LUZ ESPÍRITA
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Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto

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Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto - Página 5 Empty Re: Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto

Mensagem  Ave sem Ninho Qua Set 26, 2012 8:52 am

Foi aí que ouvi a risada sonora e zombeteira de Ernest:
—- Então, você é que vem aqui como o irmãozinho ofendido?
Você que fez às nossas jovens alemãs o mesmo que eu fiz à sua irmã?

Ludwig compreendeu e do ódio passou ao riso, riu, riu, um riso onde a vingança era o néctar esfuziante.

Foi então que lembrou:
— Ernest, você cobrou minha dívida.
Vamos agora cobrar a dívida da Alemanha.
Esse traidor é membro da resistência.

Foi ai que recobrei minha presença de espírito.
O instinto de conservação foi mais forte.
De um salto, atirei-me pela janela que felizmente era de pouca altura.

Ouvi os tiros de Ernest que quase me atingiram.
Correndo, procurei sair pelos fundos, onde um companheiro me esperava com uma camioneta.
Atrás, ruído de cães, tiros, correrias.
Meu amigo ligara o motor e saímos em disparada.

Sabíamos que seríamos perseguidos.
Para despistar, abandonamos o carro numa travessa erma e correndo, nos dirigimos à casa de um simpatizante da causa que nos abrigou, depois de certificar-se de que não estávamos sendo seguidos.

Nossa operação fracassara!
Todavia, restava-nos o consolo de termos conseguido escapar.
Meu companheiro saiu logo para avisar os demais.
Eu, porém, permaneci escondido até alta noite, quando pude sair e alcançar o celeiro onde nos reuníamos.

Durante as horas decorridas, pude dar um balanço na minha situação, que não era das melhores.
Nem podia cogitar de voltar para casa.
A esta altura, certamente, estaria sendo vigiada.
Estava sem roupas e sem dinheiro.

Mas, os amigos arranjaram-me o suficiente.
Preocupava-me não poder ver os meus.
E Gisele, o que pensaria?
Senti-me deprimido e infeliz.
Era madrugada, já, quando os companheiros se foram e me deitei.

Difícil conciliar o sono.
Porque Ernest vencera?
Porque no mundo os canalhas tripudiavam sobre os demais?
Ernest e Ludwig, quem poderia imaginar?

Ana! Revi seu rosto suave e corado, seu carinho, seu amor! Que saudade!
Minha vida era vazia, sem amor, sem nada.
Eu a amava,, todavia, sentia-a perdida para sempre.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Set 27, 2012 8:57 am

O rosto encolerizado de Ludwig surgia-me na memória e suas palavras de ódio pareciam retinir em meus ouvidos, acicatando-me a consciência.

Eu também fora tido como canalha!
Deus sabe que eu a amava!
Ter-me-ia punido na figura inocente de Gisele?
Seria uma resposta do destino ao meu crime?
Pagaria um inocente pelo pecador?

Impossível dormir.
Revirei-me no leito, insone.
Arrependia-me de tudo.
De ter tentado contra a vida de Ernest principalmente.

Se a bomba tivesse detonado, eu teria eliminado também Ludwig.
Um arrepio de terror percorreu-me a espinha.
Que horror! O irmão de Ana, meu próprio cunhado!
Que pensaria ela se viesse a saber?

Mais uma barreira se levantaria entre nós.
Haveria de odiar-me para sempre.
Nutria grande afecto pelo irmão.
Levantei-me angustiado.

Porque esta guerra?
Porque éramos inimigos, se antes nem nos conhecíamos sequer?
Ernest sim. Era nosso inimigo.

Perverso, mau, endurecido, mas Ludwig, Frau Eva, Elga e Ana eram bons, amáveis, amavam-se e jamais fizeram mal a ninguém.
O próprio Ludwig me acolhera e confiara em mim.
Seríamos sempre inimigos?

O dia estava clareando e eu ainda agitado e aflito continuava roído por sentimentos dolorosos.

Mas, fossem quais fossem meus sentimentos, somente me apontavam a guerra como única responsável por todos os nossos sofrimentos e desilusões.

Aos alvores da manhã, recebi um chamado através do rádio.
Um amigo solicitava notícias.

Foi um alívio poder conversar com ele, mesmo que em código e colocá-lo a par do malogro da nossa última iniciativa, bem como das actividades do "Comité de Cooperação.

Recebi ordens de juntar-me aos maquis que operavam nas montanhas de Ardene, onde também Jean se encontrava.

Partiria na noite seguinte, levando ordens e notícias.
Senti-me um pouco mais calmo, depois disso.
Estava muito triste para permanecer escondido e inactivo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Set 27, 2012 8:58 am

Minhas actividades na cidade, tinham se tornado perigosas.
Eu seria mais útil nas montanhas.
Estava ansioso por combater, acabar o quanto antes com essa guerra desumana e cruel.

Doía-me apenas ter que sair sem despedir-me dos meus. Voltaria um dia?
O pensamento de que os alemães podiam tentar alguma acção punitiva contra minha família, deixava-me ainda mais perturbado.

Não me importava morrer, mas queria poupar os meus.
Com o coração oprimido, escrevi-lhes uma longa carta.
Podia ser a última.
Confiei-lhes meu pesar por estar impedido de voltar.

Procurei demonstrar-lhes meu afecto e pedi que esperassem com paciência.
Prometi que voltaria quando a guerra acabasse e a vitória nos sorrisse.
Pedi-lhe que cuidassem bem de Gisele e lhe dissessem que eu a queria muito.

Quando pudesse mandaria notícias.
Foi a Johan que confiei a carta. Era muito esperto.
Além do mais, morava perto de minha casa o que o ajudaria a não despertar suspeitas.

Pedi-lhe que a entregasse assim que aparecesse oportunidade.
Havia lágrimas nos olhos de meu jovem amigo quando nos despedimos.
— Olharei por eles.
Enviarei notícias sempre que puder!

Abracei-o com força.
Falava como um homem corajoso e leal.
Confortou-me sabê-lo por perto velando pelos meus.

Todos os companheiros procuraram tranquilizar-me, assegurando que tudo fariam para cuidar dos meus.
Senti-me mais sereno.
A desgraça une as criaturas e estreita os laços da verdadeira amizade.
Encontrara sinceros e leais amigos cujo valor jamais haveria de esquecer.

Naquele mesmo dia tínhamos recebido dois fugitivos.
Um era dos nossos, o outro era judeu.
Queria combater connosco.
Era alta noite, quando saímos os três, rumo ao acampamento maqui em Ardene.

Levávamos notícias promissoras.
A campanha na Itália ia muito bem e, segundo se esperava, dentro de mais alguns dias a vitória haveria de sorrir.

O povo italiano detestava os alemães em quem não reconheciam aliados, mas invasores inimigos.

Ajudava com simpatia nossos companheiros sem o que muitas das nossas actividades não teriam tido êxito.

Saímos. Apesar das perspectivas de vitória, eu levava a mágoa e a tristeza no coração.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Set 27, 2012 8:58 am

CAPÍTULO XV - A rendição alemã em Paris

Sentado sob uma árvore, eu olhava o céu e meditava.

Há um ano que eu me juntara aos grupos de patriotas nas montanhas.

Durante esse tempo, tínhamos lutado como e quando podíamos e todos os recursos eram para nós válidos para impedir a marcha do inimigo.

Confiávamos agora que a vitória viria, sendo apenas questão de tempo.
Num momento de trégua como aquele, eu me dava ao luxo de ter saudades dos meus, há tanto tempo distantes.

As notícias eram raras e sintéticas.
Algum companheiro que chegava e nos falava da família, contudo, havia 8 meses que eu não as recebia.

