Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto
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Re: Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto
Afinal, agora minha pátria colaborava com a dela.
Mas, de que forma explicar-lhe que era estrangeiro, e inimigo de sua pátria, e mesmo de seu irmão?
Quando Ana se retirou, não pude conciliar o sono.
Um filho alemão! Eu!
Não pude furtar-me a doloroso sentimento de vergonha.
Enquanto os meus lutavam, morriam, sofriam, para defender a pátria, eu ligara-me ao inimigo, não só aceitando-lhe o auxílio mas também, gerando um filho que talvez me viesse a odiar mais tarde.
Tive mais vontade de fugir dali.
Voltar à minha terra. com a farsa que me salvara a vida.
Na tarde do dia imediato recebemos a visita do Pastor.
A certa altura, as meninas saíram e a atmosfera ficou tensa.
Percebi que alguma coisa estava no ar.
Sozinho diante do ministro, tendo ao lado Frau Eva mais fria do que o usual, e a um canto o velho avô calado e pensativo, experimentei ligeiro pânico.
Teriam descoberto a verdade?
A certa altura, Frau Eva escreveu para mim:
"Ana mãe. Kurt pai. Pastor dia do casamento".
Compreendi.
Todos sabiam a verdade sobre nós dois.
A caridade de Frau Eva apontava-me o caminho correcto que desejava.
O Pastor, preocupado, olhava-me fixamente, querendo descobrir o que me ia na alma naquele instante.
O avô, fixava-me também o olhar percuciente e enérgico.
Senti-me encurralado. Que fazer?
Sabia que precisava concordar.
Mas, havia uma saída.
Tomando papel escrevi com mão que procurei tornar insegura:
"Não sei meu nome".
Pelo olhar trocado entre Frau Eva e o Pastor, pareceu-me que ambos já haviam discutido o assunto.
O Pastor disse-me:
- O senhor casa com os documentos que tem.
Quando melhorar acertaremos tudo.
Assenti. Logo marcaram a cerimónia para o dia seguinte.
Eu sentia-me como a aranha que se emaranha nas próprias teias.
Não tinha coragem de falar a verdade.
Temia as consequências imediatas que podiam advir.
Mas, de que forma explicar-lhe que era estrangeiro, e inimigo de sua pátria, e mesmo de seu irmão?
Quando Ana se retirou, não pude conciliar o sono.
Um filho alemão! Eu!
Não pude furtar-me a doloroso sentimento de vergonha.
Enquanto os meus lutavam, morriam, sofriam, para defender a pátria, eu ligara-me ao inimigo, não só aceitando-lhe o auxílio mas também, gerando um filho que talvez me viesse a odiar mais tarde.
Tive mais vontade de fugir dali.
Voltar à minha terra. com a farsa que me salvara a vida.
Na tarde do dia imediato recebemos a visita do Pastor.
A certa altura, as meninas saíram e a atmosfera ficou tensa.
Percebi que alguma coisa estava no ar.
Sozinho diante do ministro, tendo ao lado Frau Eva mais fria do que o usual, e a um canto o velho avô calado e pensativo, experimentei ligeiro pânico.
Teriam descoberto a verdade?
A certa altura, Frau Eva escreveu para mim:
"Ana mãe. Kurt pai. Pastor dia do casamento".
Compreendi.
Todos sabiam a verdade sobre nós dois.
A caridade de Frau Eva apontava-me o caminho correcto que desejava.
O Pastor, preocupado, olhava-me fixamente, querendo descobrir o que me ia na alma naquele instante.
O avô, fixava-me também o olhar percuciente e enérgico.
Senti-me encurralado. Que fazer?
Sabia que precisava concordar.
Mas, havia uma saída.
Tomando papel escrevi com mão que procurei tornar insegura:
"Não sei meu nome".
Pelo olhar trocado entre Frau Eva e o Pastor, pareceu-me que ambos já haviam discutido o assunto.
O Pastor disse-me:
- O senhor casa com os documentos que tem.
Quando melhorar acertaremos tudo.
Assenti. Logo marcaram a cerimónia para o dia seguinte.
Eu sentia-me como a aranha que se emaranha nas próprias teias.
Não tinha coragem de falar a verdade.
Temia as consequências imediatas que podiam advir.
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Re: Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto
Não podia continuar naquela incómoda posição de haver abusado da hospitalidade daquela casa, sem oferecer reparação.
Confesso que fiquei apavorado.
Não dormi naquela noite. Restava-me o recurso de fugir;
por vezes, pensei nisso como única solução.
Mas, havia Ana e a consciência acusando-me sem parar.
Caminhei pelo quarto, indeciso e infeliz.
Estava amanhecendo já quando tomei a resolução de ficar.
Afinal, que valor podia ter um casamento. religioso com nome suposto?
Acabei por encontrar algumas vantagens.
Poderia viver mais livremente com Ana e proteger-me ainda mais, o tempo suficiente para que a guerra tomasse outro rumo e me permitisse voltar à pátria, sem o terror da ocupação inimiga ou para combater pela libertação da minha terra.
Quando a situação me fosse mais favorável, partiria e com o passar dos anos, tanto eu como Ana, haveríamos de esquecer.
Era a solução razoável, justa e plausível.
Pelo menos, era aquela que mais me convinha.
Procurei não pensar na criança que ia nascer.
Não podia acostumar-me à ideia de ter um filho alemão.
Trazia muito viva na mente a lembrança do campo de batalha e o inimigo ainda era inimigo para mim.
Às 9 horas da manhã, Ana e eu, um tanto trémulos e calados, comparecemos à presença do Pastor que viera à nossa casa efectivar a cerimónia.
Trouxe para ajudá-lo, a esposa, que nos envolvia em olhares curiosos e maliciosos.
Os olhos de Frau Eva brilhavam um tanto tristes e o avô nos fitava imperturbável.
Só Elga parecia mais alegre.
Ana tremia quando após a prelecção do Pastor uniu nossas mãos e seus olhos confiantes e esperançosos procuraram os meus. Senti-me abafado.
Tive vontade de gritar a verdade e sair dali com um pouco de decência que poderia ainda demonstrar.
Mas, não fiz nada. Calei.
Aceitei Ana como esposa legítima diante de Deus e dos homens até que a morte nos separe.
O acto estava consumado.
Procurando ocultar os pensamentos, consegui demonstrar uma alegria que estava longe de sentir.
Antes do início daquele pesadelo, jamais poderia Supor que fosse capaz de tanto controle.
Permanecer calado durante meses sem extravasar as emoções através das palavras, e a noção do perigo iminente conduzira-me a uma auto-análise, desenvolvendo-me o senso de observação de forma extraordinária.
Bastava-me um olhar para observar detalhes que a maioria ou mesmo eu em outros tempos, não notaria.
Foi assim que percebi tanto a preocupação de Frau Eva, como a circunspecção do avô, ansiedade brilhando no olhar de Ana, como a mórbida curiosidade da sorridente esposa do reverendo.
Confesso que fiquei apavorado.
Não dormi naquela noite. Restava-me o recurso de fugir;
por vezes, pensei nisso como única solução.
Mas, havia Ana e a consciência acusando-me sem parar.
Caminhei pelo quarto, indeciso e infeliz.
Estava amanhecendo já quando tomei a resolução de ficar.
Afinal, que valor podia ter um casamento. religioso com nome suposto?
Acabei por encontrar algumas vantagens.
Poderia viver mais livremente com Ana e proteger-me ainda mais, o tempo suficiente para que a guerra tomasse outro rumo e me permitisse voltar à pátria, sem o terror da ocupação inimiga ou para combater pela libertação da minha terra.
Quando a situação me fosse mais favorável, partiria e com o passar dos anos, tanto eu como Ana, haveríamos de esquecer.
Era a solução razoável, justa e plausível.
Pelo menos, era aquela que mais me convinha.
Procurei não pensar na criança que ia nascer.
Não podia acostumar-me à ideia de ter um filho alemão.
Trazia muito viva na mente a lembrança do campo de batalha e o inimigo ainda era inimigo para mim.
Às 9 horas da manhã, Ana e eu, um tanto trémulos e calados, comparecemos à presença do Pastor que viera à nossa casa efectivar a cerimónia.
Trouxe para ajudá-lo, a esposa, que nos envolvia em olhares curiosos e maliciosos.
Os olhos de Frau Eva brilhavam um tanto tristes e o avô nos fitava imperturbável.
Só Elga parecia mais alegre.
Ana tremia quando após a prelecção do Pastor uniu nossas mãos e seus olhos confiantes e esperançosos procuraram os meus. Senti-me abafado.
Tive vontade de gritar a verdade e sair dali com um pouco de decência que poderia ainda demonstrar.
Mas, não fiz nada. Calei.
Aceitei Ana como esposa legítima diante de Deus e dos homens até que a morte nos separe.
O acto estava consumado.
Procurando ocultar os pensamentos, consegui demonstrar uma alegria que estava longe de sentir.
Antes do início daquele pesadelo, jamais poderia Supor que fosse capaz de tanto controle.
Permanecer calado durante meses sem extravasar as emoções através das palavras, e a noção do perigo iminente conduzira-me a uma auto-análise, desenvolvendo-me o senso de observação de forma extraordinária.
Bastava-me um olhar para observar detalhes que a maioria ou mesmo eu em outros tempos, não notaria.
Foi assim que percebi tanto a preocupação de Frau Eva, como a circunspecção do avô, ansiedade brilhando no olhar de Ana, como a mórbida curiosidade da sorridente esposa do reverendo.
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Re: Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto
À simples cerimónia entoaram um hino que tocou-me o bastante para fazer-me pensar nos meus, na fisionomia jovem de minha mãe, na doçura de minha irmã e na fisionomia serena de meu pai.
Após os cumprimentos, havia cerveja fresca e bolos conseguidos com algumas dificuldades.
Quando se foram, e encontrei-me a sós com Ana, desagradável constrangimento me envolveu.
Contudo ela, com naturalidade, reiniciou suas actividades domésticas e eu procurei ajudá-la como de costume.
Carregou seus pertences para meu quarto e pareceu-me um tanto acanhada ao arrumar suas roupas íntimas na gaveta.
Confesso que me senti um pouco grotesco.
A situação era incómoda e no fundo me comovia.
Ana era o único laço afectivo que me aquecia o coração naquela solidão.
E eu precisava de carinho e de atenção.
Fechei a porta do quarto e desejoso de esquecer, abracei-a com carinho.
Ana descansou sua cabeça em meu peito e eu pensei como teria sido bom havê-la conhecido sem guerra, sem hipocrisia, sem barreiras ou temor.
Meus olhos marejaram e num movimento brusco, afastei-a de mim.
Longe de se magoar, ela olhou-me nos olhos longamente, depois tomou do lápis e escreveu:
"Esqueça guerra. Hoje alegria.
Amanhã, ninguém sabe.
Juntos enquanto pudermos".
Entendi. Ana também sofria, temia minha volta à frente, temia pela minha vida.
Queria tornar felizes os momentos e os dias que ainda podíamos estar juntos. Tinha razão.
Enquanto pudesse, esqueceria todas as barreiras e viveria com ela todos os momentos felizes enquanto durassem.
Abracei-a novamente e permanecemos longamente quietos, sentindo a emoção nos acelerando o coração, resolvidos a viver intensamente o tempo que nos fosse possível.
Naquele instante, nosso amor derrubou todas as barreiras que teimavam em refrear meus sentimentos e pude enfim, esquecer os problemas que me afligiam o coração.
A partir daquele dia, nossa vida aparentemente pouco mudou.
Exercíamos as mesmas actividades quotidianas, mas nosso afecto mútuo, mantinha-se constante.
As notícias não eram promissoras de paz e todos na Alemanha confiavam na vitória com uma certeza que raiava ao fanatismo.
Irritavam-me os discursos do Führer, sua prepotência e principalmente a maneira pela qual se referia aos seus inimigos.
Sabia que o Nazismo utilizava a propaganda como uma das suas maiores forças para politização das massas, mas era inegável que eles avançavam em todas as frentes.
As vezes, não conseguia disfarçar o nervosismo e em algumas ocasiões percebi o olhar curioso do avô pousado sobre mim.
Após os cumprimentos, havia cerveja fresca e bolos conseguidos com algumas dificuldades.
Quando se foram, e encontrei-me a sós com Ana, desagradável constrangimento me envolveu.
Contudo ela, com naturalidade, reiniciou suas actividades domésticas e eu procurei ajudá-la como de costume.
Carregou seus pertences para meu quarto e pareceu-me um tanto acanhada ao arrumar suas roupas íntimas na gaveta.
Confesso que me senti um pouco grotesco.
A situação era incómoda e no fundo me comovia.
Ana era o único laço afectivo que me aquecia o coração naquela solidão.
E eu precisava de carinho e de atenção.
Fechei a porta do quarto e desejoso de esquecer, abracei-a com carinho.
Ana descansou sua cabeça em meu peito e eu pensei como teria sido bom havê-la conhecido sem guerra, sem hipocrisia, sem barreiras ou temor.
Meus olhos marejaram e num movimento brusco, afastei-a de mim.
Longe de se magoar, ela olhou-me nos olhos longamente, depois tomou do lápis e escreveu:
"Esqueça guerra. Hoje alegria.
Amanhã, ninguém sabe.
Juntos enquanto pudermos".
Entendi. Ana também sofria, temia minha volta à frente, temia pela minha vida.
Queria tornar felizes os momentos e os dias que ainda podíamos estar juntos. Tinha razão.
Enquanto pudesse, esqueceria todas as barreiras e viveria com ela todos os momentos felizes enquanto durassem.
Abracei-a novamente e permanecemos longamente quietos, sentindo a emoção nos acelerando o coração, resolvidos a viver intensamente o tempo que nos fosse possível.
Naquele instante, nosso amor derrubou todas as barreiras que teimavam em refrear meus sentimentos e pude enfim, esquecer os problemas que me afligiam o coração.
A partir daquele dia, nossa vida aparentemente pouco mudou.
Exercíamos as mesmas actividades quotidianas, mas nosso afecto mútuo, mantinha-se constante.
As notícias não eram promissoras de paz e todos na Alemanha confiavam na vitória com uma certeza que raiava ao fanatismo.
Irritavam-me os discursos do Führer, sua prepotência e principalmente a maneira pela qual se referia aos seus inimigos.
