar-me.
Paris era núcleo da ocupação.
Eu devia ser prudente.
Resignado, cuidei da aparência, procurando conservar meu estado de invalidez.
Vesti roupa melhor, mas fisicamente precisava conservar meu posto de incapacitado.
Fui para a cozinha.
Minha mãe esperava-me solícita.
— E Gisele?
— Dorme. Veio ontem muito tarde.
Ainda não sabe da sua presença.
Venha tomar seu café.
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Re: Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto
Infelizmente o pão não é bom.
Não temos trigo.
Só com muita dificuldade conseguimos uma mistura de milho.
Mas, ainda temos geleia de frutas, chocolate e queijo que você gosta.
— E papai?
— Já saiu. Voltará para o lanche.
Enquanto eu comia com apetite o seu olhar acompanhava-me os movimentos com embevecimento.
Eram duas horas da tarde quando Gisele se levantou.
Ainda em trajes de dormir, apareceu na sala onde eu lia um jornal remanescente.
Ao ver-me atirou-se-me nos braços soluçando perdidamente.
As lágrimas enevoaram meus olhos por alguns instantes.
Beijei comovidamente seu rostinho mimoso e querido.
Sempre amara Gisele com acentuada ternura.
Apenas 2 anos mais jovem, fora companheira alegre e constante nos meus dias de infância.
Eu particularmente sempre me orgulhara da sua beleza.
Dos seus sedosos cabelos cor de mel, olhos de um verde profundo, pele rosada e delicada.
— É você mesmo, Denis? Você está vivo?
— Sou eu minha querida — respondi comovido.
Somente ela me chamava carinhosamente de Denis.
Depois de muitos abraços sentamo-nos e repeti minha história.
Suprimi muitos pontos para poupá-la.
Omiti meus planos e minha actuação na Resistência.
Não por falta de confiança, mas, Gisele era muito jovem.
Não desejava preocupá-la com um problema tão sério.
— Queria que me contasse sobre sua vida.
Sorriu com tristeza:
— Que posso eu fazer nesta guerra?
Nós não temos juventude.
De um dia para outro ficamos adultos.
Tenho trabalhado um pouco para ajudar nas despesas.
Você sabe, papai está sem poder exercer a profissão.
Mamãe foi forçada a despedir os empregados.
Só Nora ficou.
Dói-me muito vê-la nas duras lides domésticas.
Suas belas mãos maltratadas pelo trabalho. Mas, que fazer?
Não temos trigo.
Só com muita dificuldade conseguimos uma mistura de milho.
Mas, ainda temos geleia de frutas, chocolate e queijo que você gosta.
— E papai?
— Já saiu. Voltará para o lanche.
Enquanto eu comia com apetite o seu olhar acompanhava-me os movimentos com embevecimento.
Eram duas horas da tarde quando Gisele se levantou.
Ainda em trajes de dormir, apareceu na sala onde eu lia um jornal remanescente.
Ao ver-me atirou-se-me nos braços soluçando perdidamente.
As lágrimas enevoaram meus olhos por alguns instantes.
Beijei comovidamente seu rostinho mimoso e querido.
Sempre amara Gisele com acentuada ternura.
Apenas 2 anos mais jovem, fora companheira alegre e constante nos meus dias de infância.
Eu particularmente sempre me orgulhara da sua beleza.
Dos seus sedosos cabelos cor de mel, olhos de um verde profundo, pele rosada e delicada.
— É você mesmo, Denis? Você está vivo?
— Sou eu minha querida — respondi comovido.
Somente ela me chamava carinhosamente de Denis.
Depois de muitos abraços sentamo-nos e repeti minha história.
Suprimi muitos pontos para poupá-la.
Omiti meus planos e minha actuação na Resistência.
Não por falta de confiança, mas, Gisele era muito jovem.
Não desejava preocupá-la com um problema tão sério.
— Queria que me contasse sobre sua vida.
Sorriu com tristeza:
— Que posso eu fazer nesta guerra?
Nós não temos juventude.
De um dia para outro ficamos adultos.
Tenho trabalhado um pouco para ajudar nas despesas.
Você sabe, papai está sem poder exercer a profissão.
Mamãe foi forçada a despedir os empregados.
Só Nora ficou.
Dói-me muito vê-la nas duras lides domésticas.
Suas belas mãos maltratadas pelo trabalho. Mas, que fazer?
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