Isto me preocupava, tendo em vista o estado de Gisele, quando da minha partida.
Além do que, multiplicando-se os actos de terrorismo dos maquis contra os alemães, o povo de Paris sofria, arcando com as consequências.

As represálias eram dolorosas, mas se quiséssemos ganhar essa guerra, teríamos que correr esse risco.

Eu estava sujo e barbudo.
Há muitos dias nos encontrávamos perto de Lausanne.
Mas, as notícias que nos chegavam eram desencontradas.

Consertáramos o rádio e pudemos, pelas mensagens cifradas que ouvimos, através da B.C de Londres, saber que se preparava uma grande e definitiva ofensiva de invasão.

Ansiosamente aguardávamos as ordens do nosso comando, porquanto grande era a confusão reinante no meio dos agrupamentos de voluntários como nós.

Nem todos que se tinham juntado ao grupo o fizeram tão só por patriotismo.
Alguns desordeiros e oportunistas, aproveitavam-se da ocasião para abusar da situação e da tácita cumplicidade da população civil.

Furtavam em benefício próprio e punham às vezes em risco a própria segurança do grupo.

Outros eram exímios e combativos guerrilheiros entretanto, alimentavam perigosa ideologia política, pretendendo na pós-guerra estabelecer novo regime para nosso país, tão perigoso e totalitário como o fascismo e o nazismo.

Todavia, todos eram preciosos naquela hora, onde se decidia a própria sobrevivência da pátria.

Depois, certamente, as questões ideológicas seriam definidas, mas, a nós, democratas convictos, não escapava a necessidade de vigilância para garantir nossa concepção de liberdade.

Vivíamos como animais.
Não podíamos carregar dinheiro sem correr risco até de vida.
Aprendi a ser mais ágil, desenvolvi meu senso de observação, meus sentidos apuraram-se grandemente.

Era minha vida que estava em jogo.
Felizmente, alguns amigos havia em que podia confiar e esses ocupavam os postos de direcção.

Naquela altura eu estava mais endurecido pela luta.
O perigo, sendo constante, acabara por tornar-se menos terrível.
A batalha estava praticamente ganha.
Sabíamos que era questão de tempo.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Set 27, 2012 8:59 am

Hitler e seus asseclas já não eram mais invencíveis.
Todavia, compreendíamos que ainda nos restava muita luta, e por isso não sabíamos se ao término da guerra ainda estaríamos vivos.
É incrível como o perigo constante nos embrutece.

Apesar das cenas terríveis de vandalismo e dor, de tragédia e miséria que houvéramos vivido e assistido, apesar dos desgostos e do desânimo que por vezes nos assaltava a alma, nenhum de nós desejava a morte.

Para ser franco, nossa vida resumia-se em instinto de conservação.
Apenas isso. Sobreviver!
Sobreviver e comprar a paz a qualquer preço!
Frente a tal estado de ânimo, não é para admirar as crueldades e atrocidades que os homens cometem numa guerra.

O medo é o agente mais perigoso e mais cruel!
Era ele que nos fazia invadir os lares, silenciar seus moradores se fosse o caso, para salvar a própria vida.
Um grito alegre de meus companheiros arrancou-me do devaneio em que me encontrava.

Levantei-me apressado e aproximei-me:
— Vamos nos preparar, o barulho vai começar amanhã.
Não pude evitar um hurra de alegria.
Fora dado o sinal para a invasão.

Alguns dos companheiros pretendiam unir-se ao DH do general Leclerc, mas outros eram de opinião que devíamos ficar para preparar a população para auxiliar na hora e franquear a cidade ao comando aliado. Resolvi ficar.

Nosso grupo estava bem entrosado com a população das províncias o que nos proporcionaria maiores possibilidades de êxito.
Naquela noite, conseguimos comunicação com nosso comando onde Leterre nos orientou pormenorizadamente quanto ao que fazer.

Deveríamos intensificar nosso trabalho, para evitar a todo custo que os alemães sediados em Paris recebessem suprimentos e viveres.

Preparamo-nos, estabelecendo alguns planos, mas durante a noite pesado o bombardeio que durou cerca de 3 horas seguidas sobre as bases alemãs, nos facilitou de muito a tarefa.

Espalhados por toda parte da província, de comum acordo com a população de Lausanne, conseguimos inutilizar, roubar, depredar, muitos dos tanques e suprimentos alemães.

Estes pareciam perplexos e atemorizados.
O ataque em massa que se dera na Normandia, o bombardeio incessantemente renovado, a falta de coerência das notícias que recebiam do seu quartel-general os colocava em desatinado desespero.

Contudo, não podíamos subestimar sua valentia. O medo os tornara cruéis.
Daquele dia em diante mantemos uma actividade constante.
As notícias das vitórias aliada nos embriagavam, fazendo-nos delirar.
Finalmente! Finalmente! A vitória nos sorria!

Vencíamos em toda linha e em todas as frentes.
Os russos avançavam na fronteira alemã, a Itália invadida unira-se aos aliados.
A França preparava-se para a grande ofensiva da libertação de Paris.
Sabíamos que os americanos e canadenses estavam já em solo francês e avançavam rumo a Paris.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Set 27, 2012 8:59 am

O governo de Vichi preparava-se para fugir se fosse preciso.
Tínhamos informações de que somente os soldados alemães em Paris ignoravam a gravidade da situação.

Naqueles dias, tantas foram as emoções e os sobressaltos que quando penso neles, não consigo recompor todos os detalhes.

Nosso coração vibrou ao sabermos que o exército francês, recomposto e redimido pela lutas ardorosas, juntara-se aos demais.

Ser-lhe-ia dada a honra de libertar a própria pátria invadida!
Choramos de emoção, quando nos reunimos a eles perto de Toulouse, para receber ordens.

Alto, erecto, o general De Gaulle viera para chefiar o exército, a fim de evitar precipitações e abusos, preservando a política e garantindo a ordem na França libertada.

Veio ver-nos em pessoa, quis conhecer muitos detalhes das nossas lutas.
Impressionou-me sua alta figura, imponente, erecta, sem arrogância, digna.
Seus olhos vivos e enérgicos conquistaram logo a confiança.

Era um homem que sabia comandar!
Recebemos ordens para nos espalharmos pelos subúrbios de Paris, e, através da nossa infiltração armar o povo, ensiná-lo a agir no momento preciso para ajudar a vitória final.

Impossível descrever nossa emoção.
Armas e munições seriam levadas durante a noite para as proximidades da cidade, sendo escondidas em nossos contactos, e nosso trabalho consistiria em bem distribuí-las.

Finalmente, ia rever minha cidade!
Sentia-me ansioso, porque talvez, se a sorte me sorrisse, eu pudesse visitar os meus.
Tivera lacónicas notícias através das mensagens pelo rádio, mas, eu ardia por saber toda a verdade.

Nosso trabalho foi feito com carinho e coragem.
Durante a noite, auxiliados pela escuridão, saímos para preparar a reacção e durante o dia, permanecíamos escondidos em casa de amigos.

Era incrível como a rádio local encobria a vitória aliada!
Os soldados alemães não sabiam sequer que estavam sendo sitiados.
A cidade estava repleta de patriotas que espalhados e escondidos trabalhavam em silêncio.

A impaciência era grande demais.
Quando espalhamos entre o povo que os nossos vinham perto, a custo conseguimos serenar os ânimos mais exaltados.

Muitos queriam vingar-se dos abusos sofridos, investindo contra os soldados alemães que mantinham normal actividade.

Uma noite em que as circunstâncias favoreceram, fui para casa.
Era tarde e ela estava às escuras.
Com cautela, bati na porta insistentemente.