Sabia que o Nazismo utilizava a propaganda como uma das suas maiores forças para politização das massas, mas era inegável que eles avançavam em todas as frentes.
As vezes, não conseguia disfarçar o nervosismo e em algumas ocasiões percebi o olhar curioso do avô pousado sobre mim.
Última edição por O_Canto_da_Ave em Qua Set 19, 2012 9:57 am, editado 1 vez(es)
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Re: Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto
Ele tinha para mim o efeito de uma duche fria.
Imediatamente me reequilibrava.
O tempo foi passando.
Ana tecia pequeninas peças de roupa delicada para a criança que deveria nascer.
Mas eu não gostava de vê-las.
Preferia pensar que ele não existia.
Deliberadamente buscara ignorá-lo para não ter que voltar aos meus problemas de consciência.
Apesar de julgar-me extremamente liberal, o filho alemão causava-me aversão.
Representava a prova concreta da minha traição aos princípios da honra e da moral colocando minha satisfação pessoal acima do dever e do patriotismo.
Ao mesmo tempo penalizava e o facto dessa criança vir a um mundo tão sórdido, devorado pela guerra.
Sentia-me também responsável por isso.
Imediatamente me reequilibrava.
O tempo foi passando.
Ana tecia pequeninas peças de roupa delicada para a criança que deveria nascer.
Mas eu não gostava de vê-las.
Preferia pensar que ele não existia.
Deliberadamente buscara ignorá-lo para não ter que voltar aos meus problemas de consciência.
Apesar de julgar-me extremamente liberal, o filho alemão causava-me aversão.
Representava a prova concreta da minha traição aos princípios da honra e da moral colocando minha satisfação pessoal acima do dever e do patriotismo.
Ao mesmo tempo penalizava e o facto dessa criança vir a um mundo tão sórdido, devorado pela guerra.
Sentia-me também responsável por isso.
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Re: Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto
CAPITULO VI - A prisão
Por mais que pensasse ou me mortificasse não encontrava uma maneira de sair daquela situação a não ser quando a guerra terminasse, se conseguisse sobreviver.
Eu não sabia que a vida pode ser mais terrível do que a morte e que um espírito encarcerado pode sofrer muito mais do que um corpo prisioneiro.
Nosso filho nasceu no dia 15 de maio de 1941.
Ainda hoje, estremeço recordando aqueles dias terríveis.
Durante os meses que antecederam seu nascimento, passamos por inúmeras dificuldades.
Apesar do seu estado, Ana, juntamente com a mãe e a irmã tinham sido recrutadas para as fábricas de material bélico e eram obrigadas a dar cinco horas de trabalho por dia.
Quanto a mim, observado a amiúde pelo exército, fingia desequilíbrio e incapacidade psíquica.
A Ana não passou despercebida minha preocupação em parecer doente mental.
Algumas vezes notei certo ar de desprezo no seu rosto. Julgava-me covarde.
Afinal, seu irmão lutava no Fronte e eu demonstrava interesse em permanecer ao lado das mulheres, no conforto do lar.
Mas, ao mesmo tempo, pensava que pelo amor que lhe dedicava não queria afastar-me e então, redobrava seu carinho procurando fazer-me sentir o quanto me amava.
Eu não podia agir diferente.
A guerra prosseguia sem nenhuma esperança de paz.
Apesar da Alemanha estar avançando vitoriosa, as coisas também para nós estavam difíceis.
A alimentação da população que era racionada, escasseava.
Os campos estavam sendo lavrados pelos velhos, mulheres e crianças, assim mesmo quando não estivessem cosendo e trabalhando para o exército.
A produção baixara e o alimento que chegava da Polónia, da Checoslováquia e da França, era requisitado para as tropas.
A guerra delongava-se e a batalha da Inglaterra estava longe de ser ganha.
A resistência do seu povo heróico, causou sérios embaraços a acção germânica que contava capitalizar essa vitória em menor espaço de tempo.
Os terríveis submarinos alemães não estavam conseguindo vencer a brava esquadra Britânica.
Em compensação a Real Força Aérea causava grandes estragos em zonas de abastecimentos e transportes alemães.
Dresden não era visada pelos aliados, embora possuísse algumas fábricas de material bélico.
A noite, as luzes eram desligadas para não ser alvo fácil dos inimigos, e havia abrigos antiaéreos, e o povo era treinado para resguardar-se em caso de bombardeio.
Eu preferia não sair de casa porquanto temia ser visto, receoso de que alguém pudesse investigar minha vida.
A desconfiança era constante naqueles dias, e até os mais amigos olhavam-se temerosos guardando suas impressões íntimas, furtando-se às confidências.
Naquele dia, Ana sentiu-se mal ao clarear a manhã.
Permaneci com ela, que durante o dia inteiro gemia de vez em quando e eu corria a chamar Frau Eva que era entendida naqueles assuntos.
Veio a noite e nós, para podermos conservar o lampião aceso, vedamos todas as frestas e janelas do quarto para que a patrulha não viesse nos importunar.
Por mais que pensasse ou me mortificasse não encontrava uma maneira de sair daquela situação a não ser quando a guerra terminasse, se conseguisse sobreviver.
Eu não sabia que a vida pode ser mais terrível do que a morte e que um espírito encarcerado pode sofrer muito mais do que um corpo prisioneiro.
Nosso filho nasceu no dia 15 de maio de 1941.
Ainda hoje, estremeço recordando aqueles dias terríveis.
Durante os meses que antecederam seu nascimento, passamos por inúmeras dificuldades.
Apesar do seu estado, Ana, juntamente com a mãe e a irmã tinham sido recrutadas para as fábricas de material bélico e eram obrigadas a dar cinco horas de trabalho por dia.
Quanto a mim, observado a amiúde pelo exército, fingia desequilíbrio e incapacidade psíquica.
A Ana não passou despercebida minha preocupação em parecer doente mental.
Algumas vezes notei certo ar de desprezo no seu rosto. Julgava-me covarde.
Afinal, seu irmão lutava no Fronte e eu demonstrava interesse em permanecer ao lado das mulheres, no conforto do lar.
Mas, ao mesmo tempo, pensava que pelo amor que lhe dedicava não queria afastar-me e então, redobrava seu carinho procurando fazer-me sentir o quanto me amava.
Eu não podia agir diferente.
A guerra prosseguia sem nenhuma esperança de paz.
Apesar da Alemanha estar avançando vitoriosa, as coisas também para nós estavam difíceis.
A alimentação da população que era racionada, escasseava.
Os campos estavam sendo lavrados pelos velhos, mulheres e crianças, assim mesmo quando não estivessem cosendo e trabalhando para o exército.
A produção baixara e o alimento que chegava da Polónia, da Checoslováquia e da França, era requisitado para as tropas.
A guerra delongava-se e a batalha da Inglaterra estava longe de ser ganha.
A resistência do seu povo heróico, causou sérios embaraços a acção germânica que contava capitalizar essa vitória em menor espaço de tempo.
Os terríveis submarinos alemães não estavam conseguindo vencer a brava esquadra Britânica.
Em compensação a Real Força Aérea causava grandes estragos em zonas de abastecimentos e transportes alemães.
Dresden não era visada pelos aliados, embora possuísse algumas fábricas de material bélico.
A noite, as luzes eram desligadas para não ser alvo fácil dos inimigos, e havia abrigos antiaéreos, e o povo era treinado para resguardar-se em caso de bombardeio.
Eu preferia não sair de casa porquanto temia ser visto, receoso de que alguém pudesse investigar minha vida.
A desconfiança era constante naqueles dias, e até os mais amigos olhavam-se temerosos guardando suas impressões íntimas, furtando-se às confidências.
Naquele dia, Ana sentiu-se mal ao clarear a manhã.
Permaneci com ela, que durante o dia inteiro gemia de vez em quando e eu corria a chamar Frau Eva que era entendida naqueles assuntos.
Veio a noite e nós, para podermos conservar o lampião aceso, vedamos todas as frestas e janelas do quarto para que a patrulha não viesse nos importunar.
Última edição por O_Canto_da_Ave em Qua Set 19, 2012 9:58 am, editado 1 vez(es)
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Re: Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto
Apagamos a lâmpada ao ouvirmos ruído de aviões e o sinal de alarme para nos recolhermos aos abrigos.
Ficamos sustendo a respiração, apavorados pelos gemidos de Ana.
Os aviões passaram, sem ter atirado bombas e se foram.
A noite também foi terminando e, nos alvores da manhã cálida que nascia, meu filho também nasceu.
Não poderia explicar meus sentimentos naquele instante.
Seu vagido primeiro encheu o quarto, como a nos lembrar que a vida é ininterrupta e embora muitas estivessem sendo precocemente destruídas, outras despontavam por sob os escombros a reclamar seu inexpugnável direito de viver.
Mas eu pensei:
— Valeria a pena?
Fitei Ana, cujo olhar orgulhoso e sereno, contemplava o minúsculo rostinho rosado, que descansava em seus braços.
Apesar de tudo, a felicidade estampava-se-lhe na face.
O milagre da vida a multiplicar-se através dela deixara-a maravilhada.
Aproximei-me. Ela sorriu. Pegou-me a mão e roçou-a levemente nas faces veludosas e suaves do recém-nado.
Olhei para ele. Dormia sereno.
Tão frágil e dependente. Era meu filho.
Seus traços ainda impronunciáveis recordavam-me a fisionomia de meu pai.
Não era louro como Ana, seus cabelos eram castanhos como os dele.
Qualquer coisa brotou inesperadamente dentro de mim.
Um sentimento de íntima felicidade, de ternura e amor, fizeram-me pousar levemente delicado beijo na testa pequenina.
Compreendi que jamais poderia deixar de amar meu filho.
Não me importava sua nacionalidade, sua descendência, nem a guerra, nem a política.
Meu amor por ele estava muito acima desses condicionamentos da sociedade humana.
Pensei que jamais poderia ir embora deixando-o ali.
Comecei a acalentar o sonho de poder voltar à França em companhia de Ana e do nosso filho quando a guerra acabasse.
Afinal, a França oficialmente cooperava com a ocupação e o armistício vigorava, embora a resistência já começasse a lutar esporadicamente.
Não me sentia culpado pela guerra.
Não a desejara e jamais lutara a não ser para defender o ataque e a invasão estrangeira.
Mas, ao mesmo tempo, sabia que não poderia enganar Ana eternamente.
Como receberia a verdade?
Ouvia-a às vezes extravasar seu desprezo pelos aliados, antegozando confiante a vitória completa da Alemanha e sentia-me infinitamente triste porque naqueles momentos não a via como esposa mas sentia como inimiga.
Depois do nascimento do nosso filho, nossa vida continuou normalmente.
Os dias sucediam-se entre o trabalho constante e os sustos dos possíveis bombardeios ingleses.
Ficamos sustendo a respiração, apavorados pelos gemidos de Ana.
Os aviões passaram, sem ter atirado bombas e se foram.
A noite também foi terminando e, nos alvores da manhã cálida que nascia, meu filho também nasceu.
Não poderia explicar meus sentimentos naquele instante.
Seu vagido primeiro encheu o quarto, como a nos lembrar que a vida é ininterrupta e embora muitas estivessem sendo precocemente destruídas, outras despontavam por sob os escombros a reclamar seu inexpugnável direito de viver.
Mas eu pensei:
— Valeria a pena?
Fitei Ana, cujo olhar orgulhoso e sereno, contemplava o minúsculo rostinho rosado, que descansava em seus braços.
Apesar de tudo, a felicidade estampava-se-lhe na face.
O milagre da vida a multiplicar-se através dela deixara-a maravilhada.
Aproximei-me. Ela sorriu. Pegou-me a mão e roçou-a levemente nas faces veludosas e suaves do recém-nado.
Olhei para ele. Dormia sereno.
Tão frágil e dependente. Era meu filho.
Seus traços ainda impronunciáveis recordavam-me a fisionomia de meu pai.
Não era louro como Ana, seus cabelos eram castanhos como os dele.
Qualquer coisa brotou inesperadamente dentro de mim.
Um sentimento de íntima felicidade, de ternura e amor, fizeram-me pousar levemente delicado beijo na testa pequenina.
Compreendi que jamais poderia deixar de amar meu filho.
Não me importava sua nacionalidade, sua descendência, nem a guerra, nem a política.
Meu amor por ele estava muito acima desses condicionamentos da sociedade humana.
Pensei que jamais poderia ir embora deixando-o ali.
Comecei a acalentar o sonho de poder voltar à França em companhia de Ana e do nosso filho quando a guerra acabasse.
Afinal, a França oficialmente cooperava com a ocupação e o armistício vigorava, embora a resistência já começasse a lutar esporadicamente.
Não me sentia culpado pela guerra.
Não a desejara e jamais lutara a não ser para defender o ataque e a invasão estrangeira.
Mas, ao mesmo tempo, sabia que não poderia enganar Ana eternamente.
Como receberia a verdade?
Ouvia-a às vezes extravasar seu desprezo pelos aliados, antegozando confiante a vitória completa da Alemanha e sentia-me infinitamente triste porque naqueles momentos não a via como esposa mas sentia como inimiga.
Depois do nascimento do nosso filho, nossa vida continuou normalmente.
Os dias sucediam-se entre o trabalho constante e os sustos dos possíveis bombardeios ingleses.
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Re: Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto
É interessante observarmos que, quando tudo vai bem, e nossa vida decorre normalmente, tornamo-nos mais sensíveis e susceptíveis.
Porém, quando ela se transforma em drama, e o quotidiano se apresenta eivado das incertezas e dos perigos dum trágico desfecho, vamos nos endurecendo, enrijecido pelo horror e pelo desespero.
Para mim, a guerra significava o inferno.
Em muitos momentos senti-me insuportavelmente deprimido e cansado.
Apesar de tudo, eu podia, dadas as circunstâncias, considerar-me um homem de muita sorte.
Esse era o argumento que me habituara a usar para elevar minha moral nas horas de abatimento.
Já estava cansado de viver daquela forma.
Sem poder falar, em terra estranha, ameaçado por múltiplos perigos.
Entendia regularmente o alemão, mas receava falar.
Sabia que trairia minha nacionalidade.
E a guerra parecia interminável!
Não havia conquista que saciasse a ambição desmedida de Hitler.
Primeiro a Polónia, depois a Finlândia, a Dinamarca, a Holanda, Luxemburgo, França, Jugoslávia, Grécia, e agora a Rússia!