A luz bruxolenta de uma vela, uma voz sussurrou do outro lado:
— Quem é?
— Denizarth...
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Set 27, 2012 8:59 am

A porta abriu-se e rapidamente entrei.
Mamãe abraçou-me com emoção enquanto que as lágrimas lhe desciam pelo rosto pálido.

— Meu filho! Meu filho!
Finalmente! Você está bem?
—- Sim, mamãe. Mas, ansioso por notícias.
Quem está ali?...
— Venha, Pierre. Denizarth está de volta!
Não esperei que ele viesse.
Fui-lhe ao encontro e trocamos demorado abraço.

— E Gisele? — perguntei procurando vencer o receio que me invadia.
— Dorme.
— Está bem?
— Sim. — respondeu mamãe — Amanhã você a verá.

Havia uma pergunta que me queimava os lábios, mas não a formulei.
A própria Gisele me responderia.

— Não posso ainda ficar aqui.
Estou trabalhando.
Mas, as novas são boas.
Os nossos estão perto e o nosso exército vai entrar na cidade por estes dias.
Aguardamos a ordem do Comando Geral.

— Queira Deus seja verdade.
Não suportamos isto por muito tempo — volveu meu pai.
Concordei. Ninguém aguentaria por muito tempo mais.

Eles quiseram saber tudo a meu respeito e fui narrando devagar, saboreando uma xícara de chá.
Naturalmente, omiti muitas coisas.
As que mais me tinham traumatizado.

Eram tão dolorosas e tão pesadas que recusei-me em dividi-las com dois seres sofridos e angustiados.

Falei-lhes das nossas vitórias.
Acendi o entusiasmo da reconquista da nossa liberdade e do nosso direito de viver em paz.
Depois, quis ouvi-los sobre suas dificuldades.

Tinham sido muitas; a fome fora companheira difícil de ser suportada.
O dia havia amanhecido, sem que me dispusesse a partir.
Por ser arriscado sair, resolvi ficar até que a noite viesse novamente, favorecendo-me a saída.

O desejo de ver Gisele, saber tudo quanto havia decorrido, me reteve.
Fora tanta ansiedade no decorrer dos últimos meses que agora não conseguia sofreá-la.
Temia que ela me odiasse por causa de Ernest.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Set 27, 2012 8:59 am

Estávamos à mesa tomando o desjejum, enriquecido um pouco pelas guloseimas alemãs que eu lhes ofertara, quando meu pai, sem poder refrear sua impaciência foi participar-lhe o meu regresso.

Pouco depois, ainda em trajes de dormir, ela entrou na saleta.
Quando a vi compreendi que nada mudara entre nós.
Abraçamo-nos por entre lágrimas e sorrisos e nos examinamos mutuamente.
Ela Continuava linda, embora magra e pálida.

Mas em seu olhar havia uma maturidade que eu desconhecia.
Compreendi que durante uma guerra, as crianças morrem primeiro e a inocência desaparece.
Só restam, no final, adultos, amadurecidos pelo sofrimento e pela luta.
Minha Gisele nunca mais seria a meiga e inocente menina da minha infância.

Enquanto mamãe cuidava dos seus afazeres e meu pai saía a cata dos magros recursos do seu escasso trabalho, pude conversar com minha irmã.

Assim que nos vimos a sós em meu quarto, não me contive:
— Conte-me tudo.
Tenho vivido horas de angústia desde que parti pensando em você.
O que aconteceu depois que fugi?

Tomando minhas mãos, segurando com força como que através delas transmitindo também suas emoções Gisele respondeu:
— Denis, você sabe como sofri quando Ernest me disse que entre nós estava tudo terminado.

Queria morrer.
Naquele dia, quando você saiu, aguardei impaciente o seu regresso.
Esperava que Ernest reconsiderasse sua decisão.
Acreditava que me amasse.

Acreditava também que apenas por uma questão de patriotismo, por causa da guerra, não assumisse seu compromisso para comigo.

Contudo, você não voltou.
Habituada às suas frequentes ausências não suspeitamos de nada.
Mas, à noite, quando estávamos reunidos na sala, uma patrulha cercou a casa, enquanto que um capitão nos intimava a abrir a porta.

Ela fez ligeira pausa, e observando que eu escutava ansioso, continuou:
— Fiquei Surpreendida e assustada ao perceber que nossos pais trocavam olhares de medo e estavam visivelmente pálidos.

Eu estava ainda muito enfraquecida;
deitada no sofá não consegui me levantar, mas papai abriu a porta e num minuto eles entraram.

Enquanto o Capitão inquiria papai, os demais revistaram a casa rápida e minuciosamente
Perguntam por você.
Acusavam-no de traidor e revoltoso.

Inimigo da Alemanha, procurado pelo exército há longo tempo.
Foi horrível.
Agradeci a Deus naquele instante a sua ausência.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Set 27, 2012 9:00 am

Temia que regressasse de um momento para outro.
Não acreditava na acusação que lhe era imputada.
Eles disseram que você tentara colocar uma bomba no Comité de Cooperação onde Ernest trabalhava.

Recusei-me a crer.
Você não faria isso a Ernest.
Você, tão meu amigo, e que decidira ajudar nossa reconciliação!

Tentei convencê-los do engano, mas em vão.
Só se foram depois de muitas ofensas e muitas ameaças.

Quando nos vimos a sós, soube que você era um patriota, membro da Resistência nunca me contou?

- Não queria angustiar sua linda cabecinha. - disse envergonhado e receoso.
Como contar-lhe que atentara contra a vida de Ernest?

- Senti remorsos.
Tinha obrigado você a ir à procura dele, logo você que não podia expor-se a esse perigo.
Senti o tamanho do meu egoísmo, só pensando em minha dor, expondo você ao risco.
Começou então nosso calvário.

Cada ruído, temíamos saber que eles o tinham conseguido prender.
Confesso que para saber algo sobre você, fez com que eu procurasse melhorar, ganhar forças.
Consegui também desviar um pouco pensamentos de Ernest, o que de certa forma fez-me bem.

Vivendo na roda-viva do meu problema, fascinada, sem sentir outra coisa senão a minha dor.
Foi graças ao meu amor por você que tive forças para sair desse círculo vicioso, dessa dor avassaladora que foi o sentimento que Ernest representou.

Ela calou-se presa ao fio das próprias lembranças, depois:
— Tinha ideia de melhorar logo para sair, tentar descobrir de alguma maneira.
Foi Johan quem nos veio acalmar, trazendo suas notícias.

Exultamos! Você estava salvo.
Porém, procurado, não podíamos nos furtar à inquietação e ao temor.
Nas noites frias, receávamos pela sua saúde.
Acompanhávamos as notícias pelo rádio, quando havia luz, mas as vitórias aliadas jamais eram transmitidas.

Colocando minha mão carinhosamente em seu braço pedi:
— Fale-me sobre você.
Que fez durante esse tempo?

- Já disse que de início procurei melhorar para poder sair.
Você em sua carta, pedia-me que olhasse por nossos pais e esperasse sua volta.
Foi o que procurei fazer.
Mas, não creia que tenha sido fácil.
A princípio, muitas vezes lamentei não ter morrido naquele dia!
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Set 27, 2012 9:00 am

Sobressaltado, fixei-lhe a fisionomia emotiva. Estava calma.
Prosseguiu:
— Não encontrava forças para vencer a vergonha e a humilhação.
Você sabe como estava. Ia ser mãe!

Tinha receio de enfrentar a dignidade de papai e o desprezo de mamãe que tantos exemplos me dera de honestidade.
Contudo, houve dia em que não mais pude ocultar-lhe a verdade Levada pelo desespero, mas a Conselho do médico, contei-lhes tudo.

Alisei-lhe a cabeça com amor.
Como tinha sofrido!

— Mamãe, calada, abraçou e procurou confortar-me mas seus olhos estavam sofridos e tristes Papai foi maravilhoso.
Conversou comigo.
Falou-me das maravilhas da maternidade.

Conseguiu transformar o meu drama em alegria, minha mágoa em esperança.
Desde então, passou a conversar muito comigo sobre a vida e sobre a justiça de Deus.
Ensinou-me a amá-la de novo, a aproveitar a oportunidade presente para ajudar e servir o semelhante Fez-me crer que estamos de passagem pela Terra.

Que já vivemos outras vidas aqui mesmo e que certamente voltaremos ainda até conseguirmos purificar nosso espírito.
Fez-me compreender a guerra, o aparente triunfo dos maus, as lutas que precisamos vencer e, o mais importante, o crime que representa atentar contra a própria vida!

Suspirei aliviado.
Fitando os olhos iluminados de Gisele, comovi-me profundamente Também meu coração fora tocado pela beleza daquela filosofia, pelo conforto que nos proporcionava, pelas forças que nos ministrava.

— Você também leu os livros de papai? — inquiri satisfeito.
— Sim. Confesso que neles auri grandes ensinamentos. Compreendi muitas coisas.
Encontrei ânimo para lutar e sobreviver.

As lutas têm sido duras. Se não fora a confiança que tenho em Deus e em suas Divinas Leis, talvez não tivesse suportado o racionamento, cada vez maior.

Papai ganhando cada vez menos. Pensei em trabalhar novamente.
Voltei ao Café. Aceitaram-me a troco de miserável paga.
Revi Ernest. Mas, eu era outra.

Menos ingénua, pude compreender que para ele eu não passara de mais uma conquista fútil e banal.
Suportei muitas humilhações por causa do meu estado.
Eram muitos os soldados que me perseguiam com propostas obscenas.

A tal ponto que o Doutor Gerard que tem sido muito nosso amigo, ofereceu-me um emprego de enfermeira para que eu pudesse deixar o Café.

Mas, para que recordarmos tantas coisas tristes?
Vamos aproveitar esses momentos em que nos reunimos para cultivar a alegria.
Percebi que a rememoração do passado a fazia sofrer.
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Mensagem  Ave sem Ninho Qui Set 27, 2012 9:00 am

Contudo aventurei:
- Há só mais uma coisa que desejo saber. E a Criança?
Gisele encarou-me com firmeza.

Havia muita sinceridade em seu olhar:
— A princípio, tinha pensado em evitar que viesse ao mundo.
Tencionava procurar alguém para isso.

Entretanto as palavras de papai, esclarecendo-me que um filho representa uma prova de confiança Divina;
que cortar-lhe o fio da existência, ainda que nos primeiros estágios de formação no ventre materno e impedir que um espírito necessitado de progredir na Terra, venha a renascer, é um crime de grandes e graves consequências pelas quais um dia deveremos responder.

Sentindo a realidade, resolvi aceitar minha culpa e assumir inteiramente a responsabilidade pelos meus actos, enfrentando as consequências sem revolta e sem desespero.

Muitas mulheres já tinham passado pelo mesmo problema com coragem e altivez. Resolvi fazer o mesmo.

Fez ligeira pausa e prosseguiu:
— Todavia, parece que Deus nos põe á prova para ajuizar dos nossos sentimentos.
Um dia, após terrível bombardeio, eu e o Doutor Gerard socorríamos os feridos.

A angústia e a dor eram indescritíveis.
Quando fazíamos nosso trabalho de atendimento, inesperadamente eles retornaram.

Transportamos como pudemos alguns feridos para os abrigos, mas durante uma hora sofremos o tremendo castigo das bombas sibilando sobre nossas cabeças e espoucando terríveis.

Parecia o fim do mundo.
Não pude suportar. Senti dores horríveis.
Meu pobre filho nasceu morto, duas horas depois.

Fiquei comovido. Apertei-lhe a mão com força.

— Quando acariciava a ideia de tê-lo, eu o perdi.
Conformei-me. Deus sabe o que faz.
Esse mundo está muito triste.
Lá, onde se encontra, estará mais feliz!

Se um dia ele quiser voltar a nascer, e me escolher para sua mãe, desejo que seja em tempo de paz, e com um pai de facto.

Abracei-a com carinho.
Como estava mudada! Com que certeza expressava-se.
Tão jovem! Era tão fraca!
Como pudera tornar-se tão forte?

— Você merece.
Um dia viveremos em paz e então, seu sonho tornar-se-á realidade.
Agradeço a Deus por ter-lhe dado tanta coragem.
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Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto - Página 5 Empty Re: Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto

Mensagem  Ave sem Ninho Sex Set 28, 2012 9:03 am

— Eu também.
Hoje, vejo o mundo de forma diferente.
Sei que nosso espírito é eterno.
Nosso corpo carnal morre, mas a vida continua.

Nossos entes amados que partiram para a outra vida permanecem separados de nós somente porque nossos olhos carnais não os podem enxergar, mas que um dia nos tornaremos a ver.

Nesta hora triste de desolação e guerra, de destruição e luto, quanto conforto essa certeza nos dá!

Tocado pelo tom emocionado de minha irmã, repliquei:
— Também me impressionaram esses livros de papai.
Confesso ter encontrado neles extraordinária correspondência.

Mas, mesmo assim, surpreende-me essa convicção tão profunda que lhe deram.
São factos que precisamos observar, investigar.
Quem sabe um dia possam ser melhor provados, e então poderemos ter absoluta certeza da sua total veracidade.

Gisele abanou a cabeça com tranquilidade.
— Para mim, já o foram o suficiente. Creio neles.
E foi essa fé que me deu forças para compreender que todo nosso sofrimento actual é passageiro.
Que a vida na Terra é transitória.
Não sente como o pensamento modifica toda estrutura dos nossos problemas?

Sorri com alegria:
— Tem razão, minha querida.
Gostaria de ser como você.
Entretanto mesmo aceitando essa teoria, sempre fica um resquício de dúvida.
Como conseguiu vencê-la?

— Quando você foi embora, eu estava morta por dentro e bem debilitada por fora.
A ideia do suicídio ainda povoava meus pesadelos constantes.
A obsessão por Ernest envenenava-me os dias.
Apeguei-me à esperança louca de que você pudesse devolver me Ernest.
Quando perdi você, não restou mais nada.

A mente fabricante trabalhava ideias desencontradas e os porquês e a noção de injustiça, atiçavam-me auto-destruição.
Quando papai falou-me sobre "O Livro dos Espíritos", sobre "O Evangelho Segundo o Espiritismo", explicando as causas e os porquês das dores, das lutas, das tristezas, foi como se me tivessem arrancado dos olhos um véu que dantes eu nunca percebera.

E, compreendi.
Serenei meu coração.
E, todos os dias, papai, escondido de mamãe, os lia para mim, explicando-se e meditando comigo.
Então, senti que tudo era verdade.

Era como se eu sempre tivesse sabido e aprendido todos aqueles ensinamentos.
Quanto mais o tempo foi passando, tanto mais eles se firmavam dentro de mim.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Set 28, 2012 9:04 am

Submetia todos os problemas dos amigos e conhecidos e tentava analisá-los à luz do Espiritismo e, maravilhada, conseguia sempre encontrar causas, soluções e explicações.

Não foi difícil entender como Deus é justo e bom.
Tendo essa certeza, não preciso preocupar-me mais com o passado.

Sei que posso construir meu futuro de uma maneira melhor.
Não fora essa guerra, poderia cantar, sorrir, principalmente agora, Denis, porque você voltou?

Abracei-a feliz.
Tanta simplicidade comovia-me profundamente.
Gostaria de ser assim como ela.
Esquecer ódios, ressentimentos e poder perdoar!