A Alemanha parecia invencível!
A guerra interminável!
Eu evitava sair.
A presença de um moço que aparentava saúde, quando todos os jovens estavam na guerra, provocava desconfiança e cochichos.
Corria pelos arredores a notícia de que eu sofria das faculdades mentais.
Enlouquecera no campo de luta.
De certa forma foi bom que o boato se espalhasse porquanto ninguém ousava frequentar nossa casa e quando isso ocorria, quase sempre eu não comparecia na sala o que contribuía para fortalecer essa opinião.
Certa noite, estávamos como de costume, reunidos em torno do receptor Ouvindo as notícias.
Como de hábito os alemães alcançavam brilhantes vitórias na Rússia, o que arrancava de Elga exclamações de alegria.
Frau Eva, há muito que não se entusiasmava com as novas radiofónicas.
Seus olhos cansados, estavam fixos no serzido que executava habilmente, sem que demonstrasse alguma emoção.
Percebia que ela estava cansada.
Seu filho na guerra, a falta de notícias, tudo a impedia de vibrar porquanto não sabia se seu Ludwig estava bem, ou se uma daquelas vitórias poderia ter-lhe custado a vida.
Tive pena dela e pensei em minha mãe.
Julgar-me-ia morto?
O velho avô fumava impassível seu velho cachimbo e Ana ninava nosso Karl.
Porém, quando ela se transforma em drama, e o quotidiano se apresenta eivado das incertezas e dos perigos dum trágico desfecho, vamos nos endurecendo, enrijecido pelo horror e pelo desespero.
Para mim, a guerra significava o inferno.
Em muitos momentos senti-me insuportavelmente deprimido e cansado.
Apesar de tudo, eu podia, dadas as circunstâncias, considerar-me um homem de muita sorte.
Esse era o argumento que me habituara a usar para elevar minha moral nas horas de abatimento.
Já estava cansado de viver daquela forma.
Sem poder falar, em terra estranha, ameaçado por múltiplos perigos.
Entendia regularmente o alemão, mas receava falar.
Sabia que trairia minha nacionalidade.
E a guerra parecia interminável!
Não havia conquista que saciasse a ambição desmedida de Hitler.
Primeiro a Polónia, depois a Finlândia, a Dinamarca, a Holanda, Luxemburgo, França, Jugoslávia, Grécia, e agora a Rússia!
A Alemanha parecia invencível!
A guerra interminável!
Eu evitava sair.
A presença de um moço que aparentava saúde, quando todos os jovens estavam na guerra, provocava desconfiança e cochichos.
Corria pelos arredores a notícia de que eu sofria das faculdades mentais.
Enlouquecera no campo de luta.
De certa forma foi bom que o boato se espalhasse porquanto ninguém ousava frequentar nossa casa e quando isso ocorria, quase sempre eu não comparecia na sala o que contribuía para fortalecer essa opinião.
Certa noite, estávamos como de costume, reunidos em torno do receptor Ouvindo as notícias.
Como de hábito os alemães alcançavam brilhantes vitórias na Rússia, o que arrancava de Elga exclamações de alegria.
Frau Eva, há muito que não se entusiasmava com as novas radiofónicas.
Seus olhos cansados, estavam fixos no serzido que executava habilmente, sem que demonstrasse alguma emoção.
Percebia que ela estava cansada.
Seu filho na guerra, a falta de notícias, tudo a impedia de vibrar porquanto não sabia se seu Ludwig estava bem, ou se uma daquelas vitórias poderia ter-lhe custado a vida.
Tive pena dela e pensei em minha mãe.
Julgar-me-ia morto?
O velho avô fumava impassível seu velho cachimbo e Ana ninava nosso Karl.
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Re: Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto
Foi quando ouvimos o ruído de passos no alpendre e em meio o tilintar dos metais, a voz forte do soldado gritando:
— Abra em nome do Führer!
Estremeci. A que viriam?
Frau Eva foi atender e ele sem dizer mais nada entrou acompanhado de mais seis homens.
Dirigindo-se a mim depois da saudação militar disse-me:
- Kurt Milier, venha comigo.
— Para quê? — perguntou Ana assustada.
Ela temia minha mobilização, mas eu, receava coisa pior.
- Ordens superiores.
Deve nos acompanhar imediatamente.
Pelo seu tom e pelo seu olhar, receei o pior.
Contudo, procurei não deixar transparecer minhas emoções e apressei-me a vestir o velho uniforme.
Beijei Ana e o bebé e acenei para Elga.
Curvei a cabeça diante do avô e de Frau Eva.
Confesso que senti um aperto no coração.
Voltei-me ainda uma vez para contemplar os que ficavam no aconchego morno daquele lar.
Podia ser que eu não mais voltasse.
Pressentia que a hora era de perigo, precisava estar preparado para, poder vencer.
Colocaram-me no carro e, entre dois soldados, rumamos para o quartel.
Eu procurava aparentar calma e sei que minha fisionomia não revelava o estado de exaltação interior na qual eu me encontrava.
Concentrava todo meu potencial auditivo nos lábios dos soldados procurando sondar minha real situação.
Porque me levavam àquela hora da noite?
Eu, um soldado licenciado da activa?
Porque eles se conservavam calados, denotando estar de serviço sem relaxar sua posição de sentido diante de um companheiro de igual divisa?
Temia perceber na atitude deles uma captura e não uma intimação.
Chegamos. Fui conduzido à presença do capitão.
Não sei se de propósito ou não, o mesmo que me recebera em minhas periódicas visitas ao destacamento.
Depois da saudação oficia], tenso, aguardei que se pronunciasse.
Vi sobre a mesa uma ficha preenchida na qual figurava meu retrato.
Felizmente com uniforme alemão.
O capitão olhou-me severo e entendi quando disse:
— O senhor não é Kurt Miller.
Mesmo procurando controlar as emoções senti que o sangue me fugiu das faces.
Olhei para ele, fingindo não compreender, abanando negativamente a cabeça.
— Abra em nome do Führer!
Estremeci. A que viriam?
Frau Eva foi atender e ele sem dizer mais nada entrou acompanhado de mais seis homens.
Dirigindo-se a mim depois da saudação militar disse-me:
- Kurt Milier, venha comigo.
— Para quê? — perguntou Ana assustada.
Ela temia minha mobilização, mas eu, receava coisa pior.
- Ordens superiores.
Deve nos acompanhar imediatamente.
Pelo seu tom e pelo seu olhar, receei o pior.
Contudo, procurei não deixar transparecer minhas emoções e apressei-me a vestir o velho uniforme.
Beijei Ana e o bebé e acenei para Elga.
Curvei a cabeça diante do avô e de Frau Eva.
Confesso que senti um aperto no coração.
Voltei-me ainda uma vez para contemplar os que ficavam no aconchego morno daquele lar.
Podia ser que eu não mais voltasse.
Pressentia que a hora era de perigo, precisava estar preparado para, poder vencer.
Colocaram-me no carro e, entre dois soldados, rumamos para o quartel.
Eu procurava aparentar calma e sei que minha fisionomia não revelava o estado de exaltação interior na qual eu me encontrava.
Concentrava todo meu potencial auditivo nos lábios dos soldados procurando sondar minha real situação.
Porque me levavam àquela hora da noite?
Eu, um soldado licenciado da activa?
Porque eles se conservavam calados, denotando estar de serviço sem relaxar sua posição de sentido diante de um companheiro de igual divisa?
Temia perceber na atitude deles uma captura e não uma intimação.
Chegamos. Fui conduzido à presença do capitão.
Não sei se de propósito ou não, o mesmo que me recebera em minhas periódicas visitas ao destacamento.
Depois da saudação oficia], tenso, aguardei que se pronunciasse.
Vi sobre a mesa uma ficha preenchida na qual figurava meu retrato.
Felizmente com uniforme alemão.
O capitão olhou-me severo e entendi quando disse:
— O senhor não é Kurt Miller.
Mesmo procurando controlar as emoções senti que o sangue me fugiu das faces.
Olhei para ele, fingindo não compreender, abanando negativamente a cabeça.
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Re: Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto
Não se dando por achado ele continuou:
— Sabemos que não é Kurt Miller.
Quem é você? Como se chama?
Fingi não ter compreendido, de sorte que irritado o capitão avançou para mim, colocando a mão no meu braço apertando com força.
Havia em seu olhar uma cega determinação.
— Não adianta calar.
Descobriremos quem é e para que país trabalha.
Temos bons métodos para quem se recusa a falar!
E não adianta fingir e sei que você me entende.
Foi como se o teto desabasse sobre mim.
Não temia a morte propriamente mas sabia que quando queriam que alguém confessasse fosse o que fosse, acabavam sempre conseguindo.
— Sempre desconfiei de você!
É diferente dos nossos! Ainda vou provar que estava certo.
Procurando ganhar tempo para pensar, eu negava tudo, balançando a cabeça energicamente.
Fiz sinal que desejava escrever.
Olhando-me fixamente o capitão estendeu papel e lápis e curioso esperou.
Não precisei me esforçar para demonstrar abalo nervoso.
Eu estava mesmo assustado.
Parecia que o acontecimento rompera a cortina de dissimulação que então eu conseguira testemunhar.
Escrevi trémulo:
"Não sei meu nome. Disseram eu Kurt. Capitão não sabe"?
Estendi-lhe o bilhete.
Arrancou-me da mão violentamente.
Ao lê-lo empertigou-se.
- Muito bem. Vamos estudar seu caso.
Aproximando seu rosto do meu continuou colérico.
— Você ainda vai falar.
Esquecerá a mudez e falará mesmo que seja para gritar!!
E dirigindo-se à porta gritou:
— Soldado! Leve-o à enfermaria dois e deixe-o lá.
E para mim:
— Amanhã cedo conversaremos.
Olhei-o procurando demonstrar certa inconsciência.
Guardava ainda esperança de conseguir ludibriá-los.
Felizmente não me havia mandado prender.
Aos poucos fui readquirindo a calma.
— Sabemos que não é Kurt Miller.
Quem é você? Como se chama?
Fingi não ter compreendido, de sorte que irritado o capitão avançou para mim, colocando a mão no meu braço apertando com força.
Havia em seu olhar uma cega determinação.
— Não adianta calar.
Descobriremos quem é e para que país trabalha.
Temos bons métodos para quem se recusa a falar!
E não adianta fingir e sei que você me entende.
Foi como se o teto desabasse sobre mim.
Não temia a morte propriamente mas sabia que quando queriam que alguém confessasse fosse o que fosse, acabavam sempre conseguindo.
— Sempre desconfiei de você!
É diferente dos nossos! Ainda vou provar que estava certo.
Procurando ganhar tempo para pensar, eu negava tudo, balançando a cabeça energicamente.
Fiz sinal que desejava escrever.
Olhando-me fixamente o capitão estendeu papel e lápis e curioso esperou.
Não precisei me esforçar para demonstrar abalo nervoso.
Eu estava mesmo assustado.
Parecia que o acontecimento rompera a cortina de dissimulação que então eu conseguira testemunhar.
Escrevi trémulo:
"Não sei meu nome. Disseram eu Kurt. Capitão não sabe"?
Estendi-lhe o bilhete.
Arrancou-me da mão violentamente.
Ao lê-lo empertigou-se.
- Muito bem. Vamos estudar seu caso.
Aproximando seu rosto do meu continuou colérico.
— Você ainda vai falar.
Esquecerá a mudez e falará mesmo que seja para gritar!!
E dirigindo-se à porta gritou:
— Soldado! Leve-o à enfermaria dois e deixe-o lá.
E para mim:
— Amanhã cedo conversaremos.
Olhei-o procurando demonstrar certa inconsciência.
Guardava ainda esperança de conseguir ludibriá-los.
Felizmente não me havia mandado prender.
Aos poucos fui readquirindo a calma.
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Re: Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto
Ao chegar porém à enfermaria comecei a temer algo mais.
Um perigo novo, insuspeitado, pior do que a prisão.
É que nessa enfermaria se confinavam os neuróticos, os viciados que se tinham reduzido a pobres farrapos por entre os terríveis pesadelos da guerra.
Ninguém pode imaginar que um povo, fabrique heróis à custa de estimulantes.
Muitos não sabem quanta coragem é conseguida artificialmente sob o efeito das drogas malditas.
Aqueles que se confinavam na enfermaria 2, eram em grande maioria toxicómanos.
Não o eram antes do início da guerra.
Contudo, há tarefas para as quais muitos não estão preparados nem conseguem realizar em estado normal, embora seja aparentemente contra-producente era ele adoptado em casos onde havia necessidade de exercida com decisão, nas empresas mais arriscadas.
O próprio comando resolvia de acordo com a estratégia das quais os grupos e destacamentos que deveriam "ser estimulados".
Os próprios soldados aceitavam aquele derivativo, na hora de combate.
A Alemanha contava vencer a guerra de qualquer forma.
Mobilizava, para tanto, todos os recursos;
mantinha bem organizada uma equipe de cientistas que dirigiam essas experiências, e estudavam todos os elementos para aplicação contra o inimigo.
Eu sabia que o exército alemão utilizava esse recurso.
Vira-os agirem como loucos nas batalhas, expondo-se prazeirosamente e actuando com um sadismo só explicável pela ingestão de estimulantes.
Para eles o homem como ser humano nada valia.
Julgavam-se máquinas sem problemas pessoais ou particulares trabalhando pelo mesmo fim.
Comandados por um paranóico, iam enlouquecendo com ele, no delírio da ambição.
Olhei as faces pálidas dos que me rodeavam.
Eram terríveis. Porque eram conservados ali, naquela enfermaria?
Alguns estavam tão magros e macilentos que me pareceram extremamente doentes.
Contudo, eram poucos os que estavam feridos.
Não atinava o porquê da minha presença ali.
Talvez desejassem intimidar-me.
Talvez me julgassem louco como eles.
Mas, o capitão sabia que eu não estava louco.
Olhando alguns doentes que demonstravam inquietação e sofrimento, recuei para um canto.
Não conseguiria dormir ali, junto com aqueles homens, que pareciam fazer parte de um pesadelo terrível.
A poucos metros estava um de olhar esbugalhado sorrindo estupidamente para mim.
Um enfermeiro entrou, procurando acomodar no leito os recalcitrantes. Dirigiu-se a mim.