No íntimo senti brotar um pensamento novo de gratidão a Deus por ter cuidado tão bem da pequena Gisele durante minha ausência.

O dia foi agradabilíssimo mas a noite chegou e tive que partir.
Nossas despedidas não foram tristes apesar da preocupação dos meus.
Confiávamos na vitória.

Cheguei ao celeiro e os homens estavam reunidos.
Os boatos eram muitos. Sabíamos que o exército estava perto da cidade.

Queriam começar a tomá-la.
Outros mais exaltados já tinham massacrado alguns soldados alemães, de maneira sub-reptícia e terrível.
Esperávamos armas que o exército francês nos deveria lançar por pára-quedas, contudo elas não chegavam.

A impaciência era grande.
O duro castigo de mais de três anos de usurpação parecia insustentável, agora quando já se podia vislumbrar a liberdade.

Foram dias de agitação e de correrias.
Recebemos ordem de agir, mas as armas não vieram.
A chegada das Forças francesas do interior que fez da Prefeitura uma trincheira, animou todo o povo a se unir.

Os alemães encurralaram-se e tentaram reagir.
Mas, muitos deles também estavam cansados dessa guerra.

Queriam voltar para casa, recomeçar a viver.
Não posso descrever toda emoção que se apossou de nós naqueles dias.

Recordo-me de que quando o exército aliado entrou na cidade, eliminando os últimos pontos de acção alemã, nossa alegria transbordou.

No dia seguinte, após a assinatura da rendição alemã, o General De Gaulle, como Presidente Provisório da República, fez sua entrada oficial na cidade e nos juntamos a ele na Champs Élysées, com todo povo gritando e saudando.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Set 28, 2012 9:04 am

Não podíamos sopitar o entusiasmo.
As mulheres beijavam-nos.

Os homens apertavam nossas mãos, em delirante alegria.
Para nós, era como se a guerra tivesse acabado.

Sabíamos que ela ainda continuava, mas a libertação da pátria era para nós a emoção mais cara.
Apesar de ter muita vontade, não pude ir para casa naquela noite.

A cidade precisava ser policiada para impedir as vinganças desnecessárias, e a desordem motivada pela excitação popular.

Por ironia do destino, deram-me a ingrata missão de aprisionar e proteger todos os soldados alemães que conseguíssemos encontrar.

Alguns estavam arrasados e deixaram-se prender sem oferecer resistência.
Tenho até a impressão que gostaram de ser presos.

Naturalmente, não mais iriam lutar.
Difícil levá-los ao quartel, convertido em prisão.

Por onde passamos, queriam agarrá-los, alguns atiravam pedras, todos berravam insultos e muitos palavrões.
Só quando o dia amanheceu obtive ordem de ir para casa dormir.

Quando cheguei, os meus estavam a minha espera.
Abraçamo-nos e choramos juntos.

Só quem viveu a dor de ver sua terra invadida, os seus ameaçados, a impotência frente o poder da força, a humilhação do domínio estrangeiro, pode compreender a nossa alegria, a nossa imensa felicidade, por termos podido viver para ver raiar o dia da liberdade.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Set 28, 2012 9:05 am

CAPÍTULO XVI - A recompensa

Integrados no exército francês, nós precisávamos continuar combatendo, encurralar o inimigo, destruindo-lhe toda possibilidade de reacção, eliminá-lo definitivamente.

Apresentamo-nos.
Eu e meus companheiros fomos ao quartel receber ordens.
A cidade conservava ainda um aspecto festivo.

Os cartazes de propaganda alemã tinham sido destruídos e o povo voltava a ser alegre e optimista, gentil e sorridente.

Havia como que um frenesi em todas as criaturas, nos comerciantes, nos homens de negócios, nas mulheres que se preparavam para recomeçar a viver procurando novamente encontrar caminhos de paz, de trabalho e de progresso.

Fomos todos tratados com deferência pelo Capitão e soubemos que podíamos continuar lutando.

Em virtude do nosso trabalho ter sido no campo da espionagem e da sabotagem, julgaram mais necessária nossa presença na retaguarda, enquanto que voluntários e veteranos continuariam sob Comando Aliado, a expulsar os alemães da França.

Havia necessidade de homens da confiança do novo Governo, para a manutenção da ordem interna do país libertado, bem como a organização de elementos positivos para a consecução da vitória definitiva.

Meu caso foi examinado e agraciado com honrosa medalha.
Deram-me o posto de Tenente.
Apesar disso, meu desejo era ir para a frente de luta.
Sabia que a meta era a Alemanha.
Confesso que não era por patriotismo que queria ir.

Estava cansado da guerra.
Desejava notícias de Ana e de Karl.
Entretanto, precisava obedecer às ordens.
Os prisioneiros estavam guardados em um velho mas bem guarnecido quartel.

Senti-me estremecer quando recebi ordens do Capitão para acompanhá-lo Pretendia proceder ao interrogatório dos oficiais prisioneiros.

Levamos um 2.° Tenente para tomar as anotações.
Os oficiais estavam separados dos soldados.

Apesar do desprezo e do ódio que eram objecto, nosso Comandante respeitou as Leis Internacionais, tratando-os com a deferência do cargo que ocupavam.

Foram colocados em celas especiais, quatro em cada uma.
Apesar de tudo quanto eu já tinha passado, dava-me um frio no estômago esses interrogatórios.
A atitude deles era de altivez e de cólera.
Parecia-lhes impossível perder a guerra.
Nada quiseram declarar sobre o que queríamos saber.

Todavia, meu desassossego aumentou quando entramos numa cela e deparei com Ernest.
Não pude evitar um sentimento de satisfação.
Onde a arrogância com que pisara os sonhos primeiros de minha irmã?
Onde o ar altivo, o riso superior com o qual me atirara em rosto as calúnias e as vilezas contra Gisele?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Set 28, 2012 9:05 am

Ernest estava pálido, O uniforme sujo e amassado.
As insígnias da S.S. que portava na manga, arrancadas, naturalmente por algum patriota mais exaltado.

Olhei-o bem e certamente meus sentimentos transpareceram porquanto ele fez-se ainda mais pálido e apertou os lábios com força.

Sabia que as coisas tinham mudado.
Agora era a minha vez!
Pensei em contar ao Capitão o que Ernest fizera às jovens francesas.

Seria um crime a mais que ele teria que responder, além dos que lhe eram imputados por suas actividades no "Centro de Cooperação".

Suspeitava-se ser ele um dos responsáveis pelo desaparecimento de centenas de judeus.
Saber que fim tinham dado a esses homens era um dos objectivos do interrogatório.
Para onde os teriam levado?

Suspeitávamos do pior.
Todavia, não tínhamos nada de definitivo.
Que tinham sido conduzidos para o interior da Alemanha, para campos de prisioneiros era do nosso conhecimento.

Mas, o número de pessoas aprisionadas atingira tal cifra, que nos parecia difícil senão impossível que um país em guerra contra o mundo, pudesse mantê-los e alimentá-los.

O interrogatório nenhuma luz acrescentou ao que ia sabíamos.
Fui colocado na posição de intérprete o que me obrigou a conversar com ele.
Repugnava-me a situação, mas tive que enfrentá-lo.

Ernest quase nada respondeu.
Olhava-me com desafio e arrogância.
Parecia não ser um vencido, mas estar em superioridade na nossa presença.

Eu sentia náuseas quando saímos dali.
Nossas investigações eram preliminares.
Certamente Ernest tinha muito a ver com o aprisionamento dos judeus.

Teríamos tempo de acertar nossas contas particulares.
O que me preocupava era Ludwig.

Teria conseguido escapar?
Precisava saber.
Acompanhei o Capitão diversas vezes em visita aos prisioneiros, mas não tive notícias dele.

Não disse nada a Gisele sobre a prisão de Ernest.
Queria poupá-la.
Receava pelas suas emoções.
A ferida recém-formada poderia reabrir.
Para que feri-la?
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Set 28, 2012 9:05 am

Minha irmã desdobrava-se junto ao doutor em atendimento aos feridos.
Empolgara-se de tal maneira pela sua tarefa que nos preocupava por não descansar desdobrando-se em dedicação e sacrifícios.

A cada dia surpreendia-me com a sua serenidade, com a sua calma.
Seu rosto querido, ganhara traços mais definidos.
Olhando-a tranquila e segura, jamais poderia supor que há tão pouco tempo quisera desertar da vida.

Quando me voltava a lembrança da cena terrível, imediatamente agradecia a Deus pela sua transformação.

Gostaria de ser como ela.
Encontrara força e paz na Doutrina dos Espíritos.
Era o que Gisele dizia convicta, quando eu e papai nos reuníamos a ela em palestra mais íntima.

Disse-nos certa noite:
— Encontrei nessa doutrina, paz e consolação, forças e motivos para viver.
— De que forma? Inquiri curioso.

— Em tudo.
Sentia-me culpada, aviltada por ter amado Ernest, inimigo da minha gente, da minha pátria.
Essa doutrina mostrou-me que a nossa verdadeira pátria é a espiritual.
Que nós somos todos irmãos.

A reencarnação dilata nosso conceito de raça, de cor, destruindo os preconceitos e o orgulho.
Entendi que meu amor por Ernest não foi crime perante Deus pelo facto dele ser alemão, inútil porque ele não era um homem de bem.

Amei meu filho, antes de nascer e o perdi.
Essa doutrina mostrou-me que ele já existia antes de vir ter comigo e que ainda continua existindo em algum lugar, apesar de seu corpinho frágil não ter conseguido sobreviver.

Ensinou-me que é possível ele ter sido meu amigo em outras vidas e continuar a me amar apesar da nossa separação.

Como não ser-lhe grata pelo conforto e pela consolação que me ofereceu?
Como deixar de procurar estudá-la cada vez mais, para elevar-me até a felicidade eterna e sem jaça que nos faz entrever?

Minha irmã falava com sinceridade e convicção.
Impressionava-me pela firmeza e pela segurança das expressões.

— Veja bem, Denis.
Quem era eu antes de conhecer o Espiritismo?
Uma criatura desventurada e sem forças.
Uma covarde e triste mulher sem coragem para enfrentar seus próprios problemas.

Hoje, sei o que quero. Sei onde devo ir.
Tenho um roteiro, uma meta, uma directriz.
Vou segui-la, custe o que custar.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Set 28, 2012 9:05 am

Meu pai que ouvia comovido perguntou:
— E qual é?
— O Evangelho de Jesus, papai.
A verdade estava com Ele e a maioria das pessoas estão cegas, não podem ver em toda plenitude a profunda sabedoria do Mestre.

Dedicam-lhe alguns minutos por semana à oração encomendada na pompa das Igrejas sem perceberem que Ele representa vida, verdade, vivência, em todos os momentos.

Ninguém foi mais activo no bem do que Ele.
Ninguém trabalhou mais para a melhoria dos homens do que Ele.
Ninguém exemplificou melhor do que Ele na aceitação da vontade de Deus que sabe nos conduzir para o bem.

Sua lição de força, fé e confiança no Pai só agora consigo compreender.
Eu estava pasmado.
Aquela não era Gisele, tão suave e delicada, mas, ao mesmo tempo tão insegura e tímida.

Quando se calou pareceu um pouco cansada e fechou os olhos como se tivesse sono.
Olhei para papai um pouco assustado.
Ele estava calmo.

Apenas disse:
— Meus filhos, agradeçamos a Deus tanta bondade, permitindo-nos viver e aprender sempre.
Cerrando os olhos por sua vez, proferiu ligeira prece.
Ao fim, Gisele sorriu.

Abriu os olhos, voltou-se para mim e disse:
— Não se preocupe por causa de Ludwig.
Ele está bem. Você verá.

Sobressaltei-me.
Ia perguntar o que ela queria dizer, mas meu pai com um gesto firme convidou-me ao silêncio.
Intrigado, esperei que ela continuasse, mas Gisele não disse mais nada.
Cerrou os olhos novamente e permaneceu alguns minutos.

Quando os abriu de novo, surpreendeu-se:
— Adormeci — disse — Como pude? De novo, papai?
Ele acenou confirmando.
Não compreendi o que estava ocorrendo.

— Vá dormir, minha filha. Já é tarde.
Amanhã você levanta-se muito cedo.
— Está bem, papai.
Quando ela nos beijou e saiu, não pude evitar a estranheza:
- Você acha que ela está bem?

— Certamente, Denizarth.
— Como pode ela dizer-me aquelas estranhíssimas palavras e depois não lembrar-se de nada?
— O facto é explicável.
Sua irmã é médium.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Set 28, 2012 9:06 am

Tem sido envolvida por alguns espíritos e sob sua influência nos fala e orienta.
Certamente sua preocupação foi vista por eles que quiseram dar-lhe uma resposta. Utilizaram-se dela como que de um aparelho telefónico.

Eu tinha lido nos livros que isso era possível.
Aceitava em tese, mas que acontecesse com minha irmã e comigo, jamais me ocorrerá.
O facto era único. Nunca falara aos meus sobre minhas preocupações actuais a respeito de Ludwig.

Como pudera ela saber?
— O que há nisso de extraordinário?
Nunca viu nenhum caso de comunicação de espíritos?
Nunca conheceu ninguém que tivesse um caso desses na família para contar?

— Sim. Vários.
Na trincheira contam-se muitos casos de manifestações dos espíritos.
Mas, sempre achei que eram fruto da imaginação demência de alguns, da depressão, e da ruína da guerra.

— Estava enganado, meu filho.
Elas existem e foi o que aconteceu hoje aqui.
Senti um arrepio percorrer-me o corpo.
— Você tem certeza?

Meu pai olhou-me nos olhos com firmeza.
— Não estava preocupado com Ludwig?
Sobressaltei-me:
— Sim, estava, — confessei a contragosto.
— Então por que duvida?
Acaso falou a sua irmã sobre esse assunto?

— Claro que não. E isso é justamente o que me intriga.
Meu pai permaneceu alguns instantes em meditação, depois tornou com voz firme:
— É tempo de você pensar seriamente na vida espiritual.
Gisele encontrou seu caminho e já não me preocupa.
Saberá defender-se das ilusões e dos perigos da vida.

Mas você, meu filho, também está participando de uma guerra cruenta que permeia os sentimentos dos mais desequilibrados e tem despertado paixões e ódio.

Gostaria que você também encontras se a paz.
Não a paz dos homens, passível de ser destruída ou avilada, a paz interior que só o Evangelho de Jesus pode dar.

Senti-me comovido. Meu pai preocupava-se por mim.

Coloquei minha mão sobre a sua e apertei-a com força:
- Não precisa temer por mim. Sei dominar-me.
A vida deu-me muita experiência.
Não me deixo arrastar pelas paixões.

Antes assim, meu filho.
Mas, apesar disso, existem em nossa vida para os quais nosso controle não pode conseguido, a não ser aliado às forças superiores.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Set 28, 2012 9:06 am

A certeza da vida futura além da morte, a certeza da perfeição da Justiça Divina, a certeza de que precisamos a todo custo sobrepujar nossa inferioridade moral se quisermos progredir espiritualmente e ser feliz no futuro, a certeza de que todas as nossas faltas permanecem registadas no tempo e que cedo ou tarde seremos forjados a resgatá-las, a certeza de que reencarnaremos na Terra para isso, tantas vezes quantas forem necessárias, nos faculta sua compreensão, tanta paz, que sempre encontraremos a melhor solução para cada um dos nossos problemas.