Disse-me que dormisse e apontou-me o leito pouco limpo.
Apesar da minha enérgica recusa chamou um companheiro e ambos, com uma ligeireza surpreendente, sujeitaram-me e tirando-me o uniforme, vestiram-me com um pijama grosso e deitaram-me no leito.
Um perigo novo, insuspeitado, pior do que a prisão.
É que nessa enfermaria se confinavam os neuróticos, os viciados que se tinham reduzido a pobres farrapos por entre os terríveis pesadelos da guerra.
Ninguém pode imaginar que um povo, fabrique heróis à custa de estimulantes.
Muitos não sabem quanta coragem é conseguida artificialmente sob o efeito das drogas malditas.
Aqueles que se confinavam na enfermaria 2, eram em grande maioria toxicómanos.
Não o eram antes do início da guerra.
Contudo, há tarefas para as quais muitos não estão preparados nem conseguem realizar em estado normal, embora seja aparentemente contra-producente era ele adoptado em casos onde havia necessidade de exercida com decisão, nas empresas mais arriscadas.
O próprio comando resolvia de acordo com a estratégia das quais os grupos e destacamentos que deveriam "ser estimulados".
Os próprios soldados aceitavam aquele derivativo, na hora de combate.
A Alemanha contava vencer a guerra de qualquer forma.
Mobilizava, para tanto, todos os recursos;
mantinha bem organizada uma equipe de cientistas que dirigiam essas experiências, e estudavam todos os elementos para aplicação contra o inimigo.
Eu sabia que o exército alemão utilizava esse recurso.
Vira-os agirem como loucos nas batalhas, expondo-se prazeirosamente e actuando com um sadismo só explicável pela ingestão de estimulantes.
Para eles o homem como ser humano nada valia.
Julgavam-se máquinas sem problemas pessoais ou particulares trabalhando pelo mesmo fim.
Comandados por um paranóico, iam enlouquecendo com ele, no delírio da ambição.
Olhei as faces pálidas dos que me rodeavam.
Eram terríveis. Porque eram conservados ali, naquela enfermaria?
Alguns estavam tão magros e macilentos que me pareceram extremamente doentes.
Contudo, eram poucos os que estavam feridos.
Não atinava o porquê da minha presença ali.
Talvez desejassem intimidar-me.
Talvez me julgassem louco como eles.
Mas, o capitão sabia que eu não estava louco.
Olhando alguns doentes que demonstravam inquietação e sofrimento, recuei para um canto.
Não conseguiria dormir ali, junto com aqueles homens, que pareciam fazer parte de um pesadelo terrível.
A poucos metros estava um de olhar esbugalhado sorrindo estupidamente para mim.
Um enfermeiro entrou, procurando acomodar no leito os recalcitrantes. Dirigiu-se a mim.
Disse-me que dormisse e apontou-me o leito pouco limpo.
Apesar da minha enérgica recusa chamou um companheiro e ambos, com uma ligeireza surpreendente, sujeitaram-me e tirando-me o uniforme, vestiram-me com um pijama grosso e deitaram-me no leito.
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Re: Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto
Vendo que tencionavam amarrar-me com correias que pendiam dos lados da cama, relaxei os músculos e procurei mostrar docilidade, ajeitando-me para dormir. Inútil.
Apesar disso, prenderam-me ao leito, pelas pernas e pelo tórax. Eu estava apavorado.
Aquelas figuras sinistras que me rodeavam pareciam duendes de um fantasmagórico delírio.
Senti-me impotente no meio deles. Era assustador.
Os encarregados, felizmente para mim, prenderam ao leito os mais angustiados, mas seus lamentos e gemidos tornavam ainda mais cruel a situação.
Senti-me desesperado.
Talvez fosse preferível dizer a verdade!
Por certo me conduziriam a um campo de prisioneiros, o que de certa forma seria menos penoso do que aquele lugar tenebroso.
Mas, o capitão não aceitaria minha história.
Insinuava que eu trabalhava para espionagem.
Contar a verdade significava ser torturado para contar segredos inexistentes.
Ser transformado em autómato pelas "drogas" reveladoras que alguns médicos se ufanavam de usar em casos semelhantes.
Quando vi que os enfermeiros voltavam e um empunhando uma seringa aproximou-se de mim, arrependi-me seriamente de haver permanecido na Alemanha.
Podia ter tentado o regresso. Mas, era tarde!
Indiferente ao meu pavor, enterrou-me brutalmente a agulha no braço.
Logo depois um formigamento que começou pelos pés e subiu até meu cérebro, produziu uma esquisita sensação de calor e leveza.
Depois, por mais resistência que pusesse, os olhos foram embaciando, as pálpebras pesando e mergulhei nas brumas da inconsciência, sentindo o peso do perigo de permanecer indefeso, entregue à sanha e ao sadismo de anormais e desequilibrados.
Apesar disso, prenderam-me ao leito, pelas pernas e pelo tórax. Eu estava apavorado.
Aquelas figuras sinistras que me rodeavam pareciam duendes de um fantasmagórico delírio.
Senti-me impotente no meio deles. Era assustador.
Os encarregados, felizmente para mim, prenderam ao leito os mais angustiados, mas seus lamentos e gemidos tornavam ainda mais cruel a situação.
Senti-me desesperado.
Talvez fosse preferível dizer a verdade!
Por certo me conduziriam a um campo de prisioneiros, o que de certa forma seria menos penoso do que aquele lugar tenebroso.
Mas, o capitão não aceitaria minha história.
Insinuava que eu trabalhava para espionagem.
Contar a verdade significava ser torturado para contar segredos inexistentes.
Ser transformado em autómato pelas "drogas" reveladoras que alguns médicos se ufanavam de usar em casos semelhantes.
Quando vi que os enfermeiros voltavam e um empunhando uma seringa aproximou-se de mim, arrependi-me seriamente de haver permanecido na Alemanha.
Podia ter tentado o regresso. Mas, era tarde!
Indiferente ao meu pavor, enterrou-me brutalmente a agulha no braço.
Logo depois um formigamento que começou pelos pés e subiu até meu cérebro, produziu uma esquisita sensação de calor e leveza.
Depois, por mais resistência que pusesse, os olhos foram embaciando, as pálpebras pesando e mergulhei nas brumas da inconsciência, sentindo o peso do perigo de permanecer indefeso, entregue à sanha e ao sadismo de anormais e desequilibrados.
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Re: Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto
CAPÏTULO VII - Sevícias e libertação
Na verdade, sempre que tento recordar essa parte de minha vida, encontro algumas dificuldades.
Hoje sei que o capitão não falou comigo na manhã seguinte, nem em várias outras que se seguiram.
Tudo se tornava confuso para mim e parecia que em alguns momentos de semiconsciência estar em alguma dependência do mais tenebroso inferno.
O ambiente do desequilibrado mental já é deprimente.
Sua aparência fantasmagórica. Seu ritus apavorante.
Nenhuma agressão pode ser tão profunda e grave como a que se perpetra contra a integridade mental da criatura humana.
Um flagelo físico por mais doloroso e terrível que possa ser, nunca será tão infame e brutal quanto a intervenção mental em um ser humano, em seu raciocínio, em seu equilíbrio psíquico.
Reputo, este, um dos maiores crimes que se pode cometer contra o semelhante.
Eles o fizeram comigo e nada poderia salvar-me naquelas horas de prova e sofrimento.
Jamais soube por quantos dias permaneci ali.
Lembro-me apenas que minha capacidade de resistência cedeu.
Gritei apavorado, semiconsciente pedi socorro talvez, ou chamei por minha mãe, não sei.
A única coisa de que tenho ciência foi de ter acordado, em uma sala escura, com uma luz suave a um canto.
O rosto enérgico do enfermeiro olhava-me frio.
A princípio não consegui concatenar as ideias.
Depois, aos poucos, fui me recordando da gravidade da situação.
Olhei ao redor. O leito onde me estendia era único.
Senti-me aliviado por não estar mais entre os dementes.
O enfermeiro pegou o pulso alguns instantes.
Muito bem. Agora procure dormir.
Sobressaltou-me O medo da injecção era evidente.
— Não vai mais tomar nada.., por enquanto - sublinhou.
Após rápido olhar saiu do quarto e pude Ouvir o ruído do ferrolho corrido pelo lado de fora.
Tentei levantar e não consegui.
Enorme fraqueza me mantinha submisso no leito.
Um zumbido desagradável retinha em meus ouvidos.
Precisava concatenar as ideias, mas era difícil.
Parecia-me haver sonhado, haver gritado, haver falado, mas, o teria feito realmente?
Teria contado toda verdade ou teria conseguido manter o meu segredo?
Minha agitação era enorme embora a prostração me impedisse de levantar.
E por um estranho contraste o corpo permanecia exangue enquanto o cérebro febritava em torno de mil divagações inquietantes.
À medida que o tempo decorria, meu estado ia se tornando melhor, mais sereno.
Em dado momento a porta abriu-se e a figura assustada de Ana apareceu na soleira.
Na verdade, sempre que tento recordar essa parte de minha vida, encontro algumas dificuldades.
Hoje sei que o capitão não falou comigo na manhã seguinte, nem em várias outras que se seguiram.
Tudo se tornava confuso para mim e parecia que em alguns momentos de semiconsciência estar em alguma dependência do mais tenebroso inferno.
O ambiente do desequilibrado mental já é deprimente.
Sua aparência fantasmagórica. Seu ritus apavorante.
Nenhuma agressão pode ser tão profunda e grave como a que se perpetra contra a integridade mental da criatura humana.
Um flagelo físico por mais doloroso e terrível que possa ser, nunca será tão infame e brutal quanto a intervenção mental em um ser humano, em seu raciocínio, em seu equilíbrio psíquico.
Reputo, este, um dos maiores crimes que se pode cometer contra o semelhante.
Eles o fizeram comigo e nada poderia salvar-me naquelas horas de prova e sofrimento.
Jamais soube por quantos dias permaneci ali.
Lembro-me apenas que minha capacidade de resistência cedeu.
Gritei apavorado, semiconsciente pedi socorro talvez, ou chamei por minha mãe, não sei.
A única coisa de que tenho ciência foi de ter acordado, em uma sala escura, com uma luz suave a um canto.
O rosto enérgico do enfermeiro olhava-me frio.
A princípio não consegui concatenar as ideias.
Depois, aos poucos, fui me recordando da gravidade da situação.
Olhei ao redor. O leito onde me estendia era único.
Senti-me aliviado por não estar mais entre os dementes.
O enfermeiro pegou o pulso alguns instantes.
Muito bem. Agora procure dormir.
Sobressaltou-me O medo da injecção era evidente.
— Não vai mais tomar nada.., por enquanto - sublinhou.
Após rápido olhar saiu do quarto e pude Ouvir o ruído do ferrolho corrido pelo lado de fora.
Tentei levantar e não consegui.
Enorme fraqueza me mantinha submisso no leito.
Um zumbido desagradável retinha em meus ouvidos.
Precisava concatenar as ideias, mas era difícil.
Parecia-me haver sonhado, haver gritado, haver falado, mas, o teria feito realmente?
Teria contado toda verdade ou teria conseguido manter o meu segredo?
Minha agitação era enorme embora a prostração me impedisse de levantar.
E por um estranho contraste o corpo permanecia exangue enquanto o cérebro febritava em torno de mil divagações inquietantes.
À medida que o tempo decorria, meu estado ia se tornando melhor, mais sereno.
Em dado momento a porta abriu-se e a figura assustada de Ana apareceu na soleira.
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Re: Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto
Senti tremendo abalo.
Olhei seus olhos que brilhavam na obscuridade da sala, querendo perscrutar-lhe o íntimo.
O que lhe teriam dito?
Ela aproximou-se Vinha só.
Chegou perto de mim e passou a mão pela minha testa evidenciando carinho:
— Meu querido! — disse — Porque não me disse tudo?
Porque ocultou sua identidade?
Notei que apesar de aparentar serenidade suas mãos estavam trémulas e frias.
Seus lábios entreabriam-se em um sorriso mas seus olhos, os belos olhos que eu aprendera a compreender através do meu Silêncio, pareciam reflectir horror e desespero.
- É uma cilada — pensei — prenderam Ana!
Apavorado pensei no bebé, era meu filho!
Quis falar com ela, mas minhas ideias ainda um tanto perturbadas, não se concatenavam o que podia dizer?
Não seria melhor continuar fingindo?
Minha Posição não iria prejudicar a família que com tanta generosidade me agasalhara naqueles meses todo?
Ana prosseguiu:
- Não se atormente.
Sei que seu nome não é Kurt Milier.
Sei que não é alemão. Porque não me conta a verdade?
Sou sua esposa tenho o direito de saber!
Conte-me tudo, eu lhe peço.
Quem é o pai do nosso filho.
Preciso saber!
Acho que tenho o direito, lágrimas corriam pelos olhos de Ana e sua voz abafava os soluços.
Não suportei mais.
Foi com uma mistura de alemão que eu silenciosamente aprendera.
- Aconteça o que acontecer, preciso dizer que a amo!
Apenas quis salvar a vida.
Ana apertava a minha mão com força.
Continue: sou francês.
Meu nome é Denizarth Lefréve. Fomos cercados. Fui ferido.
Troquei a farda com o soldado morto que estava ao meu lado.
Consegui ser socorrido pelos enfermeiros e o resto você já sabe.
Foi isto o que aconteceu Ana, mas, eu a amo! Não importa o resto.
Quando a guerra acabar, poderemos viver felizes.
Com nosso Karl!!
Olhei seus olhos que brilhavam na obscuridade da sala, querendo perscrutar-lhe o íntimo.
O que lhe teriam dito?
Ela aproximou-se Vinha só.
Chegou perto de mim e passou a mão pela minha testa evidenciando carinho:
— Meu querido! — disse — Porque não me disse tudo?
Porque ocultou sua identidade?
Notei que apesar de aparentar serenidade suas mãos estavam trémulas e frias.
Seus lábios entreabriam-se em um sorriso mas seus olhos, os belos olhos que eu aprendera a compreender através do meu Silêncio, pareciam reflectir horror e desespero.
- É uma cilada — pensei — prenderam Ana!
Apavorado pensei no bebé, era meu filho!
Quis falar com ela, mas minhas ideias ainda um tanto perturbadas, não se concatenavam o que podia dizer?