Sinto que tanto você como Gisele têm razão.
Gostaria de ser como vocês.
Contudo, apesar de aceitar essa teoria, há sempre uma parcela de mim que levanta objecções e as nega.
Como conseguir essa fé que se revela em vocês?

Meu pai suspirou:
— Disse bem. Como conseguir?
A fé realmente vai sendo construída aos poucos dentro de nós.

Precisa ser desenvolvida pelo estudo sincero, sem intenções preconcebidas, pela observação e pelo raciocínio.

Sei que vai objectar que muitos nascem com fé.
E nem sabem porque acreditam. Experiências do passado certamente.
Entretanto, a fé cega pode conduzir ao fanatismo, tão prejudicial como a descrença porque ambos cegam a criatura.

Porque não consegue discernir e acaba emaranhada nas ilusões e ignorância.
Só a fé raciocinada, experimentada, vivida, pode nos conduzir com equilíbrio à certeza da vida espiritual.

Se você precisa melhorar sua fé, sua capacidade, observe.
Observe, não só as lições da Natureza;
mas dos conhecimentos que nos envolvem.
As lutas e os sofrimentos individuais e colectivos.
Procure entendê-los, medir-lhes a profundidade.

O Evangelho é a base moral da vida e a Doutrina dos Espíritos fornece a chave para podermos abrir a porta dos mistérios e das religiões humanas estabeleceram e que dada a pouca capacidade moral dos homens, Deus os deixou acreditar.

Irá percebendo, pouco a pouco, que tudo se explica dentro das provas concludentes e nos conduzem à verdades fundamentais.
A sobrevivência da alma após a morte, na comunicabilidade com os homens, a necessidade de progresso moral e espiritual e a justiça perfeita e amorosa de Deus.

Chegando à essas conclusões, fatalmente teremos desenvolvido nossa fé sobre bases reais e sólidas.
Teremos paz, suportaremos as vicissitudes com paciência e aprenderemos a lutar pela nossa melhoria espiritual.

Eu estava emocionado.
Enquanto a voz agradável e grave de meu pai discorria com tanta fluência, uma brisa suave nos envolvia, proporcionando-me sensação de bem-estar.

De repente, senti como era bom estar em casa gozando daquele convívio generoso, junto aos meus entes queridos, eu, que tantas vezes me sentira morrer entre o desespero no matraquear dos combates, e a fome, a sede, a solidão, o medo, a angústia, o horror, o inferno!

Deus fora bom para mim, poupando-me e aos meus em meio a tanto horror.

Senti-me pequeno e humilde ante tanta bondade e duas lágrimas de gratidão rolaram-me dos olhos, sem que eu as pudesse impedir.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sex Set 28, 2012 9:06 am

CAPITULO XVII - A decepção

O trem corria cadenciadamente em meio à noite que prenunciava chuva eminente, O ar esfumaçado do vagão cheio de soldados não me incomodava muito.

Sentado rente à janela, olhava a noite através do vidro embaçado.
Meus olhos percorriam com indiferença, tanto o vagão cheio onde viajava, como a noite que se estendia lá fora.

Meu pensamento ia longe. Estava com Ana e Karl.
Vivia dias de intensa ansiedade.

O Exército Aliado, de vitória em vitória, transpusera a fronteira alemã e já se podia esperar a queda de Berlim para muito breve.

Foi a custo que consegui transferência para a linha de frente.
Faria qualquer coisa para poder estar na Alemanha.
Temia pela sorte de Ana e de meu filho.
Ardia de impaciência para revê-los.

Não ia como soldado, mas como oficial, honra com que me agraciaram pelas lutas e desempenhos durante a libertação de Paris e Vichi.

Contavam com a vitória aliada e os generais davam especial preferência àqueles que falassem o alemão para poderem dirigir-se ao povo e serem compreendidos.

Em Paris, tudo caminhava para a normalidade, tendo o governo reprimido com energia, as tendências comunistas de alguns membros do Comité de Libertação Nacional.

Só assim, consegui a tão sonhada oportunidade de voltar à Alemanha.
Ardia para estar com Ana, poder falar-lhe sem reservas, contar-lhe a verdade, dizer que a amava, apesar de tudo.

Às vezes, um sentimento misto de medo e angústia me invadia o ser.
Conhecia a que extremos a guerra pode conduzir a ira.

O fanatismo, o orgulho, e principalmente a propaganda de parte a parte, a atiçar um país contra outro, na faina ilusória de dar-lhes condições de ódio e de motivação para a luta.

Além do mais, Ana talvez guardasse de mim apenas as vezes que involuntariamente eu lhe abrira no coração.
Então, acudiam-me à mente os momentos de convivência na exteriorização do amor sincero e recíproco.

As alegrias da vivência em família, as emoções do nascimento de Karl e o optimismo voltavam na certeza de que Ana certamente também guardaria do nosso passado, da nossa vida em comum, preciosas recordações incrustadas nos seus sentimentos mais caros.

Passei o olhar pelos soldados amontoados nos bancos e nos corredores do vagão.
Iam silenciosos e tristes, tinham o rosto cansado, preocupado.
Nenhuma manifestação de alegria.
Apenas cansaço e desalento.

Lembrei-me que estávamos ganhando essa guerra, mas não havia alegria em nenhum rosto.
Todos nós estávamos pesados de recordações tristes e desagradáveis.
Quem poderia sorrir?

Era madrugada quando chegamos em Nouville.
Nossa viagem terminava ali.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Set 29, 2012 9:22 am

Apresentei-me ao comando e fui conduzido ao alojamento, mas no mesmo dia pela manhã fui engajado em um destacamento destinado a reunir-se às tropas que haviam transposto a fronteira alemã.

Os combates recrudesciam, agora que tínhamos a vitória como certa.
Os russos invadindo o Norte, nosso Comando Aliado, a Leste.
Apesar da troca de mensagens entre os dois comandos, a luta era também para ver quem chegava primeiro à Capital e a Hitler.

Foram dias terríveis aqueles.
Por conhecer alemão, não fui combater.

Permaneci junto ao Comando, na decifração de mensagens cifradas do inimigo, mantendo contacto com o Centro de Espionagem Aliada e trabalhando activamente nos interrogatórios dos prisioneiros alemães.

Foi em meio a um grupo deles, famintos, rotos e emagrecidos, que pude reconhecer o rosto lívido de Ludwig.

Sobressaltei-me horrivelmente.
O que eu desejara e temera, viera a acontecer.
Seu olhar, ao fixar-me, refulgiu em uma centelha de ódio.
A sensação de angústia reapareceu no íntimo.

Procurando mostrar-me calmo, perguntei o nome de cada um enquanto meu imediato anotava.
Quando Ludwig passou por mim, tive vontade de dizer-lhe algumas palavras, pedir notícias de Ana, de Karl, mas ali não era possível.

Depois, seu olhar fixava-me com ódio e eu temia que reagisse violentamente obrigando-me a puni-lo por estar investido de autoridade, naquele momento, representando meu país diante dos meus comandantes e subalternos.

Haveria tempo mais tarde, pensei.
Ludwig estava prisioneiro e eu poderia vê-lo livremente.
De certo modo, sua presença ali me tranquilizava.
O facto de vê-lo vivo e prisioneiro, viera ao encontro dos meus desejos mais íntimos.

Não me envergonho de dizer que no meu egoísmo, temia que sua morte cavasse um abismo intransponível entre Ana e eu.