Não seria melhor continuar fingindo?
Minha Posição não iria prejudicar a família que com tanta generosidade me agasalhara naqueles meses todo?
Ana prosseguiu:
- Não se atormente.
Sei que seu nome não é Kurt Milier.
Sei que não é alemão. Porque não me conta a verdade?
Sou sua esposa tenho o direito de saber!
Conte-me tudo, eu lhe peço.
Quem é o pai do nosso filho.
Preciso saber!
Acho que tenho o direito, lágrimas corriam pelos olhos de Ana e sua voz abafava os soluços.
Não suportei mais.
Foi com uma mistura de alemão que eu silenciosamente aprendera.
- Aconteça o que acontecer, preciso dizer que a amo!
Apenas quis salvar a vida.
Ana apertava a minha mão com força.
Continue: sou francês.
Meu nome é Denizarth Lefréve. Fomos cercados. Fui ferido.
Troquei a farda com o soldado morto que estava ao meu lado.
Consegui ser socorrido pelos enfermeiros e o resto você já sabe.
Foi isto o que aconteceu Ana, mas, eu a amo! Não importa o resto.
Quando a guerra acabar, poderemos viver felizes.
Com nosso Karl!!
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Re: Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto
A mão de Ana crispou-se com força, apertando-me o pulso:
- Conta-me tudo! Eu também o amo!
Preciso saber tudo para ajudá-lo.
Se quiser, poderei procurar seus amigos e contactos pedir ajuda a fim de libertá-lo.
Farei o que quiser!
Estranhei a atitude dela.
Quem poderia ajudar-me naquelas circunstâncias?
- Minha família está longe Ana e, meu país perdeu a guerra.
Ninguém poderá ajudar-me a não ser você, falando com o capitão, dizendo-lhe que sou um simples soldado sem nada nem amigos para ajudar!
Ela retirou a mão amuada.
— Não confia em mim!
Se confiasse ter-me-ia contado antes esta história.
Não creio que me ame.
Amor é confiança, e você não confiou em mim.
— Ana! Como descobriu onde eu estava? Quem a conduziu.
— Vi que você não voltava, então vim buscar notícias hoje pela manhã e depois de muito insistir consentiram em minha visita.
Disseram-me que você estava doente.
— Ana. Cuide-se bem. Cuide bem do nosso filho.
Não sei se poderá ver-me de novo, nem se estarei vivo até lá, mas aconteça o que acontecer, eu a amo Ana, e não cometi nenhum crime.
Sou inocente! Não me cabe a culpa da guerra.
Jamais fui espião de ninguém.
Durante meses permaneci encerrado em sua casa sem sair.
Se eu fosse agente secreto, há muito teria saído de lá.
Seu amor prendeu-me e por ele expus a vida.
Podia ter fugido para meu pais, mas não quis perdê-la!!!
O rosto de minha jovem esposa pareceu petrificar-se.
Insistia para que eu lhe desse nomes e senhas, inexistentes a pretexto de salvar-me a vida.
A certa altura, as luzes se acenderam de repente e cerrei os olhos momentaneamente cegos.
Quando os abri, vi que o capitão entrava seguido pelo enfermeiro e por dois soldados.
- Muito bem. Podem levá-la.
Vi quando os soldados a agarraram pelo braço e a retiraram da sala.
Nossos olhares se cruzaram O meu reflectindo horror e desespero, o dela surpresa e alheamento.
O capitão Rudolf Hiister aproximou-se:
- Vejo que se nega a falar. Estou começando a ficar cansado.
Concedo-lhe apenas 24 horas para pensar.
Temos sua esposa e seu filho em nossas mãos, Ou fala, ou teremos o gosto de mandá-los para um campo de prisioneiros.
- Conta-me tudo! Eu também o amo!
Preciso saber tudo para ajudá-lo.
Se quiser, poderei procurar seus amigos e contactos pedir ajuda a fim de libertá-lo.
Farei o que quiser!
Estranhei a atitude dela.
Quem poderia ajudar-me naquelas circunstâncias?
- Minha família está longe Ana e, meu país perdeu a guerra.
Ninguém poderá ajudar-me a não ser você, falando com o capitão, dizendo-lhe que sou um simples soldado sem nada nem amigos para ajudar!
Ela retirou a mão amuada.
— Não confia em mim!
Se confiasse ter-me-ia contado antes esta história.
Não creio que me ame.
Amor é confiança, e você não confiou em mim.
— Ana! Como descobriu onde eu estava? Quem a conduziu.
— Vi que você não voltava, então vim buscar notícias hoje pela manhã e depois de muito insistir consentiram em minha visita.
Disseram-me que você estava doente.
— Ana. Cuide-se bem. Cuide bem do nosso filho.
Não sei se poderá ver-me de novo, nem se estarei vivo até lá, mas aconteça o que acontecer, eu a amo Ana, e não cometi nenhum crime.
Sou inocente! Não me cabe a culpa da guerra.
Jamais fui espião de ninguém.
Durante meses permaneci encerrado em sua casa sem sair.
Se eu fosse agente secreto, há muito teria saído de lá.
Seu amor prendeu-me e por ele expus a vida.
Podia ter fugido para meu pais, mas não quis perdê-la!!!
O rosto de minha jovem esposa pareceu petrificar-se.
Insistia para que eu lhe desse nomes e senhas, inexistentes a pretexto de salvar-me a vida.
A certa altura, as luzes se acenderam de repente e cerrei os olhos momentaneamente cegos.
Quando os abri, vi que o capitão entrava seguido pelo enfermeiro e por dois soldados.
- Muito bem. Podem levá-la.
Vi quando os soldados a agarraram pelo braço e a retiraram da sala.
Nossos olhares se cruzaram O meu reflectindo horror e desespero, o dela surpresa e alheamento.
O capitão Rudolf Hiister aproximou-se:
- Vejo que se nega a falar. Estou começando a ficar cansado.
Concedo-lhe apenas 24 horas para pensar.
Temos sua esposa e seu filho em nossas mãos, Ou fala, ou teremos o gosto de mandá-los para um campo de prisioneiros.
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Re: Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto
— Ana foi enganada.
Não tem culpa de nada.
Não sabia que não era alemão!
— Isso você diz...
Nós não acreditamos. É uma traidora.
Como tal deve ser castigada.
Lembre-se: tem 24 horas.
Ia sair.
Deteve-se porém e voltando-se completou:
— Não tem saída.
Ou nos conta tudo que sabe, ou continuamos com seu "tratamento" e mandamos sua família para o campo.
Poderei negociar sua liberdade, se Você resolver contar o que sabe. Pense e resolva.
Saíram todos. Fiquei só.
Meu dilema era tremendo.
Se eu Possuísse algum segredo, talvez não o tivesse guardado para tentar salvar Ana e o bebé.
Além de sabê-los inocentes, minha consciência acusava-me de maneira atroz.
Eu os conduzira àquela situação de perigo.
Eu, só eu era indiscutivelmente o culpado.
Que castigassem a mim, único responsável, nunca a Ana e ao nosso filho.
Para onde os teriam levado?
Existem momentos na nossa vida em que o inferno toma conta de nós.
Eu sentia-me mergulhado no mais dilacerante problema que se me apresentava completamente insolúvel.
O tempo foi passando.
Ninguém aparecia.
O enfermeiro trouxe-me alguns alimentos que mal toquei.
Perguntei para onde tinham levado Ana, se o bebé estava com ela, mas, a cada pergunta ele conservava-se calado, indiferente e frio.
Desisti de formulá-las.
Para que? Jamais obteria resposta.
Então que no auge da angústia e da dor, pensei em Deus.
Não era muito religioso.
Respeitava os diversos cultos mas sem arroubos nem entusiasmos.
Foi a noção da minha, impotência, ante uma situação tão grave que me fez pensar em Deus, como único ser a quem podia recorrer.
Senti vontade de rezar.
Já algumas vezes nos combates rezara mas naquele momento cruciante senti pudor diante do enfermeiro.
Deus não precisava de palavras para ouvir-me e por isso, tive intenso e fervoroso pensamento, rogando protecção.
Não tem culpa de nada.
Não sabia que não era alemão!
— Isso você diz...
Nós não acreditamos. É uma traidora.
Como tal deve ser castigada.
Lembre-se: tem 24 horas.
Ia sair.
Deteve-se porém e voltando-se completou:
— Não tem saída.
Ou nos conta tudo que sabe, ou continuamos com seu "tratamento" e mandamos sua família para o campo.
Poderei negociar sua liberdade, se Você resolver contar o que sabe. Pense e resolva.
Saíram todos. Fiquei só.
Meu dilema era tremendo.
Se eu Possuísse algum segredo, talvez não o tivesse guardado para tentar salvar Ana e o bebé.
Além de sabê-los inocentes, minha consciência acusava-me de maneira atroz.
Eu os conduzira àquela situação de perigo.
Eu, só eu era indiscutivelmente o culpado.
Que castigassem a mim, único responsável, nunca a Ana e ao nosso filho.
Para onde os teriam levado?
Existem momentos na nossa vida em que o inferno toma conta de nós.
Eu sentia-me mergulhado no mais dilacerante problema que se me apresentava completamente insolúvel.
O tempo foi passando.
Ninguém aparecia.
O enfermeiro trouxe-me alguns alimentos que mal toquei.
Perguntei para onde tinham levado Ana, se o bebé estava com ela, mas, a cada pergunta ele conservava-se calado, indiferente e frio.
Desisti de formulá-las.
Para que? Jamais obteria resposta.
Então que no auge da angústia e da dor, pensei em Deus.
Não era muito religioso.
Respeitava os diversos cultos mas sem arroubos nem entusiasmos.
Foi a noção da minha, impotência, ante uma situação tão grave que me fez pensar em Deus, como único ser a quem podia recorrer.
Senti vontade de rezar.
Já algumas vezes nos combates rezara mas naquele momento cruciante senti pudor diante do enfermeiro.
Deus não precisava de palavras para ouvir-me e por isso, tive intenso e fervoroso pensamento, rogando protecção.
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Re: Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto
Mas, apesar da minha fé e da veemência do meu apelo nada aconteceu.
O tempo inexorável caminhou contra mim, contra Ana, contra meu filho.
Apesar disso, ainda passei por um sono que não imagino quanto durou.
Entretanto, à medida que o tempo corria eu meu sentia mais nervoso.
Até que em certo momento, Ana voltou.
Veio só mas seus olhos estavam marejados.
Ao ver-me correu para mim soluçando. Abracei-a embargado.
— Salve-nos Kurt — implorou, esquecida que não era esse o meu nome.
Eles levaram Karl e só vão devolvê-lo se você lhes contar tudo!
Por favor eu lhe peço... conta-lhes tudo! Conta-lhes tudo!
Ana estava desesperada.
Esforcei-me por sentar no leito.
Minha cabeça estava confusa e o quarto parecia rodar à minha frente.
Desagradável zumbido martelava-me os ouvidos.
Alisei-lhe os cabelos louros e procurei olhá-la bem nos olhos:
- Ana, perdoa-me!
Não desejava causar-lhe nenhum mal.
Eu a quero muito.
Sinto ter que dizer-lhe: nada tenho para contar.
Sou um simples soldado francês, nada mais.
Ela pareceu não compreender.
- Você não me ama, nem a Karl.
Prefere ver-nos sofrer do que contar a verdade.
Se formos para o campo de prisioneiros, nosso Karl vai morrer.
Ele não suportará!
Quer que ele morra?
Chame o capitão e conte tudo, eu lhe peço por favor!
Deixei-me cair desanimado no leito, esmagado pela própria impotência.
Na verdade, quem me acreditaria?
Numa época em que os próprios familiares desconfiavam uns dos outros, em que o fanatismo imperava, como podiam dar crédito à minha ingénua história?
Ana soluçava debruçada no leito em franco desespero.
- Ana, olhe-me bem nos olhos.
Saiba que estou dizendo a verdade pelo amor de Deus, acredite.
Minha voz embargava-se transbordando de emoção.
— Pelo menos você, acredite em mim!
Sou um simples soldado francês, sem divisas ou importância.
Daria minha vida para salvá-los.
O tempo inexorável caminhou contra mim, contra Ana, contra meu filho.
Apesar disso, ainda passei por um sono que não imagino quanto durou.
Entretanto, à medida que o tempo corria eu meu sentia mais nervoso.
Até que em certo momento, Ana voltou.
Veio só mas seus olhos estavam marejados.
Ao ver-me correu para mim soluçando. Abracei-a embargado.
— Salve-nos Kurt — implorou, esquecida que não era esse o meu nome.
Eles levaram Karl e só vão devolvê-lo se você lhes contar tudo!
Por favor eu lhe peço... conta-lhes tudo! Conta-lhes tudo!
Ana estava desesperada.
Esforcei-me por sentar no leito.
Minha cabeça estava confusa e o quarto parecia rodar à minha frente.
Desagradável zumbido martelava-me os ouvidos.
Alisei-lhe os cabelos louros e procurei olhá-la bem nos olhos:
- Ana, perdoa-me!
Não desejava causar-lhe nenhum mal.
Eu a quero muito.
Sinto ter que dizer-lhe: nada tenho para contar.
Sou um simples soldado francês, nada mais.
Ela pareceu não compreender.
- Você não me ama, nem a Karl.
Prefere ver-nos sofrer do que contar a verdade.
Se formos para o campo de prisioneiros, nosso Karl vai morrer.
Ele não suportará!
Quer que ele morra?
Chame o capitão e conte tudo, eu lhe peço por favor!
Deixei-me cair desanimado no leito, esmagado pela própria impotência.
Na verdade, quem me acreditaria?
Numa época em que os próprios familiares desconfiavam uns dos outros, em que o fanatismo imperava, como podiam dar crédito à minha ingénua história?
Ana soluçava debruçada no leito em franco desespero.
- Ana, olhe-me bem nos olhos.
Saiba que estou dizendo a verdade pelo amor de Deus, acredite.
Minha voz embargava-se transbordando de emoção.
— Pelo menos você, acredite em mim!
Sou um simples soldado francês, sem divisas ou importância.
Daria minha vida para salvá-los.
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Re: Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto
Ana não parecia ouvir.
Rogava e implorava para que eu contasse o que sabia sobre a resistência francesa que embora se houvesse concentrado na Argélia, mantinha larga rede de espionagem trabalhando sem cessar.