Ludwig era muito amado pela família.
Se tivesse morrido nessa guerra o ódio de todos eles contra nós seria muito maior.
Confiava que o tempo fizesse esmorecer os ódios e pudéssemos mais tarde viver em paz.

Conhecera belas mulheres depois de Ana, mas nenhuma jamais despertara em mim tanto amor, tanta emoção.
Não conseguia esquecê-la e depois, havia Karl, era meu filho!

No dia imediato, mandei buscar o prisioneiro, aproveitando um momento em que me encontrava só na sala onde exercia meu trabalho.

Meu superior saíra e iria demorar-se.
Ludwig foi trazido e ordenei aos soldados que aguardassem no lado de fora.
Ele conservou-se de pé, em atitude de contida revolta.
Fixei-lhe o rosto emagrecido cujo ódio ostensivo desfigurava ainda mais.
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Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto - Página 5 Empty Re: Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto

Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Set 29, 2012 9:22 am

Fingi ignorar seu rancor e assentei-me frente à mesa dizendo-lhe com voz que procurei tornar polida e firme:
— Sente-se Ludwig, precisamos falar.

Ele permaneceu em pé e não respondeu.
Percebi que esforçava-se por dominar-se.
Sem poder conter-me fui logo ao assunto.

— O motivo da sua presença aqui, não se prende a problemas políticos entre seu país e o meu, O assunto é particular.
Há muito tempo tenho desejado lhe falar, sem que tivesse oportunidade.

Percebi que pelo seu olhar passou um lampejo de emoção.

Decidido continuei:
— Sei que existe entre nós um mar de sangue, dos meus amigos, dos meus entes queridos, e dos seus amigos, e dos seus entes queridos.
É a guerra. Estamos lutando de lados opostos.

Parei alguns momentos, analisando-lhe o olhar tempestuoso e continuei:
— Entretanto, preciso falar a verdade, aproveitando esta chance de encontrá-lo novamente.
Devo-lhe a vida.

Surpreendido, Ludwig resmungou irritado:
- Não me deve nada.
Se eu soubesse quem era, tê-lo-ia matado com minhas próprias mãos.
— Por isso, espero que possa compreender porque menti ocultando minha identidade.
Em meu lugar, teria feito o mesmo.

Ele olhou-me com raiva:
— Sou um oficial alemão.
Não desceria à desonra de mentir, renegar meu país aceitando a ajuda de um inimigo.

Senti um frio percorrer-me o corpo. Olhei-o bem nos olhos:
— Sim — disse — você é um oficial alemão.
Devia ter pensado nisso.
Mas, apesar de tudo, preciso falar.
Não quero que ignore a verdade.

Eu era jovem e tinha medo da morte.
Não era muito entusiasmado pela luta.
Tive chance de viver e aproveitei.
Pode crer que sua família é sagrada para mim.
Eles estão fora dessa guerra sórdida.

Ludwig cerrou os olhos com força.
Parecia ter dificuldades para controlar-se:
— Você não passa de um traidor sujo.
Não toque no nome dos meus.
Ainda o farei pagar por isso com as próprias mãos.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Set 29, 2012 9:22 am

Não pude conter-me, segurei-o pelo braço e continuei nervoso:
— Mas é sobre eles que preciso falar.
Não pode negar-me essa oportunidade.
Eu sou marido de Ana. Casei-me com ela porque a amava.

Ludwig estremeceu cerrando os punhos com força:
— Não fale nela, nunca mais a verá.

Um sentimento de terror penetrou-me fundo e foi crescendo, dominando-me o raciocínio.

Pensei enlouquecer:
— Aconteceu-lhe algo?
Um brilho mau passou-lhe pelos olhos:
— Você casou-se com ela por divertimento e com nome suposto.
Essa união nada significa.

— Ao contrário, — tornei com firmeza — nós nos amamos.
Ana é minha esposa. Karl meu filho. Vim para buscá-los.
Apesar de tudo o que aconteceu guardo esperanças de sermos felizes. A guerra vai acabar.

Quero provar-lhes que foram as circunstâncias que nos envolveram de maneira desfavorável.
Quero que sintam minha gratidão por tudo quanto fizeram por mim.
Eu estava comovido e meu aceno era sincero.

Ludwig que a princípio demonstrara emoção retomou sua frieza, desferiu uma gargalhada sarcástica e respondeu:
— Não sabia que os gauleses usavam esses métodos para arrancar-nos segredos e confissões, Mas, comigo não deu resultado, agente 223.

A sua versão dos factos é muito comovente, mas sei que a verdade é outra.
Valeu-se da nossa credulidade para hominizar-se em minha casa, abusou da nossa hospitalidade.
Enquanto nos fazia crer que amava minha irmã, enviava informações aos nossos inimigos.
Pena que não me comova agora seu conveniente amor por Ana.

- Ludwig, você sabe que digo a verdade.
Nada quero de você.
Não o estou interrogando sobre questões militares ou informações políticas.
Nosso assunto é particular. A guerra vai acabar.
Tudo será esquecido.
Quero apenas noticias de Ana e de Karl.

Ludwig olhou-me fixamente e o ódio continuava a transparecer nesse olhar:
— Não fale mais em Ana. Nunca mais a verá.
— Ela me ama, vou levá-la comigo. Como está ela?
— Morta. Ana está morta.

Senti a cabeça rodar e um abalo tremendo no coração.
Por um minuto a sala desapareceu diante dos meus olhos.
— Não é verdade — gritei apavorado. — Não é verdade,..
— Morreu num bombardeio. Vocês a mataram.
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Mensagem  Ave sem Ninho Sáb Set 29, 2012 9:22 am

Deixei-me cair em uma cadeira porque as pernas negavam a suster-me.
Pensei enlouquecer de angústia e de dor.

— E Karl? — Sussurrei desalentado
- Morreu com ela.
Passei a mão trémula pela testa.
Parecia que o mundo inteiro tinha desabado sobre mim.
Permaneci assim durante alguns minutos sem poder coordenar o pensamento.

Depois dei acordo de mim e perguntei com voz sumida:
— Quando foi?
— Há alguns meses — respondeu com secura.

De repente, a presença de Ludwig começou a molestar-me.
Envergonhei-me de chorar diante dele.
Chamei os soldados e mandei reconduzi-lo à cela.
Depois deixei-me cair na cadeira, o mundo estava acabado para mim.

Tive impulso de sair gritando por aí, de revólver na mão dando tiros contra tudo e contra todos.
Infame guerra sem glórias e sem vitórias.
Permaneci longo tempo imerso em íntimos pensamentos, alheio ao mundo que me rodeava.

Pensava em Ana.
Seu rostinho jovem, alegre, corado, cheio de vida.
Não podia imaginá-la morta, pálida, imóvel.

Até ali, apesar meus sentimentos tinham conseguido sobreviver, mas agora, o golpe ferindo-me fundo, demonstrara que ninguém podia sair ileso de morticínio.

Cada criatura humana, de parte a parte, a lamentar perdas e danos irreparáveis.

Fui para o meu quarto e estendi-me no leito, de olhos fechados.
Havíamos ocupado algumas casas e dormíamos em três nos quartos, razoavelmente confortável.

Não consegui dormir.
Queria esquecer as palavras de Ludwig mas inutilmente.

"Ela está morta! Ana está morta!
Nunca mais a verá.
Karl está morto! Karl está morto!"
Pensei enlouquecer.

Jamais a vida me pareceu tão triste, tão dolorosa.
À noite, os companheiros, preocupados com minha agitação foram buscar um médico.
Não sei porquê mas revivi todos meus sofrimentos passados na enfermaria n.º 2.

Vi aqueles rostos hediondos se aproximarem de mim e em minha alucinação eu os via alcançando Ana e Karl, arrancando-os de mim.
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