Mas, não sei se por sorte ou por infelicidade eu jamais mantivera o mais leve Contacto com eles.
Quando depois de certo tempo as luzes se acenderam em profusão, a figura odiosa do capitão Rudolf estava novamente na sala.
Vendo-o, parece que Ana transformou-se por encanto.
De suplicante e sofredora assumiu atitude de rancor.
Não se assemelhava a Ana doce e carinhosa que eu conhecera.
Pareceu-me uma estranha.
Fixando-me com ódio gritou:
— Assassino. Mentiroso, covarde!
Abusou da nossa confiança.
Não respeitou nosso lar obrigando-me ao convívio mais íntimo.
Como podia eu esperar que algum outro moço me desposasse se ia ser mãe?
Porque pensa que me casei com um doente mental, um desmemoriado?
Queria respeitar o bom-nome da família.
Meu irmão o trouxe para casa a pedido do seu capitão, na frente de combate.
Por que haveria de desconfiar dele?
Não Parecia estrangeiro. Canalha!
Meu filho nunca saberá que teve um pai tão covarde e traidor, como covardes e traidores são os nossos inimigos, os inimigos da Alemanha.
Tenho nojo de mim quando penso que dormi com um francês!
E você pensou que eu fosse aceitar a sua verdade?
Você que enganou a todos, abusou da nossa hospitalidade e ainda se nega a nos salvar nessa hora?
Eu o odeio, e o odiarei de hoje em diante.
Não me importa que vão fazer com você.
Todo traidor deve morrer.
Meu filho jamais saberá o seu nome. Nem conhecerá a verdade.
Ana gritava enfurecida, enquanto que indiferente ao meu sofrimento, o capitão imperturbável conservava-se observando em silêncio.
Senti-me sufocar de angústia.
Cada palavra de Ana apunhalava-me fundo o espírito cansado.
Não procurei justificativas para meu procedimento.
As coisas não se tinham passado bem como Ana descrevia.
Fora ela quem se entregara a mim espontaneamente e até sem que eu insinuasse.
Fora Frau Eva que quase me obrigara ao casamento, cujo valor era apenas moral.
Rogava e implorava para que eu contasse o que sabia sobre a resistência francesa que embora se houvesse concentrado na Argélia, mantinha larga rede de espionagem trabalhando sem cessar.
Mas, não sei se por sorte ou por infelicidade eu jamais mantivera o mais leve Contacto com eles.
Quando depois de certo tempo as luzes se acenderam em profusão, a figura odiosa do capitão Rudolf estava novamente na sala.
Vendo-o, parece que Ana transformou-se por encanto.
De suplicante e sofredora assumiu atitude de rancor.
Não se assemelhava a Ana doce e carinhosa que eu conhecera.
Pareceu-me uma estranha.
Fixando-me com ódio gritou:
— Assassino. Mentiroso, covarde!
Abusou da nossa confiança.
Não respeitou nosso lar obrigando-me ao convívio mais íntimo.
Como podia eu esperar que algum outro moço me desposasse se ia ser mãe?
Porque pensa que me casei com um doente mental, um desmemoriado?
Queria respeitar o bom-nome da família.
Meu irmão o trouxe para casa a pedido do seu capitão, na frente de combate.
Por que haveria de desconfiar dele?
Não Parecia estrangeiro. Canalha!
Meu filho nunca saberá que teve um pai tão covarde e traidor, como covardes e traidores são os nossos inimigos, os inimigos da Alemanha.
Tenho nojo de mim quando penso que dormi com um francês!
E você pensou que eu fosse aceitar a sua verdade?
Você que enganou a todos, abusou da nossa hospitalidade e ainda se nega a nos salvar nessa hora?
Eu o odeio, e o odiarei de hoje em diante.
Não me importa que vão fazer com você.
Todo traidor deve morrer.
Meu filho jamais saberá o seu nome. Nem conhecerá a verdade.
Ana gritava enfurecida, enquanto que indiferente ao meu sofrimento, o capitão imperturbável conservava-se observando em silêncio.
Senti-me sufocar de angústia.
Cada palavra de Ana apunhalava-me fundo o espírito cansado.
Não procurei justificativas para meu procedimento.
As coisas não se tinham passado bem como Ana descrevia.
Fora ela quem se entregara a mim espontaneamente e até sem que eu insinuasse.
Fora Frau Eva que quase me obrigara ao casamento, cujo valor era apenas moral.
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Re: Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto
Mas, vendo tudo perdido, ela ou percebendo a verdade vendo-me um espião obstinado, pretendeu salvar-se eximindo-se por haver me agasalhado e se casado comigo.
Entendi seu objectivo e não pretendi defender-me, mas será que Ana realmente me supusesse um canalha.
Da maneira que as coisas estavam, talvez fosse aquele o nosso último encontro.
Não queria que tudo acabasse assim.
Sem muita emoção, com a voz um tanto insegura pelo pranto que tivera que reter, pude dizer:
- Ana. Destrui sua vida.
Mas, quero que acredite na sinceridade do meu amor.
Se eu pudesse salvá-los, morreria feliz.
Não ensine nosso filho a me odiar.
Não sou tão culpado como você diz.
A guerra é que destrói nossas vidas.
A desumana que a ambição de alguns estabeleceu para a destruição de um povo, da sua felicidade, dos seus sonhos.
Sou contra a guerra!
Se você deve odiar alguma coisa, odeie a guerra que torna os homens piores do que feras.
Não guarde de mim ódio ou rancor.
Eu ainda a amo, Ana, a você e ao Karl.
- Poupe-nos sua farsa — volveu o capitão soltando chispas nos olhos.
No auge do desespero, misturara o francês com o parco alemão que aprendera e não sabia se Ana me havia compreendido.
Olhava-a ansioso quando a uma ordem dois soldados a levaram.
Seus olhos me fixavam com raiva e desprezo.
— Muito bem — volveu o capitão — Já sei de muita coisa com relação à rede de espionagem francesa.
Sei mais do que poderia supor.
Sei que há vários meses, mais ou menos quando você "adoeceu" e ficou "desmemoriado" intensificou sua acção nesta zona.
Eles já existiam antes da guerra, porém, depois da nossa vitória estrondosa na França, ampliaram suas actividades, e sabemos pelas informações que os ingleses conseguem os nossos segredos militares, que há um grupo infiltrado e bem sediado na nossa cidade.
Como vê, estamos a par de quase tudo.
Precisamos da sua ajuda apenas para prender os culpados.
Apenas os nomes e depois, daremos liberdade a Ana e a seu filho.
Você irá para um campo de prisioneiros, onde estará com outros soldados seus conterrâneos até que ganhemos a guerra.
Sua voz era persuasiva e suas maneiras quase distintas.
E eu calado, procurando febrilmente uma forma de ganhar tempo, para fugir ao perigo da punição eminente.
Apesar da dor moral que me ia na alma, admirei-me do instinto de conservação que despertava dentro de mim aguçando-me a mente, apesar dos traumas e sofrimentos passados.
Entendi seu objectivo e não pretendi defender-me, mas será que Ana realmente me supusesse um canalha.
Da maneira que as coisas estavam, talvez fosse aquele o nosso último encontro.
Não queria que tudo acabasse assim.
Sem muita emoção, com a voz um tanto insegura pelo pranto que tivera que reter, pude dizer:
- Ana. Destrui sua vida.
Mas, quero que acredite na sinceridade do meu amor.
Se eu pudesse salvá-los, morreria feliz.
Não ensine nosso filho a me odiar.
Não sou tão culpado como você diz.
A guerra é que destrói nossas vidas.
A desumana que a ambição de alguns estabeleceu para a destruição de um povo, da sua felicidade, dos seus sonhos.
Sou contra a guerra!
Se você deve odiar alguma coisa, odeie a guerra que torna os homens piores do que feras.
Não guarde de mim ódio ou rancor.
Eu ainda a amo, Ana, a você e ao Karl.
- Poupe-nos sua farsa — volveu o capitão soltando chispas nos olhos.
No auge do desespero, misturara o francês com o parco alemão que aprendera e não sabia se Ana me havia compreendido.
Olhava-a ansioso quando a uma ordem dois soldados a levaram.
Seus olhos me fixavam com raiva e desprezo.
— Muito bem — volveu o capitão — Já sei de muita coisa com relação à rede de espionagem francesa.
Sei mais do que poderia supor.
Sei que há vários meses, mais ou menos quando você "adoeceu" e ficou "desmemoriado" intensificou sua acção nesta zona.
Eles já existiam antes da guerra, porém, depois da nossa vitória estrondosa na França, ampliaram suas actividades, e sabemos pelas informações que os ingleses conseguem os nossos segredos militares, que há um grupo infiltrado e bem sediado na nossa cidade.
Como vê, estamos a par de quase tudo.
Precisamos da sua ajuda apenas para prender os culpados.
Apenas os nomes e depois, daremos liberdade a Ana e a seu filho.
Você irá para um campo de prisioneiros, onde estará com outros soldados seus conterrâneos até que ganhemos a guerra.
Sua voz era persuasiva e suas maneiras quase distintas.
E eu calado, procurando febrilmente uma forma de ganhar tempo, para fugir ao perigo da punição eminente.
Apesar da dor moral que me ia na alma, admirei-me do instinto de conservação que despertava dentro de mim aguçando-me a mente, apesar dos traumas e sofrimentos passados.
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Re: Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto
Eu estava surpreendido.
Não sabia que nosso serviço secreto estivesse dando trabalho aos alemães.
De certa forma senti-me um pouco compensado por isso e de certa maneira também aliviado por não saber nada a respeito deles.
Ser-me-ia muito penoso atraiçoar meus compatriotas que lutavam arriscando a vida para reprimir a agressão e a ditadura nazista.
Parou na minha frente e agarrando.. pelo peito repetiu:
— Os nomes. Quais são os nomes?
Seus olhos eram ardentes e penetrantes, faiscavam diante de mim.
— Não sei... — respondi num sopro — não sabia que eles agiam na Alemanha.
Tomado de fúria, o capitão Rudolf esbofeteou-me as faces violentamente Foi como se um terramoto desabasse sobre mim.
Estava fraco e vencido pelas emoções.
O mal-estar físico superou a humilhação e a vergonha.
Naquela hora conheci bem e extensão da palavra ódio.
Odiei o capitão com tanta intensidade que por momentos a vista se me turvou.
Ele parecia Possesso.
Pensei que fosse Continuar a espancar-me, contudo, de repente, pareceu acalmar-se e saiu.
Logo após, vieram os enfermeiros e meu tormento continuou. Injecção de entorpecente.
Novamente a enfermaria. Novamente o pesadelo terrível.
Sempre pensei que numa guerra o pior que pudesse me acontecer fosse a morte, entretanto estava vivendo um suplício infinitamente maior e mais doloroso.
Diante dele, a morte se me afigurava libertação e paz.
Se ao menos não houvesse intervalos entre as aplicações, talvez que eu morresse mais depressa, ou pelo menos, permanecesse inconsciente do mundo horrível em que estava retido.
Mas, não; desejavam era mesmo atormentar-me para vencer-me a resistência pelo pavor ou então arrancar-me a verdade nas brumas da semi-consciência.
Quando davam alguma trégua com as injecções surgiam os interrogatórios sempre com as mesmas perguntas realizadas inesperadamente, com luz no meu rosto pálido e contorcido no ritus das drogas alucinatórias.
Não sabia se era dia ou noite, se estava vivo ou se perambulava qual duende infeliz nos umbrais do inferno.
Mas sei que não há homem capaz de resistir muito tempo a um "tratamento" como esse.
Se eu soubesse de algo, teria dito.
Entretanto, à medida que meu sofrimento excedia as raias do suportável, com o decorrer do tempo, com o ódio vibrando dentro de mim quando ficava mais lúcido, sentia, por mais paradoxal que possa parecer, certo prazer por não poder falar nada, por não lhes satisfazer os desejos, por colaborar para que fossem vencidos, eles os invencíveis, os dominadores, pelo menos uma vez, embora essa vitória fosse insignificante e estivesse me custando a razão e a vida.
Não duvidava que ia acabar enlouquecendo como os outros que me rodeavam na enfermaria dois.
Certa vez pensei ter chegado meu fim.
Minha capacidade de sofrimento estava esgotada, minhas forças físicas também.
Sofrera mais uma vez duro e cerrado interrogatório, infrutífero como sempre.
Não sabia que nosso serviço secreto estivesse dando trabalho aos alemães.
De certa forma senti-me um pouco compensado por isso e de certa maneira também aliviado por não saber nada a respeito deles.
Ser-me-ia muito penoso atraiçoar meus compatriotas que lutavam arriscando a vida para reprimir a agressão e a ditadura nazista.
Parou na minha frente e agarrando.. pelo peito repetiu:
— Os nomes. Quais são os nomes?
Seus olhos eram ardentes e penetrantes, faiscavam diante de mim.
— Não sei... — respondi num sopro — não sabia que eles agiam na Alemanha.
Tomado de fúria, o capitão Rudolf esbofeteou-me as faces violentamente Foi como se um terramoto desabasse sobre mim.
Estava fraco e vencido pelas emoções.
O mal-estar físico superou a humilhação e a vergonha.
Naquela hora conheci bem e extensão da palavra ódio.
Odiei o capitão com tanta intensidade que por momentos a vista se me turvou.
Ele parecia Possesso.
Pensei que fosse Continuar a espancar-me, contudo, de repente, pareceu acalmar-se e saiu.
Logo após, vieram os enfermeiros e meu tormento continuou. Injecção de entorpecente.
Novamente a enfermaria. Novamente o pesadelo terrível.
Sempre pensei que numa guerra o pior que pudesse me acontecer fosse a morte, entretanto estava vivendo um suplício infinitamente maior e mais doloroso.
Diante dele, a morte se me afigurava libertação e paz.
Se ao menos não houvesse intervalos entre as aplicações, talvez que eu morresse mais depressa, ou pelo menos, permanecesse inconsciente do mundo horrível em que estava retido.
Mas, não; desejavam era mesmo atormentar-me para vencer-me a resistência pelo pavor ou então arrancar-me a verdade nas brumas da semi-consciência.
Quando davam alguma trégua com as injecções surgiam os interrogatórios sempre com as mesmas perguntas realizadas inesperadamente, com luz no meu rosto pálido e contorcido no ritus das drogas alucinatórias.
Não sabia se era dia ou noite, se estava vivo ou se perambulava qual duende infeliz nos umbrais do inferno.
Mas sei que não há homem capaz de resistir muito tempo a um "tratamento" como esse.
Se eu soubesse de algo, teria dito.
Entretanto, à medida que meu sofrimento excedia as raias do suportável, com o decorrer do tempo, com o ódio vibrando dentro de mim quando ficava mais lúcido, sentia, por mais paradoxal que possa parecer, certo prazer por não poder falar nada, por não lhes satisfazer os desejos, por colaborar para que fossem vencidos, eles os invencíveis, os dominadores, pelo menos uma vez, embora essa vitória fosse insignificante e estivesse me custando a razão e a vida.
Não duvidava que ia acabar enlouquecendo como os outros que me rodeavam na enfermaria dois.
Certa vez pensei ter chegado meu fim.
Minha capacidade de sofrimento estava esgotada, minhas forças físicas também.
Sofrera mais uma vez duro e cerrado interrogatório, infrutífero como sempre.
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Re: Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto
Após a saída do capitão e seus imediatos, entrou um enfermeiro com a indesejável seringa.
Pensei que talvez estivesse no fim.
Sentia-me tão enfraquecido que provavelmente uma nova dose me seria fatal.
De certa maneira seria um alívio.
O fim de tudo! O silêncio eterno.
Apesar de pensar assim, por estranho que pareça, estremeci de horror ante a seringa e o veneno, O enfermeiro aproximou-se.
Recuei sem querer arregalando os olhos, como louco.
Em silêncio preparou a injecção e enquanto a enfiava no meu braço ouvi que me dizia baixinho no mais puro francês:
— Paciência companheiro. Vamos tirá-lo daqui.
Se quer viver e sair daqui, obedeça-me cegamente.
Esta não vai lhe fazer mal.
Espere. Quando puder dou outro aviso.
Jamais poderei esquecer a profunda emoção que me acometeu.
Pensava na morte e me ofereciam a vida;
pensava na loucura e na prisão e me ofereciam a liberdade;
pensava nos inimigos e aparecia-me um amigo.
Meu idioma pátrio jamais me pareceu tão lindo.
Lágrimas brotaram-me nos olhos e eu tremia como se todos os ventos do mundo me agitassem o corpo.
Olhei ao redor e procurei fixar-lhe o rosto.
Por entre alguma neblina, consegui perceber-lhe a fisionomia e embora sua atitude fosse inamistosa e fria, eu sabia que ela era apenas exterior.
— Finja dormir.
Foi a ordem e obedeci de pronto.
Em meu peito cantava uma esperança e agora parecia-me que uma janela começava a se abrir para arrancar-me das profundezas do inferno.
Ouvi que me conduziam à enfermaria dois.
Procurei fingir que estava sob efeito da droga e gemia balbuciando coisas desconexas como de costume.
Porém, não sei se foi o remédio que aquele mensageiro da minha esperança aplicou, se foi a própria alegria, ou ainda se foi o facto de não mais sentir só e desprotegido à mercê daqueles monstros, consegui descansar um pouco, tranquilamente.
Quando acordei, sentia-me um pouco melhor, mais animado.
Recordando os acontecimentos, a princípio receei que fosse um sonho.
Só depois de grande esforço consegui rememorar bem os detalhes e convencer-me de que fora realidade.
Ardia de impaciência por rever meu protector, mas, passou algum tempo antes que ele reaparecesse.
Veio na hora da ronda, talvez fosse noite, não sei.
Apesar da obscuridade, pressenti que era ele. Não disse nada.
Aplicou-me uma injecção, assim como nos demais.
Quando pensei que fosse sair, e já me sentia decepcionado, aproximou-se do meu leito e fingiu que consertava a correia que me prendia à cama.
Pensei que talvez estivesse no fim.
Sentia-me tão enfraquecido que provavelmente uma nova dose me seria fatal.
De certa maneira seria um alívio.
O fim de tudo! O silêncio eterno.
Apesar de pensar assim, por estranho que pareça, estremeci de horror ante a seringa e o veneno, O enfermeiro aproximou-se.
Recuei sem querer arregalando os olhos, como louco.
Em silêncio preparou a injecção e enquanto a enfiava no meu braço ouvi que me dizia baixinho no mais puro francês:
— Paciência companheiro. Vamos tirá-lo daqui.
Se quer viver e sair daqui, obedeça-me cegamente.
Esta não vai lhe fazer mal.
Espere. Quando puder dou outro aviso.
Jamais poderei esquecer a profunda emoção que me acometeu.
Pensava na morte e me ofereciam a vida;
pensava na loucura e na prisão e me ofereciam a liberdade;
pensava nos inimigos e aparecia-me um amigo.
Meu idioma pátrio jamais me pareceu tão lindo.
Lágrimas brotaram-me nos olhos e eu tremia como se todos os ventos do mundo me agitassem o corpo.
Olhei ao redor e procurei fixar-lhe o rosto.
Por entre alguma neblina, consegui perceber-lhe a fisionomia e embora sua atitude fosse inamistosa e fria, eu sabia que ela era apenas exterior.
— Finja dormir.
Foi a ordem e obedeci de pronto.
Em meu peito cantava uma esperança e agora parecia-me que uma janela começava a se abrir para arrancar-me das profundezas do inferno.
Ouvi que me conduziam à enfermaria dois.
Procurei fingir que estava sob efeito da droga e gemia balbuciando coisas desconexas como de costume.
Porém, não sei se foi o remédio que aquele mensageiro da minha esperança aplicou, se foi a própria alegria, ou ainda se foi o facto de não mais sentir só e desprotegido à mercê daqueles monstros, consegui descansar um pouco, tranquilamente.
Quando acordei, sentia-me um pouco melhor, mais animado.
Recordando os acontecimentos, a princípio receei que fosse um sonho.
Só depois de grande esforço consegui rememorar bem os detalhes e convencer-me de que fora realidade.
Ardia de impaciência por rever meu protector, mas, passou algum tempo antes que ele reaparecesse.
Veio na hora da ronda, talvez fosse noite, não sei.
Apesar da obscuridade, pressenti que era ele. Não disse nada.
Aplicou-me uma injecção, assim como nos demais.
Quando pensei que fosse sair, e já me sentia decepcionado, aproximou-se do meu leito e fingiu que consertava a correia que me prendia à cama.
Ave sem Ninho- Mensagens : 126043
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Re: Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto
Sussurrou para mim:
— O remédio vai provocar uma catalepsia. Não tenha medo.
Foi a única forma de salvá-lo.
Vai sentir-se mal, mas nada receie.
Não há perigo. Logo estaremos fora daqui.
É o nosso plano. Coragem.
Não largo você de maneira alguma.
Senti um baque surdo no coração.
Apavorei-me diante de um estado de morte aparente, mas uma onda de esperança invadiu-me a alma.
Talvez fosse o último sofrimento a vencer.
Quando ele se foi, um calafrio me percorreu todo.
Não demorou muito comecei a sentir um torpor paralisante que me enregelava o corpo.
Comecei a gemer enquanto que a sala girava em torno de mim.
Lembro-me que num segundo pensei em minha mãe, meu pai, minha irmã, Ana, meu filho, depois pensei em Deus.
Em Jesus Cristo, a quem aprendera a orar na infância.
Meu último pensamento foi para ele, apavorado e súplice.
Depois as brumas desceram sobre mim, nas insondáveis chamas da inconsciência.
— O remédio vai provocar uma catalepsia. Não tenha medo.
Foi a única forma de salvá-lo.
Vai sentir-se mal, mas nada receie.
Não há perigo. Logo estaremos fora daqui.
É o nosso plano. Coragem.
Não largo você de maneira alguma.
Senti um baque surdo no coração.
Apavorei-me diante de um estado de morte aparente, mas uma onda de esperança invadiu-me a alma.
Talvez fosse o último sofrimento a vencer.
Quando ele se foi, um calafrio me percorreu todo.
Não demorou muito comecei a sentir um torpor paralisante que me enregelava o corpo.
Comecei a gemer enquanto que a sala girava em torno de mim.
Lembro-me que num segundo pensei em minha mãe, meu pai, minha irmã, Ana, meu filho, depois pensei em Deus.
Em Jesus Cristo, a quem aprendera a orar na infância.
Meu último pensamento foi para ele, apavorado e súplice.
Depois as brumas desceram sobre mim, nas insondáveis chamas da inconsciência.
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Re: Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto
CAPITULO VIII - Início da volta
Minha primeira impressão ao acordar foi a de que o capitão Rudolf estava a meu lado, fixando-me com seus olhos azuis e perversos, buscando devassar os meus pensamentos mais íntimos.
Instintivamente recuei de pavor.
Gritei com todas as minhas forças:
— Não sei de nada. Juro que não sei de nada.
Deixem-me em paz.
Para meu espanto uma voz enérgica e amável respondeu-me incisiva em meu próprio idioma:
— Nada receie. Você já está livre. Somos amigos!
Custei a crer em meus ouvidos. Senti-me atordoado e muito fraco.
Apesar do meu esforço, as palavras saíam-me dos lábios quase inaudíveis e dificultosas.
Passados alguns instantes em que ainda misturei o pesadelo com a realidade, consegui balbuciar:
— Onde estou?
As pálpebras pesavam e parecia-me voltar de um outro mundo.
— Nada receie. Está entre companheiros.
Todos lhe somos gratos. Foi um herói.
Aproximando um cálice dos meus lábios pediu:
— Bebe isto. Sentir-se-á melhor.
Obedeci. Por um minuto comecei a pensar que estava morto e despertando no paraíso.
Sorvi a bebida de sabor desagradável e um calor reconfortante começou a invadir-me os membros frios e um tanto dormentes.
Depois de alguns minutos consegui abrir os olhos e estivesse atordoado pude contemplar meu generoso amigo.
Para surpresa minha, não se tratava do enfermeiro que me ajudara enfermaria dois.
Creio ter deixado transparecer minha admiração porquanto ele esclareceu:
— Meu nome é Jean.
O agente Leterre não pôde esperar seu despertar.
— Onde estou? - reinquiri.
- Num dos nossos esconderijos.
Estamos em um arrabalde da cidade.
Apesar da vertigem que ainda me toldava o olhar, tentei fixar a face forte do meu interlocutor. Senti-me bem.
Era um dos nossos.
Rosto fino, cabelos castanhos, fisionomia madura apesar de ser ainda moço.
— O agente Leterre?
— Sim. O enfermeiro que executou o nosso plano.
Infelizmente teve que voltar lá.
Está tentando libertar mais um dos nossos.
Não vai ser fácil, esperamos que consiga.
Minha primeira impressão ao acordar foi a de que o capitão Rudolf estava a meu lado, fixando-me com seus olhos azuis e perversos, buscando devassar os meus pensamentos mais íntimos.
Instintivamente recuei de pavor.
Gritei com todas as minhas forças:
— Não sei de nada. Juro que não sei de nada.
Deixem-me em paz.
Para meu espanto uma voz enérgica e amável respondeu-me incisiva em meu próprio idioma:
— Nada receie. Você já está livre. Somos amigos!
Custei a crer em meus ouvidos. Senti-me atordoado e muito fraco.
Apesar do meu esforço, as palavras saíam-me dos lábios quase inaudíveis e dificultosas.
Passados alguns instantes em que ainda misturei o pesadelo com a realidade, consegui balbuciar:
— Onde estou?
As pálpebras pesavam e parecia-me voltar de um outro mundo.
— Nada receie. Está entre companheiros.
Todos lhe somos gratos. Foi um herói.
Aproximando um cálice dos meus lábios pediu:
— Bebe isto. Sentir-se-á melhor.
Obedeci. Por um minuto comecei a pensar que estava morto e despertando no paraíso.
Sorvi a bebida de sabor desagradável e um calor reconfortante começou a invadir-me os membros frios e um tanto dormentes.
Depois de alguns minutos consegui abrir os olhos e estivesse atordoado pude contemplar meu generoso amigo.
Para surpresa minha, não se tratava do enfermeiro que me ajudara enfermaria dois.
Creio ter deixado transparecer minha admiração porquanto ele esclareceu:
— Meu nome é Jean.
O agente Leterre não pôde esperar seu despertar.
— Onde estou? - reinquiri.
- Num dos nossos esconderijos.
Estamos em um arrabalde da cidade.
Apesar da vertigem que ainda me toldava o olhar, tentei fixar a face forte do meu interlocutor. Senti-me bem.
Era um dos nossos.
Rosto fino, cabelos castanhos, fisionomia madura apesar de ser ainda moço.
— O agente Leterre?
— Sim. O enfermeiro que executou o nosso plano.
Infelizmente teve que voltar lá.
Está tentando libertar mais um dos nossos.
Não vai ser fácil, esperamos que consiga.
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Re: Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto
Conforme nosso diálogo se estabelecia eu ia me capacitando de que era tudo verdade.
O audacioso plano do agente Leterre obtivera pleno êxito.
Lágrimas vieram-me aos olhos e não me pejo de dizer que não as retive.
A torrente contida e armazenada em momentos de tensão e terror, de sofrimento e de angústia, bordejou insopitável sulcando-me as faces magras e pálidas.
Eu estava livre! Finalmente, eu estava livre!
Esse era o pensamento dominante a cantar dentro de mim, como se de repente depois de tantas noites intermináveis o sol viesse a iluminar e aquecer as alegrias de ser novamente um homem, um ser humano e de poder viver.
Passados os primeiros momentos, quando consegui acalme um pouco, Jean contou-me tudo.
A resistência francesa mantinha vasta rede de espionagem naquela área em constantes actividades.
Graças a ela, a Inglaterra, que as financiava em grande parte, assenhorava-se de grandes segredos militares, principalmente com relação aos submarinos alemães e seus planos de ataque.
Agiam com muita eficiência.
Todos os que mantinham contactos directos com os alemães e operavam na cidade, eram fisicamente do tipo germânico e falavam correctamente o alemão e com tal perfeição que ninguém desconfiava das suas reais ocupações.
Nas mais variadas funções.
Bombeiros, electricistas, mecânicos, conforme a situação e o momento que o elemento conhecia a "sua profissão" e passavam despercebidos com seus macacões de trabalho, ouvindo e gravando tudo.
Operavam no exército com tal eficiência e não chamavam a atenção.
Os oficiais da Gestapo eram tão superiores, sendo eficientes e seguros que não cogitavam sequer que a infiltração fosse possível.
O grupo que operava em contacto directo com os alemães tinham conhecimento de que haviam prendido um importante membro da resistência francesa.
Na sua verbosidade vaidosa, o capitão Rudolf comentara ao superior a prisão do espião, acreditando que através dele fosse possível desbaratar toda organização naquela cidade.
A noticia trazida por um dos agentes que de macacão consertara um dos carros do quartel, fora detidamente estudada pelo nosso contacto da retaguarda que efectuava a ligação entre a espionagem localizado além das linhas alemães da frente húngara com os agentes treinados para o contacto directo com alemães.
Apesar dos esforços para estabelecer a possível identidade do prisioneiro, ninguém conseguiu descobri-la ao certo.
Supôs, e apesar disso, que realmente se tratasse de um agente secreto da resistência.
Muitas precauções acauteladoras foram ornadas;
modificações de planos e retardamento de operações relacionadas.
Conheciam os métodos que habitualmente empregavam para fazer falar os espiões.
Sabiam ser quase impossível a resistência principalmente no que se refere à ingestão de drogas alucinatórias.
Porém, logo as notícias foram sendo tranquilizadoras.
O prisioneiro não falava.
Sofria horrores sem nada dizer.
O audacioso plano do agente Leterre obtivera pleno êxito.
Lágrimas vieram-me aos olhos e não me pejo de dizer que não as retive.
A torrente contida e armazenada em momentos de tensão e terror, de sofrimento e de angústia, bordejou insopitável sulcando-me as faces magras e pálidas.
Eu estava livre! Finalmente, eu estava livre!
Esse era o pensamento dominante a cantar dentro de mim, como se de repente depois de tantas noites intermináveis o sol viesse a iluminar e aquecer as alegrias de ser novamente um homem, um ser humano e de poder viver.
Passados os primeiros momentos, quando consegui acalme um pouco, Jean contou-me tudo.
A resistência francesa mantinha vasta rede de espionagem naquela área em constantes actividades.
Graças a ela, a Inglaterra, que as financiava em grande parte, assenhorava-se de grandes segredos militares, principalmente com relação aos submarinos alemães e seus planos de ataque.
Agiam com muita eficiência.
Todos os que mantinham contactos directos com os alemães e operavam na cidade, eram fisicamente do tipo germânico e falavam correctamente o alemão e com tal perfeição que ninguém desconfiava das suas reais ocupações.
Nas mais variadas funções.
Bombeiros, electricistas, mecânicos, conforme a situação e o momento que o elemento conhecia a "sua profissão" e passavam despercebidos com seus macacões de trabalho, ouvindo e gravando tudo.
Operavam no exército com tal eficiência e não chamavam a atenção.
Os oficiais da Gestapo eram tão superiores, sendo eficientes e seguros que não cogitavam sequer que a infiltração fosse possível.
O grupo que operava em contacto directo com os alemães tinham conhecimento de que haviam prendido um importante membro da resistência francesa.
Na sua verbosidade vaidosa, o capitão Rudolf comentara ao superior a prisão do espião, acreditando que através dele fosse possível desbaratar toda organização naquela cidade.
A noticia trazida por um dos agentes que de macacão consertara um dos carros do quartel, fora detidamente estudada pelo nosso contacto da retaguarda que efectuava a ligação entre a espionagem localizado além das linhas alemães da frente húngara com os agentes treinados para o contacto directo com alemães.
Apesar dos esforços para estabelecer a possível identidade do prisioneiro, ninguém conseguiu descobri-la ao certo.
Supôs, e apesar disso, que realmente se tratasse de um agente secreto da resistência.
Muitas precauções acauteladoras foram ornadas;
modificações de planos e retardamento de operações relacionadas.
Conheciam os métodos que habitualmente empregavam para fazer falar os espiões.
Sabiam ser quase impossível a resistência principalmente no que se refere à ingestão de drogas alucinatórias.
Porém, logo as notícias foram sendo tranquilizadoras.
O prisioneiro não falava.
Sofria horrores sem nada dizer.
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Re: Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto
A cada novo interrogatório a admiração pelo agente aumentava e uma auréola de mártir foi sendo levantada ao redor da minha figura.
Por fim planearam minha libertação.
Vestido de enfermeiro, Leterre infiltrara-se na enfermaria e conseguira aproximar-se de mim, dando cumprimento ao plano.
As notícias sobre as torturas provocavam exclamações de ódio e de horror em todos os agentes.
Jean continuava contando-me tudo.
Quando eu fui encontrado aparentemente morto no leito da enfermaria dois, ninguém se preocupou.
Era caso de rotina morrer um daqueles infortunados cujo coração enfraquecia a cada dia pelo efeito dos tóxicos.
O capitão Rudolf esbracejou um pouco, mas acabou por dizer que eu estava louco e só um louco poderia atrever-se a resistir até a morte.
Fui levado para a sala que servia de necrotério e colocado ao lado de outros dois para ser levado ao forno crematório de Armensteth.
Leterre e outro agente, encostaram calmamente o carro que comumente exercia essa actividade, colocaram os três corpos e saíram naturalmente saudando o porteiro como de praxe.
Rumaram para o crematório, mas tomando um atalho, já outro carro nos esperava.
Colocaram os corpos dos outros dois em uma vala e os cobriram com terra.
Destruíram os vestígios e enquanto o outro agente levava de volta o carro do exército, Leterre conduzia-me para a periferia.
Trouxera-me à cabana que lhes servia de esconderijo e deixara-me aos cuidados de um dos agentes.
Regressara à cidade depois de prometer voltar na noite seguinte para partirmos de regresso à pátria.
Conta-nos agora, — pediu Jean — qual é tua senha e tua zona de acção.
Tive pena de decepcioná-lo, porém, nada podia contar senão a verdade.
— Estou muito fraco — balbuciei — mas posso lhe dizer que sou um soldado apenas.
Não faço parte da resistência, estou na Alemanha desde a batalha em Sedan.
Lamento ter-lhes dado tanto trabalho.
Gostaria de ter sido um herói, mas não fui.
Não sou agente secreto. Devo-lhes a vida.
Jamais poderei retribuir. Jean ainda duvidou:
— Não receie. Pode ter confiança em mim.
Sou da equipe de Blanchard, agente 48.
"As aves poderão voar neste verão".
Deu a senha e esperou.
Abri os olhos que na exaustão cerrara e redargui:
— Não duvido. Porém, não tenho a glória de ser um de vocês.
Vou contar tudo.
Devagar, mas sem omitir nada contei-lhe lenta e resumidamente a minha história.
Confesso que não tive coragem de relatar as profundezas do meu amor por Ana.
Meu interlocutor falava do inimigo com tal veemência que receei não ser compreendido.
Por fim planearam minha libertação.
Vestido de enfermeiro, Leterre infiltrara-se na enfermaria e conseguira aproximar-se de mim, dando cumprimento ao plano.
As notícias sobre as torturas provocavam exclamações de ódio e de horror em todos os agentes.
Jean continuava contando-me tudo.
Quando eu fui encontrado aparentemente morto no leito da enfermaria dois, ninguém se preocupou.
Era caso de rotina morrer um daqueles infortunados cujo coração enfraquecia a cada dia pelo efeito dos tóxicos.
O capitão Rudolf esbracejou um pouco, mas acabou por dizer que eu estava louco e só um louco poderia atrever-se a resistir até a morte.
Fui levado para a sala que servia de necrotério e colocado ao lado de outros dois para ser levado ao forno crematório de Armensteth.
Leterre e outro agente, encostaram calmamente o carro que comumente exercia essa actividade, colocaram os três corpos e saíram naturalmente saudando o porteiro como de praxe.
Rumaram para o crematório, mas tomando um atalho, já outro carro nos esperava.
Colocaram os corpos dos outros dois em uma vala e os cobriram com terra.
Destruíram os vestígios e enquanto o outro agente levava de volta o carro do exército, Leterre conduzia-me para a periferia.
Trouxera-me à cabana que lhes servia de esconderijo e deixara-me aos cuidados de um dos agentes.
Regressara à cidade depois de prometer voltar na noite seguinte para partirmos de regresso à pátria.
Conta-nos agora, — pediu Jean — qual é tua senha e tua zona de acção.
Tive pena de decepcioná-lo, porém, nada podia contar senão a verdade.
— Estou muito fraco — balbuciei — mas posso lhe dizer que sou um soldado apenas.
Não faço parte da resistência, estou na Alemanha desde a batalha em Sedan.
Lamento ter-lhes dado tanto trabalho.
Gostaria de ter sido um herói, mas não fui.
Não sou agente secreto. Devo-lhes a vida.
Jamais poderei retribuir. Jean ainda duvidou:
— Não receie. Pode ter confiança em mim.
Sou da equipe de Blanchard, agente 48.
"As aves poderão voar neste verão".
Deu a senha e esperou.
Abri os olhos que na exaustão cerrara e redargui:
— Não duvido. Porém, não tenho a glória de ser um de vocês.
Vou contar tudo.
Devagar, mas sem omitir nada contei-lhe lenta e resumidamente a minha história.
Confesso que não tive coragem de relatar as profundezas do meu amor por Ana.
Meu interlocutor falava do inimigo com tal veemência que receei não ser compreendido.
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Re: Série Lucius - Entre o Amor e a Guerra / Zibia Gasparetto
Qualquer soldado, qualquer homem, era capaz de entender uma atracção de natureza carnal, com relação a uma mulher da zona inimiga, mas, não julgariam honroso amar essa mesma mulher, e sentir por ela respeito e admiração.
Por isso, ao relatar-lhe minhas aventuras na zona inimiga, omiti esse detalhe.
Era muito difícil para mim renunciar ao respeito e a estima dos meus concidadãos, mormente em época de guerra, quando haviam exposto preciosas vidas para salvar-me.
A decepção de não ser um deles, já era o bastante.
Quando terminei Jean pareceu-me pensativo.
- Acho que eu não valia o sacrifício de vocês, mas ainda não sendo quem esperavam, sou-lhes muitíssimo grato.
Jean sorriu.
- De maneira alguma, não pense assim.
Faz parte do nosso trabalho a libertação dos compatriotas.
Ainda que soubéssemos a verdade tê-lo-íamos salvo.
Eu pensava no destino dessas crianças sem pai, e até sem lar, quando a guerra terminar.
Seu caso é raro. A ideia foi muito bem urdida.
De certa forma, você é como se fosse dos nossos.
Aquelas palavras tão compreensivas fizeram-me imenso bem.
Conversamos muito durante o tempo que antecedeu à largada do agente Leterre.
Eu mais ouvia do que falava por estar ainda doente e trémulo, mas o prazer de trocar ideias livremente com um amigo, de ouvir o meu próprio idioma, excitava-me o ânimo galvanizando forças que há muito eu não sentia.
O tempo passava e Leterre não vinha.
Como era bom poder comer outra vez, como um ser humano, estar longe da ração odiosa e escassa de enfermaria.
Eu ardia de impaciência.
Temia pela vida de Leterre.
Jean deitou-se em uma cama que havia a um canto e recomendou-me que dormisse porque a viagem deveria ser penosa e cansativa.
Sua calma teve o dom de serenar-me.
Temia que algo pudesse ocorrer destruindo os planos de alegria e regresso.
Adormeci. Despertei pouco depois com um leve ruído na porta da cabana.
A princípio assustei. Depois chamei por Jean, baixinho.
Ele acordou imediatamente o que demonstrou que estava de sobreaviso.
Saltou rápido e esperou.
Ouviu-se um leve ruído na porta como se alguém a raspasse levemente com as unhas.
Jean abriu com um suspiro de alívio e a figura esbelta e alta do agente Leterre entrou na cabana.
Vinha acompanhado de um outro, mais baixo e mais velho.
À luz fraca da lanterna, pude verificar que era Leterre o generoso enfermeiro que na hora mais crucial de minha vida, reacendera-me a esperança.
Por isso, ao relatar-lhe minhas aventuras na zona inimiga, omiti esse detalhe.
Era muito difícil para mim renunciar ao respeito e a estima dos meus concidadãos, mormente em época de guerra, quando haviam exposto preciosas vidas para salvar-me.
A decepção de não ser um deles, já era o bastante.
Quando terminei Jean pareceu-me pensativo.
- Acho que eu não valia o sacrifício de vocês, mas ainda não sendo quem esperavam, sou-lhes muitíssimo grato.
Jean sorriu.
- De maneira alguma, não pense assim.
Faz parte do nosso trabalho a libertação dos compatriotas.
Ainda que soubéssemos a verdade tê-lo-íamos salvo.
Eu pensava no destino dessas crianças sem pai, e até sem lar, quando a guerra terminar.
Seu caso é raro. A ideia foi muito bem urdida.
De certa forma, você é como se fosse dos nossos.
Aquelas palavras tão compreensivas fizeram-me imenso bem.
Conversamos muito durante o tempo que antecedeu à largada do agente Leterre.
Eu mais ouvia do que falava por estar ainda doente e trémulo, mas o prazer de trocar ideias livremente com um amigo, de ouvir o meu próprio idioma, excitava-me o ânimo galvanizando forças que há muito eu não sentia.
O tempo passava e Leterre não vinha.
Como era bom poder comer outra vez, como um ser humano, estar longe da ração odiosa e escassa de enfermaria.
Eu ardia de impaciência.
Temia pela vida de Leterre.
Jean deitou-se em uma cama que havia a um canto e recomendou-me que dormisse porque a viagem deveria ser penosa e cansativa.
Sua calma teve o dom de serenar-me.
Temia que algo pudesse ocorrer destruindo os planos de alegria e regresso.
Adormeci. Despertei pouco depois com um leve ruído na porta da cabana.
A princípio assustei. Depois chamei por Jean, baixinho.
Ele acordou imediatamente o que demonstrou que estava de sobreaviso.
Saltou rápido e esperou.
Ouviu-se um leve ruído na porta como se alguém a raspasse levemente com as unhas.
Jean abriu com um suspiro de alívio e a figura esbelta e alta do agente Leterre entrou na cabana.
Vinha acompanhado de um outro, mais baixo e mais velho.
À luz fraca da lanterna, pude verificar que era Leterre o generoso enfermeiro que na hora mais crucial de minha vida, reacendera-me a esperança.
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